Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
328/20.3T8VPA.G1
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR COMUM
JUSTO RECEIO DE LESÃO GRAVE E DE DIFÍCIL REPARAÇÃO
DANOS MATERIAIS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- Pela proteção cautelar não se abarcam apenas os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular.
II- Porém, especialmente quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto à aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

M. R., NIF ……… e marido M. L., NIF ………, residentes na Rua …, n.º …, Mondim de Basto, E. V., NIF ……… e mulher M. F., NIF ………, residentes em Avenida …, Sintra, e O. C., NIF ………, residente no Lugar …, intentaram o este procedimento cautelar contra B. R., NIF ……… e mulher M. C., residentes em Reta …, peticionando serem os Requeridos notificados e intimados para se absterem de qualquer conduta que atente contra os ditos direitos dos Requerentes, nomeadamente, para cessar de imediato e em absoluto a captação da água que realizam no seu prédio através do furo que abriram e do sistema de bomba de água solar que instalaram, ou por qualquer outro meio, abstendo-se em absoluto e por qualquer forma, de captar água da nascente e das águas subterrâneas existentes no prédio dos Requeridos e restituírem aos Requerentes à posse da dita água.

A fundamentar estes pedidos alegam em síntese que:

Encontra-se inscrito a favor dos Requerentes (na proporção de 19,04% para a Requerente M. R. e marido; 19,03% para o Requerente E. V. e mulher e de 19,03% para a Requerente O. C., divorciada) e, ainda, de H. M. e mulher I. V. na proporção de 4,8%, D. V. e mulher C. M. na proporção de 4,8%, J. M. e mulher P. V. na proporção de 16,65%, de M. H. e marido L. C., na proporção de 16,65%, do prédio rústico composto por cultura arvense, 36 oliveiras, 4500 videiras em cordão, videiras em ramada, lameiro pinhal e mato, com a área de 180.400 m2, sito em Lugar ... –Quinta de ..., inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo predial sob o artigo …;
Há mais de 20, 30, 50 anos, o ante possuidores dos Requerentes construíram, sem qualquer oposição dos proprietários e/ou possuidores do prédio dos requeridos ou de quem quer que fosse, uma mina, com a boca de entrada no prédio dos Requerentes - no lado Nascente da referida parcela denominada por Lavoura ... (...) - e que se dirige para Sudeste no sentido do prédio dos Requeridos numa distância de 25,24 metros, entrado, depois, neste, por onde segue por mais 37,66 metros até à nascente;
A nascente situa-se, portanto, no prédio dos Requeridos e a água que daí brota corre pela galeria da mina, no sentido Nascente - Poente até à boca da mina, já no prédio dos Requerentes, onde estes instalaram um tubo de captação de plástico com cerca de duas polegadas de diâmetro, que a recolhe e, por sua vez, a conduz por via subterrânea para um reservatório em cimento que serve de tanque, com a capacidade de 13,3 m3, construído também há mais de 30, 40 anos, a Poente da boca da mina, a cerca de 50 metros desta, no prédio dos Requerentes;
No mês de Agosto de 2020, os Requeridos abriram um furo no seu prédio, a cerca de 10 metros da nascente da mina, de profundidade que os Requerentes desconhecem, para captarem as águas existentes no subsolo do seu prédio, apetrechando-o com uma bomba alimentada por energia elétrica, proveniente, pelo menos, em parte, de painéis solares que aí foram colocados;
Desde essa data, que o caudal da água proveniente da mina reduziu significativamente
Exarou-se despacho de admissão liminar, o qual indeferiu o pedido de não audição prévia dos Requeridos.
Os Requeridos B. R. e mulher M. C., regular e pessoalmente citados, aduziram oposição, impugnando as alegações dos Requerentes.
Concluíram, propugnando a improcedência do procedimento.
Inquiridas as testemunhas seguiu-se sentença que terminou com o seguinte dispositivo legal:
Pelo supra exposto, julga-se o vertente procedimento cautelar totalmente improcedente e, consequentemente, decide-se
A) Absolver os Requeridos B. R. e mulher M. C. do peticionado;
B) Condenar os Requerentes M. R., M. L., E. V. e mulher M. F. e O. C. no pagamento das custas processual
Registe e notifique.

Inconformados com o assim decidido, os requerentes vieram interpor o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:

