Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
259/14.6TBBRG-B.G1
Relator: ALEXANDRA MARIA VIANA PARENTE LOPES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
PRESCRIÇÃO DA OBRIGAÇÃO CAMBIÁRIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário da Relatora (art.663º/7 do C. P. Civil):

1. Aplica-se o regime de interrupção da prescrição do nº2 do art.323º do C. Civil às ações executivas para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária, prevista nos atuais arts.550º/2-a) a d) e arts.855º ss do C. P. Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06.
1.1. O regime da interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito, regulada no art.323º do C. Civil, na versão introduzida pelo DL nº47244, de 25.11.1966, aplicável a qualquer processo judicial nos termos do seu nº1, acautela, sobretudo, a inércia do titular, uma vez que, se as previsões dos seus nº1 e nº4 compatibilizam o direito geral do credor exigir o seu direito ao obrigado (acompanhado do dever de o fazer, para a interrupção do prazo de prescrição, através de ato judicial que, direta ou indiretamente, exprima a sua intenção de o exercer e antes de terminado o prazo de prescrição de que o obrigado beneficia) e do direito geral do devedor conhecer que aquele lhe exige o cumprimento da sua obrigação, as previsões do nº2 e do nº3 valorizam a iniciativa judicial do credor, em detrimento do conhecimento efetivo ou do conhecimento perfeito pelo devedor do direito contra si exercido, para efeitos da operância dos efeitos interruptivos, quando não é possível compatibilizar o exercício do direito e o conhecimento em 5 dias ou quando a citação ou a notificação são anuladas.
1.2. Desde a aprovação do regime do art.323º do C. Civil de 1966 encontram-se em vigor regimes processuais civis em que a citação não corresponde ao primeiro ato do processo (quer na redação inicial do Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto -Lei nº44129, de 28.12.1961, quer nas suas revisões posteriores e na redação do atual Código de Processo Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06, em que se alargaram os processos sem citação prévia), sem que estas ações tenham sido excluídas da operância dos efeitos ope legis do art.323º/2 do C. Civil, na redação inicial ou em alteração posterior.
2. Não é imputável ao credor, objetiva ou subjetivamente, de forma a afastar a aplicação do nº2 do art.323º do C. Civil:
a) A organização judiciária e a existência de uma forma do processo em que a citação seja posterior à penhora; os erros ou as faltas de operadores judiciários (nomeadamente, a falta de cumprimento pelo agente de execução das notificações do art.750º/1, ex vi do 855º/4 do C. P. Civil).
b) As omissões pelo exequente, aquando e após instaurar ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária: da nomeação dos bens à penhora no seu requerimento executivo inicial, uma vez que a previsão do art.724º/1-i) do C. P. Civil não é obrigatória; de pedir a citação urgente do executado, nos termos do art.561º do C. P. Civil, ex vi do art.551º/1 do C.P. Civil, quer na data da propositura da ação de 08.02.2014 (em que faltava um prazo superior a 2 anos e 10 meses para a obrigação cambiária prescrever, nos termos do art.70º, ex vi do art.77º da LULL), quer após a interrupção do prazo prescricional, nos termos do art.323º/2 do C. Civil; de pedir a notificação do art.855º/4, em referência ao art.750º/1 do C. C. Civil, de competência do agente de execução, quando este omitiu esse cumprimento, sem notificação do exequente do estado do processo.
3. Depois da interrupção do prazo prescricional numa ação executiva para pagamento de quantia certa, nos termos do nº2 do art.323º do C. Civil, operam os efeitos dos arts.326º e 327º do C. Civil, por se tratar de uma interrupção ocorrida num processo judicial que exige decisão final.
4. Em embargos de executado em que os embargantes não alegaram factos integrativos da exceção de pagamento, nos termos do art.729º/g), ex vi do art.731º do C. P. Civil, e em que não pediram auxílio para cumprimento do ónus de alegação e de prova dos arts.5º/1 do C. P. Civil e 342º/2 do C. Civil, nos termos dos arts.7º e 417º do C. P. Civil, não cabe ao Tribunal, antes de proferir decisão de mérito: usar os poderes de averiguação oficiosa do art.411º do C. P. Civil, convocar a colaboração da exequente/embargada para averiguar os pagamentos não alegados, inverter o ónus de prova nos termos do art.344º/2 do C. Civil.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório.

Os executados J. P. e M. C. deduziram embargos de executado, por apenso à execução que lhes foi movida e a outros são executados pela Caixa …, embargos nos quais:

1. Os embargantes/executados pediram a extinção da ação executiva, invocando uma “inexigibilidade do título executivo”: por prescrição da obrigação cambiária exequenda, por terem decorrido mais de três anos entre a data do vencimento da livrança e a data da sua citação para a execução; por declaração de insolvência da subscritora da livrança (a sociedade comercial “X, S.A”), por sentença de 3 de outubro de 2013, proferida nos autos nº 6034/13.8TBBRG, do J2 do Juízo Local Cível da Comarca de Braga, com créditos reclamados e reconhecidos em 2014 por sentença (que presumivelmente incluem os da aqui exequente), com garantia de grande parte deles pela liquidação do ativo patrimonial da insolvente (que ainda corre seus termos e engloba diversos imóveis), razão pela qual a embargada deveria ter reclamado o seu crédito perante a massa insolvente (como certamente o fez), devendo os direitos de crédito sobre esta ser exercidos no próprio processo de insolvência e contra a massa insolvente, com preclusão do exercício do direito nos tribunais comuns contra as pessoas jurídicas declaradas insolventes.
2. A exequente contestou os embargos, defendendo: que o direito não estava prescrito, por o prazo de prescrição ter ocorrido 5 dias depois da propositura da ação, nos termos do art.323º/2 do C. Civil; que a pendência de insolvência contra a subscritora da livrança não impede a execução contra os avalistas, nos termos do art.88º/1 do CIRE, e que um plano de insolvência da insolvente também não afeta o direito contra os codevedores, nos termos do art.217º/4 do CIRE.
3. A 27.01.2020 foi proferido o seguinte despacho:
«Salvo melhor opinião, afigura-se-nos que os presentes embargos reúnem já todos os elementos para conhecer do mérito da causa, sem necessidade de ulterior produção de prova.
Assim, a fim de se evitar uma decisão surpresa, e considerando o princípio da adequação formal, notifique os Ilustres Mandatários das partes para querendo se pronunciarem, nomeadamente para, se entenderem ser necessário, relativamente à convocação da realização de audiência prévia, nos termos e para os efeitos do artº. 591º, nº 1, al. b), segunda parte, do C.P.Civil.».
4. Os embargantes declararam não se oporem à convocação da audiência prévia.
5. A 6.10.2020 foi proferido despacho saneador que julgou os embargos totalmente improcedentes, por o prazo de prescrição se ter interrompido nos termos do art.323º/2 do C. Civil, por a insolvência da subscritora não afetar a responsabilidade dos avalistas, sem prejuízo de atendimento oportuno na execução dos pagamentos que possam eventualmente vir a ser feitos ao credor no processo de insolvência.
6. Os embargantes interpuseram recurso do saneador-sentença referido em I-3, apresentando as seguintes conclusões:
« O presente recurso vem interposto do douto Despacho Saneador proferido pelo Juízo de Execução de Vila Nova de Famalicão – Juiz 1,que julgou os Embargos deduzidos pelos Executados, ora Apelantes, totalmente improcedentes;
O título executivo com base no qual foi instaurada a execução principal consubstancia uma livrança avalizada pelos Apelantes, vencida em 13/11/2013, sendo certo que o respetivo prazo de prescrição é de três anos após o seu vencimento, ao abrigo do disposto no art. 70.º, ex vi art. 77.º e 78.º, 1º parágrafo, todos da Lei Uniforme das Letras e Livranças;
O normativo do nº 1 do art. 323.º do Código Civil determina que a prescrição apenas se interrompe com a citação ou a notificação judicial do Executado;

Por sua vez,
O nº 2 do mesmo art. 323.º consagra a obrigatoriedade do Exequente requerer expressamente a citação ou a notificação judicial do Executado e que, apenas no caso de não se concretizarem tais atos no prazo de cinco dias, por causa não imputável ao primeiro, é que o prazo de interrompe no 5ª dia após a interposição daquele requerimento;

De facto,
Ao contrário do que o Tribunal recorrido julga, a intenção do legislador, ao consagrar o normativo do art. 323.º do Código Civil, foi, designadamente, a de impor ao Exequente a obrigação de requerer sempre a citação ou notificação do Executado, quando pretende exercer o seu direito, para lhe dar conhecimento dessa mesma pretensão;

