Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
615/13.7PBBRG-B.G1
Relator: PAULO CORREIA SERAFIM
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
REVOGAÇÃO
INCUMPRIMENTO CULPOSO E GRAVE DAS CONDIÇÕES DA SUSPENSÃO
COBRANÇA COERCIVA DE PARTE DA INDEMNIZAÇÃO DEVIDA
NOVA CONDENAÇÃO
EXTINÇÃO DA PENA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Em caso de incumprimento culposo e grave das condições da suspensão, a sua revogação não surge automaticamente, só devendo ser decretada se qualquer das medidas previstas no art. 55º não se revelar, ainda, adequada e suficiente a acautelar as finalidades punitivas. O tribunal só optará pela revogação da suspensão se não encontrar alternativa, ou seja, como ultima ratio. A não ser que se defronte com as situações previstas no art. 56º (incluindo a impossibilidade de manutenção de um juízo de prognose favorável quanto à satisfação das finalidades punitivas) que constituem casos de revogação obrigatória.
II- A importância obtida pelo demandante civil por via da cobrança coerciva, pode e deve ser contabilizada para efeito do valor indemnizatório efetivamente pago pelo arguido/lesante àquele, porquanto o seu somatório há-de corresponder quer ao montante liquidado voluntariamente quer ao cobrado coercivamente, sob pena de um enriquecimento indevido, sem causa, do lesado. Assim, mostra-se já liquidada a totalidade do montante fixado pelo Tribunal a título de indemnização civil devida pelo demandado ao demandante civil, pelo que o recorrente nada mais tem a reclamar a esse título.
Questão de diferente índole é a de saber se o ressarcimento do ofendido por força da obtenção de uma quantia que não foi voluntariamente entregue pelo lesante, podia ser considerado pelo Tribunal da condenação para efeitos de cumprimento do dever estabelecido como condição para a suspensão da execução da pena. Afigura-se-nos que nada impediria que tal inclusão ocorresse, na medida em que a fixação do dever em causa encontra-se intrinsecamente conexionada com a reparação do mal do crime e a respetiva consciencialização do agente de que este não compensa, para que inverta o seu comportamento delinquente, e, como tal, tal desiderato é ainda obtido por força da cobrança coerciva das respetivas quantias.
III A nova condenação sofrida pelo arguido no âmbito de PCS nº 84/18.5PFBRG, do mesmo Tribunal, não é suficientemente demonstrativa da incapacidade daquele para se deixar motivar pela solene advertência contida na sentença judicial proferida nos presentes autos, de modo a inverter o seu comportamento impulsivo e violento e adotar uma conduta conforme ao normativo vigente em sociedade.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:
           
I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 615/13...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Braga – Juiz ..., no dia 17.03.2023, pelo Exmo. Juiz foi proferido despacho com o seguinte dispositivo (referência ...65):

«Pelo exposto, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal e sem necessidade de audição prévia do arguido, declaro extinta a pena de prisão aplicada ao arguido AA.»

I.2 Inconformado com tal decisão, dela veio o assistente BB interpor o presente recurso, que na sua motivação culmina com as seguintes conclusões e petitório (certidão para instrução do recurso com referência ...99):
           
