Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1695/20.4T8VRL.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: SEGURO RAMO VIDA
INVALIDEZ ABSOLUTA E DEFINITIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O segurado num contrato de seguro do ramo vida com a cobertura de invalidez absoluta e definitiva pretende acautelar a hipótese de ficar definitivamente impedido de exercer uma actividade remunerada e de perder definitivamente, por invalidez, a sua capacidade de ganho.
II - A “invalidez absoluta e definitiva” terá de ser entendida, à luz da interpretação feita por um declaratário normal, nos termos do artigo 236º do Código Civil, como correspondendo a uma situação em que, por doença ou acidente, o segurado fique impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária.
III - Deverá considerar-se como não verificada uma situação de invalidez absoluta e definitiva quando os Autores apenas lograram demonstrar que o Autor ficou incapaz, de forma permanente e absoluta, para exercer as funções de soldado da GNR, tendo ficado provado que está capaz de exercer atividades como rececionista, auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório em geral.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

AA e BB intentaram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra EMP01..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e Banco 1..., S.A., pedindo:

a) Se declare a ativação do seguro de vida complementar identificado nos autos, com efeitos a partir de 01/01/2016, condenando-se as Rés a reconhecê-lo, com a consequente declaração de nulidade da cláusula 3ª das condições gerais do contrato de seguro e de outras que lhe fossem dependentes;
b) Se condene a Ré EMP01... a pagar ao R. Banco 1..., o capital seguro em 01/01/2016, no valor de €57.033,74, coincidente com o capital então em dívida do empréstimo hipotecário identificado nos artigos 2º e 3º, da p.i.;
c) Se condene o Réu Banco 1..., a restituir aos Autores o valor correspondente às prestações mensais dos empréstimos (amortizações de capital, juros, spread e despesas, designadamente comissão de processamento e imposto de selo inerente) vencidas após ../../2016, inclusive, até à data de propositura da ação, no montante de €16.939,40 (ou no montante preciso que por essa entidade fosse indicado) e todas as demais que os Autores paguem doravante até trânsito em julgado da sentença;
d) Se condene a Ré EMP01... a restituir aos Autores a quantia relativa aos prémios dos seguros de vida após ../../2016, inclusive, que à data da propositura da ação se quantificavam no valor de €1.610,64 e todos os demais que os Autores paguem doravante, até trânsito em julgado da sentença;

Subsidiariamente, em caso de improcedência do pedido anterior,

a) Se declare a ativação do seguro de vida identificado nos autos, com efeitos a partir de 01/01/2016, condenando-se a Ré EMP01... a reconhecê-lo, com a consequente declaração de nulidade da cláusula 3ª das condições gerais do contrato de seguro e de outras que lhe fossem dependentes;
b) Se condene a Ré EMP01... a pagar ao Réu Banco 1... o valor em dívida do empréstimo identificado nos artigos 2º e 3º da p.i., à data do trânsito em julgado da sentença;
c) Se condene a Ré EMP01..., a pagar aos Autores o valor correspondente às prestações mensais dos empréstimos (amortizações de capital, juros, spread e despesas, designadamente comissão de processamento e imposto de selo inerente) vencidas após ../../2016, inclusive, até à data de propositura da ação, no montante de €16.939,40 (ou no montante preciso que o Réu Banco 1... indicasse) e todas as demais que os Autores pagassem doravante até trânsito em julgado da sentença.
d) Se condenasse a Ré EMP01..., a restituir aos Autores a quantia relativa aos prémios dos seguros de vida após ../../2016, inclusive, no valor atual de €1.610,64 e todos os demais que os Autores paguem doravante, até trânsito em julgado da sentença;
e) Se condene as Rés no pagamento de juros, à taxa legal, de todas as quantias em que as Rés sejam condenadas a pagar-lhes, desde as datas dos respetivos vencimentos.
Alegam para tanto e em síntese que em 2006, celebraram um contrato de seguro com a Ré, associado a um contrato de mútuo que celebraram com o Réu.
Por força desse contrato de seguro, a Ré obrigou-se a pagar ao Réu o valor do capital seguro, em caso de invalidez absoluta e definitiva de qualquer dos Autores.
A Ré nunca comunicou aos Autores, até ../../2017, as condições do contrato de seguro, nomeadamente, o constante do artigo 3º das condições gerais.
Entretanto, fruto de doença de que passou a padecer, a partir de 2016, o Autor passou a estar numa situação de invalidez absoluta e definitiva.
Tendo acionado o contrato de seguro, a Ré recusou o pagamento do montante do capital seguro em dívida ao Réu.
Os Autores continuaram, então, a pagar as prestações do referido mútuo ao Réu, assim como os prémios de seguro à Ré.
Regularmente citado o Réu Banco 1..., S.A., contestou aceitando ter celebrado com os Autores o contrato de mútuo e ter sido contratado um seguro de vida associado ao crédito à habitação, impugnando a demais factualidade invocada pelos Autores.
