Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3158/22.4T8VCT.G1
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: CASO JULGADO
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
MATÉRIA DE FACTO
QUESTÃO NOVA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, porquanto esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.
II - A enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação, mas pode conter pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objecto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica.
III - Os factos novos ou questões novas, não suscitadas antes de interposto o recurso, nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do art.º 608º, nº 2 do NCPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas.
IV - A excepção de não cumprimento do contrato, prevista no art.º 428º do CC é uma excepção de direito material que não é de conhecimento oficioso, devendo a respectiva factualidade integradora ser alegada na contestação, sob pena de preclusão.
V - Se os factos integradores da excepção e o efeito jurídico pretendido tiverem sido invocados pelo réu na contestação - ainda que sem terem sido expressamente qualificados como tal - e vierem a ser provados, nada impede que o tribunal dela conheça, fazendo a devida qualificação e aplicando o pertinente direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

EMP01..., Lda,
instaurou a presente acção sob a forma de processo comum contra
AA e mulher BB e
EMP02...,
peticionando, a final, a condenação dos 1ºs réus a pagar à autora a quantia de € 9.807,19 (nove mil oitocentos e sete euros e dezanove cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa comercial, desde a data da prestação dos serviços até efectivo e integral pagamento e, subsidiariamente, a condenação da ré sociedade a pagar à autora a referida quantia, com acréscimo dos juros, à taxa comercial.
Alegou, para tanto e em síntese, que a autora celebrou com o réu AA vários contratos de empreitada, nomeadamente para a realização de obras numa moradia em ..., em dois moinhos sitos em ... e numa moradia sita nas ....
Para a moradia de ... foram elaborados o orçamento nº ...16, no valor de € 3.000,00 e orçamento nº ...15, no valor de € 1.151,00 acrescido do IVA, os quais foram aceites pelo referido réu; foram, ainda, contratados trabalhos extra no decurso da obra, constantes do orçamento nº ...14, no valor total de € 745,00; todos os trabalhos contratados a que respeitam os referidos orçamentos foram prestados, mas apenas foi liquidado o valor de € 1.660,00, estando em dívida o montante de € 2.385,00.
Para a obra de ..., a autora apresentou ao réu o orçamento nº ...63, no montante de € 7.830,00 e o orçamento para a realização de trabalhos extra nº ...31, no montante de € 616,00, os quais foram aceites pelo réu; sendo que no decurso da obra, foram contratados e realizados trabalhos não contemplados no orçamento. Para a referida obra, a autora subcontratou a empresa EMP03..., Unipessoal, Lda. para trabalhos de remoção e colocação de telhas, no montante de € 5.800,00; a referida sociedade demandou a autora, em acção judicial, reclamando o pagamento da quantia de € 2.287,80 referente ao fornecimento de chapas de subtelha onduline, solicitada pelo réu AA, valor que a autora pagou aquela empresa. Relativamente a essa obra, está em dívida a quantia de € 2.783,56.
Para a obra das ..., foi apresentado o orçamento nº ...71, no valor total de € 2.657,05 e, ainda, o orçamento nº ...85, no montante de € 500,00 e o orçamento nº ...68, no montante de € 400,00; os trabalhos foram realizados e aceites pelo réu AA, mas encontra-se em dívida o montante de € 2.350,83, tendo sido paga apenas a quantia de € 1.206,33.
Entretanto, foi intentada uma acção judicial contra a autora pelas rés BB e EMP02..., na qual a autora deduziu reconvenção, peticionando o pagamento dos valores aqui reclamados, porém, na audiência prévia, a ré foi absolvida da instância.
Alegou, ainda, que o réu AA é casado com a ré BB, e os prédios onde foram executadas as obras pertencem a ambos; e que o réu AA, solicitou que os trabalhos fossem facturados à sociedade EMP02... de que os réus são donos em ... e que nas facturas fossem referidos fornecimentos de materiais e de obras executadas em ....
Citados, os réus contestaram invocando a litispendência, dizendo que a ré EMP02... instaurou contra a Autora a acção que corre termos sob o nº 2413/22...., no Juízo Local Cível de Viana do Castelo (J...), a qual não foi contestada, razão pela qual foi a acção julgada totalmente procedente e a ali ré, condenada a proceder à eliminação e reparação de todos os defeitos e danos das obras sitas em ... e ..., obras essas que correspondem a duas das três obras objecto dos presentes autos, ou, em alternativa, a pagar à autora a quantia de € 32.202,75, necessária para proceder à eliminação dos defeitos e danos verificados, acrescida do IVA.
Invocaram, ainda, a excepção de ilegitimidade passiva, alegando, em síntese, que a ré BB é casada com o Réu AA no regime de separação de bens, sendo a única dona e legítima proprietária dos prédios objecto das obras sitas em ... e ... e ainda que o prédio sito no Lugar ... é propriedade da filha CC.
Mais alegaram que as obras do prédio sito em ... e dos moinhos de ..., foram contratados pela ré BB à sociedade EMP02... e as obras do prédio sito nas ... foram contratadas pela sua filha CC à mesma sociedade; tendo as mesmas obras sido subcontratadas pela EMP02... à autora.
Alegaram também que as obras de ... e ... apresentam defeitos, os quais foram denunciados à sociedade empreiteira, que, por sua vez, os denunciou à autora, mas esta não procedeu à sua reparação, estando esta orçamentada no valor total de € 32.202,75.
Dizem ainda, ainda, que a ré EMP02... não encomendou ou adquiriu qualquer mercadoria à EMP03..., Unipessoal, Lda., e os réus AA e BB não tiveram qualquer intervenção na subcontratação da referida sociedade.
E relativamente à obra das ..., arguiram ainda a excepção de não cumprimento, dizendo que a autora não concluiu os trabalhos.
Terminaram pedindo a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão proferida no processo nº 2413/22...., a procedência das excepções ou a improcedência da acção.
Notificada, a autora respondeu às excepções dilatórias invocadas, pugnando pela sua improcedência.
Findos os articulados, foi proferido despacho saneador por escrito que conheceu das excepções de ilegitimidade e litispendência invocadas pelos réus, julgando-as improcedentes e, de seguida, foi ainda proferido despacho de fixação do objecto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Após, a requerimento dos réus, foi designada audiência prévia, no decurso da qual se procedeu à redefinição do objecto do processo e enunciação dos temas de prova, conforme consta da respectiva acta.

Realizada a audiência final, foi prolatada sentença, constando do respectivo dispositivo o seguinte:
V – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência:
- Condena-se a Ré EMP02..., a pagar à Autora a quantia de € 3.573,51 (três mil quinhentos e setenta e três euros e cinquenta e um cêntimos), com acréscimo dos juros de mora, à taxa comercial, desde a data das prestação até efectivo e integral pagamento.  (…)
- Absolvem-se dos pedidos os Réus AA e BB.
Custas pela Autora e Ré EMP02..., na proporção do decaimento (art.º 527º, nº 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.”.

Inconformada com a sentença proferida, veio a autora interpor recurso, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:
“1. Na presente acção, o objeto do processo era aferir os trabalhos extras realizados nas obras de ... e ...; o contrato e os valores em dívida referentes à obra das ... e a excepção de incumprimento da obra sita nas ....
2. Não foi discutido no presente processo o valor acordado para a realização dos trabalhos na obra de ... e de ..., assim como não foram discutidos os valores pagos e os valores em dívida pois resultam como provados no processo n.º 2413/22...., por força da autoridade do caso julgado.
3. Resultam como provados por força da referida acção número 2413/22...., quanto à obra de ... e ... que: - Em Maio de 2019, a Autora e a Ré, celebraram um contrato de sub-empreitada para realização de trabalhos de reparação das chaminés, caleiros e rufos da moradia de ..., pelo preço global de € 4.151,00 (…) e um contrato de sub-empreitada para a reparação dos telhados e chaminés dos moinhos sitos em ..., pelo preço global de € 6.500,00 (…) - Por conta das referidas obras, foram já pagas pela Autora à Ré, a quantia global de € 2.866,22 (…) para a obra de ... e € 3.250,00 (…) para a obra de ... (…).
4. Para a obra de ... ficou acordado o preço global de 4.151€ para realização dos trabalhos, da qual estava paga a quantia de €2.866,22, e para a obra de ... ficou acordado o preço global de €6.500,00 para realização dos trabalhos, da qual estava paga a quantia de €3.250,00.
5. Assim sendo, por força da autoridade do caso julgado, resulta como provado que se encontra em dívida a quantia de €1.284,78 relativamente à obra de ... (4.151€ - 2.866,22€), e a quantia de €3.250,00 relativamente à obra de ... (€6.500,00 - €3.250,00).
6. Com o devido respeito, não pode a A. conformar-se com a decisão proferida quanto ao ponto k) da matéria de facto dada como provada:
k) Por conta da obra de ..., a Ré EMP02... pagou à Autora a quantia de € 5.662,44.
7. Tal facto não podia ter resultado como provado por força da autoridade do caso julgado da acção n.º 2413/22...., no qual resulta provado que o valor pago quanto à obra de ... é de €3.250,00.
8. Os valores acordados e pagos quanto à obra de ... e de ... não foram discutidos no presente processo, pois não constam no objeto do processo, nem tampouco nos temas de prova.
9. Os valores peticionados e pagos pela Autora na petição inicial quanto à obra de ... e de ... eram distintos dos que aqui resultaram como provados, e tais factos não foram discutidos nos presentes autos por força da autoridade do caso julgado, e porque não constam do objecto do processo e dos temas de prova.