Sendo certo que,
Embora a forma sumária da ação executiva não preveja a citação prévia dos Executados, como sucede no caso concreto, a lei processual civil faculta outros meios para a notificação do Executado, compatíveis com essa forma de processo, como a citação urgente (cfr. art. 561.º do Código de Processo Civil) ou a notificação judicial avulsa (cfr. art. 79.º do mesmo diploma legal);
Assim,
O entendimento do Tribunal “a quo” não tem o mínimo de correspondência verbal com o texto vertido no enunciado art. 323.º, contrariando mesmo a intenção do legislador, pelo que viola manifestamente as regras da interpretação legal consagradas no art. 9.º do Código Civil;
Acresce que,
Contrariamente ao sucedido, além do dever de requerer a citação ou notificação judicial dos Executados, a Exequente encontrava-se também obrigada a praticar todos os demais atos processuais tempestivamente, para que o atraso na notificação daqueles não lhe fosse, de modo algum, imputável;
Em primeiro lugar,
A Apelada podia haver nomeado bens dos Executados à penhora no momento da interposição do requerimento executivo (cfr. art. 724.º, nº 1, alínea i) do Código de Processo Civil), o que não concretizou;
Acresce que,
10ª A Apelada não remeteu o original do título executivo para o Tribunal nos 10 dias subsequentes à distribuição da ação executiva, juntando apenas cópia certificada do mesmo, mais de um mês após a citada distribuição, contrariamente ao estatuído no nº 5 do supra mencionado art. 724.º;
Por outro lado,
11ª A Exequente podia e devia haver requerido a citação dos Executados para indicação dos seus bens penhoráveis, ao abrigo do art. 855.º, nº 4 do Código de Processo Civil, verificando que, três meses após a interposição do requerimento executivo, a Agente de Execução não havia concretizado, ainda, qualquer penhora, o que também não efetuou;
Além do mais,
12ª Aproximando-se o final do prazo da prescrição da ação cambiária, em 13/11/2016, a Apelada podia e devia haver requerido a citação urgente ou mesmo a notificação judicial avulsa dos Executados, pelo menos cinco dias antes dessa data (cfr. arts. 561.º e 79.º do Código de Processo Civil);
Por tudo o exposto,
13ª A Apelada foi manifestamente negligente na defesa do seu alegado direito, uma vez que, além de não haver requerido qualquer notificação dos Executados, o atraso na sua citação é-lhe, também, imputável, devido à sua absoluta inércia processual;
Com efeito,
14ª Não se verifica, in casu, qualquer causa de interrupção do prazo prescricional, pelo que o título executivo é inexequível, por haver prescrito no dia 13/11/2016;
Não obstante,
15ª Admitindo-se, por hipótese meramente académica, que o prazo de prescrição se interrompeu em 13/01/2014, cinco dias depois da interposição do requerimento executivo, como determina o Tribunal “a quo”, é certo que novo prazo de três anos reiniciou a sua contagem nessa mesma data (cfr. art. 326.º, nº 1 do Código Civil);
Ora,
16ª – Nos três anos subsequentes à citada interrupção da prescrição, a Apelada nada requereu, nem a citação, nem a notificação judicial dos Executados, nem estes foram citados ou notificados, pelo que não se verificou qualquer nova causa de interrupção da prescrição;
Para além disso,
17ª Resultando a interrupção do prazo prescricional duma ficção, e não da citação ou notificação judicial dos Executados, não se aplica o regime excecional do nº1 do art. 327.º do Código Civil;
Com efeito,
18ª Jamais se pode admitir que a prescrição da ação cambiária haja ocorrido depois do dia 13/01/2017, prescrição que, por mera cautela de patrocínio e a título subsidiário, os Apelantes vêm arguir expressamente e para todos os efeitos legais (cfr. art. 303.º do Código Civil);
Sem prejuízo,
19ª O Tribunal “a quo” não admite a relevância da prova do pagamento do crédito no processo de Insolvência da sociedade avalizada para o conhecimento do mérito da causa dos presentes, por entender que, sendo a obrigação do avalista autónoma da do avalizado perante o portador da livrança, aquele está sempre obrigado a liquidar a quantia em dívida quando interpelado para o efeito;
Contudo,
20ª Os Apelantes, enquanto avalistas, são apenas garantes da obrigação cambiária, sendo responsáveis da mesma forma que a firma avalizada (cfr. art. 32.º da Lei Uniforme das Letras e Livranças);
Consequentemente,
21ª A extinção da obrigação cambiária da firma avalizada, por pagamento do crédito titulado na livrança, extingue, simultaneamente, a obrigação cambiária dos avalistas;
Pelo que,
22ª Os avalistas podem sempre invocar a exceção do pagamento contra o credor portador da livrança, sendo esse um fundamento para a dedução dos Embargos pelos Apelantes, ao abrigo do art. 729.º, alínea e), ex vi art. 731.º do Código de Processo Civil;
Acresce que,
23ª A invocada exceção do pagamento deve ser objeto de decisão nos presentes, devendo a Apelada, para o efeito, esclarecer, no próprio apenso dos Embargos, se reclamou o seu crédito junto dos citados autos de Insolvência, e se o mesmo foi já, global ou parcialmente, liquidado pela massa insolvente;
Porquanto,
24ª Apenas esse esclarecimento permite ao Tribunal confirmar o valor efetivo do crédito exequendo e, consequentemente, decidir, de forma precisa e adequada, do mérito da causa; Pelo exposto,
25ª Jamais podia o Tribunal “a quo” conhecer liminarmente do mérito da causa e, muito menos, pronunciar-se pela improcedência dos Embargos, sem antes apreciar toda a matéria de facto indispensável ao apuramento da verdade, tudo em respeito pelos princípios da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio (cfr. art. 411.º do Código de Processo Civil);
Sendo certo que,
26ª - A confirmação do efetivo valor subjacente ao crédito exequendo é imprescindível, e mesmo determinante, para o Tribunal apurar se a obrigação cambiária ainda subsiste e qual a quantia a cobrar coercivamente aos Apelantes;
Pelo que,
27ª Não decidindo, no douto Despacho Saneador, pela procedência dos Embargos e consequente extinção da execução, por prescrição do título executivo, jamais podia o Tribunal “a quo” pronunciar-se sobre o mérito da causa, sem que a factualidade a esclarecer pela Apelada integrasse a matéria de facto e fosse objeto de decisão nos presentes (cfr. art. 595.º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, a contrario).
Acresce que,
28ª A prova da citada factualidade, em especial do pagamento do crédito exequendo, é excessivamente difícil, ou mesmo impossível, para os Apelantes, por consubstanciarem factos aos quais são alheios, não tendo qualquer acesso à respetiva documentação;
Em boa verdade,
29ª A Apelada tinha já conhecimento dos autos de insolvência da firma avalizada desde 2014, pelo que era seu dever informar nos presentes autos se havia aí reclamado o seu crédito e quais os resultados obtidos, e ainda se havia sido efetuado algum pagamento à conta da massa insolvente, tudo em respeito pelo disposto no art. 417.º, nº 1 do Código de Processo Civil);
30ª Não tendo adotado tal conduta, a Apelada omitiu culposamente factos imprescindíveis à descoberta da verdade, tornando impossível a respetiva prova pelos Apelantes, que sabia carecerem de meios para demonstrar a reclamação e eventuais pagamentos da quantia exequenda no âmbito da citada insolvência;
Com efeito,
31ª Verifica-se a inversão do ónus da prova, ao abrigo do art. 344.º, nº 2 do Código Civil, pelo que é a Apelada quem deve provar que não recebeu qualquer quantia em sede de liquidação da massa insolvente da sociedade avalizada e que, por conseguinte, devem os Apelantes cumprir a obrigação cambiária;
Consequentemente,
32ª Só após a confirmação do efetivo valor em dívida, poderá o Tribunal decidir sobre o mérito da causa e, consequentemente, caso se verifique que o crédito se encontra já liquidado, julgar os Embargos procedentes, extinguindo a execução por extinção da obrigação cambiária.

Termos em que,
E nos mais de Direito,

Concedendo provimento ao presente Recurso e, consequentemente, revogando o douto Despacho Saneador recorrido, substituindo-o por outro,
Que julgue procedentes os Embargos deduzidos pelos Executados, ora Apelantes, com a consequente extinção da execução, por prescrição do título executivo,
Ou, se assim não se entender,
O que se admite por hipótese meramente académica,
Que ordene a prova pela Apelada, nos presentes autos, de eventuais pagamentos efetuados nos autos de Insolvência da devedora avalizada “X, S.A.”, para confirmação do crédito exequendo, decidindo-se, a final, pela extinção da execução, caso se verifique que o mesmo foi já globalmente liquidado,
Será feita a habitual
JUSTIÇA!».

7. Y, SA, que entretanto assumiu o lugar da exequente/embargada, respondeu ao recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
«A)
A questão primordial reside em que, na decisão objeto do presente recurso, é decidido pela improcedência da exceção de prescrição da obrigação cambiária exequenda e a inexigibilidade da obrigação exequenda, porquanto a subscritora da livrança in casu, ter sido declarada insolvente nos autos n.ºs 6034/13.8TBBRG.
B)
Tal decisão está fundamentada, conforme se demonstra: “A acção cambiária só não prescrevia se houvesse interrupção daquele prazo: citação ou notificação judicial ao devedor de qualquer ato que exprimisse, directa ou ou indirectamente, a intenção de exercer o direito – art. 323.1 do Cód. Civil. Mas pode dar-se o caso de a citação ou notificação ter sido requerida, e não acontecer no prazo de cinco dias, por causa não imputável ao requerente; nesse caso, a prescrição interrompe-se no 5º dia depois de requerida – art. 323.2 do Cód. Civil.”
C)
Nos autos de execução, a forma comum de processo sumária, não se aplica a citação prévia, apenas a citação após a realização de penhora.
D)
Não tendo a citação ocorrido durante os três anos posteriores ao vencimento da livrança, não por negligência da Apelada, mas sim em conformidade com a forma de processo.
E)
Assim bem o julgou o Tribunal “a quo”, ao declarar que a citação dos Apelantes ocorreu cinco dias após a interposição do requerimento executivo nos termos do n.º 2 do era. 323 do Código Civil.
F)
Não era assim exigível à Apelada, outra forma de citação, quando, na forma de processo sumária, a citação ocorrerá após a penhora de bens.
G)
Nem a existência de bens penhoráveis, se pode dever a uma postura negligente da Exequente, ora Apelada
H)
Refere-se o mesmo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Março de 2010:
“6 – A interrupção da prescrição não se basta com a introdução da acção (ou execução) em Juízo, necessário se tornando a prática de actos judiciais que revelem a intenção do credor de exercer a sua pretensão e que a levem ao conhecimento do devedor.
7 - Uma vez que a citação ou a notificação demora, por vezes, mais tempo do que o devido, e se a demora não resultar de causa imputável ao requerente, estatui a norma excepcional do nº 2 do art. 323.º do CC que o efeito interruptivo se verifica cinco dias depois daquelas diligências terem sido requeridas, se entretanto ainda não tiverem sido feitas.”I)
J)
A intenção do credor em exercer a sua pretensão será e é levada a cabo com o desenrolar da ação executiva, com a pesquisa de bens para ser penhoráveis e então a citação será efetiva.
K)
Como refere o acórdão, como a citação por tantas vezes, acaba por demorar mais do que o desejável, e no caso em apreço, não por causa imputável à Apelada, existe a normal excecional do nº 2 do art. 323 do Código Civil que acaba por interromper o prazo.
L)
Pelo exposto, não reconhecemos fundamento aos Apelantes, pelo que, deverá ser mantida a decisão do tribunal “ a quo”, na sua totalidade.
M)
Também decidiu bem o tribunal “a quo” que a existência da insolvência da empresa subscritora da livrança em nada releva para a ação executiva, a não ser na existência de valores pagos no âmbito da execução e que teriam de ser afetos ao valor em dívida.
N)
Os Apelantes, fruto da sua posição de avalistas da livrança titulo executivo, são devedores principais e solidários da dívida peticionada nos autos principais.
O)
Não pode a execução contra os Apelantes estar pendente da insolvência do subscritor da livrança, apenas poria em risco as possibilidades do credor de ver o seu direito de ser ressarcido de uma dívida.
P)
Não tendo, entende a Apelada, o entendimento do legislador ou da Jurisprudência.
Q)
Permita-se o arresto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 26-02-2015, que nos diz
- “Na verdade, como resulta do estatuído no art.º 217º nº 4 do CIRE “as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação”. Ou seja, independentemente de os titulares dos créditos terem aceite as providências adoptadas no processo de insolvência, quanto à extinção ou modificação dos respectivos créditos, isso não afecta os seus direitos perante os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, ao contrário do que acontecia no regime anterior.
- Ora, perante esta evolução legislativa não pode deixar de se concluir que a vontade do legislador foi no sentido de manter incólumes os direitos do credor sobre os garantes das obrigações, desta forma facilitando ao cordo quanto aos planos de insolvência.
- Também perante esta norma não pode deixar de se extrair a conclusão de que o que ocorre no âmbito do processo de insolvência só tem reflexos quanto ao insolvente e não é invocável pelos respectivos avalistas.
- Neste sentido vem decidindo a jurisprudência do STJ, citando-se exemplificativamente o Ac. de 26.02.2013 [7], onde se estabeleceu a seguinte jurisprudência: “a aprovação de um plano de insolvência, com moratória para pagamento da dívida, de que beneficia a sociedade subscritora da livrança, não é invocável pelos avalistas contra quem é instaurada a execução para seu pagamento”.“
Por todo o exposto, deverá a presente Contra-Alegação ser julgada procedente, por provada e consequentemente ser confirmada a decisão proferida pelo douto tribunal “a quo”, com todos os efeitos legais.».
8. Recebido o recurso de apelação, colheram-se os vistos.

