Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07P1416
Nº Convencional: JST000
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
ÂMBITO DO RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
EXAME CRÍTICO DAS PROVAS
PROVA INDIRECTA
PERÍCIA
VALOR PROBATÓRIO
APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
IN DUBIO PRO REO
HOMICÍDIO QUALIFICADO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Nº do Documento: SJ200707110014163
Data do Acordão: 07/11/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
Sumário :

I - O recurso da matéria de facto, nos termos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP, não envolve um segundo julgamento na Relação, abrangendo toda a matéria de facto, mas apenas a reponderação, por esse Tribunal, de factos pontual e incorrectamente julgados, nos termos dos arts. 428.º, n.º 1, e 431.º do CPP.
II - E porque assim é, não corresponde ao desígnio legal – o que impede se considere como cumprido aquele ónus de reponderação – a mera invocação de que os factos são valorados de acordo com a livre apreciação do tribunal, sendo, nessa precisa medida, de manter, por se não mostrarem patentes as anomalias com consagração no art. 410.º, n.º 2, do CPP, ou a simples constatação, a partir do acolhimento da fundamentação, da correcção do factualmente decidido. Também não bastará ao escopo desse restrito julgamento a afirmação, de cunho genérico, de que as provas transcritas foram lidas, autorizando em permanência o leque factual advindo da 1.ª instância.
III - A ser assim, assistiríamos unicamente a uma ratificação ou homologação do julgado, a uma sua validação formal e não a um exercício de julgamento, embora de amplitude de grau menor, ainda com observância, mas agora da inteira responsabilidade do tribunal de recurso, das regras do exame das provas e da sua crítica, com uma opção no termo da valoração, conservando o tribunal de 2.ª instância a sua independência na apreciação das provas, segundo a lógica das coisas e as regras da experiência e da vida.
IV - A prova nem sempre é directa, de percepção imediata, muitas vezes é baseada em indícios.
V - Indícios são as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais, mediante um raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão, firme, segura e sólida de outro facto; a indução parte do particular para o geral e, apesar de ser prova indirecta, tem a mesma força que a testemunhal, a documental ou outra.
VI - A prova indiciária é suficiente para determinar a participação no facto punível se da sentença constarem os factos-base (requisito de ordem formal) e se os indícios estiverem completamente demonstrados por prova directa (requisito de ordem material), os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e, sendo vários, estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência.
VII - O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, e respeitar a lógica da experiência e da vida; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.
VIII - Os vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP titulam a presença do ilógico numa peça processual onde deve predominar a harmonia e a coerência, e põem a descoberto, relevando pela negativa, o absurdo que representaria esse ilogismo na sentença, que se há-de detectar sem esforço de análise, pelo texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos estranhos a ela, sendo tais vícios de conhecimento e declaração oficiosos.
IX - O erro notório na apreciação da prova leva a uma conclusão contrária à lógica das coisas, ao alcance, pela sua evidência, do homem comum, desconhecedor dos meandros jurídicos, notado sem qualquer esforço.
X - No caso dos autos, as regras da experiência – critérios generalizantes e tipificados de inferência factual, simples índices corrigíveis, que definem conexões de relevância, orientando caminhos de investigação e oferecendo probabilidades conclusivas (cf. Castanheira Neves, Sumários de Processo Penal, 1967/1968, 4 – Os Princípios Fundamentais de Processo Penal, págs. 42 e ss.) não sofreram atropelo ao consignar-se que a morte da vítima teve lugar às 23h00 e que arguido abandonou o local do crime por essa hora ou 5 minutos depois, deslocando-se para o café-bar onde permaneceu cerca de 15 minutos, a beber cerveja, sucumbindo-se a um non liquet factual entre o momento da chegada e o do abandono.
XI - De resto, o momento certo, exacto ao minuto, como parece ser exigência do arguido, nem é elemento essencial da acção típica, que se basta, em concreto, com o evento morte, sendo até, na maior parte dos casos, impossível de determinar com essa precisão. Processualmente relevante apenas se mostra, como o foi, a comprovação a morte por acção do arguido com exclusão ou concurso de terceiros.
XII - Em princípio, o processo de valoração da prova escapa ao conhecimento deste STJ, porque a convicção probatória é assente em matéria de facto. O princípio in dubio pro reo respeita à valoração das provas, que, por não terem desfilado perante este STJ, ocorrendo ausência da imediação e da oralidade que as instâncias têm sobre ela, torna inviável uma inversão daquele processo.
XIII - Mas o princípio não é absoluto, pois este Supremo Tribunal pode, e deve, até onde lhe seja possível, sindicar, mas por via indirecta, remota, se se registou ofensa ao princípio in dubio pro reo, sempre que se verifique objectivado, a partir do horizonte contextual decisório, que o tribunal caiu em dúvida e não a declarou em favor do arguido ou resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, que o tribunal incorreu em erro notório na apreciação das provas.
XIV - Com efeito, ao STJ compete sindicar o processo de formação da convicção probatória em termos de controlar o processo lógico desenvolvido pelo tribunal a quo para concluir como concluiu, exigindo que seja motivado e objectivado, por forma a que o resultado se mostre em consonância com essa objectivação, suficiente e racionalmente motivado.
XV - O princípio in dubio pro reo representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova; configura um limite normativo a este princípio ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória – o qual não exclui a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido, mas não afasta a consistente hipótese do contrário –, ou seja, se a prova é insuficiente ou contraditória vale o princípio in dubio pro reo.
XVI - As decisões judiciais são fundamentadas (arts. 374.º, n.º 2, e 97.º, n.º 4, do CPP e 202.º da CRP). O juiz aprecia a prova produzida – que se mede pelo seu peso e não pelo número –, dando conta na motivação dos resultados adquiridos e dos critérios adoptados para justificar a decisão perante os sujeitos processuais e até perante os tribunais superiores, apresentando as razões por que algumas das provas merecem aceitação e outras não, funcionando a motivação como instrumento indispensável para o controle da administração da justiça.
XVII - A fundamentação da decisão cumpre a sua missão quando enuncia aqueles elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição ante os seus destinatários directos e a comunidade mais vasta de cidadãos, permitindo alcançar que ela não é fruto do arbítrio do julgador, de uma sua qualquer tendenciosa inclinação, mas sim de um processo sério assente em razões lógicas e nas regras da experiência, o que se materializa, na sua elaboração, pela exposição, tanto quanto possível completa, porém sintética, dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão e no exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
XVIII - O exame das provas reverte para a sua análise; a crítica opera a fase subsequente imprimindo àquela uma feição valorativa, de aceitação ou rejeição, exprimindo as razões por que umas são elegíveis e outras não.
XIX - O art. 163.º do CPP fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção juris tantum de validade do parecer técnico do perito, que obriga o julgador, ou seja, a conclusão a que chegar o perito só pode ser desprezada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser também de argumentos científicos (n.º 2 do art. 163.º do CPP).
XX - A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão.
XXI - No que concerne à validade, deve aferir-se se a prova foi produzida de acordo com a lei ou se não foi produzida contra proibições legais – v.g., se as partes foram notificadas do despacho que ordenou a prova (n.º 2 do art. 154.º) ou se os peritos prestaram o devido compromisso (n.º 1 do art. 156.º). Também fica a cargo do julgador examinar se o procedimento da perícia está de acordo com normas da técnica ou da prática corrente.
XXII - No que respeita à matéria de facto em que se baseia a conclusão pericial, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, dado que não foi posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos, aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria.
XXIII - Quando os peritos não conseguirem alcançar um parecer livre de dúvidas, quando nas conclusões do relatório pericial se conclui por um juízo de mera probabilidade ou opinativo, incumbe ao tribunal tomar posição, julgar e remover, se for caso disso, a dúvida, fixando os necessários factos.
XXIV - Assim, constando na conclusão do relatório do exame pericial à letra que “Devido ao tipo de escrita dos autógrafos, as analogias encontradas entre as escritas suspeitas (preenchimento e assinatura) e a do autografado são manifestamente insuficientes para se poder formular uma conclusão segura quanto à possibilidade de as escritas apostas no(s) documento(s) 1 deste relatório serem da autoria de C”, e considerando que a inconclusividade sobre se a letra aposta no lugar reservado ao sacador no cheque é ou não do arguido não agrega em si um juízo pericial, mas um estado de dúvida, um juízo dubitativo, que não vincula o tribunal, incumbindo-lhe esclarecer a matéria de facto em que se funda, no âmbito da sua função de julgar e superar, até onde lhe for possível, aquela dúvida, a conclusão do tribunal colectivo de atribuir ao arguido a autoria da assinatura aposta no cheque, imitada da do seu titular, a partir da avaliação de uma panóplia de dados adquiridos em livre convicção probatória, contém-se no âmbito da livre apreciação do julgador, e não contraria qualquer juízo científico, que não existiu – art. 163.º, n.ºs 1 e 2, do CPP. Não se mostra, pois, violado o preceituado no art. 163.º do CPP nem verificada a nulidade que a sua inobservância implicaria.
XXV - O art. 722.°, n.º 2, do CPC, segundo o qual não cabe em sede de revista conhecer do erro na apreciação das provas e na fixação dos correspondentes factos materiais, salvo quando, por disposição expressa de lei, se exija certa espécie de prova para a existência do facto ou se fixe a força de determinado meio de prova, não tem aplicação no processo penal, atenta a predisposição patente no legislador do CPP de regulamentar de forma geral e autónoma as questões penais, com recurso limitado à aplicação subsidiária do CPC, ao contrário do que sucedia no domínio do CPP29, sendo que a norma do art. 163.º, n.º 2, do CPP regulamenta, de forma expressa, o valor da prova pericial, excluindo o recurso ao CPC.
XXVI - Constando da factualidade apurada, entre o mais, que:
- em dado momento, ocorreu um desentendimento entre ambos [arguido e vítima], com conteúdo concreto que não foi possível determinar, e, a certa altura, o arguido, utilizando um fio com cerca de 7 mm de largura, de que se muniu em circunstâncias concretas não apuradas, passou-o pelas faces laterais do pescoço do V, bifurcando-o ao nível de ambas as carótidas, de onde fez passar um ramo do fio até à face anterior do pescoço e outro ramo pela comissura da boca, atravessando em cada um dos lados a face, assim conseguindo segurar a cabeça do engenheiro;
- no decurso do mesmo desentendimento, em dada altura, o arguido agarrou ainda em objecto que não foi possível apurar, mas de natureza contundente ou actuando como tal, e desferiu, com o mesmo, diversas pancadas na cabeça do V, designadamente no queixo, na região frontal, lado direito, na região occipital, lado direito, na calote craniana, ao nível do occipital e no olho esquerdo, com intenção de lhe tirar a vida, assim lhe produzindo as lesões analisadas e descritas a fls. 744 e ss., designadamente lesões traumáticas crânio-meningoencefálicas, que lhe provocaram de forma directa e necessária a morte;
- ao agir da forma descrita, o arguido fê-lo de forma livre, voluntária e consciente, e com o propósito concretizado de tirar a vida ao V, resultado este que quis e representou, nas circunstâncias supradescritas, sabendo que aquele era pessoa mais idosa do que ele e com menor força física, motivado, também, pelo facto de ter falsificado um cheque do V, e de não querer que tal fosse descoberto;
mostra-se correcta a condenação do arguido pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2 , al. f), do CP, e adequada a fixação da pena em 17 anos de prisão.
Decisão Texto Integral:

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em P.º comum , com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º 183/01 , do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Pombal , foi submetido a julgamento AA , vindo , a final , a ser condenado

I . Pela prática, como autor material, de um crime de falsificação de documento, na sua forma consumada, p. e p. pelo artigo 256º, nºs 1, alínea a), e 3, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

a. Pela prática, como autor material, de um crime de burla qualificada, na sua forma consumada, p. e p pelo artigo 218º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
b. Pela prática, como autor material, de um crime de homicídio qualificado, na sua forma consumada, p. e p. pelos artigos 131º e 132º, nºs 1 e 2, alínea f) (já não a alínea b)), do Código Penal, na pena de 17 (dezassete) anos de prisão;

Em cúmulo jurídico das penas aplicadas foi condenado o arguido AA, na pena única de 18 (dezoito) anos de prisão .

II . Inconformado com o teor da decisão proferida interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra , que lhe negou provimento .