10. Pelo que, não podem ser considerados os valores indicados na petição inicial quanto à obra de ... e de ....
11. Por força da autoridade do caso julgado, devem ser considerados os seguintes valores quanto à obra de ...: valor total da empreitada €6.500,00; valor pago de €3.250,00; e, valor em dívida de €3.250,00, conforme resulta como provado no ponto e) da matéria de facto dada como provada, por força da autoridade do caso julgado da acção n.º 2413/22.....
12. Face ao exposto, deve ser dado como não provado o ponto k) da matéria de facto dada como não provada por violar a autoridade do caso julgado, e consequentemente, deve ser proferida decisão que condene a R. a pagar à A. a quantia total de (... €1.284,78; ... €3.250,00; e, ... €1.451,17) 5.985,95€ (cinco mil novecentos e oitenta e cinco euros e noventa e cinco cêntimos).
13. A decisão proferida viola o disposto nos artigos 619º e 621º do CPC.
14. Relativamente as chapas de subtelha onduline colocadas nos moinhos da obra sita em ..., resulta como provados nos pontos p), q) e r) que as mesmas foram adquiridas pela Autora à EMP04..., que foram aplicadas na obra de ..., que a A. pagou € 2.287,80 e que as chapas de subtelha onduline adquiridas à EMP05... não foram colocadas na obra de ....
15. Resulta como provado que as chapas de subtelha onduline compradas pela R. à EMP05... não foram aplicadas na obra, porque não eram adequadas aos trabalhos a realizar naquela obra.
16. Resulta da prova produzida, das declarações do legal representante da Autora, e das testemunhas DD e EE, que as chapas de subtelha onduline que foram aplicadas na obra de ... foram fornecidas pela empresa EMP04..., e foram pagas pela aqui A. EMP01....
17. É indiscutível que as chapas de subtelha onduline se encontram aplicadas na obra sita em ..., e que o legal representante da Ré a aceitou, sem reservas.
18. O legal representante da Ré teve conhecimento que a mesma se encontra aplicada na obra sita em ..., e aceitou a sua aplicação na referida obra, sem reservas, e em momento algum o legal representante da Ré reclamou defeitos quanto as chapas de subtelha onduline ou que as aplicadas não eram adequadas.
19. Conforme resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas EE e DD tratou-se de uma alteração à obra necessária para a sua execução, pois as telhas fornecidas pela R. não eram adequadas à obra.
20. Pelo que, deve a R. ser condenada a pagar à A. a quantia de €2.287,80 referente ao fornecimento das referidas chapas de subtelha onduline que foram aplicadas nos moinhos da obra de ..., ....
21. Nos termos do artigo 1215º do CC, deparando-se o empreiteiro com a necessidade técnica de fazer alterações à obra e sabendo-se que lhe cabe realizar a empreitada sem vícios, é coerente e consequente estabelecer a lei, em caso de ausência de acordo dos interessados, que seja o tribunal a determinar o conteúdo das mudanças e o respectivo preço.
22. Assim sendo, deve o Tribunal revogar a decisão proferida e substituí-la por uma nova decisão que determine o conteúdo das mudanças - telhas fornecidas pela EMP04..., e o respectivo preço a ser pago pela R., tendo em consideração o valor que a A. pagou à empresa EMP04... pelo fornecimento daquelas.
23. Caso assim não se entenda, o que apenas de equaciona por mera questão de patrocínio, sempre deve o Tribunal, nos termos do artigo 1214º, nº 3, relegar para execução de sentença o direito da A. exigir à R. uma indemnização, pelo enriquecimento sem causa.
24. A decisão proferida viola o disposto nos artigos 1214º e 1215º do Código Civil.”.
Veio igualmente a ré EMP02... interpor recurso, constando o seguinte das respectivas conclusões:
«I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida sobre a matéria de facto, especificando-se infra qual o concreto ponto de facto que se considera incorretamente julgado, qual o concreto meio probatório que impunha decisão diversa da recorrida e qual a decisão que, no entender da recorrente, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada e, ainda, da decisão de direito que se traduz em parte da Sentença que, decidiu julgar a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e, em consequência, “condenar a Ré EMP02..., a pagar à Autora a quantia de € 3.573,51 (três mil quinhentos e setenta e três euros e cinquenta e um cêntimos), com acréscimo dos juros de mora, à taxa comercial, desde a data da prestação até efetivo e integral pagamento.”
II. É, o seguinte, o concreto ponto de facto que a recorrente considera incorretamente julgado: não ter o Tribunal a quo inserido na matéria dada como provada a factualidade que infra se especifica, correspondente ao ponto E) -A.
III. Entende a recorrente que o Tribunal a quo equivocou-se na apreciação e valoração da prova, no que concerne a parte da matéria de facto e, inerentemente, da factualidade que se olvidou de dar como provada, matéria essa que assume caráter basilar com clara importância para a alteração da decisão proferida e, ainda, no que respeita à decisão de direito e à condenação da recorrente no pagamento à recorrida do preço das obras de ... e ..., tendo o Tribunal a quo descurado, in totum, a autoridade de caso julgado do processo n.º 2413/22.... que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz ....
IV. Concretizando, o Tribunal a quo dá como provado nos pontos a), b), c), d), e e) da matéria da fundamentação de facto:
“a) Correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo (J...), a acção declarativa sob a forma comum sob o nº 2413/22...., intentada pela aqui Ré EMP02... contra a aqui Autora, formulando pedido de condenação na eliminação e reparação dosdefeitos e danos existentes nos prédios objecto da presente causa sitos em ... e ..., ou, em alternativa pagar à Autora a quantia de € 32.202,75 (trinta e dois mil duzentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos), crescida e IVA e jutos de mora (cfr.doc. nº ... junto com a contestação).
b) A Ré, aqui Autora, não contestou a referida acção (cfr. doc. nº ... junto com a contestação).
c) Por sentença proferida no dia 31 de Outubro de 2020, foi a acção julgada totalmente procedente, e a Ré condenada na totalidade do pedido (cfr. cópia da sentença junta como doc. nº ... com a contestação).
d) Da referida sentença foi interposto recurso pela Ré, tendo a final sido proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a Apelação improcedente e condenou a Ré a proceder à eliminação e reparação de todos os defeitos e danos existentes nos prédios objecto das obras dos contratos de sub-empreitada, após o trânsito em julgado da decisão (cfr. Acórdão junto aos autos por requerimento de 22/03/2023).
e) Na referida acção, foram dados como provados:
(…)”
V. Ora, a factualidade dada como assente naquela ação impõe-se na presente ação, não podendo agora o tribunal dar como provada matéria diferente, ou olvidar-se da matéria dada como assente naquela outra, por força da autoridade de caso julgado consagrada no art.º 619 do Código de Processo Civil.
VI. Assim, pela relevância que assume para o enquadramento da factualidade dada como provada, e a que deveria ter sido dada como provada, e, consequente, decisão de direito, dever-se-á evidenciar que, no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 16/03/2023, transitado em julgado, foi dado como provado, entre a demais factualidade, o seguinte facto:
«29. acresce, ainda, referir que, por força do cumprimento defeituoso dos contratos, tem a Autora a faculdade de recusar a sua prestação ainda em débito perante a Ré enquanto esta última não corrigir os defeitos e reparar os danos como solicitado.»
VII. Em face de tal, estaria vedado ao Tribunal motivar a sua decisão na falta de invocação pela recorrente da exceção de não cumprimento, quando na ação n.º 2413/22.... foi dado como assente que a recorrente tem a faculdade de recusar a sua prestação relativamente aos contratos subempreitada das obras de ... e ..., enquanto a recorrida não corrigir os defeitos e reparar os danos.
VIII. A própria decisão recorrida na sua motivação refere que “quanto ao tipo de contrato subjacente aos autos, partes contratantes, objecto dos contratos e defeitos verificados nas obras de ... e ..., o tribunal considerou como provados os factos dados como provados no âmbito da acção que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo (J...) sob o nº 2413/22...., atenta a autoridade de caso julgado de que a respectiva decisão se encontra munida e que se impõe dentro e fora do processo, nos termos do disposto no art.º 619º, nº 1 e 621º do CPC, tendo sido fundamental para o efeito o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães junto aos autos no dia 20/06/2023, já transitado em julgado. Foi com base na respectiva sentença e Acórdão proferidos que o tribunal deu como provados os factos enunciados nas als. a), b), c), d) e e) dos factos provados.”
IX. Ora, o Tribunal, na sentença de que se recorre, considerou como provados os factos dados como provados no âmbito da ação que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo, J..., sob o nº 2413/22...., olvidando que, do elenco de tal factualidade, constava o facto “por força do cumprimento defeituoso dos contratos, tem a Autora a faculdade de recusar a sua prestação ainda em débito perante a Ré enquanto esta última não corrigir os defeitos e reparar os danos como solicitado.”
X. Consequentemente, dado tal facto como como assente na ação já transitada em julgado, deve aditar-se aos factos provados um novo com a redação seguinte:
“e) Na referida ação, foram dados como provados, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, os seguintes factos:
A) - por força do cumprimento defeituoso dos contratos, tem a Autora a faculdade de recusar a sua prestação ainda em débito perante a Ré enquanto esta última não corrigir os defeitos e reparar os danos como solicitado.”
XI. Sendo o meio probatório a atender a certidão do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo n.º 2413/22...., que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz ..., com menção da data do trânsito em julgado, a fls… , junta aos autos a quo em 20.06.2023.
XII. Atenta a factualidade dada como provada, como não provada e a que a recorrente entende que deveria ter sido dada como provada, bem como da prova constante dos autos, a única conclusão possível seria julgar improcedente por não provado, o pedido da recorrida na condenação da recorrente no pagamento do preço convencionado relativo às obras de ... e ....
