Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
465/15.6T8GMR.G1-A
Relator: AMÍLCAR ANDRADE
Descritores: RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE REVISÃO
ARTIGO 696º
AL.C) DO CPC
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- O recurso extraordinário de revisão comporta duas fases:
A fase rescindente em que o tribunal aprecia os fundamentos do recurso, de modo a poder decidir se a decisão já transitada em julgado deve ou não ser rescindida. Portanto, o seu objectivo é revogar a decisão.


II- A fase rescisória, uma vez considerado procedente o recurso e, portanto destruída a decisão objecto do recurso, vai-se retomar, em princípio, o processo, de forma a obter-se uma decisão que substitua a rescindida. Aqui ocorre uma renovação da instância, segundo a maioria da doutrina. O seu objectivo é produzir uma nova decisão em substituição da decisão revogada.

III- No que especificamente concerne à alínea c), do artigo 696.º, o documento atendível terá que preencher dois requisitos: a novidade e a suficiência, significando o primeiro que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão a rever, seja porque não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, e o segundo que o documento produzido implique uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

IV- O provimento do recurso de revisão pressupõe que na acção onde foi proferida a sentença a rever hajam sido alegados os factos que o documento novo se destina a provar.

V- O documento novo a que alude o art. 696º-c) CPC deve ser, portanto, um meio de prova de factos. Mas estes factos devem ter sido oportunamente alegados no processo onde foi proferida a decisão a rever e que, por falta do referido documento, teve uma decisão desfavorável ao recorrente.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

Joaquim … e Maria …., Autores na acção declarativa comum 465/15.6T8GMR e em que é Réu Grupo Desportivo …, aos 13.05.2019, vieram, por apenso a tal acção, interpor recurso extraordinário de revisão da decisão aí proferida, alegando nas respectivas conclusões (transcritas) que:

1.ª – In casu, uma vez que a douta sentença proferida em primeira instância (a 21-09-2016) foi confirmada por douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães (a 16-02-2017), é a este Tribunal que cabe conhecer do presente recurso extraordinário de revisão.
2.ª – Tendo por título executivo as decisões judiciais supra indicadas, o Réu/Reconvinte deduziu ação executiva contra os Autores/Reconvindos, mediante requerimento executivo apresentado em 18 de Janeiro de 2018 – que foi autuado como o processo n.º 500/18.6T8GMR, a correr termos no Juiz 1, do Juízo de Execução de Guimarães, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – peticionando, nomeadamente, “que os Executados iniciem a reconstrução da bancada supra identificada no prazo de 30 dias”, bem como o pagamento do “valor de € 375,00 / mês, por um período com início em Novembro de 2014 até que se mostre concluída a construção da bancada em condições de utilização pelos adeptos”.
3.ª – No âmbito dos embargos que os aqui Autores/Reconvindos/Recorrentes deduziram àquela execução, autuado como o processo n.º 500/18.6T8GMR-B, estes receberam notificação – que, nos termos do 248.º do CPC se considera feita a 11 de Março de 2019 – do ofício 33/DJ-EA e informação técnica prestada pelos Serviços da Divisão Gestão Urbanística da Autarquia de Guimarães, comunicando que:

“Assim, a bancada existente do lado nascente, da qual não se dispõe de qualquer projeto (elemento escritos e desenhados), não se encontram contemplada naquele processo, não se encontrando licenciada. Não foi requerida nem emitida qualquer licença de ocupação ao Grupo Desportivo …”.
4.ª – Portanto, no âmbito dos referidos embargos, foi notificado aos ora Recorrentes documento, emitido pela Câmara Municipal ..., que atesta o facto de que a bancada em questão nos presentes autos – ou seja a bancada referida no ponto 5) da matéria de facto dada como provada – não tinha licença nem de construção, nem de utilização, nunca sequer tendo sido apresentado qualquer projeto referente à mesma.
5.ª – Sendo que, este documento é suficiente para dar como provado o seguinte facto assaz relevante para a decisão justa a proferir no presente caso (que ora se alega):
“A bancada referida em 5), não se encontra contemplada no processo de licenciamento camarário do prédio referido em 3), não se encontrando licenciada. Não tendo sido requerida, nem emitida qualquer licença de ocupação ao Réu Grupo Desportivo …”.
6.ª – O referido documento (oficio e informação técnica dos Serviços da Divisão Gestão Urbanística da Câmara Municipal ...), notificado ao Autores/Recorrentes, demonstra que a utilização que o Réu/Reconvinte/Recorrido fazia da bancada em questão (lado nascente) era ilegal.
7.ª – Verificando-se que o cessar de rendimentos provenientes de uma conduta ilícita (utilização ilícita da bancada) do Réu/Reconvinte/Recorrido não pode ser considerado como dano.
8.ª – Não podendo o Réu/Reconvinte/Recorrido ser indemnizado pela privação de utilização de um bem, se tal utilização era ilegal
9.ª – Aliás, ainda que o Réu/Reconvinte/Recorrido tivesse direito a ser indemnizado, sempre o exercício de tal direito seria abusivo, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, na modalidade de tu quoque, uma vez que o Réu só deixou de utilizar a referida bancada e de retirar proveitos da mesma, porque a estava a utilizar ilegalmente.
10.ª – Pelo que, daí sempre resultaria um manifesto abuso de direito que é de conhecimento oficioso.
11.ª – Assim, o ofício elaborado pelos Serviços da Divisão Gestão Urbanística da Câmara Municipal ... é prova documental suficiente para, por si só, implicar a modificação das doutas decisões proferidas – em primeira instância, bem como pelo Tribunal da Relação de Guimarães – em sentido mais favorável à parte vencida, ou seja Autores/Recorrentes.
12.ª – Entendendo os Autores/Reconvindos, ora Recorrentes, que existe fundamento para a revisão do douto Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães (a 16-02-2017) – e, consequentemente, a douta decisão de primeira instância (a 21-09-2016) – nos termos da alínea c), do artigo 696.º, do CPC, uma vez que se apresenta documento (ofício e informação técnica) da Câmara Municipal ... de que os Autores não tinham conhecimento (pois apenas lhes foi comunicado em 11/03/2019) e de que não puderam fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
13.ª – Pois, conforme supra se expôs, o mesmo é suficiente para, alterar-se a matéria de facto, nomeadamente, dando-se como provado o seguinte facto assaz relevante para a decisão justa a proferir no presente caso (que ora se alega):
“A bancada referida em 5), não se encontra contemplada no processo de licenciamento camarário do prédio referido em 3), não se encontrando licenciada. Não tendo sido requerida, nem emitida qualquer licença de ocupação ao Réu Grupo Desportivo ….”.
14.ª – O que tem implicação, pelo menos, na decisão da matéria atinente à reconvenção, pois implica que os Autores/Reconvindos não poderiam ser condenados a pagar ao Réu/Reconvinte o valor de € 375,00/mês, por um período com início em Novembro de 2014 até que se mostre concluída a construção da bancada em condições de utilização pelos adeptos.
15.ª – Sendo que, este pedido reconvencional do Réu deveria ter sido considerado improcedente; ou, no limite, apenas poderiam os Autores, ora Recorrentes, ter sido condenados a pagar ao Réu o valor de € 375,00/mês, por um período com início na data em que o Réu/Reconvinte/Recorrido obtivesse licença de construção da bancada e até que a mesma se mostre reconstruída.
16.ª – In casu, os Autores/Reconvindos não teriam sido condenados, nomeadamente, a indemnizar os Réus/Reconvintes pela cessação de rendimentos provenientes da utilização (ilegal) da bancada em questão se, à data da douta decisão de primeira instância (21-09-2016) e do douto Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães (16-02-2017), o Tribunal tivesse conhecimento de ofício da Câmara Municipal ... atestando que a bancada em questão nos presentes autos não tinha licença de construção, nem de utilização, nunca sequer tendo sido apresentado na Câmara Municipal ... qualquer projeto refente à mesma.
17.ª – Um dos limites ou restrições que a lei impõe ao direito de propriedade consiste, exatamente, na proibição de construção e utilização de imóveis sem a prévia obtenção das respetivas licenças de construção e utilização junto das entidades competentes, ou seja da Camara Municipal – cfr. nomeadamente, artigo 13.º, do Decreto-Lei n.º 141/2009, de 16 de Junho, e o artigo 4.º, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, ou seja do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação).
18.ª – Sendo que, in casu, as exigências da justiça – atenta a injustiça de se ter condenado os Autores/Reconvindos no ressarcimento de rendimentos provenientes da utilização ilegal da bancada pelos Réus/Reconvintes – conflituam de tal forma com as necessidades de segurança jurídica, que o princípio da intangibilidade do caso julgado tem de ceder.
19.ª – Pelo que, se requer, respeitosamente, a V. Exas. que o presente recurso seja admitido e (após realizados os devidos tramites legais) julgado procedente, rescindindo-se/anulando-se o douto Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães (a 16-02-2017) – e, consequentemente, a douta decisão de primeira instância (a 21-09-2016) – e, abrindo-se a fase rescisória, se retome o processo, de forma a obter-se uma decisão que, tendo em conta a prova documental acima indicada, substitua a decisão rescindida.
20.ª – Mais se requerendo que, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 701.º do Código de Processo Civil, em substituição da decisão revogada, a nova decisão a proferir seja, mais favorável aos ora Autores/Recorrentes, considerando-se o pedido reconvencional formulado na alínea b) improcedente; ou, no limite e subsidiariamente, condenando-se os ora Autores a pagar ao réu Grupo Desportivo … o valor de € 375,00/mês, por um período com início na data em que o Réu/Reconvinte/Recorrido obtiver a licença de construção da bancada e até que a mesma se mostre reconstruída.

Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser admitido e (após realizados os devidos tramites legais) julgado procedente, rescindindo-se/anulando-se o douto Acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Guimarães (16-02-2017) – e, consequentemente, a douta decisão de primeira instância (21-09-2016) – e, abrindo-se a fase rescisória, retomar-se o processo, de forma a obter-se uma decisão que, tendo em conta a prova documental acima indicada, substitua a decisão rescindida.
Para o que se requer seja, o Recorrido notificado, pessoalmente, responder no prazo de 20 dias.
Mais se requerendo que, nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 701.º do Código de Processo Civil, em substituição da decisão revogada, a nova decisão a proferir seja, mais favorável aos ora Autores/Recorrentes, considerando-se o pedido reconvencional formulado na alínea b) improcedente; ou, no limite e subsidiariamente, condenando-se os ora Autores a pagar ao réu Grupo Desportivo …. o valor de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros)/mês, por um período com início na data em que o Réu/Reconvinte/Recorrido obtiver a licença de construção da bancada e até que a mesma se mostre reconstruída.

Ofereceram como meio de prova a produzir, dois documentos, a saber:

- o ofício nº 33/DJ-EA, emitida pela Câmara Municipal ...;
- informação técnica prestada pelos Serviços da Divisão Gestão Urbanística da Autarquia de Guimarães.
Notificado pessoalmente o Requerido para os termos da Revisão, apresentou Resposta, em que concluiu:

1º - Para servir de fundamento à revisão, é necessário que o documento seja superveniente, entendendo-se como tal o documento de que a parte não tivesse conhecimento ou de que não tivesse podido fazer uso.
2º - Os Recorrentes não alegam, como se impunha, que a obtenção do documento não foi possível em momento anterior e de modo a poderem ser atendidos na decisão proferida.
3º - A parte que só tardiamente obteve o documento que poderia ter obtido antes não pode beneficiar desse facto, sob pena de se abrir a porta à revisibilidade de decisões transitadas com uma facilidade que se não compagina com a certeza e o rigor do caso julgado.
4º - É essencial que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior.
5º - Exige-se, portanto, ao pretendente à revisão que tenha desenvolvido todas as diligências que estavam ao seu alcance para utilizar o documento, dando explicação suficiente para a omissão, antes, da sua apresentação.
6º - É incompreensível que, perante os fundamentos da ação e tudo o que nela se discutia e estava em causa, só agora os Recorrente se tenham lembrado de diligenciar no sentido da obtenção do documento.
7º - Estava ao alcance dos Recorrentes a obtenção do documento oferecido, que deveria ter sido apresentado ou requerido aquando do julgamento, para nele serem tidos em conta.
8º - Não se verifica o requisito da novidade se os documentos que se apresentam para fundamentar a revisão são anteriores à decisão a rever (e, inclusivamente, à própria instauração da ação) e os Recorrentes conheciam a sua existência e o seu teor ou era-lhe exigível que conhecesse, exigindo-se a prova, pelos Recorrentes, de que atuaram com a diligencia devida e, mesmo assim, não lograram atingir tal conhecimento e esta obtenção que lhe permitisse a anterior apresentação na respetiva ação.
9º - No presente caso, face às especificidades da ação, não estamos perante documento de conhecimento e obtenção difícil e intransponível, bastando pedido de consulta do mesmo junto da Câmara Municipal ... ou pedido dirigido ao tribunal como sucedeu nos autos de execução/embargos.
10º - Trata-se, portanto, de documento que era acessível aos Recorrentes na data em que fosse preciso e de que estes poderiam ter lançado mão para a sua defesa, existindo antes da sentença ter sido proferida ou, caso o não conseguissem, solicitando que terceiros o juntassem ou que o tribunal oficiasse à entidade em causa para que a mesma o fornecesse.
11º - Os Recorrentes tiveram a sua oportunidade de produzir prova no processo, não servindo o recurso de revisão como mais uma forma de produzir prova que as partes falharam em produzir na altura própria.
12º - Alegam os Recorrentes que o documento ora junto “é prova documental suficiente para, por si só, implicar a modificação das doutas decisões proferidas – em primeira instância, bem como pelo Tribunal da Relação de Guimarães – em sentido mais favorável à parte vencida, ou seja Autores/Recorrentes.”
13º - Contudo, o documento em causa e o seu teor não implica a alteração da decisão proferida, conforme pretendem os Recorrentes.
14º - Os pressupostos da responsabilidade civil encontram-se preenchidos e a obrigação de indemnizar existe, nos termos decididos.
15º - A receita de bilheteira existia e só deixou de existir com consequência da conduta dos Recorrentes, como de resto foi considerado como provado na decisão de primeira instância, confirmada pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação.
16º - O documento junto com o recurso de revisão em nada altera esses factos.
17º - A Câmara Municipal ... poderia determinar a demolição da bancada e não o fez durante desde que a mesma foi construída (há mais de 20 vinte anos).
18º - A Câmara Municipal ... poderia ter iniciado processo de contraordenação contra a Recorrida e não o fez W não “entrevê qualquer óbice à execução” da bancada destruída pelos Recorrentes. (conforme resulta do documento junto pelos Recorrentes para fundamentar o presente recurso)
19º - A falta de licença de ocupação/utilização da bancada em nada altera os pressupostos da responsabilidade civil que determinaram a obrigação de indemnizar o Recorrido pela falta de receitas de bilheteira, tendo apenas implicações de natureza administrativa, entre o Recorrido e a Câmara Municipal ....
20º - Para que se verifique o abuso de direito na modalidade tu quoque seria necessário que entre os pressupostos desta modalidade e os factos concretos existisse uma relação de dependência, de causa-efeito, ou, numa outra perspetiva, de correspondência e adequação.
21º - E a falta de licença acarreta as respetivas consequências legais, que nada tem a responsabilidade e obrigação de indemnizar dos Recorrentes.
Mantendo a decisão proferida nos seus exatos e precisos termos farão V. Exas. a costumada JUSTIÇA
Colheram-se os vistos legais.

Factos a atender com interesse para a questão:

Nos autos de que estes constituem apenso teve lugar julgamento e foi proferida sentença que decidiu nestes termos:

“Pelo exposto, o tribunal julga a presente acção parcialmente procedente reconhecendo o direito de propriedade dos Autores Joaquim …e Maria … sobre o prédio descrito no artigo 2º dos factos provados.
No mais, improcede a acção, absolvendo-se o réu “Grupo Desportivo …” dos pedidos. Mais vai a reconvenção julgada procedente, condenando-se os autores reconvindos a proceder à reconstrução da bancada referida nos artigos 5) e 15) dos factos provados.
Mais vão os autores reconvindos condenados a pagar ao réu “Grupo Desportivo …” o valor de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros)/mês, por um período com início em Novembro de 2014 até que se mostre concluída a construção da bancada em condições de utilização pelos adeptos”.

Desta decisão foi interposto recurso de apelação pelos Autores, tendo sido proferido acórdão que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Tal acórdão transitou em julgado.

O Mérito do recurso.

O recurso extraordinário de revisão comporta duas fases:
A fase rescindente em que o tribunal aprecia os fundamentos do recurso, de modo a poder decidir se a decisão já transitada em julgado deve ou não ser rescindida.


Portanto, o seu objectivo é revogar a decisão.

A fase rescisória, uma vez considerado procedente o recurso e, portanto destruída a decisão objecto do recurso, vai-se retomar, em princípio, o processo, de forma a obter-se uma decisão que substitua a rescindida. Aqui ocorre uma renovação da instância, segundo a maioria da doutrina. O seu objectivo é produzir uma nova decisão em substituição da decisão revogada.