II. Questões a decidir:

As conclusões das alegações do recurso delimitam o seu objeto, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso não decididas por decisão transitada em julgado e da livre qualificação jurídica dos factos pelo Tribunal, conforme decorre das disposições conjugadas dos artigos 608º/ 2, ex vi do art. 663º/2, 635º/4, 639º/1 e 2, 641º/2- b) e 5º/ 3 do Código de Processo Civil (doravante C. P. Civil).

Definem-se, assim, como questões a decidir:
1. Se ocorreu a prescrição da obrigação cambiária dos avalistas, face à discussão: se é aplicável o art.323º/1 do C. Civil e inaplicável o art.323º/2 do C. Civil; em caso de operância do art.323º/2 do C. Civil, se é aplicável à interrupção apenas o disposto no art.326º do C. Civil ou se também é aplicável o disposto no art.327º/1 do C. Civil, para que aquele remete.
2. Se, não ocorrendo a prescrição do crédito cambiário, se está invocada uma causa impeditiva ou extintiva da obrigação exequenda dos avalistas, face à invocada exceção de pagamento, com inversão de ónus de prova e responsabilidade de investigação do pagamento pelo Tribunal a quo.

III. Fundamentação:

1. Matéria de facto da sentença recorrida:

«Para apreciação dos presentes embargos, importa ter presente os seguintes factos assentes por acordo/confissão e resultantes dos documentos com força probatória plena juntos aos autos:

1. Na execução a que os presentes autos estão apensos (execução sumária para pagamento de quantia certa) foi apresentada à execução a livrança junta com o requerimento executivo junta aos autos execução, cujo teor aqui se dá por reproduzido, tendo inscrito, em algarismos e por extenso, a importância de € 8.473,67 (oito mil quatrocentos e setenta e três euros e sessenta e sete cêntimos) donde consta: no local da data de emissão, 12-06-13; no local da data de vencimento 2013-11-13, subscrita por X, S.A., constando no verso, além do mais, “Dou o meu aval à firma subscritora”, seguido das assinaturas dos executados.”
2. A execução foi intentada em 08-01-2014;
3. Os executados/embargantes foram citados em 07-02-2019.
4. A subscritora da livrança dada à execução, a sociedade comercial “X, S.A. “ foi declarada insolvente por sentença de 3 de outubro de 2013, proferida nos autos que sob o nº 6034/13.8TBBRG correm termos pela Comarca de Braga, Juízo Local Cível – Juiz 2.
5. Os autos de insolvência seguiram para liquidação do activo.».

2. Apreciação de mérito do objeto do recurso:

2.1. Sobre a prescrição da obrigação cambiária dos avalistas:
2.1.1. A sentença recorrida julgou que a obrigação cambiária dos avalistas titulada pela livrança dada à execução não se encontrava prescrita, por o prazo de prescrição se ter interrompido 5 dias depois da propositura da ação, nos termos do art.323º/2 do C. Civil, nos seguintes termos:
«Os embargantes invocam a prescrição do crédito exequendo.
O prazo de prescrição das obrigações cambiárias é de três anos, conforme decorre do art. 70.º da LULLiv, contando-se o prazo desde a data de vencimento aposta na livrança.
Nos presentes autos, quando a exequente intentou a execução – 08-01-2014, ainda não havia prescrito a acção cambiária, uma vez que não tinham decorrido mais de três anos entre a data de vencimento da livrança (13-11-2013) e a própria interposição da execução.
A acção cambiária contra o executado prescrevia no prazo de 3 anos a contar do vencimento da livrança; esse prazo terminava em 13-11-2016.
A acção cambiária só não prescrevia se houvesse interrupção daquele prazo: citação ou notificação judicial ao devedor de qualquer ato que exprimisse, directa ou ou indirectamente, a intenção de exercer o direito – art. 323.1 do Cód.Civil. Mas pode dar-se o caso de a citação ou notificação ter sido requerida, e não acontecer no prazo de cinco dias, por causa não imputável ao requerente; nesse caso, a prescrição interrompe-se no 5º dia depois de requerida – art. 323.2 do Cód.Civil.
Na presente acção executiva não havia citação prévia dos executados: é certo que por isso o exequente não a requereu, mas a instauração da execução, em face das regras processuais então vigentes, correspondia ao requerimento da citação após a penhora, o que só veio a acontecer em 07-02-2019.
Assim, a citação só ocorreu nessa data tardia por facto não imputável ao exequente – que, ao instaurar a execução, requereu implicitamente a citação, nos termos da lei processual. E, sendo assim, entende-se que a prescrição foi interrompida no prazo de cinco dias depois de instaurada a execução, nos termos do art. 323º, 2 do Código Civil.
A citação tardia ocorreu por causa não imputável ao exequente: foi imputável, à dificuldade de encontrar bens penhoráveis, às regras processuais que adiam a citação do executado para depois da penhora, e enfim ao próprio tribunal. Face àquele regime processual, não era de exigir ao exequente que requeresse uma citação prévia.
O disposto neste artigo 323º, n.º 2 do Cód.Civil, como norma substantiva que é, tem de ter primazia sobre as normas processuais.
O art. 232º, n.º 2 do Cód.Civil aplica-se também às execuções em que a penhora precede a citação: neste sentido já decidiu o Ac. TRL 2009.01.31, Rel. Des. Rijo Ferreira; e também o Ac. TRC de 2006.06.13 aí citado (proc. 1471/06).
Do exposto resulta que a prescrição da livrança não ocorreu, porque o respectivo prazo se tem por interrompido no 5º dia depois de instaurada a acção executiva.
Assim sendo, indefere-se a alegada prescrição.».

2.1.2. Os recorrentes impugnaram esta decisão neste recurso de apelação, defendendo:
a) Que a interpretação do regime de interrupção da prescrição do art.323º/1 e 2 do C. Civil realizada pelo Tribunal a quo não tem correspondência no texto da lei e não observa as regras do art.9º do C. Civil, tendo em conta: que o legislador teve a intenção de impor ao exequente o pedido de citação ou notificação do executado para dar a conhecer a este a sua pretensão; que, apesar da execução sumária não prever a citação prévia, o exequente deveria ter usado das faculdades legais de requerer a citação urgente ou a notificação judicial avulsa do executado, nos termos respetivos dos arts.561º e 79º do C. P. Civil, nomeadamente antes dos 5 dias de ocorrer a prescrição contada desde o vencimento.
b) Que a exequente omitiu também outros deveres processuais que atrasaram a execução- não nomeou bens à penhora (art.724º/1-i) do C. P. Civil), não juntou o original da livrança (art.724º/5 do C. P. Civil), não requereu a citação dos executados para nomear bens à penhora, como poderia e deveria ter feito, após ter verificado que não houve qualquer penhora depois de 3 meses da instauração da ação (art.855º/4 do C. P. Civil).
c) Que, ainda que se considere que o prazo de prescrição se interrompeu em 13.01.2014, nos termos do art.323º/2 do C. Civil, este reiniciou a sua contagem nessa data e terminou a 13.01.2017, não se aplicando a norma excecional do art.327º/1 do C. Civil, dirigida à citação ou notificação e não à ficção da mesma (conclusões 4ª a 18ª).