XIII. Esta conclusão resulta da força jurídica do caso julgado proferido no processo n.º 2413/22...., que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz ... e acolhido na sentença de que se recorre.
XIV. Ao decidir de forma diversa, tendo-se julgado parcialmente procedente o pedido da recorrida no pagamento dos trabalhos das obras de ... e ... em direta oposição com a decisão proferida no aludido processo n.º 2413/22...., foi violado o princípio da intangibilidade do caso julgado.
XV. Dispõe o artigo 619º, nº 1, do CPC que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”.
XVI. A citada disposição legal reporta-se e delimita os contornos do caso julgado material, ou seja, o caso julgado que se forma relativamente à decisão que, decidindo do mérito da causa, define a relação ou situação jurídica deduzida em juízo - a relação material controvertida -, determinando que tal decisão tem força obrigatória dentro e fora do processo e impedindo, dessa forma, que a mesma relação material venha a ser definida em moldes diferentes pelo tribunal ou qualquer outra autoridade.
XVII. Cumpre evidenciar que eficácia do caso julgado não se limita à decisão final, sendo amplamente assente na doutrina e jurisprudência que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado.
XVIII. A decisão de mérito proferida numa ação forma, assim, caso julgado quanto a essa concreta causa de pedir, impedindo que o mesmo fundamento possa ser posto em causa noutra ação.
XIX. A sentença recorrida acabou por reapreciar a relação jurídica material controvertida que foi objeto da ação declarativa n.º 2413/22...., e por concluir, em quadro de definição do direito da recorrida, dever impor à recorrente o pagamento do preço das obras de ... e ... em sentido diverso da sentença transitada em julgado proferida naquela ação, que deu como assente que a recorrente tem a faculdade de recusar a sua prestação ainda em débito perante a recorrida enquanto esta última não corrigir os defeitos e reparar os danos em que foi condenada.
XX. Em consequência, deveria o Tribunal a quo ter acatado a decisão do caso julgado ocorrido no aludido processo nº 2413/22...., e estava-lhe vedado decidir novamente sobre a questão da obrigação do pagamento do preço das obras de ... e ....
XXI. Resulta de tudo quanto precede que a sentença recorrida violou, assim, patentemente, a autoridade de caso julgado, contrariando de forma clara o decidido no referido processo n.º 2413/22...., que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo – Juiz ..., violando, deste modo, os artigos 413.°, 619.º, 621.°, 625.º, 628.º, e artigos 580.°e 581.º todos do CPC.».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas nos recursos, e a sua precedência lógica, são as seguintes:

a. se o tribunal a quo ocorreu em erro de julgamento na decisão da matéria de facto, por ofensa do caso julgado material, formado na decisão proferida na acção que correu termos sob o nº 2413/22....:
i. quanto à al. k), por ter aí sido considerado provado que a ré procedeu à liquidação relativamente à obra de ... de valor superior àquele que foi dado como provado naqueloutro processo (devendo, em consequência, ser alterada a decisão final) [recurso da autora]; e
ii. ao não ter inserido na matéria de facto provada que “por força do cumprimento defeituoso dos contratos, tem a Autora a faculdade de recusar a sua prestação ainda em débito perante a Ré enquanto esta última não corrigir os defeitos e reparar os danos como solicitado”, por se tratar de factualidade dada como assente naqueloutra acção [recurso da ré];
b. se o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento quanto à decisão de direito:
i. na parte relativa ao fornecimento das referidas chapas de subtelha onduline que foram aplicadas nos moinhos da obra de ..., por força do regime jurídico previsto nos art.ºs 1214º e 1215º, do CC [recurso da autora];
ii. na parte relativa à condenação da ré no pagamento do preço referente aos contratos de subempreitada das obras de ... e ..., por falta de invocação da excepção de não cumprimento [recurso da ré].
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III. Fundamentação

3.1. Os factos
O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos:

Factos provados
a) Correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo (J...), a acção declarativa sob a forma comum sob o nº 2413/22...., intentada pela aqui Ré EMP02... contra a aqui Autora, formulando pedido de condenação na eliminação e reparação dos defeitos e danos existentes nos prédios objecto da presente causa sitos em ... e ..., ou, em alternativa pagar à Autora a quantia de € 32.202,75 (trinta e dois mil duzentos e dois euros e setenta e cinco cêntimos), acrescida e IVA e jutos de mora (cfr. doc. nº ... junto com a contestação).
b) A Ré, aqui Autora, não contestou a referida acção (cfr. doc. nº ... junto com a contestação).
c) Por sentença proferida no dia 31 de Outubro de 2020, foi a acção julgada totalmente procedente, e a Ré condenada na totalidade do pedido (cfr. cópia da sentença junta como doc. nº ... com a contestação).
d) Da referida sentença foi interposto recurso pela Ré, tendo a final sido proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a Apelação improcedente e condenou a Ré a proceder à eliminação e reparação de todos os defeitos e danos existentes nos prédios objecto das obras dos contratos de sub-empreitada, após o trânsito em julgado da decisão (cfr. Acórdão junto aos autos por requerimento de 22/03/2023).
e) Na referida acção, foram dados como provados, conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, os seguintes factos:
-“A Autora exerce a actividade de empreitadas de construção civil, mais geralmente, em alvenaria, todos os trabalhos, prestação de serviços, directa ou indirectamente relacionados com o objecto principal e todas as operações que possam promover sua extensão e desenvolvimento (…).
- Em 22 de Fevereiro de 2019 a Autora celebrou com BB um contrato de empreitada para a execução de trabalhos, designadamente, de reparação de caleiros, rufos e reparação de 3 (três) chaminés num prédio sito em ... e de reparação dos telhados e chaminés de dois moinhos sitos em ..., de que é proprietária a identificada BB.
-Por sua vez, a Ré é uma sociedade comercial que se dedica, com escopo lucrativo, ao fabrico, comércio, importação, exportação e montagem de caleiras, portas, janelas e elementos similares em metal.
- Em Maio de 2019, a Autora e a Ré, celebraram um contrato de sub-empreitada para realização de trabalhos de reparação das chaminés, caleiros e rufos da moradia de ..., pelo preço global de € 4.151,00 (…)  e um contrato de sub-empreitada para a reparação dos telhados e chaminés dos moinhos sitos em ..., pelo preço global de € 6.500,00 (…) 
- Ficou acordado entre as partes que o preço seria pago em duas prestações, sendo reservada quantia correspondente a 60% do preço das obras para o momento em que as mesmas fossem concluídas, sem defeitos, e entregues à Autora que, por seu turno, as entregaria à dona das obras, BB.
- Por conta das referidas obras, foram já pagas pela Autora à Ré, a quantia global de € 2.866,22 (…) para a obra de ... e € 3.250,00 (…) para a obra de ... (…).
- (…) Em Setembro de 2020, quando se deslocou a Portugal, a dona das obras BB detectou diversos defeitos e danos na moradia e moinhos objecto das sobreditas obras, assim como trabalhos não concluídos.
- Tendo, de imediato, reclamado a reparação e conclusão dos mesmos à Autora.
- A Autora, assim que interpelada por BB, logo no mês de Setembro, deslocou-se às obras e verificou a existência dos defeitos, danos e trabalhos não concluídos, tendo assumido perante aquela a responsabilidade pelas reparações e conclusão das obras.
(…)
- Os defeitos e danos (…) na moradia de ... são os seguintes:
a) As chaminés não se encontram isoladas, os chapéus das mesmas não se encontram colocados e os tampos não foram substituídos;
b) Os rufos não se encontram reparados;
c) Com a execução dos trabalhos foram partidas diversas telhas, devendo as mesmas serem substituídas;
d) Com a execução dos trabalhos foram levantados cumes dos telhados, os quais não foram colocados correctamente;
e) Em consequência dos descritos defeitos e deficiente execução dos trabalhos entrou água em quantidade abundante na moradia, o que provocou extensos danos no seu interior.
- Tais defeitos e danos foram denunciados pela Autora à Ré, por carta datada de 11 de Setembro de 2020, registada com aviso de recepção, na qual lhe foi solicitado que procedesse (…) à reparação/eliminação dos defeitos denunciados no prazo máximo de 30 dias (…).
- Os defeito e danos (…) nos moinhos sitos em ... são os seguintess:
a) As telhas foram colocadas nos telhados de forma errada, devendo ser recolocadas de forma correcta;
b) Os trabalhos de reparação das chaminés não se encontram terminados;
c) A incorrecta colocação dos trabalhos originou infiltrações de água nos três telhados e interior dos moinhos que provocaram extensos danos.
- Tais defeitos foram denunciados pela Autora à Ré, por carta datada de 12 de Setembro de 2020, registada com aviso de recepção, na qual lhe foi solicitado que procedesse (…) à reparação/eliminação dos defeitos denunciados no prazo máximo de 30 dias (…).
- (…) A Ré não procedeu à eliminação dos defeitos nem à reparação dos danos. 
- Para reparação dos defeitos e danos existentes no prédio sito na Rua ... a dona da obra BB obteve um orçamento que estabelece o valor de € 17.004,75 (…), IVA incluído (…).
- Para reparação dos defeitos e danos verificados nos moinhos sitos em ..., a dona da obra obteve um orçamento que estabelece o valor de € 15.198,00 (…),a que acrescerá os impostos legais (…).
- A dona das obras exigiu à Autora as reparações dos defeitos e danos verificados e reclamados ou, em alternativa o pagamento do montante global orçamentado para as indicadas reparações, o que a Autora assumiu.
- O valor global necessário para a reparação dos defeitos e danos verificados e reclamados é de € 32.202,75 (…) acrescido dos impostos legais, que a Autora terá que pagar à dona das obras.
