Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6258/22.7T8GMR.G1
Relator: MARIA LEONOR BARROSO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
AGRAVAMENTO DE RESPONSABILIDADE - 18º LAT
INOBSERVÂNCIA DE REGRAS SOBRE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO POR PARTE DA EMPREGADORA
INSUFICIÊNCIA DE FACTOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/20/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- Para que em acidente de trabalho a entidade empregadora responda a título principal e de forma agravada têm de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observar determinadas regras de segurança e saúde no trabalho (ii) que o empregador ou representante as não haja observado sendo-lhe imputável tal omissão; (iii) que haja nexo de causalidade adequada entre a inobservância das regras de segurança e saúde no trabalho e o evento acidente (art. 18º/1/2ª parte, NLAT).
II- Cabe a quem a invoca fazer a prova de que o empregador não observou regras pré-existentes sobre segurança e saúde no trabalho e que esta inobservância foi causa adequada do acidente.
III- No caso tendo a máquina certificação CE e não sendo suposto que a sinistrada entrasse em contacto com os rolos da máquina, não constando do acervo dos factos provados porque motivo foi mexer numa peça de plástico que ali se encontrava por razão também não apurada, é de concluir que não foi feita prova de que o acidente ocorreu por inobservância de regras de segurança causadoras do sinistro.
Decisão Texto Integral:
Acordam na secção social do tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

fase conciliatória:
A “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” participou o acidente de trabalho de que foi vítima AA, quando trabalhava, sob as ordens, direcção, organização e fiscalização da sua entidade empregadora, “EMP02..., Lda.”.
Realizou-se tentativa de conciliação onde estiveram presentes a sinistrada, a entidade empregadora e a seguradora. Foi formulada proposta de acordo com base na responsabilidade pelo risco da actividade, não tendo as partes chegado a acordo, porque a seguradora entende que o acidente resultou da violação das regras de segurança e saúde no trabalho e culpa da empregadora, por inexistência de protecção no equipamento, além de não aceitar o resultado do exame médico-legal. Por sua vez, a entidade empregadora não aceitou que o acidente se tenha ficado a dever a violação de qualquer regra de segurança. No mais houve acordo sobre a verificação de acidente de trabalho e montante de retribuição transferido.
FASE CONTENCIOSA:
PETIÇÃO INCIAL
A sinistrada requereu a abertura da fase contenciosa do processo contra a seguradora “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” e “EMP02..., Lda.”, formulando o seguinte pedido:
deve a presente acção ser julgada procedente, por provada e, consequentemente serem as Rés condenadas a pagar à Autora, conforme responsabilidade que vier a ser apurada ou na medida das suas responsabilidades:
- A pensão anual e vitalícia de 1.426,81€ (mil quatrocentos e vinte e seis euros e oitenta e um cêntimos), devida desde o dia 11.11.2023, dia seguinte ao da alta, obrigatoriamente remível, se for o caso;
- A quantia de 104,20€ (cento e quatro euros e vinte cêntimos), a título de diferenças na indeminização por IT’s;
- A quantia de 20,00€ (vinte euros) a título de despesas de deslocação para comparência obrigatória ao GML e ao Tribunal;
- Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias reclamadas, calculados à taxa de 4%”.

Alegou que sofreu um acidente de trabalho em 11-07-2022, quando trabalhava por conta da sua entidade empregadora, mediante a retribuição de € 730x14 vezes, acrescida de € 58,74 x 11, de subsídio de alimentação e de € 457,77 de outras retribuições, no total anual de € 11.323,91. O acidente ocorreu quando, no seu local de trabalho, laborava na máquina de cortar cartão canelado e, ao reposicionar um cartão, ficou com a mãe esquerda presa na mesma. Como consequência do acidente sofreu as lesões descritas nos autos, que lhe determinaram um período de ITA de 12.07.2022 a 17.10.2022 e de ITP de 40 % de 18.10.2022 a 10.11.2022, data em que lhe foi atribuída alta e fixada IPP de 18%. A entidade empregadora tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho transferida para Ré Seguradora. Recebeu, a título de IT`s, a quantia de € 2.232,56 e despendeu a quantia de € 20 em transportes, nas suas deslocações para comparência obrigatória ao GML e a este Tribunal, para a realização de exame médico e tentativa de conciliação.
CONTESTAÇÃO
Ambas as Rés contestaram.
A Ré Seguradora, aceitando a transferência da remuneração da sinistrada através de contrato de seguro, alegou que o acidente resultou directamente da violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte da Ré empregadora, designadamente devido à inexistência de protecção dos rolos (elementos móveis) da máquina em que a sinistrada laborava, não existindo qualquer sensor que interrompesse o movimento dos rolos, aquando da aproximação das mãos.
A Ré Empregadora negou qualquer responsabilidade na verificação do acidente. Refere que a máquina cumpre a directiva 2006/42/EC, que deu instruções e formação à Autora para nunca reposicionar cartões quando a máquina está em pleno funcionamento de corte, fazendo a sucção do cartão para efectuar o corte, não sendo constituída por qualquer elemento de plástico na zona do carregamento e no seu manuseamento não é utilizado qualquer elemento de plástico. Por ter assegurado a todos os seus trabalhadores as condições de segurança em todos os aspectos relacionados com a actividade desenvolvida, nomeadamente máquinas com certificação CE, formação para manuseamento de máquinas, fornecimento de equipamento de protecção individual apropriado e em bom estado de funcionamento, não teve qualquer responsabilidade pela produção do acidente, pelo que, a haver incumprimento das regras de segurança, as mesmas ficaram a dever-se a culpa exclusiva da Autora, à sua revelia.
RESPOSTAS
A Autora respondeu que manuseou a máquina de cartão canelado e procedeu ao respectivo corte de acordo com a formação e as exactas indicações e instruções que lhe foram dadas pela segunda Ré, quando iniciou o contacto com este equipamento.
A ré empregadora respondeu a alegação da co-ré seguradora sobre culpa referindo que deu formação à A. em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, que a alertaram para os riscos a que estava sujeita no exercício das suas funções, nomeadamente quanto ao manuseamento desta máquina em particular. Essa formação e instruções foram dadas quer por empresa certificada na área da segurança e saúde do trabalho, quer pelo formador pertencente aos quadros da empresa, BB. O acidente não se ficou a dever ao facto de a máquina não ter proteções mecânicas/físicas porquanto essas proteções impedem a utilização normal da máquina. O equipamento, nunca anteriormente ao início do trabalho da A., dispunha dessas proteções (barras ou sensores).
Foi proferido despacho saneador.
Desdobrado o processo e realizado exame médico por junta médica, por decisão proferida no apenso foi determinado que a sinistrada:
» esteve afectada dos seguintes períodos de incapacidade temporária:
- incapacidade temporária absoluta de 98 dias, entre 12.07.2022 e 17.10.2022;
- incapacidade temporária parcial de 40 % entre 18.10.2022 e 10.11.2022;
»  está clinicamente curada,  sendo  portadora  de  sequelas  que  determinam  uma incapacidade  permanente  parcial  em 16,50 %  (0,11 x 1,5),  desde  o  dia  seguinte  ao  da consolidação das lesões, ocorrida em 10.11.2022.”