Ainda de novo irresignado recorre para este STJ , apresentando , na motivação , as seguintes conclusões :
1. O Tribunal "a quo", ao produzir o aresto de que ora se recorre, incorreu em múltiplas ilegalidades de cariz processual, atropelando princípios normativos que se diriam há muito consolidados no nosso direito do processo do crime, designadamente por tributo à adopção de um sistema acusatório que impõe o respeito pelos direitos, liberdades e garantias do acusado bem como os limites imanentes à repressão criminal.
2. O Tribunal fundamenta a decisão de condenar o arguido como autor do crime de homicídio de que veio acusado com base numa narrativa que não é passível de se haver verificado, tendo incorrido em erro notório na apreciação da prova, erro esse que se diagnostica da mera leitura da decisão.
3. A decisão do Colectivo de Pombal a fls. 15, mais tarde ratificada pela do Tribunal da Relação de Coimbra, afirma que, às 23h00, o crime estava a ser praticado, aproveitando os depoimentos conjugados das testemunhas BB e CC, que ouviram sons por essa hora, esta identificando sons de luta.
4. O Tribunal afirma na fundamentação da decisão em matéria de facto a fls. 15 que "o arguido, face à prova produzida, se deslocou, cerca das 23.00 horas ou 23.05 horas ao restaurante existe no prédio onde habitava onde bebeu a «cavilha» - suas declarações e testemunho do proprietário do restaurante".
5. Existe um intervalo de cinco minutos entre a hora em que o crime estava a ser praticado e este segundo momento, em que o Tribunal entende que o recorrente se localizava num local sensivelmente distanciado.
6. É irracional, ilógico e rompe com os critérios que disciplinam o senso comum que o arguido pudesse haver comisso a constelação factual descrita a Factos Provados 29., 30., 31., 33., 34., 36. e 37., percorrido o trajecto a pé para o seu automóvel e depois conduzido para o seu prédio e para o Café Bar que aí se localiza num período temporal inferior a cinco minutos, para aí se encontrar às 23b05 como o Tribunal afirma no Acórdão.
7. Perante a impossibilidade objectiva da verificação dos factos imputados ao recorrente, incorreu a Sentença recorrida em Erro Notório na Apreciação da Prova, bem como o Tribunal da Relação de Coimbra no Acórdão proferido que negou provimento ao Recurso em Matéria de Facto, ao confirmar esta narrativa impossível.
8. Os segmentos da decisão vindos de citar importam a exposição, resultante da mera leitura da Sentença, da violação pelo Tribunal Colectivo de Pombal e pelo Tribunal da Relação de Coimbra do Princípio in dubio pro reo.
9. Fixando o assassinato da vítima às 23h00, deveria o Tribunal ter absolvido o recorrente por respeito ao citado princípio de prova quando reconhece que "existe um período temporal de cerca de meia-hora (entre as 23.00 e as 23.30 horas)" (...) "em que se poderia dizer que o arguido tem um álibi aparentemente seguro, pelo menos para provocar a dúvida ao Tribunal, já que a morte ocorreu no escritório e ele aí não estava nessa altura" (Sentença recorrida, fls. 19)
10. Se o Tribunal reconhece que o álibi apresentado pelo recorrente para o intervalo temporal das 23.00 às 23.30 é apto a produzir a dúvida, a determinação do momento do crime às 23.00 imporia, valorando essa dúvida em favor do arguido, que fosse este absolvido do homicídio de que veio acusado.
11. Da leitura da decisão decorre que o Tribunal valorou a dúvida contra o recorrente, uma vez que proferiu aresto condenatório, o que implica violação do Princípio in dubio pro reo decorrente do art. 32° da Constituição da República Portuguesa, devendo a decisão ser revogada e substituída por Acórdão que o absolva.
12. O Erro Notório que se arguiu encontra-se inextrincavelmente ligado á violação do Princípio in dubio pro reo, já que decorre deste último, pelo que a citada nulidade deve ser articulada com a obrigação de absolver o arguido quando surja uma dúvida inultrapassável perante o julgador, como é o caso que se nos depara.
13. Deve este Supremo Tribunal de Justiça conceder Provimento ao presente Recurso revogando a decisão proferida por Erro Notório na Apreciação da Prova e violação do Princípio In Dubio Pro Reo, assim absolvendo o ora recorrente, sem mais.
14. Uma Sentença Condenatória é dirigida ao arguido e à comunidade em geral, devendo apresentar-se como um todo objectivo e coerente, expondo alicerces de fundamentação sólidos que sirvam de pilar à resignação do arguido ao castigo que lhe é cometido pela reacção criminal bem como à restituição da confiança comunitária no processo judiciário para salvaguarda de bens eticamente essenciais, assim nos termos dos arts. 205°/1 e 202°/1 da Constituição.
15. Uma sentença condenatória baseada num processo ilógico, como é o caso, frustra ambos os objectivos da reacção criminal, existindo violação dos deveres de fundamentação e de coerência que decorrem dos citados articulados da Lei Fundamental.
16. A insuficiência da Fundamentação da Sentença do Tribunal Colectivo de Pombal (não logrando demonstrar um percurso objectivo e racional estribado em regras de experiência apreensíveis) e a contraditoriedade da mesma (porque as premissas em que assenta não são confluentes, antes mutuamente se excluem) conduz à sua nulidade “ ex vi “ art. 410°/2 do Código de Processo Penal, o que ora se invoca.
17. O Tribunal recorrido violou o disposto no art. 163°/1 do Código de Processo Penal, não tendo respeitado o conteúdo dos relatórios periciais referentes à perícia à letra do título de cheque e ao exame hemático a que foram submetidas as suas botas.
18. Relativamente ao exame grafotécnico, quer o Tribunal da Relação de Coimbra quer a 1.ª instância consideraram, não as Conclusões do Relatório, mas asserções isoladas que do mesmo constam para, de acordo com um entendimento indutivo e não científico chegar a asserções que a prova pericial lhe não admite, por essa forma sustentando um móbil do crime doutra forma improvável ou inexistente.
19. O exame pericial à letra não concluiu que a assinatura aposta no documento fosse falsificada nem tanto menos que essa putativa e inexistente falsificação tivesse sido protagonizada pelo arguido pelo que, ao dar por provado um acervo factual sem justificar no plano científico a razão da sua dissidência, o Tribunal violou o art. 163° n.º 1 , do CPP.
20. Os exames hematológicos não sustentam a presença do arguido no local do crime, apenas tendo determinado algumas manchas milimétricas não identificadas presentes em uma das botas sem qualquer sinal de projecção ou arrastamento.
21. Existe apenas uma mancha de sangue que submetida a exame de ADN revelou estirpes comuns à vítima e ao arguido, não possuindo esta sinais de projecção ou arrastamento.
22. As afirmações a que se conduzem os arestos condenatórios referentes ao pingo com sinais de queda fotografado a fls. 170 dos Autos situa-se na bota oposta àquela onde foi descoberto sangue da vítima e não constitui prova que o recorrente se encontrasse no local do crime, conclusões periciais constantes do Relatório que vinculavam o Tribunal.
23. A sra. CC que realizou o exame hematológico foi chamada a prestar esclarecimentos ao Tribunal, tendo produzido, à distância de sete anos, produzido declarações que desrespeitam as conclusões da sua perícia, que a contradizem e que não podem ser valorados como elementos de prova a título pericial.
24. Quando pretendesse o Tribunal prover pela ampliação ou modificação dos resultados do exame deveria ter ordenado novo exame pericial, nunca considerar supridas as suas insuficiências com base em esclarecimentos que contradizem as conclusões do elemento probatório.
25. Ao abrigo do disposto no art. 722º do Código de Processo Civil por remissão do art. 4º do Código de Processo Penal, suscita-se a apreciação deste Supremo Tribunal de Justiça para quanto vai ora concluído relativo á violação das regras sobre o especial valor probatório dos dois sobreditos Relatórios Periciais, o que importa a impugnação dos Factos havidos por provados sob os itens 20., 21. e 29. a 38 •.
26. Porque a prova pericial determina a alteração da matéria de facto, fica precludida a suficiência dos factos provados para sustentar a condenação do recorrente por crimes de burla, falsificação e homicídio qualificado, razão por que deve ser absolvido, sem mais.
27. O Tribunal da Relação de Coimbra absteve-se de conhecer um conjunto de questões jurídicas que foram submetidas à sua apreciação com a interposição do Recurso e que ficaram integradas no respectivo objecto processual.
28. O Acórdão produzido pela 2.ª instância não se deteve nas questões que foram apresentadas a Julgamento pelo recorrente, não apreciando a validade dos seus argumentos e não avaliando os problemas que este veio arguir, sobre os quais não profere decisão, inexistindo um "exercício crítico substitutivo do «exame critico» realizado pelo Tribunal da 1ª Instância ", como era dever da Relação de Coimbra ao abrigo do Princípio do Duplo Grau de Jurisdição (cfr. Acórdãos do STJ , de 27.02.2003 e de 18.11.2005), o que importa a sua nulidade por omissão de pronúncia e violação daquele princípio (cfr. art. 428°/1 do CPP).
29. O recorrente pretendeu suscitar a alteração da matéria de facto relativamente a pretensas dificuldades financeiras, eleito móbil dos três crimes de que vinha acusado e ponto de partida para a condenação, no que impugnou os Factos Provados 7. a 9. e 10. a 13. apelando aos testemunhos de EE e FF bem como a prova documental, na tentativa de demonstrar que auferia uma remuneração sensível e que carecia de motivação para perpetrar os crimes.
30. Esta questão foi abordada nas alegações de recurso do recorrente de fls. 44 a fls. 52 e inserta nas Conclusões 30. a 41., pretendendo o recorrente que se consolidasse como verdade processual que o escritório onde trabalhava tinha boa viabilidade financeira e que dela o recorrente colhia sensíveis proveitos.
31. O Tribunal da Relação não se debruçou sobre este ponto do Recurso, não proferindo sobre o mesmo decisão e quedando-se por um ilícito silêncio.
32. Atacando os factos referentes ao móbil dos crimes de que vinha acusado, o recorrente veio suscitar, a fls. 68. a 77. das suas alegações, a alteração da matéria de facto provada, argumentando que a prova produzida em Tribunal sustentava que a vítima assistia financeiramente o recorrente quando este necessitava, inexistindo qualquer motivo para a prática dos crimes pelo recorrente.
33. Foram indicados como elementos de prova neste sentido as Declarações do Arguido e o depoimento da testemunha GG, inserindo-se no objecto do Recurso a Conclusões 58 a 62.
34. O Tribunal da Relação de Coimbra não se pronunciou sobre esta questão, demitindo-se do seu dever de julgar todas as questões que lhe fossem apresentadas, verificando-se uma indesculpável Omissão de Pronúncia que importa a nulidade do Acórdão.
35. A fls. 77 a 82 das Alegações de Recurso o arguido veio levantar outro ponto autónomo, suscitando a alteração da matéria de facto e sustentando que a prova produzida em Julgamento impunha que se concluísse que a vítima possuía para com o arguido uma dívida no valor do cheque que se disse falsificado.
36. A questão jurídica supra ficou inserta em Conclusões de Recurso 63. e 64., suscitando-se a reapreciação e impugnação do Facto Provado 21. para subtracção ao acervo factual fixado dos elementos típicos do crime de falsificação e burla, tendo sido feito apelo aos depoimentos de EE e de FF, devidamente transcritos.
37. O Tribunal da Relação de Coimbra não apreciou esta arte do Recurso em Matéria de Facto, demitindo-se do dever de apreciar todo o thema decidendum do Recurso apresentado, o que constitui nulidade que agora se invoca.
38. O recorrente impugnou especificadamente os itens da Matéria Provada com os n.ºs 8., 14. e 15 (Alegações de Recurso, fls. 83) que impugnou, indicando como fundamento vários elementos de prova que impunham decisão diversa, designadamente os depoimentos de HH, II, GG, JJ e FF, inserindo a questão a Conclusões 56. e 58. a 64.
39. O Tribunal da Relação de Coimbra, no Acórdão proferido, apreciou apenas da subsistência da decisão recorrida quanto aos itens da Matéria de facto 7., 9. e 10. da Matéria Fixada, no que descurou a reapreciação da sentença relativa aos restantes pontos da decisão inseridos na temática do Recurso.
40. Existe, também aqui, Omissão de Pronúncia que importa a nulidade do aresto, ao que ora se faz apelo.
41. O recorrente invocou, a fls. 86 a 93 e 101 a 106 das alegações de recurso a incompatibilidade entre os depoimentos de CC e BB, transcrevendo os respectivos conteúdos e peticionando pela reapreciação do momento do crime, baseado no argumento que estas ouviram sons diferentes em diferentes altura, o que ficou vertido a Conclusões 65. a 70. e 75. a 78 •.
42. O Tribunal da Relação de Coimbra trata esta questão como se ela não existisse, não oferecendo resposta à questão jurídica de apreciação de prova que lhe foi colocada pelo recorrente, não procedendo à análise do conteúdo dos referidos testemunhos e não dispondo um raciocínio lógico que embargasse os argumentos deduzidos.
43. Ao não apreciar esta questão jurídica (apreciação de prova) que lhe foi colocada, apenas repetindo o que já constava da sentença, o Tribunal incorreu em violação do dever de se pronunciar sobre as matérias que lhe estão sujeitas e de fundamentar a sua tomada de posição.
44. Em sede de Recurso perante a Relação, o ora recorrente invocou a violação das regras de experiência comum pelo Tribunal da 1ª Instância e a impossibilidade material da narrativa dos factos plasmada na sentença ao dar por provados os factos constantes dos itens 29. e ss quando articulados com a localização temporal do crime às 23h00.
45. Esta questão não foi apreciada pelos ilustres Srs. Desembargadores no Tribunal da Relação de Coimbra, muito embora tenha sido inserida no objecto de Recurso a Conclusões 71. a 74., existindo uma patente omissão de pronúncia.
46. O recorrente suscitou a reapreciação da matéria de facto, no que chamou à colação a análise da prova pericial respeitante a vestígios hemáticos, dissecando o relatório dos peritos e avocando a violação dos arts. 163°/1 e 2, 151° a 157º e 158°/1, als. a) e b) do Código de Processo Penal pelo tribunal colectivo pela consideração de elemento de prova em termos que não constam das suas conclusões.
47. O Tribunal da Relação de Coimbra não considerou quanto foi apresentado à sua apreciação pelo recorrente a conclusões 115. a 134., nada mais fazendo que repetir o que já constava da sentença e tratando o objecto do Recurso como se ele não existisse ou o não vinculasse, o que importa a nulidade do Acórdão.
48. A instância de recurso não é apenas um patamar de avaliação formal da validade da sentença, mas um momento de verdadeira apreciação das questões que venham a ser colocadas pelo recorrente, incumprindo o Tribunal o dever de pronúncia quando o não faça.
49. O entendimento do dever de apreciação plasmado no aresto recorrido e do cumprimento do dever de pronúncia transmuta o julgamento do recurso apresentado ao abrigo do duplo grau de jurisdição e fá-lo desembocar numa mera avaliação formal da correcção da sentença, o que implica violação desse Princípio Normativo.
50. Em Audiência de Julgamento, foi intensamente discutido o momento do achamento do corpo, argumentando o recorrente que com ele contactou proximamente, o mexeu e abanou e que isso teria implicado o contacto com o sangue que foi mais tarde encontrado nas suas botas.
51. Sobre a sobredita circunstância factual foram ouvidas várias testemunhas, seja o caso de KK, LL, MM, a secretária da vítima NN e os policiais OO, PP e o Comissário QQ, arrolado pelo arguido.
52. A sentença em 1ª Instância não se pronunciou sobre esta matéria, que não integrou nos factos provados ou não provados, muito embora tivesse sido alegada na Contestação apresentada pelo recorrente e objecto de intensa prova pela defesa, o que importa a nulidade da sentença a que aqui se faz apelo.
53. Em recurso apresentado perante a Relação de Coimbra, o recorrente inseriu esta questão suscitando a alteração da matéria de facto, a fls. 189 a 221, indicando os depoimentos das citadas testemunhas e os documentos a fls. 23, 12 e 13, pedindo a alteração da matéria de facto por forma a que incluísse como item provado e inserindo toda a temática a Conclusões 134. a 154 ..
54. O acórdão da relação quedou-se por um silêncio idêntico ao da 1ª Instância sobre esta factualidade essencial, não apreciando os argumentos do recorrente e não proferindo decisão.
55. Existe também, neste segmento, omissão de pronúncia que redunda na nulidade do Acórdão proferido, o que ora se invoca.
56. O recorrente, no âmbito da alteração da matéria de facto, veio ainda suscitar à apreciação do Tribunal da Relação de Coimbra do desaparecimento de um conjunto de provas da maior importância, denunciando uma investigação desastrosa, descuidada e incompetente, argumento que a falta de obtenção de prova com aquele elevado nível de importância, quando se considerasse o que daquela poderia resultar, não admitia que se considerasse ilidida a presunção de inocência que assiste ao acusado.
57. Esta questão ficou integrada a Conclusões 161. a 181. do Recurso interposto perante a Relação.
58. O Tribunal da Relação de Coimbra tratou a questão como se a mesma não tivesse sido submetida à sua apreciação, muito embora tivesse sido convocada, não apenas como alicerce da alteração da matéria de facto, mas também por via da violação do Princípio In Dubio Pro Reo.
59. O silêncio da Relação de Coimbra sobre este segmento do Recurso implica a nulidade do Acórdão por Omissão de Pronúncia, ao que se faz apelo.
60. De fls. 243 a fls. 251 das Alegações de Recurso o recorrente veio apelar aos depoimentos dos médicos legistas, aos elementos documentais a fls. 11, 12 e 13 e às regras de experiência comum, argumentando pela impossibilidade prática de o assalto mortal ao Eng. RR ter sido protagonizado pelo recorrente.
61. A alteração da matéria de facto com este fundamento foi inserta a conclusões 183. a 192 do Recurso e não foi apreciada pelo Tribunal da Relação, que não a julgou nem sobre a mesma proferiu decisão, existindo nulidade do aresto por omissão de pronúncia.
62. O acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra plasma leituras da Lei de Processo Penal inconstitucionais, sendo a decisão, também, inconstitucional na mesma medida e por esse motivo.
63. O art. 127º do Código de Processo Penal, quando interpretado no sentido que legitima ao julgador uma apreciação dos elementos probatórios de tal forma livre que se possa demonstrar irrazoável, inobjectiva e impossível de apreender, ou quando conduza a uma convicção sobre a verificação de factos que, de acordo com as Leis Naturais, se não possam haver verificado, é inconstitucional por violação dos arts. 1°, 2°, 12°, 25°, 26°/1, 32°/1, 202°/1 e 2, todas da Constituição da República.
64. O entendimento pelo qual se considera que a decisão do Tribunal Criminal não precisa de se dizer necessariamente vinculado ao possível e ao verificável é inconstitucional por violação dos arts. 1°, 2°, 12°, 25°, 26°/1, 32°, 202°/1 e 2, todos da Constituição da República.
65. A sentença em 1ª Instância e o Acórdão da Relação são inconstitucionais porque perfilham o sobredito entendimento e interpretação do art. 127° do Código de Processo Penal, violando as mesmas disposições da Constituição.
66. O processo penal deve ser considerado como uma estrutura plena de protecção dos direitos fundamentais do cidadão, sem brechas que tenham por consequência a imaterialidade ou insuficiência dessa protecção.
67. O princípio do duplo grau de jurisdição e da fundamentação das decisões judiciárias, articulados entre si, oferecem cumprimento a este postulado, impondo que os Tribunais superiores realizem um verdadeiro momento jurisdicional, embargando ou infirmando cada um dos argumentos que lhe são carreados e sobre os mesmos efectuando um juízo específico.
68. A negação pura e simples dos argumentos do recorrente, desacompanhada de um percurso metodológico que os infirme ou desminta, ou a mera repetição do disposto na sentença não oferece cumprimento ao dever de julgar dos tribunais superiores e de fundamentar as suas decisões.
69. São inconstitucionais os artigos 374°/2 do Código de Processo Penal e 660°/2 do Código de Processo Civil (ex vi art. 4° do CPP) quando interpretados no sentido de comportarem a legalidade da decisão que, negando provimento ao Recurso, não aprecie cada uma das questões jurídicas que são apresentadas e que não demonstre de forma sólida, objectiva e suficiente o motivo por que a argumentação do recorrente não pode proceder e porque se revela inepta para sustentar a modificação da decisão por violação dos arts. 1°, 2°, 12°, 25°, 26°/1, 32°, 202°/1 e 205°/1 todas da Constituição da República Portuguesa.
70. O Acórdão da Relação de Coimbra é inconstitucional porque perfilha o sobredito entendimento e interpretação do art. 374°/2 do Código de Processo Penal e art. 660°/2 do Código de Processo Civil (ex vi art. 4° do CPP) por violação das mesmas disposições da Constituição.
Em obediência ao estatuído no art.º 412º do Código de Processo Penal, cumpre indicar:
- Os meios probatórios a que, por Lei, fica cometido especial valor, tendo o Tribunal violado essa valia probatória e que impunham decisão diversa da recorrida Vide Conclusões 17. a 25.
Exame Pericial à Letra
Exame Hematológico às botas do arguido
- Os Pontos de Facto incorrectamente julgados
Vide Conclusões 17. a 25 .
- As normas jurídicas violadas
Arts. 1°, 13°/1, 18°, 29°/1 e 3, 32°/1 e 2, 202°/1 e 2, 204° e 205°, todos da Constituição da República Portuguesa;
Arts. 127°, 163°/1 e 2, 130°/1 e 2, 355°, 374°/2 do Código de Processo Penal; (Merece aqui também aplicação o disposto no art. 410°/2, do mesmo diploma)
Art. 660°/2 do Código de Processo Civil, ex vi art. 4° do Código de Processo Penal
(Merece aqui também aplicação o disposto no art. 379°/1, al. c) do Código de Processo Penal)
- Os Princípios Jurídicos violados:
Princípio da Legalidade, Princípio da Tipicidade, Princípio da dignidade da Pessoa humana, Princípio do Estado de Direito democrático e Social, Princípio da Igualdade, Princípio da Necessidade de Pena, Princípio da Proporcionalidade, Princípio In Dubio Pro Reo.
- O sentido em que o Tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada .
Vide Conclusões 1. a final .
No contexto enunciado, deve ser concedido provimento ao Recurso nos termos e com os fundamentos alegados, revogando-se a decisão proferida e, consequentemente, deve este Supremo Tribunal de Justiça:
a) Considerar que o Tribunal "a quo" e o Colectivo de Pombal incorreram em Erro Notório na Apreciação de Prova e em Violação do Princípio In Dubio Pro Reo;
Ou, quando assim não se entenda, deve,
b) Considerar que o Tribunal "a quo" violou o disposto no art. 163°/1 e 2 do Código de Processo Penal, desrespeitando o valor probatório da Prova Pericial, alterando a matéria de facto na medida em que aquela impõe e nos termos alegados;
Sempre e em qualquer caso absolvendo o ora arguido, sem mais.
Ou, quando assim se não entenda, ao que se não concede, deve,
c) O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra ser havido por nulo, nos termos e com os fundamentos alegados;
Sempre e em qualquer caso, ainda que se não atenda ao supra disposto, deve
d) O Tribunal entender por inconstitucionais os arts. 127° do Código de Processo Penal e os art. 660°/2 do Código de Processo Civil ex vi art. 4° quando interpretados no sentido plasmado na Sentença em Primeira Instância e no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra nos termos e com os fundamentos alegados, e Por necessária deriva, absolvendo o arguido, sem mais.

III .Cumpre decidir , considerando o seguinte acervo factual provado :

O arguido AA, nascido a 10.11.1960, trabalhava como desenhador de construção civil no Gabinete de Projectos do engenheiro RR, instalado na rua Capitão....... nº .., ..° e 3° andares, em Pombal, tendo iniciado funções no ano de 1979.

Tal Gabinete de Projectos apresenta, ao nível do 2° andar, duas divisões de arrumos, situando-se uma delas junto do quarto de banho existente à esquerda de quem entra, tipo despensa, sala de telefonista, escritório do engenheiro RR e hall de entrada, tendo todas as divisões ligação ao hall e estando o escritório do engenheiro situado defronte da porta de entrada.

O 2º e o 3° andares não comunicam entre si, fazendo-se o acesso pela escada comum do prédio.

No 3º andar trabalhavam o arguido AA, e KK.

Para acesso ao 2º andar, para além das chaves em poder do engenheiro RR, apenas tinham sido entregues por este outras duas, uma à telefonista/secretária, NN, e uma outra à senhora da limpeza, SS.

O engenheiro RR raramente deixava a porta do seu escritório, sito no segundo andar, aberta, pois tinha o hábito de fechar tal porta sempre que se ausentava.

Auferia o arguido AA um salário base de Esc. 70.000$00 (setenta mil escudos), a que acresciam algumas comissões pelos trabalhos em que colaborasse, em percentagem não apurada.

As referidas comissões, atendendo às contas bancárias correntes do arguido AA e esposa tinham, nos últimos meses, uma expressão pouco significativa.

A sua esposa, TT, explorava uma sapataria de calçado para crianças no Centro Comercial Pombal Shopping, em Pombal, de onde retirava um rendimento de valor não apurado mas que não ultrapassava, em média, um lucro mensal de Esc. 90.000$00 , acrescentando a Relação o aditamento sob a seguinte versão :

“ 10 A Contudo os referidos encargos mensais de 63.000$00 , 73.085$00 , 80.000 $00 , 13.000$00 e 10.000$00 , relativos ao negócio de sapataria , eram suportados pelos rendimentos líquidos que a mesma gerava “( a Relação numerou os pontos de facto ) .

Apesar destes rendimentos, o arguido e a sua esposa assumiram responsabilidades financeiras a que correspondiam os seguintes encargos/pagamentos: 63.000$00 mensais ao Montepio, por empréstimo contraído em Dezembro de 1998; 54.606$00 mensais ao ......, por empréstimo contraído em Julho de 1996; 88.600$00 mensais ao ......, por empréstimo contraído em Janeiro de 1995; 70.000$00 trimestrais à ........, por empréstimo contraído por contrato nº ............; 73.085$00 mensais ao BES, por empréstimo contraído em Março de 1998; 60.051$00 mensais à EFISACAR, por crédito automóvel; 80.000$00 mensais de renda da loja no Centro Comercial; 13.000$00 mensais de condomínio de tal loja; 10.000$00 mensais dos arrumos da loja; ainda, os encargos mensais de 3 livranças no valor de 1.200.000$00, 400.000$00 e 560.000$00, a pagar, respectivamente junto do FINIBANCO, CCAM e BES, bem como as despesas correntes com roupa, alimentação, gasolina e escola dos filhos do arguido em montante não concretamente determinado.

Os encargos mensais de 63.000$00 , 73.085$00 , 80.000 $00 , 13.000$00 e 10.000 $00 , relativos ao negócio da sapataria , eram suportados pelos rendimentos ilíquidos que a mesma gerava –facto aditado pela Relação em reponderação da matéria de facto .