- Os defeitos, vícios e danos apontados, embora obrigando a intervenções várias, são passíveis de reparação (…).
f) Para a referida obra de ..., a pedido do Réu AA, a Autora elaborou o orçamento nº ...16, no valor de € 3.000,00 que contemplava os seguintes trabalhos:
- Fornecimento de rufo metálico;
- 26,50 m2 de capeamento de zinco puro 0,65 com vários desenvolvimentos;
- 2 isolamentos de chaminé;
- 15 mt de solin peça de rasgo;
- 2 chapéu de chaminé lac. Com 3 alheitas 1200 x 800 chapa mm;
- Serviço de pedreiro.
g) Também para a moradia de ..., a Autora elaborou e apresentou o orçamento nº ...15, no valor de € 1.151,00, que contemplava os seguintes trabalhos:
- 72 mts de alumínio lacado – duas faces/caleira 300 x 0,74 mm;
- 18 mts de alumínio lacado – duas faces/caleira 60x80x0,64mm;
- 7 boquilhas abraçadeiras;
h) O Réu AA aceitou os orçamentos nºs ...16 e ...15 fornecidos pela Autora, na qualidade de gerente da sociedade EMP02.... 
i) Para a referida obra de ..., a pedido do Réu AA, a Autora elaborou o orçamento nº ...63, no valor de € 7.830,00 que contemplava os seguintes trabalhos:
- Levantamento de toda a telha colocada e depósito na obra;
 - Levantamento e colocação do onduline existente;
- Subir o ripado no telhado grande;
- Colocação de telha nos 3 telhados;
- Montagem de duas chaminés com isolação de alumínio com todos os remates para uma perfeita execução.
j) O Réu aceitou o orçamento nºs ...63, tendo as partes acordado no preço global de € 6.500,00.
k) Por conta da obra de ..., a Ré EMP02... pagou à Autora a quantia de € 5.662,44.
l) Durante a execução da obra de ..., a Autora subcontratou a empresa EMP04..., Unipessoal, Lda., com sede na Avenida ..., Pousada ..., para execução dos trabalhos de remoção e colocação de telha em 3 casas na referida obra.
m) A empresa EMP03..., Unipessoal, Lda., apresentou o orçamento nº ...19, que contemplava os seguintes trabalhos:
1. DEMOLIÇÕES
- 1.1. Demolição de três telhados;
- 1.2. Remoção de toda a telha para a entrada;
- 1.3. Levantamento da ripa e vigas das que são necessárias;
2. APLICAÇÃO
- 2.1. Aplicação do ripado;
- 2.2 Aplicação de barrotes necessários e viga central;
- 2.3. Aplicação de isolamento tipo Onduline;
- 2.4 Aplicação de telhas sobre Onduline;
- 2.5 Reconstrução de chaminés numa das casas,
No valor de € 5.800,00 (cinco mil e oitocentos euros).
n) Correu termos no Juízo Local Cível do Tribunal de Famalicão (J ...), acção sob o nº 46717/20...., intentada pela empresa EMP03..., Unipessoal, Lda., contra a aqui Autora, na qual reclamou o valor de € 2.287,80, relativo ao fornecimento de chapas onduline ST 200 x 105 (cfr. docs. nos ...0 e ...1 juntos com a petição inicial)
o) Por sentença transitada em julgado, a Autora foi condenada a pagar à empresa EMP03..., Unipessoal, Lda. o valor de € 2.287,80 referente ao fornecimento de chapas de subtelha onduline, a que corresponde a factura emitida nº ...30 (cfr. docs. nºs ...0 e ...1 juntos com a petição inicial).
p) As chapas de subtelha onduline adquiridas pela Autora à EMP03... foram aplicadas na referida obra de ..., ....
q) A Autora pagou à empresa EMP03..., Unipessoal, Lda. o valor de € 2.287,80 referente ao fornecimento das referidas chapas.
r) A EMP02... havia adquirido à EMP05... chapas de subtelha onduline para aplicação na obra de ... que não foram aplicadas.
s) Em Maio de 2019, a Autora e a Ré EMP02..., por intermédio do Réu AA que actuou como gerente daquela sociedade, celebraram um contrato de sub-empreitada para a realização de trabalhos de colocação de uma vedação em chapa canelada, pelo valor de € 3.000,00, e colocação de um portão, pelo valor de € 2.657,05, no terreno sito no Lugar ..., pertencente à filha dos segundo e terceira Ré, CC.  
t) Para a referida obra, e a pedido do Réu AA, a Autora apresentou o orçamento nº ...71, no valor total de € 2.657,05 para colocação de um portão de abrir em duas folhas, em almofadas c/ 2700 x 2850 mm, em alumínio soldado, com fechadura de prumo normal. Modelo estrutura em bubo rectangular 80 x 50 mm e chapa alu 2mm para as almofadas (3 almofadas em cada porta) material lacado cor 6009.
u) A colocação da vedação foi integralmente paga.
v) Quanto à colocação do portão, apenas foi paga a quantia de € 1.206,33.
w) Os trabalhos da obra das ... não foram concluídos, faltando retirar os plásticos da vedação, em toda a sua extensão, e colocar o puxador no portão.
x) A Ré EMP02... reclamou a conclusão dos trabalhos à Autora através de carta registada com AR, datada de 10 de Maio, de 2021. 
y) Correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo (J...) a acção de processo comum que deu origem ao processo nº 2350/21...., intentada pelas Rés BB e EMP02... contra a Autora.
z) Nela a Autora deduziu reconvenção, peticionando o pagamento dos valores reclamados na presente acção e requereu a intervenção provocada da sociedade EMP03..., Unipessoal, Lda. (cfr. doc. nº ...1 junto com a petição inicial).
aa) Por decisão proferida na audiência prévia, a Ré foi absolvida da instância (cfr. doc. nº ...2 junto com a petição inicial). 

2.2. Factos não provados

a) Para além dos trabalhos inicialmente contratados, durante o decurso da obra de ..., foram ainda contratados e realizados os seguintes trabalhos extra:
 - Extra isolação da terceira chaminé, no valor de € 240,00;
- Extra rufos de encosto parte de baixo não medido, no valor de € 385,00;
- Extra peças de rasgo parte de baixo não medido, no valor de € 120,00, no valor total de trabalhos extra de € 745,00.
b) Na obra de ..., foram, ainda, solicitados os trabalhos extra, a que respeita o orçamento nº ...31, no valor de € 616,00, que contemplava os trabalhos seguintes:
- Conserto da fuga de água;
- 1 rolo onduland;
- 18 unidades de espuma de secagem 60 s; e
- 3 isolação de chaminés em Zinco Preto.
c) O Réu aceitou o orçamento apresentado pela Autora nº ...31.
d) As chapas de onduline fornecidas pela EMP03..., Unipessoal, Lda. para a obra de ..., foram colocadas na referida obra, a pedido do Réu AA e sem o conhecimento da Autora.
e) O material fornecido pela EMP03..., Unipessoal, Lda., foi aceite pelo Réu AA, sem qualquer reserva.
f) Na obra das ..., a pedido do Réu AA, foi elaborado o orçamento nº ...85, para realização de trabalhos extra, no valor de € 500,00, que contemplava os seguintes trabalhos:
- Montagem e desmontagem;
- Chapas lisas 1,02 mt x 0,67 para tapar almofada por parte interior, em alumínio;
g) E posteriormente foram solicitadas duas laterais como trabalho extra, através do orçamento nº ...68, no valor de € 400,00. 
h) Todos os trabalhos foram devidamente executados pela Autora em conformidade com as ordens e instruções do Réu AA, que os aceitou sem reservas.
i) A realização de todos os trabalhos foi acompanhada pelo Réu AA que solicitou diversas alterações no decorrer da empreitada.
j) Todos os trabalhos foram realizados conforme as ordens do R. AA – dono da obra, e realizada conforme as melhores regras de construção.
k) O Réu AA solicitou que os trabalhos fossem facturados à sociedade EMP02... e que nessas facturas fossem referidos fornecimentos de materiais e de obras executadas em ....”.
*
3.2. Da apreciação do mérito do recurso
3.2.1. Do erro de julgamento da decisão da matéria de facto, por ofensa do caso julgado material formado na decisão proferida na acção que correu termos sob o nº 2413/22....:
 Conforme decorre do acima exposto, vieram recorrer, quer a autora, quer a ré sociedade, com fundamento na excepção da autoridade do caso julgado formado na acção declarativa condenatória que correu termos sob o nº 2413/22...., entre ambas.
Por conseguinte, importa começar por apurar se o caso julgado formado na decisão proferida na aludida acção se impõe nestes autos:
- de forma a inviabilizar que seja considerado provado nestes autos - mormente, no ponto K do elenco dos factos provados - que a ré procedeu à liquidação, quanto à obra de ..., de valor superior àquele que foi dado como provado naqueloutro processo [recurso da autora]; e
- devendo ser dado como provado, tal como naqueloutro processo, que “por força do cumprimento defeituoso dos contratos, tem a Autora a faculdade de recusar a sua prestação ainda em débito perante a Ré enquanto esta última não corrigir os defeitos e reparar os danos como solicitado” [recurso da ré].
A resposta às questões assim enunciadas convoca, pois, a problemática da eficácia objectiva do caso julgado material formado com o trânsito em julgado da decisão anteriormente proferida numa acção em que tiveram intervenção ambas as ora recorrentes.
Como é sabido, o caso julgado material radica no disposto nos art.ºs 619º, nº 1 e 621º, ambos do NCPC, dispondo o primeiro que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”; e o segundo que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).”
Manuel de Andrade fornece-nos a seguinte noção de caso julgado material (in Noções Elementares de Processo Civil, p. 305): “Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.”.