A Ré EMP01..., COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. contestou invocando a comunicação ao Autor da cláusula que define o que seja invalidez absoluta e definitiva, aquando da entrega da apólice, e ainda que o sinistro invocado não está coberto pelo contrato de seguro, porquanto, pese embora o Autor padeça de uma incapacidade, ela não o torna totalmente incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa.
Foi realizada a audiência prévia e proferido despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
Foi proferida sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:
“julgo a ação improcedente e, em consequência, absolvo os R.R. dos pedidos.
Custas a cargo dos A.A. (sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza o A.) - art. 527º, do C.P.C.
Registe - art. 153º, n º 4, do C.P.C.
Notifique - art. 220º, n º 1, do C.P.C.”.

Inconformados, apelaram os Autores da sentença concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“1-O I. Tribunal aquo julgou a presente ação improcedente, absolvendo as Rés dos pedidos.
2- Não podem concordar com esta decisão e por isso os AA. apresentam o presente recurso.
3- Entendem que face á prova produzida, se impõem uma alteração á matéria de facto, designadamente o ponto 3 dos factos dados por não provados, deveria ser julgado provado e reconhecer que O A. ficou incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa.
4- Em consequência dessa alteração, o ponto 15 dado por provado, deveria ser eliminado (face também á resposta da matéria de facto dada no ponto 14).
5-Essa alteração á matéria de facto resulta da prova pericial, das declarações do A. Recorrente, da prova testemunhal, dos esclarecimentos dos peritos e da prova documental existente nos autos.
6- Houve um erro de Julgamento ao dar como não provado o ponto 3, já que toda a prova devia ser atendível e não apenas uma parte do relatório pericial (o I. Tribunal apenas considerou a possibilidade do exercício de atividades remuneradas pelo A./recorrido).
7- Nos ditos relatórios constam as limitações e condicionalismos que o mesmo padece no exercício dessas mesmas atividades (não pode fazer esforços físicos, não pode ficar muito tempo na posição de sentado, depende do tipo de trabalho e do ritmo de trabalho, etc.), o que condiciona e limita o acesso às mesmas, bem como coloca em causa o seu bom exercício e o valor da remuneração dai retirada.
8- Para que o A/recorrente pudesse exercer uma atividade lucrativa, além das habilitações e qualificações necessárias para o efeito, este teria de aceder às mesmas de forma plena e tal não é o que resulta da prova pericial (que refere que tem de ser feita uma avaliação rigorosa e tem de ter em conta o tipo de trabalho, ritmo de trabalho e outros condicionalismos ou seja o Autor encontra-se limitado no acesso ao exercício de uma atividade porque depende sempre de aspetos que não controla.
9- O que coloca em causa o tipo e o quantum do rendimento retirada da mesma (que é o que caracteriza uma atividade lucrativa).
10º Não tendo o I. Tribunal efetuado a avaliação da perícia, nos termos exigidos pelos artigos 607º 5 do CPC e 388º e 389º do CC, violou esses preceitos legais.
11º Acresce ainda que o I. Tribunal aquo além de ter ignorado uma parte do relatório pericial (dos seus esclarecimentos), também descurou outros meios de prova, como as declarações de parte do A., as declarações das testemunhas CC e Dra DD e os esclarecimentos do Dr EE (perito).
12º Estes meios de prova coadunados com a prova pericial e documental também levariam a uma resposta positiva do facto nr 3 dado por não provado.
13º O A. afirmou que se sentia limitado na sua vida, não conseguindo estar mais de 1 a 2 h de pé ou sentado (sendo esta a posição em que se sente mais confortável mas de acordo com a perícia não pode estar muito tempo), o que é confirmado pelas declarações das testemunhas CC (que até declara que o A. ficou pior desde 2016, onde voltou a fazer radioterapia) e do Dr DD e do próprio perito, Dr EE.
14º Estas declarações acabam por ir de encontro aos esclarecimentos prestados pelo Gabinete de Reabilitação de ..., quando detalha a forma como o A/Recorrente poderá exercer as alegadas atividades lucrativas.
15º Estando também esses condicionalismos provados nos documentos existentes nos autos (como o Atestado medico Multiusos- refletido no ponto 9 dos factos provados) e nos comprovativos das suas declarações de IRS, que demonstram os seus rendimentos.
16º Mostrando-se também violados pelo I. Tribunal os artigos 341º, 362º, 388, 389º e 396º do CCivil.
Independentemente da procedência/improcedência do recurso sobre a matéria de facto:
17-Houve uma errada aplicação dos factos provados ao Direito.
18º Efetivamente o I. Tribunal excluiu (e bem) a cláusula 3ª das condições particulares por a mesma não ter sido comunicada, o que o levou a     fazer uma interpretação do conceito de “Invalidez Absoluta e Definitiva” constante das clausulas especiais do contrato celebrado ente as partes.