O arguido pagava, ainda, Esc. 11.000$00 mensais à CCAM, por empréstimo contraído por contrato nº ............, valor aquele que, no entanto, lhe era entregue pelo seu cunhado.

Esses encargos financeiros encontravam-se em atraso no mês de Março de 1999, designadamente nos dias 1, 2 e 3.

Na verdade, no dia 01.03.1999, a conta bancária do arguido tem um saldo negativo de 565.086$60 e, no dia 02.03.1999, tem um saldo negativo de 578.781$60.

Nos últimos tempos, pelo menos desde há alguns meses, a relação pessoal entre o arguido e o engenheiro RR foi-se deteriorando, vindo este último a queixar-se junto de pessoas amigas, entre as quais MM, da lealdade do arguido AA, dado que entravam poucos trabalhos no Gabinete de Projectos, de que o mesmo (arguido) andaria a substituir-se (a ele, engenheiro) nos contactos com os clientes do Gabinete de Projectos.

As relações entre o engenheiro e o arguido passaram assim a caracterizar-se por desconfiança do primeiro face ao segundo.

Nos últimos tempos, o arguido faltou algumas vezes ao serviço.

Quando ia trabalhar para o Gabinete de Projectos o arguido chegava geralmente entre as 9.30 e as 10.00 horas e daí saía, por norma, cerca das 17.00 horas.

O arguido, por vezes, fazia serão, indo trabalhar para o Gabinete de Projectos.

O arguido, sempre que necessário e pelo menos quando o engenheiro para isso não estava disponível, imitava a rubrica deste em folhas de projectos que tinham que entrar na Câmara, cujas folhas tinham que ir todas rubricadas, reproduzindo-a pelo seu próprio punho.

O arguido AA, no dia 02.03.1999 ou em data anterior, conseguiu apoderar-se do impresso-cheque nº .,..........., da conta nº ....... da Caixa Geral de Depósitos de Pombal, titulada pelo engenheiro RR, e apôs-lhe, pelo seu próprio punho, como se fosse o engenheiro RR a fazê-lo, uma assinatura como sendo a deste último, a quantia de 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos) em números e por extenso, a palavra Pombal, e o seu nome no local “à ordem de”, bem como a data de 01.03.1999. Tal cheque, assim preenchido e assinado, foi depois depositado pelo arguido na sua conta nº .............. do Montepio Geral de Pombal, no dia 02.03.1999, tendo obtido a transferência de tal quantia pela instituição sacada, a qual desconhecia a actuação do arguido agora descrita, através de depósito em tal conta, efectuado no dia 03.03.1999. Desta forma, apropriou-se o arguido de tal quantia, não obstante saber que não lhe pertencia e que assim violava a confiança depositada em tal tipo de títulos de crédito e que causava prejuízo patrimonial ao engenheiro RR.

A referida quantia não correspondia a qualquer montante de que o arguido AA fosse credor em relação ao engenheiro RR, designadamente ao pagamento de trabalho realizado pelo arguido no que respeita a obras de ampliação do mercado de Pombal e ao projecto de obra do bairro social São João de Deus (2a fase).

O engenheiro RR, nascido a 16.10.1932, era pessoa conceituada na comunidade, desempenhando muitas vezes as funções de perito no Tribunal Judicial de Pombal e fazia uma vida caracterizada pela rotina e por uma certa contenção nos gastos pessoais. Regra geral, quase sem excepção, saía do seu local de trabalho, o Gabinete de Projectos, por volta das 18h45m, jantava regularmente em casa, confeccionando ele a comida, e depois dava um passeio, acompanhado designadamente por UU, seu amigo.

O engenheiro só ia ao Gabinete de Projectos, à noite, a título excepcional, pois não fazia serão.

No dia 02.03.1999, o arguido AA saiu do 3º andar do Gabinete de projectos cerca das 17.00 horas e aí voltou após as 19.00 horas, mantendo-se no local por período não concretamente determinado mas inferior a uma hora, pois daí saiu antes das 20.00 horas.

Após, o arguido dirigiu-se a sua casa, tendo jantado na companhia da esposa, no restaurante instalado no prédio onde habitava.

Pelas 21.00 horas do mesmo dia, o arguido saiu do restaurante com a intenção de se dirigir, de novo, para o Gabinete de Projectos.

Nesse mesmo dia o engenheiro não apareceu para o seu passeio habitual, o que foi motivo de estranheza para o seu amigo UU.

Igualmente nessa mesma noite, após as 21.00 horas, o arguido e o engenheiro RR encontraram-se, em circunstâncias concretas e local que não foi possível apurar, sendo que ambos, entre as 21.30 e cerca das 23.00 horas, se estiveram no 2° andar do Gabinete de Projectos.

Em dado momento, ocorreu um desentendimento entre ambos, com conteúdo concreto que não foi possível determinar, e, a dada altura, o arguido, utilizando um fio com cerca de 7 (sete) milímetros de largura, de que se muniu em circunstâncias concretas não apuradas, passou-o pelas faces laterais do pescoço do engenheiro RR, bifurcando-o a nível de ambas as carótidas, de onde fez passar um ramo do fio até à face anterior do pescoço e outro ramo pela comissura da boca, atravessando em cada um dos lados a face, assim conseguindo segurar a cabeça do engenheiro.

No decurso do mesmo desentendimento, em dada altura o arguido agarrou, ainda, em objecto que não foi possível apurar, mas de natureza contundente ou actuando como tal, e desferiu, com o mesmo, diversas pancadas na cabeça do engenheiro RR, designadamente no queixo, na região frontal, lado direito, na região occipital, lado direito, na calote craniana, ao nível do occipital e no olho esquerdo, com intenção de lhe tirar a vida, assim lhe produzindo as lesões analisadas e descritas a fls. 744 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, designadamente lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, que lhe provocaram de forma directa e necessária a morte.

Tais actos iniciaram-se e prolongaram-se em locais concretos não apurados mas contidos dentro do hall e interior do escritório do 2° andar, locais onde ficaram pingas de sangue (do engenheiro RR) no pavimento, tendo-se o corpo daquele vindo a estatelar no chão do dito escritório, em diagonal, da esquerda para a direita, em decúbito dorsal, com as pernas esticadas e afastadas entre si, com os braços abertos esticados e afastados em relação ao corpo, conforme fotografias de fls. 10 e 16 dos autos.

No decurso de tal agressão ficou o arguido com sangue do engenheiro RR nas suas botas, respectivos atacadores e na roupa que na altura vestia, manchas de sangue essas, no que respeita às botas, com a direcção de cima para baixo e da frente para trás, ficando no local rastos da sola de borracha de tais botas, com forma curvilínea, designadamente junto ao pé esquerdo da vítima e entre as pernas, no sentido do corpo para o hall.

Foi então o arguido à casa de banho desse segundo andar do Gabinete de Projectos e limpou parcialmente as botas na sanita daquela casa de banho, onde ficou uma mancha de sangue da vítima no bordo dessa sanita, por baixo da respectiva tampa.

Seguidamente, subiu ao terceiro andar pelas escadas comuns, tendo-se encostado à parede existente nas escadas entre o segundo e o terceiro andar, onde deixou vestígios de sangue da vítima, a 1, 10 metros do chão.

Nessa altura ou até antes das agressões, o arguido AA deixou, por esquecimento, uma fotocópia de um cheque sacado pela vítima em seu favor, relativa a parte do ordenado de Janeiro de 1999, e duas outras fotocópias em cima da mesa de trabalho do colaborador KK, situada no 3º andar.

O arguido dirigiu-se, então, ao quarto de banho do terceiro andar e aí, para limpar o sangue que ficara no seu corpo, roupas e botas, utilizou papel higiénico e pelo menos um pano usado para limpeza (que fora uma camisola), de algodão verde e com um desenho em preto estampado na frente, examinado a fls. 675 e seguintes dos autos, o qual deixou atrás da sanita. Deitou, ainda, papel higiénico que utilizou para limpar o sangue, examinado a fls. 675 e seguintes dos autos, para o interior do caixote do lixo existente junto da sua secretária (do arguido).

O arguido circundou, ainda, a secretária da vítima, sita no escritório do 2º andar, revolveu os papeis existentes dentro de diversas gavetas e em cima da secretária, abriu a segunda gaveta do lado esquerdo da secretária, espalhando o seu conteúdo para o chão, e abriu também a 1ª gaveta de tal secretária, a contar de cima, com a mão esquerda, por forma a criar a convicção de que tudo se tinha tratado de uma tentativa de roubo por terceiro. Com o mesmo intuito, pegou, ainda, na carteira da vítima, nos seus documentos pessoais e no livro de recibos e deu-lhes destino não concretamente determinado, sendo que os mesmos não mais foram encontrados.

Ausentou-se então do local, tendo fechado a porta do 3° e do 2° andares.

Posteriormente, em dia e circunstâncias concretas não apuradas, engraxou as botas, que eram castanhas, com líquido tipo graxa de cor preta, para ocultar as manchas de sangue. Utilizou, ainda, nesse ou noutro dia, um pano amarelo da natureza do examinado a fls. 675 dos autos.

Ao agir da forma descrita, fê-lo o arguido de forma livre, voluntária e consciente. Agiu ele, arguido, com o propósito concretizado de tirar a vida ao engenheiro RR, resultado este que quis e representou, nas circunstâncias supra descritas, sabendo ainda que aquele era pessoa mais idosa do que ele e com menor força física e motivado, também, pelo facto de ter falsificado, como referido, um cheque daquele (engenheiro), e de não querer que tal fosse descoberto.

Da contestação:

O arguido era, antes dos factos, pessoa considerada no meio profissional em que se encontrava inserido, relacionando-se com alguma facilidade com as pessoas que, por imperativos profissionais, com ele contactavam, quer clientes, quer os colegas com quem trabalhava, bem como demais pessoas ligadas ao ramo da construção.

Das pessoas que trabalhavam no Gabinete com o Engenheiro RR, o arguido era quem há mais tempo aí trabalhava.

O arguido executava, nos projectos do engenheiro RR, todo o trabalho de desenho, sendo os cálculos efectuados pelo engenheiro RR, que assinava os projectos e termos de responsabilidade. O arguido contactava directamente com clientes do Gabinete, algumas vezes por indicação do engenheiro RR, deslocava-se aos locais das obras, efectuava medições e chegava a dar orçamentos, recebendo mesmo, por vezes, valores em dinheiro dos clientes para depois serem considerados a final.

Em relação aos outros colaboradores que trabalhavam no Gabinete, para além do arguido, o Engenheiro RR limitava-se a assinar os projectos e termos de responsabilidade para fins oficiais, pois os mesmos eram efectivamente realizados por aqueles, remunerados à percentagem ou mesmo pagos pelos seus próprios clientes.

O arguido trabalhava a recibos verdes, recebendo uma quantia fixa mensal, no valor de Esc. 70.000$00, a que acrescia uma percentagem de montante não concretamente apurado sobre o valor de cada projecto em que interviesse, a qual lhe era paga pelo engenheiro RR a final, no momento em que recebesse dos clientes.

O arguido, nos anos de 1997 e 1998, teve intervenção em vários projectos, nomeadamente, o projecto de ampliação do novo mercado de Pombal, o projecto de infra-estruturas do Bairro Social S. ............, em Pombal, o imóvel comercial junto do mercado de Almagreira e o bloco habitacional para a sociedade VV, Lda.

O arguido e sua família viviam, desde há alguns anos, em situação financeira apertada pelas múltiplas responsabilidades, assumidas junto de vários bancos e instituições de crédito, constituídas, designadamente, para aquisição de habitação própria, veículo, instalação de estabelecimento de sapataria e aquisição de colecções sazonais. As obrigações mais significativas reportavam-se a empréstimos obtidos nos anos de 1995 e 1996 e geravam sempre as mesmas responsabilidades ao fim de cada mês, sem alterações sensíveis nos meses que precederam Março de 1999, que arguido e mulher foram tentando cumprir com maior ou menor dificuldade.

Os rendimentos do casal advinham da actividade profissional do arguido de desenhador no gabinete do Engenheiro RR (que cessou com a morte deste) e da exploração, por sua mulher (do arguido), de um estabelecimento de sapataria num Centro Comercial da cidade.

Por não ser tão rentável como esperavam o negócio da sapataria, decidiram o arguido e a sua mulher, mais de um ano antes da ocorrência dos factos, alienar o referido estabelecimento, vendendo a existência e transferindo o espaço locado a quem lho adquirisse. Para tanto, e no decurso desse ano, fizeram publicar no “Correio de Pombal” sucessivos anúncios de trespasse da loja.

O arguido é visto, no seu círculo familiar e de amigos, como pessoa trabalhadora e honesta, sendo por aqueles considerado e contando com o apoio dos mesmos.

Ao longo dos anos em que trabalharam juntos, criou-se entre o arguido e o engenheiro RR um relacionamento estreito, recorrendo aquele a este para assuntos mesmo pessoais e este àquele para o ajudar, inclusive financeiramente, em momentos em que necessitou, tendo chegado a figurar como avalista em letras de câmbio. Porém, nos últimos tempos, pelo menos desde há alguns meses, a relação pessoal entre o arguido e o engenheiro RR foi-se deteriorando.

O argui XX do tinha, desde alguns dias antes dos factos, em mãos um trabalho urgente (projecto de arquitectura) para XX, com quem reunira num dos dias anteriores, no escritório onde trabalhava.

A luz do escritório do 3º andar é visível da rua.

O arguido, no seu círculo de amigos, chegou a ser apelidado de “Canina”.

O arguido e o engenheiro RR tinham alturas idênticas.

Outros factos:

O arguido tem um nível de aspirações elevado que conflitua com o desejo, simultâneo, de não depender de terceiros, revelando interesse por estes (terceiros) mas percepcionando-se, frequentemente, como incompreendido/maltratado pelos outros. Revela capacidade analítica quando aborda um problema, embora a sua precisão seja prejudicada pela ansiedade excessiva. A acção desorganizada e ineficaz consequente é potenciada pela inexistência de um estilo definido de resolução de problemas, podendo agir mediante uma reflexão prévia ou dar respostas precipitadas. Tem uma tendência marcante para, perante situações emocionais exigentes, se deixar influenciar pelas emoções.

O agregado familiar do arguido é composto por si, sua esposa e dois filhos, respectivamente, de 18 e 14 anos, ambos estudantes. É sócio, conjuntamente com a sua esposa, de uma sociedade de mediação imobiliária, sendo esta a sócia gerente, de onde obtêm rendimentos de montante não concretamente apurado mas que lhes permite suportar os seus encargos, designadamente um crédito bancário referente à aquisição da habitação onde vivem, de € 175.000 e de que paga prestação mensal de € 750, e, ainda, um outro crédito para aquisição de um apartamento de que pagam uma prestação mensal de € 150.

Tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade e curso geral de electricidade.

Na data da prática dos factos não tinha antecedentes criminais, tendo posteriormente sido condenado, por factos de 13/03/99 e sentença de 29/01/2001, pela prática de um crime de condução sob o efeito do álcool, em pena de multa de 60 dias, à taxa diária 250$00 e 60 dias de inibição de conduzir.

Não assumiu a prática dos factos nem mostrou arrependimento.

IV. A convicção do tribunal , fundou-se na análise ponderada e crítica de toda a prova produzida em audiência , segundo afirma o Colectivo , transcrevendo-se :

“ Assim, e em primeiro lugar, no conteúdo do depoimento do arguido, que deu em audiência a sua versão dos factos, designadamente no que se refere aos seus actos nos dias 2 e 3 de Março de 1999, bem como explicações para o que fez em cada momento, tudo em confronto, por análise ponderada e crítica, com a restante prova produzida.

Desde logo, quanto à determinação dos seus passos no dia 2 de Março, por referência aos locais onde esteve e horas em que tal ocorreu. Aqui, ele próprio referiu que saiu do escritório onde trabalhava na tarde do dia 2, pelas 16.30/17.00 horas, aí voltando mais tarde em dois momentos distintos, sem que (diz) tenha visto o engenheiro RR aí ou noutro local, sendo o primeiro desses momentos depois das 19.00 horas (referindo que aí esteve até perto das 20.00 horas, altura em que foi a sua casa e mudou de roupa – por se ter molhado ao arranjar uma torneira --, jantando de seguida no restaurante existente no prédio – confirmado em audiência pela esposa e, ainda, pelo proprietário do restaurante e por ZZ – depoimento de fls. 326, lido em audiência -- aí se mantendo até cerca das 21.00 horas) e o segundo pelas 21.00 horas, mantendo-se no escritório (com excepção de um intervalo de 15 minutos em que diz ter ido abastecer o seu veículo de combustível) até cerca das 23.00 horas.

Porém, logo aqui surge a primeira e importante incoerência das suas declarações, quando confrontadas com a restante prova. De facto, veja-se que o arguido, apesar de referir que aí esteve à noite a fazer serão (pretensa necessidade de concluir um projecto e deslocação “combinada” do interessado ao escritório nessa noite, não confirmada aliás por este – depoimento da testemunha XX, que referiu que o novo encontro estava dependente de um telefonema prévio do arguido que não ocorreu), em momento algum disse que esteve com o engenheiro nessa altura (… viu a luz do gabinete sempre apagada…), sendo que, da conjugação de provas produzidas, resulta que a morte deste aconteceu, necessariamente (e inequivocamente), nessa mesma altura e naquele local – nem sequer apenas dentro do gabinete, pois que há sinais claros no hall, desde logo as marcas de sangue. Efectivamente, os depoimentos conjugados de CC (lido em audiência e prestado em fase de instrução, ao referir que ouviu barulho metálico de pancadas pelas 22/22.30 horas e, pelas 23/23.30 horas, de novo barulhos “bastante estranhos”, primeiramente ouvindo pancadas mais ou menos ritmadas que se assemelhavam ao barulho de socos dados nos sacos de boxe – barulho seco ou numa parede”, bem como, também, dos que lhe “pareciam de uma voz humana mas sem que articulasse palavras ou frases, assemelhando-se a alguém que queria falar mas se sentisse impossibilitado de o fazer ou estivesse asfixiado”, “barulho de móvel a arrastar que lhe pareceu ser uma mesa, um cadeirão ou algo semelhante, após coisas a cair ao chão” e, por último, ouviu ainda uma última vez a tal voz e depois fez-se silêncio”, nada mais tendo ouvido nessa noite) e de AAA (ouviu barulho de batidas lá para as 10/11.00 horas da noite, estas compatíveis com as primeiras referidas pela testemunha CC), apontam nesse sentido, por serem os últimos “barulhos” ouvidos pela primeira absolutamente compatíveis com os actos necessários para produzir as lesões na vítima (pancadas, vozes abafadas, etc.). Assim, no máximo a morte (demonstrada como se verá infra, naquele local) teria ocorrido, face a essas declarações, a não existir outra prova (mas há, como se verá infra, que aponta outra hora limite) no máximo até às 23.30 horas (momento máximo referido pela testemunha para tais ruídos).

Mas, da conjugação da restante prova, como se verá, facilmente se chega à conclusão de que a morte ocorreu, efectivamente, antes das 23.30 horas, mais propriamente cerca das 23.00 horas (hora esta ainda compatível com o referido pela mesma testemunha).

De facto, e desde logo, tenha-se presente que o arguido, face à prova produzida, se deslocou, cerca das 23.00 horas ou 23.05 horas ao restaurante existente no prédio onde habitava (onde bebeu a “cavilha” – suas declarações e testemunho do proprietário do restaurante), local onde esteve um quarto de hora, mostrando sinais de suor que justificou, perante a mesma testemunha, passados alguns dias, dizendo que tinha estado a trabalhar com o aquecimento ligado.