“1.O tribunal recorrido, por despacho proferido em 17 de março de 2023, com data de elaboração eletrónica de 21 de março de 2023, o qual se considera notificado no dia 24 de março de 2023, decidiu:
“Pelo exposto, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal e sem necessidade de audição prévia do arguido, declaro extinta a pena de prisão aplicada ao arguido AA.”
2.O Assistente/Recorrente não se pode conformar com o despacho proferido, merecendo o mesmo censura, pelo que o recurso versará sobre a matéria de direito, concretamente sobre a extinção da pena de prisão aplicada ao arguido AA, como veremos infra. 
3.Antes de mais, importa salientar que a decisão recorrida deveria ser fundamentada, contendo uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, originando que a decisão recorrida padeça de nulidade por violação do n.º 2, do artigo 374.º, 379.º, n.º 1 do Código de Processo Penal.
4.Ora, a fundamentação das decisões é efectivamente uma exigência constitucional, tal como decorre do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa: “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
5. Ora vejamos, segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira “o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso. Nestes casos, particularmente, impõe-se a fundamentação ou motivação fáctica dos actos decisórios através da exposição concisa e completa dos motivos de facto, bem como das razões de direito que justificam a decisão (…)” (cfr., Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.º Vol., 3.ª ed., Coimbra Editora, págs. 798 e 799 e Magistrados do Ministério Público, Código de Processo Penal Comentários e Notas Práticas, Coimbra Editora, 2009, pág. 951).
6. Sendo que, o despacho recorrido não se encontra, com o devido respeito, fundamentado, nem justifica de forma clara como chegou à decisão de extinção da pena de prisão aplicada ao Arguido, o que significa que estamos perante uma insuficiente fundamentação do despacho de que se recorre, determinando que o mesmo seja nulo nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), com referência ao artigo 374.º, n.º 2, ambos do CPP, cuja nulidade expressamente se argui para todos os devidos efeitos legais.                                            
7.Pelo exposto, entendemos que a DECISÃO RECORRIDA É NULA por violação do
disposto nos artigos artigo 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1 al. a) do Código de Processo Penal (CPP).
8. Por sentença transitada em julgado em 19/02/2018 foi o ora arguido condenado pela prática de um crime de pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a), e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento dos seguintes deveres:
a) ressarcir o demandante civil BB do valor ali fixado a título de indemnização civil no montante de 5.000,00€ (cinco mil Euros), no prazo de 18 (dezoito) meses a contar do trânsito em julgado daquela sentença, devendo o arguido disso fazer prova nos presentes autos mediante a junção do respetivo recibo;
b) responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
c) receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
d) informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso; 
e) obter autorização do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.
9. Ora, entende o Meritíssimo juiz a quo que não deverá a pena suspensa ser revogada, no entanto não poderemos concordar com tal posição.
10. Na verdade, os presentes autos transitaram em julgado a 19/02/2018, tendo o Arguido o prazo de 18 meses para proceder ao pagamento da quantia de €5.000,00, condição da suspensão da pena de prisão.
11. Sucede que, já decorreram mais de três anos desde a data que o pagamento já deveria ter ocorrido.
12. De facto, conforme decorre expressamente dos presentes autos o Assistente ficou com variados danos não patrimoniais e físicos que condicionam a sua vida.
13. Além disso, avançou o ora Assistente com processo executivo para cobrança coerciva do pedido de indeminização civil, que corre por apenso aos presentes autos, e apenas foi possível penhorar uma conta bancária, sendo possível a restituição ao Assistente da quantia de €1.900,00, valor que não poderá ser somado ao montante pago a título de condição de suspensão da pena de prisão.
14. Até porque o Arguido não detém qualquer bem imóvel ou móvel registado a seu favor, vivendo à margem, propositadamente, pois que é do conhecimento geral que continua a trabalhar e auferir montantes superiores à média. Não sendo possível ao Assistente reaver o valor do pedido de indeminização cível a seu favor.
15. Já que foi um valor cobrado coercivamente e, não um valor pago voluntariamente pelo Arguido no âmbito da referida suspensão.  
16. Pelo que, o Arguido procedeu ao pagamento da quantia de €3.925,00, encontrando-se ainda em falta a quantia de €1.075,00, valor que deverá ser cumprido integralmente.
17. Além disso, não consta do processo qualquer relatório social elaborado após os dois anos da suspensão da pena de prisão, o que constitui uma nulidade que se invoca para todos os devidos efeitos legais.
18. Apenas foi o Arguido nada mais tendo o Tribunal a quo requerido no sentido de perceber a situação profissional e económica comprovada do Arguido e do seu agregado familiar.
19. A isto acresce que, apesar do crime por qual o Arguido foi condenado no período de suspensão ter natureza diversa o certo é que o mesmo manteve a atividade criminosa e, tal deverá ser tido em consideração para estes efeitos!
20. Pois uma vez mais o Arguido sai praticamente impune, não tendo sentido qualquer efeito da pena na qual foi condenado e, por essa mesma razão continua a reincidir na prática criminosa, pois que efeitos é que teve o Arguido na sua vida perante o crime no qual foi condenado? 
21. Aliás o Tribunal premiou a sua conduta, dizendo, com o devido respeito, já pagaste uma parte, este processo fica resolvido, sumariamente foi isto que sucedeu!
22 Face aos termos do artigo 55º do Código Penal e diante da não obediência do Arguido à condição fixada pelo Tribunal, este poderia ter impulsionado as possibilidades previstas naquele dispositivo legal, nas suas alíneas a) a c), mas não o fez.
23.O Tribunal violou o artigo 51º, n.º 1, alínea a) do C.P., ao não exigir o cumprimento da obrigação em que a sentença condenou o Arguido.
24. O Tribunal deveria ter concluído que o condenado agiu com culpa, inviabilizando a condição de suspensão.
25. O Arguido teve mais de cinco anos para pagar o montante devido ao Assistente, tempo mais que razoável e suficiente, segundo as regras de experiência e para o comum dos cidadãos.
26. São completamente alheias ao Assistente e à Justiça as razões pelas quais o Arguido não dispõe atualmente daquela quantia, nem podem tais circunstâncias relevar para efeitos de extinção da pena.
27. A conduta do aqui Arguido revela manifestamente um elevado e especial grau de culpa no não cumprimento da condição da suspensão da pena.
28. O Tribunal, com o despacho ora em crise, violou claramente as finalidades de prevenção criminal e punição que levaram à aplicação da pena ao Arguido, as quais se mostram frustradas em virtude daquele.
29. O Tribunal fez um juízo erróneo da aplicação do preceito vertido no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) do CPP.
30. O Tribunal violou o disposto no artigo 57º, n.º 1 do C. Penal, pois, existem motivos que necessariamente teriam de conduzir à revogação da suspensão da pena. Deverão tais motivos ser ponderados e deve a suspensão da pena ser revogada, tornando-se efetiva e devendo o Arguido ser condenado a cumpri-la.
31. Assim, parece-nos que existem fundamentadamente um circunstancialismo que leve à revogação da suspensão da pena de prisão, ou caso, assim não se entenda, não poderá a referida pena ser declarada extinta pelo cumprimento, pois que o cumprimento apenas ocorre quando o Arguido proceder ao pagamento integral da quantia de €5.000,00, o que efetivamente ainda não sucedeu, devendo o prazo de suspensão ser prorrogado pelo período necessário ao cumprimento integral do referido pagamento, devendo assim o despacho recorrido ser alterado nessa conformidade.
 
TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado totalmente provado e procedente, e, em consequência, ser revogado o despacho recorrido datado de 17/03/2023 e substituído por outro que declare a revogação da suspensão da pena de prisão, ou caso assim, não se entenda, deve ser revogado o despacho recorrido e substituído por outro que prorrogue o período de suspensão para cumprimento integral do pagamento da quantia em que foi o ora Arguido condenado.
Mas V.ex.as farão a INTEIRA e SÃ JUSTIÇA, como já é habitual.”
           
Na primeira instância, o Digno Magistrado do Ministério Público, notificado do despacho de admissão do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou a sua douta resposta em que defende a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida ((certidão para instrução do recurso com referência ...99).

I.3 Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu douto parecer em que sustenta a improcedência do recurso (referência ...33).
Não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
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II – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)[1].

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir são as seguintes:
▪ Sobre a arguida nulidade do despacho por falta de fundamentação (arts. 374º, nº2 e 379º, nº1, al. a), ambos do CPP.
▪ Sobre a arguida nulidade por inexistência de relatório social após o decurso de dois anos desde a suspensão da execução da pena de prisão.
▪ Saber se se mostram verificados os requisitos legais para a decidida extinção da execução da pena de prisão aplicada ao arguido ou, antes, devia ter sido determinada a revogação da suspensão da execução ou a prorrogação do prazo desta, em virtude de ainda não se encontrar integralmente cumprida a condição de pagamento ao Assistente/recorrente da quantia fixada a título de indemnização civil.  
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III – APRECIAÇÃO: 
           
III.1 – Teor da decisão recorrida (transcrição):
 «Decorrido o prazo para a suspensão da execução da pena de prisão e transitada em julgado a sentença proferida no processo comum singular n.º 84/15.... do Juízo Local Criminal de Braga, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de que seja declarada a extinção da pena de prisão suspensa na sua execução nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal.
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Em cumprimento do princípio do contraditório, foram o assistente e o arguido notificados da promoção do Digno Magistrado do Ministério Público.
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O assistente pronunciou-se no sentido de que deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão, pelo não cumprimento do dever de ressarcir o assistente. Caso assim não entenda, deverá a pena suspensa ser apenas declarada extinta quando o arguido proceder ao pagamento integral da quantia de 5000,00€, o que ainda não sucedeu.
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O arguido pronunciou-se no sentido de que, tomando em consideração o valor entregue pelo arguido e a quantia bancária entretanto penhorada, já se encontra cumprido o dever de indemnizar o assistente. Pronunciou-se igualmente de que o crime apreciado no processo comum singular n.º 84/15.... é de natureza substancialmente diversa, pelo que não deverá ser determinada a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido.
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Cumpre apreciar e decidir.

