Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5012/18.5T8GMR.G2
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS PAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A Lei de Proteção de Crianças e Jovens e Perigo (LPCJP), que tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, consagra como primeiro princípio pelo qual se deve orientar, e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o interesse superior da criança.
II - Por interesse superior da criança deve entender-se “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.”
III - O interesse de qualquer criança é o de poder estar com ambos os progenitores, de manter com ambos uma relação de grande proximidade, e que essa relação não seja estragada, designadamente por constantes impedimentos e obstáculos levantados pelo progenitor com quem o filho vive, relativamente ao outro progenitor.
IV - A execução da medida de apoio junto dos pais deve ter em conta a situação de perigo que determinou a sua aplicação e o nível das competências parentais, reveladas quando da aplicação da medida e deve ser orientada no sentido do reforço ou aquisição por parte destes das competências para o exercício da função parental adequadas à superação da situação de perigo e suas consequências e à conveniente satisfação das necessidades de proteção e promoção da criança (cfr. artigo 16º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17/01).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

O Ministério Público instaurou processo judicial de promoção e proteção relativamente à menor AA, nascida a ../../2017, filha de BB e de CC.
Foi solicitada a realização de relatório social ao Instituto da Segurança Social que emitiu parecer no sentido de aplicação de uma medida de promoção e proteção de Apoio junto dos pais, a executar junto da mãe.
Uma vez junto o mesmo, o M.º P.º promoveu a designação de data para audição dos progenitores e do Gestor Técnico do caso.
Pelo Tribunal a quo foi proferido em 09/11/2022 o seguinte despacho:
“O processo é de jurisdição voluntária, nos termos do art.º 100.º da L.P.C.J.P.  Assim, não obstante o parecer da E.M.A.T. e promoção do Ministério Público, por ora, com cópia do relatório antecedente, das sentenças proferidas nos apensos e dos relatórios periciais aí constantes (e deste despacho), solicite avaliação psicológica da criança e dos progenitores ao I.N.M.L.  Após decidir-se-á o processado subsequente.  Notifique-se e demais D.N.”.
Juntos aos autos os relatórios periciais veio a progenitora CC requerer a notificação da perita para especificar as concretas medidas psicossociais que entende que devem /podem ser adotadas a fim de garantir a segurança da criança e acautelarem o seu superior interesse.
O progenitor também requereu que a perita prestasse esclarecimentos.
O M.º P.º promoveu novamente a designação de data para audição dos progenitores e do Gestor Técnico do caso.
De seguida, pelo Tribunal a quo foi proferido despacho indeferindo, por desnecessários à instrução dos autos e tomada de decisão, os requerimentos de ambos os progenitores, considerando não ver utilidade para a instrução dos autos tomar declarações aos progenitores, pois certamente nada acrescentariam ao que disseram já em sede pericial, e o técnico da E.M.A.T. também  não terá mais conhecimentos que os mesmos ou que a perita e determinando o arquivamento dos autos nos termos do artigo 111.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (de ora em diante apenas LPCJP) por não se verificar uma situação de perigo, designadamente a prossecução do superior interesse da criança ou jovem.
Inconformada, veio a progenitora CC interpor recurso do despacho que determinou o arquivamento tendo sido proferida decisão Sumária que, julgando procedente a apelação, revogou a decisão recorrida e determinou que o Tribunal a quo proferisse despacho a, deferindo os requerimentos apresentados pelos progenitores, determinar que a perita prestasse os esclarecimentos pretendidos e, na sequência destes quaisquer outros que se revelassem necessários, e designasse data para a tomada de declarações aos progenitores e ao gestor do processo, bem como a realização de quaisquer outras diligências que se viessem a revelar necessárias.
Para cumprimento do decidido foram ouvidos os progenitores, o gestor do processo e a Senhora Perita em esclarecimentos.
Foi também determinada a audição das seguintes testemunhas indicadas pela Progenitora: DD, Educadora de infância/Coordenadora no Patronato ..., EE, Educadora de infância no Patronato ..., FF, Auxiliar no Patronato ... e GG, médica de medicina geral na USF .... 

Veio a ser proferida sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“Assim, concordamos com a medida proposta pela EMAT e secundada pela Digna Magistrada do M.P., pelo que se decide pela aplicação de uma medida de proteção de APOIO JUNTO DOS PAIS, A EXECUTAR ESPECIALMENTE JUNTO DA MÃE, com as seguintes injunções:
- colaborar com a presente equipa no acompanhamento da situação familiar, comparecendo sempre que solicitados;
- manterem os cuidados básicos à criança (alimentação, educação, saúde, conforto e saúde);
- fazerem um esforço para diminuir o grau de litigiosidade e, em especial, manter a menor completamente preservada;
- garantirem que a menor frequente com assiduidade, consulta de apoio psicológico, junto de profissional isento ( não indicado pela mãe ou pelo pai), com vista a minimizar e desconstruir os efeitos psicológicos de eventuais falsas memórias relativas aos relatos dos pretensos abusos que deram origem a estes autos;
- No que respeita à progenitora com quem a menor reside, proteger a AA de situações que a possam deixar desconfortável, abstendo-se de observações depreciativas face ao outro progenitor, de a questionar inadequadamente sobre putativos abusos sexuais protagonizados pelo progenitor, de incutir na menor falsas memórias, de andar atrás de lastro probatório para consubstanciar a sua pretensa suspeita e, em caso algum, torpedear os convívios e a boa relação que a mesma mantém com o outro progenitor pois que, a persistirem os indicadores desse lamentável aviltamento, o tribunal ver-se-á forçado a eventualmente rever as responsabilidades parentais, atribuindo a residência da menor a pessoa diversa.
A gestora do processo, tratará do acompanhamento psicológico da menor e do acompanhamento da medida.
Estas medida, se não antes, será revista em 6 meses.
Notifique e comunique e demais D.N.”.

Inconformada, veio a progenitora CC interpor novamente recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1-O presente recurso visa matéria de facto e de direito.
2-A douta sentença recorrida encontra-se ferida da nulidade prevista no artigo 615º n.º 1 al. b), (ex vi artigo 607º n.º 3) do Cód. Proc. Civil, conforme se evidenciou supra em I, porquanto não elencou provados e não provados, em violação do artigo 121º n. º2 da Lei 147/99, de 1 de setembro, tornando impossível à recorrente sindicar o concreto iter decisório em matéria de facto e subsequente aplicação do direito.
3-Consequentemente e sem prescindir, padece de falta de fundamentação de facto já que o Tribunal proferiu a decisão ancorado    em pressupostos que não se encontram minimamente comprovados, nem resultam de factos assentes, o que constitui nulidade, por violação da mesma norma do CPC.
Ainda sem prescindir,
4-É manifesto que o Tribunal errou na apreciação da prova e não só na falta de elenco da mesma, pelas razões constantes da motivação precedente e das demais que V. Exas. Doutamente suprirão.