Ora, o engenheiro RR, pessoa de hábitos rotineiros (designadamente, depoimentos de UU, BBB e CCC) foi visto pelas 21.30 horas na rua, próximo do escritório, pela testemunha DDD, o qual referiu tê-lo visto na companhia de uma pessoa a essa hora, pessoa esta que veio em reconhecimento feito no processo a considerar parecida com o arguido (reconhecimento esse que, apesar das dúvidas levantadas sobre o número de pessoas que nele participaram, nos dá pelo menos um sinal de que poderia ser efectivamente o arguido quem acompanhava o engenheiro e, face ao depoimento prestado, nenhumas dúvidas de que este efectivamente aí passou àquela hora). Também UU, seu amigo de longa data, que com ele se encontrava todos os dias cerca das 21.00 horas para darem um passeio, referiu que, apesar de ter passado como sempre junto da casa do engenheiro, nesse dia este não apareceu, tendo visto depois luz no 3º andar do prédio onde se situa o gabinete. Ainda, a certeza de que o engenheiro não dormiu claramente em sua casa (depoimentos de: EEE, que morava por baixo do apartamento e referiu que, para além de o não ter visto ir jantar – nesta parte valendo apenas como tal, pois que o conteúdo estomacal encontrado na vítima aponta que aí teria jantado -, as coisas da casa estavam da mesma forma como as tinha visto no dia anterior, pelas 16.00 horas da tarde, quando aí esteve com a senhora que limpava a casa - veja-se que aí deixou papel com indicação do preço a pagar à senhora da limpeza e na manhã seguinte aí não estava o dinheiro, quando o engenheiro o fazia sempre; FFF, que procedeu à limpeza do apartamento da vítima, no dia 2 de Março, aí voltando no dia seguinte, encontrando a casa praticamente como a deixou, com a roupa por arrumar e a cama ainda “feita”. Como, diga-se, os esclarecimentos prestados em audiência pelos Peritos que elaboraram o relatório de autópsia tal confirmam claramente (desde logo face ao conteúdo estomacal da vítima e tempo normal de digestão, afirmando que em termos de normalidade teria comido entre meia hora e uma hora antes da morte – repare-se que esse conteúdo estomacal é absolutamente compatível com a sopa encontrada na casa da vítima), sendo que o parecer de fls. 3375 e seguintes, elaborado pelo Dr. GGG (IML) a solicitação do Tribunal, aponta também no mesmo sentido (de a morte ter ocorrido algum tempo após o jantar) -- ou seja, a morte ocorreu, no caso, depois das 21.30 horas (pois que a esta hora o engenheiro foi visto vivo) e não muito tempo depois, face ao referido conteúdo estomacal. E, sem dúvida, o dado objectivo de que aí foi encontrado o corpo no dia seguinte, sendo visíveis sinais inequívocos – desde logo o sangue, como foi referido pelas testemunhas e resulta das fotografias juntas aos autos a fls. 9 e seguintes -- de que aquele (corpo) se encontrava no local onde ocorreu a morte.

Ora, até às 23.00 horas o próprio arguido refere que esteve no mesmo local onde ocorreu a morte, sendo incompreensível que, a terem ocorrido como ocorreram os mencionados barulhos, não se tivesse apercebido destes ou da presença do engenheiro, apesar de se tratar do 2º andar (as pessoas que estavam no prédio ao lado ouviram os barulhos). Como, diga-se, depois das 23.00 horas, apenas se sabe que esteve cerca de um quarto de hora no restaurante, a beber cerveja (altura em que mostrava sinais de suor…), tendo ele próprio referido que voltou depois para Pombal com o argumento de que foi consultar o saldo da sua conta para ver se se mantinha “contabilístico” (mais uma vez sem razão plausível, pois que esteve ele antes em Pombal e não o fez e, diga-se, não ficou registada nenhuma consulta, dessa ou de outra natureza, no sistema Multibanco -- o cartão do BES não consta do documento de fls. 441 e o do Finibanco de fls. 391 dos autos).

Assim, nem sequer colhem demonstração efectiva as suas declarações nesta parte, apenas se podendo pois afirmar que o arguido esteve no restaurante em causa cerca de quinze minutos, após as 23.00 horas, voltando depois para Pombal. Desta forma, legítimo será perguntar para onde ou ainda para quê (?).

Ora, do que foi dito supra, e se não houvesse outra prova (mas há, efectivamente, como se verá), resulta que apenas existe um período temporal, de cerca de meia hora (entre as 23.00 e as 23.30 horas – esta a hora máxima para os barulhos admitida pela testemunha CC), em que se poderia dizer que o arguido tem um álibi, aparentemente seguro, pelo menos para provocar a dúvida do Tribunal, já que a morte ocorreu no escritório e ele aí não estava nessa altura.

Aqui surge, porém, a prova determinante que permite afastar essa ou quaisquer outras dúvidas sobre quem desferiu, efectivamente, as lesões de onde resultou a morte.

Trata-se dos vestígios deixados pelo agente responsável pela prática dos factos, sendo que, aqui, alguns foram recolhidos para posterior análise pericial e outros, ainda, verificados (em parte também fotografados) pelos agentes da Polícia Judiciária que se deslocaram ao local ainda na manhã do dia 3 de Março, bem como pela PSP (que aí se deslocou, também).

E, diga-se, os depoimentos prestados por tais agentes policiais, bem como da generalidade das pessoas que aí esteve naquela altura, são de molde a afastar a ideia que o arguido quis passar de que o local onde foi encontrado o corpo naquela manhã foi pisado por várias pessoas (… a PSP não vedou a porta… pessoas entraram e saíram à vontade…).

De facto, e desde logo, o próprio arguido, nas suas declarações prestadas em audiência, começou por afirmar que, quando desceu sozinho a esse local, nem sequer se apercebeu do sangue - ! - , só tendo mexido no casaco da vítima, que abanou, tendo voltado logo para trás sem andar nesse momento no gabinete, e que só depois, ao descerem todos, aí entrou, referindo no entanto ter contornado a secretária e que se não apercebeu que tivesse pisado sangue – situação improvável, em termos de normalidade, pois que dificilmente poderia ter deixado de ver as manchas de sangue existentes e, nomeadamente, se as pisasse.

Em segundo lugar, os depoimentos da generalidade das testemunhas apontam no mesmo sentido.

De facto, se é verdade que houve algumas referências de que poderia o local ter sido pisado por pessoas que não o arguido (esposa do arguido disse que quando chegou, depois das 11.00 horas, só estava um polícia presente e que havia aí pessoas – um tal Valverde -, sendo que aquele polícia a deixou ir ver o corpo – mas o seu depoimento, globalmente considerado, não revela credibilidade bastante para firmar convicção, face às várias e relevantes contradições em que caiu, quer quanto ao que fez ou não fez no dia anterior, onde ficou o telefone do arguido - que disse levar consigo naquela manhã, por se ter aquele esquecido dele em casa, quando facilmente se constata que fez de sua casa telefonemas para esse número… - confrontar fls. 278 com 289; também OO, que estava presente quando desceram todos ao local onde estava a vítima, admitiu ter ideia de que aí entrou, tendo estado ao lado dos pés da daquela, mas não na zona da cabeça – o arguido é que andou “de um lado para o outro” – e que a polícia lhe chegou a dizer que teria pisado sangue…, sendo certo, no entanto, que era na zona próxima da cabeça que se encontrava a mancha ainda não completamente seca), não é menos verdade que a generalidade da prova aponta em sentido inverso. Assim, os depoimentos de QQ (comissário da PSP que se deslocou ao local e aí se manteve até à chegada da PJ, que referiu que quando chegou não estava ninguém dentro do gabinete do engenheiro e que aí entrou ele e o agente Duque, tendo verificado a existência de marcas de sangue/rastos no chão que pareciam secos, o que os levou a perguntar aos presentes se alguém tinha estado lá dentro, sem que ninguém – incluindo o arguido – tivesse dito que sim; só admite a possibilidade de aí poder ter estado a testemunha FF, mas não se recorda), HHH (inspector da PJ, que referiu só ter chegado ao local pelas 18.00 horas do dia três, dizendo que enquanto aí esteve ninguém entrou), III (inspector da PJ que aí se dirigiu, ainda da parte da manhã – referiu terem sido alertados pelas 10.30/11.00 horas, só tendo demorado o tempo normal do trajecto de Coimbra a Pombal -, o qual referiu ter encontrado a PSP a preservar o local, que não permitia o acesso das pessoas, e que se manteve no local até meio da tarde sem que ninguém tenha entrado, sendo que antes já havia feito, com a colega que o acompanhava, recolha de provas, designadamente de sangue, bem como fotografias, entre as quais as juntas aos autos, mas ainda outras que se danificaram, referentes designadamente a outras marcas encontradas de sangue), II (que aí se deslocou ao saber da morte, referiu não ter visto ninguém lá dentro), MM (aí se dirigiu nessa manhã, após telefonema do arguido a dizer-lhe que tinham morto o engenheiro, tendo referido que encontrou aquele, a NN, o FF e o KK no 3º andar, tendo chegado depois a esposa do arguido, e que se dirigiu, na companhia do Comissário Santos, até à entrada da porta – onde estava um agente -, tendo estado a um metro dos pés da vítima), KK (que estava presente quando foi encontrado o corpo, tendo referido que não se lembra que ninguém tenha entrado efectivamente no gabinete onde estava aquele), LL (que estava presente quando foi encontrado o corpo, tendo referido que enquanto aí esteve não viu ninguém a entrar no gabinete – arguido não entrou - onde estava aquele e que só mais tarde, quando chegou o Comissário III, mas antes de chegar a Judiciária, acompanhou aquele até próximo do corpo, tendo passado ao lado, mas tendo o cuidado de não pisar sangue - … saltou por cima da perna e rodeou, pela direita, o cadáver) e NN (referiu que ninguém esteve na zona onde estava o corpo, quando desceram todos, e que quando chegou a polícia disse para daí saírem, indo eles depois para o 3º andar).

E, nomeadamente, o que foi constatado no local pelos agentes de autoridade (PSP e PJ), bem como a prova recolhida, referente aos vestígios encontrados, confirmada em audiência por esses, de forma a permitir a conclusão de que foi salvaguardada a sua integridade naquele momento (sendo que, ainda que outra pudesse ter sido eventualmente recolhida, a verdade é que tal não afecta a validade desta, mesmo no que se refere aos vestígios que não foi possível submeter a exame pericial, por ter ocorrido derramamento de sangue – pois que só afectou esses específicos vestígios e não os outros).

Assim, há que dar a devida atenção às marcas de sangue encontradas, quer no local, quer nas botas do arguido, pela importância que, como se verá, assumem.

E, se quanto às pegadas encontradas a prova aponta claramente no sentido de que são de calçado do género do utilizado pelo arguido (face à impressão deixada no piso – o que foi aliás logo reconhecido no dia seguinte, pelo Comissário da PSP aí presente), não se podendo no entanto sem outra prova afirmar que efectivamente seriam as suas botas (diga-se desde já que, mesmo quanto àquelas primeiras, isoladamente consideradas, muito embora face aos elementos existentes nesta altura se não pudesse concluir em termos de certeza absoluta, poderia no entanto dizer-se, com uma probabilidade muito grande, que, mesmo que tivesse sido pisada na manhã do dia 3 a mancha do solo em que o sangue não estava seco, aí ficaria a marca da bota impressa e depois, face ao estado do sangue, já sujeito a centrifugação - com separação do soro -, ao pisar o solo essa bota muito dificilmente poderia deixar impressos os rastos que são visíveis nas fotografias), inequivocamente que o facto de estas apresentarem os vestígios de sangue que apresentavam - da vítima - afasta qualquer dúvida antes existente.

De facto, são estes vestígios de sangue, encontrados nas botas do arguido, que afastam, no caso, sem que dúvidas se coloquem, o véu da incerteza que porventura pudesse existir.

Efectivamente, assume aqui determinante valor a prova pericial realizada, constante de fls. 675 e seguintes dos autos, explicitada conveniente em audiência de julgamento pela DD que a realizou (Dra. JJJ), de forma absolutamente conclusiva no sentido de que as marcas encontradas nas botas do arguido são efectivamente de sangue da vítima e só poderiam ter sido produzidas no momento da morte e nunca na manha seguinte. Aliás, no mesmo sentido, também o parecer supra referido exclui, em absoluto, a possibilidade de o pisar de sangue, da forma como o mesmo se apresentava na manhã seguinte (e, portanto, passadas bastantes horas) pudesse gerar gotas e salpicos como os que são descritos naquele relatório pericial (cfr. fls. 3377 dos autos), o que aliás havia já sido também afirmado em audiência pelos Peritos que realizaram a autópsia, Dr. KKK e Dr. LLL. Ainda, os restantes vestígios analisados, sendo de realçar o papel higiénico encontrado no caixote do lixo da secretária do arguido, em relação ao qual se conclui, conforme mesmo relatório, que as manchas ténues nele encontradas podem corresponder no seu conjunto à vítima e ao arguido (veja-se que este, nas suas declarações, referiu que limpou as botas na casa de banho do 3º andar, sendo que o papel higiénico em causa foi encontrado não aí – como seria normal e natural -- e sim, noutros termos, precisamente na sua secretária, dado este que, conjuntamente com os demais referidos, aponta também para o arguido). Tal vale, ainda, para tudo o mais que foi objecto de análise no mencionado relatório, tendo presentes, ainda, os esclarecimentos prestados em audiência pela Sra. DD, inclusivamente no que se refere à forma como foram recolhidos os vestígios de sangue das botas para posterior análise, o quê, de onde e de qual delas (ordenando-se junção de fotografia que, em conjunto com os seus esclarecimentos, afastou a dúvida antes existente sobre em qual das botas se encontrava uma mancha específica – no relatório, e bem, é descrita como estando na bota direita e na fotografia de fls. 170 dos autos legenda-se erradamente como tratando-se da bota esquerda, sendo que esta conclusão é inequívoca pelo mero confronto das fotografias).

Ou seja, face ao teor do relatório elaborado e esclarecimentos que sobre ele foram prestados em audiência, conjugados com o parecer elaborado a que se fez referência, dúvidas não existem de que o arguido estava efectivamente presente no local e momento em que ocorreram os factos de que resultou a morte do engenheiro RR, pois que, como se viu, para além de tudo o mais que aponta claramente no mesmo sentido, só assim se podem justificar aquelas específicas (concretas) “marcas” de sangue que foram encontradas nas suas botas (que ele sem dúvida usou naquela noite, tal como o disse nas suas declarações). Aliás, ele próprio refere ter limpo as botas naquele mesmo dia (3 de Março), precisamente para limpar as manchas de sangue que as mesmas apresentavam por cima – depoimento anterior, lido em audiência, porque diverso do que agora disse –, como, mais tarde, passados alguns dias, acabou por as engraxar (ainda aqui também com nova versão), de outra cor, acto este manifestamente incompreensível, em termos de normalidade, para quem nada tem a esconder, até porque tinha sido chamado à atenção, precisamente no dia 3, para o facto de os rastos marcados no chão poderem ter sido feitos por elas (noutros termos, este acto é mais compatível com uma preocupação de “esconder” provas -- repare-se que o arguido não podia no caso “livrar-se” das botas precisamente porque tinha sido confrontado pelo Comissário da PSP para o facto de os rastos das mesmas poderem ter produzido as marcas verificadas naquele momento no pavimento).

Veja-se que estamos a falar, precisamente, das botas da única pessoa que se sabe ter estado (como ele próprio reconheceu em audiência) no local onde, como se viu, ocorreu a morte do engenheiro, e, necessariamente, no período temporal em que essa ocorreu (se não, não existiriam tais marcas…), sem que se apercebesse de nada (como disse…). Ou seja, toda a prova afasta, inequivocamente, a possibilidade de não estar presente o arguido no momento da morte e, portanto, face à natureza e local onde ficaram os aludidos vestígios de sangue, que só podia ter sido ele o autor dos actos que provocaram as lesões de onde resultou a morte da vítima.

Tenha-se, ainda, presente que, no que se refere à porta do prédio, estava a mesma fechada na manhã seguinte – depoimentos de KK e de LL – pelo que, face à hora em que foram ouvidos os ruídos pela testemunha CC, porque o arguido daí disse ter saído pelas 23.00 horas -- hora compatível com aquelas declarações ao localizar os ruídos em causa pelas 11.00/11.30 horas --, só alguém que tivesse a chave do prédio poderia ter fechado a porta deste (aliás, no que se refere às chaves existentes do 2º andar, apenas se pode dizer que o engenheiro as tinha, bem como a secretária e a senhora da limpeza, não se sabendo, até porque o próprio arguido chegou a pedir pelo menos a chave da rua a esta última – sua tia -, entregando-a depois, e a do 2º andar à secretária, NN deixando-a depois no quadro da luz, razão por que, na verdade, se não sabe se foram efectuadas cópias, não podendo, pois, dar-se como provado que só aquelas três pessoas as tivessem).

Como, diga-se, caem pela base, por falta de fundamento bastante, as tentativas de explicação que tentou dar para o aparecimento dessas manchas de sangue como sendo produzidas na manhã do dia seguinte.

Aliás, e desde logo, mesmo aqui as declarações do arguido acabam, em bom rigor, por não colher os resultados que pretende, quando confrontadas com os depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas que estavam presentes nessa manhã no local. De facto, o arguido diz ter ido para o escritório, encontrando-se no 3º andar quando ouviu a secretária (NN) a gritar “Carlos, Carlos, venha cá em baixo que o engenheiro está estendido no chão”, tendo ele, no seguimento, ido ao 2º andar, onde viu o corpo do engenheiro estendido no chão (começou por dizer que não se apercebeu do sangue - !), altura em que só lhe mexeu no casaco, abanando-o, e voltou logo para trás (ou seja, que não entrou nesse momento no interior do gabinete onde se encontrava o corpo), regressando ao 3º andar, onde ainda se mantinham apesar de estarem já a sair, na zona do hall, a referida NN, bem como as restantes pessoas que aí se encontravam antes (assim as testemunhas LL e KK), vindo depois todos ao escritório, ele arguido à frente, onde entrou, contornando a secretária, não tendo visto nada de anormal (só papeis no chão). De facto, KK referiu ter ficado com a impressão de que desceram todos ao mesmo tempo, admitindo no entanto depois a possibilidade – “sensação” – de que alguém poderia ter descido antes, LL refere ter a imagem gravada de que o arguido desceu conjuntamente com os restantes, até porque é quase impossível que tenha tido tempo para ir lá em baixo e voltar, dizendo ainda que o arguido não entrou no local onde estava o corpo, NN, manteve em audiência que desceram todos juntos, apesar de esta posição contrariar depoimento antes feito que explicou pelo facto de na altura estar com problemas pessoais, e OO – que aí se encontrava, no 3º andar, com um tio – referiu terem descido todos juntos, o arguido à frente (também MMM– depoimento lido, de fls. 194 e sgts., por óbito daquele e não oposição os intervenientes processuais --, refere terem descido todos imediatamente, depois de a testemunha NN ter dito “o engenheiro está morto”, dizendo ainda que ninguém esteve junto do corpo).