Procedeu-se a julgamento e proferiu-se sentença, objecto de recurso abaixo transcrita (dispositivo)
Face ao exposto, julga-se a presente acção procedente, considerando que a Autora AA sofreu um acidente de trabalho no dia 11 de Julho de 2022, quando se encontrava sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré “EMP02..., Lda.”, acidente este que ocorreu devido à violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte desta empregadora, e consequentemente;
A. condena-se a Ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” a pagar à Autora:
» a pensão anual de € 1.307,91, com início em 11.11.2022, a que corresponde o capital de remição de € 16.955,75 (€ 1.307,91 x 12,964), a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde o dia a seguir à alta até efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 50.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4/09 e 805.º, n.º 2, a), 806.º e 559.º do Código Civil);
» a quantia de € 101,19, relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
» a quantia de € 20, a titulo de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora desde a data da realização da diligência de não conciliação até integral pagamento.
B. Condena-se a Ré “EMP02..., Lda.” a pagar à Autora:
» a pensão anual de € 560,54 com início em 11.11.2022, a que corresponde o capital de remição de € 7.266,84 (€ 560,54 x 12,964), a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde o dia a seguir à alta até efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 50.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4/09 e 805.º, n.º 2, a), 806.º e 559.º do Código Civil);
» a quantia de € 1.001,47 relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento.
» Custas da acção a suportar pelos responsáveis, na proporção da responsabilidade. (Cfr. Artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil)
Valor da acção alterado nos termos do artigo 120.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho: € 25.345,25 (cfr. artigos 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º do Código de Processo Civil e artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho).”
                                                           *
RECURSO – FOI INTERPOSTO PELA RÉ EMPREGADORA
1. ...erro de julgamento da matéria de facto e de direito, porquanto para além de matéria de facto controvertida ter sido julgada erradamente como provada, a prova produzida impunha que fosse dado como provados factos que constam como não provados,...
2. Nenhum elemento probatório carreado para os autos poderá conduzir à prova dos factos contidos no ponto T) da matéria de facto provada pois, para além de se desconhecer, em concreto, como é a configuração específica da máquina de cartão canelado e todos os seus componentes porquanto as testemunhas (manobradores) não possuem as habilitações técnicas necessárias, designadamente em áreas como mecânica, elétrica, pneumática, hidráulica, nem tão pouco estão familiarizados com a documentação técnica da máquina, como diagramas, manuais e especificações, e não obstante a visualização do modo do funcionamento da máquina através da junção de vídeo pela EE, – o que poderia ser apurado com recurso a prova pericial, que nunca foi requerida ou determinada –, o certo é que não resulta dos depoimentos prestados que os rolos estivessem totalmente desprotegidos ou ao alcance direto de quem quer que por ali passasse ou entrasse em contacto com os mesmos.
3. Pelo contrário, o que resulta do teor dos depoimentos, no entendimento da recorrente, é que os rolos (fixos) só se encontram acessíveis caso seja introduzida, voluntariamente, a mão (vai de encontro aos rolos) no local onde passa ou entra o cartão, estribado, também, nos fatos provados nos pontos G) a O). Para além do mais, o acidente não ficou a dever-se ao fato de a sinistrada ao introduzir cartão, por qualquer motivo, tenha escorregado ou o cartão tenha partido ou entortado de tal forma que a mão esquerda da sinistrada foi em direção aos rolos. Pelo contrário, a sinistrada foi colocar direito um plástico (adereço/solução gizada pelo trabalhador CC) que não fazia parte da máquina (plástico colado com fita cola e que estava a descolar) tendo, face à proximidade dos rolos, tocado nos mesmos e os dedos da sua mão esquerda puxados. – Cfr. as declarações/depoimento de parte da Autora, AA, ....depoimento da testemunha CC– ....
4. A documentação junta aos autos, mormente do Relatório Técnico de Higiene e Segurança de Trabalho, não indica, concretiza, quais os equipamentos (máquinas) constituídos por elementos móveis que não têm proteção e que deveriam ter, e se são todos os equipamentos, se são alguns ou se a equipamento aqui em questão, inclusive aqueles equipamentos que têm declaração de conformidade CE, designadamente a máquina de cartão canelado que a Autora operava (ponto R) dos fatos provados). Acresce que, o referido relatório não alude a qualquer anomalia ou desconformidade da dita máquina, por mínima que seja, à data da elaboração do relatório – cfr. depoimento da testemunha DD.....
5. Tendo em conta que a Autora, no momento em que ocorreu o acidente, estava a colocar direito um plástico que não fazia parte da máquina (ponto H dos fatos provados), seria de toda a relevância alegar e provar que tipo de proteção física (barreira/resguardo) seria de adoptar no caso e que sensor se impunha colocar, bem como se a sua implementação não impedia a sinistrada de introduzir a mão para o interior da máquina, no específico local onde se encontram os rolos a circular, a qual não foi feita. 
6. Não resulta alegado e provado qualquer facto que permita apurar que tipo de dispositivo de paragem de emergência se impunha implementar, quais os específicos perigos que pretende afastar e, bem assim, se tal hipotético sistema evitaria o acidente  - Cfr. Depoimento da testemunha EE, .....
7. A matéria em causa no ponto ora em apreciação é tão só genérica, conclusiva e indeterminada, dado que contém conceitos abstractos e não se vislumbra que concreta medida de segurança se impunha e que não terá sido implementada, inexistindo concretização factual quanto ao tipo de “barreiras de proteção e/ou sensores ” aptos a impedir que a trabalhadora ficasse com a mão presa ou que impedissem qualquer contacto físico da trabalhadora com os rolos.
8.  A alínea T) dos factos provados deve ser eliminada da matéria de facto provada, por conter matéria eminentemente conclusiva, ou, não se entendendo assim, conjugados os meios probatórios supra indicados (depoimentos transcritos e prova documental referenciada), ser a mesma considerada como não provada.
9. O tribunal a quo deu erradamente como provado um segmento do Ponto U) dos factos provados, porém, da conjugação dos diversos meios de prova produzidos nos autos, nomeadamente da análise da documentação junta, bem como das declarações e depoimentos prestados, permitia concluir que a Autora começou a trabalhar na máquina referida no ponto C) desde o final do ano de 2020.
10. Confrontados os depoimentos de parte da Autora AA e da testemunha FF resulta que a Autora, pelo menos desde o final do ano de 2020 (pleno covid) começou a trabalhar com máquina referida em C) – cfr. Depoimento de parte da Autora AA, prestado na sessão da audiência de discussão e julgamento .... depoimento testemunha FF....
11. Da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, os depoimentos supra transcritos, e que se dão por integralmente reproduzidos e documentos juntos, designadamente os documentos nº 1 e 2 juntos pela Autora no requerimento apresentado em 29/04/2024 – referência ...47 na qual demonstra que teve de baixa médica e de férias no período compreendido de 30/09/2020 a 8/10/2020, podemos concluir que a partir desta data a Autora começou a trabalhar na máquina referida em C). Assim, impõe-se alterar o segmento acima referido, devendo a redacção do ponto U) da matéria de facto provada ser alterada em conformidade, propondo-se a seguinte redacção: “A Autora, há mais de 30 anos, que manuseia máquinas de cartão canelado, vindo a laborar na máquina referida em C., desde o final do ano de 2020.”
12. O tribunal a quo deu erradamente como não provado o ponto 2) do elenco dos factos não provados, porém, da conjugação dos diversos meios de prova produzidos nos autos, nomeadamente da análise da documentação junta, bem como das declarações e depoimentos prestados, permitia concluir que a ré EE adquiriu a máquina de cartão canelado no ano de 2020 no estado de nova.
13. Confrontados os depoimentos da Autora AA e das testemunhas CC e FF, resulta claramente que a ré EE adquiriu a máquina de cartão canelado no ano de 2020 no estado de nova – cfr. depoimento de parte da Autora AA, ... conjugado com o depoimento da testemunha FF, ...conjugado com o depoimento do CC....
14. Da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, os depoimentos supra transcritos, e que se dão por integralmente reproduzidos e documentos juntos, designadamente a fatura de compra da máquina junta pela EE na sua resposta (doc. 1) ...impõem uma resposta restritiva, conducente a eliminar a identificação completa da data “… em 17.3.2020”, devendo a redacção do ponto 2) da matéria de facto não provada ser alterada em conformidade, propondo-se a seguinte redacção: “A máquina referida em C. foi adquirida no ano de 2020 no estado de nova.”, aditando-o, assim, nos fatos provados.
15. O tribunal a quo deu erradamente como não provado o ponto 3) do elenco dos factos não provados, porém, da conjugação dos depoimentos da Autora AA e da testemunha FF conclui-se que a máquina está identificada internamente pelo nº 18, remetendo-se para as transcrições analisadas no ponto 2) dos fatos não provados.
16. Da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, os depoimentos supra transcritos, e que se dão por integralmente reproduzidos, impõe uma resposta restritiva, conducente a eliminar a expressão: “... tem a marcação CE em local visível e...” devendo a redacção do ponto 3) da matéria de facto não provada ser alterada em conformidade, propondo-se a seguinte redacção: “A máquina está identificada internamente pelo n.º 18.”, aditando-o, assim, nos fatos provados.
17. O tribunal a quo deu erradamente como não provado o ponto 5) do elenco dos factos não provados, pois para além de estar em contradição com o ponto H) dos fatos provados, da conjugação dos depoimentos da Autora AA e da testemunha FF conclui-se que a máquina não tem nenhum elemento de plástico e no seu manuseamento é utilizado plástico nas medidas mais pequenas  - cfr. depoimento da sinistrada AA, ... conjugado com o depoimento da testemunha FF, ....
18. Da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, os depoimentos supra transcritos, e que se dão por integralmente reproduzidos, impõe uma resposta restritiva, conducente a eliminar a expressão “... e no seu manuseamento não é utilizado qualquer elemento de plástico.” devendo a redacção do ponto 5) da matéria de facto não provada ser alterada em conformidade, propondo-se a seguinte redacção: “A máquina não é constituída por qualquer elemento de plástico na zona de carregamento, mas no seu manuseamento é utilizado plástico nas medidas mais pequenas.”, aditando-o, assim, nos fatos provados.
19. O tribunal a quo deu erradamente como não provado o ponto 10) dos fatos não provados, que no entendimento da recorrente é credível e consistente, apesar da convicção do tribunal ser no sentido oposto ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova. Não obstante, entende a recorrente, que o depoimento da testemunha BB deve ser valorado, até porque não é assim tão contrária aos depoimentos das testemunhas FF e CC, pois não nega, em absoluto, que fosse utilizado o plástico e o seu conhecimento pela gerência. Na verdade, o que a testemunha diz é que era proibida a utilização de qualquer artefacto na máquina e que, quanto à sinistrada, lhe pediu para tirar o plástico, proibindo o seu uso – cfr. depoimento da testemunha BB...
20. Da prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, o depoimento supra transcrito, e que se dá por integralmente reproduzido, impõe-se dar como provado o ponto 10) dos fatos não provados aditando-o, assim, nos fatos provados.
21. Sem prejuízo da impugnação da matéria de facto efectuada no presente recurso, a subsunção da factualidade adquirida nos autos ao direito aplicável impunha a descaracterização do acidente ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 14º do RJTA e consequente a absolvição da recorrente do pedido.
22. ....
23. ..
24. No caso em concreto, a sinistrada utilizou, alegadamente, pois ninguém presenciou o acidente com a exceção da mesma, nas medidas mais pequenas de cartão canelado (não resulta provado nos autos quais eram as medidas utilizadas pela sinistrada na altura do acidente – se eram mais pequenas ou maiores), um elemento estranho (componente que não fazia parte da máquina – plástico prendido com fita cola), solução cogitada pelo colega de trabalho CC e que a mesma adoptou e colocou em prática na máquina mais nova. Plástico colocado na zona das ventosas as quais ficavam muito próximas dos rolos que puxavam o cartão e que serviam para prender/agarrar o cartão que ali era colocado. No decorrer da operação de corte do cartão a sinistrada, com a máquina a funcionar, ao ver que a fita cola estava a descolar, e por forma a que não se perdesse vácuo, saiu da zona de colocação do cartão porquanto estava delimitado pelos painéis laterais que estavam ajustados às medidas pretendidas para aquela encomenda, e foi junto do plástico, passando a mão por cima da fita cola para voltar a fixar o plástico, tendo, nesse preciso momento tocado com a mão esquerda nos rolos em movimento e os seus dedos sidos puxados por estes e esfacelado o dedo indicador, máquina que a sinistrada operava há pouco tempo.