Como se sintetiza no acórdão do STJ de 13 de Dezembro de 2017,Proc.2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt «O recurso extraordinário de revisão previsto no art. 696.º do CPC, ao contrário do recurso ordinário – que se destina a evitar o trânsito em julgado de uma decisão –, visa uma decisão judicial (revidenda) já coberta pela autoridade do caso julgado – e a sua substituição por outra que venha a ser proferida, sem a verificação da anomalia que sustentou a impugnação – , pelo que, só é aparentemente admissível nas situações taxativamente indicadas e de tal modo graves que as exigências da justiça e da verdade sejam susceptíveis de ser clamorosamente abaladas, no conflito com a necessidade de segurança ou de certeza, se estas, com a inerente intangibilidade do caso julgado, prevalecessem. Assim, estamos face a um recurso ou mecanismo processual que não pode deixar de ser encarado como um “remédio” de aplicação extraordinária a uma comprovada ofensa ao primado da justiça, que, de tão gritante, consinta a cedência da certeza e da segurança conferidas pelo princípio do caso julgado».

O fundamento alegado pelos recorrentes para a revisão é o previsto no artº.696º, c) CPC - “A decisão transitada em julgado só pode ser objecto de revisão quando se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida”.

No que especificamente concerne à alínea c), do artigo 696.º, o documento atendível terá que preencher dois requisitos: a novidade e a suficiência, significando o primeiro que o documento não foi apresentado no processo onde se proferiu a decisão a rever, seja porque não existia, seja porque, existindo, a parte não pôde socorrer-se dele, e o segundo que o documento produzido implique uma modificação dessa decisão em sentido mais favorável à parte vencida.

Os recorrentes entendem que o documento que ora juntam, emitido pela Câmara Municipal ..., atesta o facto de que a bancada em questão nos presentes autos, referida no ponto 5) da matéria de facto dada como provada, não tinha licença nem de construção nem de utilização, nunca sequer tendo apresentado qualquer projecto referente à mesma. E consideram, tal como vem alegado na conclusão 13ª da alegação de recurso, que este documento «é suficiente para alterar-se a matéria de facto, nomeadamente, dando-se como provado o seguinte facto assaz relevante para a decisão justa a proferir no presente caso (que ora se alega)»:

“A bancada referida em 5), não se encontra contemplada no processo de licenciamento camarário do prédio referido em 3), não se encontrando licenciada. Não tendo sido requerida, nem emitida qualquer licença de ocupação ao Réu Grupo Desportivo …”, o que, em seu entender, tem implicação, pelo menos, na decisão da matéria atinente à reconvenção, pois implica que os Autores/Reconvindos não poderiam ser condenados a pagar ao Réu/Reconvinte o valor de € 375,00/mês, por um período com início em Novembro de 2014 até que se mostre concluída a construção da bancada em condições de utilização pelos adeptos.
Importa, pois, analisar se o documento junto pelos recorrentes preenche os requisitos a que alude a al. c) do artigo 696º do CPC.

Quanto ao requisito da novidade

Mostram os autos que os documentos foram obtidos em 11.03.2019 (notificados aos recorrentes).

Neles se atesta que «a bancada existente no lado nascente, da qual não se dispõe de qualquer projecto (elementos escritos e desenhados), não se encontra contemplada naquele processo, não se encontrando licenciada. Não foi requerida nem emitida qualquer licença de ocupação ao Grupo desportivo …».
“Perante a letra e a razão de ser do preceito contido na al. c) do artigo 771º do CPC, parece evidente que, quem queira utilizar o recurso de revisão, com base na referida alínea, terá de alegar e provar que não tinha conhecimento da existência do documento, ou tendo dele conhecimento não pôde usá-lo no processo em tempo processualmente útil. Trata-se de um pressuposto da própria viabilidade do recurso a apreciar numa primeira fase e que pode levar ao indeferimento liminar, se aquele pressuposto não estiver presente – cf. artº 774º, nº2 do CPC. É essencial que não seja imputável à parte vencida a não produção do documento no processo anterior. Exige-se, portanto, ao pretendente à revisão que tenha desenvolvido todas as diligências que estavam ao seu alcance para utilizar o documento de que tinha conhecimento e, não obstante, o não tinha conseguido, por motivo que não lhe seja imputável”. (cfr. Ac. STJ de 13.07.2010: Proc. 480/03.2TBVLC-E.P1.S1. dgsi. Net).

