Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
198/05.IDBRG.G1
Relator: AUSENDA GONÇALVES
Descritores: FRAUDE FISCAL
PRESCRIÇÃO
REGIME LEGAL APLICÁVEL
CO-AUTORIA
ARTºS 21º DO RGIT (LEI 15/2001
DE 5/6)
103º
N.º 1
AL. A) E 104º
N.ºS 1 E 2
DO RGIT
118º
N.º1
B)
DO CP E 490º
512º E 513º DO CC
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I - O artigo 21º do RGIT (Lei 15/2001, de 5/6) estipula que, em geral, o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos (n.º 1), o que não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no C. Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos (n.º 2), pelo que, neste caso, vindo assacada aos recorrentes a coautoria de um crime de fraude qualificada previsto pelos arts. 103º, n.º 1, al. a) e 104º, n.ºs 1 e 2, do RGIT e punível com prisão de um a cinco anos, o prazo de prescrição do respectivo procedimento é de dez anos [cf. art. 118º, n.º1, b), do CP).

II - Nos termos do n.º 4 do referido art. 21º, o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no C. Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo penal tributário, que tem lugar sempre que estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, até que transitem em julgado as respectivas sentenças, as quais constituem caso julgado para o processo penal tributário relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram (cf. arts. 42º, 47º e 48º).

III - Ao invés do processo penal comum – em que a suspensão é apenas facultativa (cf. o art. 7º do CPP, que consagra o princípio da suficiência do processo penal) – é obrigatória a suspensão do processo penal fiscal em virtude da pendência de processos de impugnação judicial ou oposição à execução, na medida em que a decisão, com trânsito em julgado, das questões nestes suscitadas se mostre decisiva (prejudicial) para a definição da existência de crime fiscal e sua qualificação, sendo que a competência para tal decisão cabe a uma ordem jurisdicional própria (os tribunais administrativos e fiscais), em conformidade com o art. 212º da CRP.

IV - Na verdade, a efectiva pretensão tributária, ainda que em termos de mera susceptibilidade, é parte integrante do elemento objectivo do tipo criminal: apurando-se definitivamente que nada é devido ao erário público ou que não lhe é devido o que a Administração Tributária pretenderia, fica demonstrada, respectivamente, a inexistência de qualquer comportamento penalmente censurável ou a eventual persistência de um dos pressupostos da responsabilidade penal em moldes diferentes dos afirmados na liquidação impugnada.

V - Assim, a questão de saber se a impugnação judicial apresentada por um arguido junto dos tribunais fiscais apenas se repercute na sua esfera jurídica e, por isso, não suspende o processo penal tributário e o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente a outros arguidos não obtém uma solução genérica e abstracta, antes depende da averiguação, caso a caso, sobre se entre o processo penal tributário e aquele procedimento tributário existe a relação de prejudicialidade que justifica a excepção ao princípio da suficiência do processo penal.

VI – Na situação em apreço, embora não tenham sido deduzidas pelos ora recorrentes, as aludidas impugnações judiciais, tendo por objecto as liquidações efectuadas do valor indevidamente obtido a título de IVA e IRS através da sua coautoria da falsificação das facturas, colocaram em causa, pelo menos provisoriamente, a substantiva relação jurídica tributária, com manifesta incidência negativa na possibilidade de afirmação do crime de fraude fiscal imputado aos mesmos, sendo que a decisão definitiva obtida em qualquer delas até veio a afectar efectivamente o objecto do processo penal.

VII - Por isso, a fixação definitiva da situação tributária e da determinação da colecta obtida em tais impugnações entra directamente como premissa no silogismo em que se consubstancia o elemento lógico da sentença penal, para o apuramento da responsabilidade dos recorrentes pelo crime de fraude fiscal, ocorrendo, pois, no apontado contexto, a suspensão do processo penal tributário e do prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos recorrentes, ainda que não tenham deduzido as impugnações.

VIII - A coautoria verifica-se na precisa medida em que a execução se encontre coberta pela decisão conjunta obtida num acordo, mas, para que este exista, é suficiente a consciência e vontade da colaboração de várias pessoas na realização dum tipo legal de crime, não sendo necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, pois basta que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.

IX – Civilmente, sendo vários os (co)autores, todos eles respondem, solidariamente, pela medida integral da vantagem ilícita que se apure (cf. arts. 490º, 512º e 513º do CC).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

No processo comum colectivo n.º 198/05.1DBRG, do Juízo Central Criminal de Braga do Tribunal Judicial da mesma Comarca, por acórdão proferido e depositado a 10-07-2018, os arguidos M. T. e A. J. foram condenados, entre outros, como coautores materiais de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103º, n.º 1, al. a) e 104º, n.ºs 1 e 2, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), nas penas de, respectivamente, 3 anos e 4 meses de prisão e 2 anos e 8 meses de prisão, suspensas na sua execução pelo período da respectiva duração, sob a condição de cada um deles, dentro de tal período, pagar ao Estado os benefícios indevidamente obtidos em resultado do crime, nos montantes de € 30.000 e € 7.500, também respectivamente.

Inconformado com a decisão, o arguido M. T. interpôs recurso para este Tribunal, pugnando pela sua absolvição, cuja motivação rematou com as seguintes conclusões:

«1. O Tribunal a quo cometeu erro de julgamento na questão da apreciação da prescrição do procedimento criminal no tocante ao ora Recorrente, ao considerar que as impugnações judiciais apresentadas por E. R., em sede de IRS e de IVA, suspendem o processo penal tributário, suspendendo também o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente a todos os arguidos envolvidos.
2. Porém, na senda do que vem entendendo a jurisprudência nesta matéria, sendo a impugnação estritamente pessoal, não pode beneficiar ou prejudicar terceiros, sob pena de se subverter o próprio direito penal.
3. Assim, os efeitos da impugnação em sede de processo penal tributário apenas poderão/poderiam repercutir-se na esfera jurídica do arguido cuja situação tributária fosse aí discutida, o que não é o caso.
4. Não operando na esfera jurídica do Recorrente qualquer circunstância susceptível de suspender o processo crime, o prazo de prescrição do procedimento criminal começou a sua contagem a partir da data da sua constituição como arguido nos presentes autos, isto é, a 23/09/2005.
5. Considerando que o prazo em causa é de 10 anos, atento o disposto nos artigos 104º, n.º 1 do RGIT, artigo 21º, n.º 2 do RGIT e artigo 118º, n.º 1, al. b) do CP, na presente data encontra-se prescrito o procedimento criminal instaurado ao Recorrente.
6. Por ofender as normas supra identificadas, a decisão sobre a prescrição do procedimento criminal deverá ser anulada.
7. A fundamentação, não permite que os sujeitos processuais em particular e os cidadãos em geral compreendam a razão por que certa prova convenceu o Julgador da veracidade de certo facto.
8. Essa análise, no que respeita a esse tipo de prova, não passa sem que se explicitem as razões por que o tribunal considerou credível um certo depoimento e, portanto, a medida do seu contributo para formar a convicção do Julgador.
9. É indiscutível que o Tribunal desenvolveu um trabalho de identificação das provas em que fundou a sua convicção e de descrição do conteúdo de cada uma das provas relevantes.
10. Porém, não explicou, isto é, o processo racional que lhe permitiu (e permite a qualquer de nós) extrair de uns e outros a certeza (a convicção) de serem verdadeiros certos factos.
11. O acórdão recorrido, por violar o disposto no n.º 2 do artigo 374º do CPP, padece de três vícios, a saber:

a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, por não conter os factos necessários à explicitação lógica e racional essencial a que, face às regras da experiência comum seja permitido relacionar cada uma das provas consideradas e os factos concretos, designadamente:
i) Quanto à (in)existência de uma correlação entre a prova produzida e a forma ativa do Recorrente ter utilizado meio fraudulento logrando obter vantagem patrimonial;
ii) Quanto à (in)existência de uma correlação entre a “gerência” da atividade de E. R. e o “esquema” desenhado por todos os arguidos;
iii) Quanto à correlação entre as decisões proferidas no âmbito do processo tributário, e que afetam única e exclusivamente a esfera jurídica de E. R. e a factualidade vertida nos pontos 57, 58, 59 a 66 e 68 da matéria assente;
iv) Quanto à existência de correlação entre os factos vertidos no ponto 56 em diante com a prova constante dos autos;
b) Erro notório na apreciação da prova, designadamente pelo facto de nenhuma das testemunhas ter deposto com conhecimento sobre o plano criminoso, sobre o alegado esquema de defraudação do Estado, sobre a intenção concertada e conjunta com obtenção de vantagem patrimonial indevida. Ocorreu, assim, desfasamento entre as provas e as conclusões que o Tribunal a quo delas retirou.
c) Contradição na decisão da matéria de facto, designadamente entre os factos constantes dos pontos 34 e 35 e os pontos 64 e 66 da matéria de facto assente. Nos primeiros refere-se que o estratagema consistia em incorporar na contabilidade regular da E. R. faturas que não titulam qualquer operação realizada pelo outros arguidos identificados e com intenção primordial que E. R. pagasse menos impostos em sede de IRS e IVA e nos segundos refere-se que ao valor que o arguido M. T. apresentou para efeitos de apuramento do IRS deveria acrescer o valor constante das referidas faturas e que o arguido M. T. obteve em IRS, uma vantagem patrimonial ilegítima de € 256.096,13, em 2001, e de € 232.320,70, em 2002. A contradição ressalta da circunstância de apenas o sujeito passivo de imposto estar obrigado ao cumprimento das obrigações tributárias, entre elas a obrigação declarativa.
É sujeito passivo de IRS aquele que aufere rendimentos em território nacional e aí resida.
O Recorrente não é o sujeito passivo dos impostos em causa nos presentes autos.
12. Pelo exposto o Recorrente entende que a fundamentação revela-se manifestamente insuficiente, comete erro notório na apreciação e ainda revela contradições – al. a) a c) do n.º 2 do artigo 410º do CPP – vícios que geram a nulidade do acórdão nos termos do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 379º do CPP.
13. A fundamentação da sentença em mérito regista, em síntese, que para formar a sua convicção quanto aos factos provados o tribunal se baseou:
14. No depoimento das várias testemunhas e na documentação constante dos autos (incluindo apensos).
15. O Tribunal identificou, por conseguinte, cada uma das provas por si consideradas decisivas. E é também indiscutível que, a propósito de cada uma delas, fez a súmula do respectivo conteúdo.
16. Ficamos, portanto, a saber que naquelas provas, com aquele conteúdo descrito na sentença, firmou e formou o Tribunal a sua convicção.
17. No tocante à Impugnação da Matéria de Facto, há um conjunto de factos sem os quais o Recorrente jamais poderá ser condenado pelos crimes que lhe são imputados, e que poderão ser subdivididos em quatro circunstâncias fácticas:

i) Prova da gerência da atividade da E. R. – factos provados n.º 3, 4, 33, 37, 55 e 71
ii) Prova da falta de estrutura das sociedades emitentes das faturas – factos provados 38 a 44, 47 e 48, 65, 69, 70 e 72
iii) Prova relativa aos meios de pagamento utilizados – factos provados n.º 50 a 52 e 54
iv) Prova da quantificação da vantagem patrimonial ilegítima – factos provados n.º 57 a 68
Assim, 18. Analisando o acórdão condenatório em questão, entende o Recorrente, neste âmbito e no seu modesto parecer, que os meios/elementos de prova constantes do processo, corretamente apreciados, também segundo as regras da experiência, impunham decisão diferente quanto à matéria de facto. Esta conjugação dos elementos de prova impõe, em suma que se eliminem estes factos do elenco da matéria provada.
19. Impõe-no sobretudo porque se trata de factos cruciais na argumentação do acórdão e no desenvolvimento do raciocínio que conduziu à condenação do Recorrente.
20. A condenação do Recorrente teve como base as seguintes circunstâncias: 1. As faturas não continham designação específica dos serviços prestados; 2. Ausência de registo de trabalhadores das sociedades emitentes das faturas; 3. Relação entre alguns dos emitentes das faturas entre si e com a E. R.; 4. Ausência total de capacidade produtiva/estrutura por parte de algumas sociedades, evidenciada em subcontratação; 5. Sociedades que, embora possuindo capacidade produtiva recorriam, ainda assim, a subcontratação; 6. Esquema de circularização de cheques cujos montantes conheceram o arguido M. T., ocorrência refere o acórdão recorrido que “se mais não houvesse, evidencia à saciedade, que os serviços não foram prestados”.
21. Na verdade e como já supra aqui se referiu, nenhuma das testemunhas depôs sobre o conhecimento que o Recorrente tinha ou não tinha da existência dum plano criminoso, dum esquema de defraudação do Estado em conjunto com os demais arguidos, nem da intenção do Recorrente de colaborar conscientemente nesse objetivo.
22. Pese embora os senhores inspetores que realizaram inspeção à E. R. terem sido peremptórios a referir que o Recorrente geria a “empresa” da E. R., a testemunha C. R. confirmou que a sua intervenção é já na reta final da ação de fiscalização e que apenas fez análise à parte financeira, e a testemunha J. M. referiu que qualquer questão que tivesse “tínhamos de falar com a D. E. R. porque era a responsável, dona da empresa” [depoimentos prestados na sessão de audiência de julgamento do dia 21/02/2018 – o 1º com início às 10.21.00 e termo às 11.44.24 e o 2º com início às 11.49.52 e termo às 12.40.39].
23. As testemunhas supra confirmaram o teor do relatório de inspeção de fls. 318 e 766-796 dos autos.
24. Porém, é do conhecimento geral que os relatórios de inspeção não se regem por princípios orientadores do direito penal, antes assentando em convicções, presunções e conclusões pessoais que não podem sustentar decisão condenatória.
25. A gerência foi imputada ao Recorrente, à míngua de outras provas, pelo facto de ser pai da E. R. e com ela ter uma conta bancária, tendo assinado autorização para levantamento de sigilo bancário.
26. Não constam dos autos quaisquer elementos de prova que sustentem que era o Recorrente quem contactava com clientes e fornecedores, quem era o responsável pela administração e pagamentos devidos pelo exercício da atividade, pagamento de impostos, gestão da contabilidade, direção dos trabalhos e trabalhadores, e apresentação das declarações de impostos.
27. Sem estes elementos devidamente comprovados jamais o Tribunal a quo poderia ter considerado assente os factos n.º 3 e 4, 33, 37, 55 e 71, que, por esse motivo, foram incorrectamente julgados.
28. Atenta a inexistência de provas concretas, designadamente considerando os depoimentos das testemunhas supra referenciadas, impunha-se decisão diversa da recorrida.
29. Vão impugnados também os factos vertidos nos pontos 33 a 44, 47 e 48 e 65, relativos à estrutura das sociedades emitentes designadamente por dos relatórios de inspeção juntos autos, designadamente o relatório relativo à sociedade CONTRUÇÕES J., LDA., de fls. 1933-1955 dos autos, X CONSTRUÇÕES LDA., de fls. 1959-1979, CONSTRUÇÕES Y, LDA., de fls. 2016-2025 e TERRAPLANAGENS K, LDA., de fls. 1991-2001, resultar que, na verdade, existiam sociedades que detinham estrutura, manifestando capacidade produtiva por deterem trabalhadores inscritos ao seu serviço.
30. O que não resulta dos respetivos relatórios, nem dos depoimentos em sede de audiência de julgamento, é a relação entre a capacidade produtiva e as faturas concretamente em causa nos autos relativamente a cada uma das sociedades evidenciadas.
31. Sem esse trabalho, não era possível ao Tribunal a quo determinar, com todo o rigor e certeza necessários, que aqueles concretos serviços não foram realizados porque, com base na capacidade produtiva demonstrada, era impossível a prestação dos evidenciados serviços.
32. Assim sendo, e apenas considerando o facto de algumas das sociedades serem não declarantes, por si só não é suficiente para sustentar a inexistência da prestação dos serviços descritos nas faturas emitidas.
33. Pelo exposto, resulta claro o erro de julgamento da matéria de facto vertida nos pontos identificados na conclusão 29.
34. Também não resulta de qualquer elemento de prova constante nos autos que o Recorrente acompanhasse os beneficiários dos cheques, nem que o resultado dos levantamentos em numerário lhe fosse entregue.
35. Nenhum inspector tem conhecimento direto desses factos, nem tal circunstância pode ser comprovada através de outros elementos de prova.
36. Pelo que os factos vertidos nos artigos 50 a 52 e 54 foram incorrectamente julgados, sem qualquer sustentação probatória.
37. Já a vantagem patrimonial ilegítima, de € 1.189.036,02 não encontra sustentação legal.
38. Na verdade, dos elementos constantes dos autos, designadamente a informação prestada pela Direção de Finanças ..., de fls. 2613 a 2619 dos autos, resulta que em sede de IRS para o ano de € 2001, a vantagem patrimonial situa-se nos € 256.096,13, e para o ano de 2002, em € 232.320,71 e, em sede de IVA, para o ano de 2001, € 108.906,02 (valores relativos ao 1º e 2º trimestre de 2001, cuja caducidade do direito de ação da Autoridade Tributária foi determinada por decisão proferida pelo TAF de Braga, o que significa que a AT perdeu o direito de liquidar aquele valor e de o cobrar à E. R.), e para 2002, € 107.759,71.
39. Na condenação ao Recorrente o Tribunal a quo não teve, assim, em consideração os elementos constantes dos autos, aos quais obrigatoriamente teria de atender, por configurarem certidões de decisões proferidas no âmbito de processos tributários – de fls. 394-422, 427-466, 2178-2179, 2181-2205, 2217-2307 e 2323-2416, com efeito de caso julgado no processo penal tributário, na senda do disposto no artigo 48º do RGIT – disposição que o douto acórdão em recurso violou.
40. Por esse motivo aponta erro de julgamento da matéria de facto, desde logo impugnando a materialidade assente nos pontos 57 e 68, que deverá ser julgada não demonstrada e alterada em conformidade.
41. Faltam os pressupostos imprescindíveis à qualificação do Recorrente M. T. como co-autor da infração, no âmbito do disposto no artigo 103º n.º 1, al. a) e n.º 2 do artigo 104º, ambos do RGIT.
42. Na verdade autor de fraude fiscal é o sujeito passivo das obrigações fiscais.
43. Pressuposto que tem de se verificar sempre.
44. O tipo legal de fraude fiscal apresenta como aspectos particulares o facto de os comportamentos típicos taxativamente elencados nas alíneas do n.º 1 do art. 103º do RGIT constituírem a violação de deveres fiscais de colaboração com a Administração fiscal, de lealdade e de informação, o caráter patrimonial da conduta típica, todo o tipo ter subjacente a existência prévia de uma relação jurídico-tributária cujos sujeitos são a Administração fiscal e o sujeito passivo do imposto, e a unidade do tipo ser conferida pela exigência de afetação de uma realidade genuinamente tributária traduzida pela contribuição fiscal que efetivamente cabe ao sujeito passivo.
45. O artigo 13º do CIRS prevê que ficam sujeitas a este imposto as pessoas, singulares que aufiram rendimentos em território nacional.
46. O artigo 18º da Lei Geral Tributária prevê que sujeito passivo é a pessoa, singular ou coletiva, que, nos termos da lei está vinculada ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável.
47. Não se verificando nenhuma destas circunstâncias na pessoa do Recorrente, este não poderia ser considerado autor de crime de fraude fiscal e muito menos co-autor, dado apenas ser responsável pelos seus próprios rendimentos.
48. Impõe-se assim, pela violação das disposições legais supra evidenciadas, designadamente o disposto no artigo 13º do CIRS, o artigo 18º da LGT e o artigo 103º e 104º do RGIT, a anulação da condenação a que o Recorrente foi sujeito.
49. No tocante à medida da pena, se a matéria de facto vier alterada, como se propugna, implicará a absolvição do arguido.
50. Porém, e caso assim não seja entendido, atenta a elevada medida concreta da pena aplicada, o facto de o Tribunal a quo ter considerado o montante de € 1.189.036,32, manifestamente superior ao apuramento efetuado pela Direção de Finanças ..., impõe, por si só, aplicação de pena diversa da aplicada.
51. Considera, pois o Recorrente, a pena que lhe foi aplicada, atentas as circunstâncias, foi manifestamente excessiva.
52. O acórdão em recurso violou os artigos nºs 2, artigo 21º, 47º, 48º, 103º e 104º, todos do RGIT, 13º do CIRS, 18º da LGT, 374º,379º,410º do CPP, 20º e 32º da CRP e 14º, 71º, 72º e 118º, n.º 1, al. b), todos do CP.»

O arguido A. J., também interpôs recurso, de cuja motivação se extraem as conclusões que seguem:

«A) O douto acórdão recorrido, ao não declarar prescrito o procedimento criminal relativamente ao ora Recorrente, interpretou e aplicou erradamente o preceituado nos art.ºs 21.º, n.ºs 1 e 4, e 47.º, n.º 1, do RGIT.
B) Com efeito, tendo o Recorrente sido constituído arguido no dia 18/12/2006, data em que ficou interrompida a prescrição, e sendo o prazo prescricional de 10 anos, tal prazo, na falta de causa de suspensão, ficou completo no dia 18/12/2016, anterior à acusação.
C) As impugnações judiciais deduzidas pela arguida (entretanto despronunciada) E. R. não determinaram a suspensão do processo e da prescrição nos termos do art.º 47.º, n.º 1, e 21.º n.º 4, do RGIT relativamente aos arguidos não impugnantes, como é o caso do ora Recorrente.
D) Deveria, pois, o douto acórdão sob recurso ter declarado extinto o procedimento criminal relativamente ao Recorrente.
E) Em todo o caso, não se verificam relativamente ao Recorrente os pressupostos definidos no art.º 110.º, n.º 1, alínea b), n.ºs 3 e 4, do Código Penal, para que seja declarada perdida a favor do Estado uma qualquer vantagem patrimonial por si obtida ou para que seja condenado a pagar uma qualquer quantia ao Estado com fundamento naquele preceito legal.
F) E isto porquanto não foi dada como provada uma qualquer vantagem patrimonial obtida apelo Recorrente e, caso devesse responder – e não há fundamento para tal – por um qualquer pagamento, este teria de limitar-se aos impostos apurados na esfera dos utilizadores com base nas facturas emitidas pela sociedade de que foi gerente e que nada têm a ver com os indicados 1.189.036,02 €.»

Os recursos foram admitidos por despacho proferido a fls. 2900.

O Ministério Público, em 1ª instância, apresentou resposta aos recursos, pugnando pela sua total improcedência, por entender que: não se encontra prescrito o procedimento criminal relativamente a ambos os recorrentes, porque a razão da suspensão radica na implicação que a impugnação/oposição tributária tem na qualificação criminal dos factos imputados e não na qualidade do sujeito (impugnante ou não); não assiste razão ao recorrente M. T., ao imputar ao acórdão recorrido falta de fundamentação e os vários vícios previstos no n.º 2 do art. 410º do CPP, pois todo o acórdão se desenvolve e se desenrola com manifesta clareza e correcção técnico-legal em termos de fundamentação e de metodologia, perfilando-se, como corolário lógico da matéria de facto dada por provada no concreto da lei aplicável e das regras da experiência comum e no quadro do binómio culpa-ilicitude dos factos; a pena concreta fixada é ajustada, não ultrapassando os limites da culpa e dando resposta cabal aos ditames e princípios da prevenção geral e de uma prevenção especial ressocializadora; a quantia global de € 1.189.036,02 declarada perdida, corresponde à vantagem patrimonial, que, por via dos comportamentos que os arguidos prosseguiram, na medida em que, actuaram em conjugação de esforços e de comum entre todos, num esquema desenhado em conjunto, sendo a conduta de todos que, como co-autores, implicou a obtenção de vantagem patrimonial no montante global de pelo menos €1.189.036,02.

E, neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, pugnando pela improcedência total dos recursos, porque: o efeito suspensivo dos autos de impugnação, por razões inerentes à natureza relativamente indeterminável do objecto da investigação criminal, repercute-se inevitavelmente em todos os arguidos, fossem ou não partes na acção de impugnação em sede jurisdicional tributária – para a qual, aliás, não dispunham de legitimidade substantiva por não serem sujeitos da correlativa relação tributária – pois, se assim não fosse, estar-se-ia a derrogar as normas básicas da coautoria e da ilicitude da comparticipação plasmadas nos arts. 26º e 28º do C. Penal, e para as quais o art. 3º, alínea a), do RGIT, apela a título subsidiário.

Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.
Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, n.º 3, al. c), do CPP.
*
II – Fundamentação

Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo de questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as questões (organizadas pela ordem lógica das consequências da sua eventual procedência) de saber se:

1 - encontra-se prescrito o procedimento criminal em relação a ambos os recorrentes;
2 - a decisão sobre a matéria de facto deve ser modificada por sofrer de
- insuficiência da respectiva fundamentação (exame crítico da prova),
- erro notório e de contradição
- e erro de julgamento;
3 - faltam os pressupostos para qualificar o recorrente M. T. como coautor da infração;
4 - é elevada a medida concreta da pena aplicada ao recorrente M. T.;
5 - não existem elementos nos autos que fundamentem a declaração de perda das vantagens auferidas no montante de € 1.189.036,32, superior ao apurado em sede tributária.
*
Importa decidir, para o que deve considerar-se como pertinente a factualidade considerada na decisão recorrida:

Factos provados:

Acusação pública

1. E. R. esteve coletada, pelo menos nos anos de 2001 a 2003, como empresária em nome individual, para a atividade económica de construção de edifícios, no todo ou em parte, e engenharia civil, a que correspondia o CAE …, encontrando-se, para o efeito, tributada, em sede de IRS, na categoria B, relativa a rendimentos empresariais, e enquadrada, em sede de IVA (Imposto sobre o Valor Acrescentado), no regime normal trimestral (atualmente na situação de cessada em sede deste imposto).
2. Tinha como competente o Serviço de Finanças de Esposende.
3. Pese embora a atividade de construção civil se encontre registada unicamente em nome de E. R., esta era exercida pelo arguido M. T., pai da mesma.
4. Com efeito, era o arguido M. T. que representava e exercia a atividade de construção civil registada em nome de E. R., nomeadamente contactava com clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos devidos pelo exercício da referida atividade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhos e dos trabalhadores.
5. A sociedade X Construções, Lda., com sede em …, …, Marco de Canavezes, com o NIPC …, tem como atividade a construção de edifícios, a que corresponde o CAE ….
6. O arguido J. P. representou a sociedade arguida X Construções, Lda., perante clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
7. O arguido J. P. exerceu tais funções de representação da sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, desde a data da constituição desta sociedade em 1999 até ao dia 12/06/2002, data em que renunciou à sua gerência.
8. A sociedade P. & S., Lda., com o NIPC ..., com sede no Edifício …, de Marco de Canaveses, tem como atividade a construção civil e obras públicas, a que corresponde o CAE ….
9. O arguido J. P. representou esta sociedade arguida P. & S., Lda. perante clientes e fornecedores e foi o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
10. O arguido J. P. exerceu tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, pelo menos desde a data da sua constituição em 1996 até abril de 2016.
11. A sociedade ST., Construções, Lda., com o NIPC ..., com sede na Freguesia de ..., Marco de Canavezes, tem como atividade a construção civil, a que corresponde o CAE ….
12. Os arguidos J. F. e A. P. geriram de direito a sociedade até 06/06/2002, data em que passaram a constar do registo comercial da referida sociedade ST., Construções, Lda. como gerentes José (NIF …) e J. S. (NIF …).
13. Pese embora no registo comercial tenha passado a constar que o cargo de gerente passou a ser exercido após junho de 2002 pelos José e J. S., o certo é que, após esta data, foi o arguido A. P. quem exerceu todos os atos de gestão da referida sociedade, pelo que, pelo menos entre 2001 e 2004, foi este arguido quem representou a sociedade perante clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores, bem como pela emissão das respetivas faturas.
14. O referido arguido exerceu tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, pelo menos entre janeiro de 1997 e 21 de novembro de 2011, data em que foi registado o encerramento da liquidação da sociedade e o consequente cancelamento da matrícula.
15. A Sociedade de Construções e Terraplanagens K Unipessoal, Lda., com o NIPC …, com sede em Lugar de …, Marco de Canavezes, tem como objeto e atividade a construção civil, a que corresponde o CAE ….
16. Os arguidos J. F. e A. P. representaram esta sociedade arguida Sociedade de Construções e Terraplanagens K Unipessoal, Lda., perante clientes e fornecedores e eram os responsáveis pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
17. Os arguidos J. F. e A. P. exerceram tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, desde a data da constituição desta sociedade em 10 de outubro de 2001 e até pelo menos abril de 2004.
18. Por sua vez, a sociedade Construções W, Lda. com o NIPC …, com sede em …, Amarante, tinha como atividade a construção e engenharia civil, construção de estradas, vias férreas, aeroportos, e instalações desportivas, engenharia hidráulica, obras especializadas de construção, instalações especiais, atividades de acabamento e terraplanagens, a que corresponde o CAE ….
19. Os arguidos F. M. e L. P. representaram a sociedade arguida Construções W, Lda., perante clientes e fornecedores e eram os responsáveis pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
20. Os arguidos F. M. e L. P. exerceram tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, desde a data da constituição desta sociedade, no ano de 1997, no caso do primeiro até 29/12/2014, data em que a matrícula desta sociedade foi cancelada, e, no caso da segunda, até 24/06/2005.
21. A sociedade Construções J., Lda., com o NIPC …, com sede em …, Amarante, tinha como atividade a construção e reparação de edifícios, a que corresponde o CAE ....
22. O arguido A. J. representou a sociedade arguida Construções J., Lda., perante clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
23. O arguido A. J. exerceu tais funções de representação da sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, desde a data da constituição desta sociedade em 1996 e até 20 março de 2014, data em que a matrícula desta sociedade foi cancelada.
24. A sociedade Construções AA, Lda., com o NIPC … com sede em …, concelho de Baião, tinha como atividade a construção de edifícios para venda e a compra e venda de imóveis, a que corresponde o CAE ....
25. O arguido A. P. representou a sociedade arguida Construções AA, Lda., perante clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
26. O arguido A. P. exerceu tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, pelo menos entre junho de 2001 e 07 de outubro de 2016, data em que esta sociedade foi dissolvida e encerrada e registado o respetivo cancelamento da matrícula.
27. A sociedade C. M., sociedade Unipessoal Lda., com o NIPC …, com sede Bairro da … Fafe, tem como atividade a construção civil, a que corresponde o CAE ….
28. O arguido C. M. representou esta sociedade C. M., sociedade Unipessoal Lda. perante clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
29. O arguido C. M. exerceu tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, pelo menos desde a data da sua constituição em 02 de janeiro de 2002 até ao presente.
30. A sociedade Construções Y Lda., com o NIPC …, com sede em …, Marco de Canaveses, tinha como atividade a construção civil e obras públicas, a que corresponde o CAE ....
31. O arguido M. V. representou a sociedade Construções Y Lda., perante clientes e fornecedores e eram os responsáveis pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
32. O arguido M. V. exerceu tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, desde a data da constituição desta sociedade em 21 de setembro de 2001 até 21 de novembro de 2011, data em que a matrícula desta sociedade foi cancelada.
33. Aproveitando os contactos que tinham entre si, em data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o início do ano de 2001 até finais de 2003, o arguido M. T., na qualidade de gerente da atividade desenvolvida em nome individual de E. R., combinou com os arguidos J. P., A. P., J. F., A. J., C. M. e M. V., em representação das ditas sociedades, um estratagema para, através da emissão e utilização de faturas sem qualquer suporte em serviços prestados, evitarem o pagamento dos impostos devidos pela E. R. a título de IVA e de IRS, assim se locupletando de verbas a que não tinham direito.
34. Com efeito, tal estratagema consistia em incorporar na contabilidade regular de E. R., de forma sistemática e reiterada, faturas fictícias, que não titulam qualquer operação efetivamente realizada, emitidas pelos arguidos acima referidos, em representação das referidas empresas denominadas X Construções, Lda. (NIPC …), P. & S., Lda. (NIPC …), ST. Construções, Lda. (NIPC …), Sociedade de Construções J., Lda. (NIPC …),Construções AA, Lda. (NIPC: …), C. M. Sociedade Unipessoal, Lda. (NIPC …), Construções Y, Lda. (NIPC …) e Sociedade de Construções e Terraplanagens K, Lda. (NIPC …)
35. Este esquema desenhado em conjunto pelos arguidos J. P., A. P., J. F., A. J., C. M. e M. V., de incorporação de faturas na contabilidade regular de E. R. que documentassem transações comerciais/fictícias e/ou prestações de serviços que não correspondiam efetivamente a trabalhos e/ou serviços prestados, tinha como intenção primordial que E. R., em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), pagasse menos impostos, ao declarar perante a Administração Tributária os valores titulados pelas faturas como custos, o que implicava redução do lucro tributável, e também ao deduzir o valor de IVA correspondente às faturas que se encontrassem nestas condições.
36. Para o efeito, as referidas empresas através dos referidos arguidos, seus representantes, durante os anos de 2001 a 2003, no período compreendido entre os dias 29/01/2001 e 30/09/2004 emitiram, forneceram e entregaram a favor de E. R., as seguintes faturas que, segundo a descrição nelas inscrita, respeitam a “serviços ou trabalhos prestados na área da construção civil”, nomeadamente trabalhos de construção e reparação de edifícios:

Ano de 2001

74
X Construções, Lda.
2001-01-29
0059
P. & S., Lda.
2001-01-29
60
P. & S., Lda.
2001-01-30
75
X Construções, Lda.
2001-02-26
0080
X Construções, Lda.
2001-02-26
0062
P. & S., Lda.
2001-02-26
83
X Construções, Lda.
2001-02-27
0065
P. & S., Lda.
2001-02-28
106
ST. Construções, Lda.
2001-03-07
67
P. & S., Lda.
2001-03-27
1.º Trimestre de 2001
0097
X Construções, Lda.
2001-04-24
0069
P. & S., Lda.
2001-04-24
201
ST. Construções, Lda.
2001-04-26
73
P. & S., Lda.
2001-05-28
212
ST. Construções, Lda.
2001-05-28
2.º Trimestre de 2001
Ano de 2001

Ano de 2002

50.378,59
8.564,36
58.942,95
57.361,76
9.751,50
67.113,26
48.882,19
8.309,97
57.192,16
57.760,80
9.819,34
67.580,14
59.356,95
10.090,68
69.447,63
60.354,55
10.260,27
70.614,82
40.402,63
6.868,45
47.271,08
37.409,84
6.359,53
43.769,37
58.109,96
9.878,69
67.988,65
60.853,34
10.345,07
71.198,41
530.870,61
90.247,86
621.118,47
70.336,74
11.957,25
82.293,99
75.312,75
12.803,17
88.115,92
75.819,03
12.889,23
88.708,26
124.204,92
21.114,84
145.319,76
124.212,15
21.116,07
145.328,22


N.º Fatura
Nome do emitente
Data
Base Tributável
IVA Liquidado
Total de Fatura
104
P. & S., Lda.
22-03-2002
63.000,00
10.710,00
73.710,00
0427
ST. Construções, Lda.
22-03-2002
62.355,00
10.600,35
72.955,35
1.º Trimestre de 2002
125.355,00
21.310,35
146.665,35
0070A
Constru. AA, Lda.
26-04-2002
71.250,00
12.112,50
83.362,50
130
P. & S., Lda.
24-05-2002
99.975,00
16.995,75
116.970,75
0066
C. M , Lda.
31-05-2002
4.276,80
727,06
5.003,86
136
P. & S., Lda.
21-06-2002
74.820,00
14.215,80
89.035,80
0092A
Constru. AA, Lda.
21-06-2002
75.000,00
14.250,00
89.250,00
132
P. & S., Lda.
21-06-2002
88.020,00
16.723,80
104.743,80
0074A
Constr. AA, Lda.
21-06-2002
88.005,00
16.720,95
104.725,95
0512
ST. Construções, Lda.
21-06-2002
78.990,00
15.008,10
93.998,10
0441
ST. Construções, Lda
21-06-2002
90.000,00
17.100,00
107.100,00
0434
ST. Construções, Lda.
24-06-2002
70.500,00
11.985,00
82.485,00
2.º Trimestre de 2002
740.836,80
135.838,96
876.675,76
0051B
Constru. AA, Lda.
26-07-2002
66.750,00
12.682,50
79.432,50
151
construções e terraplanagens K
26-07-2002
66.300,00
12.597,00
78.897,00
51
C. M.,
30-07-2002
67.005,00
12.730,95
79.735,95
579
Sociedade de Construções J., Lda.
21-08-2002
37.878,00
7.196,25
45.074,25
580
Sociedade de Construções J., Lda.
21-08-2002
37.500,00
7.125,00
44.625,00
582
Sociedade de Construções J., Lda.
26-08-2002
38.010,00
7.221,90
45.231,90
583
Sociedade de Construções J., Lda.
26-08-2002
36.990,00
7.028,10
44.018,10
0064B
Constru.AA, Lda.
30-08-2002
35.025,00
6.654,75
41.679,75
059
C. M.,
30-08-2002
49.500,00
9.405,00
58.905,00
058
C. M.,
30-08-2002
50.010,00
9.501,90
59.511,90
0083
Constru. Y, Lda.
30-08-2002
61.995,00
11.779,05
73.774,05
180
construções e terraplanagens K
30-08-2002
62.775,00
11.927,25
74.702,25
190
construções e terraplanagens K
30-08-2002
34.875,00
6.626,25
41.501,25
585
Construções J.
16-09-2002
38.250,00
7.267,50
45.517,50
584
Construções J.
16-09-2002
36.525,00
6.939,75
43.464,75
179
construções e terraplanagens K
24-09-2002
34.470,00
6.549,30
41.019,30
186
construções e terraplanagens K
24-09-2002
53.880,00
10.237,20
64.117,20
587
Construções J.
26-09-2002
35.010,00
6.651,90
41.661,90
588
Construções J.
26-09-2002
33.750,00
6.412,50
40.162,50
060
C. M.
30-09-2002
50.040,00
9.507,60
59.547,60
061
C. M.
30-09-2002
50.100,00
9.519,00
59.619,00
0085
Construções Y
30-09-2002
62.025,00
11.784,75
73.809,75
3.º Trimestre de 2002
1.038.663,00
197.345,40
1.236.008,40
108
C. M.
02-10-2002
64.200,00
12.198,00
76.398,00
591
Construções J.
22-10-2002
32.430,00
6.161,70
38.591,70
592
Construções J.
22-10-2002
27.450,00
5.215,50
32.665,50
100
Construções Y
30-10-2002
63.990,00
12.158,10
76.148,10
595
Construções J.
22-11-2002
34.920,00
6.634,80
41.554,80
596
Construções J.
22-11-2002
34.725,00
6.597,75
41.322,75
0079B
Constru. AA
30-11-2002
19.005,00
3.610,95
22.615,95
600
Construções J.
20-12-2002
44.925,00
8.535,75
53.460,75
601
Construções J.
20-12-2002
44.775,00
8.507,25
53.282,25
602
Construções J.
20-12-2002
44.850,00
8.521,50
53.371,50
4.º Trimestre de 2002
411.270,00
78.141,30
489.411,30
Total de 2002
1.449.933,00
275.486,70
1.725.419,70
Ano de 2003
N.º Fatura
Nome do emitente
Data
Base Tributável
IVA Liquidado
Total de Fatura
606
Construções J.
2003-01-20
64.200,00
12.198,00
76.398,00
607
Construções J.
2003-01-20
66.000,00
12.540,00
78.540,00
610
Construções J.
2003-02-21
67.500,00
12.825,00
80.325,00
612
Construções J.
2003-03-21
63.000,00
11.970,00
74.970,00
613
Construções J.
2003-03-21
69.000,00
13.110,00
82.110,00
117
C. M., Lda.
2003-03-31
52.500,00
9.975,00
62.475,00
1.º Trimestre de 2003
382.200,00
72.618,00
454.818,00
615
Construções J.
2003-04-11
69.825,00
13.266,75
83.091,75
118
C. M., Lda.
2003-04-30
63.000,00
11.970,00
74.970,00
2.º Trimestre de 2003
132.825,00
25.236,75
158.061,75
348
construções e terraplanagens K
2003-09-30
71.006,00
13.491,14
84.497,14
3.º Trimestre de 2003
71.006,00
13.491,14
84.497,14
Total de 2003
586.031,00
111.345,89
697.376,89

1. As referidas faturas, em nome de E. R., foram entregues ao arguido M. T., que geria a sua atividade, em conformidade com o referido plano entre todos desenhado.
2. Sucede que, não obstante o teor das faturas acima descritas, as sociedades X Construções, Lda., P. & S., Lda., ST. Construções, Lda., Sociedade de Construções J., Lda., Construções AA, Lda., C. M. Sociedade Unipessoal, Lda., Construções Y, Lda. e Sociedade de Construções e Terraplanagens K, Lda., que as emitiram, não executaram qualquer serviço, nem possuíam estrutura empresarial adequada para prestar serviços nos montantes faturados.
3. Com efeito a sociedade X Construções, Lda. (NIPC …) não indica nas faturas emitidas em nome E. R., a quantidade dos serviços prestados nem o local das obras ou o tipo de serviço prestado.
4. Por outro lado, a sociedade P. & S., Lda. (NIPC ...), não possuía trabalhadores ao seu serviço desde 1997, nem possuiu qualquer trabalhador no período a que correspondem as faturas supra enunciadas.
5. Acresce que, nas faturas emitidas em nome de E. R., não indicou a quantidade dos serviços prestados nem o local das obras ou o tipo de serviço prestado.
6. As sociedades ST. Construções, Lda. (NIPC ...) e Sociedade de Construções J., Lda. não indicaram a quantidade dos serviços prestados nem o local das obras ou o tipo de serviço prestado.
7. Nas faturas n.ºs861, 875, 885, 923, 912, 942 e 961, emitidas pela Sociedade de Construções W, Lda. não está indicado a quantidade dos serviços prestados nem o local das obras ou o tipo de serviço prestado.
8. A sociedade Construções AA, Lda., por seu lado, não prestou igualmente qualquer serviço, a que acresce que as faturas acima descritas, em nome desta sociedade, foram emitidas pelo seu representante A. P. e entregues, para incorporação na contabilidade de E. R., a pedido do arguido M. T., que geria a atividade em nome daquela.
9. A sociedade C. M. Sociedade Unipessoal, Lda., não possuía igualmente capacidade para prestar os serviços constantes das faturas, a que acresce que não indicou igualmente a quantidade dos serviços prestados nem o local das obras ou o tipo de serviço prestado nas referidas faturas.
10. Acresce ainda que esta sociedade C. M. Sociedade Unipessoal, Lda. não possuía qualquer trabalhador ao seu serviço no período em que foram emitidas as enunciadas faturas.
11. A sociedade Construções Y, Lda., por seu lado, não exerceu qualquer atividade durante o período a que respeitam as faturas que antecedem, nem consequentemente entregou qualquer declaração anual contabilística e fiscal e respetivos anexos J, bem como quaisquer declarações periódicas do IVA e modelo 22 de IRC.
12. A Sociedade de Construções e Terraplanagens K, Lda. não exerceu, igualmente, qualquer atividade durante o período a que respeitam as faturas e consequentemente não entregou as declarações anuais contabilística e fiscal nem os anexos J e P dos exercícios de 2001, de 2002 e de 2003 nem as declarações de rendimentos relativas aos exercícios de 2001 e de 2003.
13. Por outro lado, embora o arguido M. T. tenha emitido cheques a favor dos referidos emitentes das faturas, o certo é que as quantias neles tituladas não se destinava ao pagamento de quaisquer serviços prestados e serviam unicamente para ludibriar contabilisticamente os serviços da Administração Fiscal.
14. Com efeito, os cheques emitidos pelo arguido M. T., em nome de E. R., a favor dos referidos pretensos fornecedores, como pagamento simulado do preço falsamente constante das faturas, foram de seguida endossados e depositados na conta do BANCO ... n.º …, pertencente ao arguido M. T., o que ocorreu com cheques emitidos às empresas P. & S., Lda., Sociedade de Construções J., Lda., ST. Construções, Lda., Sociedade de Construções AA, Lda., X Construções, Lda. e C. M. – Sociedade Unipessoal, Lda., nomeadamente os seguintes cheques, nos anos de 2001 e 2002 e 2003:
ANO 2001
CHEQUE
Número
Data
Valor
liquidação fatura
Fornecedor
32741412
2001/03
12.548.600$
75
X Construções,
32741415
2001/03
11.466.000$
60
P. & S.,
32741442
2001/06
17.784.409$
201
ST Constru.
32741445
s/data
29.133.994$
73
P. & S.,

ANO 2002
CHEQUE
Número
Data
Valor
liquidação fatura
Fornecedor
80551855
2002/04
73.710,00
104
P. & S., Lda.
80551856
2002/04
72.955,35
427
ST Construções, Lda.
80551889
2002/08
89.035,80
136
P. & S., Lda.
80551890
2002/08
89.250,00
092
Constru. AA
80551905
2002/09/17
89.250,00
582/583
S. Constr. J.
80551954
2002/12
106.743,00
600/601
S. Constr. J.
Total
520.944,15
ANO 2003
CHEQUE
Número
Data
Valor
liquidação da fatura
Fornecedor
97235148
2003/05/03
74.970,00
118
C. M., Lda.
total
74.970,00

1. Do mesmo modo, existem ainda outros cheques que foram emitidos pelo arguido M. T., em nome de E. R. e que foram entregues aos respetivos “pretensos fornecedores”, como pagamento dos serviços que constam das faturas, e que foram, de seguida, endossados, acabando o montante neles constante por ser movimentado, maioritariamente, nos balcões de Esposende (0067) e Matosinhos – Sul (0450), por ordem do arguido M. T., desconhecendo-se o destino das quantias respetivas, o que ocorreu com os cheques emitidos às empresas X Construções, Lda., P. & S., Lda., Sociedade de Construções J., Lda. e ST. Construções, Lda., nos seguintes termos:

2. O arguido M. T. emitiu ainda, em nome de E. R., outros cheques a favor das referidas sociedades, com justificação nos pagamentos dos serviços que constavam das ditas faturas e que nunca foram prestados, e que, ao invés do depósito dos valores constantes dos cheques numa das contas destas sociedades emitentes das faturas, eram, por indicação do arguido M. T., levantados no balcão, do Banco ... de Esposende (0067) e Matosinhos Sul (0450), em numerário os montantes que constavam destes cheques.


3. Tal ocorreu com os seguintes cheques:

ANO 2001
CHEQUE
Número
Data
Valor
Liquida. fatura
Fornecedor
Balcão
32741412
2001/03
12.548.600$
75
X Constru.
0067
32741416
2001/03
14.157.000$
62
P. & S.
0067
32741417
2001/03
13.923.000$
80
X Construç.
0067
32741418
2001/03
8.775.000$
65
P. & S.
0067
32741441
2001/06
17.665.654$
69
P. & S.
0450
32741440
2001/06
16.498.462$
97
X Constru.
0450
total
83.567.716$
ANO 2002

CHEQUE
Número
Data
Valor
Liqui.fatura
Fornecedor
Balcão
80551859
2002/05
82.485,00
434
ST Construções
0067
80551860
2002/05
83.362,50
070
Constru.AA
0067
80551867
2002/06/08
116.970,75
130
P. & S.
0067
80551879
2002/07
107.100,00
441
ST Construções
0067
80551880
2002/07/10
104.725,95
074
Constru. AA
0067
80551883
2002/07
104.743,80
132
P. & S..
0067
80551895
2002/08
45.071,25
579
Constru. J.
0067
80551896
2002/08
44.625,00
580
Constru. J.
0067
80551891
2002/08
93.998,10
512
ST Construções
0067
80551907
2002/09
89.250,00
585
Constru. J.
0067
80551906
2002/09
43.464,75
584
Constru. J.
0067
80551909
2002/09/30
81.824,40
587/588
Constru. J.
0067
80551910
2002/09
78.897,00
151
Const.T. K
0067
80551911
2002/09
79.432,50
51B
Constru. AA
0067
80551924
2002/10
71257,00
591/592
Constru. J.
0067
80551922
2002/09
74.702,25
180
Const.T. K
0067
80551932
2002/10
41.501,25
190
Const.T. K
0067
80551931
2002/10
41.679,75
64B
Constr. AA
0067
80551929
2002/10
118.416,90
58/59
C. M.,Lda.
0067
80551930
2002/11
119.166,60
60/61
C. M.,Lda.
0067
80551933
2002/11
105.136,50
179 e 186
Const.T. K
0067
80551935
2002/10
147.583,30
83 e 85
Construções Y
0067
80551953
2002/12
53.371,50
602
Constru. J.
0067
80551941
2002/12
76.148,10
100
Construções Y
0067
Total
2.004.914,85
ANO 2003

CHEQUE
Número
Data
Valor
Liquid. fatura
Fornecedor
Balcão
80551964
2003/01
78.540,00
607
Constru. J.
0067
80551965
2003/01
76.398,00
606
Constru. J.
0067
80551942
2003/01
76.398,00
108
C. M.
0067
80551978
2003/02
80.325,00
610
Constru. J.
0067
97235131
2003/03
82.110,00
613
Constru. J.
0067
97235130
2003/03
74.970,00
612
Constru. J.
0067
97235140
2003/04/11
83.091,75
615
Constru. J.
0067
97235210
2003/11/13
84.497,14
348
Const.T. K
0067
80551968
2003/01
22.615,95
79B
Constru. AA
0067
total
658.945,84

1. Estes montantes em numerário eram depois devolvidos ao arguido M. T., descontados os valores que eram devidos aos representantes das sociedades pela emissão das faturas falsas e sem qualquer correspondência com serviços prestados, em valor não concretamente apurado.
2. Uma vez na posse das referidas faturas o arguido M. T., apesar de bem saber que as mesmas não refletiam serviços efetivamente prestados nem materiais efetivamente adquiridos, e por isso eram falsas, incluiu tais faturas na contabilidade regular em nome de E. R., registando-as e discriminando-as, para efeitos de declaração em sede de IRS e de IVA, que entregou na Repartição de Finanças de Barcelos, assim incrementando artificialmente os custos do exercício anual do ano de 2001, 2002 e 2003, nos montantes globais das faturas em causa e, consequentemente, diminuíram, na mesma proporção, o valor da sua matéria coletável e consequentemente do imposto a pagar.
Deste modo, no que concerne ao IVA:
3. A utilização por parte do arguido M. T. das aludidas faturas na contabilidade em nome de E. R. teve como consequência a dedução indevida de IVA, o que implicou a obtenção de uma vantagem patrimonial relativamente a este imposto.
4. Com efeito, o referido arguido, em sede de IVA, ao fazer constar o imposto suportado nas faturas, bem sabendo que elas não correspondiam a serviços efetivamente prestados, obteve as seguintes vantagens patrimoniais através da dedução indevida deste imposto nos seguintes montantes e períodos que se concretizam:
Período
IVA indevidamente deduzido
Entrega declaração
1.º Trimestre de 2001
€ 90.247,86
10-05-2001
2.º Trimestre de 2001
€ 79.880,56
10-08-2001
1.º Trimestre de 2002
€ 21.310,35
15-05-2002
2.º Trimestre de 2002
€ 135.838,96
16-08-2002
3.º Trimestre de 2002
€197.345,40
15-11-2002
4.º Trimestre de 2002
€78.141,30
12-02-2003
1.º Trimestre de 2003
€72.618,00
14-05-2003
2.º Trimestre de 2003
€25.236,75
14-08-2003

5. E. R. apresentou no Tribunal Administrativo de Braga a impugnação judicial das liquidações adicionais de IVA relativas aos períodos a que respeitam as faturas que antecedem, nos anos de 2001, 2002 e 2003, que deu origem ao processo n.º19/06.8BEBRG.
6. No referido processo n.º19/06.8BEBRG, por sentença transitada em julgado, decidiu-se conceder parcialmente procedente a impugnação apresentada pela E. R., mas apenas «no que concerne à caducidade da liquidação do IVA do período 0103T e 0106T e respetivos juros compensatórios mantendo-se as restantes liquidações de IVA».
Relativamente ao IRS
7. Os acima referidos arguidos lograram igualmente obter uma vantagem patrimonial resultante do não pagamento que era devido a título de IRS através da utilização das referidas faturas.
8. Sucede porém que E. R. apresentou igualmente no Tribunal Administrativo de Braga a impugnação judicial das liquidações adicionais de IRS apuradas em consequência da não consideração das faturas supra referidas, que deu origem ao processo n.º1763/08.0BEBRG.
9. Em tal processo que correu termos no TAF-Braga veio a ser decidido, mediante acórdão proferido pelo TCA Norte, relativamente às liquidações de IRS, entre o demais, «conceder parcial provimento ao recurso, revogar parcialmente a sentença recorrida e julgar a impugnação procedente na parte assente na desconsideração dos custos titulados por faturas cujo pagamento foi efetuado por meio de cheque levantado pelos respetivos emitentes aos balcões do Banco ...».
10. Em conformidade com a decisão proferida no âmbito da impugnação apresentada pela arguida junto do TAF, o cálculo do montante devido a título de IRS será apurado unicamente com as seguintes faturas que titulam serviços que não foram efetivamente pelas referidas sociedades:
N.º Fatura
Nome do emitente
Data
Base Tributável
IVA Liquidado
Total de Fatura
74
X Construções, Lda.
2001-01-29
50.378,59
8.564,36
58.942,95
60
P. & S., Lda.
2001-01-30
48.882,19
8.309,97
57.192,16
75
X Construções, Lda.
2001-02-26
57.760,80
9.819,34
67.580,14
83
X Construções, Lda.
2001-02-27
40.402,63
6.868,45
47.271,08
106
ST. Construções, Lda.
2001-03-07
58.109,96
9.878,69
67.988,65
67
P. & S., Lda.
2001-03-27
60.853,34
10.345,07
71.198,41
201
ST. Construções, Lda.
2001-04-26
75.819,03
12.889,23
88.708,26
73
P. & S., Lda.
2001-05-28
124.204,92
21.114,84
145.319,76
212
ST. Construções, Lda.
2001-05-28
124.212,15
21.116,07
145.328,22
Ano de 2001
640.623,61
108.906,02
N.º Fatura
Nome do emitente
Data
Base Tributável
IVA Liquidado
Total de Fatura
104
P. & S., Lda.
22-03-2002
63.000,00
10.710,00
73.710,00
0427
ST. Construções, Lda.
22-03-2002
62.355,00
10.600,35
72.955,35
136
P. & S., Lda.
21-06-2002
74.820,00
14.215,80
89.035,80
0092A
Construções AA
21-06-2002
75.000,00
14.250,00
89.250,00
582
Construções J.
26-08-2002
38.010,00
7.221,90
45.231,90
583
Construções J.
26-08-2002
36.990,00
7.028,10
44.018,10
595
Construções J.
22-11-2002
34.920,00
6.634,80
41.554,80
596
Construções J.
22-11-2002
34.725,00
6.597,75
41.322,75
600
Construções J.
20-12-2002
44.925,00
8.535,75
53.460,75
601
Construções J.
20-12-2002
44.775,00
8.507,25
53.282,25
51
C. M.
30-07-2002
67.005,00
12.730,95
79.735,95
117
C. M..
2003-03-31
52.500,00
9.975,00
62.475,00
Total de 2002
629.025,00
117.007,65
746.032,65
11. Deste modo, ao valor que o arguido M. T. apresentou para efeito de apuramento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares em cada um dos exercícios de 2001, 2002 e 2003 deveria ter somado o valor constante das referidas faturas, pelo que o seu rendimento fiscalmente relevante seria nestes exercícios de valor superior àquele que apresentou nas referidas declarações, pelo que estaria sujeito ao pagamento do respetivo valor devido a título de IRS, considerando as regras de apuramento deste imposto.
12. Nesta conformidade, o registo na contabilidade em nome de E. R. destas faturas que têm subjacentes operações que não foram efetivamente prestadas, permitiu obter uma vantagem patrimonial ilegítima nas declarações apresentadas à administração fiscal, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), nos montantes a seguir indicados:

2001
2002
2003
1.Matéria Colectável
1.a)Inicial
42.214,07 €
149.751,63€
61.933,19 €
1.c)corrigida
682.837,68 €
730.553,43€
61.933,19 €
2.Colecta Líquida
2.a)Inicial
12.386,64€
54.801,06€
18.779,05 €
2.c)corrigida
268.482,77€
287.121,77 €
18.779,05 €
2.e)Valor da vantagem em sede de IRS
256.096,13€
232.320,71€
0,00€

1. No que se refere ao IRS, a vantagem patrimonial ilegítima obtida pelo arguido M. T. ascende assim ao montante de €256.096,13, no ano de 2001, e €232.320,71, no ano de 2002.
2. Através da incorporação na contabilidade de E. R., a Administração Fiscal convenceu-se de que as faturas em causa eram verdadeiras e correspondiam a transações comerciais e/ou prestação de serviços reais e consequentemente aceitou os montantes titulados pelas mesmas, nos referidos exercícios fiscais de 2001 a 2003.
3. A utilização por parte do arguido M. T. das aludidas faturas teve como consequência a dedução indevida de IVA e a omissão do pagamento de IRS, o que implicou a obtenção de vantagem patrimonial no montante global de pelo menos €1.189.036,02 (um milhão cento e oitenta nove mil trinta e seis euros e dois cêntimos), sendo €488.416,84, a título de IRS, e € 700.619,18, a título de IVA.
4. Defraudaram, assim, o Estado nos aludidos montantes ao fazer crer aos respetivos Serviços da Administração Fiscal que o IVA deduzido se baseava em documentos que titulavam verdadeiras transações, induzindo-os em erro quanto à sua autenticidade, bem como à apresentação de custos inexistentes para efeitos de redução de IRS a pagar, com o que conseguiram que a mesma visse o seu património prejudicado nos montantes acima indicados, com os quais se locupletaram e que correspondem à vantagem ilegítima que os arguidos obtiveram.
5. Os arguidos J. P., A. P., J. F., A. J., C. M. e M. V., ao forjar as faturas supras referidas, nos moldes supra referidos, utilizando-as nos termos e com os objetivos descritos puseram em causa o património do Estado - Administração Fiscal e a verdade da sua situação tributária, o que quiseram e lograram.
6. O arguido M. T. agiu, por si e na qualidade de representante da atividade empresarial desenvolvida em nome de E. R., e sabia que os serviços discriminados nas faturas acima referidas não correspondiam a quaisquer transações levadas a cabo ou a prestações de serviços, e que as mesmas se destinavam apenas a serem incorporadas na contabilidade de E. R., com o propósito, conseguido, de obter para esta benefícios económicos que sabia ser ilegítimo, à custa da diminuição do património do Estado, e ainda de utilizar as importâncias monetárias correspondentes em proveito próprio, não obstante saber que tais quantias não lhe pertenciam, mas sim ao Estado.
7. Todos os demais arguidos J. P., A. P., J. F., A. J., C. M. e M. V., em representação das sociedades de que eram gerentes de facto e/ou de direito tinham igual conhecimento e propósito, tendo concretamente emitido as faturas supra identificadas com a intenção de que o arguido M. T. obtivesse os aludidos benefícios patrimoniais com a utilização das ditas faturas, que os mesmos bem sabiam não assumir qualquer correspondência com serviços efetivamente prestados, estando igualmente conscientes que dessa forma ludibriavam os serviços da Administração fiscal, o que quiseram e lograram.
8. Os arguidos M. T., J. P., A. P., J. F., A. J., C. M. e M. V. agiram de forma livre, consciente e deliberada, em ação conjunta e concertada, com intenção de obter vantagem patrimonial indevida, bem sabendo que desse modo diminuíam as receitas fiscais e que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido M. T.

9. O arguido M. T. descende de uma família numerosa e de parcos recursos socioeconómicos, tendo o progenitor, já falecido, exercido a profissão de pedreiro e a progenitora era doméstica.
10. O arguido por volta dos 12/13 anos e depois de concluir o 4.º ano de escolaridade, passou a acompanhar o progenitor e, mais tarde, integrou-se profissionalmente, durante algum tempo, numa mercearia local.
11. Entretanto, retomou os estudos e concluiu ainda o 6.º ano de escolaridade, com cerca de 14 anos, tendo, de seguida, ingressado na sociedade de construção civil SC, onde se manteve durante 15 anos.
12. Regista, ainda, experiências profissionais ao serviço de outras empresas de construção civil, desempenhado a sua atividade em países como o Egipto, Venezuela e França.
13. No início dos anos 90, o arguido e os seus irmãos A. S. e José S. constituíram a sociedade de construção civil M., desempenhando o arguido a atividade de encarregado durante 12/13 anos.
14. Em 2005, essa empresa cessou atividade, passando o arguido a trabalhar na empresa VP, Construções Lda., da qual o seu filho e sobrinhos são sócios-gerentes e onde trabalham, também, os seus irmãos, A. S. e José S..
15. O arguido casou com 19 anos e tem dois filhos, mantendo agregado familiar com o seu cônjuge e filhos, estes, atualmente, com 39 e 32 anos.
16. A família reside numa casa tipo vivenda, inserida em meio rural e que apresenta boas condições de habitabilidade e de conforto.
17. Por razões económicas, a habitação foi, entretanto, vendida e arrendada ao arguido por uma imobiliária, mediante o pagamento de renda no valor mensal de € 350,00.
18. As restantes despesas fixas do agregado, referentes a consumos de água, eletricidade e gás, ascendem, aproximadamente, à quantia mensal de €140,00.
19. O arguido apresenta vencimento base ilíquido no montante mensal de €1.250,00.
20. A esposa exerce atividade em escritório de uma sociedade de construção civil, auferindo a quantia mensal de €700,00.
21. Os filhos do arguido não contribuem para as despesas do agregado com qualquer valor pré-estabelecido, colaborando, ocasionalmente, através da compra de géneros alimentares.
22. A filha do arguido trabalha na Associação Industrial e Comercial de … e o filho é um dos sócios da empresa onde o arguido atualmente trabalha, a empresa VP, Construções Lda..
23. O arguido tem sido o responsável pela gestão das atividades da empresa VP, Construções Lda. a decorrer no estrangeiro, sendo que ultimamente tem-se deslocado, com frequência, à Arábia Saudita, onde decorrem obras de construção, em regime de subempreitada.
24. Por essa razão, o arguido passa grande parte do seu tempo ausente da freguesia de residência, sendo que quando se encontra em Portugal convive, nos seus tempos livres, com alguns amigos em cafés próximos da habitação, mantendo boas relações interpessoais com os demais.
25. Com a família constituída e alargada, o arguido continua a manter uma relação de solidariedade, de proximidade relacional e coesão.
26. O arguido é localmente reputado como pessoa trabalhadora e discreta.
27. Em abstrato e quando colocado perante factos de natureza semelhante aos do processo, o arguido reconhece a sua ilicitude e eventuais danos.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido A. S.