5-O Tribunal tinha que dar como provado, face aos documentos e depoimentos evidenciados supra em II, que manifestamente o impõem, que:
i. À semelhança do que a mãe relatou na queixa, a menor foi sucessivamente e em diversos contextos, relatando que o pai lhe mexia na pombinha, circunstanciando que lhe tirava o pijama e a deixava em cuecas, que o fazia de noite, na cama, e que ela o sentia;
ii. Não era o pai que lhe dava banho e a vestia, tarefa da avó paterna quando se encontra com o pai;
iii. A perícia psicológica se revelou inconclusiva, para o sim e para o não, quanto à credibilidade dos relatos, mas não quanto à existência dos mesmos;
iv. A Perita garantiu que ninguém pode assegurar que a situação de perigo esteja afastada.
6-Perante esta factualidade, impõe-se diferente decisão de direito que passa por assumir que o perigo para a menor não se encontra de forma nenhuma afastado e que o superior interesse da mesma, à semelhança do que se decidiu no Acórdão referenciado supra, impõe a revogação do decidido e a sua substituição por medida de apoio junto dos pais, residindo a criança em exclusivo com a mãe e fixando-se contactos entre a criança e o pai/família sob supervisão, por forma a prevenir perigo, enquanto não se mostrar, seja pela idade da menor, seja pelo comportamento do pai, seja pelas conclusões retiradas da supervisão, ou por outro motivo relevante e evidenciado, que se encontra completamente afastado qualquer perigo e que a menor pode, sem o correr, conviver e pernoitar com o pai.
7-Da mesma forma se impõe que seja revogada, por infundada e manifestamente abusiva, a última parte da decisão recorrida, que visa exclusivamente e sem assento em qualquer facto, a mãe, como se de uma delinquente manipuladora – que não é-, se tratasse”.
O Ministério Público apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
A menor AA apresentou contra-alegações pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O progenitor também apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Cumpre apreciar e decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigos 124º da LPCJP e 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela Recorrente são as seguintes:
1) Saber se a sentença é nula por falta de fundamentação [artigo 615º n.º 1 alínea b) do CPC];
2) Saber se deve ser mantida a medida aplicada pelo Tribunal a quo.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Da nulidade da decisão recorrida
Conforme supra delimitamos é objeto do presente recurso aferir da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação nos termos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.
Vejamos.

Dispõe este preceito que:
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.
Começamos por precisar que as decisões judiciais podem encontrar-se viciadas por causas distintas, sendo a respetiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido artigo 615º.
As causas de nulidade taxativamente enumeradas no artigo 615º não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Não deve por isso confundir-se o erro de julgamento (e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão) com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Segundo sustenta a Recorrente a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação, uma vez que não elencou quaisquer factos provados ou não provados, inviabilizando, segundo alega, um recurso pleno e eficaz.
Como é consabido o dever de fundamentar a decisão judicial resulta, desde logo, de imposição constitucional, conforme disposto no n.º 1 do artigo 205º da Constituição da República Portuguesa que prescreve que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, e decorre expressamente do disposto no artigo 154º n.ºs 1 e 2 do CPC que as decisões são sempre fundamentadas, não podendo a justificação, em princípio, consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou oposição.
A nulidade em causa tem ainda correspondência com o n.º 3 do artigo 607º do CPC que impõe ao juiz o dever de, na parte motivatória da sentença, “discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (...)”; e com o seu n.º 4 que dispõe que “na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção (…).
Significa tal que não basta que o Juiz decida a questão que lhe é colocada, tornando-se indispensável que refira as razões que o levaram a ditar aquela decisão e não outra de sentido diferente; torna-se necessário que demonstre que a solução encontrada é legal e justa” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/07/2017, Relator Conselheiro Nunes Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt).
É, por isso, necessário que a decisão contenha uma fundamentação material ou ativa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma (v. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, p. 281, a propósito do anterior artigo 158º mas que aqui mantém a sua atualidade, e António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código se Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 188).
Assim, se cremos ser absolutamente consensual que o dever de fundamentação apenas se encontra dispensado no caso de decisões de mero expediente, também é certo que a decisão deve ser fundamentada nos termos que sejam justificados pelo próprio caso em análise, designadamente pela complexidade das questões em causa ou ainda o maior ou menor nível de discussão na jurisprudência ou na doutrina em torno das mesmas.
Não deve também confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do citado artigo 615º.
A insuficiência ou mediocridade da motivação, como ensinava já o Prof. Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 140) afeta o valor doutrinal da sentença, mas não determina a nulidade da mesma; o vício de fundamentação deficiente constitui, por isso, uma irregularidade da sentença, mas não gera a sua nulidade.
No mesmo sentido se pronuncia Antunes Varela (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª Edição, 1985, p. 687) ao consignar que “[P]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
A Recorrente defende que a ausência de um elenco dos factos provados e/ou não provados é geradora, no caso concreto, de nulidade por falta de fundamentação; note-se, no entanto, que a Recorrente não invoca a ausência de indicação da fundamentação de facto, mas apenas a falta do seu elenco.
Adiantando desde já a nossa posição, entendemos que não lhe assiste razão.
Vejamos.
No âmbito dos processos de jurisdição voluntária, nos quais os presentes autos se inserem (cfr. artigo 100º do LPCJP), o tribunal, nas providências a tomar, não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adotar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna (artigo 987º do CPC).
Todavia, tal não significa efetivamente que o processo deixa de estar sujeito, nas decisões a proferir, ao dever de fundamentação a que nos referimos; é o que decorre com clareza do artigo 295º, aplicável ex vi do artigo 986º n.º 1, e que remete expressamente para o artigo 607º, todos do Código de Processo Civil.
Decorre ainda expressamente do artigo 121º da LPCJP que a decisão deve iniciar-se por um relatório sucinto, em que se identifica a criança ou jovem, os seus pais, representante legal, ou a pessoa que tem a guarda de facto e se procede a uma descrição da tramitação do processo (n.º 1) seguindo-se a esse relatório a fundamentação que consiste na enumeração dos factos provados e não provados, bem como na sua valoração e exposição das razões que justificam o arquivamento ou a aplicação de uma medida de promoção e proteção, terminando pelo dispositivo e decisão (n.º 2).
Ora, analisada a decisão recorrida constata-se que não contém uma enunciação/enumeração da factualidade considerada provada e não provada; nela não consta efetivamente um elenco de factos enumerados, indicando qual a matéria de facto considerada provada.
No entanto, entendemos que manifestamente não pode, no caso concreto, dizer-se que a decisão é omissa na indicação dos factos (sendo certo que a Recorrente também o não diz) de forma a considerar a falta absoluta de fundamentação determinante da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615º.
Pelo contrário, analisada a decisão recorrida conclui-se que da mesma constam descritos todos factos considerados relevantes pelo Tribunal a quo para proferir a decisão.
É certo que, ainda que se esteja no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, o cumprimento do dever de fundamentação das decisões, em particular numa situação como ocorre no caso concreto onde são referenciados diversos factos, aconselharia uma enunciação/enumeração da matéria de facto a ter em consideração, mediante indicação do elenco dos respetivos factos.