Seja como for, ainda que dos mencionados depoimentos, isoladamente considerados, não pudesse retirar-se conclusão segura no sentido de que o arguido não esteve, como disse nas suas declarações, em local onde pudesse ter pisado mancha ou manchas de sangue na manhã do dia 3, a verdade é que, face à restante prova produzida, dificilmente se concebe que o seu calçado pudesse provocar depois todas as marcas que foram encontradas no pavimento, no local, tanto mais que as suas próprias declarações e reconstituição feita – fls. 648 e seguintes dos autos -- são de molde a apontar que, a ter pisado manchas de sangue, fossem as que já estavam coaguladas (e portanto que não permitiam que as botas deixassem marcas) – veja-se depoimento do Comissário da PSP, presente no local. E, diga-se, importa ainda ter presente que, como se referiu supra, a probabilidade de tal ocorrer (como se refere no parecer elaborado) é no caso claramente remota, pois que a mancha visível junto à cabeça da vítima que mostra sangue em estado “líquido” (a qual, diga-se, não mostrava sinais de ter sido pisada, face ao depoimento do Comissário da PSP) evidencia já naquele (sangue) sinais de “centrifugação”, pelo que, se “in extremis” (ao ser pisada) se pode admitir que possa deixar marcas no solo, a verdade é que deveriam deixar também impresso o rasto do calçado na mancha, o que se não verifica com as visíveis nas fotografias juntas aos autos (veja-se o mesmo parecer).

Como, ainda, também não colhe sustentação em termos de prova produzida a alegação do arguido de que teria estado a arranjar uma torneira na altura em que esteve no gabinete entre as 19.00 e as 20.00 horas, a qual esguichou água (quando ele foi lavar as mãos) e lhe molhou a camisa, referindo ele ter-lhe dado duas marteladas que resolveu o problema. De facto, nenhuma das testemunhas que trabalhavam no local mencionou que a torneira tivesse tal problema (só pingava, por vezes) e o exame de fls. 218 (fotografia a fls. 219) conclui que a mesma “não tem sinais, nem interiores nem exteriores, de ter sido mexida” e “… não é provável que a torneira deixe de deitar água dando-lhe marteladas…” (a sua esposa, testemunha TT, referiu, também, que quando o mesmo chegou a casa, antes do jantar, não o viu molhado, e na reconstituição feita, conforme fls. 650 dos autos, o arguido coloca o martelo na horizontal, como dando as pancadas de lado, o que é a todos os títulos de considerar absolutamente inadequado para arranjar uma torneira que esguichasse por cima, como ele diz…).

Porém, no limite, ainda que quaisquer dúvidas se pudessem colocar nestes pontos particulares, o certo é que, como se viu, essas acabam necessariamente por ser afastadas face à conclusão, inequívoca, de que as manchas e salpicos encontradas nas botas do arguido só podiam ter sido provocados no momento da morte e esta, como se viu, ocorreu, sem que dúvidas se coloquem, muitas horas antes das dez horas do dia três de Março (diga-se, também, que, se por mera hipótese académica se pudesse admitir que fosse qualquer outra a hora da morte, ainda assim sempre aí se encontraria presente o arguido…).

Ou seja, também aqui a prova continua a ser, pelas razões referidas, de molde a chegar-se à conclusão de que foi inequivocamente o arguido a praticar os actos de onde resultaram as lesões apresentadas pela vítima.

E, porque assim é, da conjugação de toda a prova facilmente se conclui no sentido de que a morte do engenheiro RR ocorreu efectivamente na noite do dia 2 de Março, entre as 21.30 e cerca das 23.00 horas (já que o arguido estava como se viu presente aquando da morte e, depois dessa hora, sabemos que se deslocou ao restaurante e aí bebeu a “cavilha” – não estando pois no escritório --, apresentando mesmo sinais de suor), sendo que esta conclusão se adequa às próprias declarações da mencionada testemunha que ouviu os “barulhos” (“… pelas 23.00/23.30 horas…”).

Assim, toda a prova produzida em audiência acaba, afinal, por estar em consonância, ajustando-se plenamente à afirmação de que foi o arguido quem praticou os factos, provocando as lesões de onde resultou a morte da vítima.

De resto, mesmo o comportamento posterior do arguido se adequa a essa prática, designadamente ao voltar ao local na noite do dia três sem motivo efectivo bastante (aí foi cerca da meia noite -- ! --, dizendo ao agente da PSP que se encontrava próximo do local – encarregue de fazer a ronda naquela zona -, testemunha NNN, que aí trabalhava e que o aquecimento a gás estaria ligado, pedindo autorização para subir ao local, o que foi aceite por aquele, tendo-se dirigido ambos ao 3º andar, o arguido à frente, tendo este colocado a mão por trás do aquecedor, após o que disse que estava desligado, olhou para todo o lado e saíram depois ambos) e ao engraxar, como o fez, as suas botas quando sabia (como se viu já) que efectivamente estas tinham sido objecto de referência expressa por parte, designadamente, do Comissário da PSP no dia 3 de Março. De facto estes seus comportamentos são, neste quadro, apenas compreensíveis como tentativa de ocultar provas dos factos que cometera (sendo que, na verdade, mesmo as incongruências de acção a este nível obtêm directamente resposta ao nível da sua personalidade, face ao relatório de perícia elaborado -- «revela capacidade analítica quando aborda um problema, embora a sua precisão seja prejudicada pela ansiedade excessiva. A acção desorganizada e ineficaz consequente é potenciada pela inexistência de um estilo definido de resolução de problemas, podendo agir mediante uma reflexão prévia ou dar respostas precipitadas. Tem uma tendência marcante para, perante situações emocionais existentes, deixar-se influenciar pelas emoções»).

Aliás, ao confrontarmos a roupa apreendida na casa do arguido (auto de fls. 199 dos autos), cujo exame consta de fls. 213 e fotografias de fls. 214 a 216 dos autos, verifica-se que as calças não são, sequer, as mesmas que ele diz ter vestido na noite do dia 2 de Março após as 20.00 horas, as quais teriam cor preta (nesta parte confirmado também pela sua esposa no seu depoimento, por análise das fotografias referidas), pelo que, ainda que essa declaração correspondesse à verdade, estas calças não foram apreendidas nem entregues (apesar de a esposa do arguido ter dito, nas suas declarações, que lhe foi solicitada pela Judiciária a roupa que aquele vestia antes e depois do banho). Ou seja, legítimo será perguntar qual o destino que o arguido deu a tais alegadas calças de “ganga preta”, pois que não foram, como se viu, apreendidas ou sequer entregues (nesta parte apesar de solicitado). Daqui se conclui que, nesta ou em fase anterior, porque algum tempo passou depois da prática dos factos, fica-se sem saber (nem tal é possível neste momento, por razões óbvias) qual a roupa que efectivamente foi usada pelo arguido na noite em que praticou os factos, pois que teve ele tempo bastante para dela se “livrar” ou de fazer desaparecer vestígios comprometedores (e, diga-se, qualquer argumentação contrária que se funde na mera circunstância de não se ter ele “livrado” também das suas botas – como sendo “normal” que o fizesse se fosse essa a sua intenção --, acaba no caso por colidir com o facto demonstrado de na manhã seguinte ter sido visto com elas e ter sido chamado à atenção para o facto de poderem ter sido elas a produzir os rastos, o que lhe retirou necessariamente “liberdade” de movimentos nesse domínio – veja-se que, apesar disso, acabou por engraxá-las de outra cor, o que traduz, como se referiu já, acto compatível com a intenção de se “livrar”, na medida do possível”, de provas que o pudessem incriminar). Aliás, OOO, proprietário do restaurante onde o arguido jantou, até às 21.00 horas, e onde voltou mais tarde e bebeu a “cavilha”, pelas 11.00/11.05, referiu que o casaco que este usava neste momento era diferente da que usava ao jantar, o que se adequa à referida possibilidade.

Foi essa mesma intenção de ocultar a sua actuação que o levou, também, a revolver os papeis existentes dentro de diversas gavetas e em cima da secretária, abrir a segunda gaveta do lado esquerdo da secretária, espalhando o seu conteúdo para o chão, e abrir também a 1ª gaveta de tal secretária, a contar de cima, com a mão esquerda, por forma a criar a convicção de que tudo se tinha tratado de uma tentativa de roubo por terceiro. Tal como, com o mesmo intuito, a pegar, ainda, na carteira da vítima, nos seus documentos pessoais e no livro de recibos e dar-lhes destino não concretamente determinado, sendo que os mesmos não mais foram encontrados.

Desta forma, estando o arguido necessariamente no local e momento em que ocorreu a morte, porque o mesmo em momento algum referiu estar presente e ter assistido aos actos (como praticados por outro, por exemplo), o seu depoimento fica esvaziado de qualquer sustento probatório para dar qualquer tipo de credibilidade às explicações que tentou dar em audiência, quer para justificar o facto de estar naquele local àquela hora, quer para o sangue que estava nas suas botas, quer para a razão por que as engraxou, etc.

E, face às lesões que apresenta a vítima, facilmente se conclui, sem que dúvida séria exista, pelo uso do fio, como se concluiu (já não para o utilizar das suas mãos para asfixiar a vítima, por se não saber se tal ocorreu ou não – a única pessoa que ao que se sabe estava presente – o arguido – não o disse, até porque negou os factos) ou se segurava ou não o engenheiro RR com uma das mãos e com aquele fio quando desferiu as pancadas com o objecto – de natureza contundente ou actuando como tal, mas que não foi possível identificar com segurança, apesar do martelo apreendido poder, aqui, efectivamente, ter sido o utilizado – no corpo do engenheiro, resultando esta prova das pancadas da natureza das lesões referenciadas no relatório de autópsia (ainda esclarecimentos dos peritos). Como, ainda, a prova de que ocorreu um desentendimento, por ser este, afinal, pressuposto dos actos já que de premeditação se não pode falar, por falta de prova (tal como de exaltação, pois que nenhuma prova sustenta esta – designadamente as vozes e barulhos ouvidos não o confirmam, designadamente por se não terem ouvido quaisquer vozes compatíveis com essa exaltação – por exemplo gritar, ou pelo menos falar alto).

Chegados a este ponto, vejamos agora qual ou quais os elementos de prova que permitiram, ao Tribunal, apurar dos restantes factos.

Em primeiro lugar, da conjugação de toda a prova e designadamente das declarações do arguido, das pessoas que trabalhavam no Gabinete e de outras que privavam com o engenheiro RR, foi possível apurar a forma como decorria o serviço no Gabinete, papel desempenhado por esse, pelo arguido e, ainda, pelas restantes pessoas que aí desenvolviam também a sua actividade.

Já no que se refere aos valores em dinheiro recebidos pelo arguido como contrapartida dessa actividade, apesar de toda essa prova, apenas se conseguiu apurar, com certeza, que recebia ele Esc. 70.000$00 mensais fixos. Noutros termos, quanto às comissões que recebia (várias testemunhas fazem referência à existência destas, pelo que se pôde concluir que tal se verificava, dando-se como provado), não se pode dizer, com um mínimo de segurança, qual o seu valor ou percentagem efectiva, sendo que a declaração do arguido (de que seria da ordem dos 30 %) apenas é confirmada por si (quem o referiu foi porque o ouviu da sua boca e não que tivesse qualquer tipo de conhecimento concreto e objectivo). Veja-se que, tal como foi expressamente mencionado por várias pessoas (entre as quais o arguido), o engenheiro fazia contas isoladamente com os colaboradores, “fechando-se” no seu escritório, sendo pessoa que não comentava com ninguém tais aspectos. Como, ainda, as contas bancárias do arguido não permitem, com qualquer certeza, saber o que era de facto recebido a esse título, sendo (muito menos neste momento) impossível apurar montantes. Porém, seja como for, facilmente se conclui, pela mera análise das contas bancárias do arguido (elementos juntos aos autos), que tais comissões eram, nos últimos tempos, de valor reduzido.

Neste quadro, agora por apelo à situação financeira em que se encontrava o arguido e a sua família, a prova evidencia claramente que tinham encargos financeiros consideráveis (resultam, para além da prova documental existente nos autos, das suas próprias declarações), sem que tivessem meios de rendimento bastantes que lhes permitissem suportá-los com facilidade, o que se agravou nos últimos tempos, chegando ao ponto de a conta bancária ter apresentado um saldo negativo precisamente nos dias 1 e 2 de Março, apesar de ter recorrido a vários empréstimos (também aqui, a referida documentação existente nos autos, bem como aliás as declarações prestadas pelo arguido – para além de algumas referências de testemunhas – tal demonstram claramente). Dessa prova resulta que, na verdade, pagava: 63.000$00 mensais ao Montepio, por empréstimo contraído em Dezembro de 1998; 54.606$00 mensais ao BCPP, por empréstimo contraído em Julho de 1996; 88.600$00 mensais ao BCPP, por empréstimo contraído em Janeiro de 1995; 11.000$00 mensais à CCAM, por empréstimo contraído por contrato nº 59003734383; 70.000$00 mensais à CCAM, por empréstimo contraído por contrato nº 59003740585; 73.085$00 mensais ao BES, por empréstimo contraído em Março de 1998; 60.051$00 mensais à EFISACAR, por crédito automóvel; 80.000$00 mensais de renda da loja no Centro Comercial; 13.000$00 mensais de condomínio de tal loja; 10.000$00 mensais dos arrumos da loja; ainda, os encargos mensais de 3 livranças no valor de 1.200.000$00, 400.000$00 e 560.000$00, a pagar, respectivamente, junto do FINIBANCO, CCAM e BES, bem como as despesas correntes com roupa, alimentação, gasolina e escola dos filhos do arguido (sobre os 11.000$00 mensais à CCAM, por empréstimo contraído por contrato nº .........., face ao seu depoimento, confirmado pelo seu cunhado, testemunha PPP, o tribunal obteve prova bastante para considerar, como considerou, que este dava tal valor ao arguido). Veja-se que, como aliás foi referido pelo próprio arguido, o engenheiro chegou a ser seu fiador (tendo ainda sido dito que lhe chegou a adiantar dinheiro - testemunha LL referiu que o engenheiro disse várias vezes que teve de adiantar dinheiro ao arguido).

Assim, com relativa facilidade se conclui que a situação financeira do arguido (e da sua família) era claramente deficitária, ao ponto de o mesmo, nos últimos tempos, não ter sequer dinheiro para carregar o seu telemóvel, que estava sem saldo há cerca de uma semana (o que foi confirmado por ele próprio, nas suas declarações, dizendo que sabia que não tinha dinheiro para efectuar o carregamento em qualquer das contas, e resulta da documentação bancária junta aos autos). E, aqui, também com a mesma facilidade se chega à conclusão de que, mesmo o estabelecimento comercial de sapataria que era explorado por sua mulher, tinha um rendimento positivo pouco ou nada significativo, bastando para tanto ter em conta, para além das referências nesse sentido por algumas testemunhas, as próprias declarações da sua mulher – que contrariam, nesta parte – como noutras, aliás--, o que o arguido disse (ao apontar este um lucro da ordem dos quinhentos contos), dizendo aquela que, depois de pagos todos os encargos, ficava com um apuro mensal (lucro) médio de noventa contos (aliás, a existirem os lucros mencionados pelo arguido, estes eram contraditórios com os saldos precários apresentados pelas suas contas bancárias, que chegaram a um ponto negativo, para além de que mal se compreenderia que se “vendesse” depois esse estabelecimento por cerca de 8.000 contos, pois que este valor representava, a ser verdade o rendimento apontado pelo arguido, apenas, pouco mais do que o lucro que aquele dava num ano – de 6.000 contos).

Por sua vez, o que aliás resulta dos próprios apontamentos pessoais efectuados pelo engenheiro, referentes aos valores recebidos, bem como as contas bancárias deste – blocos de apontamentos e cadernetas, constantes do apenso nº 4 --, confirmados pelos seus próprios desabafos perante amigos (MM, amigo de longa data, referiu os desabafos daquele, dizendo que o gabinete não ganhava para as despesas e várias vezes que o “Carlos” – arguido – recebia dinheiro e não lhe prestava contas, no que, ao confrontar este com estes últimos desabafos, o mesmo lhe retorquiu que aquele estava enganado, dizendo: “eu fiz contas com ele”; “ele é doido, eu fiz contas com ele”; ainda, que o engenheiro se queixava de que às vezes nem sequer conhecia os clientes, razão por que às vezes “ia atrás para os conhecer”; ou, ainda, queixas de que o “Carlos chegava tarde” – estas confirmadas, ainda, pela testemunha NN, a secretária do gabinete, ouvindo o engenheiro dizer que “o despedia…, que era melhor que ele fosse embora para a China”--, bem como que “aquilo andava mal…, o Carlos o melhor que podia fazer era arranjar outro emprego”; também LL ouviu da boca do engenheiro comentários de que “era bom que o Carlos arranjasse um emprego de futuro”), também se conclui, com facilidade, que o gabinete atravessava um período em que o trabalho desenvolvido e os rendimentos obtidos eram reduzidos, o que leva a compreender que, mesmo para o próprio arguido, os rendimentos derivados de eventuais comissões fossem nesta altura necessariamente muito reduzidos, levando mesmo a aceitar que pudesse existir algum desinteresse da sua parte (chegar tarde e mesmo faltar várias vezes, como foi referido por LL que aí trabalhava), e, certamente, ao clima de desconfiança e ao relacionamento acaba por culminar com o desentendimento e posteriores actos ocorridos na noite do dia 2 de Março).

No entanto, apesar desta situação de menor rentabilidade do gabinete, prova inequívoca foi feita de que o engenheiro era uma pessoa de boas contas, não falhando perante os seus colaboradores – entre os quais o arguido -- com os pagamentos que lhes eram devidos, o que fazia imediatamente após receber os valores referentes aos projectos (assim, o próprio arguido o referiu em audiência – aqui contrariando o que havia dito em anteriores declarações--, bem como, designadamente, LL – “era muito recto nos pagamentos…, mal recebia uma factura queria logo acertar contas, no próprio dia ou no dia seguinte”-- e NN – “pagava pouco mas era pontual”).

Ou seja, daqui resulta que o engenheiro RR, ainda que se pudesse considerar que era uma pessoa que não pagava muito (o arguido utilizou mesmo o termo “mesquinha”, mas referiu na audiência que o engenheiro fazia as contas no final do mês), o certo é que, quando recebia valores, fazia imediatamente as contas, o que contraria, frontalmente, a versão dada pelo arguido para o alegado acerto de contas que teria feito com o engenheiro no dia 1 de Março, à tarde, com emissão por aquele do cheque de 1.500.000$00 a seu favor (do arguido). De facto, não colhe qualquer prova esta anormalidade de comportamento por parte do engenheiro, ao ter deixado por fazer as contas referentes a quatro projectos, muito mais quando estes eram já dos anos anteriores (97/98) e representavam, como diz o arguido, valores da ordem dos 5.000.000$00. Como diga-se, contrariamente ao que o arguido quis fazer crer ao dizer que interpelou o engenheiro nesse dia, dizendo-lhe que como aquele havia já recebido tinham de fazer contas (ao que aquele acedeu, tendo sido efectuadas tais contas, com o acerto destas e saldo a favor do arguido que justificaria a emissão do cheque supra referido, que aquele preencheu na sua totalidade na sua frente), quando, pela mera análise dos documentos juntos aos autos, referentes aos pagamentos efectivamente realizados pela Câmara Municipal pelos ditos dois projectos – os de maior valor --, se verifica que nem sequer esta entidade tinha efectuado todos os referidos pagamentos, pois que apenas tinha pago, em 18/03/97 Esc. 572.715$00 (docs. de fls. 781 a e 782) e em 21/07/98 Esc. 1.162.781$00 (docs. de fls. 785 a 787), o que se traduz num total de Esc. 1.735.496$00 (com o IVA incluído), muito diferente dos alegados Esc. 5.000.000$00 que o arguido chegou a referir. Aliás, dizendo ele que confrontou o engenheiro com o facto de já ter recebido tais valores, daí faz derivar a própria justificação para o valor titulado pelo cheque, quando, como resulta dos autos, essa circunstância não corresponde sequer à verdade, pois que a própria Câmara Municipal ainda tinha para pagar, no momento em que ocorreu a morte do engenheiro, uma factura no valor de Esc. 1.083.880$00 (IVA incluído) (cfr. fls. 806 e 807 dos autos).