28. O arguido A. S. é originário de uma família numerosa de condição humilde, funcionalmente organizada, afetivamente coesa e solidária.
29. O arguido frequentou estabelecimento de ensino da sua área de residência até completar o 6.ºano de escolaridade, tendo-se habilitado com o 9.º ano, mais tarde, através da frequência do Programa das “Novas Oportunidades”.
30. Ainda durante a frequência do 6.º ano, o arguido começou a trabalhar na construção civil a tempo parcial, como ajudante de calceteiro.
31. Trabalhou sempre na construção civil, inicialmente por conta de outrem, com destaque para o período de cerca de 14 anos na empresa SC.
32. Posteriormente, o arguido constituiu empresa em sociedade com os dois irmãos, dando origem, no início da década de 90, à M. – Construções, Lda., cuja atividade cessou em 2005.
33. Até então, o exercício daquela atividade por conta própria permitiu ao arguido usufruir gradualmente de uma melhoria das condições financeiras, tendo proporcionado ao agregado constituído um padrão de vida diferenciado por comparação à maioria da população da sua área de residência, embora não lhe sendo reconhecido socialmente a ostentação e/ou a exibição de gastos pessoais supérfluos.
34. O arguido A. S. foi casado entre 1989 e 2007, encontrando-se separado de pessoa e bens, tem dois filhos, ambos estudantes, estando o filho mais velho prestes a finalizar a sua formação superior.
35. Nos últimos onze anos, o arguido passou a exercer o cargo de encarregado geral na empresa VP – Construções, Lda., sendo o responsável pelo acompanhamento e supervisão das obras realizadas na região norte de Portugal.
36. Trata-se de uma empresa que está internacionalizada, pertencente ao filho do arguido e descendentes dos seus coarguidos (M. T. e José S.), apresentando em carteira e em execução obras públicas no estrangeiro, designadamente, em França, Bélgica e Argélia.
37. Reside com a ex-mulher, desempregada, o filho de 26 anos, profissionalmente ativo, e a filha de 23 anos, estudante.
38. O agregado habita graciosamente uma casa T4 individual, com cerca de vinte e cinco anos de construção, com as necessárias condições de habitabilidade e conforto, que pertence à sogra do arguido e aos respetivos herdeiros.
39. A situação económica do agregado familiar é assegurada pelo vencimento auferido pelo arguido, no valor ilíquido mensal declarado de €1.000, apresentando como despesas fixas mensais significativas cerca de €500 referente a despesas de alojamento da filha (a estudar fora da área de residência), €1.000 anual de propinas e €150 de consumos domésticos (água, energia elétrica, gás e telefone).
40. O arguido é descrito como pessoa de temperamento reservado e estilo recatado no convívio social, gere o seu quotidiano em função do trabalho, privilegia a confraternização em casa com o seu agregado constituído e com a família alargada.
41. Confrontado, em abstrato, com factos similares aos que estão em causa nestes autos, o arguido reconhece a ilicitude e os prejuízos que pode provocar.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido José S.

42. O arguido José S. é oriundo de uma família numerosa de humilde condição socioeconómica, cujos rendimentos eram provenientes da agricultura e da atividade assalariada do pai, com uma dinâmica familiar funcional e equilibrada.
43. Frequentou a escolaridade obrigatória em idade própria, tendo concluído o 6.ºano de escolaridade, aos 12 anos de idade, que abandonou por dificuldades financeiras da família.
44. Em 2010, conclui o 12.º ano de escolaridade, através do Centro Novas Oportunidades.
45. Aos 12 anos, iniciou o exercício da atividade laboral remunerada, como aprendiz numa carpintaria.
46. Aos 14 anos ingressou na construtora SC, SA, onde permaneceu até 1983.
47. Em 1986, criou uma pequena confeção têxtil, mas algum tempo depois regressou à sua atividade no sector da construção civil.
48. No início da década de 90 criou a sociedade M. – Construções, Lda., em sociedade com os seus irmãos (coarguidos), que cessou atividade em 2005.
49. Transitou para a empresa VP- Construções, Lda., exercendo funções de gerente, sendo ainda responsável pela gestão das obras adjudicadas à empresa na Argélia e no Panamá.
50. O arguido contraiu matrimónio com cerca de 22 anos e desta relação nasceram quatro filhos, atualmente maiores, com uma dinâmica relacional positiva e afetivamente estável.
51. O arguido reside com a esposa e os dois filhos mais novos, em habitação inserida em meio rural com muito boas condições de habitabilidade, pertença do sogro.
52. A subsistência do agregado é assegurada pelos rendimentos provenientes da atividade profissional do arguido, que aufere o vencimento mensal de €893, e dos dois filhos mais novos.
53. Junto da comunidade que integra, o arguido é como indivíduo trabalhador e empreendedor.
54. O seu estilo de vida surge centrado no exercício da atividade profissional, com viagens frequentes ao estrangeiro, e os seus tempos de lazer são passados junto da família e amigos locais.
55. Em abstrato, avalia criticamente crimes da tipologia como os que estão em causa nestes autos, bem como, os eventuais danos e consequências.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido J. C.

56. O arguido J. C. integra o agregado que constituiu após o matrimónio, há aproximadamente trinta anos atrás, composto pelo casal e o filho mais novo, com quinze anos, estudante do 10.º ano, tendo entretanto a filha mais velha contraído matrimónio e constituído agregado autónomo.
57. Em termos de relacionamento a dinâmica do agregado é descrita como harmoniosa.
58. Residem numa casa tipo vivenda unifamiliar, localizada num meio de características rurais, sem problemáticas sociais específicas, que oferece boas condições de habitabilidade e conforto, circundada por jardim e uma pequena piscina.
59. O arguido e a esposa são funcionários da empresa de construção civil, ... – Unipessoal Lda., com sede no endereço da residência do arguido, sendo o arguido referenciado como carpinteiro de primeira e a cônjuge tem funções indiferenciadas, auferindo ambos o salário mínimo nacional.
60. No meio residencial do arguido, existe a convicção de que o mesmo continua a desenvolver a atividade profissional na área da construção civil, por conta própria, realizando trabalhos em Portugal e no estrangeiro, designadamente na Bélgica, tendo a seu cargo trabalhadores, que transporta em viaturas que são vistas junto à sua residência.
61. O arguido concluiu o 6.º ano de escolaridade, tendo o seu percurso profissional, decorrido desde os dezoito anos de idade, na área da construção civil, atividade que desenvolveu em vários países da europa.
62. O seu quotidiano é ocupado com o exercício da atividade profissional, integrando o agregado ao fim de semana, quando se encontra a trabalhar em Portugal, privilegiando como forma de ocupação dos tempos livres o convívio com a família quer nuclear quer alargada.
63. No meio sócio comunitário que integra, o arguido detém uma imagem social sustentada não só na qualidade das interações estabelecidas no meio social, referidas como cordiais, mas também no seu estilo de vida, avaliado como normativo/organizado.
64. Em abstrato, reconhece a ilicitude de condutas como aquelas que estão em causa nos autos.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido J. P.

65. O percurso de desenvolvimento do arguido J. P. decorreu de forma normativa, apresentando um processo de socialização regular, estruturante e convencional, caracterizado, ainda, por hábitos regulares de trabalho
66. O arguido, viúvo, trabalha na construção civil e mora habitualmente em França, onde desempenha atividade laboral há cerca de 2 anos.
67. Quando se encontra em Portugal mantém-se a residir com os seus filhos, já adultos, fazendo, ainda, parte desse agregado o companheiro da filha e dois netos, de 8 e 1 anos.
68. Aufere a quantia mensal de cerca de €1.200,00, dele despendendo em alimentação a quantia aproximada de €250,00 e apoia a filha nas despesas com a habitação, entregando-lhe a quantia mensal de € 300,00.
69. A habitação onde, em Portugal, reside com o seu agregado familiar é arrendada pelo valor mensal de €250,00.
70. No meio onde se insere, é referenciado favoravelmente ao nível das relações interpessoais, sendo tido como um indivíduo cordial e respeitador.
71. O arguido verbaliza ter vivenciado problemas financeiros, em período que situou nos anos de 2004 e de 2005, a corresponder com a altura em que deixou de trabalhar e se afastou do funcionamento das sociedades das quais era sócio.
72. Nessa época, os seus filhos eram ainda menores e o seu cônjuge sofreu um AVC, ficando, de seguida, acamada e dependente de cuidados de terceiros, vindo a falecer em fevereiro de 2011.
73. Essas vivências familiares e socioeconómicas, desestruturaram-no ao nível psico-emocional, sendo que, nesse período, ele e os filhos foram sendo consecutivamente despejados das habitações arrendadas por falta de pagamento.
74. É a filha que, quando alcança a maior idade, vem a requerer a favor do agregado familiar a prestação de RSI, do qual passaram a beneficiar em 2012.
75. O arguido mantém-se, então, desempregado, mas consegue reinserção laboral em 2014, altura em que emigra, iniciando situação laboral que mantém até à atualidade.
76.Reconhece, abstratamente, a ilicitude de factos como os descritos, valorizando eventuais danos associados.
77. No relacionamento interpessoal, o arguido goza de imagem favorável na comunidade.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido J. F.

78. O arguido J. F. integra uma fratria de dois, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido em ambiente familiar funcional e convencional, com humilde condição sócio económica
79. Os seus progenitores assumiram de forma adequada as suas responsabilidades educativas, procurando transmitir regras e modelos positivos de vivência, ocupando-se profissionalmente, mas em condições que lhes permitiram prestar cuidados aos filhos e gerir o quotidiano habitacional e familiar.
80. O arguido frequentou a escola até concluir, com 13 anos, o 4.º ano de escolaridade, tendo revelado dificuldades na aprendizagem.
81. Após o abandono dos estudos, iniciou-se profissionalmente como servente, acompanhando nessa atividade um amigo da família, mantendo sempre percurso profissional na área da construção civil.
82. Casou com cerca de 20 anos, nascendo três filhos dessa união, atualmente todos maiores de idade.
83. Divorciou-se no ano de 2000, tendo iniciado nova relação, de que veio a nascer, em 2003, uma filha.
84. A sua companheira faleceu em abril de 2012, vítima de doença, tendo a menor filha do casal assim constituído sido entregue aos cuidados da filha e do ex-cônjuge do arguido.
85. Realizou o seu percurso profissional essencialmente em contexto de emigração, designadamente na França e na Suíça, marcado por dificuldades em manter estabilidade em termos de entidade patronal.
86. A partir de outubro/novembro de 2011, o arguido manteve-se em situação de inatividade, devido à doença da companheira, voltando a emigrar para França em julho de 2012.
87. No meio em que se inseria, gozava de imagem favorável ao nível das relações interpessoais, sendo tido como pessoa cordial, embora associado à ausência de hábitos regulares de trabalho, à dificuldade em organizar-se financeiramente e em cumprir compromissos e responsabilidades financeiras.
88. Contava com o apoio dos filhos maiores de idade.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido A. P.

89. O arguido faz parte de uma fratria de três, nascidos numa família de baixos recursos económicos e culturais.
90. Ao concluir o 4.º ano de escolaridade, o arguido abandonou o ensino básico, para enveredar pelo mercado de trabalho, numa pedreira, até ir cumprir o serviço militar obrigatório.
91. Após o cumprimento, trabalhou como operário da construção civil, durante dois anos, data em que se estabeleceu por conta própria, como empresário da construção civil.
92. Com 23 anos, contraiu matrimónio, do qual tem quatro descendentes.
93. Manteve a estabilidade profissional ao longo da vida, dedicando-se à gestão da empresa de construção civil, estando o acompanhamento dos filhos a cargo do cônjuge, doméstica.
94. Até à rutura da relação conjugal, o arguido residiu com o cônjuge e os filhos, em casa própria, dotada das necessárias condições de habitabilidade e continuou a gerir a empresa de construção civil.
95. Após a falência da empresa, o arguido manteve-se na casa de família, adquirida por um descendente, permitindo que o progenitor se mantivesse a residir na mesma.
96. Desde então, o arguido não voltou a exercer atividade profissional, tendo-se aposentado há cerca de 8 anos, com uma reforma mensal no valor de €400.
97. Desse valor despende mensalmente €100 para contribuição das despesas familiares, em casa do descendente, estando a residir na habitação o filho, a nora e o neto recém-nascido.
98. O arguido tem ainda uma despesa mensal de 100€ em medicação para diabetes e obesidade.
99. O arguido ocupa o seu quotidiano numa agricultura de subsistência, como forma de minimizar os gastos.
100. Em abstrato, apresenta uma atitude crítica e de valorização à natureza dos factos subjacentes ao presente processo, denotando interiorização do desvalor da sua conduta.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido F. M.

101. O arguido nasceu numa família de baixos recursos económicos e culturais.
102. Na dinâmica familiar em que cresceu, o arguido F. M. habituou-se à existência de regras que os pais faziam respeitar.
103. Ao concluir o 4º ano de escolaridade, abandonou o sistema de ensino, para trabalhar na agricultura com os pais, atividade não remunerada, que trocou pelo trabalho remunerado na construção civil, iniciado aos 17 anos de idade, após a morte do seu pai.
104. Em 1985 criou a própria empresa, em sociedade com um colega, que manteve durante cerca de sete anos.
105. Aos 21 anos de idade, casou, desfez a referida sociedade e constituiu uma nova sociedade com a esposa, designada Sociedade de Construções W, Lda.
106. A empresa implantou-se bem no mercado e permitiu aos proprietários a aquisição de património e manutenção de um bom nível de vida para os quatro, dado que entretanto nasceram as suas duas filhas.
107. O arguido vivia com a esposa e filhas numa moradia unifamiliar que construiu, dotada de boas condições de habitabilidade, sendo as despesas suportadas com base no rendimento proveniente da empresa da qual era proprietário e de cuja gestão se ocupava, já que a esposa, apesar de sócia, apenas aí permanecia esporadicamente.
108. Em 2001/2002 a empresa começa a apresentar falta de liquidez, decorrente do crédito mal parado culminando com o seu encerramento.
109. Sem projetos profissionais em Portugal, emigrou com a esposa e filhas para Andorra, país onde permaneceu a trabalhar até 2013, ano em que regressou de novo a Portugal.
110. Atualmente reside com o cônjuge, dado que as filhas já se autonomizaram do agregado e ocupa em regime de comodato a casa do sobrinho, que se mantém a residir no estrangeiro e só permanece nesta no período do Verão.
111. Desde 2013, o arguido não voltou a ter em Portugal enquadramento profissional estável e regular, embora seja com alguma regularidade que se desloca para Andorra, onde refere trabalhar ao dia na apanha da fruta, auferindo rendimento incerto e variável.
112. A esposa permanece em casa onde faz pequenos arranjos de costura para terceiros, presta alguns cuidados à mãe em casa de quem faz algumas refeições e cuida da habitação, sendo esta a contrapartida que têm de dar ao sobrinho pela sua ocupação gratuita.
113. Na comunidade residencial, o arguido é descrito como uma pessoal cordial na interação e que mantém um estilo de vida avaliado como pró-social.
114. Em abstrato, reconhece a ilicitude dos factos como os que estão em causa nestes autos e o desvalor dos mesmos.

Condições pessoais e socioeconómicas da arguida L. P.

115. A arguida L. P. é a mais nova de seis descendentes, de um agregado de humilde estrato socioeconómico (o pai trabalhou numa pedreira e a mãe, além das tarefas domésticas, fazia bordados).
116. As relações familiares caraterizavam-se pela harmonia e postura atenta dos progenitores que lhe transmitiram normas e valores pró-sociais, facilitando-lhe um adequado desenvolvimento e uma ajustada inserção comunitária.
117. Iniciou a escolaridade em idade própria e deixou o sistema de ensino ao completar o 4.º ano de escolaridade, passando a aprender a arte de bordadeira.
118. Aos 16 anos, integrou-se numa fábrica de malhas, onde trabalhou até aos 20 anos, idade em que casou e passou a dar algum apoio ao marido na empresa Sociedade de Construções W, Lda..
119. Na comunidade de residência, a arguida é avaliada positivamente como profissional e mãe.
120. A arguida manifesta uma orientação pró-social e posiciona-se criticamente face à inobservância da lei em geral.

Condições pessoais e socioeconómicas da arguida M. E.

121. A arguida M. E. cresceu integrada num agregado familiar numeroso - grupo de seis irmãos – tendo sido o seu pai, operário numa fábrica de urnas, o pilar económico da família, embora a sua mãe, a par com a gestão da vida doméstica se dedicasse ao trabalho na agricultura.
122. Aos 12 anos de idade, após concluir o 4.º ano de escolaridade, abandonou a escola e passou a trabalhar na agricultura, não tendo vivido outra experiência profissional.
123. Casou aos 21 anos de idade, com o atual cônjuge, sendo que este sempre exerceu atividade profissional na construção civil, primeiro por conta de outrem e, posteriormente, por conta própria, assegurando a satisfação das necessidades da arguida e do único filho deste casamento.
124. A arguida reside, em regime de comodato, na casa que era a sua morada de família, agora propriedade de uma irmã, a quem a vendeu, continuando a ser o marido, com base no trabalho que exerce por conta de outrem na construção civil, atualmente encontra-se a trabalhar na Córsega, que suporta as despesa de manutenção de ambos, dado que o filho já se autonomizou do agregado e reside no estrangeiro.
125. No ano de 2016, o marido auferiu um rendimento anual ilíquido de €20.675,70, com o qual o casal enfrenta as despesas correntes de manutenção de ambos, sendo-nos referidas como mais significativas as despesas de alimentação do marido da arguida na Córsega no valor de €250,00, acrescidas de €50,00 mensais com medicação que este leva de Portugal.
126. A arguida ocupa o seu quotidiano na lida doméstica, presta algum apoio à sua mãe que reside numa casa próxima da sua e faz algumas caminhadas, mantendo uma ocupação minimamente estruturada do seu tempo.
127. Perante a problemática criminal em causa, a arguida reconhece o seu desvalor, verbalizando um discurso que pressupõe o reconhecimento da existência do dano.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido C. P.

128. O arguido C. P. é um dos quatro descendentes de um casal de mediana condição socioeconómica, cujo funcionamento familiar sempre refletiu, adequados níveis de relacionamento intrafamiliar, que facilitavam espaços de boa vivência.
129. O percurso escolar do arguido foi abandonado após a conclusão do 9.º ano de escolaridade, tendo logo após começado a trabalhar como operário da construção civil para as empresas de construção civil das quais o progenitor era proprietário, situação que conservou cerca de um ano.
130. Posteriormente, com o intuito de ver melhoradas as condições salariais, desenvolveu a mesma atividade para outras empresas, regressando à empresa do pai quando tinha cerca de 21 anos.
131. Aos 23 anos contraiu matrimónio, na constância do qual nasceram dois filhos.
132. Profissionalmente o arguido manteve o trabalho junto do pai em várias empresas de construção civil, exercendo funções de encarregado de obra,
133. Sensivelmente a partir de 2007, o arguido deixou de trabalhar com o pai, tendo passado a laborar como encarregado na empresa de construção civil Construção B., onde trabalhou cerca de dois anos, tendo posteriormente desenvolvido a atividade de trolha para outras empresas de construção civil em Espanha e Tunísia.
134. Há cerca de seis anos o arguido emigrou para França, onde se mantém laboralmente ativo na área da construção civil, deslocando-se a Portugal com uma periodicidade variável mas aproximadamente bimensal, alturas em que integra o agregado constituído pelo cônjuge e dois filhos, a residir num apartamento.

Condições pessoais e socioeconómicas do arguido C. S.

135. O arguido C. S. é o quinto de seis descendentes dos progenitores, tendo a mãe falecido quando o arguido tinha cerca de seis anos, o que desencadeou a sua colocação em instituição de acolhimento em Bragança, onde permaneceu durante cerca de seis anos.
136. O progenitor voltou a casar, tendo tido mais seis descendentes desta união, tendo o arguido regressado ao agregado paterno, com cerca de 12 anos, e, neste contexto, concluiu a 4.ª classe
137. Após concluir a 4ª classe, o arguido iniciou de imediato o percurso laboral na construção civil, onde trabalhou cerca de três anos.
138. Posteriormente, atenta a falta de coesão familiar, o arguido decidiu autonomizar-se, arrendando um quarto e passando a trabalhar na área da restauração, como empregado de mesa.
139. Na tentativa de se aproximar do núcleo familiar materno, foi morar para casa da avó materna, com residência na Urbanização da … - Fafe.
140. Após uma curta passagem pela Alemanha, C. S. obteve trabalho na empresa de construção civil Construções ….
141. É neste contexto que estabelece relação com indivíduo através de quem, em 2001, se estabelece por conta própria, constituindo a empresa C. M., primeiro em nome individual e, posteriormente, como sociedade unipessoal.
142. É neste período que estabelece uma relação afetiva, união da qual resultou o nascimento de um descendente, atualmente com treze anos de idade.
143. Após ter sido sujeito a medida de coação de permanência na habitação, entre outubro de 2006 e 2008, o arguido trabalhou irregularmente por conta de outrem no setor da construção civil.
144. A partir de setembro de 2011, iniciou atividade laboral em empresa de impermeabilização, com sede em Barcelos, mas com deslocações para serviços em França.
145. Posteriormente ingressou na empresa Z – Construções Unipessoal, Lda, com sede em Fafe, tendo sofrido um acidente de trabalho que o colocou em situação de incapacidade em setembro de 2013.
146. Vivia com a companheira e com o filho de ambos, relação que manteve até janeiro de 2014, tendo passado a residir sozinho, na cidade de Fafe.
147. Em abril de 2014, o arguido C. S. foi conduzido ao Estabelecimento Prisional de Guimarães para cumprir pena de prisão efetiva, onde permanece atualmente.
148. Encontra-se em regime comum e com o benefício de uma saída ao exterior, que decorreu sem incidentes.
149. Não regista incidentes disciplinares e ocupa-se com atividades de faxina e com curso de educação e formação de adultos, que lhe permitirá obter equivalência ao 9.º ano de escolaridade.
150. Em contexto prisional, o arguido recebe visitas de uma irmã e, ocasionalmente, do filho, acompanhado pela mãe deste.
151. O arguido possui consciência crítica relativamente ao seu percurso de vida, reconhecendo o envolvimento em situações desencadeadoras de problemas jurídicos.

Antecedentes criminais do arguido M. T.

152. No processo comum coletivo n.º 385/05.2IDPRT, do Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 1, por acórdão de 07/04/2014, transitada em julgado a 06/07/2015, foi o arguido M. T. condenado, por factos ocorridos em 2001,pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, al. c) e 104.º, n.º2 do RGIT, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo e com sujeição a condição, entretanto declarada extinta.

Antecedentes criminais do arguido A. S. e José S.

153. São desconhecidos, em juízo, antecedentes criminais aos arguidos A. S. e José S..

Antecedentes criminais do arguido M. A.

154. No processo n.º 123/07.5IDPRT, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canaveses, por sentença de 17/05/2010, transitada em julgado a 19/11/2010, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2003, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 23.º do RJIFNA, na pena de 17 meses de prisão, suspensa na sua execução e com sujeição a condição, entretanto declarada extinta.
155. No processo n.º 90/10.8IDPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Baião, por sentença de 10/01/2014, transitada em julgado a 12/02/2014, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2005, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º do RGIT, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo e com sujeição a condição.

Antecedentes criminais do arguido J. C.

156. São desconhecidos, em juízo, antecedentes criminais ao arguido J. C..

Antecedentes criminais do arguido J. P.

157. No processo n.º 34/07.4IDPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canaveses, por sentença de 05/12/2008, transitada em julgado a 12/01/2009, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2004, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º do RGIT, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo e sujeita a condição, entretanto declarada extinta.
158. No processo n.º 385/05.2IDPRT, do Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 1, por acórdão de 07/04/2014, transitado em julgado a 06/07/2015, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2001, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, al. c) e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo e com sujeição a condição.

Antecedentes criminais do arguido J. F.

159. São desconhecidos, em juízo, antecedentes criminais ao arguido J. F..

Antecedentes criminais do arguido A. P.

160. No processo n.º 165/03.0IDPRT, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canaveses, por sentença de 12/01/2017, transitada em julgado a 29/01/2007, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2001, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º, n.º1, al. a) do RGIT, e de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.ºs 1 e 5, do mesmo diploma legal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, entretanto substituída por trabalho a favor da comunidade, e na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos, sob condição, respetivamente, tendo entretanto ambas sido declaradas extintas.
161. No processo n.º 151/08.3IDPRT, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia, por sentença de 17/04/2013, transitada em julgado a 17/05/2013, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2005, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, al. c) e 104.º, n.º2 do RGIT, na pena de 20 meses de prisão, substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, entretanto declarada extinta pelo cumprimento.
162. No processo n.º 146/12.2TAAMT, do Juízo Local Criminal de Amarante, por sentença de 27/06/2017, transitada em julgado a 02/10/2017, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 01/01/2004, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º, n.º2 do RGIT, na pena de 3 anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos, com regime de prova.
163. No processo n.º 100/05.0TABAO, do Tribunal Judicial da Comarca de Baião, por sentença de 22/07/2009, transitada em julgado a 21/09/2009, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2004, pela prática de um crime de fraude fiscal, de um crime de abuso de confiança à segurança social e de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p., respetivamente, pelos artigos 103.º, n.ºs 1, als. a) e b), 2 e 3, 107.º, n.ºs1 e 2 e pelas disposições conjugadas dos artigo 103.º, n.ºs1, 2 e 3 e 104.º, n.ºs1 e 2, todos do RGIT, na pena única de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos e com sujeição a condição, entretanto declarada extinta.
164. No processo n.º 312/09.8IDBRG, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, por sentença de 21/01/2014, transitada em julgado a 21/02/2014, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2005, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 23.º do RJIFNA, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo e com sujeição a condição, entretanto declarada extinta.
165. No processo n.º 614/09.3IDBRG, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, por sentença de 08/08/2014, transitada em julgado ao 24/10/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2005, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º e 104.º do RGIT, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa por idêntico período de tempo e com sujeição a condição.
166. No processo n.º 187/07.1IDBRG, do Juízo Local Criminal de Barcelos da Comarca de Braga - Juiz 1, por sentença de 10/12/2015, transitada em julgado a 21/11/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2007, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, al. a) e 104.º, n.º2 do RGIT, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo e com sujeição a condição.
167. No processo n.º 156/07.1TACNF, do Tribunal Judicial da Comarca de Cinfães, por sentença de 29/09/2009, transitada em julgado ao 19/10/2009, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2007, pela prática de dois crimes de falsificação de documento, ps. e ps. pelo artigo 256.º do Cód. Penal, na pena única de 250 dias de multa, à taxa diária de € 4,00, entretanto substituída por 250 horas de trabalho a favor da comunidade, declarada extinta pelo cumprimento.
168. No processo n.º 289/08.7IDPRT, do Tribunal Judicial da Comarca de Baião, por sentença de 18/03/2013, transitada em julgado a 02/05/2013, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2008, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º e 104.º, n.º2 do RGIT, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo e sob condição, entretanto declarada extinta.
169. No processo n.º 385/05.2IDPRT, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Esposende, por sentença de 07/04/2014, transitada em julgado ao 06/07/2015, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2001, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, al. c) e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo e com sujeição a condição.

Antecedentes criminais do arguido F. M.

170. No processo n.º 364/10.8TBAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, por sentença de 11/05/2012, transitada em julgado a 11/06/2012, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2003, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, al. c) e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, entretanto declarada extinta.
171. No processo n.º 420/05.4P6PRT, do Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 3, por sentença de 21/04/2016, transitada em julgado a 23/05/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2005, pela prática de um crime de emissão de cheque sem provisão, p. e p. pelo artigo 11.º, n.º1, do Decreto-lei n.º454/91, de 28/12, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, entretanto declarada extinta pelo cumprimento.
172. No processo n.º 96/09.0IDPRT, do Juízo Local Criminal de Amarante, por sentença de 19/09/2016, transitada em julgado a 19/10/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2004, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo.

Antecedentes criminais da arguida L. P.

173. No processo n.º 364/10.8TBAMT, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Amarante, por sentença de 11/05/2012, transitada em julgado a 11/06/2012, foi a arguida condenado, por factos ocorridos em 2003, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, al. c) e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, entretanto declarada extinta.
174. No processo n.º 96/09.0IDPRT, do Juízo Local Criminal de Amarante, por sentença de 19/09/2016, transitada em julgado a 19/10/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2004, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo.

Antecedentes criminais do arguido A. J.

175. No processo n.º 184/05.1IDBRG, do Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 2, por acórdão de 17/10/2013, transitado em julgado a 02/02/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2001, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada À condição de até ao final do período da suspensão entregar ao Estado o montante de €5.000,00.
176. No processo n.º 146/12.2TAAMT, do Juízo Local Criminal de Amarante, por sentença de 27/06/2017, transitada em julgado a 24/01/2018, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 01/01/2004, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos.

Antecedentes criminais da arguida M. E.

177. São desconhecidos, em juízo, antecedentes criminais à arguida M. E..

Antecedentes criminais do arguido C. P.

178. No processo n.º 187/07.1IDBRG, do Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz 1, por sentença de 10/12/2015, transitada em julgado a 21/11/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 19/11/2009, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, al. a) e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 1 ano e 1 mês de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período de tempo, subordinada à condição de proceder ao pagamento ao Estado da quantia de €147.600,00.

Antecedentes criminais do arguido C. M.

179. No processo n.º 634/03.1GAFAF, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, por sentença de 15/05/2007, transitada em julgado a 30/05/2007, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2003, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artigo 256.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, na pena de 160 dias de multa, à taxa diária de €6,50, entretanto declarada extinta pelo pagamento.
180. No processo n.º 51/06.1IDBRG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, por sentença de 13/01/2009, transitada em julgado a 13/01/2009, foi o arguido condenado, por factos ocorridos no 12T/2003 e 01T/2004, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105.º, n.º1, do RGIT, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de €8,00, entretanto declarada extinta pelo pagamento.
181. No processo n.º 234/07.7IDPRT, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Marco de Canavezes, por sentença de 23/06/2010, transitada em julgado a 10/03/2011 foi o arguido condenado, por factos ocorridos a 01/01/2002, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, alínea a), e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de efetuar o pagamento da prestação tributária em falta, no valor de €21.730,10, cujo período da suspensão foi prorrogado por um ano, entretanto declarada extinta.
182. No processo n.º 184/05.1IDBRG, do Juízo Central Criminal de Braga – Juiz 2, por acórdão de 17/10/2013, transitado em julgado a 23/02/2015, foi o arguido condenado, por factos ocorridos a 01/2001, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com a condição de efetuar o pagamento ao Estado da quantia de €5.000,00, entretanto declarada extinta.
183. No processo n.º 282/08.0IDBGC, do Tribunal Judicial de Carrazeda de Ansiães, por sentença de 08/02/2011, transitada em julgado a 10/03/2011 foi o arguido condenado, por factos ocorridos a 13/10/2008, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º, do RGIT, e de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 23.º, do Decreto-lei n.º20-A/90 e Decreto-lei n.º394/93, de 24/11, na pena única de 20 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, entretanto declarada extinta.
184. No processo n.º 197/08.1IDPRT, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Amarante, por sentença de 29/03/2012, transitada em julgado a 30/04/2012, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2004, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º, n.º1, alínea e), e n.º2, do RGIT, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, entretanto declarada extinta.
185. No processo n.º 321/12.0GABCT, do Tribunal Judicial de Celorico de Basto, por sentença de 03/07/2013, transitada em julgado a 24/09/2013, foi o arguido condenado, por factos ocorridos a 10/02/2012, pela prática de um crime de condenação sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs1 e 2, do Decreto-lei n.º2/98, de 03/01, na pena de seis meses de prisão, substituída por 180 dias de multa, à taxa diária de €5,50, entretanto declarada extinta.
186. No processo n.º 154/08.8IDBRG, do Juízo Local Criminal de Fafe, por sentença de 24/01/2017, transitada em julgado a 03/02/2017, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2005, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, alínea c) e 104.º, n.º1 e n.º2, do RGIT, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, entretanto declarada extinta.
187. No processo n.º 146/12.2TAAMT, do Juízo Local Criminal de Amarante, por sentença de 27/06/2017, transitada em julgado a 12/09/2017, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2004, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de três anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de cinco anos.
188. No processo n.º 482/04.1JABRG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, por sentença de 03/06/2013, transitada em julgado a 23/01/2014, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2001, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1 e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de dois anos e nove meses de prisão.
189. No processo n.º 319/09.5IDBRG, do Juízo de Competência Genérica da Póvoa de Lanhoso, por sentença de 05/11/2015, transitada em julgado a 07/12/2015, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 01/2006, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelos artigos 103.º, n.ºs1 e 2 e 104.º, n.º2, do RGIT, na pena de um ano e cinco meses de prisão.
190. No processo n.º 132/06.1IDPRT, do Juízo Local Criminal de Marco de Canavezes, por sentença de 31/03/2016, transitada em julgado a 02/05/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2001, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 23.º, do Decreto-lei n.º20-A/90, na redação dada pelo Decreto-lei n.º2394/93, de 24/11, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período.
191. No processo n.º 134/06.8IDPRT, do Juízo Local Criminal de Marco de Canavezes, por sentença de 14/04/2016, transitada em julgado a 16/05/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos em 2002, pela prática de um crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 23.º, do Decreto-lei n.º20-A/90, na redação dada pelo Decreto-lei n.º2394/93, de 24/11, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, entretanto declarada extinta.
192. No processo n.º 659/09.3IDBRG, do Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 2, por sentença de 02/06/2016, transitada em julgado a 07/07/2016, foi o arguido condenado, por factos ocorridos a 31/05/2006, pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º1, alínea c), e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, na pena de 2 anos de prisão.
193. Por acórdão de 14/07/2016, transitado em julgado a 29/09/2016, proferido no processo n.º1927/16.3T8GMR, do Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz 2, foi efetuado o cúmulo jurídico das penas em que o arguido foi condenado nesses autos (processo n.º659/09.3IDBRG) e no processo n.º482/01.4JABRG, tendo-lhe sido aplicada uma pena única de três anos e seis meses de prisão.