Não entendemos, contudo, que no caso concreto tal possa significar o incumprimento do dever de fundamentação conducente à invocada nulidade da decisão proferida, sendo certo que, quanto à alegada impossibilidade da Recorrente, basta ler as alegações por si apresentadas para concluir que não teve impossibilidade (e nem dificuldade) em sindicar o concreto iter decisório em matéria de facto e subsequente aplicação do direito.
Por último importa apenas referir que, entendendo a Recorrente que o Tribunal a quo decidiu com base em pressupostos não comprovados, que não resultam dos factos assentes, não concordando com a decisão proferida, direito que naturalmente lhe assiste, a verdade é que tal fundamento invocado pela Recorrente se reporta não a um vício formal decorrente de erro de atividade (error in procedendo) mas, antes, ao mérito do decidido, a uma errada subsunção dos factos ao direito; contudo, o erro de julgamento (error in judicando), resultante de uma alteração/deformação da realidade factual ou na aplicação do direito, manifestando-se na apreciação da questão em desconformidade com a lei, não determina a nulidade da sentença.
Improcede, por isso, desde já e nesta parte, o recurso.
***
3.2. Da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais nos termos determinados pelo Tribunal a quo

A Recorrente veio interpor o presente recurso por se não conformar com a decisão proferida pelo Tribunal a quo que aplicou a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais nos seguintes termos:
“(…) medida de proteção de APOIO JUNTO DOS PAIS, A EXECUTAR ESPECIALMENTE JUNTO DA MÃE, com as seguintes injunções:
- colaborar com a presente equipa no acompanhamento da situação familiar, comparecendo sempre que solicitados;
- manterem os cuidados básicos à criança (alimentação, educação, saúde, conforto e saúde);
- fazerem um esforço para diminuir o grau de litigiosidade e, em especial, manter a menor completamente preservada;
- garantirem que a menor frequente com assiduidade, consulta de apoio psicológico, junto de profissional isento ( não indicado pela mãe ou pelo pai), com vista a minimizar e desconstruir os efeitos psicológicos de eventuais falsas memórias relativas aos relatos dos pretensos abusos que deram origem a estes autos;
- No que respeita à progenitora com quem a menor reside, proteger a AA de situações que a possam deixar desconfortável, abstendo-se de observações depreciativas face ao outro progenitor, de a questionar inadequadamente sobre putativos abusos sexuais protagonizados pelo progenitor, de incutir na menor falsas memórias, de andar atrás de lastro probatório para consubstanciar a sua pretensa suspeita e, em caso algum, torpedear os convívios e a boa relação que a mesma mantém com o outro progenitor pois que, a persistirem os indicadores desse lamentável aviltamento, o tribunal ver-se-á forçado a eventualmente rever as responsabilidades parentais, atribuindo a residência da menor a pessoa diversa.
A gestora do processo, tratará do acompanhamento psicológico da menor e do acompanhamento da medida.
Estas medida, se não antes, será revista em 6 meses”.
A questão a decidir consiste, por isso, e conforme já delimitado, em saber se deve manter-se a medida aplicada pelo Tribunal a quo.
As incidências fáctico-processuais a considerar são, por isso, as descritas no relatório e na decisão recorrida.
Vejamos.
No seguimento do princípio constitucionalmente consagrado (cfr. artigo 69º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa) de que “as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, e de que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” (n.º 5 do artigo 36º da Constituição da República Portuguesa), não podendo ser separados daqueles, a não ser que os pais não cumpram para com eles os seus deveres fundamentais e sempre mediante decisão judicial (n.º 6 da mesma norma), o artigo 1878º n.º 1 do Código Civil (de ora em diante designado por CC) consagra que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens, tendo de o exercer, no interesse dos filhos.
As crianças, sujeitos de direitos fundamentais, têm, por isso, direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, designadamente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
É tendo em vista a criação de medidas destinadas a assegurar essa proteção que surge, entre outros diplomas legais, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens e Perigo (LPCJP), que tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (cfr. o artigo 1º).
Nela se consagra como primeiro princípio pelo qual se deve orientar, e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o interesse superior da criança, prescrevendo o artigo 4º, alínea a), que “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.”
 Na mesma linha de orientação, o artigo 3º n.º 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, subscrita em Nova Iorque em 26 de janeiro de 1990, e ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 (Publicada no D. R. nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12 de setembro de 1990), determina que “[t]odas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”
Por interesse superior da criança deve entender-se “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (Almiro Rodrigues, “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, p. 18 e 19, citado por Tomé d`Almeida Ramião, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 7ª Edição, Quid Iuris, p. 34).
Tal conceito, insuscetível de definição em abstrato, só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de março de 2017, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1203/12.OTMPRT5-B.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), servindo o núcleo do conceito “de fator primordial na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, incumbindo ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a difícil tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e, em última análise, determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última” (v. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/04/2018, Processo n.º 17/14.8T8FAR.E1.S2, Relatora Conselheira  Rosa Ribeiro Coelho, também disponível em www.dgsi.pt).
Nunca é demais salientar que nos processos de promoção e proteção os direitos dos pais devem ser tidos em atenção, mas os que devem prevalecer são os direitos e interesses das crianças.
Se é necessária uma adequada aferição da existência de situação de risco ou de perigo para uma criança, mais imprescindível é ainda que ocorra uma devida intervenção protetiva e debeladora desse risco ou perigo; como refere Maria do Rosário Ataíde (“Medidas de Proteção e Projeto de Vida da Criança – Do meio natural de vida ao regime de colocação”, in A criança em perigo e a promoção e proteção dos seus direitos-multiplicidade na intervenção; CEJ, julho de 2020, p. 127, a consultar em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=CJ9qo0CZf6k%3D&portalid=30): “Sabe-se atualmente que a duração e intensidade de exposição da criança a fatores de risco ou perigo têm um efeito e uma influência no processo de desenvolvimento e que essa exposição repetida e acumulada agrava as consequências. Também quanto mais cedo (idade) a criança estiver exposta a estes fatores, piores serão as consequências para o seu bem-estar bio-psico-social.
Se a avaliação do risco é particularmente difícil e complexa, mais difícil ainda é a intervenção de modo a proteger pessoas e grupos, especialmente crianças em situação de vulnerabilidade, devido à multiplicidade de fatores que estão direta e indiretamente relacionados no contexto em que estas situações ocorrem”.
A norma do referido artigo 4º da LPCJP está ainda em sintonia com o artigo 34º do mesmo diploma legal, onde que se consagra que a finalidade das medidas de promoção e proteção é a de afastar o perigo em que as crianças ou os jovens se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças ou jovens que sejam vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.
As medidas suscetíveis de serem aplicadas mostram-se elencadas no artigo 35º, n.º 1 e são as seguintes:
1 - As medidas de promoção e proteção são as seguintes:
a) Apoio junto dos pais;
b) Apoio junto de outro familiar;
c) Confiança a pessoa idónea;
d) Apoio para a autonomia de vida;
e) Acolhimento familiar;
f) Acolhimento residencial;
g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
Todas estas medidas de promoção e proteção têm, por isso, como função promover os direitos das crianças e jovens e proteger aqueles que estão em perigo.