2.1.3. Importa apreciar o recurso dos recorrentes em relação à decisão recorrida.

2.1.3.1. Numa primeira apreciação deste recurso de apelação, reapreciar-se-á a decisão recorrida, face aos fundamentos suscitados pelos recorrentes referidos em 2.1.2.-a) 1ª parte, na parte que foram apreciados nessa decisão, em referência ao fundamento dos embargos e da defesa na contestação aos mesmos (nos quais: os embargantes, na sua petição inicial de embargos de executado, alegaram apenas o decurso do prazo de 3 anos, entre o vencimento da livrança em 2013 e a sua citação para a execução em fevereiro de 2019, nos termos do art.323º/1 do C. Civil; a embargada defendeu, na sua contestação, a falta de decurso desse prazo, por interrupção prévia da prescrição, nos termos do art.323º/2 do C. Civil).
A. No regime civil da interrupção da prescrição por iniciativa do credor, regulado no art.323º do C. Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25.11.1966, e que ainda mantém a sua redação originária, prevê-se o seguinte:

«1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.».
Este regime do Código Civil teve por base o Anteprojeto do Prof. Vaz Serra, com a primeira versão no art.284º da 1ª Revisão Ministerial e a versão final no art.323º da 2ª Revisão Ministerial(1):
As previsões do nº1 e nº3 do art.323º do Código Civil, que estipulam que a interrupção do prazo de prescrição se realiza pela citação ou notificação judicial, ainda que sejam anuladas, não são totalmente originárias do Código Civil de 1966. De facto:
a) O efeito interruptivo do prazo de prescrição pela citação e notificação já se encontrava previsto no nº2 do art.552º do Código Civil de Seabra de 1 de julho de 1867 (2), que previa a interrupção «Por citação judicial feita ao possuidor ou devedor, salvo se o autor desistir da acção intentada, ou se o réu for absolvido da instância, ou se a instância estiver perempta.» (3).
b) A previsão da manutenção da validade do efeito interruptivo do prazo operado pela citação ou pela notificação do devedor, ainda que estes atos fossem anulados:
b1) Teve uma origem parcial mais restrita no art.553º do referido Código Civil de Seabra de 1 de julho de 1867, que fazia depender a validade do efeito interruptivo da sanação da nulidade num prazo de um mês (que previa «Se a citação, mencionada no artigo precedente, for anulada por incompetência do juízo ou por vício de forma, não deixará de produzir o seu efeito, se a nulidade for sanada competentemente dentro de um mês contado desde o dia em que o defeito for legalmente conhecido» (4)).
b2) Teve uma proposta de alteração no art.1º/4 do articulado da interrupção da prescrição do anteprojeto de Vaz Serra, que fazia depender a validade desse efeito interruptivo de ter havido um conhecimento mínimo do ato pelo devedor (prevendo «Quando a citação ou notificação seja anulada, nem por isso deixa de produzir o efeito declarado neste artigo, desde que se dê a conhecer suficientemente a vontade do titular no sentido de se fazer valer o seu direito.» (5)).
b3) Obteve a versão final de 1966 (cuja redação ainda está vigente), na qual previu a manutenção do efeito interruptivo: sem exigir a sanação da nulidade num determinado prazo (embora nessa altura se previsse no art.482º do C. P. Civil de 1961 que «Os efeitos da citação subsistem, embora ela seja anulada, se o réu for novamente citado em termos regulares dentro de trinta dias a contar do trânsito em julgado do despacho de anulação», esta redação veio a ser alterada pelo DL nº47690, de 11.05.1967, de forma a ressalvar o disposto no nº3 do art.323º do C. Civil, não dependente de sanação da invalidade num determinado prazo, redação processual essa mantida no atual art.565º do C. P. Civil de 2013, com a seguinte redação «Sem prejuízo do disposto no nº3 do artigo 323º do Código Civil, os efeitos da citação só subsistem, embora ela seja anulada, se o réu for novamente citado em termos regulares dentro de trinta dias a contar do trânsito em julgado do despacho de anulação»); sem exigir que o devedor tivesse tido um conhecimento mínimo da iniciativa do credor no ato de citação ou de notificação anulada.
A previsão do nº2 do art. 323º do Código Civil, que define que depois de 5 dias do ato judicial de exercício de direito pelo seu titular, mesmo sem a citação e o conhecimento do devedor, ocorre um efeito ope legis de interrupção do prazo prescricional, foi introduzida ex novo no Código Civil de 1966 e corresponde exatamente ao art.1º, nº3, do articulado de interrupção da prescrição do anteprojeto de Vaz Serra (6).
Mediante esta análise, podemos verificar que, no regime de interrupção da prescrição por iniciativa do titular do direito, previsto no art.323º do Código Civil, estamos perante dois âmbitos de tutela.
Por um lado, e numa primeira linha, o regime interruptivo da prescrição por citação, notificação e ato equiparado dos nº1 e 4 do art.323º do C. Civil (entendendo o Assento do STJ nº3/98, de 26.03.1998, publicado in DR 1ª Série- A de 12.05., atual acórdão de uniformização de jurisprudência, que a notificação judicial avulsa, atualmente prevista no art.79º do C. P. Civil, integra esta via interruptiva) acautela o equilíbrio entre o direito geral do titular do direito/credor, com deveres especiais quanto à interrupção do prazo de prescrição (direito de exigir o seu direito ao obrigado, acompanhado do dever de o fazer através de ato judicial que, direta ou indiretamente, exprima a sua intenção de o exercer antes de terminado o prazo de prescrição de que o obrigado beneficia) e do direito geral do devedor (de conhecer que o credor lhe exige o cumprimento da sua obrigação).
Por outro lado, e numa segunda linha, o regime interruptivo da prescrição dos nº2 e 3 do art.323º do C. Civil comprime a referida compatibilização de direitos, para efeitos interruptivos do prazo prescricional, através da valorização da iniciativa judicial do credor sobre o conhecimento efetivo ou perfeito pelo devedor do direito contra si exercido, condições estas que ocorrem: quer quando a citação ou a notificação não se realizaram por causa não imputável ao credor, nos termos do nº2 do art.323º do C. Civil, e o legislador admite a interrupção do prazo prescricional depois do decurso do prazo de 5 dias após a propositura da ação; quer quando a notificação ou a citação foi declarada anulada, nos termos do nº3 do art.323º do C. Civil, situação esta que pode implicar a falta de conhecimento regular ou efetivo pelo devedor do ato judicial do credor contra si exercido.
Desta forma, na ponderação final entre a justiça e a segurança e a certeza do direito no regime da prescrição (7) a prescrição acaba por precaver, sobretudo, a inércia do credor no exercício do seu direito face ao devedor.

Este sentido tem sido reforçado pela jurisprudência, com destaque para a do Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente, no Ac. STJ de 04.03.2010, proferido no processo nº1472/04.0TVPRT-C.S1, relatado por Serra Batista, que concluiu:
«1 – O fundamento último da prescrição situa-se na negligência do credor em não exercer o seu direito durante um período de tempo razoável, em que seria legítimo esperar que ele o exercesse, se nisso estivesse interessado.
Compreendendo-se que razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas imponham que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter de, passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito». (8)
É este sentido que permite que se compreenda que, na impossibilidade da conjugação entre o exercício do direito do credor (com dever o fazer de forma judicial e antes do decurso do prazo de prescrição) e o conhecimento desse ato pelo devedor (por a citação, a notificação do ato judicial ou equiparado não ter ocorrido por causa não imputável ao titular do direito ou venha a ser anulado), o legislador tenha sacrificado este face àquele direito exercido tempestivamente, nos termos previstos quer no nº2, quer no 3 do art.323º do C. Civil.

B. A previsão da interrupção do prazo prescricional nos termos do nº1 do art.323º do C. Civil referida em A. supra foi prevista para “seja qual for o processo a que o ato pertence” (9), sem que o legislador tenha feito qualquer distinção entre procedimentos cautelares e ações, entre ações declarativas (comuns ou especiais) e ações executivas.
As demais previsões seguintes do art.323º/2 a 4 do C. Civil, referindo-se aos pressupostos do seu nº1 (onde consta a indistinção do processo), referem-se também a quaisquer processos judiciais.
Na altura de aprovação do Código Civil de 1966 apreciado em A. encontrava-se em vigor o Código de Processo Civil de 1961, aprovado pelo Decreto -Lei nº44129, de 28.12.1961, que, apesar de ter na citação prévia a matriz principal dos processos, previa também a citação posterior a determinadas providências ou à penhora. De facto, neste Código: o ato prévio de citação (com efeitos interruptivos da prescrição, nos termos do art.481º/a) do C. P. Civil) constituía o regime principal das ações declarativas (comuns, sob a forma de processo ordinário, sumário ou sumaríssimo, reguladas nos arts.462º ss, 467º ss, e 480º ss do C. P. Civil; especiais, reguladas nos arts.944º ss do C. P. Civil) e executivas (para pagamento de quantia certa, ordinárias e sumárias, nos termos dos arts.811º ss e 924º ss do C. P. Civil; para entrega de coisa certa, nos termos dos arts.928º ss do C. P. Civil; para prestação de facto, nos termos dos arts.933º ss do C. P. Civil); previa, todavia, também, a citação posterior à providência pedida em alguns dos procedimentos cautelares regulados nos arts.381º ss do C. P. Civil (no procedimento cautelar não especificado, regulado no art.399º, em referência ao art.406º do C. P. Civil quando há dispensa de citação prévia; no arresto, regulado nos arts.402º ss do C. P. Civil e no arrolamento nos arts.399º ss do C. P. Civil) e à penhora (na ação executiva sumaríssima, regulada nos arts.927º ss do C. P. Civil).
Desta forma, o legislador do Código Civil de 1966, conhecendo a existência de processos que não previam a citação como primeiro ato processual e sabendo que a citação poderia não ocorrer a curto prazo, não excluiu estes processos da operância do efeito ficcionado ou ope legis do art.323º/2 do C. Civil.
Após as sucessivas revisões do Código de Processo Civil de 1961, em que se alargaram os processos judiciais sem citação prévia da parte demandada, não foi alterado o regime do nº2 do art.323º do C. Civil. A ação executiva para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo sumária, prevista nos atuais arts.550º/2-a) a d) (em circunstâncias em que não operem as previsões do art.550º/3) e arts.855º ss do C. P. Civil de 2013, aprovado pela Lei nº41/2013, de 26.06., constitui um dos atuais processos em que a citação da parte demandada não constitui o primeiro ato processual mas é apenas realizada após a penhora de bens.
Assim, não pode deixar de se entender que a previsão do nº2 do art.323º do C. Civil aplica-se às ações executivas sumárias, como a presente (baseada em título extrajudicial cujo valor da dívida vencida não excede o dobro da alçada do Tribunal da 1ª instância, cuja liquidação depende apenas de simples cálculo aritmético, nos termos do art.550º/3-d) do C. P. Civil), em que o primeiro ato corresponde à penhora e no qual a citação da parte demandada ocorre depois da penhora.
C. O requisito da não imputação da falta de citação ou de notificação ao titular de direito que instaurou o processo judicial, para se aplicar a interrupção do nº2 do art.323º do C. Civil, tem sido lido, pela doutrina e pela jurisprudência, como falta de causalidade objetiva entre o ato ou a omissão do titular do direito e a falta de citação ou notificação. Neste âmbito, tem-se entendido que não é imputável ao credor a demora da citação quando esta se deve a regras sobre a organização judiciária e formas do processo ou quando se deve a erros dos operadores judiciários.