25. A sinistrada operava a máquina há cerca de 19 meses não, tendo, assim, grande experiência ao operar com a mesma, a  conduta da sinistrada foi de gravidade acentuada, altamente reprovável, indesculpável e injustificada, à luz do mais elementar senso comum, tendo o acidente ocorrido devido à colocação de um elemento (plástico) não pertencente à máquina (improviso), e só por causa deste, ou seja, o nexo de causalidade entre a colocação do plástico junto aos rolos, nos moldes antes explanados, e a verificação do acidente e que este proveio exclusivamente daquele comportamento da sinistrada.

26. A Autora sabia, perfeitamente, que a colocação da sua mão sob as ventosas próximas dos rolos em movimento acarretava o evidente risco de ser puxada e os dedos esfacelados. Todavia, com total desprezo pelas mais elementares regras de bom senso e, injustificadamente, negligenciando a sua integridade física a Autora colocou-se nas já descritas condições precárias de segurança, introduzindo e colocando a sua mão esquerda sobre as ventosas, cujos rolos sabia estar em movimento. importando que a sua conduta se apresente como uma grosseira falta de cuidado, como descuido injustificável impróprio de um trabalhador mediano.
27. A sinistrada que, sem qualquer necessidade ou justificação e bem ciente dos riscos que corria, decidiu (acto voluntário e com elevado grau de negligência) colocar a sua mão na trajetória de uns rolos em movimento, que a própria controlava.
28. Não se provou que a sinistrada se tenha visto impedida de parar aos rolos, ou de alguma forma afetado nos seus reflexos, a ponto de não o conseguir fazer. Na verdade, simplesmente, a sinistrada, vendo os rolos em movimento e sabendo que esfacelariam os seus dedos, tentou, ainda assim, realizar o ato inútil de manter o plástico fixo, o que deu causa às lesões que, inglória e desnecessariamente, sofreu.
29. O comportamento da sinistrada, no entendimento da recorrente, consubstancia negligência grosseira de acordo com a alínea b) do artigo 14º n.º 1 do RJTA.

30. ...
31. Estabelece o art.º 18º, da LAT sob a epigrafe “Actuação culposa do empregador” que: “....