19º Face aos factos provados, uma invalidez absoluta e definitiva será, para um declaratário normal, um estado da pessoa que o deixa totalmente incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua atividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência.
20º Dos factos provados, afere-se o estado de grande limitação do A./recorrente, aliás, como é admitido pelo próprio Tribunal aquo.
21º O Autor, era profissional da GNR e devido á doença que o acometeu ficou incapacitado de exercer a sua atividade profissional aos 35 anos de idade e qualquer outra que exija esforços físicos, podendo apenas exercer atividades como rececionista (em alguns lugares), auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório, mas que não o obriguem a estar longos períodos na posição de sentado ( o que desde logo o limita no exercício dessas mesmas atividades).
22º Tem 50 anos de idade e nunca exerceu essas atividades ou similares, nem na GNR, onde não o colocaram a prestar serviço administrativo.
23º Com o devido respeito, os AA/recorrentes á data da contratação da apólice não iriam determinar que o conceito de invalidez absoluta e definitiva não compreendia apenas o seu trabalho habitual, mas todos os outros, desde que fosse possível a sua conversão profissional, independentemente da idade, das possíveis limitações físicas que tivessem para a sua execução e da sua remuneração (que é o que resulta da interpretação que o I. Tribunal efetuou).
24º Esta interpretação gera um desequilíbrio na relação contratual, em prejuízo dos AA./recorrentes.
25º Quando o A/recorrente subscreveu o seguro em causa, era soldado da GNR e com a expetativa de o ser por muito tempo, esperando progredir na carreira e ser promovido, recebendo um salário condizente com a sua atividade.
26º Devido á sua incapacidade foi reformado e aufere a esse titulo um valor aproximado de 405€ mensais (conforme declarações de rendimento juntas aos autos), o que é bem inferior ao salário que receberia se estivesse no exercício ativo dessas funções.
27º Essa diferença de rendimentos também não poderá ser compensada pelas atividades profissionais que possa alegadamente exercer, já que o A. seria sempre um trabalhador indiferenciado que se trabalhasse a tempo integral (o que é duvidoso face ás suas limitações), receberia o Salário Mínimo Nacional.
28º Com todo o respeito por opinião diversa, o propósito da contratação deste seguro pelos AA. foi de acautelar a sua capacidade de ganho, tendo em atenção as remunerações que auferiam
29ºº Exercer o A. /recorrente a atividade de rececionista ou de auxiliar de empregado de escritório não é compatível com as funções de GNR (ao contrario do mencionado pelo I. Tribunal), nem dessas atividades, o A/recorrente retiraria a mesma capacidade remuneratória, ficando aquém.
30º A sua incapacidade ocorreu numa situação de risco enquadrável na apólice contratada, devendo o conceito de invalidez definido nas condições particulares ser considerado preenchido.
31º Ao assim não ter decidido o I. Tribunal violou o artigo 236º 1 do CC e os artigos 9º nr1 e 10 do RJCCG”.
Pugnam os Recorrentes pela procedência do recurso e pela revogação da sentença recorrida, devendo ser julgada procedente a ação e condenadas as Rés no pedido.
Apenas a Ré EMP01..., Companhia de Seguros, S.A contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos Recorrentes, são as seguintes:

1 - Saber se houve erro no julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 15) dos factos provados e ao ponto 3) da matéria de facto julgada não provada;
2 - Saber se houve erro na subsunção jurídica dos factos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
Factos considerados provados em Primeira Instância:
1 - O A. nasceu em ../../1973.
2 - Por contrato de mútuo com hipoteca, outorgado no dia 30-04-2001, no cartório notarial ..., a A. declarou ser dona de um prédio rústico inscrito na matriz da freguesia ... sob o art. ...54, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n º ...70 e que, para construção de um fogo nesse prédio, ela e o A. solicitaram ao Banco 1..., S.A., um empréstimo no montante de € 91.030,62, de que se confessaram solidariamente devedores, que nessa data lhes era concedido pelo prazo de 30 anos;
Que, em caução e garantia do referido empréstimo, dos juros, sobretaxa e cláusula penal e das despesas, a A., com o consentimento do A., constituía, a favor do Banco 1..., hipoteca sobre o referido prédio;
Declarando o Banco 1..., S.A., nomeadamente, aceitar a confissão de dívida e hipoteca.
3 - Entre os A.A. e a R. foi celebrado um contrato de seguro, titulado pela apólice n º ...71, com o capital seguro de € 85.400,00, com inicio a 02/02/2006 e termo a 01/02/2031, tendo como pessoas seguras os A.A. e como seguro principal: “temporário” e como seguro complementar: “invalidez absoluta e definitiva”, tendo como beneficiário o Banco 1..., S.A.