Aqui chegados, importa agora verificar quem preencheu, efectivamente, o cheque mencionado.

Ora, neste domínio, se é certo que o relatório pericial realizado ao mencionado cheque não conclui no sentido de poder ser imputada ao arguido a autoria das escritas naquele apostas, a verdade é que o mesmo evidencia, claramente, o facto de a análise comparativa ter sido “dificultada por as escritas suspeitas revelarem falta de espontaneidade, irregularidades e traços lentos e inseguros, o que indicia a sua obtenção, eventualmente, por imitação”. Como, no que se refere ao engenheiro RR, aí se refere expressamente que a escrita da assinatura suspeita aposta no cheque e a dos autógrafos daquele se assemelham “quanto às características de aspecto geral, na orientação e no alinhamento da base da escrita” e divergem “na pressão e por a assinatura suspeita apresentar um traçado lento, irregular e inseguro” e, ainda, que são semelhantes no grau de ligação e na dimensão e diferem na orientação e por a suspeita mostrar um traço menos firme (cfr. relatório referenciado, a fls. 636 e sgts. dos autos;).

Se assim é, porque o arguido diz expressamente que tal cheque foi preenchido na sua frente e na totalidade pelo engenheiro, no momento do alegado acerto de contas entre ambos, fica por explicar a razão por que o mesmo apresenta, ao nível da assinatura e restantes dizeres, diferente “pressão”, “um traçado lento, irregular e inseguro” e, ainda, diferente “orientação”. Ou seja, em termos de normalidade, por apelo às próprias regras da experiência comum, não se compreende que, sem que exista razão para o efeito (aqui não se refere, pois que o arguido não diz que o engenheiro estava por exemplo debilitado fisicamente, para tal lentidão e irregularidade ou insegurança do traço), o engenheiro tivesse contrariado, no cheque, a firmeza, regularidade e segurança do traço que lhe eram característicos (como o são ao comum das pessoas, em termos de normalidade), ao assiná-lo e escrever os restantes dizeres (para não se falar, porque absolutamente sem sentido, que pudesse ter imitado a sua assinatura).

Veja-se que aqui, face às próprias declarações do arguido em audiência, está em causa apenas e só o saber se o cheque foi assinado e preenchido pelo engenheiro ou por ele próprio, pois que está absolutamente afastada a possibilidade de uma terceira pessoa.

E, como se sabe, as regras da experiência comum apontam claramente no sentido de que a pessoa que apõe a sua assinatura num cheque não o faz, a não ser por debilidade que o justifique (aqui absolutamente afastada), com “um traçado lento, irregular e inseguro”, mas, pelo contrário, o traçado é necessariamente espontâneo, denotando firmeza, regularidade e segurança (designadamente, ainda que ocorram diferenças ao nível da forma estas não afectam a firmeza e segurança do traço) (veja-se que esta conclusão é manifesta no caso do engenheiro RR, pela simples análise das suas assinaturas, que denotam firmeza e segurança no traço, ao contrário da que consta do cheque, com traço claramente inseguro e hesitante).

Se acrescentarmos agora, a essas regras, a circunstância de em relação ao arguido (a única outra possibilidade) existirem demonstradas semelhanças no espaçamento entre palavras e no alinhamento da base, divergindo no entanto na orientação e na firmeza do traço (novamente a segurança do traço, supra evidenciada), facilmente se pode colocar o arguido na posição de quem imitou a letra e assinatura da vítima no mencionado cheque (sendo que, na manhã seguinte, em cima de um estirador de um dos colaboradores do Gabinete, no 3º andar, aí foram encontrados vários papeis, entre os quais um cheque do vencimento do arguido referente ao mês de Janeiro desse ano, o que se adequa a tal comportamento do arguido).

Ou seja, face à prova produzida, apenas o arguido poderia ter aposto, por imitação, a “assinatura” e restantes dizeres constantes do cheque (já que o engenheiro, como se viu, não o podia ter feito e está excluída outra possibilidade), sendo que, como resulta da documentação bancária existente nos autos e das próprias declarações do arguido, o valor referido naquele cheque, de Esc. 1.500.000$00, deu efectivamente entrada na sua conta bancária, por acção do Banco (que teve o cheque como bom, dando-lhe pagamento, retirando assim o valor da conta do engenheiro e creditando-o na conta do arguido), e foi por ele (arguido) utilizado depois.

Por último, juntando ainda, ao que foi referido, o facto de não encontrarem qualquer base factual efectiva as declarações do arguido ao pretender demonstrar que ocorreu a tal “prestação de contas” (pois que os valores recebidos pelo engenheiro RR dos mencionados projectos o foram muito antes daquela data, sendo apenas pagamentos parciais e totalizam um valor claramente inferior ao que o arguido refere como fundamento para esse acerto de contas – repare-se também que, face ao relatório de fls. 824 e seguintes dos autos, se indica como valor mínimo para os seus serviços nesses dois projectos, o montante de Esc. 111.243$00 mês, necessitando ele de 30 dias úteis para efectuar aqueles), bem como o facto demonstrado de ter, como se viu, morto o engenheiro RR, precisamente na noite do dia em que tal cheque foi “depositado” na sua conta (ainda aqui com a estranheza, resultante das declarações do arguido, de o ter mantido na sua posse desde o dia 1 até ao dia 2, quando a suas contas estavam nos termos já referidos, mesmo com saldo negativo), aqui se encontra, afinal, também o arguido, como o único que tinha o motivo (situação financeira precária, com a conta a “descoberto”), os meios (acesso facilitado ao local onde estariam os cheques, bem como documentos com a letra e a assinatura do engenheiro e facilidade demonstrada em imitar a assinatura deste – o que já havia feito por várias vezes nos projectos) e o interesse directo (resolver a situação difícil por que passava a sua família, sem dinheiro bastante para satisfazer os encargos financeiros) em falsificar o cheque, acabando esta falsificação, afinal, por ser compatível, necessariamente, até porque actual das agressões (o cheque havia sido entregue no Banco naquele mesmo dia, ainda não estando sequer creditado na conta do arguido), de uma intenção, por parte do arguido, de que essa não fosse descoberta, resultado que conseguia com o acto de tirar a vida ao engenheiro (levando a perceber, aqui, a motivação do arguido em não ser descoberta a falsificação que havia feito, até porque se tal ocorresse não resolvia, como pretendia, a sua situação financeira deficitária, sem dinheiro e com a conta a descoberto) – veja-se que, mesmo depois, o mesmo, num dos dias seguintes, disse ao irmão da vítima para não cancelar as contas porque tinha um cheque emitido pelo engenheiro, conversa essa presenciada pela testemunha MM. Ou seja, esta falsificação e a necessidade de que não fosse descoberta aparece, aqui, como um motivo efectivo para se compreender a razão por que, no culminar do desentendimento havido na noite do dia 2 de Março, o arguido ter praticado as agressões de que resultaram as lesões responsáveis pela morte do engenheiro RR (estamos a falar de motivações e, portanto, porque o arguido as não confessou, só por recurso à restante prova, por apelo a critérios de objectividade e de normalidade, se podem encontrar).

No que se refere, agora, à situação pessoal e de vida do arguido e sua família teve-se presente, para além das suas próprias declarações, os depoimentos das testemunhas que sobre esses factos se pronunciaram, por conhecerem o arguido, permitindo dar como provados tais factos da forma como se descreveram.

Do relatório de perícia sobre a personalidade, junto a fls. 753 e seguintes dos autos, resultaram as conclusões, que se fizeram constar, aliás compatíveis com o quadro traçado na audiência (« arguido tem um nível de aspirações elevado que conflitua com o desejo, simultâneo, de não depender de terceiros. Revela interesse por terceiros mas percepciona-se, frequentemente, como incompreendido/maltratado pelos outros. Revela capacidade analítica quando aborda um problema, embora a sua precisão seja prejudicada pela ansiedade excessiva. A acção desorganizada e ineficaz consequente é potenciada pela inexistência de um estilo definido de resolução de problemas, podendo agir mediante uma reflexão prévia ou dar respostas precipitadas. Tem uma tendência marcante para, perante situações emocionais existentes, deixar-se influenciar pelas emoções»).

Sobre os antecedentes criminais do arguido, resulta a sua ausência na data da prática dos factos do certificado junto (bem como a condenação posterior).

Para além dos elementos de prova já expressamente mencionados, teve ainda o Tribunal em conta, em conjugação com aqueles, ainda:

- A documentação junta aos autos, especialmente de fls. 6 (“croquis” do local), 9 a 23 (fotografias do local, tiradas no dia seguinte), 62 (cópia de documento – original no processo), 63 e 64 (fotografias do local onde foi encontrada uma mancha de sangue na parede do 2º para o 3º andar, da sanita da casa de banho do 2º andar, vários panos e martelo), 84 a 95 (elementos bancários), 102 a 104 (descrição dos documentos constantes do apenso 1), 110 (itinerário normalmente utilizado pela vítima), 113 a 119 (fotografias da autópsia da vítima), 157 (pano “amarelo” encontrado nos arrumos), 168 a 170 (fotografias das botas do arguido), 182 a 188 (elementos bancários referentes ao arguido), 199 (auto de busca para apreensão, na residência do arguido, com apreensão de três peças de roupa do arguido – calças de ganga azul, camisa amarela aos quadrados e um pólo de cor preta), 206 (fotografia), 221 a 232 (elementos bancários do arguido – Montepio Geral), 246 a 253 (elementos bancários do arguido – Finibanco), 263 a 265 (elementos bancários), 277 a 281 (elementos referentes às chamadas realizadas do telemóvel nº ............, do arguido), 284 a 307 (elementos referentes às chamadas realizadas dos nºs de telefone ........, ........, ......... e .........., os dois primeiros da residência e do gabinete do engenheiro e os dois últimos, respectivamente, da residência do arguido e da loja no centro comercial), 309 a 313 (elementos bancários, três deles da conta à ordem do arguido, com o nº ............/..., no Banco Crédito Predial Português, e dois deles de empréstimos efectuados ao arguido), 329 a 330 (factura detalhada do nº de telefone ..........., do irmão da vítima), 339 a 342 (elementos bancários), 354 (cópia de cheque no valor de 200.000$00), 358 (informação bancária, referente ao arguido), 374 a 376 (elementos bancários da testemunha QQQ, referentes a valores que entregou – segundo o seu depoimento ao arguido - para pagamento de projecto), 391 (informação bancária referente à não utilização do cartão Multibanco do arguido do Finibanco no período compreendido entre as 21.00 horas do dia 2 e as 3.00 horas do dia 3 de Março), 395 e 396 (elementos bancários referentes a empréstimos do arguido, na Caixa de Crédito Agrícola), 397 (informação da Optimus de que o telemóvel do arguido – nº .............. -, no período compreendido entre 24/02/99 a 5/03/99 apenas efectuou chamadas para o Voice Mail – caixa de mensagens) 398 a 401 (elementos bancários referentes à conta da vítima na Caixa Geral de Depósitos, de onde foi retirado o valor titulado pelo cheque de 1.500.000$00), 406 a 442 (elementos bancários referentes ao arguido), 446 (cópia de cheque, no valor de 180.000$00, utilizado para pagamento e valor de projecto por RRR), 451 a 454 (cópias de cheques), 503 a 504 (certidões de nascimento dos filhos do arguido), 662 a 666 (elementos de declarações fiscais), 696 (cheques de 1.500.000$00 e de 8.500$00), 797 a 709 (cheques em branco e escrito da conta corrente em branco), 710 a 728 (elementos fiscais, apontamentos de nomes e quantias, elementos bancários, papel encontrado – “Carlos telefone-me” “dê-me notícias” – e cartão), 770 a 771 (localização das marcas do fio na vítima) 775 (certificado do registo criminal do arguido, de 12/04/2000, sem antecedentes), 780 a 790 (cópias de facturas, recibos e projecto de ampliação do mercado municipal de Pombal), 791 a 800 (elementos fiscais), bem como os documentos constantes dos apensos nºs I e IV).

- Exames de fls. 96 (telemóvel, martelo, papeis e panos), 141 a 146 (informação pericial sobre identificação de vestígio digital recolhido), 213 a 216 (exame de roupas apreendidas e fotografias), 218 e 219 (exame à torneira e fotografia da mesma), 380 a 386 (informação pericial referente a vestígios lofoscópicos recolhidos, dois encontrados em folhas de papel e um outro na gaveta da secretária da vítima, revelando serem do arguido), 635 a 643 (exame à letra e assinatura constante do cheque de 1.500.000$00), 668 (auto de exame à chapa), 675 a 681 (exame da IML), 733 a 734 (relatório de exame aos cabelos retirados da mão da vítima), 738 (auto de exame ao cadáver), 744 a 747 (relatório de autópsia) e 752 a 760 (relatório de perícia sobre personalidade do arguido) e 824 a 838 (relatório pericial sobre intervenção do arguido em projectos);

- Auto de reconhecimento de fls. 368 e 369 dos autos (testemunha DDD);

- Auto de reconstituição, com intervenção do arguido, de fls. 648 a 658 8com fotografias).

V . Enquanto tribunal de revista , historicamente vocacionado para o conhecimento da matéria de direito , nos termos do art.º 434.º , do CPP , este STJ , como antecedente lógico da decisão , irá apreciar os vícios respeitando à matéria de facto , apontados pelo arguido , e que , a serem reconhecidos , naturalmente que comprometem a emissão de um juízo de direito , ou seja a conclusão ao nível do silogismo judiciário .

O arguido impugna , nos termos do art.º 412 .º n.ºs 3 e 4 , do CPP , a matéria de facto , pontos especificamente comprovados , sobre os quais , diz , em parte , o Tribunal da Relação se não pronunciou , incorrendo na nulidade por omissão de pronúncia , impeditiva de bem se decidir de direito , nos termos do art.º 379.º n.º 1 c) , do CPP .

Essa apreciação não envolve um segundo julgamento , abrangente de toda a matéria de facto , mas , apenas , a reponderação de factos pontual e incorrectamente julgados , remédio para o erro de julgamento da matéria de facto , a demandar da Relação que encerra o ciclo de conhecimento de matéria dessa natureza , nos termos dos art.ºs 428.º n.º 1 e 431.º , do CPP .

E porque assim é , não corresponde ao desígnio legal considerar –se como cumprido esse ónus , a , não de todo infrequente , invocação de que os factos são valorados em livre apreciação do tribunal , sendo , nessa precisa medida de manter , por se não mostrarem patentes as anomalias com consagração no art.º 410.º n.º 2 , do CPP , ou , a partir do acolhimento da fundamentação afirmar a correcção do factualmente decidido quanto exactamente o epifenómeno da fundamentação é prospectivo à fixação das provas ; também não bastará ao escopo desse restrito julgamento a afirmação , também de ocorrência amiúde , de cunho genérico de que as provas transcritas foram lidas autorizando em permanência o leque factual advindo da 1.ª instância .

A ser assim assistiríamos a uma simples ratificação ou homologação do julgado , a uma sua validação formal e não a um exercício de julgamento , embora de amplitude de grau menor , ainda com observância , em sucessão , mas agora da inteira responsabilidade do tribunal de recurso , das regras do exame das provas e da sua crítica , com uma opção no termo da valoração , de modo algum vinculadamente orientada para o impugnante ,acorrentadamente ás suas provas , conservando , antes , imperativamente , o tribunal a sua independência na apreciação das provas , segundo a lógica das coisas e as regras da experiência e da vida , mas sempre assegurando um grau de jurisdição de recurso na matéria .

VI . O Tribunal da Relação , a fls . 207 , afirma , sob sua inteira responsabilidade , ter lido os autos , “ nomeadamente os de transcrição das declarações e depoimentos prestados em julgamento e aqueles depoimentos anteriormente prestados por escrito que nele foram ponderados ( cfr. acta de fls . 3354) e examinada a prova documental , não vemos razões válidas para alterar o decidido , ressalvado o acrescento que , sob o n.º ..-.. , faremos à matéria do ponto 10) do provado para melhor compreensão do neles decidido “ .

A reponderação decisória da matéria de facto é efectuada pela Relação , umas vezes , por declaração expressa , ou seja declarando os factos provados a manter , outras vezes sem o ser , mas ela decorre por inferência lógica , visível implicitamente , através do horizonte contextual do acórdão recorrido , fazendo realçar os meios de prova em que baseou e seu exame crítico .

A menção dos meios de prova em que se funda nessa reapreciação parcelar , para detecção de remédio para o julgamento a esse nível , e o seu exame crítico , que o mesmo é dizer a fundamentação , ainda sob a alçada do art.º 374.º n.º 2 , do CPP , não vão ao ponto da extensão , a todos os títulos notável , de que a 1.ª instância lançou mão .

Ainda assim se não pode dizer que esteve ausente a fundamentação decisória já que uma fundamentação menos exaustiva ou msmo medíocre não se confunde com a omissão dela , não cabendo a este STJ sindicá-la , porque não teve contacto com as provas , não lhe sendo lícito impõr maior ou menor largueza , e assim averbar àquilo que foi reputado bastante para manter a matéria de facto , para ostentar o processo lógico-racional de decisão , já o não ser ante este STJ , porque , como regra , não desce à sua reapreciação dos meios de convicção a não ser que eles consistam em meios de prova legalmente proibida ou autorizem uma evidente conclusão distinta .

Os pontos de facto incorrectamente julgados são os n.ºs 7 , 8 , 9 , 10 , 12 , 13 , 14 , 15 , 16 , 21 , 28, 29 , 30 , 31 , 32 , 33 , 34 , 35, 36 , 37 , 38 , 39 e 40 , segundo o recorrente .

Os pontos de facto sob o n.º 7 , 9 e 10 são expressamente apreciados , a fls . 251 do acórdão da Relação , merecendo um aditamento o último , servindo de seu suporte factual as declarações do arguido e sua esposa TT .

A Relação dá por assente que “ se não poderá partir da ideia de um total e irremediável colapso financeiro , mas seguramente que o arguido e mulher viviam em aperto financeiro , como aliás o arguido refere na contestação , ostentando uma vida social superior às suas posses “ e fundamenta , apoiado em elementos de prova que indica , a razão de ser do acolhimento dessa situação financeira , naturalmente inconciliável com elevadas comissões , que os documentos bancários juntos aos descredenciam .

De resto a própria testemunha MM ( págs. 819) , segundo a Relação se expressou , a fls . 212 , refere que a vítima “ desabafou consigo que o gabinete não gerava receitas que cobrissem despesas” , logo as comissões não poderiam , também por esse prisma , ser significativas .

A Relação diz ter examinado a prova documental junta aos autos ; o atraso na satisfação dos elevados encargos bancários , em 1, 2 e 3 de Março de 1999 , aludidos em 10. dos pontos de facto , implicitamente resulta, pois , da consulta da conta bancária do arguido que , no dia 1 e 2 de Março de 1999 , apresentava um saldo negativo .

O relacionamento entre a vítima e o arguido está descrito na fundamentação ; do ponto de vista em que se afirma que o arguido detinha um crédito de 1.500.000$00 sobre a vítima , a asserção cai por terra por se ter considerado , a partir dos testemunhos de SSS e LL , que embora apegado ao dinheiro ( “ agarrado “ , disse-se ) nunca o Eng.º RR , deixava de solver os seus compromissos , de cumprir as suas obrigações de pagamento aos seus colaboradores no estrito âmbito profissional , logo o ilogismo de tal crédito e , com isso , a ausência de razão do arguido quando diz que a Relação não se debruçou sobre essa questão .