Na verdade, o caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurí­dica, fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido – art.º 2º da Constituição da República Portuguesa –, destinando-se a evitar que no exercício da função jurisdicional, duplicando-se as decisões sobre idêntico objecto processual, se contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior.
Como referiu Alberto dos Reis, “se uma nova sentença pudesse negar o que a primeira concedeu, ninguém podia estar seguro e tranquilo, a vida social, em vez de assentar sobre uma base de segurança e de certeza, ofereceria o aspecto da insegurança, da inquietação, da anarquia. (in, Código de Processo Civil, anotado, p. 94).
Pode dizer-se então que o caso julgado consubstancia a ideia de uma decisão judicial firme, ou que traduz a decisão judicial que se consolidou na ordem jurídica.
A figura do caso julgado, após a revisão do Código de Processo Civil, que lhe foi dada pelos DL 329-A/95 de 12.12 e posteriormente pelo DL 180/96 de 25.09, passou a constituir uma excepção dilatória – ao contrário do que sucedia até então em que assumia a natureza de excepção peremptória (cfr. art.º 494º, al. i) do referido diploma).
O caso julgado constitui, assim, uma das excepções previstas na lei adjectiva, que é de conhecimento oficioso e cuja ocorrência impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. art.ºs 494º, nº 1, al. i), 495º e 493º, nº 2, do NCPC), e não do pedido como sucedia anteriormente quando constituía excepção peremptória.
Esta excepção pressupõe, nos termos do art.º 497º, nºs 1 e 2 do NCPC, a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e tem por objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Isso mesmo acentua Anselmo de Castro (in “Processo Civil Declaratório”, Vol. II, p. 242), tal impedimento, destina-se a duplicações inúteis da actividade jurisdicional e eventuais decisões contraditórias.
O caso julgado pode ser formal ou material. Haverá caso julgado formal se a sentença ou o despacho incidirem, apenas, sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo (art.º 620º do NCPC). Já o caso julgado material respeita ao mérito da causa subjacente à relação material controvertida, passando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, de acordo com o nº 1 do art.º 619º do NCPC.
No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes:
a) – uma função negativa, reconduzida a excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura;
b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais.
Segundo Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, p. 93, o caso julgado material exerce a sua função positiva quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões, na sua força obrigatória, exercendo a sua função negativa quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal.
Citando Castro Mendes, escreveu também Lebre de Freitas (in Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, p. 325) que: “(…) pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (...).”.
Este efeito positivo do caso julgado material assenta, pois, numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida.
Neste sentido pode ver-se ainda o ac. STJ de 12.07.2011, relatado por Moreira Camilo e disponível in www.dgsi: “para além do caso julgado, que constitui um obstáculo a uma nova decisão de mérito, há igualmente que atender à autoridade do caso julgado, a qual tem antes o efeito positivo de impor a decisão.”.
Mais recentemente, pode ver-se o ac. do STJ, de 5.12.2017, relatado por Pedro Lima Gonçalves e disponível in www.dgsi.pt, em cujo sumário se pode ler:
«I - A lei processual civil define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão: o caso julgado traduz-se na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado – arts. 619.º, n.º 1, e 628.º, ambos do CPC.
II - Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”).
III - A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida.
IV - A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.».
Ainda no mesmo sentido, podemos ver: o ac. do STJ, de 15.09.2022, relatado por Fernando Baptista; o ac. da RC de 24.05.2022, relatado por Teresa Albuquerque; o ac. da RL de 26.12.2021, relatado por José Capacete; o ac. da RP de 12.09.2023, relatado por Artur Dionísio Oliveira e desta Relação de Guimarães de 27.04.2023, relatado por Francisco Sousa Pereira, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Desta distinção resulta mesmo o entendimento de que os requisitos ou pressupostos da excepção, que enunciamos supra, e da autoridade do caso julgado não serem necessariamente iguais.
Assim, para que a autoridade do caso julgado actue não se exige a coexistência das três identidades referidas no art.º 498º do NCPC, sujeitos, pedido e causa de pedir.
Neste sentido podem ver-se, entre outros, o ac. do STJ de 06.03.2008, relatado por Oliveira Rocha e disponível in www.dgsi.pt, quando refere que: “(…) a excepção de caso julgado tem por fim evitar a repetição de causas e os seus requisitos são os fixados no art. 498.º do CPC: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. A autoridade de caso julgado, diversamente, pode funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade a que se aludiu, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida (…).”.
Na verdade, e no que se refere à eficácia subjectiva do caso julgado, embora a regra geral seja a de que ele só produz efeitos em relação às partes, a verdade é que se estende àqueles que, não sendo partes, se encontrem legalmente abrangidos por via da sua eficácia directa ou reflexa, consoantes os casos.
É o que sucede, designadamente, nas situações de solidariedade entre devedores, de solidariedade entre credores e de pluralidade de credores de prestação indivisível, respectivamente nos termos dos art.ºs 522º, 2ª parte, 531º, 2ª parte, e 538º, nº 2, do CC.
Nesses casos, quem não for parte na acção pode beneficiar do efeito favorável do caso julgado, não sendo repetível o objecto da acção já definitivamente julgada.
Neste sentido, entre outros, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, p. 593 e o ac. do STJ de 28.03.2019, relatado por Tomé Gomes e acessível in www.dgsi.pt.
No que refere à eficácia do caso julgado, na vertente objectiva, importa ter presente o que preceitua o art.º 673º do NCPC, no qual sobre a epígrafe de “alcance do caso julgado”, podemos ler: “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga...”.
Segundo Castro Mendes [in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 50] constitui problema delicado a “relevância do caso julgado em processo civil posterior”.
Com efeito, o problema da autoridade do caso julgado conduz-nos a uma questão muito discutida e com particular acuidade no caso presente: a de saber o que é que na sentença constitui a autoridade de caso julgado e o que é que não pode constituir.
Alguns doutrinadores, designadamente, Alberto dos Reis [in, Código de Processo Civil, Anotado, Vol. III, 3ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 139], Lebre de Freitas [in Revista da Ordem dos Advogados, nº 66, dezembro de 2006, p. 15] e Remédio Marques [in, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 2007, p. 447], defendem que o caso julgado, só se forma, em princípio, sobre a decisão contida na sentença.
Porém, a corrente predominante relativamente a esta questão e que também acolhemos é a que perfilha um entendimento mitigado, no sentido de que, muito embora a autoridade ou eficácia do caso julgado não deva, como princípio ou regra, abranger ou cobrir os motivos ou fundamentos da sentença, cingindo-se apenas à decisão na sua parte final, ou seja, à sua conclusão ou parte dispositiva final; será, todavia, de se estender também às questões preliminares que constituírem um antecedente lógico indispensável ou necessário à emissão daquela parte dispositiva do julgado [cfr. Manuel de Andrade, in ob. cit., p. 285; Castro Mendes, in Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, p. 152 e seguintes, e Miguel Teixeira de Sousa, in Sobre o Problema dos Limites Objectivos do Caso Julgado, em Rev. Dir. Est. Sociais, XXIV, 1997, p. 309 a 316].
Com efeito, nas impressivas palavras de Teixeira de Sousa “Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão.” [vide, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 578-579].
Na esteira desta doutrina, podemos ler, entre muitos outros, o ac. do STJ de 12.07.2011, já acima citado, em que esta questão é decidida como segue:
(…) III - A expressão “limites e termos em que julga”, constante do art. 673.º do CPC, significa que a extensão objectiva do caso julgado se afere face às regras substantivas relativas à natureza da situação que ele define, à luz dos factos jurídicos invocados pelas partes e do pedido ou pedidos formulados na acção. IV - Tem-se entendido que a determinação dos limites do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado. V - Relativamente à questão de saber que parte da sentença adquire, com o trânsito desta, força obrigatória dentro e fora do processo – problema dos limites objectivos do caso julgado –, tem de reconhecer-se que, considerando o caso julgado restrito à parte dispositiva do julgamento, há que alargar a sua força obrigatória à resolução das questões que a sentença tenha tido necessidade de resolver como premissa da conclusão firmada.”.
Também no mesmo sentido, afirmou-se, no ac. do STJ, de 22.02.2018 (revista nº 3747/13.8T2SNT.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt), que “a autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em acção anterior cujo objeto se inscreve, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando assim a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” e abrange, “para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.”.
Ainda no mesmo sentido, podemos ver mais recentemente o ac. do STJ de 12.04.2023, relatado por Jorge Dias, o ac. da RP de 5.02.2024, relatado por Anabela Morais e os acs. desta Relação de Guimarães, de 16.02.2023, relatado por Anizabel Sousa Pereira e de 23.11.2023, relatado por Maria João Matos, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Mas, não obstante a divergência registada ao nível da doutrina sobre o âmbito objectivo do caso julgado, a verdade é que todos os autores parecem estar de acordo num ponto, ou seja, que os fundamentos de facto, por si só, nunca formam caso julgado.
Com efeito, pronunciando-se expressamente sobre esta matéria, afirma Remédio Marques [ob. e loc. cit.], que o caso julgado “não se estende, em princípio, aos fundamentos de facto da sentença final”. No mesmo sentido, refere Antunes Varela [in, Manual de Processo Civil, p. 697] que “os factos considerados provados nos fundamentos da sentença não podem considerar-se isoladamente cobertos pela eficácia do caso julgado, para o efeito de extrair deles outras consequências, além das contidas na decisão final”.
Dito de outro modo e ainda nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa [in Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 580], “os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado», porquanto “esses fundamentos não valem por si mesmos, isto é, não são vinculativos quando desligados da respectiva decisão, pelo que eles valem apenas enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta.”.