I. Através do presente procedimento cautelar, os Requerentes, pediram a propriedade das águas e a servidão de aqueduto da mina ou, se assim não se entender o que não se admite, a servidão das águas e de aqueduto da mina e o justo receio de verem todas as suas plantações irremediavelmente destruídas por falta de água, e, em consequência, serem os Requeridos intimados para se absterem de qualquer conduta que atente contra os ditos direitos dos Requerentes, nomeadamente, para cessar de imediato e em absoluto a captação da água que realizam no seu prédio através do furo que abriram e do sistema de bomba de água solar que instalaram, ou por qualquer outro meio, abstendo-se em absoluto e por qualquer forma, de captar água da nascente e das águas subterrâneas existentes no prédio dos Requeridos.
II. Os Requerentes para que o procedimento cautelar seja procedente estão obrigados à demonstração dos requisitos da probabilidade séria da existência do seu direito e que esse direito, através da conduta dos requeridos, pode ser grave ou irreparavelmente lesado face à demora de uma acção judicial que declare definitivamente o seu direito e condene os requeridos à não perturbação do mesmo.
III. Quanto ao primeiro dos requisitos, a existência do direito de propriedade da água e servidão de aqueduto que adquiriram por usucapião, ficou demonstrado.
IV .Foi dado como facto provado, nas alíneas 22) e 23) que os recorridos violaram os direitos dos recorrentes.
V. Quanto ao segundo dos requisitos, o periculum in mora, o Tribunal a quo, quanto a nós, salvo o devido respeito, erradamente, entendeu não estar verificado e por esta razão, a falta do requisito do justo receio, o procedimento cautelar foi improcedente.
VI.O Recorrente entende que a decisão não pode manter-se, merecendo censura, por razões de facto e de direito.
VII. Em sede de facto: No ponto 24 dos factos provados que deve ser alterado na sua redação, no aditamento de dois factos à matéria de facto dada como provada: – o caudal de água, antes da actuação dos requeridos, permitia que o tanque estivesse sempre a encher. - os requeridos pretendem construir um tanque para reservatório de água e nos pontos 26) e 27) dos factos não provados que devem passar a constar da matéria dada provada.
VIII.Em sede de direito:
A - Por ter considerado, erradamente que apenas se provou que, em consequência do referido em 22) e 23), em agosto e setembro de 2020, o caudal da água proveniente da mina reduziu em quantidade não concretamente apurada, sendo que faleceu a especificação de danos patrimoniais.”
B - Por ter concluído, erradamente que, “ainda que se provassem danos patrimoniais relevantes, os mesmos são passíveis de cristalino ressarcimento pecuniário, na veste de indemnização substitutiva.”
C - Por ter subsumido, erradamente, que “a factologia indiciariamente provada não configura uma lesão grave do direito titulado pelos Requerentes, ou seja, falece o periculum in mora, pelo que, não se afiguram perfectibilizados os pressupostos subjacentes ao decretamento de providências cautelares em sede do procedimento cautelar comum, postulando-se a sucumbência da pretensão dos Requerentes.”
IX. Na procedência da impugnação da matéria de facto, deve ser alterada a alínea 24) dos factos dados como provados, onde consta erradamente o seguinte: “Em consequência do referido em 22) e 23) em agosto e setembro de 2020 o caudal da água proveniente da mina reduziu em quantidade não concretamente apurada.”
X.Em conformidade, deve o Venerando Tribunal da Relação alterar o facto provado na alínea 24), alterando o seu conteúdo, devendo tal facto passar a ter a seguinte redação: “Em consequência do referido em 22) e 23), em agosto e setembro de 2020, o caudal da água proveniente da mina secou e deixou de correr para o prédio dos requerentes.
XI. A alteração do facto dado como provado na alínea 24) provém dos meios de prova juntos aos autos, nomeadamente, as fotografias juntas como documentos com os números 6 e 7, e da prova produzida em audiência de julgamento, a testemunha M. T..
XII. Deve ser aditado à matéria de facto dada como provada como facto dado como provado – o caudal de água, antes da actuação dos requeridos, permitia que o tanque, no inverno, estivesse sempre cheio, e, no verão, enchesse duas vezes por dia”.
XIII. O facto que se pretende ver aditado resulta do concreto meio de prova -as declarações da testemunha M. T. produzidas em audiência de julgamento.
XIV. Deve ser aditado à matéria de facto dada como provada - os requeridos pretendem construir um tanque para reservatório de água.
XV. O facto que se pretende ver aditado resulta dos concretos meios de prova produzidos em audiência de julgamento - as declarações de parte do requerido e da testemunha arrolada por estes, M. G..
XVI. Consta da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo, sob o nº 26:“ Em consequência do referido em 23), em Agosto e Setembro de 2020, o caudal de água proveniente da mina reduziu de tal modo que apenas escorre um fio de água intermitente quase gota a gota.”
XVII. Sobre esta matéria, os meios concretos de prova que impunham decisão diversa são os documentos juntos aos autos com os nºs 6 e 7 e o depoimento da testemunha M. T. que foi esclarecedor e certeiro pelo que, deverá tal facto passar a constar da matéria de facto dada como provada.
XVIII. Consta da matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal a quo sob o nº 27, “O enunciado em 24) tem provocado a degradação da vinha existente na parcela indicada em 8) e 10)”, devendo, tal facto, passar a facto dado como provado.
XIX. Os concretos meios de prova que impõe que o facto dado como não
provado na alínea 27) são o depoimento da testemunha M. T. e as regras de experiência comum.
XX. Quanto à progressão da degradação da vinha, são pertinentes, o depoimento da testemunha M. T., as declarações de parte do requerido, também já transcritas, e o depoimento da testemunha M. G. que deixam antever que tal degradação é eminente e certa.
XXI. No âmbito do procedimento cautelar, demonstrado um direito, consubstanciado na elementar probabilidade da sua efetiva existência, a demonstração do perigo da sua insatisfação, traduz-se no fundado receio que a demora natural da tramitação do pleito cause um prejuízo grave e de difícil reparação.
XXII. Os actos turbativos dos direitos dos requerentes não satisfazem a prática dos direitos dos mesmos e traduzem-se no fundado receio que o não exercício desses direitos causam um prejuízo grave ou de difícil reparação.