Antecedentes criminais do arguido M. V.

194. São desconhecidos, em juízo, antecedentes criminais ao arguido M. V..

Antecedentes criminais da arguida F. C.

195. São desconhecidos, em juízo, antecedentes criminais à arguida F. C..

Factos não Provados:

a) Os arguidos A. S. e José S. exerciam a atividade referida em 3 dos “factos provados” em conjunto com o arguido M. T..
b) Os arguidos A. S. e José S. participaram nos factos descritos em 4 dos “factos provados”.
c) Os arguidos M. A. e J. C. participaram no exercício das funções descritas em 6 e 7 dos “factos provados” desde a data da constituição da referida sociedade até à data em que foi cancelada a matrícula.
d) O arguido J. F. participou nos factos descritos em 13 e 14 dos “factos provados”.
e) arguida L. P. exerceram as funções descritas em 19 e 20 dos “factos provados” até 29/12/2014, data em que foi cancelada a matrícula da referida sociedade.
f) A arguida M. E. representou a sociedade arguida Construções J., Lda., perante clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
g) A arguida M. E. exerceu tais funções de representação da sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, desde a data da constituição desta sociedade em 1996 e até 20 março de 2014.
h) O arguido C. P. representou a sociedade arguida Construções AA, Lda., perante clientes e fornecedores e era o responsável pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
i) O arguido C. P. exerceu tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, pelo menos entre junho de 2001 e 07 de outubro de 2016.
j) A arguida F. C. representou a sociedade arguida Construções Y Lda., perante clientes e fornecedores e eram os responsáveis pela administração e gestão dos pagamentos aos credores da sociedade, nomeadamente, pelo pagamento dos impostos devidos ao Estado Português e pela gestão da respetiva contabilidade da empresa e direção dos trabalhadores bem como pela emissão das respetivas faturas.
k) A arguida F. C. exerceu tais funções de representação desta sociedade, bem como de acompanhamento e decisão de todas as questões com interesse para a sua atividade, desde a data da constituição desta sociedade em 21 de setembro de 2009 até 21 de novembro de 2011.
l) Os arguidos A. S., José S., M. A., J. C., F. M., L. P., M. E., C. P. e F. C. participaram, de comum acordo e conjuntamente com os demais arguidos, nos factos descritos em 33, 35 a 37, 49, 51, 52, 54 a 57, 66, 68 e 69 dos “factos provados”.
m) No âmbito do esquema referido em 35 dos “factos provados”, os arguidos F. M. e L. P., como representantes da sociedade Construções W, Lda., emitiram as seguintes faturas:

o Fatura n.º 861, com data de 28/06/2002, no valor total de €92.582,86 (base tributável €77.804,08 e IVA €14.782,78);
o Fatura n.º 875, com data de 02/07/2002, no valor total de €84.914,83 (base tributável €71.357,00 e IVA €13557,83);
o Fatura n.º 885, com data de 29/08/2002, no valor total de €102.685,06 (base tributável €82.289,97 e IVA €16.395,09);
o Fatura n.º923, com data de 02/10/2002, no valor total de €90.222,54 (base tributável €75.817,26 e IVA €14.405,28);
o Fatura n.º 912, com data de 15/10/2002, no valor total de €142.456,68 (base tributável €119.711,50 e IVA €22.745,18);
o Fatura n.º 942, com data de 02/11/2002, no valor total de €101.185,22 (base tributável €85.029,60 e IVA €16.155,62);
o Fatura n.º 961, com data de 30/12/2002, no valor total de €100.907,35 (base tributável €84.795,67 e IVA €16.111,68).
n) A sociedade Construções W, Lda. não executou os serviços descritos nas faturas n.º0861, de 28/06/2002, n.º875, de 02/07/2002, n.º885, de 29/08/2002, n.º923, de 02/10/2002, n.º912, de 15/10/2002, fatura n.º942, de 02/11/2002, fatura n.º961, de 30/12/2002, que emitiu, nem possuía estrutura empresarial adequada para prestar serviços nos montantes faturados.
o) Os cheques n.ºs80551897, 80551921, 80551868, 80551885, 80551926, 80551949 e 80551959, emitidos pelo arguido M. T., em nome de E. R., foram para pagamento simulado do preço constante das faturas n.ºs885, 912, 861, 875, 923, 942 e 961, da sociedade Construções W, Lda..
p) Os acima referidos representantes da sociedade Construções AA, Lda. receberam, por cada fatura emitida em nome de E. R., cerca de 6% do valor dos serviços faturados.
q) Os arguidos M. A., J. C., M. E., C. P., F. C., F. M. e L. P., ao forjar as faturas supras referidas, nos moldes supra referidos, utilizando-as nos termos e com os objetivos descritos puseram em causa o património do Estado - Administração Fiscal e a verdade da sua situação tributária, o que quiseram e lograram.
r) Os arguidos A. S. e José S. agiram, por si e na qualidade de representante da atividade empresarial desenvolvida em nome de E. R., e sabiam que os serviços discriminados nas faturas acima referidas não correspondiam a quaisquer transações levadas a cabo ou a prestações de serviços, e que as mesmas se destinavam apenas a serem incorporadas na contabilidade de E. R., com o propósito, conseguido, de obterem para esta benefícios económicos que sabiam ser ilegítimo, à custa da diminuição do património do Estado, e ainda de utilizarem as importâncias monetárias correspondentes em proveito próprio, não obstante saber que tais quantias não lhe pertenciam, mas sim ao Estado.
s) Os arguidos M. A., J. C., M. E., C. P., F. C., F. M. e L. P., em representação das sociedades de que eram gerentes de direito tinham igual conhecimento e propósito, tendo concretamente emitido as faturas supra identificadas com a intenção de que os arguidos M. T., A. S. e José S. obtivessem os aludidos benefícios patrimoniais com a utilização das ditas faturas, que os mesmos bem sabiam não assumir qualquer correspondência com serviços efetivamente prestados, estando igualmente conscientes que dessa forma ludibriavam os serviços da Administração fiscal, o que quiseram e lograram.
t) Os arguidos A. S., José S., M. A., J. C., M. E., C. P., F. C., F. M. e L. P. agiram de forma livre, consciente e deliberada, em ação conjunta e concertada, com intenção de obterem vantagem patrimonial indevida, bem sabendo que desse modo diminuíam as receitas fiscais e que o seu comportamento era proibido e punido por lei.

A Fundamentação da decisão de facto (sic):

A convicção do Tribunal alicerçou-se, concreta e globalmente, na apreciação e análise crítica da documentação constante dos autos (incluindo apensos), conjugada com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do Código de Processo Penal) e as regras da experiência comum, tudo nos termos do disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, sendo que o princípio da livre apreciação das provas não tem carácter arbitrário, nem se circunscreve a meras impressões criadas no espírito do julgador, estando antes vinculado às regras da experiência e da lógica comum, bem como às provas que não estão subtraídas a esse juízo, sendo imprescindível que este seja motivado.

Na realidade, a convicção deste Tribunal formou-se dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, linguagem silenciosa e do comportamento, coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências, inverosimilhanças que transpareceram da prova produzida em audiência.
Na análise do caso concreto que lhe é trazido, e em particular na decisão da matéria de facto, cabe ao julgador harmonizar, com bom senso e justa medida, as regras da experiência e da normalidade e o princípio da presunção da inocência.
Assim, para a prova dos factos insertos em 1 a 4 dos “factos provados” louvou-se o Tribunal, desde logo, no auto de notícia de fls. 3-8, na síntese cadastral de fls.121-130, nos resumos de consulta de IVA de fls. 194-217, no parecer de fls. 766-796, na informação bancária de fls. 2550, em conjugação com os depoimentos de P. P. e J. M., inspetores tributários, que confirmaram, ab initio, o enquadramento para efeitos de IVA (regime trimestral) e IRS (categoria B - contabilidade organizada) do sujeito passivo E. R..
De facto, P. P., depondo sem qualquer interesse no desfecho da presente causa, com conhecimento direto decorrente da sua intervenção [essencialmente na análise da parte financeira] na ação inspetiva realizada ao sujeito passivo E. R., asseverou que o arguido M. T., pai daquela, apresentava-se como titular da atividade exercida em nome da mesma, para além de que o último endosso de alguns cheques emitidos em nome da E. R., para pagamento aos pretensos fornecedores, pertence ao arguido M. T., cotitular da respetiva conta bancária.

Corroborando este depoimento, J. M. que, no exercício das suas funções, participou na ação inspetiva relativa aos anos de 2001 a 2003, realizada ao sujeito passivo E. R., sustentou que a atividade comercial exercida em nome de E. R., estudante à data, era exercida pelo arguido M. T., seu pai, pois este assinou toda a documentação bancária, incluindo os cheques, e era titular, solidariamente com a filha, da respetiva conta bancária (n.º2287458 do Banco ...). Além disso, verificou ainda que alguns dos cheques emitidos em nome da E. R., para pagamento aos pretensos fornecedores, tinham o último endosso em nome do arguido M. T..
Apontam, sem qualquer margem para dúvidas, tais elementos de prova no sentido de que a referida atividade comercial, registada unicamente em nome de E. R., era exercida pelo arguido M. T., pai da mesma.
De facto, da informação bancária prestada pelo Banco... a fls. 2550, observa-se, desde logo, que o arguido M. T. era cotitular, em regime de solidariedade, da conta bancária, n.º 2287458, da qual foram sacados os cheques emitidos como meio de pagamento das faturas emitidas à E. R. pelos legais representantes das sociedades acima identificadas, constantes do denominado Anexos I a X.

Por outro lado, como sufragaram P. P. e J. M., corroborando, desse modo, o que nesse conspecto consta dos pareceres/relatórios que compõe fls. 318 e ss. e 766-796, assentando nas regras da normalidade do acontecer e das práticas bancárias, da análise desses cheques constatamos que a rubrica do arguido M. T. consta do verso de parte deles, na sequência de endossos realizados a seu favor, a que seguiram levantamentos em numerário, constando, ainda, do verso de alguns deles endosso para depósito em conta bancária n.º 9-2428042 [a título de exemplo, ver cheque de fls.2 do anexo VIII], de que o mesmo era titular, conforme informação prestada a fls. 2550.
Acresce que, conforme decorre do teor do relatório de inspeção que visou o sujeito passivo E. R. – constante de fls.766-796, confirmado pelos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelos inspetores que participaram na respetiva ação inspetiva -, o arguido M. T. apresentou-se sempre perante os inspetores tributários como o titular da atividade exercida em nome da sua filha E. R., nos períodos em alusão nos autos, prestando informações, fornecendo elementos e autorizando até o levantamento do sigilo bancário [cfr. Anexo II].
Na compaginação de tais elementos, não subsistiram no nosso espírito, quaisquer dúvidas a respeito da circunstância do arguido M. T. ter exercido em efetividade, por referência aos anos fiscais de 2001 a 2003, a atividade registada em nome da sua filha, E. R..
Porém, idêntica convicção já não se formou quanto à efetividade do exercício dessa atividade também pelos arguidos A. S. e JOSÉ S., tios da E. R. e irmãos do arguido M. T.. Isto porque, não obstante P. P. e J. M. terem afirmado, com afinco, que os arguidos A. S. e JOSÉ também se apresentavam como titulares da atividade exercida em nome da E. R., frisando J. M. que alguns contratos de empreitada estavam outorgados pelo arguido JOSÉ S., a verdade é que esses contratos não constam dos autos nem os elementos documentais juntos aos mesmos permitem sustentar cabalmente tal afirmação. Com efeito, compulsada a documentação que constitui os autos, em particular a constante dos anexos I a X, não se observa qualquer assinatura desses arguidos.
É certo que da informação prestada pelo Banco... a fls. 2550 resulta que o arguido José S. era (3.º) cotitular da conta bancária, em regime de solidariedade, da qual eram emitidos os cheques para pagamento aos pretensos fornecedores. Porém, na ausência de qualquer outro meio de prova a sustentar esse facto, tal indício, de per si, não autoriza a ilação do efetivo exercício, pelo referido arguido, da atividade comercial em causa, isto porque, como é consabido, ocorrem muitas situações de contas bancárias solidárias em que o segundo, terceiro e seguintes cotitulares não têm qualquer intervenção na gestão da mesma, nelas figurando por mera cautela.
Não foi, assim, possível apurar, de modo seguro, que, nos períodos em apreço, os arguidos A. S. e JOSÉ S. exerceram, de modo efetivo, conjuntamente o arguido M. T. a atividade comercial registada em nome da E. R., restando ao Tribunal a dúvida nesse conspecto, sendo que a dúvida em matéria criminal deve ser sempre valorada a favor do arguido. Quer isto dizer que, face à dúvida insanável deste Tribunal, outra solução não resta senão a aplicação do princípio – trave mestra do direito penal – in dubio pro reo, assim se explicando a factualidade dada como não provada nas alíneas a) e b) “dos factos não provados”, ficando, em consequência, por demonstrar, também, que os designados arguidos tenham tido qualquer tipo de participação nas ocorrências que tiveram por finalidade beneficiar fiscalmente E. R. e que, por isso norteados e com conhecimento da ilicitude penal do seu comportamento, tenham atuado com o estado de intenção e com o grau de consciência que lhes vem imputado nos autos. Daí a resposta negativa à facticidade vertida nas alíneas l), r) e t) dos “factos não provados”.
No que tange à factualidade ordenada em 5 a 32 dos factos provados, valorou-se, desde logo, o teor das certidões de matrícula relativas às sociedades em causa, em particular as constantes de fls. 58-60 (também fls.808-809) [SOCIEDADE AA, LDA.], fls.62-64 (também fls.1015-1016) [SOCIEDADE CONSTRUÇÕES W, LDA.], 67-71 (também fls.840-841) [SOCIEDADE ST. – CONSTRUÇÕES, LDA.], 72-75 (também fls.1490-1492) [SOCIEDADE P. & S., LDA.], 83-85 (também a fls.816-817) [SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES J., LDA.], 89-92 [SOCIEDADE X – CONSTRUÇÕES, LDA.], 95-98 (e 838) [SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K UNIPESSOAL, LDA.], 102-104 (também fls. 846-847) [SOCIEDADE CONSTRUÇÕES Y, LDA.] e fls.114-115 (e 861) [SOCIEDADE C. M. – SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.].
Com base nos sobreditos elementos, apresentou-se possível apurar, nos exatos termos dados como demonstrados, a materialidade relativa ao objeto das sociedades consideradas, bem como a matéria concernente às respetivas datas de constituição, aos termos de representação legal delas por banda das pessoas acima identificadas e tudo o mais quanto se deu por demonstrado com respeito às vicissitudes que, nesse parâmetro representativo, se verificaram com relevo nos períodos históricos em alusão nos autos.
Complementarmente atendeu-se aos elementos decorrentes dos relatórios elaborados pelas competentes Direções de Finanças, na sequência das ações inspetivas levadas a efeito àquelas sociedades, cujos teores foram confirmados pelos depoimentos prestados, em audiência de julgamento, pelos respetivos inspetores/técnicos tributários que comandaram aquelas inspeções, constantes de fls. 1861-1874 e 1913-191 [SOCIEDADE P. & S., LDA.], 1920-1932 e 1952-1957 [ST. – CONSTRUÇÕES, LDA.], 1933-1951 [CONSTRUÇÕES J., LDA.], 1959-1979 [X CONSTRUÇÕES, LDA.], 1980-1989 [CONSTRUÇÕES AA, LDA.], 1991-2001 [CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGEM K, LDA.], 2016-2025 [CONSTRUÇÕES Y, LDA.] e 318-322 do apenso constituído pela certidão extraída do processo n.º 482/04.1JABRG [C. M. SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.] e fls.1-19 do anexo III, 20-22, 26-33 e 34-42 do anexo IV.
No concernente, em especial, à materialidade concernente à identificação de quem, também nos períodos históricos com relevo nos autos, exerceu, em efetividade, a gestão das mencionadas sociedades, considerou-se, desde logo, como elemento de prova relevante, a circunstância de J. P. [por referência às sociedades X CONSTRUÇÕES, LDA. (esta apenas até ao dia 12/06/2002), e P. & S., LDA.], A. P. [com relação às sociedades ST CONSTRUÇÕES, LDA., SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K, LDA. e CONSTRUÇÕES AA, LDA.], F. M. [relativamente à sociedade CONSTRUÇÕES W], A. J. [com relação à sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA.], C. M. [quanto à sociedade C. M., SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.] e M. V. [em relação à sociedade CONSTRUÇÕES Y, LDA.] deterem a condição de legais representantes delas.
Na verdade, não se poderia deixar de atender-se, como elemento de prova relevante, a esse facto indício, sendo que as regras de experiência comum ditam, na normalidade dos casos, a convergência entre a qualidade de legal representante da pessoa coletiva e a efetiva exercitação dos respetivos poderes de administração, a abranger a generalidade dos aspetos em que se traduz a gestão da vida societária.
Porém, do simples facto de, nos períodos fiscais em causa, a gerência de direito das sociedades consideradas constar averbada em nome dos identificados arguidos não permite, de per si, inferir, de modo seguro, a conclusão de que o exercício da gerência de facto coincidia com a gerência de direito, pelo que a convicção do Tribunal não se quedou por aí.
Com efeito, no concernente ao exercício da gerência das sociedades X CONSTRUÇÕES, LDA. e P. & S., LDA., por referência ao período relevante nos autos (no caso da sociedade X CONSTRUÇÕES, LDA. circunscreve-se ao ano de 2001), pelo arguido J. P., a convicção do Tribunal assentou na análise das certidões do registo comercial de fls. 89-92 e 72-75, das quais resulta que o arguido delas foi sócio e representante legal, da primeira, desde a sua constituição em 07/05/1999 até ao dia 12/06/2002 e, da segunda, desde 06/09/1996 até abril de 2016, em conjugação com os teores das faturas e cheques coligidos a fls. 1-2, 9-10, 11-12, 19-20, 23-24, do anexo I, relativos à sociedade X CONSTRUÇÕES, LDA., 3-4, 7-8, 17-18, 21-22, 25-26, 27-28, 29-30, do anexo I, 5-6, 9-10, 32-33 e 34-35, do anexo V - que constituem factos de cariz objetivo -, dos quais consta, essencialmente no verso dos cheques emitidos em nome do sujeito passivo E. R. a favor dessas sociedades, a assinatura do arguido J. P..
Acresce que, no decurso das ações inspetivas realizada a essas sociedades, apurou-se ter sido o arguido J. P. que requisitou livros dois livros de faturas, pela firma P. & S., LDA., junto da ... – TIPOGRAFIA, LDA.- conforme fls.23 do anexo IV.
Ora, assentando nas regras da normalidade, destes factos de cariz objetivo, através de um raciocínio indutivo, podemos extrair a ilação de que entre o dia 07/05/1999 até ao dia 12/06/2002, no caso da sociedade X CONSTRUÇÕES, LDA., e entre o dia 06/09/1996 até abril de 2016, no caso da Sociedade P. & S., LDA., o arguido J. P. exerceu a efetiva gestão dessas sociedades, porquanto, além de demonstrada a apontada qualidade formal, da vasta documentação em anexo [faturas e cheques], sobretudo do verso dos cheques, constam assinaturas (nome completo) do arguido e a rubrica aposta em grande parte das faturas emitidas pelas sociedades em causa a favor de E. R., ainda que ilegível, apresenta caraterísticas semelhantes [cfr. faturas fls. 1, 3, 9, 11, 19, 21, 25, 27, 29 do anexo I, 5, 9, 32 e 34 do anexo V], o que nos diz que foi subscrita, em todas elas, pela mesma pessoa.
Contudo, já não podemos raciocinar com o mesmo rigor relativamente ao efetivo exercício da gerência da sociedade X CONSTRUÇÕES, LDA., no período fiscal em apreço (no caso desta sociedade circunscreve-se ao ano de 2001), pelos arguidos M. A. e J. C., isto porque, por um lado, o simples facto de, no período em causa, a gerência de direito constar também averbada em nome desses arguidos não permite, por si só e sem outros elementos de prova (designadamente documental – v. g. através de elementos da escrita e contabilidade da sociedade) nesse sentido, a conclusão de que os mesmos exercitaram, de modo efetivo, os poderes de administração da referida sociedade.
Com efeito, nenhum dos mencionados arguidos procedeu à assinatura do verso dos cheques em causa nestes autos, emitidos em nome da E. R. a favor da sociedade X CONSTRUÇÕES, LDA.. Foram todos eles assinados pelo arguido J. P..
É certo que do relatório de inspeção de fls. 1959-1979 consta que, no âmbito da mesma, a Inspetora Tributária R. A., obteve a informação que nas requisições dos blocos de faturas de 19/05/99 e 14/03/2000 constante a assinatura do arguido “M. A.”, cujo teor foi confirmado em audiência de julgamento pela testemunha R. A., no entanto, assentando tal afirmação em elemento de prova documental, deveria este ter sido junto aos autos, o que não sucedeu. Pelo que, em face da escassez de elementos probatórios recolhidos a respeito da efetiva exercitação da administração da sociedade em questão pelos arguidos M. A. e J. C., outra solução não resta senão a aplicação do princípio – trave mestra do direito penal – in dubio pro reo, daí a resposta negativa à facticidade vertida na alínea c) dos “factos não provados”.
No que tange à sociedade ST. CONSTRUÇÕES, LDA., constituída a 29/01/1997, verificamos a partir do teor da certidão do registo comercial de fls. 67-71 (574-575 e 840-841), que, nos exercícios fiscais em questão, os arguidos J. F. e A. P. detiveram a condição de gerentes dela, o primeiro desde a data da sua constituição e o segundo a partir de 02/04/2001, ambos até 06/06/2002.
Acontece que, do verso dos cheques que compõem fls. 6, 14, 16, do anexo I, fls. 8, 75, 79 e 81 do anexo V, emitidos em nome da E. R. a favor desta sociedade - que constituem factos de cariz objetivo -, consta, no endosso, (apenas) a assinatura do arguido A. P..
Tal circunstância aliada ao facto de deter a condição de legal representante da considerada sociedade, analisadas à luz das regras da experiência comum e do normal acontecer, permite-nos, desde logo, afirmar, com o rigor que se impõe, que o arguido A. P. chamou a si a efetiva administração da sociedade ST. CONSTRUÇÕES, LDA., nos períodos em apreço nos autos.
Acresce que, conforme resulta do relatório de fls. 1920-1932, cujo teor foi confirmado em audiência de julgamento pela testemunha R. A., que o elaborou, nas requisições dos livros de faturas desta sociedade, com exceção do último, consta como requisitante “A. P.”.
E não se objete que após 06/06/2002 passou a constar, no registo comercial, como gerentes dessa sociedade JOSÉ e J. S., pois que, no verso dos cheques emitidos em nome de E. R. para o suposto pagamento das faturas n.ºs 512, 441, ambas de 21/06/2002, consta a assinatura (nome completo) do arguido A. P..
Porém, idêntico raciocínio não podemos fazer relativamente ao arguido J. F., uma vez que, para além da sua condição formal de gerente da mencionada sociedade desde a sua constituição (29/01/1997) até 06/06/2002, nenhuma outra prova foi produzida nos autos nesse sentido, sendo que, como acima se deixou expresso, a circunstância de a gerência de direito constar averbada em seu nome não permite, por si só, a afirmação segura de que exercitou, de modo efetivo, os poderes de administração daquela pessoa coletiva, motivo pelo qual se considerou como não provada a matéria factual descrita na alínea d) dos “factos não provados”.
Já quanto ao efetivo exercício da gerência da sociedade CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K UNIPESSOAL, LDA., como ponto de partida, do teor da certidão do registo comercial constante de fls. 95-98 infere-se que os arguidos J. F. e A. P. detiveram, por referência aos períodos em referência, a condição de legais representantes da mesma, o que constitui, desde logo, facto indício de que chamaram também a si a respetiva gestão de facto.
Para além disso, a partir da documentação coligida no anexo V, observa-se que o arguido A. P. assinou o verso dos cheques emitidos em nome de E. R. a favor da sociedade CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K UNIPESSOAL, LDA., como suposto meio de pagamento, constantes de fls. 66, 68, 70 e 73 do anexo V, sendo que relativamente ao cheque que compõe fls.16 do anexo VIII, emitido no ano de 2003, observa-se, no verso, a assinatura conjunta dos dois arguidos, A. P. e J. F., tudo a apontar, à saciedade, para a participação conjunta, de forma direta e efetiva, na gestão da aludida sociedade.
Com base neste conjunto de meios de prova, analisados à luz da experiência comum, somos levados a concluir, sem quaisquer dúvidas, que, nos anos fiscais em apreço, os arguidos A. P. e J. F. chamaram para si, em efetividade, os comandos da sociedade CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K UNIPESSOAL, LDA..
Quanto ao exercício da gerência da sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., a convicção do Tribunal formou-se a partir da certidão do registo comercial de fls. 62-64, da qual se infere que, desde a sua constituição (03/06/97) e durante os anos fiscais com relevo nos autos, os arguidos F. M. e L. P. dela foram formalmente legais representantes, acrescida da análise da documentação referente a esta sociedade constante do anexo V, mais concretamente dos cheques de fls. 2, 4, 25, 26, 29, 31 e 89, dos quais se conclui ter sido o arguido F. M. a pessoa que assinou o verso dos cheques emitidos em nome de E. R. a favor daquela sociedade, como suposto meio de pagamento, e das faturas de fls.3 (n.º912) e 26 (n.º861), nas quais consta aposta a assinatura da arguida L. P..
Por outro lado, a testemunha AM., técnico oficial de contas da sociedade em acusa até ao ano de 2003, depondo com equidistância e objetividade, assegurou que a documentação contabilística da sociedade e o pagamento dos seus serviços eram efetuados pela arguida L. P., única pessoa, em nome daquela sociedade, sempre contactou consigo.
Não há, assim, a mínima dúvida de que, pelo menos no período temporal que abrangeu os anos fiscais de 2002 e de 2003, os arguidos F. M. e L. P. exerceram conjuntamente, de modo ativo e efetivo, a gestão da sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., assumindo, desse modo, os comandos da mesma, no caso da arguida até, pelo menos, ao dia em que renunciou à gerência, o que se verificou a 24/06/2005, conforme flui da certidão do registo comercial de fls. 62-64, assim se explicando a factualidade dada como não provada na alínea e) dos “factos não provados”.

No que respeita, por seu turno, à titularidade do efetivo exercício da gerência da sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA., assinala-se que dela foi sempre gerente o arguido A. J. – cfr. certidão do registo comercial de fls. 83-85 - o que, com fundamento nas regras de experiência comum e em raciocínio idêntico ao acima formulado, autoriza, desde logo, a conclusão do facto indício de que chamou a si a gestão, em efetividade, daquela sociedade, até porque para obrigar a sociedade bastava a assinatura de apenas um dos gerentes formais.
Acrescidamente louvou-se o Tribunal na análise das faturas e dos cheques que constituem fls. 11-13, 16-18, 21-23, 44-45, 46-47, 48-49, 50-51, 52-54, 55-57, 84-85, anexo V, fls. 3-4, 5-6, 7-8, 9-10, 11-12 e 13-14, do anexo VII, de onde decorre ter sido o arguido A. J. a pessoa que procedeu à assinatura do verso/endosso dos cheques emitidos em nome de E. R. a favor da sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA..
A isto acresce ainda as declarações que a arguida M. E., casada com o arguido A. J., se predispôs prestar em audiência de julgamento, na medida em que afirmou que, não obstante constar como sócio-gerente da sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA., nunca exerceu tal cargo, pois nunca assinou qualquer documentação relativa à sociedade nem nunca contratou qualquer obra, sendo que tais funções eram exercidas pelo marido, dedicando-se à lide doméstica.
Como é bom de ver, tal versão mostra-se ancorada na documentação acima elencada e não se afigura descabida nem despropositada em face dos ditames da experiência comum, que nos dizem que, na maioria das situações em que a qualidade formal de gerentes está atribuída ao casal, apenas um dos seus elementos, em regra o cônjuge marido exerce efetivamente a gestão do inerente ente coletivo, constando aquela averbada também em nome da esposa, muitas vezes, por conveniências burocráticas, sobretudo, de índole bancária.
Em último, não podemos deixar de salientar que, na sequência da inspeção realizada à sociedade em causa, e tal como decorre do teor do relatório constante de fls. 1933-1951, corroborado, em audiência de julgamento, pela testemunha AM., que o elaborou, o arguido A. J. apresentou-se, no curso da ação inspetiva, adotando comportamento condizente com a efetiva gestão da sociedade, muito em particular fornecendo elementos e/ou facultando o acesso a eles.
Na consideração conjugada de todos estes meios de prova, não restaram ao Tribunal quaisquer dúvidas a respeito da efetiva gestão da sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA., de forma exclusiva, por banda de A. J.. Daí também a resposta negativa à factualidade constante nas alíneas f) e g) dos “factos não provados”.
O efetivo exercício da gerência da sociedade CONSTRUÇÕES AA, LDA. pelo arguido A. P., como é óbvio, nos exercícios fiscais em causa, resultou do facto de deter a condição de legal representante da mesma, como flui da certidão do registo comercial de fls. 58-60, associado à circunstância do mesmo ter procedido à assinatura das faturas e do endosso dos cheques emitidos em nome de E. R. a favor dessa sociedade, constantes de fls. 14-15, 36-37, 38-39, 40-41, 42-43, 86-87 do anexo V, o que, na ausência de qualquer prova em sentido distinto, nos leva a concluir, sem hesitações de qualquer ordem, pela efetiva gestão por parte do arguido A. P. da referida sociedade. É o que dita as regras do senso comum e da lógica das coisas a atender nestas circunstâncias.
Reforçando a convicção a que se chegou, a testemunha AM., inspetor tributário que realizou à ação inspetiva a essa sociedade, prestando um depoimento isento e desprovido de qualquer interesse, assegurou que o efetivo exercício da gerência estava nas mãos do arguido A. P., que, nessa qualidade, sempre se apresentou perante si.
Já relativamente ao arguido C. P., não obstante tivesse mantido a condição de sócio da mencionada sociedade, o certo é que nos autos não há qualquer evidência de que o mesmo se tivesse mantido, de facto, conjuntamente com o seu pai – o arguido A. P. - aos comandos do destino daquela. O que a testemunha AM. também afirmou. Daí a inserção da respetiva factologia nas alíneas h) e i) dos “factos não provados”.
Relativamente à sociedade C. M. – SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., observa-se, que dela era legal representante, por referência aos períodos fiscais em relevância, o arguido C. M., o que, à luz das regras da experiência comum e da normalidade das coisas, num contexto em que a sociedade era de representação unipessoal, autoriza, desde logo, concluir pela convergência entre a qualidade de legal representante da pessoa coletiva e a efetiva exercitação poderes de administração.
Além disso, a partir da análise das faturas de fls. 58, 60e 90 do anexo V e dos cheques de fls. 59, 61, 83, do anexo V, fls.2 e 18, anexo VIII, constatamos que o arguido C. P. procedeu à assinatura dos mesmos, registando-se, com particular relevo no parâmetro em referência e pela análise possibilitada dos elementos constantes dos mencionados anexos, ser dele a assinatura que consta do verso da totalidade dos cheques emitidos em nome da E. R. a favor da sociedade C. M. – SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA..
Não restaram, assim, ao Tribunal, em consideração de tudo quanto se disse, hesitações de qualquer ordem, a respeito da efetiva gestão pelo arguido C. P. relativamente à sociedade de que era legal representante.
Por fim, também para a prova do exercício efetivo da gerência da sociedade CONSTRUÇÕES Y, LDA. valorou-se a certidão do registo comercial de fls. 102-104, da qual se extrai, desde logo, a apontada qualidade formal pelo arguido M. V., em coadjuvação com os elementos documentais de fls. 62-64 e 76-77 do anexo V, porquanto está aposta, no verso dos cheques de fls. 64 e 77, a assinatura do arguido M. V..
Estes fatores, ponderados à luz das regras da experiência de vida e segundo um juízo de normalidade, permitem extrair, sem que subsista qualquer dúvida, a conclusão de que o arguido M. V. assumiu o comando da sobredita sociedade, desde a sua constituição (21/09/2001) até à data de cancelamento da matrícula, em particular no ano fiscal de 2002.