Na Jurisprudência das Relações, assinalam-se, nomeadamente, os seguintes acórdãos:

O acórdão da Relação do Porto de 16.1.2017, proferido no processo nº1894/12.2TBGMR-A.P1, relatado por Augusto Carvalho, entendeu:
«A expressão “causa não imputável ao requerente” deve ser interpretada «em termos de causalidade objetiva, ou melhor, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual e até à verificação da citação». Acórdão do STJ, de 20.5.1987, BMJ 367, pág. 483.» (10).
__ O acórdão da Relação de Guimarães de 22.11.2018, proferido no processo nº2504/13.6TJVNF-A.G1, relatado por Margarida Fernandes, concluiu, no caso de uma execução sumária:
«I- Nos termos do art. 70º nº 1 ex vi 77º da L.U.L.L. a acção contra o aceitante relativa a livrança prescreve no prazo de três anos a contar do seu vencimento.
II - A ficção legal prevista no nº 2 do art. 323º do C.C. pressupõe a verificação de três requisitos: (i) que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção; (ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; (iii) que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao autor/exequente (devendo este requisito ser interpretado em termos de nexo de causalidade objectiva, ou seja, entre a conduta do requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efectivada para além do quinto dia posterior à apresentação daquele).
III – Numa acção executiva, em que a penhora precede a citação, com pluralidade de executados, não é imputável ao exequente a citação pelo agente de execução dos executados embargantes quase três anos após a entrada da mesma ainda que a primeira penhora tenha ocorrido cerca de dois meses após esta data.» (11).
__ O acórdão da Relação de Lisboa de 03.03.2020, proferido no processo nº2747/08.4TBOER-C.L1-7, relatado por Luís Filipe Pires de Sousa, entendeu, em referência a uma ação executiva em que a penhora precedeu a citação:
«A expressão legal – “causa não imputável ao requerente” – contida no nº2 deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, quando a conduta do requerente em nada tenha contribuído, em termos adjetivos, para que haja um atraso no ato de citação (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 3.7.2018, Ana Paula Boularot, 1965/13, de 19.6.2019, Alexandre Reis, 3173/17). (…)
A citação da executada para além de três anos sobre a data de vencimento da livrança deveu-se a razões de natureza processual atinentes ao regime da ação executiva, em que a penhora precede a citação, não havendo que imputar tal demora à exequente (cf. facto 3; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.1.2019, Rosa Tching, 524/13). Tendo a livrança como data de vencimento 5.12.2017, infere-se que não decorreu o prazo de prescrição de três anos (Artigos 70º e 77º da LULL).» (12).

Na jurisprudência consensual do Supremo Tribunal de Justiça:
__ O acórdão de 10.02.1981, proferido no processo nº68766, in BMJ 304, p. 406 a 409, na esteira de acórdãos prévios de referência prolatados desde 30.11.1972 e por si citados (de 30.11.1972, in Boletim nº221, pág.222; de 6.11.1979, in Boletim 291, pág.466; de 8.7.1980, in Boletim 299, pág.291 ss; de 10.04.1980, in Boletim 296, pág.305), concluiu:
«III-É que a demora na citação não aconteceu por culpa do autor, porque a acção foi proposta quando para a consumação da prescrição faltavam muito mais de cinco dias e porque a demora havida, consequência da própria orgânica judiciária (a entrada das férias judiciais), é facto que, por estranho à conduta do autor, lhe não pode ser imputado, para mais sendo certo que as citações podem ser sempre feitas em período de férias (artigo 143.º do Código de Processo Civil).».
__ O atual acórdão de 24.01.2019, proferido no processo nº524/13.0TBTND-A.C1.S1, relatado por Rosa Tching (13), em relação a recurso de embargos à execução, citado e seguido na mesma linha no AC. do STJ de 11.07.2019, proferido no processo nº1406/16.9T8ACB-A.C1.S1, relatado por Rosa Ribeiro Coelho (14), em relação a recurso de embargos à execução, defendeu:
«E sobre a interpretação a dar à expressão «por causa não imputável ao requerente», é jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça que esta expressão legal deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, ou seja, a conduta do requerente só exclui a interrupção da prescrição quando tenha violado objetivamente a lei em qualquer termo processual até à efetivação da citação[8].
Nas palavras do Acórdão do STJ, de 03.02.2011 (processo 1228/07.8TBAGH.L1.S1)[9], o que é essencial para a aplicação do regime da citação «ficta» em 5 dias é que a conduta do requerente não haja implicado qualquer violação culposa de normas procedimentais ou adjetivas, radicando nessa infração objetiva – e só nela – a preclusão do benefício emergente do referido 2 do art. 323º.
Assim, a demora será imputável ao requerente quando se demonstre existir um nexo objetivo de causalidade entre a conduta do requerente, posterior ao requerimento para a citação, e o resultado de a citação ter sido efetivada para além do quinto dia posterior à apresentação daquele[10].
Do mesmo modo, constitui entendimento pacífico na jurisprudência deste Supremo Tribunal que, quando a demora na citação resulta da desconjugação dos preceitos da lei de custas, de processo e de organização judiciária com as normas substantivas, o conflito deve solucionar-se no sentido da prevalência destas, sem que tal desconjugação possa imputar-se aos que requerem as citações[11].
E ainda que, sendo a ação proposta com a antecedência mínima de 5 dias em relação à consumação do prazo prescricional, nem necessita o autor de requerer a citação antecipada para poder aproveitar do artigo 323º, 2 do Código Civil[12], pois, como se afirma no citado Acórdão do STJ de 03.02.2011, o que «releva decisivamente na aplicação do dito regime legal é o eventual cometimento pelo autor de uma infracção a regras procedimentais a que estava vinculado e que tenham sido causais da demora na consumação do acto de citação – e não uma «omissão» de actos ou diligências aceleratórias – que, porventura a terem sido adoptadas, poderiam permitir um curso mais célere do processo na sua fase liminar mas que constituem uma faculdade e não um dever ou ónus do autor».».

D. No quadro de direito exposto de A a C supra, conjugado com os factos julgados provados no despacho saneador- sentença recorrido e transcritos em III-1- supra, verifica-se:
a) Que a livrança que titula a obrigação cambiária dos avalistas que deram aval ao subscritor tem o valor de € 8 473, 67 e tinha a data de vencimento de 13.11.2013.
b) Que a ação executiva instaurada pelo beneficiário do crédito contra a subscritora e avalistas da livrança referida em a): foi instaurada a 08.01.2014, apenas a 56 dias depois do seu vencimento e quando faltavam mais de 2 anos e 10 meses para a prescrição do direito, nos termos do art.70º da LULL, ex vi do art.77º da LULL; foi instaurada, sob a forma de processo sumária, de acordo como regime legal aplicável, nos termos dos arts.550 º/2-d) e 855º ss do C. Civil, em que a penhora de bens precede a citação do executado.
c) Que os executados foram citados para a ação executiva a 07.02.2019 (após a primeira penhora realizada a 05.02.2019 e lavrada em auto, como se averigua no processo executivo).
Desta forma, com base nesta matéria de facto e no regime legal, verifica-se que estavam reunidas as condições para a operância do efeito legal da interrupção da prescrição decorridos 5 dias após a instauração da ação, a 14.01.2014, uma vez que a realização da citação após a primeira penhora efetiva, de acordo com o regime legal aplicável, não é objetiva e subjetivamente imputável à exequente/embargada e recorrida, conforme decidiu o Tribunal a quo no despacho saneador- sentença recorridos.

2.1.3.2. Numa segunda apreciação do recurso de apelação, importa apreciar:
a) Se devem ser conhecidos os demais fundamentos do recurso de apelação, referidos em III- 2.1.2.-a)- 2ª parte, b) e c) supra, respeitantes: à invocada negligência da exequente em praticar atos no processo executivo, que os recorrentes lhe consideravam exigíveis, para a realização da sua citação (de usar das faculdades legais de requerer a citação urgente ou a notificação judicial avulsa do executado, nos termos respetivos dos arts.561º e 79º do C. P. Civil, nomeadamente antes dos 5 dias em que ocorresse a prescrição contada desde o vencimento; de nomear bens à penhora no requerimento inicial, nos termos do art.724º/1-i) do C. P. Civil; de juntar o original da livrança, nos termos do art.724º/5 do C. P. Civil; de requerer a citação dos executados para nomear bens à penhora, após 3 meses em que não houve qualquer penhora, nos termos do art.855º/4 do C. P. Civil); à aplicação do art.326º/1 do C. Civil, sem a possibilidade de extensão da interrupção nos termos da norma do art.327º/1 do C. Civil (que os recorrentes, no caso de se considerar interrompido o prazo prescricional em termos fictos, nos termos do art.323º/2 do C. Civil, entendem ser excecional e apenas dirigida à citação ou notificação e não à sua ficção);
b) Se, em caso positivo, estes impedem a aplicação do disposto no nº2 do art.323º do C. Civil ou, mesmo neste caso, a manutenção da interrupção nos termos do nº1 do art.327º do C. Civil, da conclusão achada em 2.1.3.1 supra.