Conforme decorre do n.º 1 do artigo 3º, n.º 1 da LPCJP, a intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.
O seu n.º 2 enumera as situações em que se considera que a criança ou jovem está em perigo.
Se a criança não está em perigo inexiste legitimidade para a intervenção, não podendo ser aplicada qualquer medida por faltar o seu pressuposto fundamental.
Por isso, importará sempre determinar em primeiro lugar se a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança se encontra em perigo.
In casu, o Tribunal a quo concluiu pela necessidade de aplicação de uma medida de promoção e proteção e, concordando com a medida proposta pela EMAT e secundada pelo Ministério Público, decidiu pela aplicação de uma medida de proteção de apoio junto dos pais (cfr.  artigo 35º n.º 1 alínea a), a executar especialmente junto da mãe, com as seguintes injunções:
- colaborar com a presente equipa no acompanhamento da situação familiar, comparecendo sempre que solicitados;
- manterem os cuidados básicos à criança (alimentação, educação, saúde, conforto e saúde);
- fazerem um esforço para diminuir o grau de litigiosidade e, em especial, manter a menor completamente preservada;
- garantirem que a menor frequente com assiduidade, consulta de apoio psicológico, junto de profissional isento (não indicado pela mãe ou pelo pai), com vista a minimizar e desconstruir os efeitos psicológicos de eventuais falsas memórias relativas aos relatos dos pretensos abusos que deram origem a estes autos.
E quanto à progenitora (Recorrente) com quem a menor reside, determinou ainda o seguinte:
“proteger a AA de situações que a possam deixar desconfortável, abstendo-se de observações depreciativas face ao outro progenitor, de a questionar inadequadamente sobre putativos abusos sexuais protagonizados pelo progenitor, de incutir na menor falsas memórias, de andar atrás de lastro probatório para consubstanciar a sua pretensa suspeita e, em caso algum, torpedear os convívios e a boa relação que a mesma mantém com o outro progenitor pois que, a persistirem os indicadores desse lamentável aviltamento, o tribunal ver-se-á forçado a eventualmente rever as responsabilidades parentais, atribuindo a residência da menor a pessoa diversa”.
Importa referir que a Recorrente não coloca em causa no presente recurso a necessidade de aplicação de uma medida de promoção e proteção, concretamente da medida de apoio junto dos pais; o que pretende é que se determine que a criança resida em exclusivo com a mãe, fixando-se contactos entre a criança e o pai/família sob supervisão, por forma a prevenir perigo, enquanto não se mostrar, seja pela idade da menor, seja pelo comportamento do pai, seja pelas conclusões retiradas da supervisão, ou por outro motivo relevante e evidenciado, que se encontra completamente afastado qualquer perigo e que a menor pode, sem o correr, conviver e pernoitar com o pai.
Ou seja, o que a Recorrente entende é que não se mostra afastado o perigo decorrente dos alegados abusos por parte do progenitor.
Em sentido contrario concluiu o Tribunal a quo, “quanto aos pretensos toques abusivos de natureza sexual, alegadamente verbalizados pela menor e protagonizados pelo progenitor, que supostamente constariam da gravação efetuada pela progenitora, que eles manifestamente não se provaram, podendo até afirmar-se que o Tribunal se convenceu que eles não terão ocorrido no plano ontológico. (…) com base neste fundamento - a ocorrência dos putativos abusos sexuais perpetrados pelo progenitor -, é manifesto que os autos devem ser arquivados por não se demonstrar a sua ocorrência, estando aliás o tribunal convencido que não ocorreram no plano ontológico, e, por isso, inexistir qualquer situação de perigo para a menor, relacionado com esse fundamento”.
Entendeu, contudo, não se poder afastar sem mais a situação de perigo para a menor, não só perante a existência de alguma hostilidade e litígio na relação parental, sendo que a manutenção de tais dinâmicas no tempo pode vir a comprometer o equilíbrio emocional da criança e que, nesse sentido, impera a necessidade de adoção de competências de coparentalidade salutares, mas também porque não se mostrando indiciado o suposto e alegado abuso do pai sempre estaríamos perante a circunstância da menor, com 6 anos de idade, ter efetivamente verbalizado, a existência de alegados episódios abusivos da parte do progenitor para consigo, o que entendeu entroncar com a problemática das “falsas memórias” e com o fenómeno sociológico da Alienação Parental.
Na verdade, como é consabido, o interesse de qualquer criança é o de poder estar com ambos os progenitores, de manter com ambos uma relação de grande proximidade; e sendo o interesse da criança o critério mais importante a considerar será de exigir, sempre que possível, uma efetiva presença de ambos os progenitores na vida do filho, potenciadora do seu são desenvolvimento psico-emocional.
De salientar ainda que o interesse do filho é também que a relação com ambos os progenitores não seja estragada, designadamente por constantes impedimentos e obstáculos levantados pelo progenitor com quem o filho vive, relativamente ao outro progenitor.
A pretensão da Recorrente de que seja determinado que a criança resida em exclusivo com a mãe, fixando-se apenas contactos entre a criança e o pai/família sob supervisão, só poderá, por isso, ocorrer em situações excecionais, e em que se mostre adequado a remover uma situação de concreto perigo para a criança que assim o justifique.
Importa, por isso, analisar em primeiro lugar se existe perigo decorrente de alegados abusos por parte do progenitor.
Vejamos.
Em 24/08/2022 o Ministério Público apresentou requerimento que deu origem aos presentes autos de promoção e proteção com vista à aplicação de uma medida alegando, no que agora releva, que no dia 3/08/2022, a Recorrente se dirigiu à Policia Judiciária, na posse de uma gravação de uma conversa mantida com a filha, de 11 de julho de 2022, cujo conteúdo era para si demonstrativo da ocorrência dos abusos pelo progenitor, manifestando o desejo de novo procedimento criminal, tendo aí sido instaurado o Inquérito n.º 2164/22.....
Tal como decorre dos autos, neste Inquérito n.º 2164/22.... foi já proferido despacho de arquivamento, que concluiu pela inexistência de suspeita fundada da pratica de crime, razão pela qual não procedeu sequer à constituição do progenitor como arguido.
Da fundamentação do despacho de arquivamento consta que:
“(…)  Desde logo da gravação áudio que está na origem dos presentes autos resulta uma conversa entre a denunciante e a filha, no decurso da qual aquela questiona esta insistentemente, se conversou com a psicóloga acerca das coisas que acontecem com o pai, tendo a filha respondido negativamente. A denunciante insiste em questionar a filha acerca dos toques do pai acabando esta por afirmar que o pai lhe tocava na vagina, mas apenas na brincadeira. Aliás quando a denunciante pergunta à filha se falou com a psicóloga e se confia na mesma e porque é que não consegue falar das coisas que aconteceram com o pai, logo a filha - sabendo o que a mãe lhe queria perguntar - respondeu: “De que o pai mexe na minha pombinha, mas não mexe”.