4 - Na condição especial consta que: “A Companhia garante o pagamento do Capital Seguro à primeira morte que ocorrer no conjunto das Pessoas Seguras antes da data termo do contrato. Complementarmente, a Companhia garante o pagamento do Capital Seguro à primeira invalidez que ocorrer no conjunto das Pessoas Seguros antes da data termo do contrato e no máximo até aos 65 anos de idade de Pessoa Segura”.
5 - No art. 3º, das condições gerais do seguro complementar de invalidez, consta o seguinte: “A Pessoa Segura será considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando se encontrar totalmente incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa e necessite de recurso à assistência de uma terceira pessoa para os atos ordinários da vida humana”.
6 - No final da 1ª página da proposta de adesão, imediatamente acima do local onde foram apostas as assinaturas, consta o seguinte: “O(s) abaixo assinados(s) confirma(m) que as declarações prestadas são exatas e que tomou(aram) conhecimento das Condições do contrato”.
7 - Aquando da celebração do contrato de seguro, o A. era soldado da GNR.
8 - Em 11 de março de 2008, foi reformado pela Caixa Geral Aposentações, por incapacidade resultante de doença de foro oncológico.
9 - Em atestado médico de incapacidade multiuso, datado de 08-06-2017, foi atestado que, o A. era portador de deficiência que, desde 2016, lhe conferia uma incapacidade permanente global de 70%.
10 - Após ter sido notificado do referido atestado médico, depois de meados de junho de 2017, o A. deu dele conhecimento à R., solicitando-lhe que liquidasse ao R. o capital segurado em dívida.
11 - A R. informou o A. de que, a sua situação clínica não se enquadrava nas garantias da apólice, nomeadamente, na garantia de invalidez total e permanente.
12 - O A. padece de uma IPP de 20%, pelo cap. III, n º 2.12.3.1, de uma IPP de 5%, pelo cap. I, n º 1.1.1c, de uma IPP de 5 pontos, cap. VIII, alínea Rb0501 e de uma IPP de 15 pontos, anexo II, do DL 352/2007, de 23-10, sobre a rúbrica 9, código Nb 0902.
13 - O A. está incapaz, de forma permanente e absoluta, para exercer as funções de soldado da GNR.
14 - O A. está incapaz de exercer uma atividade que exija esforços físicos ou que o obriguem a longos períodos na posição de sentado.
15 - O A. está capaz de exercer atividades que não exijam esforços físicos e que não o obriguem a longos períodos na posição de sentado, como sejam, rececionista, auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório em geral.
16 - Em 1 de Janeiro de 2016, o capital que os A.A. deviam ao R., do empréstimo bancário referido em 1, ascendia a € 57.033,74, e, desde então, até à prestação vencida em 30-01-2016, os A.A. pagaram ao R., a quantia de € 18.111,99.
17 - Desde ../../2016, os A.A. têm vindo a pagar à R., prémios do seguro, no valor de € 1.610,64.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

1 - A cláusula 3ª das condições especiais do contrato de seguro complementar de invalidez foi comunicada ao A. aquando da entrega da apólice.
2 - Aquando da contratualização do seguro, a R. disse ao A. e, foi por ele compreendido que, em caso de invalidez, a R. pagaria o capital seguro.
3 - O A. ficou incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa.
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3.2. Da modificabilidade da decisão de facto

Decorre do n.º 1 do artigo 662º do CPC que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
E a impugnação da decisão sobre a matéria de facto é expressamente admitida pelo artigo 640º, n.º 1 do CPC, segundo o qual o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios de prova, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões de facto.
Sustentam os Recorrentes que houve erro no julgamento da matéria de facto quanto ao ponto 15) dos factos provados, o qual tem a seguinte redação:
“15 - O A. está capaz de exercer atividades que não exijam esforços físicos e que não o obriguem a longos períodos na posição de sentado, como sejam, rececionista, auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório em geral.
E quanto ao ponto 3) dos factos não provados:
“3 - O A. ficou incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa”.
Está em causa, no essencial, a matéria de facto respeitante à situação do Autor, isto é, se pode exercer alguma atividade lucrativa ou se, conforme o mesmo sustenta, se encontra incapaz de o fazer.
 Pelo Tribunal a quo foi considerado não provado que o Autor se encontre incapaz de exercer qualquer atividade lucrativa, baseando-se essencialmente na prova pericial, constando da motivação da sentença recorrida o seguinte:
“(…)
Relativamente ao constante de 15, importa referir não termos conhecimentos técnicos que nos permita pôr em causa o que a perícia concluiu a este respeito, já que a mesma teve em consideração as limitações do A. em não poder fazer esforços físicos e não poder passar longos períodos na posição de sentado.
O constante de 16 e 17, foi confessado por cada um dos R.R. a que dizem respeito.
Os factos não provados, assim se consideraram por deles não se ter produzido prova que nos permitisse formar convicção segura da sua veracidade.
O ónus da prova do contante de 1, impendia sobre a R. - art. 5º, n º 3, do DL n º 446/85, de 25-10 e, não logrou a mesma produzir prova que nos convencesse da sua veracidade.