Por sentença transitada em julgado no dia 19 de fevereiro de 2018, o arguido AA foi condenado, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido pelos artigos 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a), e 132.º, n.º 2, alínea h), todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento dos seguintes deveres:
a) ressarcir o demandante civil BB do valor ali fixado a título de indemnização civil no montante de 5.000,00€ (cinco mil Euros), no prazo de 18 (dezoito) meses a contar do trânsito em julgado daquela sentença, devendo o arguido disso fazer prova nos presentes autos mediante a junção do respetivo recibo;
b) responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
c) receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
d) informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;
e) obter autorização do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro.
Relativamente ao dever supra referido na alínea a), por despacho datado de 18 de janeiro de 2021, já transitado em julgado – tendo à data já decorrido o prazo de suspensão de execução da pena de prisão, constatando-se que o arguido não procedeu ao pagamento da totalidade da quantia em dívida (tendo apenas procedido ao pagamento da quantia global de 1.675,00€, encontrando-se ainda em dívida, na altura o montante de 3.325,00€) –, foi ali determinado que o arguido não havia violado de forma grosseira o dever que lhe foi aplicado, pelo que não se verificavam os requisitos previstos no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, e, por outro lado, inexistia qualquer prova dos autos que demonstrasse que o arguido não cumpriu culposamente o dever fixado, pelo que igualmente não se verificavam os requisitos previstos no artigo 55.º do Código Penal, devendo os autos aguardar tão só o desfecho do processo comum singular n.º 84/18.5PFBRG nos termos do artigo 57.º, n.º 2, do Código Penal.
Anota-se que, não obstante o ali decidido, o arguido AA continuou a fazer entregas de quantias em dinheiro à ordem destes autos a fim de serem depois entregues ao assistente BB, sendo a última, no montante de 75,00€ (setenta e cinco Euros), no dia 4 de janeiro de 2023.   
Nos dias 14 de dezembro de 2021 e 11 de janeiro de 2023 foram juntas uma certidão e informação relativas à sentença proferida no processo comum singular n.º 84/18.5PFBRG deste mesmo Juízo Local Criminal de Braga – Juiz ..., onde o arguido AA foi condenado, pela prática, no dia 6 de outubro de 2018, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 (três) anos, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento dos seguintes deveres:
- dever de proceder ao pagamento da quantia de 600,00€ (seiscentos Euros) à Santa Casa da Misericórdia ..., em 12 prestações mensais, iguais e sucessivas, no valor de 50,00€ (cinquenta Euros) cada uma, sendo a primeira a pagar no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado de tal sentença, e as restantes a pagar em igual dia dos meses subsequentes, devendo o arguido disso fazer prova nos presentes autos mediante a competente junção dos recibos correspondentes;
- responder a convocatórias do magistrado responsável pela execução e do técnico de reinserção social;
- receber visitas do técnico de reinserção social e comunicar-lhe ou colocar à sua disposição informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;
- informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação superior a oito dias e sobre a data do previsível regresso;
- obter autorização do magistrado responsável pela execução para se deslocar ao estrangeiro).
Para além daquela condenação, não lhe são conhecidas quaisquer outras condenações que o arguido tenha entretanto sofrido ou da pendência de processos/inquéritos por factos praticados durante o período de suspensão da execução da pena de prisão em que foi aqui condenado. Estatui o artigo 56.º, n.º 1, do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) (…);
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.”.
Ora, é nosso entendimento que, face à diversidade do crime praticado, completamente alheio ao crime pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos, as finalidades subjacentes à suspensão da execução pena de prisão não foram afetadas, assim se seguindo inteiramente o teor da douta promoção do Digno Magistrado do Ministério Público datada de 23 de janeiro de 2023.
Pelo exposto, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do Código Penal e sem necessidade de audição prévia do arguido, declaro extinta a pena de prisão aplicada ao arguido AA.»

III.2.1 – Sobre a arguida nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação:

Defende o assistente/recorrente, BB, que a decisão recorrida deveria ser fundamentada, contendo uma exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, o que, não sucedendo, origina que a decisão recorrida padeça de nulidade por violação do n.º 2, do artigo 374.º, art. 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal e 205º, nº1, da Constituição da República Portuguesa - conclusões 3ª a 7ª.