XXIII. Os factos provados, realizados em audiência de julgamento, através dos meios de prova acima elencados, fundamentam o justo receio, preenchendo, assim, o segundo dos requisitos, sendo, portanto, da mais elementar justiça a procedência da presente providência cautelar.
XXIV. O justo receio consiste na já instalada bomba para extração da água que é propriedade dos recorrentes e na intenção de construir um tanque para reservatório de água, factos declarados pelo requerido e pela testemunha deste, M. G..
XXV. Na procedência da impugnação da matéria de direito, os recorrentes entendem que o tribunal a quo: 1) O Tribunal a quo considerou erradamente que apenas se provou que, em consequência do referido em 22) e 23), em agosto e setembro de 2020, o caudal da água proveniente da mina reduziu em quantidade não concretamente apurada, sendo que faleceu a especificação de danos patrimoniais.”; 2) B - O tribunal considerou erradamente também que, “ainda que se provassem danos patrimoniais relevantes, os mesmos são passíveis de cristalino ressarcimento pecuniário, na veste de indemnização substitutiva.”; 3) C - Por ter subsumido, erradamente, que “a factologia indiciariamente provada não configura uma lesão grave do direito titulado pelos Requerentes, ou seja, falece o periculum in mora, pelo que não se afiguram perfectibilizados o pressupostos subjacentes ao decretamento de providências cautelares em sede do procedimento cautelar comum, postulando-se a sucumbência da pretensão dos Requerentes.”
XXVI. Com a suficiência dos factos dados como provados nas alíneas 21), 22), 23), alterando-se a redação do facto dado como provado na alínea 24) para a redação proposta, “ Em consequência do referido em 22) e 23), em agosto e setembro de 2020, o caudal da água proveniente da mina, secou e deixou de correr para o prédio dos requerentes”, aditando-se os dois factos provados – a) o caudal de água antes da actuação dos requeridos, permitia que o tanque estivesse sempre cheio.” E “os requeridos pretendem construir um tanque para reservatório de água” e, por fim, passando-se os factos dados como não provados nas alíneas 26) e 27) a factos provados, tudo conforme com a prova produzida, com o devido e necessário respeito, teremos de concluir que, em face da realidade dada como provada, a solução dada em sentença terá que ser diversa e, em consequência, decretada a providência cautelar.
XXVII. Quanto à não especificação o dos danos, com o devido respeito, a falta da mesma, porque estamos em sede de procedimento cautelar, não é necessária já que, sendo a mesma antecipatória de uma acção declarativa de condenação, visa, precisamente, evitar tais danos.
XXVIII. Os danos, num procedimento cautelar, embora eminentes, podem ser futuros e o que, indubitavelmente, visa o decretamento da providência cautelar é que tais danos não se venham a verificar sendo, então, necessário que se prove, em primeiro lugar, que esses danos são consequência da violação de um direito de quem se apresenta a juízo arrogando-se titular do mesmo e que a conduta dos requeridos violam o direito e tal conduta abusiva e contrária à lei poderá provocar danos graves ou de difícil reparação ao direito dos requerentes.
XXIX. A diminuição de água para rega da vinha, causada directa e necessariamente pela extração, através de uma bomba, da água que é da propriedade dos requeridos, ainda que não tenha sido concretamente apurada a quantidade em que foi diminuída, é por si só, sem necessidade de mais, um sinal evidente dos danos que daí podem advir.
XXX. Na obrigação de indemnizar, deve em regra e por princípio, proceder-se à reconstituição natural, sendo sucedânea a indemnização por equivalente.
XXXI. No caso presente, sem necessidade de verificação da melhor forma de assegurar o direito dos requerentes, se a restauração natural, se a indemnização pecuniária, deve o tribunal decretar a providência cautelar de forma a evitar o dano pois, é esse que precisamente se pretende que não se verifique através do decretamento da providência, já que a destruição de uma vinha com 3,5 ha causa irremediavelmente uma dano irreversível e de, como sabemos, minguada indemnização por equivalente.
XXXII A providência cautelar comum tem por base e fundamento o justificado .receio de que outrem cause lesão grave e de difícil reparação a esse direito, o “periculum in mora”, ainda que não seja exigível que a perda se torne efectiva com a demora, em conformidade, igualmente, com o estipulado pelos artigos 362º, nº 1 e 365º, do Código de Processo Civil, que preveem os pressupostos genéricos da procedência de qualquer providência conservatória ou antecipatória, e não que a lesão grave do direito já esteja consumada.
XXXIII.Razão pela qual andou mal, com o devido respeito, o tribunal a quo quando erradamente, considerou que “a factologia indiciariamente provada não configura uma lesão grave do direito titulado pelos Requerentes, ou seja, falece o periculum in mora”, pois, a factologia indiciariamente provada não tem que configurar uma lesão grave do direito dos aqui recorrentes mas, penas que, os recorrentes, se não for evitada, têm o justo receio de que virá a constituir um perigo de lesão grave ou difícil reparação do seu direito.
XXXIV.A subsunção de que não se tendo provado uma já ocorrida lesão grave do direito dos recorrentes e que, por essa razão, “não se afiguram perfectibilizados os pressupostos subjacentes ao decretamento de providências cautelares em sede do procedimento cautelar comum, postulando-se a sucumbência da pretensão dos Requerentes.”, está, segundo o nosso humilde entendimento e com o devido respeito, profundamente em contravenção do ditado pelas normas que regem o decretamento do procedimento cautelar comum.
XXXV. No caso sub judice, não nos restam dúvidas que os requerentes provaram a probabilidade séria da existência dos seus direitos e o justo receio de que a violação dos seus direitos pelos requeridos venham a causar-lhe um prejuízo grave ou de difícil reparação.
XXXVI.O primeiro requisito, o fumus bonus iuris, a probabilidade séria da existência do direito dos requerentes, ficou provado e, por sua vez, o segundo requisito, o justo receio de que a violação do direito de propriedade da água e servidão de aqueduto pelos requeridos provocará um dano grave ou de difícil reparação pelo que deve ser evitado pelo meio competente para o efeito, a providência cautelar ajustada que, por estarem reunidos os seus pressupostos deve ser totalmente procedente, por provada, e decretada.