Não se produziu também prova bastante da matéria de 2 e, quanto ao constante de 3, a prova pericial produzida pôs claramente em causa a veracidade de tal matéria”.
Em sentido contrário, entendem os Recorrentes que os meios de prova constantes dos autos impõem que a matéria do referido ponto 3) tenha resposta afirmativa e, consequentemente, que o ponto 15) dado por provado seja suprimido; invocam para esse efeito as declarações prestadas pelo Recorrente, bem como as declarações prestadas pelas testemunhas CC, que foi sua namorada, e FF, médico, Presidente da Junta médica que atribuiu ao Autor a incapacidade constante do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (v. fls. 21 vº) e os esclarecimentos prestados em audiência pelo Senhor Perito EE, que deviam ter sido considerados pelo Tribunal a quo, e não apenas a prova pericial.
Vejamos então.
Conforme decorre de forma expressa das conclusões constantes do relatório pericial, é inquestionável que o Autor padece de incapacidade, conforme relatórios de psiquiatria, neurologia e urologia: uma IPP de 20%, pelo cap. III, n º 2.12.3.1, uma IPP de 5%, pelo cap. I, n º 1.1.1c, uma IPP de 5 pontos, cap. VIII, alínea Rb0501 e uma IPP de 15 pontos, anexo II, do DL 352/2007, de 23-10, sobre a rúbrica 9, código Nb 0902.
A questão que se colocava, e coloca, é se essa incapacidade o torna incapaz de exercer qualquer atividade lucrativa; e, quanto a esta questão, o relatório da perícia responde de forma negativa, tendo por base os demais exames de especialidade e parecer solicitados.
Assim, no relatório de neurocirurgia (fls. 102 vº) consta que, não obstante a IPP de 20% (pelo cap. III, n º 2.12.3.1) e de 5% (pelo cap. I, n º 1.1.1c), “o autor não está incapaz para o exercício de toda e qualquer profissão, podendo realizar atividades profissionais que não exijam esforços físicos ou que não obriguem a longos períodos na posição de sentado”; quanto ao relatório de psiquiatria consta que o Autor sofre de Perturbação Persistente do Humor, que cursa cronicamente com ansiedade e tristeza, sendo a queixa fundamental a tristeza, apresentando uma Incapacidade Permanente Global fixável 1m 15 pontos. De salientar que aí se refere que apesar desse quadro o Autor “optou apenas esporadicamente por à consulta de psiquiatria, não estando nesta data prescrito com qualquer anti-depressivo”.
O Senhor Perito, Dr. GG, em face dos pareceres das referidas especialidades, dos quais se deduzia não estar o Autor incapaz para toda e qualquer profissão, solicitou ainda ao Centro de Reabilitação ... a emissão de parecer sobre as atividades profissionais compatíveis com o estado clinico do Autor.
Neste parecer considera-se que o Autor se encontra com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, mas que o seu atual perfil funcional será compatível com a ocupação de um posto de trabalho cujo conteúdo funcional não tenha grande exigência física, como seja na área administrativa, empregado de receção ou similar. Mais consta do parecer que o Autor refere elevado interesse no exercício de uma atividade profissional, tendo já experimentado realizar atividades que considerou compatíveis com o seu perfil de funcionalidade, afirmando, no entanto, que as alterações de memória e as alterações físico-funcionais o impediram; e ainda que o Autor beneficiaria do desenvolvimento de um plano de reintegração profissional que o apoiasse designadamente na identificação de oportunidades de trabalho e mediação na apresentação a ofertas de trabalho existentes no mercado de trabalho, bem como de acompanhamento no retorno ao trabalho até respetiva consolidação, sendo nesse apoio que se verifica se um concreto posto de trabalho é compatível com o perfil do Autor, conforme esclareceu (fls. 162 vº) pois as atividades já referidas apresentam forte variabilidade nas tarefas a atribuir, consoante o posto e a entidade empregadora, concluindo novamente em sede de esclarecimentos (fls. 165 vº) que o Autor pode exercer atividades na área administrativa, empregado de receção ou similar.
Com base nesta prova, e em total correspondência com a mesma, pelo Tribunal a quo foi julgado provado que:
“12 - O A. padece de uma IPP de 20%, pelo cap. III, n º 2.12.3.1, de uma IPP de 5%, pelo cap. I, n º 1.1.1c, de uma IPP de 5 pontos, cap. VIII, alínea Rb0501 e de uma IPP de 15 pontos, anexo II, do DL 352/2007, de 23-10, sobre a rúbrica 9, código Nb 0902.
13 - O A. está incapaz, de forma permanente e absoluta, para exercer as funções de soldado da GNR.
14 - O A. está incapaz de exercer uma atividade que exija esforços físicos ou que o obriguem a longos períodos na posição de sentado.
15 - O A. está capaz de exercer atividades que não exijam esforços físicos e que não o obriguem a longos períodos na posição de sentado, como sejam, rececionista, auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório em geral”.