Ou seja, não obstante da gravação não se ouvisse que a denunciante já tivesse concretizado quais eram as coisas que aconteciam em casa do pai, ou porque tinha falado instantes antes ou porque seria habitual a mãe falar nesse tema, a criança já sabia que era essa a questão. Acontece que logo a criança respondeu: “Mas não mexe”.
Só após muita insistência. a criança acaba por dizer que o pai mexeu na pombinha na brincadeira.
Mais, segundo os relatos da menor nos presentes autos, o pai não lhe toca pelo menos de forma adequada na zona genital.
Em sede de inquirição inicial, a menor foi alterando a sua inquirição dos factos, ora dizendo que “não gosta que o pai lhe mexa na pombinha”, ra que o pai “não mexe”, ora que “não faz isso muitas vezes”, ora que “nem faz nenhum dia”, terminando a dizer que apenas lhe tinha tocado uma única vez na cama, para o que lhe tirou as cuecas, porque a própria se tinha queixado que lhe doía a pombinha porque “tinha umas coisas verdes coladas”.
Já em sede de declarações para memória futura, a menor disse que nunca o pai lhe tocou na zona genital.
Os demais depoimentos são, naturalmente, depoimentos indiretos - de (alegadamente) ouvir dizer à ofendida.
Aliás, segundo a denunciante, a filha teria relatado os facos à própria e à irmã HH, mas segundo esta, nunca a irmã lhos relatou; antes teria ouvido a mesma responder à avó.
De resto, apesar da denunciante ter vindo dar conta aos autos de que tivera conhecimento de que a filha, teria falado com os avós maternos acerca dos toques do pai, segundo a HH já a irmã o teria feito à avó durante o Verão de 2022. E teria sido a avó quem, no Verão de 2022, o repetira à denunciante.
Ou seja, os depoimentos das testemunhas são incoerentes entre si.
De resto, também a HH diz ter ouvido a irmã responder à mãe, no regresso da casa do pai, que “o pai lhe mexeu na pombinha e doeu”, mas, curiosamente a denunciante nada referiu a propósito.
Por fim, a acrescer ao facto de as declarações para memória futura prestadas pela menor não corroborarem a suspeita de que o denunciado tenha levado a cabo quaisquer toques sexualizados na sua zona genital, importa ainda considerar que, segundo a própria denunciante, também nunca a menor fez relatos de tal natureza à Psicóloga que a acompanha”.
Ressalta, do despacho de arquivamento não só que os indícios recolhidos não permitem admitir, num juízo de prognose, a hipótese de sobrevir a condenação do denunciado, a repetir-se, em sede de julgamento, a prova ali produzida, mas ainda que a Recorrente questiona insistentemente a filha e que esta, porque já tinha falado instantes antes ou porque seria habitual a mãe falar nesse tema, já sabia qual era a questão, tendo respondido de imediato: “mas não mexe”.
Como bem se refere na decisão recorrida “(…) não se trata de um relato espontâneo da menor, que apesar da insistência da progenitora, respondeu: “mas não mexe”, afigurando tratar-se, ao invés, de uma narrativa da progenitora, pois que só após muita insistência e depois desta cobrar da menor a lealdade que entende ser-lhe devida. a criança acaba por confirmar a narrativa da progenitora de que o pai mexeu na pombinha na brincadeira. E, a evidenciação, por exuberância, de que tais relatos não serão espontâneos, mas eventualmente induzidos pela progenitora, resulta ainda do facto de, em sede de declarações para memória futura, a menor ter declarado que nunca o pai lhe tocou na zona genital, sendo também relevante que nunca a menor o tenha afirmado junto da Psicóloga que a acompanha, como a progenitora reconhece”.
O que nos remete também para a circunstância, decorrente da análise dos autos de Regulação das Responsabilidades Parentais e respetivos apensos, que já anteriormente a Recorrente apresentara queixa por alegados abusos, que deu origem ao Inquérito n.º 679/21...., onde foi também proferida decisão de arquivamento por não terem sido apurados indícios de que hajam sido praticados os factos denunciados pela progenitora.
Em face da queixa apresentada, o Ministério Público intentou, em 12/04/2021, ação de alteração de regulação do exercício das responsabilidades parentais (que deu origem ao apenso B), por entender que se impunha a cessação de convívio entre o progenitor e a menor.
No referido apenso, por decisão de 01/07/2021, foi decidido julgar improcedente o pedido de alteração, e repor de imediato todo o regime de convívio decorrente da sentença homologatória, sendo reatado o fim de semana nas condições constantes da sentença no de 03 e 04 de julho próximo.
Desta decisão não interpôs a Recorrente recurso e na fundamentação da mesma pode ler-se que:
“(…) Todos estes elementos foram apreciados e valorados segundo juízos de experiência comum – por exemplo, e a este respeito, a atitude e comportamento da mãe, ao longo dos dias entre ../../2021 e ../../2021, pois o invocado estado de negação, primeiro, e ausência de indícios, depois, são contra o que um cidadão mediano consideraria normal e adequado, pois perante tal relato o mais lógico, até por motivos emocionais (o choque da notícia), seria que agisse de imediato, indo às urgências ou, mesmo que não fosse, por ter consulta na manhã seguinte, apresentar queixa ou, pelo menos, confrontar de imediato o pai com o relato da filha e, caso não ficasse convencida, apresentar queixa a seguir, não passados 8 dias. No mesmo sentido, não é compreensível para um cidadão comum que permitisse a eventual exposição ao abuso durante um fim de semana uma semana depois e só a seguir efetuar a denúncia.
Como referido no início, ser-se-á sucinto, pois este processo tem um objetivo específico e não se confunde com outros pendentes entre as partes. Importa ainda dizer o seguinte, por se tratar de uma particularidade que, do ponto de vista psicológico (e, como tal, de explicação do raciocínio seguido pelo julgador) é de ter também em conta: os antecedentes criminais da ora denunciante por, entre o mais, diferentes imputações feitas ao requerido.
Se não é necessariamente verdade que “quem faz um cesto, faz um cento”, o certo é que tal tem também de ser valorado à luz da experiência comum.
O Tribunal subtraiu a convicção à dúvida razoável”.
Não obstante ter-se conformado com a decisão proferida, a Recorrente em 23/07/2021 apresentou novo pedido de alteração das responsabilidades parentais, que deu origem ao apenso C, no qual pretendia a suspensão do regime de visitas ao progenitor até que fosse proferida decisão no processo crime (onde, como vimos, foi proferido despacho de arquivamento) ou, caso assim não se entendesse, se alterasse o regime de visitas para ocorrerem apenas em espaço público com acompanhamento e supervisão.
Nesses autos (apenso C) foi proferida decisão de arquivamento por não se verificarem os pressupostos da mesma e por se verificar a exceção de caso julgado; na decisão proferida consta ainda que a ação é manifestamente improcedente e que a aqui Recorrente não agiu com a prudência ou diligência devida, não interpôs recurso da decisão proferida aos 01/07/2021 e intenta outra aos 23/07/2021, o que não é aceitável, condenando-a na taxa sancionatória de 2 U.C.’s, não abrangida pelo benefício de apoio judiciário.