NORMAS JURÍDICAS VIOLADAS:

A sentença recorrida violou, por erro de subsunção, aplicando, de forma errónea, o regime das normas constantes dos artigos 362º nº 1 e 365º do C.P.C.
Termos em que, na procedência do recurso, deve a sentença que não decretou a providência cautelar ser revogada e substituída por outra que reconheça aos recorrentes a propriedade das águas e a servidão de aqueduto da mina e o justo receio de verem todas as suas plantações irremediavelmente destruídas por falta de água, e, em consequência, serem os Recorridos intimados para se absterem de qualquer conduta que atente contra os ditos direitos dos recorrentes, nomeadamente, para cessar de imediato e em absoluto a captação da água que realizam no seu prédio através do furo que abriram e do sistema de bomba de água solar que instalaram, ou por qualquer outro meio, abstendo-se em absoluto e por qualquer forma, de captar água da nascente e das águas subterrâneas, propriedade dos recorrentes e os condene no pagamento das custas processuais.
Como é de DIREITO e de JUSTIÇA

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e nos próprios autos, com efeito devolutivo – artºs 629º, nº1; 644º, nº1, al. a); 638º; 645º, nº1, al. a) e 647º, nº1, do Código de Processo Civil.
Colhidos os vistos cumpre decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem as seguintes as questões a apreciar:

- Erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto.
- Erro na aplicação do direito, como consequência da pugnada alteração da decisão da matéria de facto;
- Erro na solução jurídica
**

III. FUNDAMENTOS:

Fundamentação de facto:

Na sentença foram considerados provados e não provados os seguintes factos:
1. Pela ap. 511 de 2016/12/22, afigura-se registada a aquisição a favor de H. M. e mulher I. V. de 4,8% do prédio rústico composto por cultura arvense, 36 oliveiras, 4500 videiras em cordão, videiras em ramada, lameiro pinhal e mato, com a área de 180.400 m2, sito em Lugar ... – Quinta de ..., inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo predial de Ribeira de Pena sob o n.º .../20140930, por transferência do património da Sociedade Agrícola de ..., Lda,
2. Pela ap. 572 de 2016/12/22, afigura-se registada a aquisição a favor de D. V. e mulher C. M. de 4,8% do prédio rústico composto por cultura arvense, 36 oliveiras, 4500 videiras em cordão, videiras em ramada, lameiro pinhal e mato, com a área de 180.400 m2, sito em Lugar ... – Quinta de ..., inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo predial de Ribeira de Pena sob o n.º .../20140930, por transferência do património da Sociedade Agrícola de ..., Lda,
3. Pela ap. 623 de 2016/12/22, afigura-se registada a aquisição a favor de M. R. e marido M. L. de 38,07%% do prédio rústico composto por cultura arvense, 36 oliveiras, 4500 videiras em cordão, videiras em ramada, lameiro pinhal e mato, com a área de 180.400 m2, sito em Lugar ... – Quinta de ..., inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo predial de Ribeira de Pena sob o n.º .../20140930, por transferência do património da Sociedade Agrícola de ..., Lda,
4. Pela ap. 674 de 2016/12/22, afigura-se registada a aquisição a favor de E. V. e mulher M. F. de 19,03%% do prédio rústico composto por cultura arvense, 36 oliveiras, 4500 videiras em cordão, videiras em ramada, lameiro pinhal e mato, com a área de 180.400 m2, sito em Lugar ... – Quinta de ..., inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo predial de Ribeira de Pena sob o n.º .../20140930, por transferência do património da Sociedade Agrícola de ..., Lda,
5. Pela ap. 1035 de 2016/12/22, afigura-se registada a aquisição a favor de J. M. e mulher P. V. de 16,65%% do prédio rústico composto por cultura arvense, 36 oliveiras, 4500 videiras em cordão, videiras em ramada, lameiro pinhal e mato, com a área de 180.400 m2, sito em Lugar ... – Quinta de ..., inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo predial de Ribeira de Pena sob o n.º .../20140930, por transferência do património da Sociedade Agrícola de ..., Lda,
6. Pela ap. 1093 de 2016/12/22, afigura-se registada a aquisição a favor de M. H. e marido L. C. de 16,65%% do prédio rústico composto por cultura arvense, 36 oliveiras, 4500 videiras em cordão, videiras em ramada, lameiro pinhal e mato, com a área de 180.400 m2, sito em Lugar ... – Quinta de ..., inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo predial de de Pena sob o n.º .../20140930, por transferência do património da Sociedade Agrícola de ..., Lda,
7. Pela ap. 2495 de 2017/11/13, afigura-se registada a aquisição a favor de O. C. da quota de 1903/10000 do prédio rústico composto por cultura arvense, 36 oliveiras, 4500 videiras em cordão, videiras em ramada, lameiro pinhal e mato, com a área de 180.400 m2, sito em Lugar ... – Quinta de ..., inscrito na matriz predial rústica da União de Freguesias de ... e ... sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo predial de Ribeira de Pena sob o n.º .../20140930, por compra a M. R. e marido M. L..
8. No ano de 2016, os sobreditos H. M. e mulher I. V., D. V. e mulher C. M., M. R. e marido M. L., E. V. e mulher M. F., J. M. e mulher P. V., M. H. e marido L. C. subscreveram um escrito com a epígrafe “Acordo de Comproprietários”, no âmbito do qual consignara, designadamente, a aquisição por M. R. e marido M. L., E. V. e mulher M. F. e M. R. e marido M. L. das quotas-partes do antedito prédio designadas por L3 e L6, denominadas Lavoura ... (...), com a área de 3,530 hectares.
9. Desde há mais de 20, 30, 50 anos, que os Requerentes e os antepossuidores granjeiam e cultivam, ano após ano, o sobredito prédio, designadamente, semeiam as diversas culturas que nele existem, como a vinha, olival, milho, colhem os respetivos frutos, lavram, podam, fertilizam, regam, etc, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que seja, ignorando lesar direito alheio e na intenção e convicção de que o prédio lhes pertence.
10. Na parcela denominada Lavoura das …, a cultura aí predominante é de vinha, e os Requerentes e os antepossuidores, há mais de 20, 30, 50 anos, plantam as vinhas, podam, regam, fertilizam, limpam, lavram, vindimam, colhem os frutos, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que seja, ignorando lesar direito alheio e na intenção e convicção de que o prédio lhes pertence.
11. Na antedita parcela, encontra-se implantada, há mais de 20, 30, 50 anos, uma casa de rés do chão (destinado a arrumos) e primeiro andar ( para habitação)
12. Desde essa data, há mais de 20, 30, 50 anos, que os Requerentes e os antepossuidores utilizam essa casa para aí guardar ferramentas, alfaias, adubos, sementes, frutos e outros e habitam o primeiro andar, aí dormindo, fazendo as suas refeições, recebendo visitas, ininterruptamente, à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que seja, ignorando lesar direito alheio e na intenção e convicção de que o prédio lhes pertence.
13. A parcela indicada em 8) e 10) confronta a nascente com o prédio rústico composto por mato e pinhal, inscrito na matriz predial rústica da União das freguesias de ... e ... sob o artigo ….
14. Os Requeridos e antepossuidores cultivam o prédio mencionado em 13) há mais de 20, 30, 50 anos, à vista de toda a gente, sem a oposição de quem quer que seja, ignorando lesar direito alheio e na intenção e convicção de que o prédio lhes pertence.
15. Há mais de 20, 30, 50 anos, os antepossuidores dos Requerentes construíram, sem oposição, uma mina, com a boca de entrada na parcela enunciada em 8) e 10), no lado Nascente da mesma, e que se dirige para Sudeste no sentido do prédio referenciado em 13) numa distância de 25,24 metros, entrando, depois, naquele, por onde segue por mais 37,66 metros até à nascente.
16. A mina, com 62,90 metros de comprimento total, tem galeria própria cavada no subsolo dos ditos prédios, com cerca de 1,80 metros de altura e 70 cm metros de largura.
17. A nascente localiza-se no prédio indicado em 13) e a água que daí brota corre pela galeria da mina, no sentido Nascente - Poente até à boca da mina, já na parcela mencionada em 8) e 10), onde os antecessores dos Requerentes instalaram um tubo de captação de plástico com cerca de duas polegadas de diâmetro, que a recolhe e, por sua vez, a conduz por via subterrânea para um reservatório em cimento que serve de tanque, com a capacidade de 13,3 m3, construído também há mais de 30, 40 anos, a Poente da boca da mina, a cerca de 50 metros desta.
18. Antes da construção do tanque, já aí existia uma poça em terra e pedra.
19. Esse reservatório ou tanque acumula a água proveniente da nascente que, até Agosto de 2020, era em quantidade não concretamente apurada.
20. A boca da mina é no subsolo, a cerca de três metros da superfície, sendo o seu acesso feito através de uma entrada vertical com uma manilha circular no seu topo, com cerca de 1,20 metros de diâmetro, tudo construído pelos antepossuidores dos requerentes.
21. Há mais de 20, 30, 50 anos, que os Requerentes, por si e ante possuidores utilizam a água da predita mina para a rega das culturas da parcela mencionada em 8) e 10) e para os gastos domésticos da casa existente na mesma, limpam a mina, removendo do leito a terra, pedras e vegetação, desde a boca até à nascente, bem como o cano que conduz a água da boca da mina até ao reservatório em cimento, à vista de toda a gente, sem oposição, na firme convicção de que estão, como sempre estiveram no exercício do seu direito de propriedade sobre a água descrita.
22. Há cerca de 10 anos, os Requeridos abriram um furo no prédio referido em 13), a cerca de 10 metros da nascente da mina, de profundidade não concretamente apurada, para captarem as águas existentes no subsolo do seu prédio.
23. Em agosto de 2020, os Requerido implantaram uma bomba para captarem as águas no sobredito furo, alimentada por energia elétrica proveniente de painéis solares.
24. Em consequência do referido em 22) e 23), em agosto e setembro de 2020, o caudal da água proveniente da mina reduziu em quantidade não concretamente apurada.
*
B) Factos indiciariamente não provados