E foi dado como não provado que o Autor ficou incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa.
Os esclarecimentos prestados em audiência pelo Senhor Perito Dr. EE em nada contrariam ou alteram o que consta dos referidos relatórios; e do teor das declarações por prestadas pelo Autor, e pelas referidas testemunhas CC e FF, também nada se retira que infirme o constante dos relatórios periciais.
A testemunha CC confirmou que o Autor era GNR e que depois se reformou, esclarecendo que em 1016 terá ficado pior; referiu de qualquer forma que o Autor de vez em quando vendia uns carros.
A testemunha HH, que o avaliou em 2017, aquando da junta médica, se confirmou a incapacidade do Autor, o que obviamente o limita, designadamente não podendo fazer trabalhos físicos pesados e nem podendo estar muito tempo de pé, conforme transcreve o Recorrente, a verdade é que esclareceu de forma expressa que o mesmo pode exercer atividades, que “não vê nada impeditivo para ele trabalhar” ainda que não possa exercer a profissão de GNR; as suas declarações também em nada alteram ou contrariam o que consta da prova pericial, ou apontam no sentido da pretensão dos Recorrentes.
Assim, ouvidas as declarações prestadas pelas testemunhas e pelo Autor, bem como os documentos juntos aos autos e os relatórios periciais, conjugados com os esclarecimentos prestados, nada permite concluir que a prova produzida aponte em sentido diverso da decisão que foi proferida em 1ª Instância.
Pelo contrário, a nossa convicção sobre os pontos de facto impugnados coincide com a da 1ª Instância, inexistindo fundamento para que seja alterada a matéria de facto no sentido pretendido pelo Recorrente, devendo manter-se o ponto 15) dos factos provados e o ponto 3) dos factos não provados.

Pelo exposto, por nenhuma censura merecer a decisão a esse respeito proferida, conforme com a prova constante dos autos, mantêm-se inalterada a matéria de facto fixada pela 1ª Instância.
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3.3. Reapreciação da decisão de mérito da ação

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado pelo Tribunal a quo, importa agora apreciar se deverá manter-se a decisão jurídica da causa que, julgando totalmente improcedente a ação, absolveu os Réus do pedido.
Vejamos.
Não vem questionado no presente recurso que a validade do contrato de seguro celebrado entre os Autores e a Ré EMP01..., Companhia de Seguros SA, titulado pela apólice n.º ...71, tendo como pessoas seguras os Autores, como seguro principal “temporário” e como seguro complementar “invalidez absoluta e definitiva”, e tendo como beneficiário o Banco 1..., S.A..
Na condição especial consta que “[A] Companhia garante o pagamento do Capital Seguro à primeira morte que ocorrer no conjunto das Pessoas Seguras antes da data termo do contrato. Complementarmente, a Companhia garante o pagamento do Capital Seguro à primeira invalidez que ocorrer no conjunto das Pessoas Seguros antes da data termo do contrato e no máximo até aos 65 anos de idade de Pessoa Segura”.
E no artigo 3º, das condições gerais do seguro complementar de invalidez, consta que “[A] Pessoa Segura será considerada no estado de Invalidez Absoluta e Definitiva quando se encontrar totalmente incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa e necessite de recurso à assistência de uma terceira pessoa para os atos ordinários da vida humana”.
Em causa, nos presentes autos, está apenas a questão de saber se o Autor se encontrar ou não numa situação de invalidez absoluta e definitiva, conforme cobertura prevista no seguro celebrado com a Ré.
Importa referir que para a decisão a proferir nos presentes autos, não releva o segmento constante do referido artigo 3º que exigia a necessidade de “recurso à assistência de uma terceira pessoa para os atos ordinários da vida humana” pois a própria Ré, na sua contestação, afastou de motu proprio (cfr. artigos 11 e 12) a exigência da sua verificação, por considerar que a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a considerá-lo inválido e inexigível (também nós perfilhamos tal entendimento; v. acórdão de 30/01/2020 relatado no processo n.º 2615/18.1T8VRL.G1, confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/03/2021, ambos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt).
Por outro lado, também não vem questionado no presente recurso que o referido artigo 3º das condições gerais do seguro complementar de invalidez se deve ter por excluído do contrato de seguro nos termos do artigo 8º, alínea a) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25/10, por violação do dever de comunicação, tal como decidido na sentença recorrida.
Mantendo-se a validade do contrato de seguro, conforme já referimos, e da cobertura de invalidez absoluta e definitiva (o que foi excluído do contrato de seguro foi a definição prevista para essa invalidez) o que importa determinar é, numa primeira fase, o que deve entender-se como “invalidez absoluta e definitiva” e, posteriormente, se o Autor se pode considerar nessa situação.
Vejamos então qual a interpretação do conceito de “invalidez absoluta e definitiva”, a que deverá proceder-se à luz do disposto no artigo 236º do Código Civil.