Desta decisão a Recorrente já interpôs recurso, o qual veio a ser julgado improcedente por acórdão proferido em 20/01/2022, mas tendo apenas impugnado a decisão na parte em que foi condenada em taxa sancionatória.
Entretanto, por requerimento de 01/08/2022, o progenitor veio deduzir incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, relativamente ao período de férias, por a progenitora não ter facultado a seu pedido o cartão de cidadão da criança, essencial para que se pudesse hospedar com ela num Hotel onde reservara férias, dando origem ao apenso D (nestes autos os progenitores acabaram por acordar que doravante, esteja a criança com a mãe ou com o pai, a mesma estará acompanhada de seu cartão de cidadão, acordo que foi judicialmente homologado).
Não podemos deixar de chamar aqui a atenção para a circunstância dos factos e do referido requerimento datarem de 01/08/2022, e a queixa (que deu origem ao Inquérito nº 2164/22.... e na sequência da qual os presentes autos tiveram o seu inicio) ter sido apresentada pela Recorrente no dia 3/08/2022, quando segundo alega estaria na posse de uma gravação de uma conversa mantida com a filha de 11 de julho de 2022 que considerava demonstrativa de que os abusos têm ocorrido, nada tendo feito durante mais de 15 dias, mesmo sabendo que se iria iniciar o período de férias da criança com o progenitor, apenas apresentando queixa após os alegados factos ocorridos no dia 01/08/2022 e apresentação do referido requerimento.
Da mesma forma, e tal como se salienta na decisão proferida no apenso B e na decisão recorrida, carece de razoabilidade e mostra-se contraria às regras de experiência comum, a ser verdade que a menor reportou à progenitora os alegados abusos e acaso esta atribuísse crédito a esses relatos, a atitude e comportamento da Recorrente, entre os dias ../../2021 e ../../2021.
Conforme consta da decisão recorrida “[s]e atentarmos nas declarações que a progenitora prestou na conferência de pais de 19/05/2021, constatamos que a mesma refere:
“No dia 28/03/2021, domingo, durante a tarde, a criança estava mexer na vagina (clitóris) e perguntou porque estava a mexer e ela disse “porque sim” e depois perguntou se mais alguém mexia e ela disse que sim, que o pai mexe e perguntou-lhe como e foi ao clitóris mexer com o dedo”.
Constam dos autos documentos dos quais resultam que, no dia seguinte ao referido relato (29/03/2021), a progenitora levou a filha de ambos à consulta com a médica de família, Dra. GG, dos 3 anos, no Centro de Saúde ... e que, pelas 18:39 horas, a progenitora enviou uma SMS para o telemóvel do progenitor com o seguinte teor:  «A menina hoje foi à consulta dos 3 anos, está tudo normal para a idade dela».
No Sábado seguinte, já depois dos putativos relatos, dia 03/04/2021, o progenitor recolheu a filha de ambos na residência dos avós maternos, cerca das 11:00 horas e entregou-a no Domingo de Páscoa, dia 04/04/2021, pelas 20:45 horas, novamente na residência dos avós maternos e, no dia ../../2021, pelas 19:14 horas, o progenitor recebeu uma SMS, no seu telemóvel, remetida do número da progenitora com o seguinte texto: «A menina quando foi à médica disse que lhe mexias na vagina. A médica passou para o hospital e lá informaram a policia. Até informação contrária não podes estar com a menina.», referindo-se à consulta de 29/03/2021”.
Não é, de facto, compreensível para um cidadão comum que a progenitora permitisse a eventual exposição ao pretenso abusador durante um fim de semana, uma semana depois e só a seguir efetuasse a denúncia; e menos compreensível ainda que depois do alegado relato (em 28/03) e da consulta ocorrida a 29/03, a progenitora enviasse um sms ao progenitor a dizer que foi à consulta e que estava tudo bem, permitindo ainda que a criança passasse com o pai o fim de semana seguinte (03/04) apenas apresentando queixa no dia 05/04.
Mais, do que acabamos de expor decorre de forma clara que a AA vem sendo, pelo menos desde meados de 2021, sucessivamente (e insistentemente) questionada e confrontada pela Recorrente com questões sobre alegados abusos por parte do pai.
Veja-se que já do relatório de avaliação psicológica levada a cabo em 01/06/2021 (no Apenso B) consta que: “atendendo às fragilidades evidenciadas por AA do ponto de vista comunicacional, bem à sua imaturidade desenvolvimental, própria da idade, somos de parecer que a sua capacidade para testemunhar se encontra significativamente diminuída, podendo interferir quer com a inteligibilidade e credibilidade das suas declarações sobre vivências passadas ou mesmo com a compreensão das mesmas. (…)
Da avaliação efetuada, a ponderação do conteúdo das declarações da AA leva a concluir que as informações prestadas por esta são manifestamente insuficientes e incongruentes para a formulação de um parecer conclusivo em relação aos alegados factos em investigação. Desde logo, os relatos de AA mostraram-se breves, desprovidos de qualquer detalhe e/ou pormenor, verificando-se incongruências e inconsistências nos relatos da menor (i.e., quanto à experienciação de eventuais toques genitais, ao eventual caráter abusivo dos mesmos ou mesmo quanto ao seu enquadramento contextual). Contudo, tal parecer não exclui a hipótese de a AA ter sofrido algum ato de natureza abusiva, todavia não surgiram à presente avaliação indícios que permitissem confirmar ou infirmar tal factualidade. Neste sentido, importa aventar outras hipóteses explicativas e/ou alternativas para as alegações constantes no processo. Desde logo, importa referir que a capacidade para testemunhar da AA se afigurou particularmente diminuída, considerando a idade em que se encontra (3 anos). As fragilidades evidenciadas pela AA ao nível da memória, da atenção e da capacidade narrativa, as dificuldades em distinguir realidade de fantasia, a incapacidade para corrigir o entrevistador, e sobretudo a tendência para a sugestionabilidade poderão interferir com o seu relato sobre a experienciação de eventuais episódios abusivos. Efetivamente, em contexto de avaliação, a progenitora admitiu, por diversas, vezes, questionar a menor sobre o sucedido, no sentido de poder consubstanciar a sua suspeita. Ora, considerando que a literatura sobre esta matéria documenta que as crianças nesta faixa etária apresentam maior vulnerabilidade para a sugestão (o que se comprovou ser o caso da AA), um questionamento inadequado recorrente, poderá favorecer uma sobreinterpretação das verbalizações dos menores, ainda que isto possa ser isento de qualquer tipo de intencionalidade por parte de quem entrevista.
De igual modo, importa também atender a todo o contexto em que a denúncia dos alegados factos ocorre (ex.: episódio de mais uma rutura relacional entre os progenitores e subsequente desentendimento), identificando-se motivos suscetíveis de mobilizar uma eventual acusação, muito embora a progenitora tenha contestado qualquer hipótese de vingança e/ou retaliação perante o progenitor (sublinhado e negrito nossos); no relatório refere-se ainda que a relação entre os progenitores tem sido pautada por vários períodos de separações e reconciliações, sendo que a última separação ocorreu precisamente no período que antecedeu os alegados factos” (sublinhado nosso).