Ora, estes fundamentos de facto e de direito invocados e alegados em recurso:
a) Não foram invocados e alegados pelos embargantes recorrentes no seu requerimento inicial de embargos, quando arguiram a prescrição, conforme se verifica em I-1 supra; não foram invocados, após, no contraditório concedido pelo Tribunal a 27.01.2020 (quando este declarou prefigurar o conhecimento do mérito da causa face aos articulados da petição inicial e contestação das partes), nomeadamente mediante a alegação de factos complementares, com recurso aos atos do processo executivo, nos termos do art.5º/2 do C. P. Civil (nem pediram, também, a marcação da audiência prévia para cumprimento do contraditório do art.3º/4 do C. P. Civil, em referência ao fator interruptivo da prescrição do art.323º/2 do C. Civil, defendido pela apelada na sua contestação).
b) Foram invocados e alegados pelos embargantes apenas em sede de recurso, sem que no mesmo, tenham arguido qualquer nulidade da decisão recorrida por preterição de contraditório sobre o fator interruptivo alegado pela embargada na sua contestação (acompanhada de alegação contraditória e pedido a ampliação da matéria de facto, nos termos do art.5º/2 do C. P. Civil, ou com pedido de concessão de prazo para proceder a essa alegação, nos termos do art.665º/3 do C. P. Civil, em caso de reconhecimento da nulidade).
c) Não foram apreciados na decisão recorrida.
A. Ora, os recursos destinam-se a apreciar as decisões recorridas sobre as questões aí apreciadas e não a apreciar questões novas. Neste sentido, entre a jurisprudência unânime, pode ver-se, nomeadamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 07.07.2016, proferido no processo nº 156/12.0TTCSC.L1.S1, relatado por Gonçalves Rocha, que entendeu e sumariou, respetivamente:
«Efectivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, podendo ver-se neste sentido os acórdãos do S.T.J. de 1.12.1998, in BMJ n.º 482/150; 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156; e os acórdãos de 24/2/2015, processo nº 1866/11.4TTPRT.P1.S1, e de 14/5/2015, 2428/09.1TTLSB.L1.S1 desta Secção Social. (…)
«Não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objecto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se via a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação» (15).
Mesmo quando o Tribunal da Relação reaprecie a mesma questão essencial arguida e apreciada na 1ª instância, encontra-se limitado no seu conhecimento ao quadro da matéria essencial alegada oportunamente pelas partes como fundamento da pretensão e da defesa (art.5º/1 do C. P. Civil), ainda que aditada posteriormente com factos instrumentais ou concretizadores ou complementares decorrentes da instrução (art.5º/2 do C. P. Civil).
A este propósito, o acórdão da Relação de Lisboa de 03.03.2020, proferido no processo nº2747/08.4TBOER-C.L1-7, relatado por Luís Filipe Pires de Sousa (recurso da sentença de embargos de executado que apreciou a prescrição), rejeitou a apreciação dos fundamentos da prescrição invocados em sede de recurso, que não haviam sido alegados no requerimento inicial dos embargos e apreciados na sentença recorrida, com os seguintes fundamentos:
«A tripla factualidade ora invocada pela apelante (a exequente primitiva não indicou bens à penhora; não justificou a impossibilidade de cumprir com o previsto no artigo 810º, nº2, al. d) e nº5; apenas em 31.8.2015, é que a embargada apresentou o primeiro requerimento a solicitar a pesquisa concreta de bens) não foi, oportunamente, alegada pela embargante na sua petição inicial. Trata-se, assim, de factualidade nova, a qual não pode ser atendida nos termos do disposto no Artigo 5º, nº1 e nº2, al. b), do Código de Processo Civil.
Mesmo que integrasse factos complementares, tal factualidade não pode agora ser atendida. Tais factos só poderiam ser introduzidos no processo no decurso do julgamento em primeira instância, mediante requerimento da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto. Em qualquer dessas circunstâncias, assiste à parte beneficiada pelo facto complementar e à contraparte a faculdade de requererem a produção de novos meios de prova para fazer a prova ou contraprova dos novos factos complementares – cf. Geraldes, Abrantes/Pimenta, Paulo/Sousa, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, pp. 28-29.
Não tendo a apelante desencadeado tal mecanismo de ampliação fáctica nem tendo o mesmo sido utilizado oficiosamente pelo tribunal, está precludida a ampliação da matéria de facto com tal fundamento em sede de apelação porquanto o conteúdo da decisão seria excessivo por envolver a consideração de factos essenciais complementares ou concretizadores fora das condições previstas no art. 5º (cf. Geraldes, Abrantes/Pimenta, Paulo/Sousa, Luís Filipe, Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, p. 798) ou, segundo Alberto dos Reis, ocorreria erro de julgamento por a sentença/acórdão se ter socorrido de elementos de que não podia socorrer-se (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pp. 145-146).» (16).
B. Ainda que esta Relação não estivesse limitada ao conhecimento dos fundamentos referidos em III- 2.1.2. supra, na parte que excederam os fundamentos e a defesa dos embargos referidos em I-1 e 2 supra, apreciados na decisão recorrida transcrita em I- 2.1.1. supra, nomeadamente por se entender que a alegação ainda estaria integrada no fundamento essencial da prescrição discutido pelas partes, sempre se entenderia não assistir razão aos recorrentes/embargantes.

De facto, as omissões processuais imputadas à embargada/exequente no processo executivo:
a) Não foram alegadas como causais do atraso da penhora e da citação dos executados subsequente à mesma, uma vez que os recorrentes não alegaram (e porque, de facto não aconteceram, pelos atos documentados eletronicamente no processo executivo): que as diligências executivas não foram iniciadas ou estiveram paradas pela agente de execução antes da junção do original da livrança, nos termos do art.724º/4-a) do C. P. Civil; que a execução esteve a aguardar impulso processual do exequente em relação à nomeação de bens à penhora, de sua parte ou do executado, após notificação do agente de execução ou do tribunal.
b) Não integram o ónus de impulso processual do exequente na ação executiva, mesmo quando esta seja sumária, de forma a que a data da citação posterior à penhora pudesse ser objetiva e subjetivamente imputável a omissões desse impulso, as invocadas obrigações:
b1) De indicar sempre bens à penhora no seu requerimento executivo, uma vez que a previsão do art.724º/1-i) do C. P. Civil não é obrigatória, conforme também já decidiu, nomeadamente, o acórdão da Relação do Porto de 16.1.2017, proferido no processo nº1894/12.2TBGMR-A.P1, relatado por Augusto Carvalho, supra citado.
b2) De pedir a citação urgente do executado nos termos do art.561º do C. P. Civil, ex vi do art.551º/1 do C.P. Civil: na data da propositura da ação de 08.02.2014, uma vez que faltava um prazo superior a 2 anos e 10 meses para a obrigação cambiária prescrever, nos termos do art.70º, ex vi do art.77º da LULL, entendendo-se que a citação urgente se justifica em situações em que a ação é instaurada num prazo inferior a 5 dias antes do decurso do prazo prescricional e da possibilidade de operância da interrupção da prescrição prevista no art.323º/2 do C. Civil, como defendem, nomeadamente, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (17) e, recentemente, o acórdão da Relação de Évora de 15.02.2018, proferido no processo nº2048/16.4T8STR.E1, relatado por Paula Paço (18)); depois da interrupção do prazo prescricional, nos termos do art.323º/2 do C. Civil a 14.02.2014 (acentuadamente numa situação em que a exequente não tenha sido notificada para impulsionar as diligências executivas ou de citação no processo, pelo agente de execução ou pelo Tribunal), quando o credor contava com a interrupção da prescrição, nos termos do art.323º/2 do C. Civil, e com os efeitos duradouros da mesma, nos termos do art.327º/1 do C. Civil, conforme se referirá infra. A propósito do dever ou da falta de dever de pedir a citação numa ação executiva sob a forma de processo sumária, cujo penhora precede a citação, o acórdão da Relação de Guimarães de 22.11.2018, proferido no processo nº2504/13.6TJVNF-A.G1, relatado por Margarida Fernandes, refere, ainda: «Por outro lado, não devia a exequente ter requerido a citação prévia uma vez que os autos deram entrada vários meses antes de se completar o prazo de prescrição de 3 anos. Acresce que dos mesmos não resultam factos que justifiquem o receio de perda da garantia patrimonial do seu crédito.».
b3) De pedir a atuação do art.855º/4, em referência ao art.750º do C. P. Civil, uma vez que esta notificação é de competência do agente de execução e as omissões deste no cumprimento da notificação que lhe cabia não são imputáveis à exequente. O acórdão da Relação de Guimarães de 22.11.2018, proferido no processo nº2504/13.6TJVNF-A.G1, relatado por Margarida Fernandes, e supra citado, refere a este propósito, «O eventual menos correcto modus operandi por parte da agente de execução não é imputável à exequente uma vez que esta, não obstante ter sido por ela escolhida, não é uma mandatária desta, sendo antes uma auxiliar de justiça do Estado (Neste sentido Rui Pinto, in A Ação Executiva, AAFDL Ed., pág. 126).
c) Tem sido entendido pela Jurisprudência, de forma tácita ou expressa, que, quando o prazo de prescrição é interrompido numa ação judicial, em qualquer uma das circunstâncias do art.323º do C. Civil, aplica-se não só o regime da inutilização do prazo anterior, nos termos previstos no art.326º/1 do C. Civil («1. A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 3 do artigo seguinte.»), mas também o regime da manutenção duradoura dos efeitos da interrupção até ao trânsito em julgado da decisão da ação judicial, nos termos do disposto no nº1 do art.327º do C. Civil («1. Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.»), sem prejuízo do disposto no nº2 e nº3 do art.327º do C. Civil. Neste sentido, registam-se os seguintes acórdãos, que se perfilham:
O acórdão da Relação de Lisboa de 26.03.2019, proferido no processo nº3350/06.9TBAMD-A.L1-7, relatado por José Capacete, entendeu:
«1.– À prescrição cambiária são aplicáveis as disposições do Código Civil sobre a interrupção da prescrição.
2.– O instituto da prescrição extintiva, não obstante não lhe serem estranhas razões de justiça, tem em vista, fundamentalmente, a realização de objetivos de conveniência e oportunidade.
3.– O decurso do prazo de cinco dias previsto no n.º 2 do art. 323.º do C.C., equivale à citação, funcionando assim como uma verdadeira excepção ao mecanismo da interrupção da prescrição por via da citação judicial.
4.– Tal exceção pressupõe que a citação se venha a realizar, já que sem ela o devedor não chega a ter conhecimento da pretensão do credor, ficcionando, assim, aquele normativo, que contempla, afinal de contas, uma citação “ficta”, uma interrupção da prescrição nas suas aludidas condições.
5.– Essa ficção legal pressupõe a concorrência de três requisitos:
a)- que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à instauração da acção declarativa ou executiva;
b)- que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; e
c)- que o retardamento da citação não seja imputável ao requerente, tudo se passando como se a citação tivesse sido realizada nesse quinto dia.
6.– Interrompida a prescrição, tal não significa que não possa iniciar-se novo prazo prescricional, podendo seguir-se nova inércia do respetivo titular, havendo, assim, fundamento para começar a correr novo prazo de prescrição.
7.– O momento a partir do qual começa a correr novo prazo prescricional é aquele em que findar a eficácia da causa interruptiva, podendo esta ser:
- instantânea, se a sua eficácia se produzir em dado momento e cessar de imediato, começando, portanto, logo um novo período prescricional:
- permanente, se a sua eficácia durar por um lapso de tempo mais ou menos longo, findo o qual se inicia o novo período de prescrição.
8.– O n.º 1 do art. 327.º do C.C., estabelece um regime especial, o da interrupção duradoura do prazo da prescrição, nele se incluindo os casos em que a prescrição se deu como interrompida, mesmo na ausência da citação não efectuada por razões não imputáveis ao requerente, decorridos que foram cinco dias depois de ter sido requerida.
9.– Não se trata de fazer a aplicação analógica da norma excecional contida naquele preceito, prática que a 1ª parte do art. 11.º do C.C. expressamente proíbe, mas, quando muito, de uma interpretação extensiva do mesmo, essa sim, permitida pela 2.ª parte do referido art. 11.º, respeitando o pensamento do legislador, a unidade do sistema e a vontade da lei.
10.– Não é materialmente inconstitucional a norma contida n.º 1 do art. 327.º do C.C., por violação dos princípios constitucionais da confiança, estabilidade, certeza e segurança das relações jurídicas, assim como do princípio da proporcionalidade, se interpretada no sentido de que no efeito interruptivo da prescrição aí previsto, quanto à sua duração, abrange também a citação ficta, prevista no n.º 2 art. 323.º, do C.C., não seguida de efectiva citação durante um período máximo de três anos, calculado pela cumulação dos prazos de interrupção e de subsequente deserção e extinção da instância, a que aludiam os arts. 285.º e 291.º, n.º 1, do C.P.C./61.» (19).