Tem sido este também o entendimento unânime seguido pela nossa jurisprudência, conforme se vê do ac. do STJ, de 08.10.2018 (prolatado no processo nº 478/08.4TBASL.E1.S1 e acessível in www.dgsi.pt), cujo sumário se mostra particularmente elucidativo:
«I. A autoridade do caso julgado implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, ainda que não integralmente idêntico, de modo a obstar a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa.
II. Embora, em regra, o caso julgado não se estenda aos fundamentos de facto e de direito, a força do caso julgado material abrange, para além das questões diretamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.
III. Assim, a eficácia de autoridade de caso julgado pressupõe uma decisão anterior definidora de direitos ou efeitos jurídicos que se apresente como pressuposto indiscutível do efeito prático-jurídico pretendido em ação posterior no quadro da relação material controvertida aqui invocada.
IV. Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram.
V. Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do artigo 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo.
VI. De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra ação.».
Vide, ainda a este propósito, os acs. do STJ, de 17.05.2018, relatado por Maria Rosa Oliveira Tching e de 12.04.2023, relatado por Jorge Dias, bem como o ac. desta Relação de Guimarães de 22.09.2016, relatado por Maria Luísa Ramos, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
Isto posto, urge agora analisar a pretensão recursória de cada uma das partes, no que a este particular concerne.
No que respeita ao recurso da autora:
Ante todas as considerações acima expostas, não podemos deixar de concluir que, no caso dos autos, para além dos factos atinentes às partes outorgantes e aos termos acordados entre as mesmas nos contratos de subempreitada relativos às obras sitas em ... e ...; bem como aos factos concernentes aos defeitos, danos e trabalhos não concluídos nessas obras, à denúncia de tais deficiências e ao valor necessário à reparação destas, todos os demais factos dados como provados no processo nº 2413/22.... não valem com autoridade de caso julgado para efeito de poderem ser dados como provados na presente acção, sob pena de se estar a conferir à decisão sobre a matéria de facto um valor de caso julgado que, manifestamente, a mesma não tem.
Com efeito, e não obstante sufragarmos o entendimento da extensão da autoridade do caso julgado aos fundamentos da decisão nos casos em que exista uma relação de prejudicialidade entre a decisão transitada em julgado e o objecto da acção posterior, ou seja, quando o fundamento da decisão transitada condiciona a apreciação do objecto de uma acção posterior, por ser tida como situação localizada dentro do objecto da primeira acção, sendo seu pressuposto lógico, a verdade é que, não podemos deixar de ter em conta, por um lado, que, mesmo numa relação deste tipo, só adquirem o valor de caso julgado os fundamentos da decisão transitada que são pressuposto lógico indispensável da apreciação do objecto de uma acção posterior.
Daí entendermos, a força ou autoridade de caso julgado formada pelos fundamentos da decisão final proferida no processo nº 2413/22...., não se estende, sem mais, a todo o objecto do presente processo, impondo, antes, uma análise mais aprofundada por forma a determinar-se se e em que medida aquela decisão se impõe e influencia o tratamento a dar às questões suscitadas nos presentes autos.
Ora, a verdade é que os factos atinentes aos valores liquidados por conta dos trabalhos efectuados naquelas duas obras, embora também tenham sido invocados no aludido processo, não serviram de fundamento à decisão proferida naquele mesmo outro processo (a qual como se viu se limitou a condenar a aqui autora a proceder à eliminação das deficiências denunciadas ou a pagar o respectivo valor), não se apresentando, pois, tal questão – a dos valores pagos por conta do preço dos identificados contratos de subempreitada - como pressuposto ou antecedente lógico da decisão proferida na dita acção.
Vale tudo isto por dizer que o facto de ter resultado provado no processo nº 2413/22.... que a aqui ré pagou por conta da obra de ... o valor de € 3.250,00 não adquire o valor de caso julgado, não impedindo que o tribunal recorrido, nesta acção, tenha tido em consideração o valor alegado pela própria demandante no artigo 27º, da petição inicial – no montante de € 5.662,44 -, como resulta da motivação da decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal a quo.
Por conseguinte, é por demais evidente, que tem de improceder a requerida alteração da decisão da matéria de facto quanto ao ponto k) do elenco dos factos provados.
E, assim sendo, improcede igualmente a pretendida alteração da decisão final, alicerçada quanto a este ponto unicamente na peticionada alteração da decisão de facto.
De todo modo, não podemos deixar de dizer, neste particular, que o tribunal recorrido sempre estaria impedido de condenar a ré “EMP02...” a pagar à autora um valor superior ao por si peticionado nestes autos, por conta da aludida obra, atento o princípio do dispositivo plasmado no art.º 609º, nº 1, do NCPC.
Com efeito, e como muito bem se realça no ac. do STJ de 2.11.2017 (consultável in www.dgsi.pt), relatado por António Piçarra numa situação com contornos semelhantes às dos autos:
I -Tendo sido deduzidas pretensões autónomas, com distintas causas de pedir, consubstanciadas no incumprimento dos diversos contratos de empreitada firmados entre as partes, há uma cumulação simples de pedidos (art. 555.º, n.º 1, do CPC), almejando a autora obter simultaneamente vários efeitos jurídicos através da procedência de todos eles.
II - Em vez de instaurar uma acção com base no incumprimento de cada um dos contratos e peticionar o montante derivado de cada um desses incumprimentos, optou a autora por, num só processo, cumular as respectivas pretensões.
III - Não obstante isso, estas não perderam autonomia e os montantes devidos terão de ser calculados relativamente a cada um dos incumprimentos contratuais.
IV - Nada autoriza que se eleve o valor de qualquer uma delas, desde que não seja ultrapassado o valor global. Isso é admissível quando se trata de pedido unitário, ainda que decomposto ou desdobrado em parcelas que integram um só efeito jurídico, com a mesma e única causa de pedir.
V - Apresentando-se os pedidos cumulados perfeitamente autónomos entre si e dependentes, cada um deles, da procedência dos respectivos fundamentos que não são sequer coincidentes, os valores que a cada um respeitam não integram, como parcelas, um direito unitário.”.
E, assim sendo, conclui-se pela improcedência, também por esta via e nesta parte, do recurso interposto pela autora.

No que respeita ao recurso da ré:
Conforme do acima exposto, a ré veio peticionar que se adite à matéria de facto o seguinte: “por força do cumprimento defeituoso dos contratos, tem a Autora a faculdade de recusar a sua prestação ainda em débito perante a Ré enquanto esta última não corrigir os defeitos e reparar os danos como solicitado”.
Ora, salvo o devido respeito e sem prejuízo dos factos atinentes à existência dos defeitos e danos nas obras de ... e de ... se deverem impor nestes autos por força da autoridade do caso julgado formado na aludida acção que correu termos sob o nº 2413/22.... (e que a ré invocou expressamente tal factualidade na sua contestação, como excepção a parte do direito de crédito reclamado pela autora, como melhor explicaremos infra), julgamos ser por demais evidente que o aditamento à matéria de facto propugnada pela ré/recorrente carece de qualquer fundamento.
Com efeito, o enunciado valorativo acima descrito e invocado pela ré nunca poderia ser incluído na factualidade dada como apurada, como passaremos a explicar.
Como é sabido, em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação.
É  certo que vem sendo entendido que tal enunciação pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, isto é, desde que sejam usadas sem representar uma aplicação do direito à hipótese controvertida (quando se trate de elementos adquiridos sobre os quais não vai incidir um esforço de apreciação normativa); quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objeto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua acepção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum.
No caso em apreço, nada disso se trata.
A matéria que a ré pretende ver introduzida na fundamentação de facto para além de ser meramente conclusiva e/ou direito, não assume natureza meramente referencial de situações consolidadas e sem papel estratégico no quadro do litígio. Na verdade, tal matéria não pode ser utilizada na enunciação dos factos, já que versa sobre a solução jurídica a dar ao pleito. Cfr. a este propósito, entre outros, o ac. do STJ de 12.01.2021, relatado por Pedro Lima Gonçalves; da RP de 23.11.2017, relatado por Madeira Pinto; da RE de 28.06.2018 e ainda o recente da RG de 22.02.2024, por nós relatado (todos acessíveis in www.dgsi.pt).
Deste modo, e sem necessidade de outras considerações, julga-se improcedente neste segmento o recurso interposto pela ré.
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3.2.2. Dos erros de julgamento imputados à decisão de direito
i. na parte relativa ao fornecimento das referidas chapas de subtelha onduline que foram aplicadas nos moinhos da obra de ..., por força do regime jurídico previsto nos art.ºs 1214º e 1215º, do CC [recurso da autora]
Insurge-se a autora contra a sentença proferida nesta parte, dizendo que resultou dos depoimentos prestados pelas testemunhas EE e DD que tal fornecimento se tratou de uma alteração à obra necessária para a sua execução, pois as telhas fornecidas pela ré não eram adequadas à obra, devendo a ré ser condenada a pagar à autora a quantia de €2.287,80 referente custo das referidas chapas de subtelha onduline que foram aplicadas nos moinhos da obra de ..., nos termos do art.º 1215º do CC.
Mais defende que da prova produzida resultou que o legal representante da ré teve conhecimento que as ditas chapas se encontram aplicadas na obra sita em ..., e aceitou a sua aplicação na referida obra, sem reservas, não tendo apresentado qualquer reclamação, pelo que sempre deve o Tribunal, nos termos do artigo 1214º, nº 3, relegar para execução de sentença o direito da autora exigir à ré uma indemnização, pelo enriquecimento sem causa.
Vejamos.