32. ....
33. ... exigindo-se a par, respetivamente, do comportamento culposo ou da violação normativa, a necessária prova do nexo causal entre o acto ou a omissão e o acidente que veio a ocorrer... 34. ...
35. E o Acórdão Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2024, de 13 de Maio, diz que para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se.
36. A sentença recorrida considerou terem sido violadas pela recorrente as normas de segurança que cita, o que a ora recorrente não aceita, pois trata-se apenas de regras genéricas de segurança. Com efeito, conforme resulta da impugnação da matéria de facto, para além de se desconhecer a forma concreta como se deu o acidente, deu-se como provado que a Autora tomou a iniciativa colocar um elemento estranho/improvisado (plástico) na máquina de cartão canelado, perto dos rolos em movimento, usando a mão esquerda, sem desligar previamente a máquina, ou seja, houve um comportamento da própria sinistrada que se traduziu num aumento da probabilidade do acidente que se verificou e que contraria as mais elementares regras de segurança, que decorrem até do senso comum. Para além disso, e em termos da normalidade das coisas, a EE não tinha a obrigação de antecipar, de prever, que a trabalhadora sinistrada iria recorrer a um plástico (elemento estranho à máquina) para levar a cabo a concreta tarefa que estava a executar na altura do acidente, uma vez que a autoria de tal improviso coube a um dos trabalhadores (CC), para além de que não resulta provado nos autos que a gerência tivesse dado instruções para a sua utilização na execução daquela concreta encomenda nem se encontra provado quais eram as medidas utilizadas pela sinistrada na altura do acidente – se eram mais pequenas ou maiores
37. Dos autos também não se extrai, pois não foi sequer alegado e discriminado, qual a formação específica e certificada se impunha ministrar à trabalhadora, atentas as funções para a qual foi contratada; quais as medidas de segurança concretas deveriam ter sido aplicadas pela recorrente, para a concreta tarefa que a sinistrada executava, nomeadamente que tipo de proteção ou sensor se impunha colocar nos rolos da máquina; que sistema de mecanismo de paragem de emergência se impunha implementar; que tipo de protecção dos rolos seria adequado e/ou obrigatório colocar, para, em função disso, concluir pela eventual violação de qualquer prescrição legal em matéria de segurança.
38. A existir esses mecanismos de proteção, estes anulariam por completo a função da máquina de cortar cartão canelado por impedir que a mesma procedesse a essa função específica.
39. Ainda que se admita que tivesse ocorrido a violação de qualquer norma de segurança, o que se concebe apenas por mera cautela, a matéria de facto assente nos autos é claramente insuficiente para fundamentar a existência de um nexo de causalidade entre a hipotética violação de normas de segurança por parte da entidade patronal e a produção do acidente, pois que inexiste factualidade que demonstre que o acidente só ocorreu por qualquer um dos seguintes factores: - falta de formação dos procedimentos de segurança de tal máquina; - falta de protecção dos rolos da máquina; - falta de botão de paragem de emergência; - falta de sensor de interrupção do movimento dos rolos.
40. Não é possível aferir se as referidas medidas de segurança ou outras que não teriam sido implementadas, mas cuja omissão não resultou sequer provada, seriam ou não adequadas a evitar o acidente e as consequências dele decorrentes, ...

41. ...).

42. ....

43. Ainda que, no domínio teórico e especulativo, se pudesse concluir que, caso existisse um uma protecção ou sensor, o acidente não teria ocorrido, os elementos carreados para os autos não demonstram o que, no concreto “iter” desde acidente impusesse que o mesmo não se verificava caso a mencionada protecção existisse.

44. ...
45. Ao decidir como decidiu, a douta sentença violou o disposto no art.º 18º, n.º 1 da LAT, porquanto a matéria de facto provada não permite concluir, como fez erradamente a decisão recorrida, que, no sentido naturalístico, o acidente ocorreu porque a máquina de cartão canelado não tinha proteções e/ou sensores de movimentos e/ou que, se os tivesse, o acidente não teria ocorrido. ...
*
CONTRA-ALEGAÇÕES: a autora defende a manutenção da decisão recorrida.
A ré seguradora não contra-alegou.
PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO: propugna que, pese embora deva proceder parte da impugnação da matéria de facto, a solução final plasmada na sentença deve ser mantida.
Sem respostas ao parecer
O recurso foi apreciado em conferência – 659º, do CPC.

QUESTÕES A DECIDIR (o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso[1]): impugnação da matéria de facto; descaracterização do acidente por negligência grosseira por parte da sinistrada - 14º, b), RJTA; violação das regras sobre segurança e saúde por parte da empregadora r é- 18º, RJAT.

I.I. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS:
Na primeira instância foram julgados provados os seguintes factos (sublinhando-se a negrito os factos impugnados em recurso):

A. A Autora AA nasceu em ../../1969.
B. No dia 11 de Julho de 2022, a Autora exercia a sua actividade, com a categoria profissional de operadora de transformação, mediante a retribuição anual global bruta de € 11.323,91 (€ 730 x 14 + € 58,74 x 11 + € 457,77 x 1 – salário base, subsídio de alimentação e outras retribuições), sob as ordens, direcção e fiscalização de “EMP03..., Lda.”.
C. - No dia 11 de Julho de 2022, cerca das 14 horas, em ..., quando sob as ordens, direcção e fiscalização da “EMP02..., Lda.”, no seu local de trabalho, laborava na máquina de cortar cartão canelado, a Autora ficou com a mão esquerda presa na mesma.”)-alterado.
( a anterior redacção era”- No dia 11 de Julho de 2022, cerca das 14 horas, em ..., quando sob as ordens, direcção e fiscalização da “EMP02..., Lda.”, no seu local de trabalho, laborava na máquina de cortar cartão canelado, a Autora, ao reposicionar um cartão, ficou com a mão esquerda presa na mesma.”)
D. Como consequência directa e necessária do acidente sofrido pela Autora em 11 de Julho de 2022, a Autora sofreu as lesões corporais descritas no boletim de exame e alta da seguradora e no relatório do Gabinete Médico-Legal; amputação completa (metacarpofalângica) do segundo dedo da mão esquerda (perda de 3 falanges com parte do metacarpo), com cicatriz dolorosa ao toque.
E. Em consequência do acidente, a Autora esteve em situação de incapacidade temporária absoluta desde 12.07.2022 a 17.10.2022, e em situação de incapacidade temporária parcial de 40 % desde 18.10.2022 a 10.11.2022, data em que as lesões se consolidaram.     
F. Em consequência do acidente, a Autora ficou afectada de uma incapacidade permanente parcial de 16,50 %.
G. Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em C., a Autora levava a cabo a operação que passava por colocar as placas de cartão canelado na máquina, estando esta em funcionamento contínuo, puxando-as e cortando-as de forma automática, pela medida previamente programada.
H. A Autora foi colocar direito um plástico que não fazia parte da máquina e quando a mesma estava em funcionamento de corte.
I. Nesse momento, acabou por tocar com a mão esquerda nos rolos em movimento, tendo os seus dedos sido puxados por estes.
J. Instintivamente, puxou a mão esquerda, constatando que se encontrava a sangrar e com o dedo indicador esfacelado.
K. A tarefa que a Autora executava consiste no seguinte: a trabalhadora, munida de uma requisição contendo as quantidades e medidas necessárias ao corte de determinada encomenda, inicia a execução da tarefa medindo o cartão a cortar através de uma fita métrica.
L. A seguir, ainda com a máquina desligada, insere manualmente as medidas na máquina, coloca na zona de carregamento uma placa (de cartão) de teste e logo após liga (carrega num botão) a máquina por forma a que esta puxe o cartão e faça o corte nas medidas pretendidas.
M. Verificada a conformidade do corte, carrega a máquina (desligada) com um lote de cartão canelado, utilizando as duas mãos para colocar o referido lote na mesa da máquina (local do carregamento do cartão).
N. Após o carregamento da máquina, liga a máquina, premindo no botão respectivo, e aquela puxa automaticamente o cartão para o seu interior cortando nas medidas inseridas previamente (não segura o lote de cartão com as mãos aquando da execução do corte).
O. O cartão sai cortado pela parte de trás da máquina, o qual é levantado pela trabalhadora após a execução do referido corte.
P. Na avaliação de riscos da Ré entidade empregadora, datada de Março de 2022, é identificado no capítulo 4 a “inexistência de protecção de todos os elementos móveis de equipamentos de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico”, e como medidas correctivas que “os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas”.
Q. Na avaliação de riscos é identificado, ainda, como medida preventiva a adoptar o seguinte: “garantir que todas as máquinas e equipamentos de trabalho têm marcação CE”. E, no que concerne às regras gerais de segurança o seguinte: “adquirir equipamentos com declaração de conformidade CE e respectiva marcação CE em local visível”.
R. A máquina tem declaração de conformidade CE.
S. Os rolos, enquanto elementos móveis, encontravam-se sem qualquer tipo de protecção física e na máquina não existia qualquer sensor que interrompesse o movimento dos rolos, aquando da aproximação das mãos do operador.
T. Eliminado ( a sua redacção era “A implementação das medidas referidas em S. eram idóneas a evitar o acidente descrito em C..”)
U. “A Autora, há mais de 30 anos, que manuseia máquinas de cartão canelado, vindo a laborar na máquina referida em C. desde outubro de 2020.”- alterado.
V. A Ré empregadora deu formação à Autora em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho, que a alertaram para os riscos a que estava sujeita no exercício das suas funções.
W. A “EMP02..., Lda.” havia transferido para a Ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” a sua responsabilidade infortunística pelos acidentes de trabalho sofridos pelos seus trabalhadores, entre os quais o Autora, através de contrato de seguro de acidentes de trabalho válido e eficaz titulado pela apólice n.º ...84, pela retribuição anual  global bruta de € 11.323,91 (€ 730 x 14 + € 58,74 x 11 + € 457,77 x 1 – salário base, subsídio de alimentação e outras retribuições).
X. A Ré Seguradora pagou à Autora a quantia de € 2.232,56 a título de indemnização por incapacidades temporárias.
Y. A Autora, em despesas com transporte para se deslocar ao Gabinete Médico-Legal e ao Tribunal despendeu a quantia de € 20.
AA- ““A máquina referida em C. foi adquirida no ano de 2020”- aditado.
BB “ “A máquina está identificada internamente pelo n.º 18.”- aditado.
CC- “A máquina não é constituída por qualquer elemento de plástico na zona de carregamento”- aditado.