Quanto à interpretação da declaração negocial estabelece o referido artigo 236º do Código Civil que “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
Segundo Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Volume I, p. 223) a regra estabelecida no n.º 1 é a de que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante, excetuando-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido, ou o de o declaratário conhecer a vontade real do declarante.
Consagrou-se uma “doutrina objetivista da interpretação, em que o objetivismo é temperado por uma salutar restrição de inspiração subjetivista” tendo em vista a proteção das legitimas expetativas do declaratário e a não perturbação da segurança do tráfico, conferindo-se à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efetivamente atribuir, sendo que a normalidade que a lei toma como padrão, “exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.
O sentido decisivo da declaração negocial é o que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, por alguém medianamente instruído e diligente, capaz de se esclarecer acerca das circunstâncias em que as declarações foram produzidas.
Acresce ainda, relativamente aos negócios jurídicos formais, o limite de a declaração não poder valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. artigo 238º, nº 1, do Código Civil); ou seja, o sentido hipotético da declaração que prevalece no quadro objetivo da respetiva interpretação tem que ter um mínimo de literalidade no texto do documento que a envolve.
No caso dos autos, estamos perante uma declaração negocial inserida em documento escrito, pelo que o critério interpretativo segundo a impressão de um declaratário normal colocado na posição do real da recorrente está dessa forma limitado pelo referido mínimo de literalidade constante do texto do documento. 
Qual então o sentido de invalidez absoluta e definitiva para um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição dos Autores ao celebrarem o contrato de seguro com tal cobertura complementar?
Entendemos que, para um declaratário normal, a interpretação de invalidez absoluta e definitiva que está na base da celebração do contrato de seguro, é que em função de doença ou acidente o segurado fique impossibilitado de trabalhar e consequentemente impossibilitado de auferir rendimentos que lhe permitam, desde logo, fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária.
Como se esclarece no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2020 (Processo n.º 4093/18.6T8VCT.G1.S1, Relator Acácio das Neves, também disponível em www.dgsi.pt) “[E]stando o contrato de seguro em causa associado a um crédito à habitação e destinando-se o mesmo a garantir (complementarmente) a invalidez absoluta e definitiva do segurado, esta, à luz da interpretação feira por um declaratário normal, nos termos do artigo 236º do C. Civil, terá que ser entendida como correspondendo a uma situação em que, por doença ou acidente, o segurado fique impossibilitado de trabalhar e auferir rendimentos que lhe permitam obter meios de subsistência e de fazer face à obrigação que assumiu perante a entidade bancária”; neste acórdão citam-se ainda vários outros no mesmo sentido, entre os quais de 17/12/2019 (processo n.º 2978/15.0T8FAR.E1.S1), de 10/12/2019 (processo n.º 634/13.3TVPRT.P1.S1), de 17/10/2019 (processo n.º 2978/15.0T8FAR.E1), onde também se considera que a “previsão de invalidez absoluta e definitiva, constante de uma apólice de seguro, é suscetível de ser entendida por um declaratário normal como uma situação em que a pessoa afetada se encontra num estado que a deixa totalmente (completamente, sem restrição) incapaz, para o resto da vida, de exercer a sua atividade, designadamente laboral, em termos de obtenção de meios de subsistência”.
É certo que na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a apreciação dos requisitos do acionamento de contratos de seguro em situações de invalidez não é uniforme, designadamente quanto à definição do que deve entender-se por invalidez absoluta e definitiva (vejam-se a este propósito as três teses elencadas na sentença recorrida), mas julgamos ser esta a posição maioritária.
De todo o modo, não é despiciendo referir aqui, que na base das decisões proferidas encontramos muitas vezes diferenças nas próprias coberturas que são invocadas: umas vezes está em causa uma situação de incapacidade absoluta e definitiva, e noutras a situação de invalidez total e permanente; a definição de uma e outra não é necessariamente coincidente pois que estamos perante coberturas distintas, que tem subjacentes também realidades diferentes, as duas previstas nos contratos de seguro de vida, e por vezes ambas subscritas pelo segurado no mesmo contrato, dirigindo-se aquela, segundo entendemos, a uma situação mais grave.
No caso dos autos, ainda que a cobertura contratada seja a de invalidez absoluta e definitiva constatamos que o seguro complementar de invalidez previa também a situação de invalidez total e permanente (artigo 1º n.º 1) e a de invalidez absoluta e definitiva (artigo 1º n.º 2), sendo distintas as previsões de uma e outra; enquanto a invalidez total e permanente previa que a pessoa se encontrasse “definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade lucrativa correspondente aos seus conhecimentos e capacidade”, na invalidez absoluta e definitiva a pessoa terá de encontrar-se “totalmente incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa.”
É certo que o artigo 3º, como já vimos, se considera excluído do contrato de seguro, porém, mantem-se no mesmo, no seguro complementar de invalidez, as referidas coberturas de invalidez total e permanente e de invalidez absoluta e definitiva.