25. A água que brotava da mina era de tal forma abundante, que permitia encher o tanque com a capacidade de 13,3 m3, pelo menos, entre duas a quatro vezes por dia, conforme se tratasse de meses de verão ou de inverno.
26. Em consequência do referido em 23), em agosto e setembro de 2020, o caudal da água proveniente da mina reduziu de tal modo, que apenas escorre um fio de água intermitente, quase gota a gota.
27. O enunciado em 24) tem provocado a degradação da vinha existente na parcela indicada em 8) e 10).
***

Fundamentação de Direito

●. Dos Pressupostos da Providência

O Tribunal recorrido considerou que Reconhecido, summaria cognitio, o direito pugnado pelos Requerentes, demanda-se a perscrutação do alardeado receio de lesão grave e dificilmente reparável.
Sopesando-se o exposto, num primeiro nível de análise, apenas se provou que, em consequência do referido em 22) e 23), em agosto e setembro de 2020, o caudal da água proveniente da mina reduziu em quantidade não concretamente apurada., sendo que faleceu a especificação de danos patrimoniais.
Acresce que, num segundo plano de análise, ainda que se provassem danos patrimoniais relevantes, os mesmos são passíveis de cristalino ressarcimento pecuniário, na veste de indemnização substitutiva.
Destarte, infere-se que a factologia indiciariamente provada não configura uma lesão grave do direito titulado pelos Requerentes, ou seja, falece o periculum in mora, pelo que não se afiguram perfectibilizados os pressupostos subjacentes ao decretamento de providências cautelares em sede do procedimento cautelar comum, postulando-se a sucumbência da pretensão dos Requerentes.
Nas conclusões XXVI e sgs defendem os recorrentes entendimento diverso.

Cumpre apreciar e decidir.