O que dizer quanto ao efetivo exercício da gerência dessa sociedade pela arguida F. C.?
Como acima se deixou expresso e aqui reiteramos por pertinente, a mera circunstância de, nos períodos fiscais em causa, a gerência de direito da considerada sociedade constar também averbada em nome dessa arguida não permite, de per si, concluir, de modo seguro, o exercício da gerência de facto coincidia com a gerência de direito, pelo que, na ausência de qualquer outro meio de prova a apontar nesse sentido, não está o Tribunal em condições de afirmar, com um mínimo de rigor, que esta arguida exerceu, de modo efetivo, conjuntamente com o arguido M. V., seu marido, tal gerência, assim se explicando a matéria factual dada como não provada nas alíneas j) e k) dos “factos não provados”.
Para a prova dos factos constantes em 33 a 55 dos “factos provados”, foi preponderante a análise conjugada e escrutinada da vasta documentação que compõe os autos, nomeadamente da situação cadastral do sujeito passivo E. R. de fls.121-130, dos print’s das liquidações emitidas de fls.131, das notas de cobrança, liquidação e certidão de dívida de fls. 132-140, das declarações de IRS de fls. 142-146, 147-153 (declaração oficiosa do ano de 2001), 154-159, 160-17 (declaração oficiosa do ano de 2002), 170-175 e 176-183 (declaração oficiosa do ano 2003), dos resumos de consulta de IVA de fls. 184-194, o parecer de fls.194-2017 (assinado por … a 09/12/2010), do parecer de fls. 766-796 (assinado por CARLOS VIANA, de 21/10/2016), do relatório da ação inspetiva realizada à sociedade P. & S., LDA., de fls. 1861-1874 e 1913-1919, dos relatórios das ações inspetivas realizadas à sociedade ST. – CONSTRUÇÕES, LDA., de fls.1920-1932 e 1952-1957, do relatório da ação inspetiva realizada à sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA. de fls.1933-1951, dos relatórios da ação inspetiva realizada à sociedade X CONSTRUÇÕES, LDA., de fls. 1959-1979, do relatório da ação inspetiva realizada à sociedade CONSTRUÇÕES AA, LDA., de fls. 1980-1989, do relatório da ação inspetiva realizada à sociedade CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGEM K, LDA., de fls.1991-2001, do relatório da ação inspetiva realizada à sociedade CONSTRUÇÕES Y, LDA., de fls.2016-2025, do relatório da ação inspetiva realizada à sociedade C. M. SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., de fls. 318-332, do apenso correspondente à certidão extraída do processo n.º 482/04.1JABRG, do relatório da ação inspetiva realizada ao sujeito passivo E. R. de fls.1-19 do anexo III, da informação constante de fls. 26-42, do anexo IV, com os depoimentos prestados por P. P., J. M., ASS., R. A., AM., F. B., L. J. e I. P., tendo todos deposto com espontaneidade e objetividade, e ainda com os ditames da normalidade e da experiência comum.
De facto, a testemunha P. P., na qualidade de inspetora tributária, revelou ter conhecimento direto dos factos em discussão, depondo, conforme acima se deixou expresso, de forma objetiva, detalhada e credível, esclarecendo que o processo inspetivo começou pela sociedade C. M. SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., cuja sede estava formalmente localizada num bairro social, sendo que, após deslocação ao local verificou que ali não existia qualquer sede nem os vizinhos conheciam qualquer empresa no local.
Mais referiu que, a ação inspetiva incidiu sobre os períodos fiscais de 2001 a 2003 e, no âmbito da mesma, verificou que a sociedade não tinha contabilidade organizada, havia duplicação dos livros de faturas, as contas bancárias não apresentavam movimentação, para efeitos de segurança social apenas constavam declarações de remuneração do gerente entre fevereiro de 2002 e julho de 2002, nas faturas emitidas entre julho de 2002 a dezembro de 2003, a favor do subempreiteiro SJ, LDA., constava um número de contribuinte inválido, a empresa não possuía estrutura que lhe permitisse prestar os serviços faturados naqueles períodos fiscais, pelo que da articulação de todos estes elementos, associado à ausência, nas faturas emitidas, de designação específica dos serviços prestados, à circunstância da caligrafia das mesmas ser coincidente com as faturas emitidas pela sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA. e ao incumprimento das obrigações declarativas fiscais, concluiu que os serviços faturados ao sujeito passivo E. R., e são estes que no caso nos interessam, não tinham correspondência com a realidade.
Mais disse que os pagamentos da E. R. para esta sociedade eram feitos através de cheque, que tiveram como destino o levantamento ao balcão da instituição bancária, o qual tinha lugar sempre na companhia do arguido M. T. - segundo informação apurada junto da respetiva instituição bancária -, ou então eram endossados, sendo que o último endosso pertence ao arguido M. T..
Mais: o cheque emitido para pagamento da fatura n.º 117 teve como destino a conta do gerente da sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., F. M..
Afiançou ainda que todas as faturas emitidas por esta sociedade deram entrada e foram tidas em consideração na contabilidade da E. R. e confrontada com o relatório de fls. 318-332, do apenso correspondente à certidão extraída do processo n.º 482/04.1JABRG, confirmou o seu teor.
J. M., que participou na ação inspetiva realizada ao sujeito passivo E. R., começou por afirmar que verificou que este sujeito passivo tinha contabilizado faturas emitidas pela sociedade C. M. SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA., mais verificando existir outros subempreiteiros, para além dessa sociedade, contratados pelo sujeito passivo E. R., cujos valores faturados eram bastantes elevados.
Referiu, ainda, que da análise da documentação constatou que os descritivos das faturas emitidas por esses subempreiteiros – P. & S., LDA., CONSTRUÇÕES J., LDA., CONSTRUÇÕES W, LDA., CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGEM K, LDA., entre outras (explicando que solicitaram à Direção de Finanças do Porto a inspeção das empresas fora da comarca de Braga) – a favor da E. R. estavam generalizados, sem a competente descrição dos trabalhos prestados, respetivas medições e da respetiva obra, além de que, algumas dessas faturas, apresentavam erros de somatório, duas vírgulas na indicação dos m2, sendo que, na generalidade, os documentos que foram apresentados eram muito vagos no seu conteúdo.
Após, mais verificou que alguns dos cheques emitidos em nome da E. R. para “pagamento” aos subempreiteiros contratados tinham o último endosso em nome do arguido M. T., outros foram pagos diretamente ao balcão do... de Esposende.
Confrontado com o relatório constante de fls.1 e ss. do apenso III confirmou o seu teor, com exceção da menção ao balcão do... com o n.º 483, cuja referência a fls.24 se ficou a dever a mero lapso; já relativamente ao cheque cuja cópia consta de fls.16 do apenso VIII esclareceu que o mesmo foi pago no antigo banco ….
Por sua vez, ASS., que procedeu à inspeção da sociedade P. & S., Lda., relativamente aos anos de 2001 a 2002, após confirmar o seu enquadramento no regime de IVA trimestral, sufragou que, no âmbito da inspeção realizada, deslocou-se ao local indicado como sede, verificando que o mesmo estava fechado; através de informação da Segurança Social apurou que a sociedade só tinha operado em fevereiro de 1997; notificou o legal representante para comparecer, mas este nunca compareceu; nada conseguiu apurar quanto a potenciais fornecedores da sociedade; a mesma não tinha trabalhadores ao seu serviço nem possuía estrutura empresarial.
Mais disse que, não obstante, através do cruzamento de dados, verificou que aquela tinha como clientes, designadamente, o sujeito passivo E. R., a sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA., a sociedade E. R. UNIPESSOAL, LDA., e a sociedade M. – CONSTRUÇÕES, LDA., no entanto, além de apresentar valores elevados, a descrição das faturas emitidas era impercetível.
R. A., que procedeu às ações inspetivas realizadas às sociedades X – CONSTRUÇÕES, LDA. (anos 2001 a 2003) ST – CONSTRUÇÕES LDA. (ano 2002) e CONSTRUÇÕES Y, LDA. (anos 2001 a 2004), depois de explicar o enquadramento para efeitos de IVA de cada uma destas sociedades, começou por dizer que, em relação à sociedade X – CONSTRUÇÕES, LDA., deslocou a sua sede, situada numa residência particular, mas não conseguiu contactar com ninguém. Após notificação dos legais representantes à data da inspeção (J. C. e MARIA), estes identificaram o TOC, pelo que se deslocou ao gabinete de contabilidade para recolher informações, sendo que os legais representantes não prestaram quaisquer informações. Na contabilidade da sociedade existia uma conta suprimentos relacionada com empréstimos feitos à mesma, entre 2001 a 2003, pelo sócio M. A.. Verificou também que a sociedade não tinha contas bancárias.
Referiu ainda que, das informações recolhidas junto da Segurança Social, resultou que, entre 2001 a 2003, a empresa teve trabalhadores ao seu serviço: uma média de 7 em 2001, 16 em 2002 e 7 em 2003.
Mais salientou que da análise dos elementos disponíveis, com o conteúdo do modelo 22 enviado, relativamente ao ano de 2001, a empresa não teria estrutura empresarial que lhe permitisse prestar os serviços inerentes aos subcontratos declarados, cujas razões explicou nos exatos termos constantes do relatório de fls.1959-1979, cujo conteúdo confirmou na íntegra.
Já quanto à sociedade ST. CONSTRUÇÕES, LDA. foi perentória em afiançar a impossibilidade de localização da sede e o não acesso à documentação da mesma.
Acrescentou que, no exercício de 2002, as quatro declarações mensais de IVA foram remetidas com valores a zero, sendo que a partir de dezembro de 2001 a empresa deixou de enviar elementos para a Segurança Social. Entre 20/11/2000 e 07/03/2002, existiam vários livros de faturas, equivalentes a quinhentas, sendo que a última fatura do ano de 2001, de 31/12/2001, tinha o n.º 391, e em 30/06/2002, a fatura já tinha n.º 502, atingindo, no ano de 2002, o volume de faturação o valor de €1.915.577,00 (IVA incluído), sobretudo em regime de subcontratação, porém, os fornecedores não estavam identificados nem tiveram acesso aos respetivos contratos.
A isto aditou que os gerentes nomeados em 17/11/2003, JOSÉ e J. S. serem conhecidos, na sua área de residência, como toxicodependentes, corroborando, desse modo, em todos os parâmetros, os teores dos relatórios de fls. 1920-1932 e 1952-1957.
Em relação à sociedade CONSTRUÇÕES Y, LDA., começou por asseverar que, no período de 2002, foi uma empresa não declarante em sede de IVA e IRC. Não conseguiu contactar com os seus legais representantes e efetuada deslocação à sede indicada constatou que se tratava de morada particular. Através do cruzamento de dados facultados pelos seus clientes/beneficiários dos serviços, a mesma prestou serviços (designadamente à sociedade X – CONSTRUÇÕES, LDA. e à E. R.) no valor de € 959.960,00, no entanto, não encontraram quaisquer trabalhadores da mesma, não obstante na Segurança Social existir processo contraordenacional em virtude de ter existido trabalhadores em obra que alegaram que estariam a desempenhar funções para a CONSTRUÇÕES Y, LDA..
Verificou ainda que existiam faturas emitidas aleatoriamente, mormente à sociedade X – CONSTRUÇÕES, LDA., que foram desconsideradas na totalidade, conquanto não havia quaisquer comprovativos de meios de pagamento dos serviços faturados.
Exibido, que lhe foi, o relatório de fls. 2016-2025, confirmou o seu conteúdo, uma vez que o mesmo tem plena correspondência com a realidade.
Em complemento deste depoimento, I. P., que realizou ação inspetiva à sociedade ST. CONSTRUÇÕES, LDA., nos exercícios de 2000 e 2001, afiançou que a empresa, incumpridora de parte das obrigações declarativas, não tinha instalações no local indicado como sendo a sede. Após contacto com o sócio A. P., este indicou-lhe os escritórios, onde se deslocou e analisou a contabilidade, também na presença do outro sócio J. F., verificando que existiam faturas não registadas na contabilidade que levariam à entrega de imposto ao Estado. Os sócios comprometeram a retificar a situação, porém, os cheques que acompanharam as respetivas declarações vieram devolvidos por falta de provisão. Quando já tinha o relatório findo, o sócio A. P. apareceu-lhe com faturas da empresa CONSTRUÇÕES AA, LDA. para considerar como custo da ST., o que se lhe afigurou, desde logo, estranho.
De igual modo, AM., que procedeu às ações inspetivas realizadas às sociedades CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K, LDA. (anos 2001 a 2003), CONSTRUÇÕES J., LDA. (anos 2001 a 2003) e CONSTRUÇÕES AA, LDA. (anos 2001 e 2002), começou por sustentar que a sociedade CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K, LDA. estava enquadrada, para efeitos de IVA, no regime trimestral, no entanto, a contabilidade da empresa nunca foi apresentada. No âmbito da inspeção, apurou que no ano de 2001 a sociedade praticamente não teve atividade, não lhe sendo conhecida nenhuma fatura. Nos anos de 2002 e 2003, segunda informação do anexo P, a força produtiva advinha de subcontratos, declarando um volume de negócios na ordem de € 2.500.000,00, contudo, não houve qualquer empresa que tivesse declarado a prestação de serviços a esta sociedade, sendo que a faturação desta teve como principais destinatários E. R. e a sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA., o que também sucedeu com a sociedade CONSTRUÇÕES AA, LDA., cujo sócio gerente, o arguido A. P., era o mesmo da CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K, LDA..
Fez questão de assinalar ainda que, parte da faturação, nos exercícios em causa, das sociedades CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K, LDA. e CONSTRUÇÕES AA, LDA. – cujo número de trabalhadores, nos anos de 2001 e 2002, variou entre 8 e 15 - era relativa à obra do estádio do Braga, todavia, junto da entidade competente obteve a informação de que as mesmas não tiveram quaisquer trabalhadores em obra.
Acrescentou ainda que as faturas emitidas pela sociedade CONSTRUÇÕES AA a favor de E. R. estavam contabilizadas por montantes diferentes, sendo que os subempreiteiros que suportavam a faturação daquela eram a sociedade CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K, LDA. e C. L., cujo número de contribuinte indicado correspondia a uma empresa de serviços de táxi.
Por último, no que respeita à sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA., assegurou que, embora apresentasse uma estrutura organizacional normal, com uma média de 30 trabalhadores, e contabilidade atualizada, já os meios de pagamento emitidos pela E. R. não tiveram como destino as contas daquela sociedade e os principais fornecedores da mesma, P. & S., LDA. e X CONSTRUÇÕES, LDA. não possuíam capacidade produtiva adequada aos serviços faturados.
F. B. e L. J., que participaram na inspeção realizada à sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., relativa aos anos de 2002 e 2003, confirmaram que, no âmbito da mesma, analisaram a faturação emitida a favor dos subempreiteiros, mas já não se detalharam nos serviços prestados à E. R., porquanto a principal atenção debruçou-se sobre os subempreiteiros daquela sociedade, que não tinham trabalhadores inscritos ao seu serviço, essencialmente, a sociedade C. M. Unipessoal, Lda., confirmando o teor do relatório que compõe fls.34 e seguintes do anexo IV.
Mais disseram que se deslocaram à sede da sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., onde contactaram com o funcionário de escritório e posteriormente com o contabilista da mesma, e esta cumpriu sempre com as obrigações declarativas, não tendo averiguado junto da Segurança Social se a mesma tinha trabalhadores inscritos ao seu serviço.
É, assim, inequívoco, pois tal resulta da globalidade da prova produzida, que o sujeito passivo E. R. registou na sua contabilidade as faturas em causa nos autos – descritas nos factos provados n.º 36 -, todas elas respeitantes a alegados serviços que, por sua vez, teriam sido prestados, por subcontratação, pelas sociedades CONSTRUÇÕES AA, LDA., ST. – CONSTRUÇÕES, LDA., P. & S., LDA., CONSTRUÇÕES J., LDA., X – CONSTRUÇÕES, LDA., CONSTRUÇÕES E TERRAPLANAGENS K UNIPESSOAL, LDA., CONSTRUÇÕES Y, LDA. e C. M. – SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA.. E tais faturas foram, contabilizadas na rubrica de subcontratos, conta 6211.
A par daqueles testemunhos, procedeu o Tribunal, como não podia deixar de ser, à análise da documentação que consta dos apensos I a X, sobretudo das faturas emitidas pelas sociedades em causa nos autos e os cheques emitidos em nome de E. R. como suposto meio de pagamento, observando-se, na sua maioria esmagadora, que apresentam ausência de designação específica dos serviços prestados, resumidos na descrição que deles é feita, à indicação genérica das obras e, nalguns casos, até, apenas à sua localização espacial ou ao tipo de serviço prestado, como, por exemplo, “trabalhos de mão-de-obra incluindo cofragem e descofragem”, “trabalhos em várias obras”.
Na realidade, nenhuma das faturas emitidas contém, do mesmo modo, elementos que constituam reflexo de autos de mediação ou discriminação de valores por serviços e/ou mão-de-obra. Para além disso, pelo menos parte das faturas, apresentam, mesmo com base nos dados nelas inscritos, incorreções aritméticas, tal como, de resto, resultou do depoimento prestado, em audiência de julgamento, pela testemunha J. M..
Tais ausências, imprecisões e incorreções verificadas não se compadecem, desde logo, com o regime de subempreitada, posto que tendo o sujeito passivo E. R. de faturar, os serviços que hipoteticamente subempreitou, às grandes empresas que a contrataram, naturalmente que se impunha que as faturas emitidas pelos potenciais subempreiteiros contivessem uma descrição específica e rigorosa, o que se verifica não acontecer.
Por outro lado, como consta do relatório de ação inspetiva de E. R., cujo conteúdo foi corroborado em audiência de julgamento pelo que nos disseram, desde logo, P. P. e J. M., a descrição genérica e generalizada constantes das faturas em causa não é consentânea com o tipo e volume de serviços alegadamente prestados nem com as práticas de mercado, pois que na origem da execução de subempreitadas como aquelas que E. R. foi incumbida está sempre subjacente a assinatura de contratos com características específicas, designadamente, preços diferenciados para cada tipo de trabalho, bem como a quantificação dos mesmos.
Acresce que, em alguns casos, pelas sociedades emitentes foram requisitados vários livros de faturas, alguns com numeração correspondente, sendo que a emissão das faturas não seguia ordem cronológica, verificando-se falhas na respetiva sequência.
Ademais, do relatório de ação inspetiva que visou o sujeito passivo E. R. resulta que, pela análise dos subcontratos relativos aos anos fiscais de 2001 a 2003, a existência de ligações comerciais entre as sociedades emitentes de faturas, que se apresentam como prestadoras diretas de serviços à E. R. e, simultaneamente, como prestadoras de serviços entre si, num contexto comercial quase, senão mesmo totalmente, injustificado e incompreensível, exceto, naturalmente, num quadro de emissão de faturação falsa.
Em abono do raciocínio que se vem fazendo que, conforme flui dos depoimentos acima sumariados, que corroboram os relatórios das ações inspetivas realizadas às sociedades emitentes das faturas em causa, quase todas elas, com exceção da sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., não apresentavam estrutura, meios ou condições para o exercício de atividade empresarial no volume em que faturaram, pois não tinham quaisquer trabalhadores ao seu serviço ou se tinham o número dos trabalhadores inscritos não lhes permitia prestar o volume dos serviços faturados.
Na sua grande maioria, as sociedades emitentes também não possuíam contabilidade organizada, sendo que, no caso da sociedade ST., LDA. havia faturas não registadas na contabilidade, e alguns dos cheques emitidos como suposto meio de pagamento das faturas em questão, tinham o último endosso em nome do arguido M. T., que era quem exercia a atividade comercial em nome de E. R., e foram depositados em conta bancária da sua titularidade, outros foram movimentados e/ou levantados aos balcões do Banco ... sitos em Esposende e Matosinhos, por ordem do arguido M. T..
Ora, para além da estranheza associada aqueles últimos endossos em nome do arguido M. T., aos movimentos e levantamentos realizados, na sua grande maioria no concelho onde este residia e reside, a verdade é que, encontrando-se o meio de pagamento emitido incluído já no circuito bancário e carecendo as sociedades emitentes das faturas de liquidar as suas próprias responsabilidades perante os seus fornecedores e/ou trabalhadores, à luz das regras de experiência comum e daquelas que constituem a normalidade no circuito comercial e financeiro, nada permite ter por justificado, seja a que título for, aqueles endossos, movimentos e levantamentos em numerário e, para mais, de montantes de valores consideravelmente elevados. O normal seria, isso sim, que os valores titulados pelos cheques conhecessem como destino as contas bancárias das sociedades emitentes das faturas ou conta sobre a qual os seus legais representantes tivessem disponibilidade.
Com efeito, os levantamentos realizados ao balcão apontam, de forma incisiva, em conjugação com tudo o mais que se deixou dito, no sentido de que o procedimento em causa terá tido em vista permitir, tal como sucedeu com os ocorridos endossos, o retorno dos montantes titulados nos cheques ao arguido M. T. e, simultaneamente, criar um mecanismo de diversão relativamente ao efetivo destino dos valores inscritos naqueles meios de pagamento.
Para que não haja precipitações na apreciação da prova, não podemos deixar de salientar que o depoimento da testemunha J. C., inquirida ao abrigo do disposto no artigo 340.º, do Cód. Proc. Penal, à data dos factos gerente do balcão do BANCO ..., sito em Esposende, além de se ter revelado inócuo para o apuramento dos factos, foi prestado sob reserva mental, por razões que, não obstante o empenho empregue pelo Tribunal nesse sentido, não foram possíveis apurar.
Relativamente à sociedade CONSTRUÇÕES J., LDA., apraz, assinalar, ainda que várias faturas têm aposta a mesma data ou datas em dias seguidos, em procedimento que não aparenta poder ter outra explicação senão a de que o procedimento em causa – diluir valores - terá sido preordenado à finalidade de evitar que os [elevados] montantes apostos nas faturas constituíssem, por si só, motivo para o desencadeamento de eventuais ações inspetivas.
E não obsta a convicção a que se chegou quanto a esta sociedade, o teor do acórdão proferido pelo TCAN, no âmbito do processo n.º 29/06.5BEPNF, junto a fls. 1708-1718, uma vez que ali apenas se apreciou questão formal inerente ao exercício do direito de audição, na fase administrativa, por parte da sociedade, que se entendeu não ter sido cabalmente exercido, determinando-se, em consequência, a invalidade dos atos tributários entretanto praticados.
Assim, na consideração de tudo quanto se deixou dito, não restaram a este Tribunal quaisquer dúvidas de que as faturas constantes dos autos, com exceção das emitidas pela sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., não titulam serviços que tivessem sido prestados ao sujeito passivo E. R. pelas sociedades emitentes e por esta pagos, por essa ser a versão mais consentânea com a realidade.
É óbvio que os arguidos em causa rodearam-se de cautelas, no sentido de não serem descobertos pela Autoridade Tributária, porém, na formação da convicção, não está o juiz impedido de usar presunções baseadas em regras da experiência, ou seja, nos ensinamentos retirados da observação empírica dos factos. Ensina Vaz Serra que «ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência de vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência». Mas, «a ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável».
«Há de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios, ou a falta de um ponto de ancoragem, no percurso lógico de congruência segundo as regras da experiencia, determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitraria ou dominada por impressões».

Pois bem, in casu, os referidos factos probandi depreendem-se da compaginação das circunstâncias já acima apontadas: (i) as faturas em questão que, servindo de base a posterior faturação a grandes empresas, não contêm designação específica dos serviços prestados; (ii) a ausência de registo de trabalhadores das sociedades emitentes das faturas ou das sociedades por elas subcontratadas, nas obras em que, em particular, foi realizado controlo de presença de trabalhadores; (iii) o esquema evidenciado de relações entre as várias sociedades emitentes, designadamente com subcontratações entre si e, em simultâneo, subcontratação direta pelo sujeito passivo E. R.; (iv) a ausência total de capacidade produtiva/estrutura por parte de algumas das sociedades, evidenciada pelo recurso permanente a subcontratação, pela falta de pessoal, sede e meios, e outras sociedades que, podendo, embora, ter alguma capacidade produtiva/estrutura não recorrem a meios próprios, subcontratando, outrossim, os serviços de que pretensamente foram incumbidos pelo sujeito passivo E. R. a quem não a tinha, num esquema de subcontratações sucessivas, em que, cada uma, procura sustentar a capacidade das seguintes [diga-se que não há faturação falsa somente quando as sociedades não se apresentam em condições de prestar os serviços, pois há, ou pode haver, também, quando, independentemente disso, quem as representa se motiva, por uma razão ou outra, a fazê-lo]; (v) o esquema de circularização dos cheques, cujos montantes conheceram como destino final o arguido M. T. ocorrência que, se mais não houvesse, evidencia, à saciedade, que os serviços não foram prestados.
Por conseguinte, todos estes factos, avaliados à luz das regras da experiência de vida e segundo um juízo de normalidade, permitem concluir, sem que subsista qualquer dúvida, pela não execução/prestação dos serviços faturados através das faturas descritas nos factos provados n.º 36 e, por conseguinte, pela falta de correspondência com a realidade do conteúdo das mesmas.
Acontece que idêntica convicção já não se formou no nosso espírito relativamente às faturas emitidas pela sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., isto porque, por um lado, as testemunhas F. B. e L. J. asseguraram que a ação inspetiva levado a cabo não se debruçou sobre os serviços, por aquela, prestados ao sujeito passivo E. R., uma vez que visava principalmente os subempreiteiros daquela, nomeadamente os que não tinham trabalhadores inscritos ao seu serviço, o que, aliás, se conclui com facilidade da análise do relatório de fls. 34 e seguintes do anexo IV; por outro, tal sociedade dispunha de recursos materiais, incluído imobilizado, e humanos – a este propósito não podemos deixar de dizer que a testemunha A. M., TOC daquela sociedade, com conhecimento direto e sem qualquer interesse no desfecho da presente causa, afiançou que, nos anos fiscais em apreço, a sociedade tinha entre 30 a 40 funcionários inscritos na Segurança Social -; e, em último, a mesma cumpriu sempre com as obrigações declarativas fiscais, tudo a apontar para um cenário de normalidade.
Perante esta afirmação, e restando apenas demonstrado que o circuito bancário acima descrito quanto aos cheques n.ºs 80551897, 80551921, 8055158, 80551885, 80551926, 80551949 e 80551959, emitidos em nome de E. R. a favor da CONSTRUÇÕES W, LDA., ainda que aliado à falta de indicação do tipo e quantidade dos serviços e do local da obra nas faturas respetivamente emitidas, não havendo outros elementos probatórios que convirjam no sentido de atribuir, de forma indubitável, a falsidade das faturas por ela emitidas a favor de E. R., permanece a dúvida ao Tribunal nesse conspecto. E na ausência do juízo de certeza, vale o princípio de presunção de inocência do arguido (artigo 32.ºn.º2, Constituição da Republica Portuguesa), de que o princípio in dubio pro reo é corolário.
Tal princípio, ao rezar que a dúvida (dúvida razoável) do tribunal sobre determinado facto seja valorada a favor do arguido, implica que, no caso de dúvida razoável sobre eles, se considerem como provados os factos que lhe são favoráveis e como não provados os factos que lhe são desfavoráveis, o que se verificou no caso, daí a materialidade dada como não provada nas alíneas m) a o) dos “factos não provados”.
As certidões judiciais que constituem fls. 394-422, 427-466, 2178-2179, 2181-2205, 2217-2307 e 2323-2416 comprovam o conteúdo das decisões finais proferidas pelo TAF de Braga e pelo TCAN nos processos n.º 19/06.8BEBRG e 1763/08.0BEBRG.
A prova da vantagem patrimonial obtida pelos arguidos, de cujo cálculo foram desconsideradas não só as faturas emitidas pela sociedade CONSTRUÇÕES W, LDA., mas também as faturas cujo pagamento foi efetuado por meio de cheque levantado pelos respetivos emitentes aos balcões do BANCO ..., em estrita obediência ao decidido no processo n.º 1763/08.0BEBRG, assentou no parecer de fls. 766-796, atualizado, nessa parte, na informação prestada a fls. 2613-2619.
Uma outra nota para dizer que, com exceção da arguida M. E., todos os demais arguidos que estiveram presentes na audiência de julgamento, fazendo uso da prerrogativa que lhes é conferida por lei, remeteram-se ao silêncio.
A prova do elemento subjetivo é sempre indireta e deve ser extraída dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum, o que sucedeu no caso em análise.
Na realidade, o processo psíquico em que assenta a verificação do dolo, porque nasce e se desenvolve no pensamento íntimo mais profundo do ser humano, excetuando uma manifestação espontânea do agente, só se manifesta através de um acertado juízo de inferência, colhido de elementos objetivos conhecidos.
Na realidade, os comportamentos desencadeados pelos mencionados arguidos, ao forjarem as faturas elencadas nos factos provados n.º 36, espelhados na factualidade descrita supra, denunciam, de modo inequívoco, a vontade em obter benefícios económicos que sabiam ser ilegítimos, o que conseguiram, causando, dessa forma, prejuízo ao Estado.
De facto, a vontade de realização dos factos queda como provada atento o manifesto e óbvio: quem se propõe emitir e registar na contabilidade faturas que sabe serem forjadas, criando, na Administração Tributária, a convicção de que tais dados são verdadeiros é porque quer obter benefícios a que sabia não ter direito e, bem assim, causar prejuízo ao Estado, já que sabe que os serviços discriminados nas faturas em questão não correspondiam a quaisquer prestações de serviços ou transações levadas a cabo.
No que respeita à voluntariedade dessas condutas e à sua consciência da ilicitude, das condutas dos arguidos dadas como provadas e da sua postura em audiência de julgamento, concluímos, sem margem para qualquer dúvida, que estes têm e, tinham à data dos factos, capacidade de distinguir entre o bem e o mal e de se determinar de acordo com essa avaliação.
A consciência da ilicitude resulta do facto de se tratar de uma conduta axiologicamente relevante, ou seja, qualquer pessoa sabe que não pode declarar fiscalmente falsos custos, criando, para o efeito, um estratagema com vista a obter benefícios económicos indevidos, prejudicando o erário público.
Não há, assim, nenhuma dúvida que os arguidos M. T., J. P., J. F., A. P., A. J., C. M. e M. V. atuaram com vontade intencionalmente direcionada, de forma consciente e com pleno conhecimento da ilicitude penal dos seus comportamentos.
Para prova das condições económicas, familiares e sociais dos arguidos, valoraram-se os relatórios sociais que compõem fls. 1547-1548, 1550-1551, 1558-1560, 1566-1568, 1569-1572, 1577-1581, 1586-1587, 1591-1592, 1595-1596 e 2651-2652, cujos teores não foram impugnados nem contraditados.
O pretérito criminal dos arguidos resultou dos certificados de registo criminal juntos a fls. 2654-2656, 2658, 2660, 2661-2678, 2681-2685 e 2700-2721, devidamente examinados.
No tocante aos factos dados como não provados na alínea p), tal deveu-se à circunstância de não ter sido produzida qualquer prova sobre a sua veracidade.
Finalmente, quanto à restante factologia considerada como não provada, tendo ficado por demonstrar que os arguidos M. A., J. C., M. E., C. P., F. C., F. M. e L. P. tiveram participação nas ocorrências que visaram finalidade beneficiar fiscalmente E. R., naturalmente que, também, não se demonstrou que, norteados por tal objetivo e com conhecimento da ilicitude penal do seu comportamento, atuaram com o estado de intenção e com o grau de consciência que lhes vem imputado na acusação pública.
Não se respondeu à restante matéria por ser irrelevante, conclusiva ou respeitar a matéria de direito.
*
III- O Direito.