Factos Não Provados     
1. No decorrer da tarefa, a Autora constatou que uma placa havia ficado deslocada, tendo por isso, aproximado da zona dos rolos para a endireitar.
2. A máquina referida em C. foi adquirida pela Ré empregadora no estado de nova - alterado.
3. A máquina tem a marcação CE em local visível- alterado.
4. Não há, no mercado, máquinas de cortar cartão canelado, com protecções que impeçam os contactos mecânicos com as mãos dos trabalhadores, nomeadamente dispositivos de protecção colectiva obrigatórios que visam impedir o contacto com os rolos, designadamente barras ou sensores de interrupção do funcionamento da máquina.
5. “No manuseamento da máquina não é utilizado qualquer elemento de plástico.” - alterado.
( a antiga redacção era “A máquina não é constituída por qualquer elemento de plástico na zona de carregamento, e no seu manuseamento não é utilizado qualquer elemento de plástico.”
6. A formação referida em V. visou o manuseamento da máquina referida em C.
7. A Ré empregadora deu instruções à Autora, bem como formação, para nunca reposicionar cartões quando a máquina está em pleno funcionamento de corte, ou seja, fazendo a sucção do cartão para efectuar o corte.
8. A formação e instruções foram dadas quer por empresa certificada na área da segurança e saúde do trabalho quer pelo formador pertencente aos quadros da empresa, BB;
9. A Ré empregadora prestou à Autora informação sobre os riscos para a sua segurança e saúde visando prevenir os riscos profissionais que corria como manobradora daquela máquina.
10. A Autora desobedeceu às regras e normas dadas pela Ré empregadora, designadamente as referidas em H...

B) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
A decisão proferida sobre a matéria de facto provada e não provada deve ser alterada em segunda instância caso os factos considerados como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem, e não somente admitirem, decisão diferente – art. 662º do CPC. A utilização do verbo “impor” enfatiza o grau de exigência que deve ser empregue na análise e modificação da prova.
No caso concreto:
A recorrente contesta os factos provados sob as al. T e U, e os não provados dos pontos 2,3,5 e 10.
*
O ponto T tem a seguinte redacção:
T. A implementação das medidas referidas em S. eram idóneas a evitar o acidente descrito em C.
A recorrente refere que a al. T da matéria provada deve ser não provada, em razão de prova em contrário e porque é conclusiva.
Sem necessidade de demora determina-se a eliminação do ponto que é claramente conclusivo e não se mostra acompanhado de factos que determinem o seu aproveitamento. A causalidade jurídica (é isso que está em causa no ponto) é uma operação ou conclusão de direito a extrair de eventos concretos ocorridos na vida real, de dados empíricos que constem como provados noutros pontos.
Nos dias que correm cada vez mais se assiste à confusão entre as duas questões. Veja-se que a causalidade impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto. E, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em geral e abstracto, adequado e apropriado para provocar o dano. O primeiro constitui, no plano naturalístico, matéria de facto. O segundo constitui matéria de direito, respeitando à sua aplicação e interpretação - 563º do CC.- ac. do STJ de 2-12-2018, www.dgsi.pt
O ponto de que ora tratamos corresponde ao segundo momento de operação jurídica pelo que deve ser erradicado da matéria factual (quer da provada, quer da não provada, por não ser um facto).
Ademais, adiantando caminho, diga-se que não consta sequer da matéria de facto o local concreto onde a autora mexeu numa peça de plástico que não fazia parte da máquina e porquê, de modo a poder aferir-se se poderiam colocar-se barreiras ou sensores que fossem impeditivas do toque da mão com o rolo. As partes nas alegações referem-se a procedimentos e circunstancialismo que não têm respaldo na matéria provada, nem tão pouco alegada pelas rés, ou pela autora que na sua p.i. e resposta à contestação nunca concretizou qualquer procedimento relacionado com o uso de plástico que estivesse instituído (aliás não alegou que houvesse por parte da empregadora violação de regras de segurança).
Conforme pontos provados G) a O), e vídeo sobre o modo de colocar as peças na máquina junto aos autos que visualizamos, a autora colocava peças (grandes) na máquina tendo à sua frente uma primeira prateleira de suporte (bem larga) e, ainda mais longe de si e à sua frente, uma outra base de recepção (larga) para onde eram empurrados/colocados os cartões, que era depois puxados para baixo (sugados) pela própria máquina. Da visualização resulta que a autora, encostada à primeira prateleira de apoio com os braços abertos para a frente, não chegaria aos rolos em condições normais, rolos que eram intercetados pelas duas referidas bases :prateleira fixa larga, seguida de base de receção do cartão também larga que os puxaria para o interior da máquina, estando os rolos mais atrás. Não sendo suposto entrar em contato com estes, de acordo com o procedimento normal que ficou provado (coloca cartão, liga a máquina e depois circunda-a e recolhe por detrás).
Do depoimento de EE, perito averiguador, que fez o relatório de averiguação a pedido da seguradora, colhe-se que  a máquina tinha certificação CE, mas conquanto tenha tirado fotografia à máquina, não se recorda sequer se viu como a mesma funcionava. Igualmente não se recordava sequer de grelhas que a máquina pudesse ter.
Repisamos assim que ficámos sem saber o local concreto do tal plástico que taparia “uma abertura” (qual?) que foi aludido em julgamento,  e se ali poderia ser colocada uma protecção sem que tal impedisse a entrada dos cartões e/ou fizesse disparar continuamente os sensores, sendo certo que a máquina tem certificação de conformidade CE. Igualmente, e não menos importante, ficamos também sem saber se, mesmo com a colocação de uma barreia juntos aos rolos, a autora não poderia, igualmente, passar a mão por baixo para aceder ao dito plástico. Mais á frente voltaremos à questão, mas deixamos expressas as razões adjuvantes ao nível da prova para tal expressão não ficar a constar dos factos provados, além do seu carácter conclusivo.
*
O ponto provado U tem a seguinte redacção
U - A Autora, há mais de 30 anos, que manuseia máquinas de cartão canelado, vindo a laborar na máquina referida em C., há tempo não concretamente apurado.
Sustenta a ré/recorrente que o ponto deve ser alterado para a seguinte redacção: “A Autora, há mais de 30 anos, que manuseia máquinas de cartão canelado, vindo a laborar na máquina referida em C., desde o final do ano de 2020.”
A recorrente tem parcialmente razão. A própria autora refere que começou a trabalhar com a máquina em questão quando regressou de férias e da baixa por Covid em 2020 e os documentos juntos aos autos (certificado de incapacidade para o trabalho e recibo do mês de outubro), permitem situar esse regresso em outubro de 2020. Tal factualidade foi confirmada pelo operário CC que “ensinou” a autora a trabalhar com a máquina quando esta regressou ao trabalho.
Determina-se que o ponto fique com a seguinte redacçao:
“A Autora, há mais de 30 anos, que manuseia máquinas de cartão canelado, vindo a laborar na máquina referida em C. desde outubro de 2020.”
*
Pontos não provados:
2 - A máquina referida em C. foi adquirida pela Ré empregadora em 17.03.2020, no estado de nova.
Sustenta a ré que deve passar a constar ““A máquina referida em C. foi adquirida no ano de 2020 no estado de nova.”.
Da conjugação dos documentos juntos em 19-4-2024, uma fatura de compra de uma máquina datada de 2020, do certificado de conformidade da máquina emitido em 2020, e das declarações da autora - que refere que começou a trabalhar com a máquina em outubro de 2020 quando esta foi instalada na empresa- resulta suficientemente comprovado que a máquina foi adquirida em 2020. O mesmo decorrendo do depoimento de CC e FF (este refere en passant que a máquina era nova na empresa, era a primeira vez que lidavam com ela, o que é diferente de ser adquirida em estado de nova). Assim defere-se parcialmente a reclamação passando o ponto a ter provado com a seguinte redacçao:
A máquina referida em C. foi adquirida no ano de 2020”, continuando a restante matéria como não provada.
*
Ponto tem 3 tem a seguinte redacção: A máquina tem a marcação CE em local visível e está identificada internamente pelo n.º 18.
Da matéria provada sob o ponto R já resulta que a máquina tem declaração de conformidade CE.
A recorrente sustenta que deve ser aditado que “A máquina está identificada internamente pelo n.º 18.””
A autora declarou, por duas vezes, que trabalhava com a máquina 18, identificando o referido número tal como era conhecida internamente, pelo que se adita o ponto BB com o seguinte teor“ “A máquina está identificada internamente pelo n.º 18.””, eliminando-o da matéria não provada.
*
Ponto 5 não provado: “ A máquina não é constituída por qualquer elemento de plástico na zona de carregamento, e no seu manuseamento não é utilizado qualquer elemento de plástico.”
Refere a recorrente que deve passar a constar como provado que:
“A máquina não é constituída por qualquer elemento de plástico na zona de carregamento, mas no seu manuseamento é utilizado plástico nas medidas mais pequenas.”
Refere contradição com o ponto H) e declarações da autora e depoimentos de testemunhas que indica.
Desse ponto h) consta provado que “A Autora foi colocar direito um plástico que não fazia parte da máquina e quando a mesma estava em funcionamento de corte.”
Assim, efectivamente a primeira parte do ponto 5, conquanto ligeiramente diferente, acaba por brigar com a matéria provada na al. h). Donde, porque tal resulta inequivocamente comprovado das declarações da autora e do depoimento de CC, determina-se a sua eliminação e o aditamento à matéria provada do seguinte ponto:
CC- “A máquina não é constituída por qualquer elemento de plástico na zona de carregamento”
 É de indeferir a segunda parte da impugnação porque a ré pretende que fique provado o contrário do que ali consta e do que ela própria alegou.
Veja-se que a recorrente alegou no ponto 18 da contestação que a “máquina em questão não é constituída por qualquer elemento de plástico na zona de carregamento, e no seu manuseamento não é utilizado, igualmente, qualquer elemento de plástico.” Considerando que o ora pretendido não é o que consta no ponto, e oportunamente alegado em momento próprio, é de indeferir esta parte da reclamação.
Assim o ponto 5 na parte não provada ficará com a seguinte redacção:
“No manuseamento da máquina não é utilizado qualquer elemento de plástico.”
*
Ponto 10 com a seguinte redacção:
10 - A Autora desobedeceu às regras e normas dadas pela Ré empregadora, designadamente as referidas em H.
Sustenta a recorrente que o ponto deve ficar provado.
O pretendido não tem suporto na prova. A única testemunha que depôs nesse sentido foi BB, sócio da ré empregadora, com objectivo interesse na causa e que prestou um depoimento contrariado pelas demais testemunhas. CC, operador de máquinas, que ainda trabalha na ré, referiu que a máquinas têm sulcos por onde sai o ar e que “se estão tapados pelo cartão, corre melhor”, mas se as peças de cartão são mais pequenas perde vácuo e “para rentabilizar” aplicam um tipo de plástico com fita cola, que às vezes foge e têm de repor. Presume que foi isso que aconteceu, admitindo que a mão fica muito perto do rolo “se for ajeitar o plástico e fita cola”. Foi um procedimento que foi encontrado para ultrapassar a situação e nunca houve oposição, mormente pelo Sr. BB (considerado um dos patrões, sendo irmão dos sócios gerentes) que ali se deslocava à produção. Terá sido ideia da testemunha, mas “não foi às escondidas”, já noutra máquina era assim. O ponto foi confirmado por FF que trabalhou na ré até 2024, referindo que a colocação de plástico “se arranjou” para ultrapassar a situação.
É de manter o ponto como não provado.
***
Verifica-se que o ponto C está em contradição com os pontos H, I e J.
No ponto C refere-se que autora laborava na máquina de cortar cartão canelado quando, ao reposicionar um cartão, ficou com a mão esquerda presa na mesma, em consequência do que sofreu as lesões na mão.
(C - No dia 11 de Julho de 2022, cerca das 14 horas, em ..., quando sob as ordens, direcção e fiscalização da “EMP02..., Lda.”, no seu local de trabalho, laborava na máquina de cortar cartão canelado, a Autora, ao reposicionar um cartão, ficou com a mão esquerda presa na mesma.”)
Já nos pontos H, I, J refere-se que a autora se lesionou na mão quando foi colocar direito um plástico que não fazia parte da máquina e quando a mesma estava em funcionamento de corte, nesse momento acabando por tocar com a mão esquerda nos rolos em movimento, tendo os seus dedos sido puxados por estes.
Sob o ponto de vista da dinâmica e causalidade do acidente, ajeitar o cartão (que aliás a A. referiu terem as dimensões mínimas de 1m 50cm de largura) é algo muito diferente de “colocar direito um plástico que não faz parte da máquina”. Ou aconteceu uma coia, ou aconteceu outra.
Da prova realizada em julgamento resulta comprovada a segunda versão, pois que a própria autora em declarações refere que “foi endireitar uma peça de plástico” que não fazia parte da máquina, mas como o cartão era mais pequeno (cerca de 1,50cm de largura) saia ar de “umas aberturas” e a peça foi ali posta para as tapar, o que foi confirmado mormente pela testemunha FF que, embora não assistisse ao acidente, referiu que foi isto que logo na altura lhe foi contado pela autora.