Tal como refere António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, volume III, pág. 35, "os procedimentos cautelares constituem um instrumento processual privilegiado para protecção eficaz de direitos subjectivos e de outros interesses juridicamente relevantes. A sua importância advém não da capacidade de resolução definitiva de interesses, mas da utilidade na prevenção de violação grave ou dificilmente reparável de direitos, na antecipação de determinados efeitos das decisões judiciais e na prevenção de prejuízos que podem advir da demora na decisão do processo principal".
Com a consagração dos procedimentos cautelares o legislador pretendeu estabelecer um equilíbrio entre dois interesses: o de uma justiça rápida, mas correndo o risco de ser precipitada e o de uma justiça ponderada, mas com o risco de chegar "fora de horas".
Os procedimentos cautelares consubstanciam como que uma garantia da utilidade ou de possibilidade de eficácia da decisão a proferir no âmbito do processo principal.
É que os procedimentos cautelares são instrumentais em relação á acção principal conexa (artº364º nº1 do CPC).
Decorrentemente os requisitos da petição inicial relativa aos primeiros são idênticos aos legalmente exigidos para a Segunda. Assim, são requisitos da petição inicial nos procedimentos cautelares, além do mais, a exposição dos factos e das razões de direito que servem de fundamento ao pedido neles formulado (arts 549º nº1 e 552º nº 1 als c) e d) do CPC).
Ora o decretamento de uma providência cautelar depende da verificação de vários requisitos, a saber: a) que muito provavelmente exista o direito tido como ameaçado - objecto de acção declarativa - ou que venha a emergir de decisão a proferir em decisão constitutiva, já pendente ou a propor, ou seja, a probabilidade de existência do direito na esfera jurídica do requerente no momento em que deduz a pretensão; b) que haja fundado receio que outrem cause lesão grave no mesmo direito, antes de proferida a decisão de mérito (ou porque a acção não está proposta ou porque ainda se encontra pendente); c) que a providência proposta seja adequada a remover o periculum in mora concretamente verificado e a assegurar a efectividade do direito ameaçado; d) que o prejuízo resultante da providência não exceda o dano que com ela se pretende evitar.
Tais requisitos traduzem-se no seguinte
O primeiro encontra-se previsto no art.º 362º do CPC, cabendo, pois, ao (s) requerente (s) o ónus de provar a existência do direito que se diz ameaçado(s), sendo que não se exige a prova da certeza do direito, bastando um juízo de probabilidade séria desse direito, conforme resulta do nº1 do art.º 368º do CPC.
O perigo da insatisfação do direito supõe que o seu titular se encontra perante simples ameaça de violação desse direito. Se a ameaça já se consumou então não há perigo, mas sim violação efectiva do direito. Em tal caso, a providência cautelar careceria de utilidade. Por isso no art.º 368º do diploma citado se refere “fundado receio”.
É necessário ainda que o perigo seja de uma lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito.
De efeito Só lesões graves e dificilmente reparáveis têm a virtualidade de permitir ao Tribunal, mediante iniciativa do interessado a tomada de uma decisão que o coloque a coberto da previsível lesão.
O facto de o legislador ter ligado as duas expressões com a conjunção copulativa “e” deve levar-nos a reflectir que não é apenas a gravidade das lesões previsíveis que justifica a tutela provisória, do mesmo modo que não basta a irreparabilidade absoluta ou difícil.
O legislador incumbiu o juiz da função de proceder à integração de tais abstracções normativas pelas diversas situações da vida real carecidas de tutela rápida e eficaz.
É o juiz quem, confrontado com a realidade projectada pelas partes nos procedimentos cautelares, está em melhores condições de ponderar a conexão entre a previsão normativa e a mesma realidade.
Devem, pois, ser ponderadas as condições económicas do requerente e da requerida e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados.
Também se determina que o receio deve ser fundado, ou seja, apoiado em factos que permitam confirmar com objectividade e distanciamento a seriedade e actualidade da ameaça e a necessidade de serem adoptadas medidas tendentes a evitar o prejuízo.
Não bastam dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ...” (cf. neste sentido Abrantes Geraldes em Temas da Reforma do Processo Civil, III Vol. pp 83 e sgs).
O terceiro requisito é a adequação de providência para evitar o prejuízo, daí que a celeridade seja uma das características necessárias desta providência, a fim de ser adequada à conjugação do perigo.
O carácter subsidiário da providência resulta do art.º 362º nº3 mencionado.
A regra do menor prejuízo do/a(s) requerente(s) acha-se consagrada no art.º 368º nº2. Isto é a providência só deverá ser decretada quando o prejuízo do/a(s) requerente(s) não seja inferior ao do requerido.
Por último para o decretamento da providência exige-se a verificação cumulativa de todos aqueles requisitos, pelo que a falta de um deles determina o indeferimento da providência. (negrito nosso).
Como supra se referiu, está em causa no presente recurso, averiguar se, in casu, há fundado receio de uma lesão grave do direito dos Requerentes e se essa lesão é dificilmente reparável.
Perfilhamos o entendimento dos que entendem qu apenas merecem a tutela provisória consentida através do procedimento cautelar comum as lesões graves que sejam simultaneamente irreparáveis ou de difícil reparação – cfr. A. Geraldes, ob. cit., pg. 103.
Deste modo, como nota o referido autor, estão aqui excluídas do âmbito do procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são afastadas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis.
Neste sentido, quando estão em causa danos patrimoniais, tem-se entendido que, salvo se o devedor estiver em situação económica difícil, insolvência iminente ou atual, em regra não são dificilmente reparáveis, porquanto, mesmo que irreparáveis in natura, são sempre indemnizáveis.
A circunstância de poderem ser graves, em nada tange essa avaliação da susceptibilidade concreta de indemnização (cf. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anot., Vol. I. pg. 556).
Assim, relativamente aos factos integradores do chamado “periculum in mora” os requerentes têm de alegar e provar factos concretos evidenciadores dos danos que visam acautelar, sendo certo que se exige, também, a alegação e prova da gravidade da lesão e simultaneamente da difícil reparação da mesma.
A este respeito, tem vindo a ser posição da jurisprudência, seguindo a posição, entre outros, de António Santos Abrantes Geraldes, exposta em “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol., págs. 84 e 85, que refere a propósito do interesse em agir: (…) “o juiz deve convencer-se da seriedade da situação invocada pelo requerente e da carência de uma forma de tutela que permita pô-lo a salvo de lesões graves e dificilmente reparáveis.
A gravidade da lesão previsível deve ser aferida tendo em conta a repercussão que determinará na esfera jurídica do interessado.
Pela proteção cautelar não se abarcam apenas os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular.
Porém, especialmente quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto á aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
Apesar disso, não deve excluir-se, como aliás, a lei não exclui, a possibilidade de proteção antecipada do interessado relativamente a prejuízos de tal espécie, embora devam ser ponderadas as condições económicas do requerente e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados (…).”
Tal conforme o afirmado pelo Ac. RC de 22.11.2005 -Proc. n.º 3025/05, relator Barateiro Martins, disponível em www.dgsi.pt. - se é certo que a probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni juris) se basta com um mero juízo de verosimilhança, isto é, com uma prova sumária (summaria cognitio), “o mesmo já não acontece com a apreciação dos factos integradores do “periculum in mora”, em que se deve usar um critério mais rigoroso.