Veja-se ainda que do Relatório de perícia psicológica à AA, datado de 27/03/2023, consta que a criança logo na primeira sessão, verbalizou, de forma espontânea e sem qualquer questionamento prévio da parte da perita, a alegada existência de episódios abusivos perpetrados pelo progenitor (os quais foram igualmente referenciados pela progenitora), e que os alegados factos foram abordados no início da primeira sessão, por iniciativa da AA e que na segunda sessão, voltaram a ser abordados, também por iniciativa da criança, de onde decorre demonstrar a mesma saber bem qual o objetivo da entrevista.
Do relatório consta ainda que:
“Coligindo a informação recolhida foi possível concluir que AA exibiu um desenvolvimento compatível com a sua idade cronológica, percetível pela aquisição de aptidões em evolução que seriam esperadas para a sua idade; relativamente à condição psicológica de AA, á presente avaliação, não foram detetados indicadores de mal-estar e perturbação psicológica significativa. De um modo geral, a criança revelou ser uma criança globalmente ajustada e capaz de estabelecer relações positivas com os pares e as figuras adultas. No que respeita ao relacionamento com a progenitora, AA evidenciou manter uma relação próxima e de afeto com a mesma, sendo que esta se constitui como uma figura de referencia e de vinculação para a filha. Tal foi igualmente observado na sessão de interação programada entre AA e a mãe.
Já no que concerne ao progenitor, pese embora a criança tenha verbalizado sentimentos de afeto e de proximidade para com o mesmo e descrevesse de forma positiva os momentos despendidos com este, o que também foi observado aquando da sessão de interação programada, realizada entre o pai e a criança, esta verbalizou em ambas as sessões a existência de alegados episódios abusivos da parte deste para consigo. Ainda que o discurso de AA a respeito dos alegados episódios se tenha mostrado, em diferentes momentos, confuso e pautado por incongruências e inconsistências, atendendo ao teor e natureza dos mesmos e à gravidade dos factos alegados, sugere-se a necessidade de averiguação da validade e credibilidade de tais alegações, assim como a adoção de medidas psicossociais que permitam garantir a segurança da criança e acautelem o seu superior interesse”.
É também o que se mostra transcrito na sentença recorrida, sendo que a parte final das conclusões constantes deste relatório, coincidem com a parte final do relatório do progenitor, a que se refere a Recorrente, onde consta também que “atendendo ao teor e natureza de tais alegações e à gravidade dos factos alegados sugere-se a necessidade de averiguação da validade e credibilidade de tais alegações, assim como a adoção de medidas psicossociais que permitam garantir a segurança da criança e acautelem o seu superior interesse”.
Não é, por isso, correto pretender a Recorrente que o Tribunal a quo ignorou na decisão o segmento constante do último parágrafo das respetivas conclusões; não só o Tribunal a quo o considerou como atendeu ainda aos esclarecimentos prestados, constando da sentença recorrida que a “Exma. Perita ouvida em sede de esclarecimentos confirmou que, apesar da infelicidade da redação constante da parte final do relatório, esclareceu que foram realizados todos os procedimentos que estavam ao seu alcance para avaliar da credibilidade dos relatos da menor e concluiu pela ausência de indicadores suficientes para a formulação de um parecer conclusivo em relação à vivência pela menor de uma eventual experiência sexualmente abusiva”.
Daqui decorre que segundo a Perita não existem indicadores suficientes para a formulação de um parecer conclusivo em relação à vivência pela menor de uma eventual experiência sexualmente abusiva; sendo certo que a mesma, de um modo geral, e não tendo sido detetados indicadores de mal-estar e perturbação psicológica significativa, revelou ser uma criança globalmente ajustada e capaz de estabelecer relações positivas com os pares e as figuras adultas, mantendo uma relação próxima e de afeto com a mãe, mas também tendo verbalizado sentimentos de afeto e de proximidade para com o pai, descrevendo de forma positiva os momentos despendidos com este, o que também foi observado pela Perita na sessão de interação programada.
Conforme foi já expresso na decisão sumária proferida pela aqui Relatora, e face ao quadro evidenciado no relatório pericial (onde se sugeria a necessidade de averiguação da validade e credibilidade das alegações da menor, assim como a adoção de medidas psicossociais que permitissem garantir a segurança da criança e acautelassem o seu superior interesse), entendemos não poder concluir-se sem mais e sem a realização de outras diligências, pela não verificação de uma situação de perigo determinante do arquivamento dos autos, tanto mais que no relatório de perícia da progenitora constava também a existência de alguma hostilidade e litígio na relação parental, e que a manutenção de tais dinâmicas no tempo podiam vir a comprometer o equilíbrio emocional da criança, e que mesmo a considerar-se não indiciados os alegados abusos, sempre o seu relato pela criança, que na verdade os verbalizou, também não permitiria concluir pela inexistência de perigo para a sua formação e desenvolvimento.
Ora, levadas a cabo pelo Tribunal a quo todas as diligências necessárias e possíveis, mas também requeridas, designadamente pela Recorrente, em particular os esclarecimentos da Perita e o depoimento das testemunhas, não podemos deixar de concluir da mesma forma que o Tribunal a quo; na verdade, os relatos apresentados não são também suscetíveis de atestar a veracidade da situação dos alegados abusos, sendo que relativamente às testemunhas DD, II e FF, respetivamente, Coordenadora, Educadora e Auxiliar, no Patronato ..., em Guimarães, instituição que a menor frequentou, que referiram efetivamente que a mesma teria relatado por duas vezes seguidas, numa 4ª e 6º feira, a propósito do comentário de uma colega que o “pai lhe mexia na pombinha”, tal como se refere na decisão recorrida são relatos “circunscritos a um período temporal muito curto, período que bem pode coincidir com o período em que a progenitora eventualmente falava intensamente sobre isso em casa, sendo normal que a menor, quando ouve alguém conjugar o verbo “mexer”, reproduza a frase que a sua figura de referencia, a quem deve lealdade, costuma verbalizar na sua presença: “o pai mexe na pombinha”. Veja-se que no relatório de perícia psicológica realizado no âmbito do apenso B, a progenitora admitiu, no contexto da avaliação, que por diversas vezes, ter questionado a menor sobre o sucedido, no sentido de poder consubstanciar a sua suspeita (cfr. pag. 7 do relatório de 01/06/2021, linhas 19, 20 e 21)”; constando ainda deste relatório, como já vimos, que a AA apresentava maior vulnerabilidade para a sugestão e que um questionamento inadequado recorrente, poderia favorecer uma sobre interpretação das verbalizações dos menores.
Atente-se ainda que segundo o relatado (constando também dos autos a informação prestada pela Técnica JJ em 03/03/2023) tal ocorreu na quarta e sexta feira a seguir à terça feira de carnaval, ou seja nos dias 22 e 24 de fevereiro de 2023, logo após a primeira entrevista levada a cabo, em 15/02/2023, na realização da avaliação psicológica, percebendo-se do relatório desta que o assunto era efetivamente abordado com a menor pois esta logo nessa primeira sessão, verbalizou, de forma espontânea e sem qualquer questionamento prévio da parte da Perita, a alegada existência dos episódios abusivos, os quais foram igualmente referenciados pela progenitora,  o que voltou a ocorrer na segunda sessão, em 3 de março, também por iniciativa da criança. tal como consta do referido relatório.