Assim determina-se a alteração da al C que passa a ter a seguinte redacção:
(C - No dia 11 de Julho de 2022, cerca das 14 horas, em ..., quando sob as ordens, direcção e fiscalização da “EMP02..., Lda.”, no seu local de trabalho, laborava na máquina de cortar cartão canelado, a Autora ficou com a mão esquerda presa na mesma.”)
                                                                       *
D) RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE DIREITO
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente e já decididas as questões de prova, as questões de direito que se colocam, são as seguintes (i) se o acidente deve ser descaraterizado por provier exclusivamente de negligência grosseira da sinistrada - 14º, 1, b)  RJLA[2]; (ii) se existe actuação culposa do empregador sendo a responsabilidade do acidente de trabalho agravada, por inobservância das regras de segurança e saúde - 18º, 1, RJAT.
No mais, é pacífico que a sinistrada foi vítima de um acidente de trabalho, o qual ocorreu no tempo e no local de trabalho, causador de lesões determinantes de IPP, e que consistiu no facto de a sinistrada ter lesionado a mão em contacto com os rolos de uma máquina de cortar cartão - 8º do RJAT.
*
A existência de negligência grosseira por parte da sinistrada
A apelante entidade empregadora refere que o acidente de trabalho deve ser descaracterizado por provir exclusivamente de negligência grosseira da sinistrada - 14º, 1, b, RJAT.
Na sentença recorrida concluiu-se, em síntese, que não se apuraram circunstâncias demonstrativas de que a sinistrada tenha tido um comportamento temerário, audaz ou inútil não existindo, assim, “negligência grosseira”.
Nesta parte concordamos com a sentença.
Argumenta a apelante que a sinistrada não tinha “qualquer necessidade ou justificação e bem ciente dos riscos que corria, decidiu (acto voluntário e com elevado grau de negligência) colocar a sua mão na trajetória de uns rolos em movimento, que a própria controlava”.
Desde logo, como referimos a propósito da impugnação do ponto T da matéria de facto que ficou eliminado, as partes referem nas alegações um procedimento de uso de “um plástico” que não tem respaldo na matéria provada, remetendo-se para o ali referido.
Da matéria de facto provada apenas consta que a autora se lesionou ao tocar com a mão esquerda nos rolos da máquina em movimento quando “foi colocar direito um plástico que não fazia parte da máquina”. Não vem provado o motivo pelo qual ali se encontrava um plástico, qual a sua função, etc. Podendo congeminar-se uma série de explicações que, insiste-se, não estão refectidas na matéria provada.
Também não estão provados factos demonstrativos de que a sinistrada tenha agido por motivos alheios ao funcionamento do trabalho e/ou a objectivos de produção e de celeridade, e sem qualquer sentido de utilidade.
Ora a negligência grosseira capaz de descaracterizar o acidente de trabalho, reporta-se a faltas extremamente graves e indesculpáveis, imprudência chocante ou temeridade inútil que, em face das circunstâncias concretas, nunca poderiam ser praticadas por um homem médio, o denominado bónus pater-familias.
Tal grau de qualificação afasta “…a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considera os prós e contras” - Carlos Alegre, Acidentes de trabalho e doenças profissionais, 2ªe dição p. 62/3.

Na jurisprudência, à luz da lei anterior, mas com jurisprudência constante antes e depois, veja-se ac. STJ de 3-10-2012, 5 4/03.8TBPSR.E1, no sentido de que a negligência grosseira exige que se trate de um “... comportamento temerário do sinistrado, inútil para o trabalho, indesculpável e reprovado pelo mais elementar sentido de prudência.”
Na verdade, a omissão do cuidado exigível tanto pode incluir inaceitável desprezo por regras elementares, esquecimento incompreensível, ou outras motivações menos censuráveis, como simples esquecimento momentâneo, distração, excesso de confiança, habituação ao perigo, etc…
Como supra se referiu, o pouco que sabemos sobre o motivo pelo qual ocorreu o acidente não permite concluir por um grau de negligencia com esta extensão.
De resto, à necessidade de a negligência ser grosseira junta-se, para operar a descaracterização do acidente, a exigência de que o acidente tenha exclusivamente resultado daquela falta de diligência, sem o concurso de qualquer outro factor.
E, mais uma vez, recorda-se que a prova destes factos, sendo impeditivos do direito à reparação (342º/2 CC), competem à entidade responsável pela reparação e que dela se quer eximir.
Donde se conclui que o circunstancialismo provado é insuficiente para que se possa concluir por um grau de negligência de tal modo grave e inaceitável que leva à descaracterização do acidente num campo (laboral) onde a regra será a de o sinistro ser coberto pelo risco inerente à actividade empresarial e onde amiúde se verificam “descuidos” ainda assim indemnizáveis.
*
Actuação culposa do empregador por o acidente resultar de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho:

Refere o artigo 18º do RJAT:
Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Prevê-se neste artigo dois fundamentos autónomos e diferentes de responsabilidade agravada. Ao caso apenas interessa o segundo fundamento respeitante à inobservância das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Tem sido evidenciado pela doutrina e jurisprudência que, para que a entidade empregadora responda a título principal e de forma agravada, têm de se verificar cumulativamente os seguintes requisitos: (i) que sobre o empregador impenda o dever de observar determinadas regras de segurança e saúde no trabalho (ii) que o empregador ou representante as não haja observado sendo-lhe imputável tal omissão; (iii) que haja nexo de causalidade adequada entre a inobservância das normas de segurança e saúde no trabalho e o evento acidente[3]- ac.s STJ 9-09-2009; RG de 17-05-2018 e 24-04-2019, a título de exemplo.
*
Na sentença recorrida considerou-se que a empregadora violou regras relativas de segurança no trabalho e que esta inobservância foi causal do acidente.
Invoca-se o regime de prescrições mínimas de segurança e de saúde na utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho (o DL nº 50/2005 de 25 de Fevereiro, 3º e 4º, 8º, 13, 16), referentes a diversos deveres, mormente de “assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização”; dever de informação sobre os equipamentos de trabalho;  dever de o equipamento dispor de sistemas de comando para permitir paragem, e de protecções de acesso a zonas perigosas.
É igualmente invocado também o regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho (Lei nº 102/2009, de 10.09), referente aos deveres gerais do empregador assegurar “ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho” (15º), mormente no domínio da segurança e tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de atividades de risco elevado.
E ainda o Regulamento Geral de Segurança e Higiene do Trabalho nos Estabelecimentos Industriais (Portaria n.º 53/71, de 3 de Fevereiro- 40º, 1 “Os elementos móveis de motores e órgãos de transmissão, bem como todas as partes perigosas das máquinas que accionem, devem estar convenientemente protegidos por dispositivos de segurança, a menos que a sua construção e localização sejam de molde a impedir o seu contacto com pessoas ou objectos. “)
Concluindo-se na sentença que da “factualidade dada como provada resulta de forma patente que na máquina onde a Autora trabalhava, os rolos, enquanto elementos móveis, encontravam-se sem qualquer tipo de protecção física e na máquina não existia qualquer sensor que interrompesse o movimento dos rolos, aquando da aproximação das mãos do operador, sendo que do acervo normativo acabado de citar resulta claro que a Ré deveria ter protegido a máquina.
Com efeito, se a máquina utilizada pela Autora não dispunha de qualquer dispositivo de protecção, permitindo o contacto das mãos do operador com os rolos, impunha-se à empregadora que, ou protegesse a máquina, ou a instruísse para não colocar as mãos na área em que as mesmas foram colocadas, sendo certo que tal factualidade resultou não provada
Mais se referiu que “No caso dos autos, apurou-se que a existência de tais protecções e/ou sensores poderiam ter evitado o acidente, sendo que conforme se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 6/2024, publicado no Diário da Republica n.º 92, em 13 de Maio de 2024...”...