O acórdão da Relação de Lisboa de 03.03.2020, proferido no processo nº2747/08.4TBOER-C.L1-7, relatado por Luís Filipe Pires de Sousa, e supra citado, defendeu também:
«Nos termos do Artigo 327º, nº1, do Código Civil, «Se a interrupção resultar da citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.» Resulta deste preceito que, uma vez interrompida a prescrição, nada releva o facto de, no seguimento dos autos, o exequente – por hipótese – haver descurado ulteriormente a realização da citação (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.3.1992, José Magalhães, 081416). (…)
Argumenta a apelante que a interpretação feita pelo tribunal a quo das disposições conjugadas dos artigos 70º, 77º da LULL, 323º, nº2, e 327º, nº1, do Código Civil, é manifestamente ilegal e inconstitucional porque violadas dos princípios da segurança e da confiança jurídica, sendo o instituto da prescrição a consagração normativa de tais princípios.
O principio da confiança postula uma ideia de proteção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na atuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.3.2007, Sebastião Póvoas, 07A760). O princípio da confiança, intrinsecamente ligado aos princípios da segurança jurídica e do Estado de Direito, tem como finalidade proteger prioritariamente as expectativas legítimas que nascem no cidadão, que confiou na postura e no vínculo criado através das normas prescritas no ordenamento jurídico (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.6.2012, Oliveira Vasconcelos, 506/10). Segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, «o princípio da confiança, ínsito na ideia de Estado de direito democrático, postula um mínimo de certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente criadas, censurando as afetações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas, com as quais não se poderia moral e razoavelmente contar» (Acórdãos nos. 303/90, 628/98, 862/2013, 572/2014). (…)
Posto isto, é manifesto que a interpretação acima feita dos artigos 323º e 327º do Código Civil não bule com os invocados princípios da segurança e confiança jurídica. Com efeito, trata-se de soluções normativas estabilizadas desde a entrada em vigor do Código Civil, as quais não sofreram alteração legislativa nem são objeto de dissídio jurisprudencial, sendo que do atraso na realização da citação por via do regime próprio da ação executiva não pode derivar uma expectativa legítima do executado de que já não terá de arcar com a sua responsabilidade patrimonial.».

O recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.10.2020, proferido no processo nº4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, entendeu:
«Alega a recorrente, na qualidade de avalista, que a acção contra ela prescreveu pois, mesmo que a prescrição se considere interrompida em 16.06.2012, o novo prazo prescricional sempre começaria a correr logo após o acto interruptivo a que se refere o artigo 323º nº 2 do Código Civil, completando-se em 16.06.2015.

Cumpre decidir.
A questão é simples e há que reduzi-la à sua verdadeira dimensão.
Assim, as livranças venceram-se em 24.04.2012 e 10.05.2012.
O requerimento executivo deu entrada em 11.06.2012.
Por causa não imputável à exequente, a citação da executada não foi feita no prazo de cinco dias.
Por isso, a interrupção da prescrição do crédito exequendo, decorridos os cinco dias a que se refere o artigo 323º nº 2 do Código Civil, ocorreu em 16.06.2012.
Assim, podemos concluir, como bem decidiu o acórdão recorrido, que a prescrição se interrompeu a 16.06.2012, mantendo-se até à decisão, com trânsito em julgado, que ponha termo ao processo nos termos do artigo 327º nº 1 do Código Civil.
Consequentemente, o crédito exequendo ainda não está prescrito, apesar de a citação efetiva da executada ter ocorrido a 30.7.2018, uma vez que, aquando da interrupção do prazo prescricional, ainda tinha decorrido cerca de dois meses do prazo prescricional de três anos, inerente ao crédito exequendo.» (20).
Desta forma, tendo-se interrompido o prazo prescricional a 14.02.2014, altura em que faltavam ainda 2 anos e 10 meses para a prescrição de 3 anos, conforme se referiu em 2.1.3.1. supra, e encontrando-se a execução pendente desde o efeito interruptivo, sem declaração de extinção da ação executiva, relevante para os efeitos de reinício do prazo nos termos do art.327º/1 do C. Civil, não se reconhece a prescrição do direito cambiário, que permita a alteração da sentença recorrida.
Assim, improcede o recurso de apelação quanto à prescrição cambiária.

2.2. Sobre a existência de causas impeditivas ou extintivas da obrigação exequenda dos avalistas:
2.2.1. A sentença recorrida considerou que a pendência de processo de insolvência contra a subscritora da livrança não impedia a execução contra os avalistas, nos seguintes termos:
«Não se questiona que o título dado à execução seja livrança, que a subscritora da livrança foi declarada insolvente, tendo o processo de insolvência seguido para liquidação do activo e que os executados figurem na livrança como avalistas da subscritora.
O que se questiona é se o processo de insolvência da subscritora ter a virtualidade de alterar a obrigação do avalista da sociedade insolvente.
O regime jurídico do aval encontra-se estabelecido nos art.ºs 30º a 32º da Lei Uniforme de Letras e Livranças /LULL).
O aval é, nos termos do art.º 30º da LULL, o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o pagamento desse título, por parte de um dos respectivos subscritores.
A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou caucioná-la, sendo o dador de aval, nos termos do art.º 32º, nº 1, da LULL, responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, o que significa que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado.
Diga-se, no entanto, que a natureza jurídica do aval e da fiança são claramente distintas, não obstante ambas sejam garantias obrigacionais.
Enquanto a fiança se traduz num negócio jurídico extracartular, o aval é um negócio jurídico cambiário que, doutrinariamente, pode ser definido como o negócio cambiário unilateral e abstracto que tem, por conteúdo, uma promessa de pagar a letra e, por função, a garantia desse pagamento.
O artigo 627º do CC consagra a noção de fiança, enquanto garantia especial das obrigações em geral, nele se referindo que: “1. O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor. 2. A obrigação do fiador é acessória da que recai sobre o principal devedor.”
Na fiança, o fiador obriga-se pessoalmente perante o credor ficando, em princípio, todo o seu património responsável pela satisfação do direito de crédito que este tem sobre o devedor, constituindo-se o fiador como verdadeiro devedor do credor, distinguindo-se a obrigação do fiador da obrigação do devedor, visto ser acessória da que recai sobre o principal devedor, embora tenha o mesmo conteúdo, sendo a mesma obrigação do devedor e do fiador – cfr. art.º 634º do CC.
São, pois, características essenciais do negócio jurídico que é a fiança, e que não podem ser afastadas pela vontade das partes, a acessoriedade e a subsidiariedade, consubstanciando-se esta no benefício da excussão prévia de todos os bens do devedor previsto no art.º 638º do CC.
O regime da fiança é diferente do relativo ao aval, tendo aquela a ver com a obrigação principal, substantiva, dependente da respectiva causa, ao passo que o aval representa a obrigação cartular, nada tendo a ver com a relação subjacente, só se consolidando o aval no mundo dos negócios após o completo preenchimento do título, então se constituindo como dívida cambiária determinada.
Como se afirma no acórdão da Relação de Lisboa (RL) de 29.09.2011 (in: www.dgsi.pt - Pº 2161/06.6TCSNT-A.L1-8), a propósito da distinção entre fiança e aval, a mera descrição exemplificada de algumas fontes das obrigações garantidas e a remissão genérica para todas as operações permitidas em direito pode vir a traduzir-se numa obrigação ilimitada deixando o fiador à inteira mercê do afiançado e do beneficiário da fiança, já o mesmo se não passa no aval, garantia cambiária, cuja responsabilidade é determinada pelo próprio título e, se tal for o caso, pelo pacto de preenchimento acordado pelas partes.
O avalista não é, por conseguinte, sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o aceitante de uma letra ou o subscritor de uma livrança. O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos.
Do exposto resulta que a obrigação do avalista vive e subsiste independentemente da obrigação do avalizado, mantendo-se mesmo que seja nula a obrigação garantida (excepto se a nulidade provier de um vício de forma), e por força dessa autonomia o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento.
Com efeito, sendo os executados/embargantes, juntamente com a insolvente, devedores principais e solidários da obrigação assumida pelo aval, pode-lhe ser exigida a totalidade da dívida – art.ºs 512.º e 519.º do C. Civil.
E a pendência do processo de insolvência e eventual pagamento ao exequente do crédito exequendo e reconhecido nesse processo apenas tem como consequência a consideração desse montante na quantia exequenda, devendo o exequente, de acordo com a regra de boa-fé processual (art.ºs 7.º e 8.º do CPC), informar na execução os valores recebidos nesse processo por conta do crédito, sem prejuízo do tribunal diligenciar oficiosamente pela obtenção desses elementos.
Aliás, logo que ocorra o pagamento do crédito por parte do devedor (se tal viesse a suceder na insolvência) tal legitima a dedução de embargos supervenientes por parte dos terceiros garantes (executados), a serem deduzidos no prazo de 20 dias após o conhecimento do pagamento do crédito (cfr. artigo 728º, nº2, do CPC «quando a matéria da oposição seja superveniente, o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respectivo facto ou dele tenha conhecimento o executado»).
Em suma, os embargos são totalmente improcedentes, nos termos acima expostos, não tendo a eventual produção de prova a virtualidade de implicar decisão diversa, o que justifica uma decisão imediata.».