1. A prescrição.

Os recorrentes M. T. e A. J. consideram estar inteiramente decorrido o prazo de 10 anos de prescrição do procedimento criminal, contado a partir da data em que cada um deles foi constituído como arguido nos autos (respectivamente, 23/09/2005 e 18/12/2006), uma vez que as impugnações judiciais (apenas) apresentadas por E. R. à tributação de IRS e de IVA só na esfera jurídica da mesma se repercutem e, por isso, não suspendem o processo penal tributário e o prazo de prescrição relativamente àqueles.

Vejamos.

O artigo 21º do RGIT (Lei 15/2001, de 5/6) estipula que, em geral, o procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos (n.º 1), o que não prejudica os prazos de prescrição estabelecidos no Código Penal quando o limite máximo da pena de prisão for igual ou superior a cinco anos (n.º 2). No caso, vindo assacada aos recorrentes a coautoria de um crime de fraude qualificada previsto pelos arts. 103º, n.º 1, al. a) e 104º, n.ºs 1 e 2, do RGIT e punível com prisão de um a cinco anos, realmente, o prazo de prescrição do respectivo procedimento é de dez anos [cf. art. 118º, n.º1, b), do CP).
Nos termos do n.º 4 do referido art. 21º, o prazo de prescrição interrompe-se e suspende-se nos termos estabelecidos no Código Penal, mas a suspensão da prescrição verifica-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos previstos no n.º 2 do art. 42º e no art. 47º.
A norma do n.º 2 do art. 42º, para que é feita tal remissão, preceitua que «[n]o caso de ser intentado procedimento ou processo tributário em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos, não é encerrado o inquérito enquanto não for praticado ato definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária». E o n.º 1 daquele art. 47º dispõe que «[s]e estiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição à execução, nos termos do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados, o processo penal tributário suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças» (o sublinhado é nosso).
Note-se que o segmento sublinhado do preceito («em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos imputados)» não constava da versão original do diploma, tendo sido aditado pela Lei 53-A/2006, de 29-12-2006 (Orçamento Estado 2007), portanto, depois de terem ocorrido os factos imputados aos ora recorrentes (1).
E o art. 48º do RGIT completa a moldura normativa da questionada causa de extinção do procedimento, estatuindo que a sentença proferida em processo de impugnação judicial e a que tenha decidido da oposição de executado, uma vez transitadas, constituem caso julgado para o processo penal tributário apenas relativamente às questões nelas decididas e nos precisos termos em que o foram.
Assim, do que aqui se trata é da interpretação do alinhavado complexo normativo a fim de saber se as impugnações judiciais que a mencionada E. R. deduziu (em processo tributário) às liquidações baseadas na indevida obtenção de vantagens em sede de IVA e IRS pela emissão de facturas falsas suspendem este processo penal tributário e o referido prazo de 10 anos de prescrição do procedimento criminal.
A solução jurídica dessa questão, com base, não só no específico normativo já citado daquele art. 47º, mas em todo o regime em que este se enquadra, sendo relevante não só o diploma em que se integra, mas todo o ordenamento jurídico em vigor (2), deve preservar a relativa previsibilidade e segurança na aplicação do direito, bem como o princípio da igualdade, consagrado no art. 13º da CRP – que exige que se tenha em consideração «todos os casos que mereçam tratamento análogo» (art. 8º, n.º 3 do CC (3)) –, não podendo, por isso, em defesa do interesse na unidade do direito, deixar de ser aqui convocada a orientação adoptada pelo nosso mais Alto Tribunal.
Referimo-nos, especificamente, ao AUJ n.º 3/2007, 12-10-2006 (in DR I Série de 21-02-2007), ainda que, aqui, para a interpretação do citado art. 47º do RGIT, não assuma a (relativa) vinculatividade inerente a qualquer acórdão uniformizador de jurisprudência, uma vez que se pronunciou sobre art. 50º, n.º 1, do RGIFNA (DL 20-A/90, de 15/1, na redacção do DL 394/93, de 24/11), que tinha o seguinte teor: «Se tiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de executado, nos termos do Código de Processo Tributário, o processo penal fiscal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças».
Com efeito, o alcance normativo de ambos os preceitos é substancialmente idêntico, como resulta imediatamente do seu cotejo, sendo certo, aliás, que, até formalmente, a redacção original do art. 47.º do RGIT também não continha, tal como a do aludido art. 50º do RGIFNA, qualquer alusão à relação de prejudicialidade (dependência) entre o processo tributário e o processo penal fiscal, como limite ao sobrestar obrigatório deste último processo, a qual apenas foi explicitamente introduzida pelo aditamento acima referido da Lei 53-A/2006.
Contudo, essa “inovação” apenas veio formalizar/esclarecer a orientação para que já apontava anteriormente a unidade do sistema jurídico, uma vez que a racionalidade deste só justificaria a obrigatoriedade de sobrestar o processo penal fiscal quando do processo tributário dependesse a definição da situação tributária e esta determinasse a qualificação criminal dos factos imputados.
O dito AUJ reconheceu expressamente essa orientação, ao apreciar o complexo normativo então em causa numa perspectiva sistemática, antes de tal aditamento, para concluir que a suspensão do procedimento penal por crime fiscal em virtude de impugnação fiscal constitui um imperativo legal: «(…) se o conhecimento de matéria penal fiscal depender da prévia apreciação de impugnação judicial tributária, esta constitui uma questão prejudicial ope legis ao conhecimento penal e, por isso, suspende o processo penal fiscal até que transite em julgado a decisão proferida em sede fiscal quanto à respectiva impugnação …» (o realce é nosso) (4).
Por todas essas razões, na delimitação do sentido e alcance da norma jurídica contida no citado art. 47º do RGIT, não pode deixar de ser ponderada, por permanecer inteiramente pertinente, ainda que para a interpretação do aludido art. 50º do RGIFNA, a fundamentação perfilhada no invocado AUJ, no sentido de que, ao invés do processo penal comum – em que a suspensão é apenas facultativa (cf. art. 7º do CPP (5)) – é essencial a obrigatoriedade da suspensão do processo penal fiscal em virtude da pendência de processos de impugnação judicial ou oposição à execução, na medida em que a decisão, com trânsito em julgado, das questões nestes suscitadas se mostre decisiva para a definição da existência de fraude fiscal e sua qualificação, sendo que a competência para tal decisão cabe a uma ordem jurisdicional própria (os tribunais administrativos e fiscais), em conformidade com o art. 212º da CRP.

Esse Aresto elucidou ainda:

«Neste contexto, há que considerar o sistema jurídico no seu todo, nomeadamente o sistema jurídico-penal em sentido amplo, num claro e necessário propósito de conjugação, naquilo em que seja possível, entre o RJIFNA e o regime penal e processual-penal comum, por um lado, e entre tais regimes e o processo de impugnação tributária, por outro lado.
Naquela primeira vertente, consigna-se que o RJIFNA constitui indubitavelmente um regime penal e processual especial.
Além do mais, tal especificidade justifica que às infracções fiscais sejam primeiramente aplicáveis as normas constantes do RJIFNA e subsidiariamente as normas do regime penal e processual-penal comum.
Quer isso significar que estas últimas normas apenas serão aplicáveis às infracções fiscais sempre que o RJIFNA seja omisso na matéria e desde que tal aplicação não contrarie as normas e os princípios daquele regime.
Ora, dada a omissão do RJIFNA de qualquer expressão sobre a necessidade de despacho judicial declarativo da suspensão do processo penal fiscal e uma vez que no procedimento penal comum a eficácia da suspensão não depende da prévia existência de despacho judicial a declará-la, a aplicação subsidiária do indicado regime comum determinará que a suspensão do processo penal fiscal há-de decorrer da simples verificação da pendência do processo de impugnação tributário, sem necessidade de despacho judicial.
(…) Por outro lado, a especificidade do direito fiscal, enquanto ramo de direito, justifica o afastamento do chamado princípio da suficiência do processo penal no domínio do direito penal fiscal em termos tais que a impugnação judicial tributária deve ser necessária e exclusivamente apreciada no processo e nas instâncias próprias; por isso, a pendência aí de tal impugnação constitui causa ope legis de suspensão do processo penal por crime fiscal e, em consequência, por directa imposição da lei, de suspensão do respectivo prazo prescricional, sem necessidade, pois, de despacho judicial que o declare.
(…) Dadas as apontadas especialidades do direito fiscal, a impugnação judicial tributária constitui objecto próprio de apreciação e decisão na competência da jurisdição administrativa e fiscal. Mais constitui matéria da competência exclusiva de tal jurisdição, assim se afastando, neste limite, o princípio da suficiência do processo penal.
(…) conclui-se que suspensão do procedimento penal por crime fiscal em virtude de impugnação fiscal constitui um imperativo legal, não assumindo, consequentemente, qualquer relevância processual a necessidade de fazer depender aquela suspensão de despacho judicial expresso.
Entender o contrário, … seria admitir ou que o processo penal fiscal pudesse ter um desfecho apesar da impugnação tributária e sem conhecimento desta, o que poderia constituir um acto inútil, caso tal impugnação fosse parcial ou integralmente deferida, ou que no processo penal fiscal se conhecesse da impugnação fiscal, com o risco de uma contradição de julgados e numa perspectiva assistemática contrária à especificidade dos planos pretendida pelo legislador.
Nestes termos, a coerência sistemática supõe que a impugnação fiscal determine a suspensão do processo por crime fiscal até ao desfecho da impugnação e, por tal suspensão, a suspensão do procedimento criminal sem necessidade de despacho que o declare.
(…) Ora, havendo impugnação judicial tributária, a pendência desta confere persistência ao conflito que o procedimento penal fiscal constitui, pelo que inexiste enfraquecimento, e muito menos cessação, das necessidades de prevenção do crime durante a pendência daquela impugnação judicial.
Persistindo em discussão matéria conexa e prévia à apreciação do ilícito penal fiscal, nem se mostra apaziguado por qualquer forma o juízo comunitário de censura, nem o agente pode alegar um tal desfasamento relativamente ao facto que justifique a impertinência da reacção penal.
Nestes termos, a simples pendência do processo de impugnação tributária justificará por si só a suspensão do processo penal fiscal.
(…) E o prazo de prescrição do procedimento criminal por crime fiscal suspende-se, … por “efeito da suspensão do processo”, se estiver a correr processo de impugnação judicial.»
O próprio Tribunal Constitucional, no seu Acórdão n.º 321/06, de 17-05-2006, competindo-lhe, especificamente, administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional e, por isso, pronunciando-se estritamente dentro dessa sua competência sobre a questão da conformidade constitucional do citado art. 47º do RGIT – então, não na sua vertente substancial, mas apenas na do seu efeito processual quanto à potencial dilatação da duração do processo penal fiscal – já anteriormente ao dito AUJ não deixara de se debruçar sobre a interpretação do referido preceito, nestes termos:
«(…) No processo penal comum, a verificação da existência de uma questão prejudicial – e, portanto, também de uma questão prejudicial de natureza administrativa ou fiscal – não determina a suspensão obrigatória do processo: nos termos do artigo 7º, n.º 2, do Código de Processo Penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.
Também o regime do processo civil é diverso do processo penal tributário: de acordo com o artigo 97º, n.º 1, do Código de Processo Civil, perante uma questão prejudicial da competência dos tribunais administrativos, pode o juiz sobrestar na decisão até que o tribunal competente se pronuncie.
A suspensão obrigatória do processo penal tributário, nos casos previstos no artigo 47º, n.º 1, do RGIT, coloca, assim, desde logo, o seguinte problema: qual a razão que justifica a disparidade entre este regime e os do processo penal comum e do processo civil?
Note-se, todavia, e antes de mais, que – como o Tribunal Constitucional já teve oportunidade de por diversas vezes afirmar – a Constituição não impõe a unidade de regimes nos diversos ramos do direito processual.
A razão da diferença de regimes aqui em discussão não pode, como é evidente, residir na possibilidade de existência de questões prejudiciais de natureza administrativa ou fiscal no processo penal tributário: também no processo penal comum e no processo civil podem surgir questões prejudiciais que revistam tal natureza.
No entanto, é também manifesto que questões dessa natureza podem surgir com muito mais frequência no processo penal tributário do que no processo penal comum ou no processo civil: com efeito, o processo penal tributário destina-se ao conhecimento de crimes tributários (cfr. artigos 35º e seguintes do RGIT), pelo que nele importa, desde logo, esclarecer se houve infracção de certas normas de natureza tributária (cfr. o artigo 1º do RGIT), o que constitui questão fiscal.
Por outro lado, dir-se-ia que questões prejudiciais de natureza fiscal surgem, no processo penal tributário, com muito mais pertinência do que nos restantes processos. A questão prejudicial é, por definição, uma questão cuja resolução se revela necessária para a resolução da questão principal: mas é quase inconcebível que, num processo penal tributário, não seja imprescindível resolver questões de natureza fiscal, a ponto de a distinção entre questão principal e questão prejudicial fiscal se chegar mesmo a esbater.
Dada essa frequência, e pertinência, é compreensível que, no processo penal tributário, se não tenha pretendido atribuir ao juiz a faculdade de opção pela suspensão do processo, nos casos a que alude o artigo 47º, n.º 1, do RGIT, assim se levando às últimas consequências a regra estabelecida no artigo 212º, n.º 3, da Constituição, que comete aos tribunais administrativos e fiscais “o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais”.
Dito de outro modo, não se afigura arbitrário estender esta regra de competência dos tribunais administrativos e fiscais, a título exclusivo, aos casos em que a questão administrativa ou fiscal é submetida à apreciação judicial a título prejudicial e não principal, quando – como sucede no processo penal tributário – seriam muitas as vezes em que o juiz teria de decidir acerca da suspensão ou não suspensão do processo, utilizando critérios de conveniência, nem sempre seguros, e enfrentando a dificuldade de delimitação entre questões principais e prejudiciais.
Assim sendo, justifica-se perfeitamente que, no processo penal tributário, quando surjam questões prejudiciais de natureza administrativa ou fiscal, não valha o princípio da suficiência consagrado no artigo 7º do Código de Processo Penal.
(…) a lei prevê um mecanismo que, de algum modo, procura obstar a um indesejável protelamento da decisão da questão prejudicial: nos termos do artigo 47º, n.º 2, do RGIT – preceito já acima transcrito (supra, 7.) – “se o processo penal tributário for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie”.»

Também na doutrina se foi apontando idêntico caminho. Assim, do estudo de José Lobo Moutinho (6) realçamos os seguintes trechos:

«(…) o RGIT impõe, em várias das suas disposições, o sobrestar processual, determinando a suspensão do processo penal fiscal até que a situação tributária fique definitivamente definida pelos órgãos competentes, nos meios próprios, e reconhecendo a força de caso julgado que aí se forme para o processo penal tributário relativamente às questões decididas e nos precisos termos em que o forem (art. 48.º). Ao mesmo tempo, determina-se a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal (art. 21.º, n.º 4) e a prioridade dos procedimentos ou processos tributários em questão (arts. 42.º, n.º 4, e 47.º, n.º 2).
(…) Ficou, pois, esclarecido que o sobrestar obrigatório se limita à relação de prejudicialidade assim descrita.
(…) Como já se referiu, existe prejudicialidade se a resolução de uma questão (a prejudicada) estiver dependente da resolução de uma outra questão de natureza substantiva (a prejudicial) que constitua antecedente lógico da primeira.
São por isso seus requisitos ou características (i) a antecedência lógico-jurídica; (ii) a autonomia e (iii) a necessidade [La pregiudizialità, pp. 39 ss.; entre nós, CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de processo penal, …].
(…) No entanto, com o mesmo Autor, há que notar que a necessidade de que se fala aqui “não exclui que [a questão prejudicial] respeite, em princípio, ou à existência ou à modalidade da questão prejudicada. Assim, relativamente a questões penais, a resolução de questões prejudiciais poderá ser indispensável, quer para decisão sobre se existe um crime, isto é, se se verifica um dos seus elementos constitutivos essenciais, quer para decisão sobre qual a quantidade do crime, isto é, se se verifica um elemento constitutivo acidental ou circunstancial” [Ibidem, p 74].
(…) Esta interpretação permite uma primeira aproximação no sentido de que o RGIT terá dado um âmbito mais largo ao sobrestar prejudicial obrigatório no processo penal tributário: ele terá lugar não (ou não só) quando da questão tributária dependa a “existência” do crime tributário, mas (ainda) quando da questão tributária dependa a “qualificação” da mesma. Assim sendo, e interpretando – como é corrente – a expressão “qualificação” como operação de “subsunção” (rectius: de correspondência) entre o facto e uma concreta norma incriminadora, estarão abrangidos os casos em que da definição da situação tributária depende a aplicação desta ou, pelo contrário, daquela norma incriminadora concreta. O mesmo é dizer, a prejudicialidade abrangerá os casos em que da definição da questão prejudicial depende, não penas a punibilidade do facto, mas ainda a medida legal da pena (também chamadas circunstâncias modificativas, agravantes ou qualificativas ou atenuantes). Já estarão fora do âmbito do sobrestar obrigatório os casos em que da resolução da questão prejudicial depende apenas o reconhecimento de meras circunstâncias que confluem para determinar a medida concreta da pena, entre o seu máximo e o seu mínimo (art. 71.º do CP).
(…) Desta forma, antes do restrito problema do valor e com muito maior relevância do que ele, a liquidação versa sobre a determinação da existência do dever tributário que terá sido ofendido com o crime de fraude fiscal e, bem assim, sobre a determinação das pessoas a quem ele incumbe (e que serão responsáveis pela sua violação).
(…) E – o que é verdadeiramente decisivo na perspectiva material e teleológica – em qualquer dos referidos aspectos, caso não se proceda à prévia determinação definitiva da situação tributária na sua sede própria, pode vir a ocorrer uma flagrante contradição entre o caso julgado penal – que, por exemplo, considere existente certo dever fiscal e responsabilize pelo seu incumprimento certa pessoa – e a ulterior decisão ou sentença tributárias – que venha a considerar justamente o oposto.
Que, por outro lado, qualquer dos referidos aspectos – determinação do dever violado e da pessoa responsável – pode suscitar complexíssimas questões jurídico-tributárias (tanto ou mais que a determinação do valor da prestação tributária em dívida e acréscimos legais) é absolutamente evidente em geral. Basta pensar em imputações como as das chamadas fraudes em carrossel em matéria de IVA, em que a imputação das empresas que intervêm objectivamente ao longo dos diversos passos depende da negação do seu direito à dedução do IVA.
Assim, independentemente do que suceda quanto ao aspecto restrito do valor, estes dois momentos da liquidação justificam, em qualquer caso, a afirmação de que, no crime de fraude fiscal, a qualificação criminal dos factos depende do apuramento da situação tributária.
Nessa medida, podemos, ainda, seguir GAETANO FOSCHINI quando ele escrevia, a propósito da prejudicialidade fiscal: “a fixação [“accertamento”] definitiva do imposto ou do seu montante entra directamente a fazer parte, como premissa, do silogismo no qual se consubstancia o elemento lógico da sentença penal. A situação é precisamente a mesma que a que se verificaria por ex. no crime de violação das obrigações de assistência familiar quando fosse controversa (isto é, não fixada definitivamente) a qualidade de cônjuge na hipótese em que esta é pressuposto do referido crime” [La pregiudizialità, p. 230.].
Sobre este ponto, lembra Casalta Nabais (7) que «a liquidação latu sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante do imposto, compreende: 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídico-fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável do imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação (stricto sensu) traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as (eventuais) deduções à colecta».

Lopes de Sousa e Simas Santos (ob. cit.) dizem que:

«(…) a referência exclusiva a processos de impugnação judicial e de oposição à execução fiscal e não também a quaisquer outros processos judiciais tributários indicia que se terão em vista neste art. 47º apenas os casos em que, para apreciar a existência de um crime tributário, pode ser necessário apreciar a legalidade da liquidação de um tributo (como pode suceder, por exemplo, no caso dos crimes de frustração de créditos, de fraude e de abuso de confiança, previstos nos arts. 88º, 103º e 105º do RGIT).
Infere-se do regime previsto neste artigo que existe uma opção legislativa no sentido da primazia da jurisdição fiscal para apreciação de questões tributárias, o que tem plena justificação no carácter especializado das questões desta natureza, que está subjacente à atribuição constitucional da competência para o seu conhecimento a uma jurisdição especializada (art. 212º, n.º 3, da CRP) e não à jurisdição comum, em que se inserem os tribunais criminais.».
Por fim, Tolda Pinto e Reis Bravo (8) observam que «a obrigatoriedade da suspensão é essencial, pois o montante/valor da prestação tributária, da atribuição patrimonial, dos produtos objecto da infracção ou da vantagem patrimonial ilegítima é decisiva para a existência de um tipo de crime tributário (e respectiva qualificação em função desse mesmo valor)».

Revertendo ao caso em apreço, podemos agora responder à questão que, em concreto, constitui o cerne da divergência dos recorrentes relativamente à decisão recorrida: as impugnações judiciais apresentadas por E. R. à tributação de IRS e de IVA apenas se repercutem na esfera jurídica da mesma e, por isso, não suspenderam o processo penal tributário e o prazo de prescrição do procedimento criminal relativamente aos arguidos recorrentes?
Ora, face ao já ponderado, com apoio no consenso jurisprudencial e doutrinal evidenciado em tudo o exposto e à concreta configuração da repercussão trazida pelos processos tributários a este processo penal, adiantamos já que a resposta a essa questão não pode deixar de ser negativa, pelo que não vemos razão para não manter o entendimento expresso na decisão recorrida.
Não ignoramos alguma jurisprudência apontando genericamente para que as causas de interrupção e prescrição do procedimento criminal possuem natureza estritamente pessoal, estando ligadas à demora da actuação do Estado na perseguição da concreta pessoa que alegadamente terá cometido um crime, inexistindo, por isso, fundamento para a comunicabilidade da suspensão a arguidos não impugnantes (9).
No entanto, à luz da reflexão globalmente exposta, a questão suscitada não obtém uma solução genérica e abstracta: como vimos, especialmente pelo foco em que o Supremo assentou as suas ponderações acerca da relação entre processo penal tributário e procedimento e processo tributário em geral, afinal, tudo depende da averiguação, caso a caso, sobre se entre ambos os processos existe a relação de prejudicialidade que justifica a excepção ao princípio da suficiência do penal.
Na verdade, como emerge coerentemente solidificado no analisado complexo normativo, a efectiva pretensão tributária, ainda que em termos de mera susceptibilidade, é parte integrante do elemento objectivo do tipo criminal: apurando-se definitivamente que nada é devido ao erário público ou que não lhe é devido o que a Administração Tributária pretenderia, fica demonstrada, respectivamente, a inexistência de qualquer comportamento penalmente censurável ou a eventual persistência de um dos pressupostos da responsabilidade penal em moldes diferentes dos afirmados na liquidação impugnada.
Ora, no caso, como decorre com evidência do pertinente tido como assente em 1ª instância, as mencionadas impugnações judiciais tiveram como objecto as liquidações efectuadas do valor indevidamente obtido, a título de IVA e IRS, através da assacada coautoria (também) dos ora recorrentes da falsificação das facturas, em cuja inveracidade eram sustentadas tais liquidações.
Ou seja, a dedução das aludidas impugnações judiciais colocou em causa, pelo menos provisoriamente, a substantiva relação jurídica tributária, com manifesta incidência negativa na possibilidade de afirmação do crime de fraude fiscal imputado aos recorrentes, sendo sabido que a decisão definitiva obtida em qualquer delas até veio a afectar efectivamente o objecto do processo penal:
- no processo 19/06.8BEBRG, a impugnação foi julgada parcialmente procedente, declarando-se a caducidade da liquidação do IVA no que concerne aos montantes de € 90.247,86 e 79.880,56, dos 1º e 2º trimestres de 2001 (período 0103T e 0106T), e respectivos juros compensatórios;
- no processo 1763/08.0BEBRG, a impugnação também foi julgada procedente na parte assente na desconsideração dos custos titulados por facturas cujo pagamento foi efectuado por meio de cheque levantado pelos respectivos emitentes aos balcões do Banco ....
Assim, a fixação definitiva obtida em tais impugnações da situação tributária e da determinação da colecta entra directamente, como premissa, no silogismo em que se consubstancia o elemento lógico da sentença penal, para o apuramento da responsabilidade dos recorrentes pelo crime de fraude fiscal.
Com efeito, no apontado contexto, o apuramento da situação tributária e a concretização da vantagem indevidamente obtida eram necessários para a qualificação dos factos como crime: o resultado das impugnações judiciais instauradas poderia afectar, tanto a qualificação jurídica dos factos – era o caso dos autos porque se pugnava pela veracidade das facturas que sustentam aqui a imputação da coautoria do crime também aos recorrentes –, como, pelo menos, o objecto do processo penal, sendo certo que o desfecho das impugnações até efectivamente o alterou.
É o que, afinal, pertinentemente, também anotou o recorrente M. T. – embora, quiçá, sem consciência da contradição em que estava a incorrer –, ao alegar nas conclusões 37ª a 40ª do seu recurso que o Tribunal a quo teria de considerar os elementos constantes dos autos e advindos das decisões proferidas no âmbito de processos tributários, «com efeito de caso julgado no processo penal tributário, na senda do disposto no artigo 48º do RGIT» (10).

Por conseguinte, improcede a arguição da prescrição.

2. A decisão sobre a matéria de facto.

O recorrente M. T. defende que a decisão de 1ª instância sobre a matéria de facto, que impugna, sofre de insuficiência da respectiva fundamentação (exame crítico da prova), contradição e erro notório e de julgamento.

2.1. A insuficiência da fundamentação (exame crítico da prova.

Sustenta o recorrente que o acórdão recorrido viola o disposto no n.º 2 do artigo 374º do CPP por não conter a explicitação lógica e racional essencial a que seja permitido relacionar cada uma das provas consideradas e os factos concretos, quanto à utilização pelo mesmo de meio fraudulento (logrando obter vantagem patrimonial) e à correlação entre a “gerência” da atividade de E. R. e o “esquema” desenhado por todos os arguidos, entre as decisões proferidas no âmbito do processo tributário e a factualidade vertida nos pontos 57, 58, 59 a 66 e 68 e entre os factos vertidos no ponto 56 em diante com a prova constante dos autos.

Vejamos.

A fundamentação da sentença, princípio com assento constitucional em que se inscreve a legitimidade do exercício do poder judicial (art. 205º da CRP), traduz-se na obrigatoriedade de o tribunal especificar os motivos de facto e de direito da decisão, cominando a lei a sua omissão ou grave deficiência com a nulidade (11). Por isso, todas as decisões proferidas no processo – que não sejam de mero expediente, isto é, que decidam qualquer questão que se suscite ou seja controvertida – devem ser sempre fundamentadas (12) e o seu alcance deve ser perceptível para os respectivos destinatários e demais cidadãos (13). A garantia de fundamentação é, assim, indispensável para que se assegure o real respeito pelo princípio da legalidade da decisão judicial, o dever de o juiz respeitar e aplicar correctamente a lei seria afectado se fosse deixado à consciência individual e insindicável do próprio juiz.
A fundamentação adequada da decisão constitui uma exigência do moderno processo penal e realiza uma dupla finalidade: em projecção exterior (extraprocessual), como condição de legitimação externa da decisão pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que determinaram a decisão; em outra perspectiva (intraprocessual), a exigência de fundamentação está ordenada à realização da finalidade de reapreciação das decisões dentro do sistema de recursos – para reapreciar uma decisão o tribunal superior tem de conhecer o modo e o processo de formulação do juízo lógico nela contido e que determinou o sentido da decisão para, sobre tais fundamentos, formular o seu próprio juízo.
E é compreensível que a lei determine, taxativamente, os requisitos gerais a que, especialmente, a sentença se encontra sujeita, por ser o acto decisório por excelência, o que conhece, a final, do objecto do processo e, por isso, se reveste de crucial importância porque é através dele que, particularmente, o arguido mas também os demais sujeitos processuais ficam a saber se foi proferida uma decisão absolutória ou condenatória e, neste caso, qual a medida concreta da pena.
Assim é que o art. 374º, sobre a epígrafe “Requisitos da sentença”, estabelece a estrutura a que deve obedecer a sentença – relatório, fundamentação e dispositivo – e o seu n.º 2, quanto à respectiva fundamentação, especifica o seu concreto conteúdo, impondo que dele conste «uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».
Esta norma corporiza a exigência consagrada no artigo 205.º, n.º1, da Constituição da República Portuguesa - dever de fundamentação das decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente.
O exame crítico das provas consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (14).
É ponto assente que na fundamentação da matéria de facto se hão-de indicar as razões porque se atribui credibilidade a certos meios de prova, incluindo naturalmente os depoimentos prestados, e a explicação das razões porque se não confere essa credibilidade a outras provas que hajam sido produzidas e que apontem em sinal contrário. O que implica, claro está, que todos os meios de prova sejam escrutinados quanto ao seu interesse e ao seu valor. Sabendo-se que as provas são, em princípio, apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (art. 127º CPP), é necessário que o processo de formação dessa convicção, porque assente, necessariamente, numa racionalidade prática, seja explicado com suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos, esclarecendo-se, nomeadamente, porque se entende que ele se encontra em conformidade com as regras da experiência. Isto significa que não basta afirmar que certo depoimento, onde se abordaram determinados pontos, é credível porque foi prestado com uma “postura calma” ou com “um raciocínio coerente” e “está de acordo com as regras da experiência”; é preciso, dar o passo seguinte que consiste exactamente em esclarecer de forma raciocinada a compatibilidade do seu teor com as tais regras da experiência. Tanto mais detalhadamente quanto a decisão esteja em aparente desconformidade com essas regras (15).
«A fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.
A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.
A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” facto envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.» (16).
«A operação de fundamentação decisória é complexa, já que, nos termos do n.º 2 do art. 374.º do CPP, não prescinde da enumeração dos factos provados e não provados, constando, ainda, de uma exposição tanto possível completa, mas concisa dos motivos de facto e de direito que legitimam a decisão, com a indicação e o exame crítico das provas. É imperativo, em exame crítico das provas, que o tribunal explicite os motivos determinantes da credibilidade dos depoimentos, do valor dos documentos e exames, por que as privilegiou em detrimento de outras, em ordem a que os destinatários e um homem médio fique ciente de que as razões de convicção procedem da lógica de raciocínio, da transparência e do bem senso. Se não é necessário explicitar facto a facto as razões que levaram ao rumo decisório, o que se tornaria uma tarefa quase ciclópica, sem utilidade e mais propiciadora de reparos, não se dispensa que da fundamentação figure, de forma simples, clara e suficiente, o processo encadeado que, em resultado da lógica e da razão nela impressas, levou a tomar-se o sentido decisório expresso, enquanto sua consequência inelutável, à margem da dúvida.» (17).
Também como se anota no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 573/98 (18) a decisão, sobre a matéria de facto tem de «estar substancialmente fundamentada ou motivada – não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto como provado ou não provado».
Temos assim como certo que a não enumeração na sentença de algumas das provas produzidas e a consequente falta de exame crítico de todas ou de cada uma delas, explicitando as razões que levaram o Tribunal a dar crédito a umas e a descredibilizar outras, gera a nulidade da sentença, por insuficiente fundamentação da mesma (19)
Na situação em apreço, o que resulta da concreta argumentação do recorrente é que este não se conforma com o facto de o tribunal, tendo desvalorizado as suas próprias declarações e os depoimentos das testemunhas que indica, se socorrer de prova indirecta/indiciária para alcançar a sua convicção.
Em suma, o recorrente olvida as especificidades da matéria factual em questão e evidencia, não propriamente qualquer omissão no exame crítico da prova, mas o que considera ser a falta de prova para consignar como provados determinados factos.
Efectivamente, o teor da decisão criticada permite inferir, à luz do acima exposto, que as Senhoras Juízas ficaram convencidas da realidade dos factos que arrolaram como assentes e indicaram o percurso ou o raciocínio lógico que as conduziu a essa convicção, de modo bastante a este Tribunal de recurso poder aferir da sua adequação (substancial), possibilidade que se estende, inevitavelmente, a qualquer destinatário directo e aos demais cidadãos, entre os quais o coarguido A. J. que, nas conclusões com que delimitou o objecto do seu recurso, não fez qualquer menção à putativa omissão: as Senhoras Juízas esclareceram, no essencial, ainda que com recurso à prova indiciária a que dedicaremos maiores desenvolvimentos, noutra sede, as razões do seu convencimento para dar como provado que as facturas em questão não tiveram como subjacente qualquer transacção, tendo sido emitidas apenas para as finalidades que também assinalam.
Tudo isto para concluir que estamos perante uma “motivação” apta ao fim a que se destina, porquanto a expressão nela contida do exame crítico das provas indicadas permite alcançar o processo formativo da convicção do Tribunal, relacionando-se a discordância do recorrente com razões de diferente índole, conexas com a impugnação ampla da matéria de facto por erro de julgamento deduzido pelo mesmo.