A vítima Eng.º RR , aflora a Relação , não recebera , ainda , uma importância de 5.000 .000 $00 , pela realização de projectos nos quais teria comissão se e quando aquela recebesse . A 1.ª instância dedicou-lhe desenvolvida análise na fundamentação que o arguido , lendo-a , não terá a mais leve dúvida de que lhe falece razão quando invoca omissão de pronúncia –cfr. fls . 4988 .

A Relação também se pronunciou sobre o clima de relacionamento existente entre a vítima e arguido –ponto de facto n.º s 14 , 15 e 16 . Se no passado era de estima e respeito as relações entre ambos , nos últimos tempos elas foram-se degradando , pois do testemunho de FF –fls . 819 , 820 , 822 , 824 e 839 - ressalta que a vítima se lhe queixara do desleixo profissional do arguido , que este não lhe prestava contas , que o que tinha a fazer era procurar outra colocação , comentando como podia aquele ocorrer à vida que fazia com os réditos do gabinete de projectos , o qual não podia facear às despesas .

A própria secretária da vítima , testemunha NN , referiu -fls . 1292 e 1334 –que o arguido ultimamente não estava no gabinete , chegando por volta das “ onze e tal “ e que a referência daquela ao arguido se processava num tom censório e crítico -cfr. depoimento de TTT , a fls . 737 .

Por isso , reconhecendo-se de tais fontes probatórias , se manteve o seu teor .

VI . O Tribunal da Relação reconheceu que a prova testemunhal recolhida nos autos é meramente indiciária , já que ninguém presenciou a agressão letal levada a efeito a desoras em local não destinado a habitação , mas de trabalho .

A prova não é directa ,de percepção imediata do homicídio , mas baseada em indícios , também apelidados de prova lógica , no dizer de Paulo Tonini , in La Prova Penal , 15 , Ed. 1999 , CEDAM , Milão , que são todas as circunstâncias conhecidas e provadas a partir das quais mediante um raciocínio lógico , pelo método indutivo , se obtém a conclusão , firme , segura e sólida de outro facto ; a indução parte do particular para o geral e apesar de ser prova indirecta tem a mesma força que a testemunhal , documental ou outra.

O indício presenta-se de grande importância no processo penal , já que nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então , ante a realidade do facto criminoso , é necessário fazer uso dos indícios , como o esforço lógico-jurídico intelectual necessário antes que se gere impunidade ( Prieto Castro y Fernandiz e Gutierrez de Cabiedes , Derecho Penal , II , pág. 252 .

“ Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que , evidentemente , é frequente a ausência de provas directas . Exigir a todo o custo , a existência destas provas implicaria o fracasso do processo penal ou , para evitar tal situação , haveria de forçar-se a confissão o que ,como é sabido , constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoentye : a tortura “ ( J.M Asencio Melado , Presunción de inocência y prueba indiciária “ , 1992 ) , autores citados por Euclides Dâmaso Simões , in Prova Indiciária , R e v . Julgar , n.º 2 , 2007 , pág. 205 .

E sobre a prova indiciária , citando-se várias decisões do Tribunal Supremo de Espanha , fls. 208 a 215 , entende-se , ainda , que aquela é suficiente para determinar a participação no facto punível se ( requisito de ordem formal ) da sentença constarem os factos –base e se mostrarem provados , os quais vão servir de base à dedução ou inferência , se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que se é acusado , essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso .

Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova directa , os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória , plurais , contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência .

O juízo de inferência deve ser razoável , não arbitrário , absurdo ou infundado , respeitando a lógica da experiência e da vida ; dos factos-base há-de derivar o elemento que se pretende provar , existindo entre ambos um nexo preciso , directo , segundo as regras da experiência .

VII . O tribunal procedeu ao exame crítico dos diversos meios de prova , relevando a prova pericial em especial que o exame do sangue encontrado nas botas do arguido , era provindo da vítima , concentrando também a sua atenção no inconsistente alibi apresentado pelo arguido no sentido de que ao ter conhecimento de que o Eng.º RR estava morto , ao pretender abeirar-se do seu corpo , terá pisado o sangue da vítima , isto já no dia imediato ao seu homicídio .

Apelando ao exame feito pela Exm.ª DD do IML –ut. fls . 1492 , 1494 , 1496 , 1497 , 1498 , 1499 e 1544 –a projecção das gotas de sangue era contemporânea do crime , e nunca marca humana adquirida 10 horas depois , como é reforçado pelo Parecer do Director dos Serviços de Tanatologia Forense , do IML , a fls . 3382/3384 .

A secretária , ao longo de 32 anos , do falecido , NN concorreu no mesmo sentido ao declarar que ninguém se aproximou daquele , no dia imediato ao da descoberta do cadáver ; o depoimento do Comissário QQ da PSP é também inibidor da versão do arguido , na medida em que constatou que as marcas de calçado em direcção à secretária da vítima iam diminuindo de intensidade , negando as testemunhas Vivas , agente Aires , da PSP , e NN que se tivessesm acercado da vítima, só depois de intimado a mostrar o rasto das suas botas o admitindo o arguido . .

Reflecte o acórdão sobre o depoimento das testemunhas BB e CC , OOO , a entrega à PJ das peças de roupa em uso até ao jantar e não as depois desse momento , sendo que nem o casaco em uso até ao jantar era o mesmo que envergava depois quando apareceu a tomar a cerveja , justificando a testemunha XX que o arguido se achava no local de trabalho –o gabinete de projectos -no dia dos factos .

“ A nosso ver , este depoimento só serve para justificar a presença do arguido no local de trabalho na noite do crime “ , fez questão de afirmar aquele Tribunal de recurso .

“ A localização temporal da agressão e da morte da vítima encontra fundamento indiciário nas declarações da testemunha CC ( cfr. fls . 1020 -4.º Vol . e para que se remete a fls . 3354 ) e na prova da constatação do estado digestivo em que se encontrava o conteúdo estomacal da vítima conjugado com a sua conhecida rotina diária .

Neste ponto atente-se ao relatório de autópsia ( fls . 744 e segs . -3.º Vol ) ; nos esclarecimentos prestados em julgamento pelos respectivos peritos ( cfr. fls . 329 e 379 , 2.ª Vol. dos autos de transcrições ) e no parecer do IML a fls . 3383 -11.ºVol . dos autos ) .

É , assim , ponto assente que a vítima faleceu pela hora indicada na decisão de facto “ .

Este segmento de facto , adrede citado , tem o mérito de , por um lado , firmar o local da agressão e a subscrição da hora da morte , por que optou o Colectivo , matéria de facto que , em princípio , se aceita , mas de novo se voltando a refectir sobre este ponto , e , por outro , serve para rejeitar a ausência de imediação sobre a prova , que , no fulcro essencial da matéria de facto , é apontada à Relação , causando aquela nulidade que , transversalmente , a atravessa , na óptica do recorrente , sob a acusação , indemonstrada , de que aquela se limitou a uma análise perfunctória , epidérmica , por simples , e nada mais , colagem às provas produzidas , desmerecendo o trabalho daquele Tribunal .

E , por fim , concorre para arredar a ocorrência de qualquer estado de dúvida que pudesse ter sobrevindo à Relação o valor reforçado que atribui aos parecers periciais , derivado do art.º 163 .º , n.º 1 , do CPP , mostrando-se sem força “ que inverta a decisão recorrida “ , com o inquívoco significado de que nela se não detectou razões para alterar ao nível dos factos apurados .

VIII . Uma questão a merecer reflexão por este STJ respeita ao invocado erro notório assinalado ao acórdão de 1.ª instância , a pretexto de o Colectivo ter dado como provado uma sequência de factos materiais , da autoria do arguido , cuja prática se mostraria inconciliável com a lógica do tempo e a condição humana , particularmente o ter-se dado como provado que o arguido tirou a vida à vítima cerca das 23 horas ou 23 horas e 05 minutos do dia 2.3.99 e nessa mesma altura –dia e hora – ser localizado , num local sensivelmente distanciado , num café –bar sito no prédio onde habita .

A Relação não o afirmou como implicitamente decorre do final da sua decisão , sinal inequívoco de que o não detectou , sem embargo de ser vício de conhecimento oficioso , estando a Relação obrigada a esgrimir sobre todas as questões que lhe sejam colocadas como ainda daqueles cujo conhecimento a lei , imperativamente , lhe impõe o conhecimento -art.º s 668.º , do CPC , 4.º e 410.º n.º 3 , do CPP .

A marca da irracionalidade , do ilogismo e a ruptura com os critérios do senso comum é o defeito que associa à decisão do colectivo , pois que a ser como se deu por provado , o arguido teria que percorrer a pé o trajecto para o seu automóvel e depois conduzido para aquele local , tudo num período de tempo inferior a 5 minutos .

Os vícios previstos no art.º 410.º n.º 2 , do CPP , titulam a presença do ilógico numa peça processual onde deve predominar a harmonia e a coerência e põem a descoberto , relevando pela negativa , o absurdo que representaria esse ilogismo na sentença , que se há-de detectar sem esforço de análise , pelo texto da decisão recorrida , sem recurso a elementos estranhos a ela , e , por isso , de oficiosa declaração em vista de inevitável remoção .

Situados ao nível da lógica jurídica , inquinando a confecção da sentença , impedindo de bem se decidir , tanto ao nível objectivo como subjectivo , os vícios previstos no art.º 410.º n.º 2 , do CPP , pedem ampliação , remoção ou declaração ( caso da insuficiência factual para fundar a decisão de direito , da contradição insanável ou do erro notório na apreciação da provas , respectivamente –als a) , b) e c) , do n.º 2 ).

O erro notório na apreciação da prova leva a uma conclusão contrária à lógica das coisas , ao alcance , pela sua evidência, do homem comum , desconhecedor dos meandros jurídicos , notado sem qualquer esforço , é invocado pelo arguido como um dos fundamentos do seu recurso , mas recorrendo -se para este STJ , cujo poder cognitivo é exclusivamente direccionado à matéria de direito , e situando-se aqueles vícios ao nível da matéria de facto , vedado está , como princípio , erigi-lo em fundamento autónomo de recurso .

Sem embargo , atento o direito do arguido a um processo justo , assegurando-lhe toda a defesa , em ordem à descoberta da verdade , que , na definição de CAVALEIRO DE FERREIRA, é "a correspondência do juízo formado com a realidade “ e para CASTANHEIRA NEVES só interessando ao direito porque tem a ver com "a realidade de vida, com a acção humana, as circunstâncias do mundo humano" sendo ela, assim, uma verdade "histórico- prática" e não a de um "juízo teorético", neste passo acompanhando MITTERMAIER para quem o objecto de estudo, no processo penal, é a verdade histórica -cfr. Curso de Processo Penal , I , 204 Sumários de Direito Criminal e Tratado da Prova em Matéria Criminal , 120 , respectivamente , não é de pôr de parte que , oficiosamente , este STJ possa e e deva dedicar espaço de reflexão sempre que aquele objectivo se mostre comprometido -art.º 410.º n.º 2 , do CPP .

O elenco dos factos provados encerram , uma dinâmica precisa , dispersa por vários acontecimentos que não colidem entre si , antes se compatibilizam , obedecendo a uma inescapável lógica , exposta na fundamentação , esta englobante de factos relevantes à decisão da causa em segmento estruturante da decisão , visto o disposto no art.º 374.º n.º 2 , do CPP , que bem justificaria que se “ arrumassem “ , na exposição de factos provados , numa inócua irregularidade ao nível da ritologia processual .

Assim o momento da morte da vítima é reportado às 23 horas do dia 2 de Março , do já distante ano de 1999 .

Consta , e transcrevendo-se o que da fundamentação consta , a fls . 3412 , que “ o arguido , face à prova produzida , se deslocou cerca das 23horas ou 23.05 horas ao restaurante existente no prédio onde habitava (…) local onde esteve um quarto de hora , mostrando sinais de suor que justificou (…) “ , em caso algum se declarando ou podendo extrair que o arguido a essa mesma hora se achava , em manifestação de um dom , ausente da generalidade do ser humano , de ubiquidade ou bilocalização , no sobredito restaurante .

De resto numa visão integrada da leitura do acórdão , e não segmentada ou estanque , ainda se torna mais evidente que essa concomitância é de arredar quando se afirma , ainda , em sede de fundamentação , que o próprio arguido esteve no local onde foi cometido o crime até às 23 horas ; “ …apenas se sabendo que esteve cerca de um quarto de hora no restaurante a beber cerveja “ e , em jeito conclusivo , “ afirmar que o arguido esteve no restaurante em causa cerca de quinze minutos , após as 23 .00 horas , voltando depois para Pombal .” .

E com esta amplitude de compreensão não resulta assente que se hajam postergado regras da experiência e de vida , expressivas do que acontece na maior parte dos casos ( id quod plerumque accidit ) ; a experiência permite formular um juízo de relação entre os factos ; em caso similar é usual um comportamento humano idêntico , no ensinamento de Paolo Tonini , op . e loc . cit .

As regras da experiência , enquanto critérios generalizantes e tipificados de inferência factual , simples índices corrigíveis , que definem conexões de relevância , orientando caminhos de investigação , oferecendo probabilides conclusivas ( Cfr. Prof . Castanheira Neves , Sumários de Processo Penal , 1967 -68 , 4 . Os Princípios Fundamentais de Proceso Penal , 42 e segs ., não sofreram atropelo ao consignar-se que a morte da vítima teve lugar às 23 horas e que arguido abandonou o local do crime por essa hora ou 5 minutos depois , deslocando-se para o café-bar onde permaneceu cerca de 15 minutos , a beber cerveja , sucumbindo-se a um “ non liquet “ factual entre o momento da chegada e o do abandono .

De resto o momento exacto , preciso ao minuto , como parece ser exigência do arguido , nem é elemento essencial da acção típica , que se basta com o evento morte , sendo , até , na maior parte dos casos impossível de terminar ao minuto , processualmente relevante antes se mostrando , como o foi , a morte por acção do arguido com exclusão ou concurso de terceiros .

Situado ao nível da matéria de facto o momento da morte , referenciado às 23 horas do dia 2 de Março de 1999 , não se descortinou no facto aquele erro , na instância intermediária da pirâmide judiciária , que não se detecta , também , neste Supremo , que aceita o correspondente facto .

IX . O arguida censura o Colectivo decidente por não ter feito uso do princípio “ in dubio pro reo” , possibilitado e assente na passagem do acórdão de 1 .ª instância em que se escreveu que “ …resulta que apenas existe um período temporal , de cerca de meia hora ( entre as 23 .00 e as 23.30 horas –esta a hora máxima para os barulhos admitidos pela testemunha CC) em que se poderia dizer que o arguido tem um alibi , apentemente seguro , pelo menos para provocar a dúvida do tribunal , já que a morte ocorreu no escritório e ele aí não estava na altura “ .

II . A testemunha CC declarou –o seu depoimento foi lido em audiência – “ que ouviu barulho metálico de pancadas pelas 22/22.30 horas e pelas 23/23.30 horas , de novo barulhos “ bastante estranhos “ , primeiramente ouvindo pancadas mais ou menos ritmadas que se assemelhavam ao barulho de socos dados nas paredes –barulho seco numa parede “ , bem como ainda ruídos que “ lhe pareciam de uma voz humana mas sem que articulasse palavras ou frases , assemelhando-se a alguém que queria falar mas se sentisse impossibilitado de o fazer ou estivesse asfixaiado , “ barulho de móvel a arrastar que lhe pareceu ser uma mesa , um cadeirão ou algo semelhante , após coisas a cair no chão “ e , por último ouviu , ainda uma última vez a tal voz e depois fez-se silêncio , nada mais tendo ouvido nessa noite “ .

Em princípio o processo de valoração da prova escapa a este STJ , porque a convicção probatória é assente em matéria de facto , e o princípio respeita à valoração das provas , que , por não terem desfilado perante este STJ , à ausência da imediação e oralidade que as instâncias têm sobre ela , da relação proximal que se estabelece entre elas e o julgador , torna inviável uma inversão daquele processo .

Mas o princípio não é absoluto , pois este STJ pode e deve , até onde lhe seja possível , sindicar , mas por via indirecta , remota , se se registou ofensa ao princípio “ in dubio pro reo” , sempre que se verifique objectivado , a partir do horizonte contextual decisório , que o tribunal caíu em dúvida e não a declarou em favor do arguido ou resulte do texto da decisão recorrida , por si só ou das regras da experiência comum , que o tribunal incorreu em erro notório na apreciação das provas , impondo aquele estado de incontornável dúvida .

Isto porque lhe compete sindicar o processo de formação da convicção probatória em termos de controlar o processo lógico desenvolvido para concluir como concluiu , exigindo que seja motivado e objectivado por forma a que o resultado se mostre em consonância com essa objectivação suficiente e racionalmente motivado –Ac. deste STJ , de 15.1.2004 , P.º n.º 3766/03.

O princípio em causa representa a outra face do princípio da livre apreciação da prova ; um limite normativo de tal princípio ante uma dúvida positiva e racional que impeça um juízo de certeza condenatória , que não exclua a possibilidade de as coisas se passarem num dado sentido , mas não afaste a consistente hipótese do contrário ; se a prova é insuficiente ou contraditória vale o princípio.

A testemunha , que não assistiu aos factos , disse ter ouvido barulhos metálicos de pancadas entre as 22/22 h 30 -e depois pelas 23/23h3o m ; a testemunha AAA entre as 22 e 23 horas , o que parcialmente se compatibiliza e acredita aquele depoimento .

O tribunal afirma , na sequência valorativa desse depoimento , que “ da conjugação da restante prova ( …) facilmente se chega à conclusão de que a morte ocorreu , efectivamente , antes das 23.30 horas , mais propriamente cerca das 23 .00 horas ( hora esta ainda compatível com o referido pela mesma testemunha ) .

E porque certamente não deixou de se confrontar com a dificuldade no apuramento da verdade dos factos , face a um grave crime que decorreu longe da vista das pessoas , a coberto da noite , num espaço fechado , tornando , por essa razão , mais exigente a necessidade de convencer os sujeitos processuais da justeza da decisão e os cidadãos em geral , que exercem um controle indirecto , difuso , sobre as decisões dos tribunais , para que não restassem dúvidas sobre a condenação terminou por concluir que toda a prova produzida em julgamento , que se mostra inteiramente consonante , conduz à conclusão de que “ foi o arguido quem praticou os factos , provocando as lesões de onde resultou a morte da vítima “ .

O tribunal em sua livre convicção , enquanto persuasão racional do julgador , terceira fase da evolução do sistema de valoração da provas, em que se passou a exigir a fundamentação da decisão como forma de controle , obediente à "liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada verdade material- , em vinculação "aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas de experiência e da lógica, regras incontestáveis de natureza científica, que se devem incluir no âmbito do direito probatório , no ensinamento do Prof. Cavaleiro de Ferreira , op . cit. , 206 , não hesitou socorrendo-se da panóplia de provas reunidas nos autos , por declarações , documentais , periciais e testemunhais , reconhecimento e reconstituição , concluir pela autoria do crime relacionando-a com o arguido .

E não se demonstra , primeiro , que não haja expurgado o seu espírito daquilo a que Platão chamava de paixão na apreciação do pleito , ou que haja subsistido no seu espírito qualquer estado de dúvida que houvesse de valorar “ in mellius “ do arguido , visível pelos termos do acórdão ou que só não o declarou por erro notório na apreciação das provas , violando o princípio “ in dubio pro reo “ , enquanto princípio probatório que se propõe responder à preciação da dúvida na apreciação dos casos criminais , sobre o facto tipicamente forense , escreve Cristina Líbano Monteiro , in Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio pro Reo , BFD , Studia Juridica , n.º 24 , pág. 9 , cfr., ainda , Germano Marques da S ilva , Curso de Processo Penal , I , 40 .