2.2.2. Os recorrentes no seu recurso de apelação desta decisão, defenderam:

a) Que a extinção da obrigação cambiária por pagamento do crédito extingue a obrigação dos avalistas, podendo estes invocar a exceção de pagamento nos termos do art.729º/e), ex vi do art.731º do C. P. Civil.
b) Que cabe à apelada esclarecer no apenso dos embargos de executado se reclamou o seu crédito na insolvência e se este foi total ou parcialmente pago, nos termos do art.417º/1 do C. P. Civil, uma vez que a mesma sabe da insolvência desde 2014, por esses factos serem do seu conhecimento e serem alheios aos embargantes/apelantes, devendo ocorrer uma inversão do ónus da prova, nos termos do art.344º/2 do C. Civil, de forma a caber à exequente a obrigação de provar que não recebeu qualquer quantia da massa insolvente.
c) Que não pode o Tribunal conhecer do mérito da causa sem apreciar toda a matéria indispensável à descoberta da verdade e justa composição do litígio, pois apenas esse esclarecimento permitirá decidir se a obrigação ainda existe e confirmar o valor do crédito exequendo a cobrar coercivamente aos executados/apelantes, nos termos dos arts.411º e 595º/1-b) do C. P. Civil (conclusões 19ª a 32ª).

2.2.3. Para a apreciação do recurso sintetizado em III- 2.2.2. supra, atender-se-ão aos fundamentos dos embargos de executado referidos em I-1 supra e à sentença recorrida.

Por um lado, nos embargos de executado deduzidos pelos os embargantes, estes, conforme se verifica pelo relato de I-1 supra:

a) No seu requerimento inicial de embargos:
a1) Limitaram-se a invocar a inexigibilidade da dívida cambiária dos avalistas, fundada na pendência do processo de insolvência da subscritora, na “presumível” reclamação e reconhecimento na insolvência do crédito pedido na execução e na existência de garantia de “grande parte” dos créditos reconhecidos na insolvência pela liquidação da massa insolvente.
a2) Não alegaram quaisquer factos que integrassem uma exceção perentória de pagamento, total ou parcial, da dívida exequenda, nomeadamente no âmbito da liquidação da massa insolvente da subscritora, nos termos dos arts.762º ss do C. Civil e 729º/g) do C. P. Civil, ex vi do art.731º do C. Civil; não invocaram qualquer dificuldade em cumprir o seu ónus processual de alegação de pagamento ou de produção de prova, nos termos dos arts.5º/1 do C. P. Civil e 342º/2 do C. Civil, com pedido de apoio do Tribunal para a remoção de obstáculos para o efeito, nomeadamente, nos termos dos arts.7º e 417º do C. P. Civil.
b) No contraditório concedido pelo Tribunal a quo a 27.01.2020 sobre a possibilidade de conhecimento do mérito da causa face aos articulados da petição inicial e contestação das partes, não suscitaram a realização de qualquer diligência.

Por outro lado, face a uma sentença que apreciou se os avalistas poderiam ser demandados e as consequências de um eventual pagamento no processo de insolvência, os recorrentes: não contestaram os primeiros fundamentos neste recurso, nos termos do art.639º do C. Civil; limitaram o seu recurso na invocação do dever de conhecimento da exceção de pagamento, em relação à qual entendem que ocorreu uma inversão do ónus de prova, nos termos do art.344º/2 do C. Civil e que existe obrigação judicial de averiguação de factos antes da decisão de mérito, nos termos do disposto nos arts.411º do C. P. Civil.
Ora, não assiste qualquer razão aos recorrentes.
A sentença recorrida não negou aos recorrentes a possibilidade de se terem defendido por exceção de pagamento da dívida exequenda, na ação executiva que prossegue contra os codevedores, na qualidade de avalistas do subscritor da livrança declarado insolvente, ação que pode correr após a insolvência deste, nos termos do art. 88º/1- parte final e 2 do CIRE («1 - A declaração de insolvência determina a suspensão de quaisquer diligências executivas ou providências requeridas pelos credores da insolvência que atinjam os bens integrantes da massa insolvente e obsta à instauração ou ao prosseguimento de qualquer acção executiva intentada pelos credores da insolvência; porém, se houver outros executados, a execução prossegue contra estes. 2 - Tratando-se de execuções que prossigam contra outros executados e não hajam de ser apensadas ao processo nos termos do n.º 2 do artigo 85.º, é apenas extraído, e remetido para apensação, traslado do processado relativo ao insolvente.»).
No entanto, os recorrentes, como se expôs supra: não alegaram antes da prolação da sentença quaisquer factos integrativos da exceção de pagamento, cujo ónus de alegação e de prova lhes cabia, nos termos dos arts.5º/1 do C. P Civil e 342º/2 do C. Civil, que exigisse a produção de prova e a apreciação pelo Tribunal, que apenas pode apreciar os factos alegados pelas partes (art.5º/1do C. P. Civil) e os factos instrumentais, complementares ou concretizadores de factos oportunamente alegados, que decorressem da instrução (art.5º/2 do C. P. Civil); que a as diligências oficiosas para a descoberta da verdade e a justa composição do litígio, nos termos do art.411º do C. P. Civil, apenas podem ser praticadas quanto aos factos que é lícito ao Tribunal conhecer, sujeitos ao regime enunciado (em processos, como o presente, que não são de jurisdição voluntária ou em que não prevalece o princípio do inquisitório); que os embargantes não arguiram e comprovaram qualquer obstáculo para cumprir o seu ónus de alegação do art.5º/1 do C. P. Civil ou de prova, nos termos do art.342º/2 do C. Civil, que exigisse a cooperação do Tribunal, nos termos dos arts. 7º e 417º do C. P. Civil, prévia ao conhecimento do mérito dos embargos; que, nada tendo sido suscitado pelos embargantes, não tendo o Tribunal a quo feito qualquer notificação à exequente/embargada para prestar esclarecimentos ou juntar qualquer meio de prova pedido e que esta não tivesse observado, não existe qualquer inobservância sua que tivesse impossibilitado culposamente a produção de prova dos embargantes, de forma a preencher a previsão de inversão do ónus de prova pedida, nos termos do art.344º/2 do C. Civil.
Desta forma, improcede, também, a apelação, no que se refere a estes fundamentos do recurso.

IV. Decisão:

Pelo exposto, as juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães julgam improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pelos recorrentes.
*
Guimarães, 18 de março de 2021
Elaborado, revisto e assinado eletronicamente pelas Juízes Desembargadoras Relatora e Adjuntas

Alexandra Viana Lopes
Anizabel Sousa Pereira
Rosália Cunha



1. Vide menção sumária (quanto aos Trabalhos Preparatórios do anteprojeto e revisões ministeriais) in Código Civil Comentado, coordenado por Menezes Cordeiro, I- Parte Geral, CIDP e Almedina, 2020, nota I-1 ao artigo 323º, pág. 909.
2. Vide menção sumária de Júlio Gomes, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, nota 1 ao artigo 323º, pág. 772.
3. Código Civil de Seabra, disponível in http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Portugues-de-1867.pdf
4. Código Civil de Seabra, disponível in http://www.fd.ulisboa.pt/wp-content/uploads/2014/12/Codigo-Civil-Portugues-de-1867.pdf
5. Vide BMJ 107 (1961), pág.159 (no âmbito do artigo «Prescrição Presuntiva e Caducidade» publicado pelo BMJ 105, 106 e 107).
6. BMJ 107 (1961), pág.159 (no âmbito do artigo «Prescrição Presuntiva e Caducidade» publicado pelo BMJ 105, 106 e 107).
7. Carlos Alberto Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição atualizada, Coimbra Editora, Lda., 1989, págs. 373 ss.
8. Ac. STJ de 04.03.2010, proferido no processo nº1472/04.0TVPRT-C.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/29ad32244ebc0ca6802576dc00547285?OpenDocument
9. Vide menção sumária in Código Civil Comentado, coordenado por Menezes Cordeiro, I- Parte Geral, CIDP e Almedina, 2020, nota II-3 ao artigo 323º, pág. 909.
10. Ac. RP de 16.1.2017, proferido no processo nº1894/12.2TBGMR-A.P1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/68448afb2d07b09b802581c3003630cd?OpenDocument&Highlight=0,n%C2%BA1894%2F12.2TBGMR-A.P1.
11. Ac. RG de 22.11.2018, proferido no processo nº2504/13.6TJVNF-A.G1, disponível in http://www.dgsi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/7e519830ee2542ab8025837b003250e3?OpenDocument
12. Ac. RL de 03.03.2020, proferido no processo nº2747/08.4TBOER-C.L1-7, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/6dbbfce09e886532802585290042260c?OpenDocument e https://blogippc.blogspot.com/search?q=327%C2%BA
13. Ac. STJ de 24.01.2019, proferido no processo nº524/13.0TBTND-A.C1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/eab670f45441090d8025838c005826e2?OpenDocument&Highlight=0,n%C2%BA,524%2F13.0TBTND-A.C1
14. Ac. do STJ de 11.07.2019, proferido no processo nº1406/16.9T8ACB-A.C1.S1, disponível in http://www.gde.mj.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/96a0c39e7ea09d8080258435003073b7?OpenDocument
15. Ac. do STJ de 07.07.2016, proferido no processo nº 156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/B4FB89AA16AD296B80257FEA002D84F5
16. Ac. RL de 03.03.2020, proferido no processo nº2747/08.4TBOER-C.L1-7, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/6dbbfce09e886532802585290042260c?OpenDocument e in https://blogippc.blogspot.com/search?q=327%C2%BA
17. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 4ª edição, fevereiro de 2019, Almedina, nota 2 ao art.561º, pág.520.
18. Ac. RE de 15.02.2018, proferido no processo nº2048/16.4T8STR.E1, disponível in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/-/C24C48C3BFAD7BD08025824A0032E8CF
19. Ac. RL de 26.03.2019, proferido no processo nº3350/06.9TBAMD-A.L1-7, disponível in http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/f5f2544453d5302c802583d100478b12?OpenDocument
20. Ac. S TJ de 08.10.2020, proferido no processo nº4261/12.4TBBRG-A.G1.S1, disponível in http://www.homepagejuridica.net/pesquisador/jurisprudencia.htm