2.2. A contradição e o erro notório na decisão sobre a matéria de facto .

Também sustenta o recorrente M. T. que a decisão sobre a matéria de facto sofre de contradição e erro notório, vícios previstos no art. 410º, n.º 2, alíneas b) e c), do CPP.
O eventual erro (de julgamento) na apreciação da prova não se identifica nem, por regra, emerge como a errónea construção de silogismo judiciário a que se reconduz qualquer de tais vícios, necessariamente resultantes do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O que significa que só assumem tal natureza os vícios constatáveis pela simples leitura do teor da própria decisão da matéria de facto, não sendo admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para os fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (20). Em suma, os vícios ora defrontados, apreciados nesta vertente que não na da adequação da decisão proferida, visam o erro na construção do silogismo judiciário, não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável. (21)
Especificamente quanto ao erro notório na apreciação da prova, será de admitir a conveniência ou a cautela de também sindicar a fundamentação que haja sido feita sobre os factos provados e não provados, para se fazer uma avaliação correcta e poder concluir se, afinal, para um facto em aparente contradição com a lógica mais elementar e as regras da experiência comum, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, não foi fornecida naquela fundamentação um qualquer esclarecimento que torne compreensível o julgamento efectuado: por exemplo, se um facto dado como provado (ou não provado) contraria o senso comum, ou seja, a normal e corrente compreensão e interpretação das situações da vida, só a clara explicitação do percurso trilhado para a formação da respectiva convicção e a razoabilidade desta poderão legitimar a sua aquisição processual.
Assim, o vício da contradição insanável de fundamentação, «tal como os demais previstos nas als. a) e c), tem de resultar do texto da decisão recorrida e só se verifica quando, de acordo com um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação, não só não justifica como impõe uma decisão contrária ou, quando, segundo o mesmo tipo de raciocínio, se concluir que a decisão não resulta suficientemente esclarecida, dada a colisão entre os fundamentos invocados» (22).
Ou como expendem M. Simas Santos e M. Leal Henriques (23), «Por contradição, entende-se o facto de afirmar e de negar ao mesmo tempo uma coisa ou a emissão de duas proposições contraditórias que não podem ser simultaneamente verdadeiras e falsas, entendendo-se como proposições contraditórias as que tendo o mesmo sujeito e o mesmo atributo diferem na quantidade ou na qualidade. Para os fins do preceito (al. b) do nº 2) constitui contradição apenas e tão só aquela que, como expressamente se postula, se apresente como insanável, irredutível, que não possa ser integrada com recurso à decisão recorrida no seu todo, por si só ou com o auxílio das regras de experiência.».
Identicamente, apenas existe erro notório na apreciação da prova quando, de acordo com o texto da sentença, o tribunal a valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente (24). Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, traduzido, basicamente, em dar-se como provado o que não pode ter acontecido (25) ou dar-se como não provado o que não pode ter deixado de ter acontecido. Com efeito, a jurisprudência tem considerado tal vício apenas como o erro que, ponderados os factos provados e não provados, advém de o tribunal ter retirado uma conclusão ilógica ou arbitrária, à margem duma análise racional ou em violação das regras de experiência comum, e que, por isso, não escapa à análise do homem médio (26).
Ora, do texto da decisão recorrida, por si só considerado, não se perfila a existência de qualquer dos vícios aludidos no recurso e previstos nas al. b) e c), respectivamente, do citado art. 410º. Vejamos.
No recurso, aponta-se a incompatibilidade na decisão entre uma afirmação inicial quanto ao estratagema consistente em incorporar na contabilidade regular da E. R. facturas que não titulavam qualquer operação realizada pelo outros arguidos e com intenção primordial que aquela beneficiasse em sede de IRS e IVA, com a posterior consignando que a vantagem patrimonial ilegítima foi obtida pelo recorrente, que, no entanto, não era o sujeito passivo dos impostos em causa.
Do que tratou o acórdão recorrido foi de apurar a realidade substancialmente ocorrida ainda que travestida pelas operações contabilísticas fictícias envolvendo a empresa gerida pelo recorrente, embora em nome da sua filha, e vários outros entes, essencialmente, com personalidade quase meramente fiscal e não empresarial, com as quais estes abasteciam a estrutura efectivamente detida pelo recorrente com facturação falsa. Ora, assim compreendida, nenhuma contradição lógica pode afectar a decisão, nesse nos demais aspectos.
Já quanto ao erro notório na apreciação da prova, nada vem especificamente ventilado no recurso que se possa ater a tal vício, sendo a sua evocação, simplesmente, determinada pelo dissenso ancorado num alegado erro de julgamento. É o que se deve dizer quanto à alusão ao desfasamento entre as provas e as conclusões, com o argumento de ninguém ter deposto com conhecimento sobre o plano criminoso, o alegado esquema de defraudação do Estado, a intenção concertada e conjunta com obtenção de vantagem patrimonial indevida.
Ora, o putativo erro, que também foi invocado, em que o Tribunal tivesse incorrido ao extrair tais ilações de vários elementos probatórios e/ou outros factos nada tem a ver, reiteramos, com o vício formal ora em apreço e constatável pela simples leitura do teor da decisão, que, no caso, não se verifica.

2.3. O erro de julgamento.

A verdadeira pretensão do arguido M. T., embora na motivação aluda aos vícios anteriormente abordados, dirige-se à impugnação, por erro de julgamento, da decisão proferida em 1ª instância sobre os factos enunciados nos pontos 3, 4, 33, 37, 38 a 44, 47, 48, 50, 51, 52, 54, 55, 57, 65, 68, 69, 70, 71, 72, que deveriam ser considerados como não provados, na medida em que, segundo aduz, não foi produzida prova suficiente na audiência que permita concluir que: a gerência da sociedade E. R. era por si efectuada; as sociedades emitentes das facturas não tinham estrutura para a respectiva emissão, ou seja, as mesmas não têm na sua génese qualquer negócio; os meios de pagamentos e a quantificação da vantagem patrimonial indevida.
O regime processual penal consagra a chamada impugnação ampla da matéria de facto, através da invocação de erro de julgamento, nos termos previstos no art. 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), do CPP.
Para correctamente se impugnar a decisão com fundamento em erro de julgamento, é preciso que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal, mas assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou a insuficiência – pela qualidade, sobretudo – dos elementos considerados para as conclusões tiradas.
É certo que a possibilidade de a Relação modificar a decisão da 1ª instância, sem que se imponha qualquer limitação relacionada com a convicção que serviu de base à decisão impugnada – ainda que, quanto à prova gravada, com a consciência dos condicionamentos postos pela limitação da acção do princípio da imediação –, é inteiramente congruente com o objectivo de garantir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, claramente prosseguido pela lei de processo (27). Todavia, uma vez invocado o erro de julgamento, embora a sua apreciação se alargue à análise do que se contém e pode extrair da prova documentada e produzida em audiência, a mesma é balizada pelos concretos pontos impugnados e meios de prova indicados, ou seja pelos limites fornecidos pelo recorrente, a quem se impõe o estrito cumprimento dos ónus de especificação previstos no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do CPP (28). É esta a doutrina recomendada pelo STJ, p. ex., nos sumários dos seus Acs. de 10-01-2007 e 15-10-2008 (29).
O que se visa é, pois, uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como tendo sido incorrectamente julgados, na sua perspectiva, a fim de poder obviar a eventuais erros ou incorrecções na forma como foi apreciada a prova.
Daí que a delimitação desses pontos de facto seja determinante na definição do objecto do recurso, cabendo ao tribunal da relação confrontar o juízo que sobre eles foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção, determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova apontados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa.
Sendo certo que neste tipo de recurso sobre a matéria de facto (impugnação ampla), o tribunal da relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.
Precisamente por isso, o recorrente que pretenda impugnar amplamente a decisão sobre a matéria de facto deve cumprir o ónus de especificação previsto nas alíneas do n.º 3 do citado art. 412º. A referida especificação dos concretos pontos factuais traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam na sentença recorrida e que se consideram incorretamente julgados. E a especificação das “concretas provas” só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico dos meios de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual impõem decisão diversa da recorrida. Exige-se, pois, que o recorrente refira o que é que nesses meios de prova não sustenta o facto dado por provado ou como não provado, de forma a relacionar o seu conteúdo específico, que impõe decisão diversa da recorrida, com o facto individualizado que se considera incorretamente julgado.
Note-se que o cumprimento ou incumprimento da impugnação especificada pelo recorrente afecta os direitos do recorrido. Este, para defesa dos seus direitos, tem de saber quais os pontos da matéria de facto de que o recorrente discorda, que provas exigem a pretendida modificação e onde elas estão documentadas, pois só assim pode, eficazmente, indicar que outras provas foram produzidas quanto a esses pontos controvertidos e onde estão, por sua vez, documentadas. É que aos princípios da investigação oficiosa e da descoberta da verdade material contrapõem-se os do exercício do contraditório e da igualdade de armas, para que o processo se desenrole de acordo com o due process of law.
Daí a necessidade e importância da impugnação especificada, por permitir a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, devendo tais especificações constar ou poder ser deduzidas das conclusões formuladas (art. 417º, n.º 3).
Face ao nosso regime processual quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pelo recorrido e pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que, actualmente, se alcança com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação, como consta do n.º 4 do citado art. 412º.
É também por isso que se reconhece não existir fundamento bastante para rejeitar a impugnação da decisão numa situação em que, nas conclusões delimitadoras do objecto do recurso, tenha sido devidamente cumprido o ónus primário ou fundamental, identificando os concretos pontos de facto impugnados e as propostas de decisão alternativa sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal alternativa, já podendo – e até devendo – o cumprimento do ónus secundário ser satisfeito na motivação (corpo das alegações), para aí sendo relegadas a valoração dos concretos meios de prova indicados nas conclusões e a determinação da sua relevância para a distinta decisão proposta, bem como a indicação concreta das passagens da gravação (30).
E, nessa senda, a análise da impugnação tem que ser feita por referência à matéria de facto efectivamente provada ou não provada e não àqueloutra que o recorrente, colocado numa perspectiva subjectiva, não equidistante, tem para si como sendo a boa solução de facto e entende que devia ser provada.
Como em geral sucede, esta tarefa é norteada pela ideia de que a apreciação da prova, segundo o grau de confirmação que os enunciados de facto obtêm a partir dos elementos disponíveis, está vinculada a um conceito ou a um critério de probabilidade lógica preponderante e, especificamente, face a uma eventual divergência inconciliável de depoimentos, produzidos por pessoas dotadas de uma razão de ciência sensivelmente homótropa, prevalecerão os contributos colhidos por essa via, que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum.
Acresce que não podemos olvidar que, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, o tribunal, orientado pela descoberta da verdade material, aprecia livremente a prova e não está inibido de socorrer-se da chamada prova indiciária ou indirecta. Como é evidente, tais princípios não comportam apreciação arbitrária nem meras impressões subjectivas incontroláveis, antes têm, sempre, de nos remeter, objectiva e fundadamente, ao exame em audiência, com critérios da experiência comum e da lógica do homem médio supostos pela ordem jurídica, das provas aí validamente produzidas, visando a descoberta da verdade prático-jurídica e não a verdade transcendente, inalcançável, fruto de especulação projectada para fora do domínio da racionalidade prática, sem suporte em concretos argumentos e elementos de prova objectivos.
Realmente, como se sabe, os meios de prova nem sempre reproduzem por si directamente a imagem da verdade. Conforme refere G. Marques da Silva (31), é clássica a distinção entre prova directa e prova indiciária. Aquela refere-se aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova.
O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável.
Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica da entidade que a afere. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.
Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos a inferência feita maior ou menor eficácia probatória.

Segundo expõe André Marieta (32), a prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações: «Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento. A lógica tratará de explicar o correcto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova capacidade de convicção.».
A associação que a prova indiciária proporciona entre elementos objectivos e regras objectivas até leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente a testemunhal, pois que nesta também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade, sendo, por isso, muito mais difícil de determinar a respectiva credibilidade (33).
Na ausência de referência na nossa lei a quaisquer requisitos especiais da prova indiciária, dependem da convicção do julgador os respectivos funcionamento e creditação, a qual, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objectivável e motivável.
Conforme menciona G. Marques da Silva, o juízo sobre a valoração da prova suscita, num primeiro nível, a credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova, depende substancialmente da imediação e nele intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível, inerente à valoração da prova, intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora, já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão-de basear-se na correcção do raciocínio que há-de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência (34).
Nada impedirá, pois, que devidamente valorada, a prova indiciária, por si, na conjunção dos indícios, permita fundamentar a condenação.

Analisemos, então, o sentido dos elementos de prova invocados na decisão impugnada e nas conclusões de recurso sobre os pontos factuais da impugnação deduzida.
À luz do que acima expendemos, o recorrente cumpriu devidamente o apontado ónus de especificação legalmente exigido para o conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto que formulou: tendo identificado os concretos pontos de facto impugnados, dizendo que o Tribunal os não poderia ter dado como provados, transcreveu pequenos excertos dos depoimentos produzidos em audiência e identificou os concretos locais da gravação, embora sustente a sua impugnação, essencialmente, na apreciação que faz dos depoimentos produzidos pelos inspectores tributários, reputando-os de insuficientes, sem qualquer sustentação externa por outros meios de prova.
Não obstante os termos da impugnação, procedeu-se à audição integral de todos os depoimentos prestados pelos inspectores tributários produzidos na audiência de julgamento, podendo, desde já, adiantar-se, que os mesmos devidamente interpretados e conjugados entre si, permitem, sem margem para qualquer dúvida razoável, concluir como o fez o Tribunal recorrido quanto ao núcleo essencial dos factos em apreciação.
Como se disse, sendo de verificação, praticamente, impossível a produção de prova sem discrepâncias ou contradições, ou, mesmo, sem divergência inconciliável, a sua existência não pode impedir o tribunal de procurar formular a sua convicção acerca dos factos, de acordo, com um critério de probabilidade lógica preponderante e da prevalência dos contributos que sejam corroborados por outras provas, ou que, ao menos, melhor se conjuguem entre si e/ou com a experiência comum ou de extrair conclusões de um facto conhecido para determinar um ou mais factos desconhecidos.
Ademais, o tribunal deve interpretar a prova de forma conjugada e retirar as ilações lógicas, coerentes e de acordo com as regras da experiência comum (35).
E foi este exercício que procurámos fazer, ainda que dentro dos limites traçados pelo objecto do recurso, para além de não se olvidar que, em sede de avaliação da credibilidade dos depoimentos, o Tribunal de 1ª instância teve a seu favor a relação de imediação que se traduz no contacto pessoal e directo entre os Julgadores e os diversos meios de prova.

Está em causa a emissão de facturas falsas, tema sobre o qual assim se sintetizou a pronúncia do acórdão da RP de 09-04-2014 (36):

«Através da emissão de facturas falsas o agente visa documentar operações económicas que não são verdadeiras, ou porque pura e simplesmente não existem, ou pelo menos não existem nos exactos termos que aparentam. Assim, o objetivo que subjaz à emissão de faturas falsas radica frequentemente na documentação falsa de custos fiscais, assegurando, deste modo, a diminuição de lucros com importantes consequências na determinação da matéria coletável (IRC) ou mesmo a obtenção ilícita de reembolsos fiscais (IVA).
Na trilogia proposta por Nuno Sá Gomes (37) tipificam-se três modalidades de facturas falsas: a) facturas falsas stricto sensu – conferidas pelo emitente-utilizador a empresas inexistentes; b) facturas forjadas – conferidas pelo emitente-utilizador a empresas existentes mas sem conhecimento destas últimas e c) facturas de favor – emitidas por um terceiro em resultado de acordo com o utilizador que as incorpora na sua contabilidade fiscal, existindo pagamento de uma quantia ao emitente ou mediante faturas emitidas gratuitamente.
Nos dois primeiros casos a emissão de faturas falsas ocorre através de um ato unilateral do infrator e não há qualquer operação/relação económica.
Na última situação, a emissão de faturas falsas pode ocorrer mediante acordo entre duas pessoas para prejudicar o Estado Fiscal.».
«(…) Apurada a utilização de documento falso, para efeitos de determinação da matéria coletável ou de obtenção de reembolso fiscal, acompanhado da consciência e vontade da realização do tipo de ilícito, tanto basta para responsabilizar o utilizador pelo crime de fraude fiscal, verificados que se mostrem todos os restantes elementos objetivos do tipo.»
Acresce que, tal factualidade pressupõe, em sede de julgamento, lidar com um manancial de factos negativos, sobre cuja demonstração surge uma verdadeira “probatio diabolica” e daí que sejam necessários instrumentos indiciários, nem sequer excessivamente elaborados.
Vejamos, então, o primeiro núcleo de factos impugnados e que se prendem com o efectivo exercício de gerência da sociedade Unipessoal E. R., por parte do arguido M. T., constante dos pontos 3, 4, 33, 37, 55 e 71.
A este respeito, resulta da motivação da decisão sobre os factos constantes da sentença recorrida que as Sras. Juízas indicaram detalhadamente os fundamentos que foram decisivos para a formação da sua convicção e as razões pelas quais relevaram os meios de prova de que se socorreram e obtiveram credibilidade no seu espírito, sendo que, para tal, como expressamente o consignaram, embora esteando-se no guião constituído pelo parecer junto a fls. 766 e ss, ponderaram que o teor deste foi devidamente explicitado e concretizado pela conjugação entre o conteúdo da informação bancária de fls. 2550 – reportando que o recorrente figurava como co-titular da conta, em regime de solidariedade, através da qual eram sacados os cheques supostamente destinados ao pagamento das questionadas facturas emitidas pelas sociedades identificadas nos Anexos I a X – e, sobremaneira, os depoimentos das testemunhas P. P. e J. M., inspectores tributários, que descreveram as suas observações nos contactos que mantiveram nas empresas em causa e de cujas percepções se pôde retirar a inexistência de estrutura por parte destas que suportasse a emissão das facturas em discussão: a simples leitura dessa motivação inculca que a decisão proferida, concluindo que a gerência da referida sociedade era efectuada pelo recorrente, se estribou no produto do exame crítico de tais elementos.

Com efeito, a testemunha P. P., embora tivesse aludido a que a sua intervenção se situou na recta final e apenas no tratamento da parte financeira, esclareceu que foi na acção inspectiva realizada à empresa C. M., Sociedade Unipessoal Lda., que constatou que esta não dispunha de qualquer estrutura, nomeadamente a sua sede situava-se numa casa de habitação dum bairro social, não tinha qualquer trabalhador inscrito na segurança social, havia duplicação de livro de facturas, após o que, encaminhando a averiguação para empresa em nome de E. R., veio a apurar a dita realidade que convictamente asseverou, no sentido de que a gerência desta era feita pelo recorrente M. T..
A testemunha J. M., embora tivesse confirmado terem sido poucos os contactos com as pessoas envolvidas, falando pontualmente com a E. R., também sem qualquer rebuço, iniciou o seu depoimento dizendo que esta estava a tirar uma licenciatura e nada tinha a ver com a actividade da empresa em seu nome, sendo o seu pai, o ora recorrente, que assinava os cheques e exercia a gerência, tendo explanado, convincentemente, as razões pelas quais chegou a essa conclusão, que o Tribunal corroborou.
É certo que o arguido refuta a conclusão alcançada pelo Tribunal recorrido, mas os pequenos excertos descontextualizados dos depoimentos prestados pelas testemunhas em causa de que se socorreu não logram convencer da verificação de uma realidade contrária, sendo certo que, remetendo-se ele próprio ao silêncio na audiência, absteve-se de fornecer um contributo eventualmente relevante para a formação da convicção diversa da gerada no espírito das Julgadoras, designadamente contraditando as indicações factuais facultadas pelos aludidos elementos probatórios, em que assentaram as conclusões extraídas e, aliás, também expressas no já mencionado parecer.
Assim, contrariamente ao sustentado pelo arguido, somente as ilações retiradas pelo Tribunal a quo, no sentido de que era ele quem geria toda a actividade da empresa em nome de E. R., não apenas por ser seu pai e cotitular de uma mesma conta bancária, se compatibilizam com o efectivo resultado dos meios de prova produzidos.
Quanto ao segundo segmento da impugnação, que versa sobre os factos relativos às operações desenvolvidas mediante as facturas em causa nos autos, nomeadamente quanto à estrutura das sociedades delas emitentes, vertidos nos pontos 33 a 36, 38 a 44, 47, 48, 65, 69, 70 e 72 e que o recorrente também considera terem sido incorrectamente julgados, o Tribunal a quo fundamentou extensamente a aquisição de tal factualidade pelo modo que já reproduzimos e que aqui revisitamos, particularmente no trecho inserto supra a páginas 55 a 65 deste acórdão.
O enunciado do exame crítico a que o Tribunal assim procedeu sobre a «vasta documentação» que identifica, designadamente a constante dos apensos I a X, sobretudo das facturas emitidas pelas ditas sociedades, e sobre os depoimentos de P. P., J. M., ASS., R. A., I. P., AM., M. B. e L. J., no confronto com o de João, espelha cristalinamente o percurso trilhado na formação da convicção sobre a aquisição, com segurança, de tal factualidade e as razões pelas quais, ao invés, não foi afirmada a atinente às facturas emitidas pela sociedade W, essencialmente conexas com a intervenção do limite normativo imposto pelo princípio in dubio pro reo. Registe-se, ainda, que, neste ponto, o Tribunal não deixou de averbar o resultado do decidido pela jurisdição fiscal nos processos 19/06.8BEBRG e 1763/08.0BEBRG quanto à prova do montante da vantagem patrimonial obtida pela actuação dos arguidos.
E quanto à prova (indirecta) do elemento subjectivo, esclareceu o Tribunal tê-la extraído, no caso em análise, dos demais elementos existentes nos autos e das regras da normalidade e da experiência comum. Na verdade, é lícito aos juízes, na formação da sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, utilizar a experiência da vida, inferindo de um facto conhecido outro ou outros factos desconhecidos, convencendo sobejamente as explicações vertidas na decisão recorrida: em face dos apurados condicionalismos pessoais do recorrente, os particulares contornos da sua conduta têm um significado evidente, mais do que probabilidade séria daquele elemento subjectivo, a certeza da sua verificação, posto que manifestamente preenchido o conhecimento da totalidade dos elementos típicos, com o que é evidente a vontade da prática dos factos, sem que se verifique qualquer erro na apreciação da prova e sem contradição da fundamentação na modalidade de se terem dado como provados factos contraditórios ou da omissão da sua motivação.
Realmente, não vislumbramos o menor fundamento para divergir da expressão da convicção adquirida pelo Tribunal a quo, tanto pela forma exaustiva como descreveu as razões pelas quais o levou a considerar a realidade inserta nos pontos questionados, como, essencialmente, porque o impugnante para além de meros e parcos comentários de índole subjectiva não forneceu um único elemento de prova que aponte em sentido contrário ao decidido.
Especificamente quanto aos factos insertos nos pontos 50, 51, 52 e 54, o recorrente, para sustentar a sua impugnação, invoca que não é suficiente que se diga que o gerente do banco de Esposende referiu que era a ele que entregava o dinheiro, quando, chamado a depor, não confirmou tal realidade, não constando dos autos prova do levantamento dos cheques e posterior entrega do dinheiro, alegando, ainda, que os inspectores tributários que depuseram sobre esta realidade não têm conhecimento directo dos factos, pois não estiveram presentes, para ver quem levantou ou não levantou os cheques.
Ora, como se retira dos autos, embora não exista efectivamente prova directa sobre o levantamento dos montantes insertos nos cheques e sua posterior entrega ao arguido/recorrente, o certo é que o Tribunal pôde retirar as ilações que ficaram a constar dos factos provados, por via da concatenação de vários elementos e esclarecimentos dos inspectores tributários que prestaram depoimentos isentos/seguros e forneceram a indicação de um conjunto de factos de que, linearmente, se extrai que as facturas em causa não tiveram na sua génese qualquer transacção, desde logo, os cheques supostamente emitidos para o seu pagamento, porque, no essencial, tinham o último endosso em nome do recorrente, eram levantados em dois locais pré definidos [Esposende e Matosinhos Sul] e, devido aos seus elevados montantes, pressupunham sempre o prévio e antecipado contacto do recorrente com as instituições bancárias em causa, para facultar o seu levantamento.
Assim, perante tais factos inequivocamente adquiridos e conhecidos, porque evidenciados por estes meios de prova, o que se imporia seria, pois, saber se os mesmos facultam a passagem para a aquisição de um facto desconhecido, através do (mero) instrumento metodológico de aquisição da prova, com a intervenção de «presunções naturais, como juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido», como se concluiu no acórdão do STJ de 7/01/2004 (38), em cujo sumário se escreve:
«Na presunção deve existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de continuidade, e sem uma relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido; a existência de espaços vazios no percurso lógico determina um corte na continuidade do raciocínio, e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões. A compreensão e a possibilidade de acompanhamento do percurso lógico e intelectual seguido na fundamentação de uma decisão sobre a matéria de facto, quando respeite a factos que só podem ter sido deduzidos ou adquiridos segundo as regras próprias das presunções naturais, constitui um elemento relevante para o exercício da competência de verificação da (in) existência dos vícios do artigo 410°, n° 2, do CPP, especialmente do erro notório na apreciação da prova, referido na alínea c).».
A ilação derivada de uma presunção natural não pode, porém, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penal em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável» (39).

Ou ainda como se escreveu no sumário do acórdão do mesmo Tribunal de 9/11/2017 (40):

«A prova indiciária opera a partir de um facto-base - que no caso de ser único terá de possuir uma especial força de acreditação - ou de uma pluralidade de factos-base mediante um raciocínio indutivo com um determinado grau de razoabilidade, suportado por regras de lógica e de experiência comum para chegar a uma conclusão que com consistência e coerência leve ao afastamento da presunção de inocência.».
Também o Tribunal Constitucional (41) chamado a apreciar esta matéria declarou «quando o valor da credibilidade do id quod e a consistência da conexão causal entre o que se conhece e o que não se apurou de uma forma direta atinge um determinado grau que permite ao julgador inferir este último elemento, com o grau de probabilidade exigível em processo penal, a presunção de inocência resulta ilidida por uma presunção de significado contrário, pelo que não é possível dizer que a utilização deste meio de prova atenta contra a presunção de inocência ou contra o princípio “in dubio pro reo”. O que sucede é que a presunção de inocência é superada por uma presunção de sinal oposto prevalecente, não havendo lugar a uma situação de dúvida que deva ser resolvida a favor do Réu.»
Questão é, pois, que essa avaliação suporte a conclusão de que o acusado praticou, sem margem para qualquer dúvida razoável, os factos que lhe são imputados.
O Tribunal a quo explicou o percurso do raciocínio seguido para a formação da sua convicção acerca desta temática, com o qual concordamos, porquanto dos elementos probatórios produzidos e/ou analisáveis em audiência advém a corroboração de que estamos perante facturas falsas e/ou de favor, como, usualmente, são denominadas.
Estando nós perante uma convicção cuja formação assentou na imediação e na oralidade, não podemos deixar de observar que às razões pelas quais se confere credibilidade a determinados elementos de prova – sejam declarações do arguido sejam depoimentos de testemunhas – subjazem componentes de racionalidade e da experiência comum, mas nelas também se intrometem factores de que o tribunal de recurso não dispõe.
Ao recorrente assistia, evidentemente, o direito de apresentar a versão que lhe aprouvesse e que tivesse por mais adequada à sua defesa. Porém, o mesmo limitou-se a alegar a credibilidade ou falta dela dos depoimentos que refere, sem apontar razões ou provas impositivas de uma decisão diversa da que foi tomada pelo Tribunal nos segmentos aludidos. A argumentação desenvolvida no recurso não permite concluir que tenha ocorrido uma incorrecta apreciação das provas pelo Tribunal de cuja sentença sobressai o respectivo convencimento quanto à demonstração dos factos naquela questionados.
Não é suficiente pretender o reexame da convicção alcançada pelo tribunal de 1ª instância apenas por via de argumentos que apontem para a possibilidade de uma outra convicção, antes é necessário demonstrar que as provas indicadas impõem uma diversa convicção, ou, dito de outro modo, é indispensável a demonstração de que a convicção obtida pelo tribunal recorrido é uma impossibilidade lógica, por violação de regras de experiência comum, uma patentemente errada utilização de presunções naturais.
Como tem vindo a referir o Tribunal Constitucional (42), «a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade de formação da convicção.
Doutra forma seria uma inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão».
O recorrente, no que considera ser a falta de prova para consignar como provados tais factos, olvida as especificidades da matéria factual em questão, como acima já se disse de passagem. Factualismos como o dos autos pressupõem, em sede de julgamento, o lidar com um manancial de factos negativos, sobre cuja demonstração surge uma verdadeira “probatio diabolica” e daí que sejam necessários instrumentos indiciários, nem sequer excessivamente elaborados.
Faz, pois, todo o sentido afirmar que o Tribunal a quo teve um acesso confortável a uma certeza, para lá de toda a dúvida razoável, quanto à natureza ficta de volumosas cifras de facturação, utilizada pelo recorrente na contabilidade da empresa em nome da sua filha, aliás agora não arguida, inegavelmente abastecida por vários entes, essencialmente com personalidade quase meramente fiscal e não empresarial, o que passou, inexoravelmente, como tem de ser nestes casos, pelo percorrer de autênticas verificações por amostragem que, sem envolverem qualquer recurso desmesurado e inadmissível a presunções, constituem o barómetro de aferição da verosimilhança das transações entre entes económicos, que no sector em causa, nem sequer se revestem de uma imaterialidade transcendente que torne demasiado sinuosa a verificação.
Não se detecta qualquer patente irrazoabilidade na convicção probatória expressa pelas Julgadoras com imediação (43): as Senhoras Juízas fizeram um exame, uma observação atenciosa e cuidada, efectuando de modo crítico um juízo sobre a prova produzida, que permite compreender a opção pelos meios probatórios e os motivos pelos quais os elegeram em detrimento de outros. Na verdade, todos os aduzidos elementos, conjugados entre si, analisados criticamente, segundo o indicado critério de probabilidade lógica prevalecente, facultam as ilações extraídas na decisão quanto à matéria em apreço, incompatíveis com o acolhimento do sentido por que pugna o recorrente quanto aos pontos referidos no recurso.

Assim, improcedendo a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, resta lembrar, as objecções concernentes à vantagem patrimonial ilegítima (de € 1.189.036,02) e já referenciadas acima no item 1 (prescrição): no recurso, embora se sugira a sua falta de sustento, tanto legal, como fáctico (nos «elementos constantes dos autos»), nada se aduz que, especificamente, suporte o alegado erro de julgamento, nesta última vertente (da matéria de facto), razão pela qual apenas nos debruçaremos sobre esta pretensão recursiva quando, posteriormente, abordarmos a pertinente questão de direito.