Por outras palavras, em relação aos factos integradores do “periculum in mora”, o requerente tem que provar – não bastando um mero juízo de verosimilhança – os danos que visa acautelar, sendo certo, importa não esquecer, que se exige a prova da gravidade e da difícil reparação das consequências danosas da manutenção do “status quo”.
O que significa que apenas merecem a tutela provisória consentida pelo procedimento cautelar comum as lesões graves e de difícil reparação, ficando arredadas do círculo de interesses acautelados pelo procedimento cautelar comum, ainda que se mostrem de difícil reparação, as lesões sem gravidade ou de gravidade reduzida, do mesmo modo que são afastadas as lesões que, apesar de serem graves, sejam facilmente reparáveis.
De facto, não é qualquer lesão que justifica a intromissão na esfera jurídica do requerido, cuja providência a ser decretada poderá causar um prejuízo imediato e relativamente ao qual pode não ser compensado em caso de injustificado recurso à providência cautelar (art.º 374º, do C. P. Civil).
O tribunal deve, pois, colocar na “balança dos interesses”, a par dos prejuízos que o requerente pretende evitar, também aqueles que, porventura, a decisão possa determinar na esfera jurídica do requerido, em consonância com a regra prescrita no n.º 2 do art.º 368º, do C. P. Civil, assim indeferindo, se for caso disso, a providência quando o prejuízo dela resultante exceda consideravelmente o dano que com ela se pretende evitar.
No caso sub judice, os requerentes invocaram prejuízos de natureza patrimonial decorrentes de a falta de água provocar a degradação de todas as culturas existentes nos seus prédios, que se agravam a cada dia que passa. Ora, como é sabido, o critério de aferição da “irreparabilidade” de prejuízos de natureza patrimonial ou material deverá ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto estamos perante danos de natureza física ou moral, sobretudo se, atentarmos que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva (art.º 566º, do C. Civil).
Sem querer com isto dizer que está antecipadamente excluída a proteção do interessado relativamente a alegados prejuízos de natureza material; importará, pois, ponderar, neste âmbito, designadamente as condições económicas dos requerentes e do requerido e a maior ou menor capacidade de reconstituição da situação ou de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causados.
Aqui chegados, afigura-se-nos que é exatamente por manifesta falta de verificação deste pressuposto fundamental para a procedência do presente procedimento cautelar comum – “periculum in mora” – que a pretensão dos requerentes/recorrentes deverá soçobrar.
De efeito como bem salientam os recorridos no art.º 5º da oposição que apresentaram os requerentes não articulam, não fundamentam e, mais concretamente não provam que têm fundado receio que os requeridos causem lesão grave e dificilmente reparável ao seu alegado direito. - Negrito nosso.
Os prejuízos materiais invocados pelos requerentes não nos permitem concluir, sem mais, qual a gravidade e difícil reparabilidade desses mesmos prejuízos que, como já salientámos, são susceptíveis de serem substituídos ou ressarcidos mediante adequada indemnização.
Por outro lado, não se encontra suficientemente alegado e provado quais as repercussões (económicas ou outras) que tais danos patrimoniais poderão vir a causar aos requerentes. (1)
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●. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Neste particular, os recorrentes pretendem uma alteração da decisão de facto nos termos expostos nas conclusões supratranscritas.
Acontece, porém, que, tal como resulta da análise da questão decidenda anterior, a decisão do presente recurso no que se refere ao seu mérito está votada ao insucesso, não sendo de proceder as pretensões recursivas dos apelantes no que se refere ao preenchimento de um dos requisitos legais (periculum in mora) necessários ao deferimento do presente procedimento cautelar comum.
Assim sendo, torna-se inútil a reapreciação dos factos impugnados, porquanto os mesmos in casu só assumiriam alguma relevância para efeitos de análise do direito invocado pelos requerentes, o que se verifica desnecessário e prejudicado, face à não verificação daquele outro pressuposto legal.
Por conseguinte, tal como é salientado, entre outros, pelo Ac. RG de 09.04.2015 - Proc. n.º 4649/11.8TBBRG.G1, relatora Ana Cristina Duarte, acessível em www.dgsi.pt. “se é certo que a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorretamente julgados, a verdade é que este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu. (…) O seu efetivo objetivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante. Se, por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for de todo irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a atividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente para, por si só, produzir o efeito pretendido.” (sublinhado nosso).
Assim, não deverá haver lugar à reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objecto da impugnação não forem susceptíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual inconsequente e inútil, o que contraria os princípios da celeridade, da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, princípios com expressa consagração nos arts. 6º, n.º 1, 130º e 131º, n.º 1, todos do C. P. Civil - neste sentido, ainda o Ac. RC de 24.04.2012, proc. n.º 219/10.6T2VGS.C1, relator António Beça Pereira; e Ac. RP de 07.05.2012, proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1, relatora Anabela Calafate, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Desta forma, face à aludida inutilidade, não se conhecerá da impugnação da matéria de facto que assim se mantêm tal como o julgado pelo tribunal recorrido.
Termos em que, improcede na sua totalidade a apelação em presença.
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●. Das custas
É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).
Na hipótese, o recurso é integralmente improcedente; o encargo das custas na respectiva proporção é, no total, vínculo dos apelantes que ficaram vencidos na sua pretensão de procedência do respectivo recurso.
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Concluindo:
- Pela proteção cautelar não se abarcam apenas os prejuízos imateriais ou morais, por natureza irreparáveis ou de difícil reparação, mas ainda os efeitos que possam repercutir-se na esfera patrimonial do titular.
- Porém, especialmente quanto aos prejuízos materiais, o critério deve ser bem mais rigoroso do que o utilizado quanto á aferição dos danos de natureza física ou moral, uma vez que, em regra, aqueles são passíveis de ressarcimento através de um processo de reconstituição natural ou de indemnização substitutiva.
- Não deverá haver lugar à reapreciação da matéria de facto quando os factos concretos objecto da impugnação não forem susceptíveis de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, terem relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual inconsequente e inútil, o que contraria os princípios da celeridade, da economia processual e da proibição da prática de atos inúteis, princípios com expressa consagração nos artsº 6º, n.º 1, 130º e 131º, n.º 1, todos do C. P. Civil
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IV. DECISÃO

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o recurso em apreço confirmando e mantendo a decisão recorrida
Custas do processo pelos recorrentes.
Notifique
Guimarães, 13 de Maio de 2021
(processado em computador e revisto pela relatora antes de assinado)

O presente acórdão é assinado eletronicamente pelos respectivos
Maria Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira
José Cravo



1. Neste sentido ver Acórdão por nós proferido no processo nº 716/13.1 TBFAF.G1 com data de 15.10.2013; Acórdão proferido no processo nº 1378/18, 5T8CHV.G1 com data de 12.09.2019 e Acórdão proferido no processo nº 1053/21.3T8GMR.G1 com data de 08.04.2021 .