 No caso dos autos, atendendo às concretas circunstâncias que se apuraram, a inexistência das barreiras de protecção e/ou de sensores, traduziu-se, sem margem para dúvidas, em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente que se verificou, e que consistiu em a sinistrado Autora ter colocada aos mãos perto dos rolos em movimento que acabaram por lhe colher aquelas.
Conclui-se, assim, que foi a inexistência dos mecanismos de protecção, que visavam impedir o contacto dos utilizadores da máquina com a sua zona operativa, que permitiu que a mão da Autora entrasse em contacto com os órgãos da máquina, estando a Empregadora obrigada a munir a máquina de protecção em conformidade com as normas legais acima referenciadas, pelo que se pode concluir que o acidente em causa se deveu à violação daquelas regras de segurança pela Ré empregadora.”
*
Ou seja, no ver da primeira instância do facto de a máquina não ter mecanismos de protecção na zona dos rolos resulta que ocorreu uma violação de regas de segurança que foi causal do acidente.
Em nosso ver, o circunstancialismo apurado é insuficiente para se considerar que houve violação de regras de segurança causais do acidente.
Comecemos pelos pontos provados P e Q  referentes à avaliação de riscos da Ré entidade empregadora, datada de março de 2022, onde é identificada a “inexistência de protecção de todos os elementos móveis de equipamentos de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico” e consta, entre os mais, como medidas preventivas a aquisição de equipamento com certificação CE.
Este segmento da matéria provada, pese embora não explorada na sentença, pode ser enganador. Na verdade, estes pontos provados reproduzem parte do relatório junto aos autos de segurança no trabalho feito a pedido da ré empregadora e levado a cabo pela empresa EMP04.... Ora, do documento (que alicerça a matéria provada dos pontos referidos) não consta a identificação das maquinas sobre as quais teriam de incidir medidas correctivas, tratando-se de um relatório muito genérico, sem qualquer especificação do equipamento em causa. A técnica que o elaborou, DD, técnica superior de segurança no trabalho, ouvida em tribunal, reconheceu a vaguidade do documento, não conseguindo precisar quais as máquinas a corrigir por falta de elementos de protecção (havendo diversas na empresa), referindo que actualmente utilizam um modelo de relatório diferente onde identificam o equipamento.
Assim dos pontos P e Q não se pode concluir que máquina em causa necessitasse de medidas de correcção.
Acresce que uma das medidas recomendadas no relatório já era cumprida pela maquina em causa que era a de ter certificação CE- ponto provado R e conforme certificado junto aos autos. Ora, de acordo com a Directiva 2006/42/EC que regula esta matéria, a certificação CE gera uma presunção de conformidade da máquina com os requisitos de segurança (Art. 7º Os Estados-Membros devem considerar que as máquinas que ostentem a marcação «CE» e sejam acompanhadas da declaração CE de conformidade, cujos elementos se encontram previstos na parte A do ponto 1 do anexo II, cumprem as disposições da presente directiva”).
Claro que essa conformidade não dispensa o empregador de observar, se necessário, requisitos adicionais de segurança, em razão do local de instalação ou procedimentos de trabalho.
E aqui é que nos parece que bate o ponto. Mais uma vez, há que referir que a matéria é parca no que se refere a procedimentos que se afigurassem incorrectos e de medidas que se impusessem para os corrigir, parecendo-nos não haver dados que permitam atribuir a causalidade a produção do acidente a inobservância de medida de segurança.
Os pontos provados K a O apontam para que a autora enquanto carregava o cartão não teria contacto com os rolos e que máquina só seria ligada após o seu carregamento. Veja-se a sequência provada nestas alíneas:
A tarefa que a Autora executava consiste no seguinte: a trabalhadora, munida de uma requisição contendo as quantidades e medidas necessárias ao corte de determinada encomenda, inicia a execução da tarefa medindo o cartão a cortar através de uma fita métrica.
A seguir, ainda com a máquina desligada, insere manualmente as medidas na máquina, coloca na zona de carregamento uma placa (de cartão) de teste e logo após liga (carrega num botão) a máquina por forma a que esta puxe o cartão e faça o corte nas medidas pretendidas.
Verificada a conformidade do corte, carrega a máquina (desligada) com um lote de cartão canelado, utilizando as duas mãos para colocar o referido lote na mesa da máquina (local do carregamento do cartão).
Após o carregamento da máquina, liga a máquina, premindo no botão respectivo, e aquela puxa automaticamente o cartão para o seu interior cortando nas medidas inseridas previamente (não segura o lote de cartão com as mãos aquando da execução do corte).
O cartão sai cortado pela parte de trás da máquina, o qual é levantado pela trabalhadora após a execução do referido corte.
Assim, a matéria apurada não permite perceber porque motivo a autora foi mexer numa peça de plástico, nem onde esta estaria, nem qual a sua função, sendo este evento que levou ao contacto da mão da autora com o rolo.
Ora, além de não se saber se a máquina (com certificação CE que faz presumir a conformidade com exigências de segurança) poderia ter uma protecção extra que separasse a autora dos rolos e permitisse a execução do trabalho de carregamento de peças de cartão (grandes), igualmente se desconhece, face aos factos, se tal seria idóneo a evitar a lesão. Tal como referimos a propósito da eliminação do ponto T dos factos provados (referente á causalidade) para o qual se remete, não consta sequer provada o local concreto onde a autora mexeu numa peça de plástico e porquê, de modo a poder aferir-se se poderiam colocar-se barreiras ou sensores que fossem impeditivas do toque da mão com o rolo. Na realidade, nas alegações as partes referem circunstancialismo que não consta provado.
Em suma, não podemos limitar-nos a invocar abstractamente as obrigações que genericamente recaem sobre o empregador, e dizer simplesmente que se os rolos estivessem tapados a autora a eles não acederia. Antes temos que averiguar se o circunstancialismo do caso concreto permite concluir que: (i) existem regras de segurança violadas, (ii) que em concreto aumentaram o risco de ocorrência do acidente tal como ele efetivamente veio a verificar-se (AUJ 6/2024, DR 92, em 13-04-2024). O que no caso verdadeiramente desconhecemos porque, segundo os dados provados, a autora lesionou-se a fazer algo que se ignora porque o fez e que interferiu num procedimento que, segundo o que consta, seria para levar a cabo doutra forma.  
Assim sendo, é de absolver a entidade empregadora, respondendo a seguradora pela responsabilidade pelo risco.
Tem a sinistrada direito a pensão anual no valor de 1.307,91€, obrigatoriamente remível - 48, 3, c), RJAT.
Ascendem ao total de 2.336,75€ as indemnizações por ITA e IT de 40% (respectivamente 2.128,27€+208,48€)- 48º, 3, d) e e), RJAT. Tendo a seguradora paga até à data 2.232,56€ tem direito ao remanescente em falta de 104,19€. 

I.I.I. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em:
a) Julgar procedente o recurso interposto pela ré empregadora “EMP02..., Lda” absolvendo-se a mesma do pedido;
b) Julgar a presente acção procedente, considerando que a Autora AA sofreu um acidente de trabalho no dia 11 de Julho de 2022, quando se encontrava sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré “e consequentemente;
c) condena-se a Ré “Companhia de Seguros EMP01..., S.A.” a pagar à Autora:
» a pensão anual de € 1.307,91, com início em 11.11.2022, a que corresponde o capital de remição de € 16.955,75 (€ 1.307,91 x 12,964), a que acrescem juros legais à taxa legal de 4% contados desde o dia a seguir à alta até efectivo e integral pagamento (cfr. artigos 50.º, n.º 2 da Lei 98/2009, de 4/09 e 805.º, n.º 2, a), 806.º e 559.º do Código Civil);
» a quantia de € 104,19, relativamente a indemnização por incapacidades temporárias sofridas, acrescida de juros desde a data do vencimento de cada uma das prestações e até efectivo e integral pagamento;
» a quantia de € 20, a titulo de despesas de deslocação, acrescida de juros de mora desde a data da realização da diligência de não conciliação até integral pagamento.”
Guimarães, 20-11-2025

Maria Leonor Barroso (relatora)
Francisco Sousa Pereira
Vera Sottomayor


[1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s.
[2] Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro que regula o regime de reparação de acidentes de trabalho.
[3] Ac.s STJ 9-09-2009; RG de 17-05-2018 e 24-04-2019, a título de exemplo.