3. A coautoria.

Segundo o recorrente M. T. faltam os pressupostos para a sua qualificação como coautor da infração, uma vez que não é o sujeito passivo das obrigações fiscais em causa.
É certo que a contribuição de cada um dos arguidos não foi idêntica, pois, como se apurou, aproveitando os contactos que tinham entre si, foi o arguido M. T. quem, agindo por si e na qualidade de representante da actividade empresarial desenvolvida em nome de E. R., combinou com os demais, em representação das ditas sociedades, um estratagema para, através da emissão e utilização de facturas sem qualquer suporte em serviços prestados, evitarem o pagamento dos impostos devidos pela referida E. R. a título de IVA e de IRS, assim se locupletando de verbas a que não tinham direito.
Consistia tal estratagema, desenhado em conjunto pelos arguidos, em incorporar na contabilidade regular daquela, de forma sistemática e reiterada, facturas fictícias, que não titulavam qualquer operação efectivamente realizada, emitidas pelos arguidos acima referidos, em representação das referidas empresas, e entregues ao arguido M. T., o qual, uma vez na sua posse, apesar de bem saber que as mesmas não reflectiam serviços prestados nem materiais adquiridos, as incluiu na contabilidade regular em nome de E. R., registando-as e discriminando-as, para efeitos de declaração em sede de IRS e de IVA, que entregou na Repartição de Finanças, assim incrementando artificialmente os custos dos exercícios anuais (2001, 2002 e 2003) e, consequentemente, diminuindo o valor do IRS a pagar e obtendo a dedução indevida de IVA.
Todos os arguidos agiram de forma deliberada, em ação conjunta e concertada, com a consciência de que os serviços discriminados nas facturas não correspondiam a quaisquer transações levadas a cabo ou a prestações de serviços, de que as mesmas se destinavam apenas a serem incorporadas na contabilidade de E. R. e de que ludibriavam os serviços da Administração Fiscal, bem como com a intenção de obterem vantagem patrimonial indevida, consistente em o arguido M. T. colher os aludidos benefícios patrimoniais com a utilização de tais facturas, o que lograram.
Assim sendo, não restam dúvidas que cada um dos referidos arguidos – portanto também qualquer um dos ora recorrentes – praticou factos que se subsumem aos elementos objectivos e subjectivos – estes na modalidade de dolo directo – do citado tipo de ilícito (fraude fiscal qualificada).
Coloca-se nestes autos a questão de saber se os factos foram praticados pelos arguidos em regime de comparticipação, sob a forma de coautoria, tal como prevê o art. 26º do C. Penal.
Sobre o alcance deste normativo, Figueiredo Dias (44) defende que a responsabilidade do coautor só se verifica na precisa medida em que a execução se encontre coberta pela decisão conjunta. Acções singulares de um dos coautores que vão para além dela (casos ditos de excesso), sejam elas praticadas com dolo ou por negligência, só podem ser, em princípio, imputadas ao seu autor singular. O excesso só pode caber na responsabilidade dos não excedentes na medida em que possa imputar-se – o que, nota F. Dias, não constituirá caso raro – ao seu dolo, ao menos eventual. Sem prejuízo, como é óbvio, de nos restantes casos ficar ressalvada uma responsabilização por negligência, nos termos gerais (45).
Por outro lado, Faria Costa escreve que para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na realização de um tipo legal de crime (“juntamente com outro ou outros”) (46).
E, sobre o mesmo preceito, na jurisprudência nacional é paradigmático o Ac. do STJ de 13/2/1991 (47).
Ponderados todos esses contributos, consideramos que a norma do art. 26º do C. Penal faz assentar a coautoria num acordo, mas, para que este exista, é suficiente a consciência e vontade da colaboração de várias pessoas na realização dum tipo legal de crime.
Ora, no caso dos autos, resulta da matéria de facto provada que, desde o início, a intenção dos arguidos era a obtenção da aludida vantagem patrimonial indevida, à custa do erário público. Na execução dessa intenção, baseada num projecto congeminado entre todos, os arguidos protagonizaram a sua descrita actuação com que concretizaram a obtenção da projectada vantagem.
Seguindo de perto as posições da doutrina e da jurisprudência, no que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.
É, por isso, indiscutível que os arguidos, incluindo os ora recorrentes, actuaram em coautoria.

Assim, improcede o recurso, também nesta parte.

4. A medida da pena aplicada ao recorrente M. T..

Defende o recorrente M. T. que é elevada a medida concreta da pena que lhe foi aplicada.
Em face da factualidade dada como provada e à semelhança do que lhe vinha imputado na acusação pública, o arguido incorreu na prática de um crime de fraude fiscal qualificada previsto e punido pelos artigos 103.º n.º 1, alínea a) e 104.º, n.º 2, do RGIT, abstractamente punível com pena de prisão de um a cinco anos de prisão.
O bem jurídico que se visa proteger com esta incriminação reconduz-se, no essencial, à tutela do erário público e do interesse do Estado na integral obtenção das receitas tributárias. A função tributária ou as receitas Fiscais do Estado visam a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas, mas, também, uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza (art.º 103º, nº1, da CRP).

Tem-se intensificado, progressivamente, a censura ético-social relativamente a comportamentos que inibem o Estado de dar cabal satisfação às incumbências que lhe são cometidas, sobretudo, num quadro em que, perante o agravamento das dificuldades económicas, aos cidadãos, na sua generalidade, tem sido imposto um enorme aumento dos sacrifícios. Assim, tal como também se observa na decisão recorrida, «por um lado, a danosidade social nos crimes fiscais é inúmeras vezes superior à dos crimes comuns, por outro, o fenómeno constitui inaceitável violação dos princípios da igualdade e proporcionalidade contributivas, pelo que, não sendo combatido de forma eficaz, criará nos contribuintes uma sensação de impunidade que o Estado de Direito não pode permitir».

Como referem Tolda Pinto e Jorge Reis Bravo (48), é este o tipo de crime fiscal com o maior desvalor da acção no sentido que pune as condutas que são social e eticamente mais danosas dos interesses inseridos no âmbito da relação jurídico-tributária entre o Estado e os cidadãos.
De harmonia com o disposto no art. 40º, n.º 1 do C. Penal, a aplicação de penas ou medidas de segurança têm como finalidade a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Este preceito indica-nos que o escopo que subjaz à aplicação da pena se reconduz, por um lado, a reforçar a confiança da comunidade na norma violada e, por outro lado, à ressocialização do delinquente.
Em consonância com o estipulado no n.º 1, do art. 71º, do mesmo diploma legal, a medida da pena é determinada, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o art. 40º, n.º 2, do mesmo Código.

Como se disse, a finalidade essencial da aplicação da pena, para além da prevenção especial – encarada como a necessidade de socialização do agente, no sentido de o preparar para no futuro não cometer outros crimes – reside na prevenção geral, o que significa «que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto … alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada...». «É, pois, o próprio conceito de prevenção geral de que se parte que justifica que se fale aqui de uma “moldura” de pena. Esta terá certamente um limite definido pela medida de pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade. Mas, abaixo desta medida de pena, outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas – até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral; definido, pois, em concreto, pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode entender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica» (49). «Resta acrescentar que, também aqui, é chamada a intervir a culpa a desempenhar o papel de limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas...» (50). «Sendo a pena efectivamente medida pela prevenção geral, ela deve respeitar o limite da culpa e, assim, preservar a dignidade humana do condenado» (51).
Em suma, a pena concreta será limitada, no seu máximo, pela culpa do arguido. O princípio da culpa dispõe que «não há pena sem culpa e a medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa» (cfr. art. 40º, n.º 2, do C. Penal).
A culpa consiste no juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.
Com efeito, o facto punível não se esgota na desconformidade com o ordenamento jurídico-penal, com a acção ilícita-típica, sendo ainda necessário que a conduta seja culposa, isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por traduzir uma atitude interna, pessoal e juridicamente desaprovada, pela qual ele tem de responder perante as exigências do dever ser sociocomunitário.
Esta culpabilidade não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência, sendo antes um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.
O Tribunal a quo fixou a questionada pena em (apenas) 4 meses acima da média da referida moldura da pena abstractamente aplicável, considerando, por um lado, o prejuízo sofrido pelo erário público, o desvalor do resultado – particularmente intenso quanto ao recorrente, atendendo à medida da contribuição que prestou – e o anterior cometimento de factos criminais idênticos e com a mesma gravidade aos que ora nos ocupam, bem como, por outro lado, o longo período temporal já decorrido desde a data da prática dos factos.
No caso vertente, não vislumbramos qualquer fundamento para divergir da decisão recorrida, ponderando, tal como nela se fez, o modo e a gravidade com que decorreram as ofensas perpetradas pelo arguido, o seu cometimento com dolo directo, a personalidade do mesmo e a ausência de arrependimento e autocrítica da sua parte, tudo a reclamar elevadas exigências de prevenção geral e especial: tendo em conta as prementes exigências de prevenção geral que, no caso, se fazem sentir relativamente ao crime em questão – que continua a grassar na nossa sociedade –, a par das também elevadas exigências de prevenção especial impostas pela atitude e personalidade do arguido, concluímos que a imposição da pena de 3 anos e 4 meses de prisão, apesar de próxima do respectivo patamar médio, ainda assegura adequadamente tais necessidades, sem exceder a culpa do arguido, como é completamente óbvio.
Realmente, nessa opção, as Sras. Juízas não deixaram de ponderar o tempo (já relativamente longo) decorrido desde a data da prática dos factos e o facto de o arguido estar integrado socialmente.
Acresce que, tendo o Tribunal recorrido beneficiado da imediação e oralidade, a intervenção deste Tribunal, no âmbito do recurso, na cognoscibilidade da concretização do quantum da pena e no controlo da sua proporcionalidade sempre teria de ser autolimitada e necessariamente parcimoniosa: ainda que o cumprimento do dever de fundamentação da determinação concreta da pena pelo tribunal recorrido vise, precisamente, facultar o controlo dessa determinação, uma vez que nesta sejam observados os apontados critérios da sua dosimetria, há uma margem de actuação do julgador que não deve ser fiscalizada.
Como se defende no Acórdão do STJ de 12-07-2018 (52), pode sindicar-se a decisão, quer quanto à desconsideração ou errada aplicação pelo tribunal dos princípios gerais de determinação da medida da pena, à correcção das operações nela efectuadas, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação dos factores relevantes, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como à forma de actuação dos fins das penas no quadro de prevenção. Mas já não a determinação do quantum exacto da pena que se cinja àqueles parâmetros, ressalvados os casos de patente violação das regras da experiência ou de desproporção dessa quantificação.

O recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de actuação, de apreciação livre, reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar, como também já se sustentou no acórdão da RE de 22/04/2014 (53):

«A sindicabilidade da pena em via de recurso situa-se, pois, na detecção de um desrespeito dos princípios que norteiam a pena e das operações de determinação impostas por lei. E esta sindicância não abrange a determinação/fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada.».
Assim sendo, este Tribunal de recurso apenas deveria intervir na medida da pena, modificando-a, se detectasse incorrecções ou distorções no seu processo de aplicação, na interpretação e aplicação das normas constitucionais e legais que a regem, como já se acentuou. Ora, o Tribunal recorrido observou correctamente todos os parâmetros estabelecidos na lei e não se detecta qualquer distorção na determinação da medida da pena fixada.

5. A perda das vantagens.

Como corolário da declaração de perda a favor do Estado da quantia correspondente à vantagem ilícita obtida com a prática do crime acima enunciado e que foi fixada em € 1.189.036,02 pelo Tribunal recorrido, este condenou os arguidos, entre os quais os recorrentes, a pagar solidariamente ao Estado tal quantia.
Sobre este ponto, o recorrente A. J. defende que não foi dada como provada uma qualquer vantagem patrimonial por ele obtida e um qualquer pagamento sempre teria de limitar-se aos impostos apurados na esfera dos utilizadores com base nas facturas emitidas pela sociedade de que foi gerente e que nada têm a ver com o valor indicado (1.189.036,02), relativamente ao mesmo.
Por sua vez, entende o recorrente M. T. que não existem elementos nos autos que fundamentem a declaração de perda das vantagens auferidas nesse montante, por ser superior ao apurado em sede tributária e que deveria ter sido atendido, com efeito de caso julgado, neste processo.

Vejamos.

Sendo vários os (co)autores, como supra já considerámos assente, todos eles respondem, solidariamente, pela medida integral da vantagem ilícita que se apure (cf. arts. 490º, 512º e 513º do CC).

No que concerne a tal medida, como ajuizámos no item 1 (sobre a prescrição) e aqui reiteramos, o apuramento feito pela jurisdição administrativa e fiscal quanto à situação tributária e à concretização da vantagem indevidamente obtida, no âmbito das impugnações judiciais perante a mesma deduzidas, embora por uma outra pessoa, repercutir-se-ia, necessariamente, no objecto deste processo penal, sendo certo que o desfecho das impugnações até efectivamente o alterou e, por isso, deve ser considerado para este efeito. Assim:

- no processo 19/06.8BEBRG, foi declarada a caducidade da liquidação do IVA no que concerne aos montantes de € 90.247,86 e 79.880,56, referentes ao período compreendido pelos 1º e 2º trimestres de 2001;
- no processo 1763/08.0BEBRG, foi decidida a consideração nos custos dos valores titulados por facturas cujo pagamento foi efectuado por meio de cheque levantado pelos respectivos emitentes aos balcões do Banco ....

Ora, segundo tudo indica, a decisão recorrida também perfilhou o critério que aqui observamos, uma vez que, quanto à prova da vantagem patrimonial obtida pelos arguidos, «em estrita obediência ao decidido no referido processo 1763/08.0BEBRG» (sic), explicitamente, considerou para efeitos de custos em sede de IRS o valor das facturas, não só emitidas pela sociedade Construções W, Lda, mas também aquelas cujo pagamento foi efectuado por meio de cheque levantado pelos respectivos emitentes aos balcões do Banco ....
Portanto, não se vislumbra qualquer razão plausível para as Julgadoras pretenderem não fazer assentar no mesmo raciocínio a delimitação de tal vantagem em relação ao IVA e desacatarem, deliberadamente, a aludida declaração de caducidade da respectiva liquidação em relação aos montantes de € 90.247,86 e 79.880,56. Como tal, deve presumir-se que, em coerência, manifestamente visaram conformar a respectiva decisão por tal modo.
Mas, se assim presumimos, também logo reconhecemos que a decisão recorrida enferma de lapso aritmético, já que os montantes abrangidos por aquela declaração de caducidade, realmente, não foram deduzidos. Ora, corrigindo esse lapso, temos que o valor da vantagem obtida em sede de IVA, uma vez abatidas tais quantias é de, apenas, € 530.490,76 e não € 700.619,18, como daquela ficou a constar.
Daí que o valor global da vantagem relevante para a decisão nestes autos seja o desse valor somado aos obtidos como vantagem em sede de IRS (€ 256.096,13 e € 232.320,71), ou seja, não de € 1.189.036,02, mas de € 1.018.907,60.
Num parêntesis, lembra-se que o resultado desta correcção aproveita, naturalmente, a todos os arguidos, por maioria de razão face ao que sucederia se a mesma fosse imposta pela procedência duma questão suscitada num recurso, uma vez que, sendo um caso de comparticipação (co-autoria), a mesma não se fundaria em motivos estritamente pessoais [cf. art. 402º, n.º 2, al. a), do CPP].
Por conseguinte, ressalvada a assinalada correcção aritmética, improcedem ambos os recursos também nesta vertente.
*
IV. Decisão:

Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento aos recursos e, por consequência, em manter a decisão recorrida, corrigindo, no entanto o lapso aritmético que a afecta, de modo a que na alínea t) do respectivo dispositivo, onde consta o valor de €1.189.036,02, fique inserido o de € 1.018.907,60 (um milhão, dezoito mil e novecentos e sete euros e sessenta cêntimos).

Custas pelos recorrentes M. T. e A. J., fixando-se as taxas de justiça em, respectivamente, cinco e quatro unidades de conta (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, art. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
Guimarães, 29/04/2019

Ausenda Gonçalves
Fátima Furtado

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1 Registamos também, num parêntesis, que o comando do n.º 2 do artigo, invocado numa decisão do TC a que infra aludiremos, determina que se o processo penal tributário for suspenso ao processo que deu causa à suspensão seja conferida prioridade sobre todos os outros da mesma espécie.
2 Cf., neste sentido, o acórdão do STJ de 29-04-2015 (p. 20/02.0IDBRG-X.G1-A.S1).
3 «Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.»
4 No mesmo sentido, também na doutrina, p. ex., José Lobo Moutinho (ebook CEJ, 2013, Curso de Especialização - Temas de Direito Fiscal Penal) e Lopes de Sousa e Simas Santos (“Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado”, pp. 397 e ss).
5 Como é sabido, esta norma consagra o princípio da suficiência do processo penal, estatuindo que este «é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa» (n.º 1), embora admitindo a possibilidade de suspensão a título excepcional e submetida a requisitos e prazos muito apertados (n.ºs 2 a 4).
6 Autor e ob. já citados em precedente nota.
7 In “Direito Fiscal”, Almedina, 6ª ed., 2010, p. 317, também citado pelo Autor anteriormente referenciado.
8 In “Regime Geral das Infracções Tributárias e Regimes Sancionatórios Especiais”, Anot., 2002, p. 173.
9 Cf. acórdãos da RG 03-11-2014 (p. 20/02.0IDBRG-X.G1) e da RP de 03-07-2013 (p. 47/08.9IDPRT-A.P1, de 5-1-2011 (p. 110/98.2IDAVR.P1) e de 20-05-2009 (p. 0818024).
10 Também o recorrente A. J., ainda que em termos bem mais fluidos, fez apelo a que só deveria responder pela vantagem patrimonial por ele obtida em função dos impostos apurados na esfera dos utilizadores com base nas facturas emitidas pela sociedade de que foi gerente. Ora, o apuramento de tal tributo sempre dependeria do que ficou decidido pela jurisdição fiscal.
11 cfr. art. 379º, nºs 1, al) a) e 2: «É nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º».
12 Cfr. art. 97º nº 5 do CPP.
13 Segundo o Ac. do STJ de 17-09-2014 (1015/07.3PULSB.L4.S1 - Armindo Monteiro), a «A fundamentação das sentenças judiciais é a forma que o legislador se serve para a sua explicação aos sujeitos processuais e aos cidadãos: através dela o julgador presta conta a ambos, proclama as razões de facto e de direito, por que optou por certa solução, ao fixar os factos e ao assentar neles o direito». Também Perfecto Ibañez, no estudo “Sobre a formação racional da convicção judicial”, publicado na Revista do CEJ, 1.º semestre, 2008, p. 167, citado no Ac. do STJ de 8-01-2014 (7/10.0TELSB.L1.S1 - Armindo Monteiro), considera que «motivar uma decisão é justificar a decisão por que se optou para que possa ser controlada tanto pelos seus destinatários directos como pelos demais cidadãos, apresentar de forma inteligível, lógica, coerente e racional, o “iter“ seguido no tratamento valorativo da prova». No mesmo sentido salienta Germano Marques da Silva, In Curso de Processo Penal, III Vol, pág. 289, “As decisões judiciais, com efeito, não podem impor-se apenas em razão da autoridade de quem as profere, mas antes pela razão que lhes subjaz”.
14 Cfr. também acórdãos do STJ de 11-07-2007 (07P1416) e 29-03-2006 (06P478), ambos relatados por Armindo Monteiro) e de 16-03-2005 (05P662) relatado por Henriques Gaspar.
15 A óbvia vinculação dessa liberdade às regras fundamentais de um estado-de-direito democrático, sobretudo as vertidas na lei fundamental e na do processo penal, não obsta à busca da verdade material. Por ser condição da realização da justiça e da sua própria subsistência, não pode a concretização dessa tarefa, embora exercida com exigência e rigor, tropeçar em exagero ou comodismos, travestidos de juízos matematicamente infalíveis ou de argumentos especulativos e transcendentes, sob pena de essencialmente deixar de o ser e de o julgamento passar à margem da verdadeira, fundamental e íntima convicção dos juízes, com o risco indesejável de, assim, o tribunal abdicar da sua soberana função de julgar em nome da comunidade (cfr. Ac. STJ de 15/6/2000, in CJ(S), 2º/228, sobre a questão da livre convicção).
Mas, ainda a propósito da livre apreciação da prova, convém lembrar o que refere o Prof. F. Dias: «(…) o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida». E acrescenta que tal discricionaridade tem limites inultrapassáveis: «a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» – , de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo». E continua: «a «livre» ou «íntima» convicção do juiz ... não poderá ser uma convicção puramente subjectiva, emocional e portanto imotivável». Embora não se busque o conhecimento ou apreensão absolutos de um acontecimento, nem por isso o caminho há-de ser o da pura convicção subjectiva. E «Se a verdade que se procura é...uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v. g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais – mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impôr-se aos outros». E conclui: «Uma tal convicção existirá quando e só quando ... o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável», isto é, «quando o tribunal ... tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse» - Direito Proc. Penal, 1º. Vol., pp. 203/205.
16 Sumário do Ac. do STJ de 3-10-2007 (07P1779 - Henriques Gaspar).
17 Sumário do já citado Ac. do STJ de 8-01-2014, em cujo texto se acrescenta: «(…) a exigência de um exame crítico, não definido por lei, das provas que serviram para formar a convicção probatória, de valoração livre, porém racional, à margem do capricho do julgador, mas objectivada e apoiada num processo lógico que inteligência o material recolhido, atentando nas regras da lógica, da experiência comum, ou seja daquilo que comummente sucede, e que, como ser socialmente integrado, aquele deve ter presente, sopesando a valia das provas e opondo – lhe o seu desvalor, face ao que fará a opção final, (…), para não se quedar a um estádio puramente subjectivo, pessoal, emocional, imotivável, tutelado pelo arbítrio, mas antes evidencie o processo lógico-racional proporcionando fácil compreensão aos destinatários directos e à comunidade de cidadãos, que espera dos tribunais decisões credíveis, desde que justas, concorrendo ainda para a celeridade processual na decisão, desse modo fornecida aos tribunais de recurso. E nesse sentido se pronunciam, além do mais, Rosa Vieira Neves, in Livre Apreciação da Prova e Obrigação de Fundamentação, Coimbra Ed., 2011, 151 e segs, elucidativos, entre tantos, os Acs deste STJ, 23.2.2011 e de 7.4.2010, P.º n.º 3621.7.6TBLRA. O exame crítico funciona como limite ao princípio da livre convicção probatória que emerge da oralidade e acautela a discricionariedade do julgador, legitimando o poder judicial, acautelando os interesses a prosseguir em processo penal, tão indispensável como ar que se respira, na expressão do Prof. Alberto dos Reis; IV, 566 e segs, na esteira de Chiovenda.».
18 Publicado no DR. 2ª Série de 13 de Novembro de 1998.
19 Neste sentido, Ac. da R.L. de 18/01/2011, proc. 1670/07.4TAFUN-A.L1-5, Ac. da R.E. de 06/11/2012, proc. 220/09.2GAGLG.E1, Ac. da R.G. de 08/02/2016, proc. 285/13.2TAMDL.G1.
20 Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2.ª ed., p. 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 8ª Ed., pp. 73 e ss.
21 Nada tem a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar o objecto em apreço. Poder-se-á discordar da decisão, mas não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados. A arguição de tais vícios não procede quando fundada em divergências com o decidido, sendo distintos do erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
22 Ac. do STJ de 17-12-2014 (p. 937/12.4JAPRT.P1.S1 - Isabel São Marcos). No mesmo sentido, os Acs. do STJ de 14-03-2013 [(p. 1759/07.0TALRA.C1.S1 - Raul Borges): «Há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, (…) se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados»], de 11/5/1994 [(p. 045987 - Amado Gomes): «verifica-se quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou quando, segundo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida dada a colisão entre os fundamentos invocados»] e de 12/2/1997 [(p. 047001 - Joaquim Dias): «A contradição insanável de fundamentação é um vício ao nível das premissas, determinando a formação defeituosa da conclusão; se as premissas se contradizem, a conclusão logicamente correcta é impossível, não passa de mera falácia. Este vício pode ocorrer por contradição entre factos provados, contradição entre factos provados e não provados, contradição entre factos provados e motivos de facto, contradição entre a indicação das provas e os factos provados e contradição entre a indicação das provas e os factos não provados.»].
23 In “ Código de Processo Penal”, 2ª ed., II vol., p. 739.
24 Cfr. Germano Marques da Silva, loc. e p. cit..
25 Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, loc. cit., p. p. 80.
26 Cfr. v. g., o Ac. STJ de 2/2/2011 (p. 308/08.7ECLSB.S1 - Maia Costa): «O erro notório na apreciação da prova, vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Porém, o vício, terá de constar do teor da própria decisão de facto, não da motivação dessa decisão, ou da fundamentação de direito».
27 O legislador pretendeu um grau de recurso que atentasse e procedesse – dentro dos limites que uma gravação, despida dos factores possibilitados pela imediação consentisse – uma verdadeira e conscienciosa reapreciação da decisão de facto.
28 Como se expendeu no acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2012, relatado pelo conselheiro Cura Mariano «…o direito ao recurso constitucionalmente garantido não exige que o controlo efetuado pelo tribunal superior se traduza num julgamento ex-novo da matéria de facto, face às provas produzidas, podendo esse controlo limitar-se a aferir se a instância recorrida não cometeu um error in judicando conforme já se decidiu no Acórdão n.º 59/2006 deste Tribunal (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), onde se escreveu: “Na verdade, seria manifestamente improcedente sustentar que o recurso para o Tribunal da Relação da parte da decisão relativa à matéria de facto devia implicar necessariamente a realização de um novo julgamento, que ignorasse o julgamento realizado em 1ª instância. Essa solução traduzir-se-ia num sistema de “duplo julgamento”. A Constituição em nenhum dos seus preceitos impõe tal solução…».
29 Processos nºs 06P3518 e 08P2894, respectivamente, ambos relatados pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
30 É, aliás, no cumprimento deste último requisito que, segundo parece ser consensual, se deve estabelecer alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão, uma vez que se considere que a insuficiência de tal indicação não dificulta de forma substancial e relevante o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal.
31 Curso de Processo Penal, p. 82.
32 La Prueba em Processo Penal, p. 59.
33 Cfr. Mittermaier, Tratado de la Prueba em Matéria Criminal.
34 Ainda sobre o recurso a tal espécie de prova, o STJ em Ac. de 8/11/95 (BMJ 451/86) refere que «Um juízo de acertamento da matéria de facto pertinente para a decisão releva de um conjunto de meios de prova, que pode inclusivamente ser indiciária, contanto que os indícios sejam graves, precisos e concordantes» e acrescenta que as regras da experiência a que alude o art. 127º, têm um importante papel na convicção do Tribunal. E o Ac. da RC de 6/3/96, in CJ 2º/44, que: «A prova pode ser directa ou indiciária; A prova indiciária assenta em dois elementos: a) - o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele estará relacionado; b) - a existência de presunção que é a inferência que, obtida do indício, permite demonstrar um facto distinto; Nada impede que, devidamente valorada a prova indiciária, a mesma por si, na conjugação dos indícios permita fundamentar uma condenação» – doutrina reafirmada no Ac. do mesmo Tribunal de 9/2/2000, também in CJ, 1º/51. Também sobre prova directa, prova indiciária e regras da experiência, os Acs. Do STJ de 25/2/99 (BMJ 484/288) e de 3/3/99 (BMJ 485/248).
35 Recorrendo aos ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva (“Curso de Processo Penal”, Verbo, 2011, Vol. II, pág.188), regras da experiência comum, «são generalizações empíricas fundadas sobre aquilo que geralmente ocorre. Tem origem na observação de factos, que rotineiramente se repetem e que permite a formulação de uma outra máxima (regra) que se pretende aplicável nas situações em que as circunstâncias fáticas sejam idênticas. Esta máxima faz parte do conhecimento do homem comum, relacionado com a vida em sociedade
36 Proc. 31/06.7IDVRL.P1, relatado pela Desembargadora Eduarda Lobo.
37 In Relevância Jurídica, penal e fiscal das facturas falsas e respectivos fluxos financeiros e da sua eventual destruição pelos contribuintes, Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, nº 377, DGI, Jan-Mar.1995, pág. 9.
38 Proc. 03P3213, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar.
39 Ainda o mesmo aresto.
40 Proc. 263/08.3JABRG.G1.S1, relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva.
41 Acórdão 391/2015 (Diário da República n.º 224/2015, Série II de 2015-11-16)
42 Designadamente no acórdão n.º 198/2004, de 24-03-2004, in DR, II Série, n.º 129, de 02-06-2004.
43 Devendo anotar-se que a falta dessa imediação, sempre imporia a este Tribunal de recurso alguma cautela na afirmação de tal irrazoabilidade. Como se sabe, apesar de as palavras serem importantes, só uma percentagem da nossa comunicação é feita verbalmente. Ora o simples registo audiofónico da prova não permite interpretar, na sua plenitude, as emoções reflectidas nos sinais não-verbais (movimentos corporais ou expressões faciais), designadamente os involuntários e inconscientes, dos depoentes e demais intervenientes. Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in “Princípios Gerais do Processo Penal”, p. 160, só a oralidade e a imediação permitem o indispensável contacto vivo com o arguido e a recolha deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por um lado, avaliar o mais contritamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais. Tal relação estabelece-se com o tribunal de 1ª instância, e daí que a alteração da matéria de facto fixada deverá ter como pressuposto a existência de elemento que pela sua irrefutabilidade, não possa ser afectado pelo princípio da imediação.
44 In “Direito Penal – Parte Geral”, I, 2.ª ed., Coimbra Editora, 2007, p. 793.
45 Também Gimbernat Ordeig (“Autor y Cómplice en Derecho Penal”, Madrid: Sección de Publicaciones de la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense, 1966, p. 308 e ss.), a propósito dos casos de roubo com homicídio, traça o seguinte quadro: Se os comparticipantes não puderem prever a morte dolosa que ia executar o autor directo, aqueles respondem unicamente por roubo; Se a morte dolosa foi apenas previsível, respondem por participação no roubo em concurso com homicídio negligente; Se os comparticipantes, que não o autor principal, tenham agido com dolo eventual a respeito da morte executada com dolo directo, devem responder por roubo e homicídio. No mesmo sentido, pode ver-se Jescheck, Derecho Penal – Parte General, 4.ª ed., Granada: Comares, ps. 617 – 618.
46 “Formas de Crime”, Jornadas de Direito Penal, Lisboa: CEJ, 1983, p. 170.
47 No BMJ, 404º/212: no caso objecto deste aresto ficou provado que cinco indivíduos entraram em acordo para realizar um assalto; chegados juntos ao local, dois deles colocaram-se de vigia, com armas empunhadas, e os outros começaram a arrombar as portas; um dos vigias atirou sobre a vítima, atingindo-a mortalmente. O STJ entendeu que, sabendo os demais agentes que o autor do disparo usava arma de fogo e prevendo que esta pudesse disparar e atingir, com as consequências mais graves, inclusive a morte, quem se opusesse aos seus desígnios, havia acordo sobre a execução do crime de homicídio, sendo todos eles autores.
Na mesma linha, o Ac. do STJ de 14/6/1995 (CJSTJ, 2º-230) considerou co-autora do crime de homicídio praticado durante a execução de um crime de roubo a arguida que ficou a vigiar a vítima que tinha sido atada, por um outro arguido, em termos que a impediam de respirar, vindo a falecer em consequência disso.
Deve ainda realçar-se o Ac. do STJ de 15/4/2009 (p nº 09P0583, disponível em www.dgsi.pt), no qual se entendeu que os agentes que, na execução de um projecto comum, assaltaram uma ourivesaria, eram co-autores do crime de homicídio do ofendido, por terem previsto que eventuais dificuldades que surgissem fossem resolvidas através da morte de qualquer pessoa, com isso se conformando.
48 Na ob. já citada, p. 310.
49 Anabela Miranda Rodrigues, “A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, p. 570 e s.
50 Ibidem, p. 575.
51 Ibidem, p. 558.
52 Proc. nº 116/15.9JACBR.C1.S1, Relatado pelo Conselheiro Raúl Borges.
53 Proc. nº 291/13.7GEPTM.E1, relatado por Ana Barata Brito.