Em face do disposto na al.c), conclui-se que: os documentos aí referidos já devem existir quando correu a acção em que foi proferida a sentença revidenda e, por outro lado, que a revisão não pode constituir meio de o litigante que interpõe esse recurso suprir as omissões por ele cometidas quando litigou no anterior processo, ou seja, é essencial que não seja imputável à parte vencida a não-produção do documento no processo anterior (A. dos Reis, RLJ, 85º-300). Consequentemente, se o documento é conhecido ou utilizável antes do trânsito da decisão em julgado, deve ser invocado em recurso ordinário. Neste sentido se observa no Acórdão do STJ de 11-9-2007, processo 07 A 1332, www.dgsi.pt, «a parte que só tardiamente obteve o documento que, poderia ter obtido antes, não pode beneficiar desse facto, sob pena de se abrir a porta à revisibilidade de decisões transitadas com uma facilidade que se não compagina com a certeza e o rigor do caso julgado» (cf. Acórdão do STJ de 11-9-2007, processo 07 A 1332, www.dgsi.pt).

No caso vertente, a parte só tardiamente obteve o documento que poderia ter obtido antes, sendo-lhe imputável a não-produção do documento no processo anterior. Não padece dúvida que ao pretendente à revisão era-lhe exigível que desenvolvesse todas as diligências que estavam ao seu alcance para utilizar o documento. No presente caso, estamos perante documento que é anterior à decisão a rever e até à própria instauração da acção, não sendo de obtenção difícil e intransponível, bastando pedido de consulta junto dos serviços da Câmara Municipal ....
Sendo assim, é mister concluir pela não verificação do requisito da novidade.

Quanto ao requisito da suficiência

Por outro lado, para que o documento a que se refere a al. c) do artigo 696º do CPC seja fundamento do recurso extraordinário de Revisão, é necessário que ele, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
Como é bom de ver nem mesmo apresentado no tribunal que proferiu a decisão revidenda, o documento em causa teria a virtualidade de alterar a decisão proferida.
E, o requisito da suficiência tem de ser entendido como exigência de que o documento apresentado disponha, por si só, de total e completa suficiência probatória, no sentido de que, se esse documento tivesse sido tomado em consideração pelo tribunal que proferiu a decisão revidenda, essa decisão nunca poderia ter sido aquela que foi – e isto sem fazer apelo a outros elementos de prova, sejam eles documentais, testemunhais ou periciais –, por constituir prova plena de um facto inconciliável com a decisão a rever, o que não é o caso (neste sentido, Ac. STJ de 18-12-2013: Proc. 3061/03.7TTLSB-B.L1.S1, acessível em dgsi.Net).
A decisão revidenda perfila-se no campo da responsabilidade civil, mostrando-se preenchidos os seus pressupostos e a obrigação de indemnizar.
O documento apresentado, atestando a inexistência de licença de utilização da bancada apenas tem implicações de natureza administrativa, entre o Recorrido e a Câmara Municipal ... e em nada sendo suficiente para, só por si, acarretar decisão diversa da que foi proferida.
Acresce dizer que o provimento do recurso de revisão pressupõe que na acção onde foi proferida a sentença a rever hajam sido alegados os factos que o documento novo se destina a provar.
É que o documento é um meio de prova e as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.341º CC).
De factos que devem ser alegados, porque o ónus de alegação precede o ónus de prova.
O documento novo a que alude o art. 696º-c) CPC deve ser, portanto, um meio de prova de factos. Mas estes factos devem ter sido oportunamente alegados no processo onde foi proferida a decisão a rever e que, por falta do referido documento, teve uma decisão desfavorável ao recorrente.

Ora, no caso vertente, com o documento que os recorrentes apresentam, pretendem comprovar factos objectivamente novos e supervenientes relativamente ao processo onde foi proferida a decisão a rever. Não foram aí alegados, e, portanto, não representam factos discutidos no processo anterior. Antes, vêm invocados pela primeira vez em sede de recurso extraordinário de revisão.

O fundamento da revisão a que alude a alínea c) do art. 696º CPC deve ser um documento novo, não um facto novo.
A revisão não pode ter lugar se os factos comprovados por tal documento não tiverem sido alegados na acção anterior.
Também por estes fundamentos terá a revisão de improceder.

DECISÃO

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso de revisão.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 10 de Outubro de 2019

Relator: Amílcar Andrade
Adjuntos: Maria Conceição Bucho
António Sobrinho