No que a esta matéria concerne, importa não olvidar que nos situamos no âmbito de um típico contrato de empreitada ou subempreitada, previsto nos art.ºs 1207º e 1213º, do CC.
Conforme define o art.º 1207º do CC “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.
Também o contrato de subempreitada tem a sua definição legal no art.º 1213º nº 1 do CC “Subempreitada é o contrato pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela”.
Os dois contratos – empreitada e subempreitada – prosseguem a mesma finalidade. Apesar de serem contratos distintos, visam ambos a realização do interesse do dono da obra. A subempreitada enquadra-se no projecto geral e é de toda a conveniência que esteja com ele harmonizada, de forma a que a sua realização não inutilize o resultado a obter por meio deste.
Por outro lado, e muito embora o art.º 1208º do CC estabeleça que a obra deve ser executada “em conformidade com o que foi convencionado”, admite-se que possam ocorrer imprevistos que impliquem alterações à obra, ou que o dono da obra, no decorrer da mesma, resolva efectuar modificações ao plano inicialmente acordado pelas partes. Por alterações entende-se aquelas transformações que não modificam a natureza e que não têm autonomia em relação à obra convencionada.
Estas alterações podem, assim, ter como fonte três aspectos diferentes: ou surgem por iniciativa do empreiteiro, ou se configuram como necessárias, ou são exigidas pelo dono da obra. E o Código Civil trata destas questões nos art.ºs 1214º, 1215º e 1216º, do CC, respectivamente.
No que agora interessa, o art.º 1215º, nº 1, do CC estabelece que “Se, para execução da obra, for necessário, em consequência de direitos de terceiro ou de regras técnicas, introduzir alterações ao plano convencionado, e as partes não vierem a acordo, compete ao tribunal determinar essas alterações e fixar as correspondentes modificações quanto ao preço e prazo de execução.”.
No caso, a autora veio defender, no presente recurso, que resultou provado que a substituição das chapas de subtelha foi necessária por razões técnicas.
Contudo, e como bem nota o tribunal a quo na decisão recorrida, a autora não alegou factualidade concreta da qual decorresse que a aplicação dessa subtelha em vez da existente em obra era necessária por razões técnicas.
Ora, o nosso ordenamento processual só admite a atendibilidade, na decisão da causa, de matéria não alegada pelas partes quando não consubstancie factualidade essencial (que identifique ou individualize a causa de pedir e/ou a excepção alegadas).
Na decisão da causa, para lá de integrar os factos notórios que tenham sido revelados ao tribunal por força do exercício das suas funções, deve o juiz ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integrantes da excepção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o contraditório [arts. 607º, nºs 3 a 5, e 5º, nº 2, al. b), do NCPC].
Porque reservada às partes a alegação dos factos essenciais identificadores ou individualizadores da causa de pedir e/ou excepção alegadas (factos essenciais nucleares), não pode o juiz considerar, na decisão factos essenciais diversos dos alegados pelas partes, podendo somente ser atendidos e integrados na fundamentação de facto da decisão da causa (além dos notórios e daqueles que o tribunal conheça por virtude do exercício das suas funções – al. c) do nº 2 do art.º 5º do NCPC), os factos que, não desempenhando tal função individualizadora ou identificadora da causa de pedir e/ou excepções alegadas, se revelem imprescindíveis à procedência da acção ou da excepção, por também constitutivos do direito invocado ou excepção arguida (factos essenciais complementares), assim como os factos instrumentais (aqueles que permitem a afirmação, por indução, de factos cuja prova depende o reconhecimento do direito ou da excepção).
Assim, apenas podem ser considerados na sentença (com referência, sempre, aos limites de cognição do tribunal traçados pela causa de pedir e/ou excepção individualizadas e identificadas nos factos essenciais alegados pelo autor e pelo réu – art.º 5º, nº 1 e 615º, nº 1, al. d) do NCPC) os factos complementares e instrumentais – estes, quando resultem da instrução da causa (art.º 5º, nº 2, a) do NCPC); aqueles, quando resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido as partes possibilidade de se pronunciar (art.º 5º, nº 2, b) do NCPC).
Ademais, a consideração dos novos (novos no sentido de não alegados nos articulados) factos complementares ou concretizadores exige, face ao disposto na parte final do art.º 5º, nº 2, al. b) do NCPC, que o tribunal se pronuncie expressamente sobre a possibilidade de ampliar a matéria de facto com o facto em causa, disso dando conhecimento às partes antes do encerramento da discussão.
E, se assim é, por maioria de razão não pode o tribunal de recurso reapreciar a prova produzida com vista a aquilatar a demonstração de factos essenciais que apenas venham a ser alegados no recurso e não no momento processual adequado. Cfr. neste sentido o ac. STJ de 15.09.2021, nº de processo 559/18.6T8VIS.C1.S1 in www.dgsi.pt.
Ou seja, os factos novos ou questões novas antes não suscitadas nem apreciadas pelo tribunal a quo nos termos do art.º 608º, nº 2 do NCPC, não podem pelo tribunal de recurso ser consideradas [vide, entre outros, ac. da RC de 14.01.14, processo nº 154/12.3TBMGR.C1; ac. da RP de 16.10.2017, processo nº 379/16.2T8PVZ.P1; ac. da RG de 08.11.2018, processo nº 212/16.5T8PTL.G1; ac. da RP de 10.02.2020, processo nº 22441/16.1T8PRT-A.P1, todos acessíveis in www.dgsi.pt].
Voltando ao caso em apreciação, a autora, ora recorrente, na petição inicial, nada alegou quanto à necessidade de substituição das chapas por razões técnicas. Muito pelo contrário, já que se limitou a alegar que foi o legal representante da ré quem procedeu à aquisição de tais materiais sem o seu conhecimento.
A consideração de tais factos agora, importaria, pois, violação do princípio do dispositivo, previsto no art.º 5º, nº 1, do NCPC, o que não pode ser atendido.
É claro que não se pode esquecer o que determina o nº 2 de tal normativo. Todavia, a aquisição e aplicação de tais materiais por razões técnicas não se tratam de meros factos complementares ou instrumentais da factualidade alegada.
Deste modo, a factualidade que a recorrente pretende que seja tomada em consideração não faz parte do objecto do processo, pois não foi incluída na petição inicial ou na contestação, não foi incluída nas questões a resolver, e não foi tratada na sentença recorrida, pelo que a mesma não pode ser objecto do recurso, não podendo o tribunal ad quem apreciar tal factualidade, ainda que oficiosamente, nem muito menos alterar a decisão de direito com base na mesma.
Por sua vez, o art.º 1214º, CC dispõe o seguinte:
“1 - O empreiteiro não pode, sem autorização do dono da obra, fazer alterações ao plano convencionado.
2 – A obra alterada sem autorização é havida como defeituosa; mas, se o dono da obra quiser aceitá-la tal como foi executada, não fica obrigado a qualquer suplemento de preço nem a indemnização por enriquecimento sem causa.
3 – Se tiver sido fixado para a obra um preço global e a autorização não tiver sido dada por escrito com fixação do aumento do preço, o empreiteiro só pode exigir do dono da obra uma indemnização correspondente ao enriquecimento deste.”.
O regime aplicável será diferente consoante o dono da obra autorize ou não as alterações da iniciativa do empreiteiro. Se se tratar de uma alteração da iniciativa do empreiteiro mas não autorizada pelo dono da obra, a mesma é tida como defeituosa (porque as modificações ao plano convencionado são proibidas a nível unilateral, ou seja, não pode o empreiteiro por sua única e própria autonomia e vontade alterá-lo) e retira ao empreiteiro, no caso do dono querer aceitar a obra tal como foi executada, a possibilidade quer de aumentar o preço da mesma, quer de ser indemnizado por enriquecimento sem causa (art.º 1214º, nº 2 CC). Não quer dizer que a obra seja efectivamente defeituosa, mas esta ficção jurídica atribui ao dono a faculdade de exercer os direitos que o art.º 1218º CC e seguintes lhe atribuem, isto é, o dono da obra tem a possibilidade de reagir contra a alteração não autorizada como se a obra tivesse defeitos.
Quando as alterações da iniciativa do empreiteiro tenham sido autorizadas pelo dono da obra, ter-se-á que distinguir consoante se tenha ou não fixado para a realização da obra um preço global.
No caso de para a obra não ter sido fixado um preço global (será o caso das empreitadas em que o preço é fixado por medida, por artigo, por tempo de trabalho ou percentagem), o regime legal admite que a autorização seja dada apenas sob a forma verbal, mesmo que o contrato de empreitada tenha sido celebrado sob a forma escrita (art.º 222º, nº 2 do CC).
Mas a haver um preço global “à forfait”, a autorização às alterações introduzidas tem de ser reduzida à forma escrita, fixando-se o aumento do preço. Caso contrário, o empreiteiro só será ressarcido do que despender a mais nos termos do enriquecimento sem causa do dono da obra – art.º 1214º, nº 3 CC.
Em ambos os casos, uma alteração autorizada implica sempre a aceitação por parte do dono da obra da mesma e o pagamento do respectivo aumento do preço ao empreiteiro.
Conforme se extrai do regime jurídico agora brevemente exposto, a aplicação do disposto no art.º 1214º, nº 3, do CC - possibilidade de exigir a indemnização com base no enriquecimento sem causa tem como pressuposto fundamental - que o empreiteiro (ou subempreiteiro) alegue e demonstre que os trabalhos por si realizados foram autorizados, ainda que verbalmente.
O que a autora não fez.