No caso concreto está em causa uma cobertura complementar referente a invalidez absoluta e definitiva, pois foi esta que foi contratada pelos Autores, a qual exige uma situação de maior gravidade do que previsto para a cobertura de invalidez total e permanente, reportando-se esta a uma situação de incapacidade definitiva para a profissão ou qualquer atividade lucrativa correspondente aos seus conhecimentos e capacidades.
Reiteramos, por isso, que para um declaratário normal, colocado na posição dos Autores, a interpretação de invalidez absoluta e definitiva terá de significar a situação em que, por motivo de doença ou acidente, ficassem impossibilitados de trabalhar e consequentemente impossibilitados de auferir rendimentos que lhe permitissem, desde logo, fazer face à obrigação que assumiram perante a entidade bancária.
Não vemos que uma tal interpretação seja suscetível de gerar desequilíbrio contratual entre as partes, em desfavor dos Autores, pois o que o aderente do contrato deste seguro pretende efetivamente acautelar é uma situação de eventual impossibilidade, por doença ou acidente, de obter rendimentos de trabalho que lhe permitam fazer face, desde logo, à obrigação que assumiram perante a entidade bancária; note-se que o beneficiário do contrato de seguro é o Banco 1..., S.A, com quem os Autores celebraram o contrato de mútuo.
No caso concreto, a matéria de facto apurada demonstra que:
- Aquando da celebração do contrato de seguro, o Autor era soldado da GNR;
- Em 11 de março de 2008, foi reformado pela Caixa Geral Aposentações, por incapacidade resultante de doença de foro oncológico;
- O Autor padece de uma IPP de 20%, pelo cap. III, n º 2.12.3.1, de uma IPP de 5%, pelo cap. I, n º 1.1.1c, de uma IPP de 5 pontos, cap. VIII, alínea Rb0501 e de uma IPP de 15 pontos, anexo II, do DL 352/2007, de 23-10, sobre a rúbrica 9, código Nb 0902;
- O Autor está incapaz, de forma permanente e absoluta, para exercer as funções de soldado da GNR;
- O Autor está incapaz de exercer uma atividade que exija esforços físicos ou que o obriguem a longos períodos na posição de sentado;
- O Autor está capaz de exercer atividades que não exijam esforços físicos e que não o obriguem a longos períodos na posição de sentado, como sejam, rececionista, auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório em geral.
Não tendo os Autores logrado demonstrar que o Autor ficou incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa (pelo contrário, resulta demonstrado que está capaz de exercer atividades que não exijam esforços físicos e que não o obriguem a longos períodos na posição de sentado, como sejam, rececionista, auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório em geral)  não pode concluir-se encontrar-se o Autor numa situação de invalidez definitiva e absoluta; sendo certo que, como refere o Tribunal a quo,  não resulta dos autos que o Autor não tenha possibilidades ou tenha sequer grandes dificuldades em fazer tal conversão profissional, pelo contrário resulta que poderá beneficiar do desenvolvimento de um plano de reintegração profissional que o apoiasse designadamente na identificação de oportunidades de trabalho e mediação na apresentação a ofertas de trabalho existentes no mercado de trabalho, bem como de acompanhamento no retorno ao trabalho até respetiva consolidação.
A situação em que o segurado não pode continuar a desempenhar a sua atividade profissional habitual, mas está capaz de exercer atividades como sejam rececionista, auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório em geral, não é compatível com uma situação de incapacidade absoluta e definitiva.
Por fim importa referir, que sendo a situação de invalidez absoluta e definitiva o facto constitutivo do direito, cabia aos Autores/segurados o ónus de demonstrar que a atual e subsistente capacidade de trabalho do Autor não lhe permite a angariação de qualquer remuneração, ou pelo menos que apenas lhe permite auferir uma remuneração que o coloca da mesma forma numa situação equiparável por não poder fazer face, de igual forma, à obrigação assumida perante a entidade bancária.
Assim, não tendo os Recorrentes logrado demonstrar que o Autor ficou incapaz para o exercício de qualquer atividade lucrativa, antes pelo contrário, resultando demonstrado que está capaz de exercer atividades como sejam, rececionista, auxiliar de apoio administrativo e empregado de escritório em geral, e não se mostrando violadas as normas invocadas pelos Recorrentes, não merece censura a sentença proferida pelo Tribunal a quo, improcedendo integralmente a presente apelação e sendo de confirmar a decisão recorrida.
As custas, atento o seu decaimento, são da integral responsabilidade dos Recorrentes (artigo 527º n.º 1 e 2 do CPC), sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário.
***
IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos Recorrentes, sem prejuízo do beneficio do apoio judiciário.
Guimarães, 22 de fevereiro de 2024
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
António Figueiredo de Almeida (1º Adjunto)
Carla Sousa Oliveira (2ª Adjunta)