Os referidos relatos, para além de circunscritos a um período temporal muito curto, coincidem com o período em que se encontrava a ser elaborada a perícia (após a primeira sessão e antes da segunda), percebendo-se pelo que consta do relatório da mesma que nessa altura os alegados abusos eram efetivamente abordados com a menor, e que o deveriam ser de forma insistente, pois esta, sem qualquer questionamento prévio, logo os verbalizou de forma espontânea.
Quanto às declarações da Dr.ª GG, médica de medicina geral e familiar, e médica da Recorrente há muitos anos, que acompanhou também a sua outra filha (mais velha do que a AA), o seu relato apresenta também algumas incongruências, tal como salientado na decisão recorrida (e como também o foi durante a sua audição).
Mas, acima de tudo, a maior incongruência revela-se na atitude da Recorrente que, conforme já referimos, após a dita consulta enviou um sms ao progenitor a dizer que foi à consulta e que estava tudo bem, tendo ainda autorizado que a criança passasse com o pai o dia 03/04, para apresentar queixa apenas no dia 05/04; e ainda, ao gravar o vídeo em 11 de julho de 2022 e apenas apresentar queixa, com base no mesmo, no dia 3 de agosto seguinte, sabendo que a filha iria de férias com o pai e a família, e apenas após a apresentação por este do requerimento que deu origem ao apenso D (incumprimento das responsabilidades parentais). Neste vídeo (cujo auto de visionamento foi junto aos autos em 4/09/2023) é também patente a insistência da Recorrente ao questionar a filha, cuja primeira resposta é “de que o pai mexe na minha pombinha mas não mexe”,
Não pode, pois, concluir-se dos elementos recolhidos nos presentes autos, mas também considerando todo o antecedente histórico resultante dos diversos apensos, sem descurar que nos dois inquéritos foi proferido despacho de arquivamento, pela existência dos alegados abusos, o que desde logo determina a improcedência da pretensão da Recorrente de ver limitado o direito de visitas do progenitor e a fixação de contactos com o este e família sob supervisão.
Conforme decorre do artigo 39º da LPCJP a medida de apoio junto dos pais consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica.
Prevê ainda o do Decreto-Lei n.º 12/2008, de 17/01 (que estabelece o regime de execução das medidas de promoção e proteção das crianças e jovens em perigo em meio natural de vida) que a execução da medida de apoio junto dos pais, de apoio junto de outro familiar ou de confiança a pessoa idónea deve ter em conta a situação de perigo que determinou a sua aplicação e o nível das competências parentais ou da capacidade protetora do outro familiar ou da pessoa idónea, reveladas quando da aplicação da medida, consoante os casos (artigo 16º n.º 1); e deve ser deve ser orientada no sentido do reforço ou aquisição por parte destes das competências para o exercício da função parental adequadas à superação da situação de perigo e suas consequências e à conveniente satisfação das necessidades de proteção e promoção da criança (n.º 2).

Tendo presentes estes objetivos, e conforme decorre do n.º 4 deste preceito, devem ser considerados na operacionalização do plano de intervenção, entre outros, os seguintes elementos:
a) Capacidade dos pais para remover qualquer situação de perigo;
b) Ausência de comportamentos que afetem a segurança ou o equilíbrio emocional da criança ou do jovem;
c) Disponibilidade dos pais para colaborar nas ações constantes do plano de intervenção (n.º ...).
In casu, a medida de apoio junto dos pais, com limitação do direito de visitas e residência exclusiva junto da mãe, apenas com contactos supervisionados, apresenta-se como desproporcionada considerando a situação concreta em que os elementos recolhidos não permitem concluir pela existência dos alegados abusos.
Tal não afasta a necessidade de aplicação da medida de apoio junto dos pais, tal como decidido pelo tribunal a quo, necessidade que também é aceite pela Recorrente.
Desde logo porque dos autos resulta a existência de hostilidade e litígio na relação parental e que a manutenção de tais dinâmicas no tempo pode vir a comprometer o equilíbrio emocional da criança, tendo um impacto direto e negativo no desenvolvimento e estabilidade da mesma, mostrando-se necessária a adoção de competências de coparentalidade salutares tal como expressamente refere a Perita no relatório de avaliação de ambos os progenitores.
Acresce que o tribunal a quo ao aplicar a medida, não se encontrava limitado pela proposta apresentada pela EMAT, pois o que deve sempre prevalecer é o superior interesse da criança e, ao contrário do que parece ter sido interpretado pela Recorrente, a decisão recorrida alude efetivamente a ambos os progenitores conforme decorre da mesma, ainda que refira “a executar especialmente junto da mãe”, sendo que é com esta que a menor reside, e na parte final contenha uma injunção expressa referente apenas à Recorrente.
Quanto a esta, insurge-se também a Recorrente.
Não vemos, contudo, que a mesma contenha qualquer compressão direta dos direitos parentais da mesma ao alertar a Recorrente de que se deve abster de observações depreciativas face ao outro progenitor e de questionar inadequadamente a menor sobre os alegados abusos.
Quanto ao progenitor é de salientar que o que decorre dos autos é que a relação afetiva da criança consigo se pauta por ser positiva, com sentimentos de afeto e proximidade, descrevendo de forma positiva os momentos despendidos com o mesmo.
Veja-se ainda que a menor vem sendo repetidamente confrontada e questionada pela Recorrente sobre os alegados abusos desde pelo menos março de 2021, resultando expressamente do relatório de avaliação psicológica de 1 de junho de 2021 (cfr. apenso B) que as fragilidades evidenciadas pela menor e sobretudo a tendência para a sugestionabilidade poderão interferir com o seu relato sobre a experienciação de eventuais episódios abusivos, tendo já ai a Recorrente admitido questionar a menor sobre o sucedido, por diversas vezes, no sentido de poder consubstanciar a sua suspeita, podendo o questionamento inadequado recorrente favorecer uma sobre interpretação das verbalizações dos menores, ainda que isto possa ser isento de qualquer tipo de intencionalidade por parte de quem entrevista.
Acresce, no caso concreto, toda a atitude da própria Recorrente perante os alegados abusos, nos termos já referidos, e o facto dos mesmos não resultarem evidenciados nos presentes autos e nem no apenso B (tendo também dado origem a processos de inquérito onde foi proferido despacho de arquivamento).
Assim, em face de todo o exposto, não entendemos que deva ser alterada a medida fixada pelo Tribunal a quo, improcedendo a presente apelação.
As custas do recurso são da responsabilidade da Recorrente (artigo 527º do CPC) atento o seu integral decaimento, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário.
***
IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas são da responsabilidade da Recorrente, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário.
Guimarães, 22 de fevereiro de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Ana Cristina Duarte (1ª Adjunta)
Alexandra Rolim Mendes (2ª Adjunta)