Na verdade, resulta da sentença recorrida que “A Autora não demonstrou que a Ré adjudicatária da obra tenha autorizado, por qualquer forma, o fornecimento e aplicação da subtelha fornecida pela EMP03.... Aliás, tal contraria totalmente o plano convencionado, pois segundo resulta dos orçamentos aprovados, só estava contemplada a mão-de-obra, sendo os materiais fornecidos pela adjudicatária da obra.”.
E não obstante, também neste ponto, a autora aluda à prova testemunhal produzida nos autos, a verdade é que não solicitou qualquer concreta alteração à decisão da matéria de facto.  
Ora, se era intenção da recorrente a alteração da decisão de facto, deveria ter respeitado o imposto no art.º 640º, nº 1, do NCPC, segundo o qual: “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. (...)”.
Note-se que, “(…) por menor exigência formal que se adote relativamente ao cumprimento dos ónus do art.º 640º do CPC e em especial dos estabelecidos nas suas alíneas a) e c) do nº 1, sempre se imporá que seja feito de forma a não obrigar o tribunal de recurso a substituir-se ao recorrente na concretização do objeto do recurso. É o recorrente quem tem que proceder, nas conclusões, à indicação precisa do que pretende do tribunal «ad quem», como corolário não só do princípio do dispositivo, como também da autorresponsabilização das partes.” (cfr. ac. do STJ de 16.05.2018, processo 2833/16.7T8VFX.L1.S1 e acessível in www.dgsi.pt).
E a não satisfação dos ónus previstos no art.º 640º do NCPC, implica a rejeição do recurso na parte referente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, “…relativamente ao recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não há lugar ao despacho de aperfeiçoamento das respetivas alegações” (cfr. ac. do STJ de 27.09.2018, processo nº 2611/12.2TBSTS.L1.S1, também consultável in www.dgsi.pt).
Não tendo, pois, a autora vindo impugnar válida e eficazmente a matéria de facto dada como provada quanto a esta parte, é manifesto que a situação dos autos não tem igualmente enquadramento no regime previsto no citado art.º 1214º, nº 3, do CC.  
Improcede, pois, também neste segmento o recurso da autora.
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ii. na parte relativa à condenação da ré no pagamento do preço referente aos contratos de subempreitada das obras de ... e ..., por falta de invocação da excepção de não cumprimento [recurso da ré].
A ré/recorrente insiste em que a matéria relativa à excepção de não cumprimento deveria ter sido apreciada pelo tribunal recorrido, pretendendo ver legitimada a recusa de pagamento do valor em dívida quanto às obras de ... e de ... até que pela autora sejam eliminados os defeitos ocorridos naquelas.
E, para tanto, invocou tudo quanto resultou demonstrado na acção que correu termos sob o nº 2413/22.... quanto aos defeitos de que as ditas obras padecem e que a autora foi condenada a corrigir.
Porém, no tribunal recorrido entendeu que tal excepção não foi expressamente arguida, quanto aos aludidos contratos e, consequentemente, não a conheceu.
Mas, sem razão, adianta-se.
Com efeito, não podemos deixar de trazer aqui à colação o entendimento propugnado a este propósito no esclarecedor ac. do STJ de 22.11.2018, relatado por Bernardo Domingos, e no qual se pode ler o seguinte:
I - A excepção de não cumprimento do contrato, prevista no art. 428.º do CC – exceptio non rite adimpleti contractus – é uma excepção de direito material e nessa medida uma excepção peremptória nos termos do art. 576.º, n.º 3, do CPC.
II - Tal excepção tem natureza disponível e por isso não é de conhecimento oficioso, devendo a respectiva factualidade integradora ser alegada na contestação, sob pena de preclusão.
III - Se os factos integradores da excepção e o efeito jurídico pretendido tiverem sido invocados pelo réu na contestação (ainda que sem terem sido qualificados como tal) e vierem a ser provados, nada impede que o tribunal dela conheça, fazendo a devida qualificação e aplicando o pertinente direito.”.
Também é este o nosso entendimento.
No caso em apreciação, é certo que a ré não invocou expressamente a excepção do não cumprimento no que diz respeito aos contratos em questão. Mas isso não significa que a defesa não tenha sido feita por via de excepção ou que essa defesa não possa ser considerada como tal. Na verdade, desde que os factos integradores da excepção constem da contestação e o efeito pratico/jurídico tenha sido pedido, tem de se considerar validamente invocada a excepção.
Analisando tudo quanto se encontra vertido na contestação, onde deve ser deduzida toda a defesa (cfr. art.º 573º do NCPC) e expostas as razões de facto e de direito, com especificação das excepções, entre as quais as excepções de direito substantivo, peremptórias ou dilatórias, cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado – art.ºs 571º, 572º, 576º, nº 1 e 3 e 583º, todos do NCPC – verifica-se que a ré, alegou e demonstrou que na acção que correu termos sob o nº 2413/22.... ficou demonstrado as obras realizadas em ... e ... padecem de várias anomalias, impedindo o fim a que se destinavam as mesmas; que tais anomalias foram denunciadas à aqui autora que as reconheceu e se comprometeu a reparar, mas não o fez; e, que por via disso, a aqui autora foi condenada a reparar tais anomalias ou, em alternativa, a pagar à aqui ré o valor necessário à sua reparação. E, daqui sustenta a improcedência da acção.
No caso, a aludida factualidade não deixa margem para duvidar de que a autora, ainda não cumpriu integralmente os ditos contratos a que se obrigara e que aquilo que falta cumprir é essencial à concretização do objectivo que motivou a ré a celebrar tais negócios com aquela. Tais factos foram alegados pela ré, que também invocou o efeito pretendido de, por isso a acção dever improceder.
Entendemos assim que, ainda que de forma imperfeita, foi invocada pela ré, a excepção de não cumprimento e por isso nada impedia o tribunal recorrido de dela tomar conhecimento e de aplicar o pertinente direito.
Não o tendo feito, impõe-se ao tribunal ad quem verificar se estão verificados no caso em apreço todos os pressupostos necessários à procedência da mesma (cfr. art.º 665º, do NCPC).
Como já dissemos, a excepção do não cumprimento do contrato traduz-se na recusa de execução da prestação por um dos contraentes, em contrato bilateral, quando o outro a reclama, sem, por sua vez, ter ele próprio realizado a respectiva contra prestação – cfr. art.º 428º do CC.
Ao opor a exceptio o excipiente suspende a execução da prestação a que está adstrito até à realização da contraprestação pela outra parte, colocando-se numa posição de recusa provisória de cumprimento, que o direito acolhe como uma causa justificativa de incumprimento em homenagem ao princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que nos contratos sinalagmáticos são também reciprocamente causais.
Consequentemente, oposta a excepção, o excipiens vê suspensa a exigibilidade da sua prestação, suspensão que se manterá enquanto se mantiver a posição de recusa do outro contraente que deu causa à invocação da exceptio.
Trata-se, assim, de uma recusa temporária do devedor, perante um credor que também ainda não cumpriu, que, por essa via, retarda legitimamente o cumprimento enquanto a outra parte no sinalagma contratual também não realizar a prestação a que está adstrita.
O cumprimento defeituoso integra um dos modos de não cumprimento das obrigações, que permite ao credor da prestação imperfeita o recurso à excepção do não cumprimento do contrato (cfr. Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, p. 324).
Porém, não será de admitir o recurso à mesma se os defeitos da prestação, atendendo ao interesse do credor, tiverem escassa ou reduzida importância. Face à ideia da proporcionalidade e ao princípio da boa fé (consagrados na Lei Civil), a excepção não será oponível em caso de cumprimento defeituoso de reduzida importância. Tal meio de defesa deve ser proporcionado à gravidade da inexecução.
No caso, a prestação da autora – quanto às obras de ... e ... -, revelou-se uma prestação defeituosa ou mal executada, pois que não correspondeu à efectivamente devida. É, assim, seguro que a autora não cumpriu a prestação a que estava adstrita contratualmente, encontrando-se demonstrada a desconformidade entre a prestação devida e a realmente efectuada. Por outro lado, das circunstâncias factuais provadas, não se tratou, no caso, de um incumprimento insignificante ou irrisório, tendo antes assumido um relevante cumprimento defeituoso.
Daí que seja possível recusar pagar o correspectivo preço aqui reclamado pela autora quando esta realizar integralmente a prestação a que se obrigou, no caso, quando proceder à eliminação dos defeitos que foi condenada a corrigir, concluindo-se pela improcedência da acção nessa parte. [Cfr. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, p. 80 e seguintes].
Por conseguinte, procede o recurso interposto pela ré (quanto ao valor de € 2.122,34, correspondente à soma dos valores em dívida quanto às obras de ... e de ...).
*
Concluindo, tendo em consideração o acima decidido, importa julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela autora e procedente o recurso interposto pela ré, revogando-se parcialmente a sentença recorrida na parte em que condena a ré ao pagamento do preço em falta relativamente às obras sitas em ... e ... (no valor de € 2.122,34), mantendo-se a sentença quanto ao demais decidido.
As custas da acção e dos recursos ficam a cargo da autora e da ré, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação da autora e procedente a apelação da ré e, em consequência, revoga-se parcialmente a sentença recorrida na parte em que condena a ré ao pagamento do preço em falta relativamente às obras sitas em ... e ... (no valor de € 2.122,34), mantendo-se a sentença quanto à condenação da ré EMP02... a pagar à autora a quantia de € 1.450,72 (mil, quatrocentos e cinquenta euros e setenta e dois cêntimos), com acréscimo dos juros de mora, à taxa comercial, desde a data da prestação do serviço até efectivo e integral pagamento.
As custas da acção e dos recursos ficam a cargo da autora e da ré, na proporção dos respectivos decaimentos (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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Guimarães, 21.03.2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Alcides Rodrigues
2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Maria dos Anjos Nogueira