De destacar dos casos do princípio são aqueles em que o juíz não logra esclarecer em toda as sus particularidades o substracto de facto mas em todo o caso esclarece em definitivo que o arguido cometeu um crime , neste caso havendo quem aceite uma condenação com base em uma comprovação alternativa dos factos , estando em aberto acesa controvérsia sobre essa possibilidade , que surge como excepção ao princípio citado -cfr. Iescheck , Tratado de Derecho Penal , Parte General , 128 e Ac. deste STJ , de 25 de Maio de 2006 , CJ , Ano XIV , II , 201 .

À dúvida atendível , na perspectiva de favor do arguido , sobrepõe-se a certeza da convicção , alicerçada em factos materiais imodificáveis por este STJ , fixados pelas instâncias .

O colectivo , em sua livre convicção , desvalorizou a narração de acontecido após as 11 horas da noite no local do crime , mas a este STJ não compete sobrepõr-se-lhe atenta sua missão de tribunal de revista , que censura o direito e respeita a materialidade que lhe é fornecida pelas instâncias .

III .As decisões judiciais são fundamentadas -art.º 374.º n.º 2 e 97.º n.º 4 , do CPP e 202 , da CRP , ; o juíz aprecia a prova produzida -que se mede pelo seu peso e não pelo número - dando conta na motivação dos resultados adquiridos e dos critérios adoptados para justificar a decisão ante os sujeitos processuais e até perante os tribunais superiores como forma de melhor juízo sobre a decisão proferida , alegando razões por que algumas das provas merecem aceitação e outras não , funcionando a motivação como instrumento indispensável para o controle da administração da justiça .

A fundamentação decisão cumpre a sua missão quando enuncia aqueles elementos que constituem o núcleo essencial da sua imposição ante os seus destinatários directos e a comunidade mais vasta de cidadãos , permitindo alcançar que ela não é fruto do arbítrio do julgador , de uma sua qualquer tendenciosa inclinação , porém de um processo sério assente em razões lógicas e nas regras da experiência , o que se materializa , na sua elaboração , pela exposição , tanto quanto possível completa , porém sintética dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão e no exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal , exiginda já vinda do antecedente porém intoduzida pela Lei n.º 59/98 , de 25/8 .

O exame das provas , como a semântica pondera , reverte para a sua análise ; a crítica opera a fase subsequente imprimindo àquela uma feição valorativa , de aceitação ou rejeição , expriminido as razões por que umas são elegíveis e outras não .

A fundamentação decisória continua-se ao longo de 18 págs . e por ela , contra o que o arguido defende , se depreende , pelo alinhar das provas , das mais diversas espécies , pela crítica que sobre elas recaem , as razões lógicas que apontam para a sua condenação , ressaltando o esforço sério e persistente do Colectivo para convencer que usou de toda a diligência e empenhamento em fazer recair uma pesada condenação sobre o arguido , explicitamente convicto de que praticou o crime , não se descortinando que a sentença proceda de um indemonstrado “ percurso objectivo e racional “ ou que as premissas enfermem de conflitualidade , excluindo-se , à margem da invocada nulidade prevista no art.º 374.º n.º 2 , do CPP ( não já no art.º 410.º n.º 2 , do CPP , citado ) .

X . O Colectivo , servindo-se , profusamente , de prova pericial , concluiu , no que tange à letra manuscrita num cheque , ser ela imitação da do seu titular , ou seja da vítima , pelo arguido , ao invés da entidade pericial que exarou um juízo inconclusivo , terminando por um “ non liquet “ , sobre se a falsificação da assinatura naquele título tinha origem no punho do arguido , e , assim , aponta ao Colectivo a violação do art.º 163.º n.º 2 , do CPP , segundo o qual o julgador só pode divergir do juízo pericial desde que fundamente a divergência alicerçando-se em um juízo de igual natureza .

É o reconhecimento de que o juíz não comporta um saber enciclopédico , e que ao exigir um juízo de igual valor para fundar a divergência continua fiel ao princípio do valor que comporta um juízo científico , ante o qual não detém conhecimentos técnicos para validamente contrariar a perícia .

O art. 163 .º do Código de Processo Penal fixa o valor da prova pericial, estabelecendo uma presunção “ juristantum “ de validade do parecer técnico ofertado pelo perito, que obriga o julgador. Quer dizer que a conclusão a que chegou o perito só pode ser desprezada se o julgador, para poder rebatê-la, dispuser de argumentos, da mesma forma, científicos (n.º 2 do art.º 163 .º ).

O posicionamento actual do Código de Processo Penal vem de posição defendida pelo Prof. FIGUEIREDO DIAS, para quem os dados de facto do arrazoado técnico estão sujeitos à livre apreciação do julgador – "que, contrariando-os, pode furtar validade ao parecer" – enquanto que o juízo científico expendido só é passível de crítica "igualmente material e científica". Excepções seriam os casos inequívocos de erro, nos quais o juiz deve motivar sua divergência –Direito Processual Penal , I , 209 .Cfr , ainda , Maria do Carmo Silva Dias , Revista do CEJ , 2.º semestre de 2005 , n.º 3 , 219 .

A prova pericial é valorada pelo julgador a três níveis: quanto à sua validade (respeitante à sua regularidade formal), quanto à matéria de facto em que se baseia a conclusão e quanto à própria conclusão.

Quanto à validade, deve-se aferir se a prova foi produzida de acordo com a lei, ou se não foi produzida contra proibições legais. Assim, por exemplo, se as partes foram notificadas do despacho que ordenou a prova (n.º 2 do art. 154), ou se os peritos prestaram o devido compromisso (n.º 1 do art. 156).

Também fica a cargo do julgador examinar se o procedimento da perícia está de acordo com normas da técnica ou da prática corrente.

Com relação à matéria de facto em que se baseia a conclusão pericial, é lícito ao julgador divergir dela, sem que haja necessidade de fundamentação científica, porque não foi posto em causa o juízo de carácter técnico-científico expendido pelos peritos , aos quais escapa o poder de fixação daquela matéria .

É a interpretação corrente dada pelos tribunais ao art. 163.º , do Código de Processo Penal, atenta a sua função de mero auxiliar do julgador , a quem incumbe a função de fixação dos factos , para que dispõe dos adequados conhecimentos jurídicos e da experiência da vida –cfr. , entre outros , os Acs. deste STJ , de 1.7.93 , P.º n.º 44431 e de 9.5.95 , in CJ , STJ , III , T2 , 189 .

“ Devido ao tipo de escrita dos autógrafos , as analogias encontradas entre as escritas suspeitas ( preenchimento e assinatura ) e a do autografado são manifestamente insuficientes para se poder formular uma conclusão segura quanto à possibilidade de as escritas apostas no(s) documento( s ) 1 deste relatório serem da autoria de AA . “ , afirmou-se na conclusão do exame pericial de fls . 640 dos autos , realizado no LPC-Polícia Judiciária .

Ora a inconclusividade sobre se a letra aposta no lugar reservado ao sacador no cheque é ou não do arguido não agrega em si um juízo pericial , mas um estado de dúvida –pode ser ; pode não o ser – um juízo dubitativo que não vincula o tribunal , incumbindo ao tribunal esclarecer a matéria de facto em que se funda , no âmbito da sua função de julgar e superar , até onde lhe for possível , aquela dúvida , contendo-se no âmbito da livre apreciação do julgador a conclusão do Colectivo atribuindo-lhe a autoria –art.º 163.º n.ºs 1 e 2 , do CPP .

Quando os peritos não conseguiram lograr um parecer livre de dúvidas , escreveu-se no Ac. deste STJ , de 17.1.96 , P.º n.º 48655 ; quando se conclui por um juízo de mera probabilidade ou opinativo -cfr . Acs . deste STJ , de 29.9.95 e 15.11.98 , P.º n.º 733/98 –incumbe ao tribunal tomar posição , julgar e remover , se for caso disso , a dúvida , fixando os necessários factos .

Ao comprovar-se pelo Colectivo que o arguido é o autor da assinatura aposta no cheque , imitada da do seu titular , fls . 3430 a 3431 , a partir da avaliação de uma panóplia de dados adquiridos em livre convicção probatória , onde avulta o preenchimento com “ um traçado , lento , irregular e inseguro “ , próprio de quem não é o seu verdadeiro possuidor , não se contrariou qualquer juízo científico , por falta dele .

Não se mostra violado o preceituado no art.º 163 .º , do CPP e a nulidade que a sua inobservância implicaria .

O Tribunal da Relação abordou “ ex professo “ esta questão , como se infere da leitura do acórdão a fls . 4997 , declarando que a 1.ª instância não violou qualquer juízo pericial –ele não havia sido emitido ! – “ Antes o que fez foi chegar a um resultado conjugando tal juízo com o depoimento da testemunha NN “ que , trabalhou como secretária da vítima durante ininterruptos 32 anos e “ refere no seu depoimento que a letra constante do cheque não é a do engenheiro “ .

O tribunal integrou com este elemento de prova a lacuna pericial , de sua livre apreciação , e , fundadamente , decidiu , bem , tanto a 1.ª instância como a 2 .ª , fracassando a crítica que lhes é endereçada.

XI. O arguido aponta à perícia hematológica não constituir ela prova de que o arguido se achava no local do crime , além de que a Sr.ª DD , após 7 anos , prestou declarações que contradizem as conclusões sobre a sua perícia e que não podem ser valorados como elementos de prova a título pericial .

Foi , diz , apenas detectada uma mancha de sangue que submetida exame de ADN revelou estirpes comuns à vítima e ao arguido , não possuindo esta sinais de projecção ou de arrrastamento ; apenas se apuraram manchas milimétricas não identificadas presentes em uma das botas sem aquele sinal de projecção ou de arrastamento .

O Colectivo face a tais esclarecimentos devia ter suprido as suas deficiências com base em novo exame pericial , o que não fez .

esse respeito o exame pericial a que o IML/ Coimbra “ procedeu para a identificação de diversos vestígios e sua comparação com o sangue do cadáver de RR e do suspeito AA “ , concluiu , a fls . 681 :

“1.º A forma , tamanho e disposição das manchas de sangue nas botas ( acima descritas ) , podem corresponder a “ salpicos “ revelando a direcção e o sentido da posição , de cima para baixo e de frente para trás . O estudo comparativo dos “ borbotos “ das botas e do pano amarelo leva-nos a concluir que os “ borbotos “ possam ter sido formados por fibras desse pano amarelo .

2.º Não foi identificada a presença de sangue no canivete , no pano de limpeza “ retalho verde “ , no martelo , nas calças de ganga e no casaco de cabedal .

3 .º As manchas presentes nos restantes vestígios colhidos no chão , designadamete em quatro pontos distintos , no pano de limpeza WC , “ camisola” , mas manchas das botas e dos atacadores enviados para análise , são de sangue humano ou de qualquer outro material biológico de origem humana .

4.º Há identidade nos marcadores de DNA estudados ( autossómicos e do cromossoma Y ) , entre o perfil dos vestígios presentes nas manchas “ junto da porta “ , “ junto da mão da vítima “ , no chão do WC do 2.º andar , “ na sanita do WC do 2.º andar “ , na “ mancha da parede entre o 2.º e 3.º andar “ , na parte externa da bota direita do suspeito e o perfil da vítima mortal RR .

5.º As manchas ténues no papel higiénico encontrado no caixote do lixo 3.º andar apresentam uma mistura de material biológico de origem masculina que pode corresponder no seu conjunto á vítima RR e ao suspeito AA .

6.ª Apesar de se tratar de material biológico de origem masculina não há identidade , nos marcadores estudados , entre os vestígios do lenço de papel do caixote do lixo de 3.º andar e os perfis quer da vítima quer do suspeito “ .

O s peritos podem , em qualquer altura do processo , ser convocados para prestarem esclarecimentos complementares , devendo ser-lhes comunicado o dia , hora e local da diligência , como pode ser realizada nova perícia ou renovada a perícia anterior , nos termos do art.º 158.º n.º 1 a) e b) , do CPP .

A nova perícia envolve uma perícia nova , direccionada para o mesmo objecto por se reputar afectada de vícios essenciais ou para objecto diferente ou sobre aspectos distintos dos considerados na anterior ; a renovação , feita por outros peritos , comporta o significado da necessidade de correcção de deficiências da perícia , como que uma sua “ revisão “ ou apefeiçoamento da anterior .

À convicção probatória , particularmente quanto ao valor do exame pericial de fls 675 , assumiram determinante valor , afirmou o Colectivo na sua fundamentação , os esclarecimentos da Sr.ª DD , Dr.ª Maria da Conceição Andrade Vide , “ de forma absolutamente conclusiva no sentido de que as marcas encontradas nas botas do arguido são efectivamente de sangue da vítima e só poderiam ter sido produzidas no momento da morte e nunca na manhá seguinte “ .

Aliás , no mesmo sentido , também o parecer supra referido exclui , em absoluto , a possibilidade de o pisar de sangue de forma como o mesmo se apresentava de manhã ( e , portanto , passadas bastantes horas ) , pudesse gerar gotas e salpicos como os que são descritos naquele relatório pericial ( cfr. fls . 3377 dos autos ) , o que aliás havia já sido também afirmado em audiência pelos peritos que realizaram a autópsia ( …) . Aliás os restantes vestígios analisados , sendo de realçar o papel higiénico encontrado no caixote do lixo da secretária do arguido em relação ao qual se conclui, conforme o mesmo relatório , que as manchas ténues nele encontradas podem corresponder no seu conjunto à vítima e ao arguido ( veja-se que este , nas suas declarações , referiu que limpou as botas da casa de banho do 3.º andar , sendo que o papel higiénico foi encontrado não aí –como seria normal e natural –e sim noutros termos , precisamente na sua secretária , dado este que também aponta para o arguido ) “ .

O conjunto dos seus esclarecimentos “ afastou a dúvida antes existente sobre em qual das botas se encontrava uma mancha específica –no relatório , e bem , é descrita como estando na bota direita e na fotografia de fls . 170 dos autos legenda-se erradamente como tratando-se da bota esquerda sendo que esta conclusão é inequívoca pelo mero confronto das fotografias “ .

Não é anotada pelo Tribunal qualquer contraditoriedade entre a perícia e o esclarecimento prestado em julgamento sendo que aquele teve por suficientes e harmónicos os esclarecimentos prestados , apoiando-se -se , ainda , no parecer -que se não confunde com exame pericial - de um Sr. Perito do INML/ Coimbra – fls. 3382 a 3384 - , junto ao abrigo do art.º 165.º n.º 3 , do CCP , que exclui a hipótese de os salpicos de sangue nas botas poderem corresponder ao pisar de sangue no dia imediato à morte da vítima .

E essa pertinência ao próprio arguido teve-a , sem dúvidas , o Colectivo baseada no facto de o arguido , no próprio dia do crime ter limpo as botas e , passados alguns dias , as ter engraxado de outra cor , incompatível com quem nada tem a esconder , sendo que tinha sido chamado à atenção , precisamente no dia 3 , para o facto de os rastos marcados no chão poderem ter sido feitos por elas , e assim não podia “ livrar-se “ das botas precisamente porque tinha sido confrontado pelo Comissário da PSP para o facto de as mesmas poderem ter produzido as marcas verificadas naquele momento no pavimento “ , ilaciona .

O próprio arguido , nas suas declarações em audiência , afirmou que só mexeu no casaco da vítima , que abanou , sem se aperceber de sangue , quando entrou no gabinete , o que foi tido por improvável em termos de normalidade , desmentindo a PSP que alguém entrasse no local , preservado do acesso a terceiros , sendo que o seu comissário QQ constatou a existência de marcas de sangue / rastos no chão , perfilando –se por parte da PJ idêntica afirmativa .

A testemunha LL será excepção aproximando-se do corpo quando chegou o Comissário III mas com o cuidado de não pisar o sangue .

Mas outros vestígios como uma mancha de sangue , no bordo da sanita do gabinete de projectos , por debaixo da tampa , da vítima ; como desta eram os vestígios de sangue detectados na parede entre as escadas do 2.º andar –onde funcionava o gabinete e o 3.º , onde o arguido trabalhava - , aqui no quarto de banho utilizou papel higiénico para limpar o sangue , deitando aquele para o interior do caixote de lixo , servindo-se de um pano de limpeza para limpar as botas -os borbotos nelas encontrados são compatíveis com esse pano - , afastaram qualquer dúvida sobre a autoria dos factos

O arguido incorre em lapso quando deixa entrever que os exames hematológicos assinalam a presença do arguido no local do crime , o que a suceder extrapolaria a competência de quem os realizou por respeitar à sua base fáctica não lhes cabendo fixá-la .

Aquela base fáctica radica em amplo leque factual , que a perícia , na sua missão , coadjuva , numa relação de complementaridade com a demais prova não vinculativa , adquirida pelo tribunal , mas sem aquela contrariar , ou sobrepõr-se-lhe , antes aquele assumindo os resultados a que aquela conduziu bem assim a investigação , agora reputada deficiente , deficiência contra a qual se insurge , porém , sem sucesso , por inoportuno , atento o preceituado no art.º 120 .º n.ºs 2 d) e 3 c) , do CPP .

XII .O art.º 722.º , do CPC , seu n.º2 , segundo o qual não cabe em sede de revista conhecer do erro na apreciação das provas e na fixação dos correspondentes factos materiais , salvo quando , por disposição expressa de lei se exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinsdo meio de prova , não cobra razão de aplicação no caso vertente atenta a predisposição patente no legislador do CPP de regulamentar de forma geral e autónoma as questões penais , com recurso limitado , em via integrativa ao CPC ao contrário do que sucedia no domínio do CPP de 29 , sendo que a norma do art.º 163.º n.º 2 , do CPP , regulamenta de forma expressa o valor da prova pericial excluindo o recurso ao CPC .

XIII . Nega-se provimento ao recurso , não se mostrando violados quaisquer dos principios invocados :

- da legalidade , com o alcance de que só alei cabe definir o que são crimes e os pressupostos da medida de segurança , bem como o estabelecimentos das penas e reacções criminais;

-da tipicidade , com o significado de que aa lei deve especificar clara e precisamente os factos em que se desdroba o tipo ou que constituem os pressupostos da medida desegurança;

-da dignidade da pessoa humana , com o sentido de que a privação da liberdade deve processar-se em condições morais e materiais que respeitem a pessoa no seu todo ;

-do Estado de direito democrático , exigente da proibição de abuso de poder da parte do Estado ou seus órgãos subordinados , com respeito pela realização da personalidade ética do homem ;

- da igualdade , condicionante do tratamento igual do que é igual e desigual do que o é ;

-da necessidade da pena , em função e medida dos valores que a conduta criminosa afecta , segundo a sociedade os interioriza , reconduzindo-se a intervenção do direito penal a forma subsidiária ; e

-da proporcionalidade , com proibição do excesso ;

-“ in dubio pro reo “ , como manifestação da presunção de inocência do arguido , forçando a ausência de culpa a ser valorada “ in mellius “ , do arguido - cfr. Direito Processual Penal , Prof. Figueiredo Dias , 59 , ainda do mesmo penalista Direito Penal Português –As Consequências Jurídicas do Crime , §§ 54 , 56 , 73 , 302 , 327 , 705 e 708 , art.ºs 18.º n.º 2 e 32.º n.º 1 , da CRP e Maia Conçalves , CP Anotado .

A decisão recorrida manteve-se na observância do seu dever fundamentação sem preterição das regras da lei ordinária –art.º 374.º , n.º 2 , do CPP econstitucional -art .º 206.º da CRP .

XIV .Confirma-se a decisão recorrida . Taxa de Justiça : 7 Uc,s . Procuradoria : ½ .

Lisboa, 11 de Julho de 2007


Armindo Monteiro (relator)
Oliveira Mendes
Maia Costa
Pires da Graça