Vejamos:

São inaplicáveis no caso as disposições conjugadas dos arts. 379º, nº1, al. a), e 374º, nº2, ambos do CPP, onde se prevê a nulidade da sentença (ou acórdão), porquanto tais normativos são reservados à decisão final prolatada no processo e não aos despachos interlocutórios, por mais relevantes que sejam.

In casu, rege o estatuído no art. 97º, nºs 1, alínea b), e 5, do CPP, donde emana que os despachos judiciais decisórios, que, não sendo de mero expediente, conheçam de qualquer questão interlocutória, devem ser sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão. 
Assim, a lei ordinária portuguesa, como corolário do disposto no art. 205º, nº1, da Constituição da República Portuguesa, consagra expressamente o dever de fundamentação dos atos decisórios dos tribunais.
Resumidamente, tal dever de fundamentação impõe ao decisor que explicite os motivos factuais e jurídicos que suportam o raciocínio subjacente à decisão tomada, assim permitindo aos destinatários da mesma apreenderem as razões que, do ponto de vista do tribunal, o conduziram a tal decisão, e, em caso de recurso, permitindo ao Tribunal ad quem sindicar o mérito do decidido por aferência do ajuste ou desacerto dos argumentos esgrimidos.
A motivação não tem de ser extensa, exaustiva e pormenorizada. Basta que seja razoável, aceitável, do ponto de vista do normal e da suficiência, o que sucederá sempre que do seu conteúdo se consiga extrair as razões subjacentes à decisão tomada pelo julgador.
No caso vertente, entendemos que, contrariamente ao defendido pelo recorrente, o Tribunal a quo fundamentou de modo suficiente no despacho recorrido a decisão de declarar extinta a pena de prisão suspensa na sua execução aplicada nos autos ao arguido.
Com efeito, ressuma do teor da decisão recorrida – transcrita no Ponto III.1 do presente aresto –, que o Tribunal a quo estribou a deliberação tomada em dois fundamentos:
a) primeiramente, no que tange ao dever estabelecido ao condenado de liquidação ao assistente/demandante civil do montante fixado a título de indemnização, a cujo cumprimento ficou subordinada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada, relembrou o Mmo. Juiz que, por despacho datado de 18 de janeiro de 2021, transitado em julgado, proferido numa ocasião em já havia decorrido o prazo de suspensão e se mostrava parcialmente satisfeita a condição (tendo o arguido apenas procedido ao pagamento da quantia global de 1.675,00€, encontrando-se ainda em dívida na altura o montante de 3.325,00€) –, foi ali determinado que o arguido não havia violado de forma grosseira o dever que lhe foi aplicado, nem se encontrava demonstrado que o seu incumprimento foi culposo, pelo que se decidiu não ser caso de aplicação das medidas previstas no art. 55º do Código Penal (doravante CP), menos ainda de revogação da suspensão, por força do disposto no art. 56º, nº1, do mesmo diploma legal, e que os autos deviam tão só aguardar o desfecho do processo comum singular n.º 84/18.5PFBRG, nos termos do artigo 57.º, n.º 2, do CP.
Na decisão recorrida chama-se ainda à colação a circunstância de o arguido AA, não obstante o ali decidido, ter continuado a fazer entregas de quantias monetárias à ordem dos autos com o fito de serem entregues ao assistente.
Da mencionada fundamentação decorre claro que o Tribunal a quo considerou que se mostrava esgotado o poder jurisdicional acerca da questão da infração culposa e grosseira do dever em apreço.
b) relativamente à condenação de que o arguido foi objeto noutro processo, pela prática, no período da suspensão, de um crime de detenção de arma proibida, em pena de 2 anos prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, sujeita a regime de prova e condicionada ao cumprimento de deveres, o Tribunal a quo, para efeitos do preceituado no art. 56º, nº1, al. b), do CP, louvando-se na promoção do Ministério Público, lavrou no despacho recorrido o seu entendimento de que, face à diversidade do crime praticado, completamente alheio ao crime pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos, as finalidades subjacentes à suspensão da execução pena de prisão não foram afetadas.
Mais notou o Mmo. Julgador que, além daquela condenação, não são conhecidas outras que o arguido tenha, entretanto, sofrido ou que se encontrem pendentes processos/inquéritos por factos praticados durante o período de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nos autos.
A discordância jurídica manifestada pelo recorrente é questão diversa da suscitada invalidade por falta de fundamentação do despacho recorrido, contendendo antes com o mérito da decisão proferida.  
Não obstante ser sucinta, a motivação aduzida pelo Tribunal a quo apresenta-se como bastante para que se compreendam as razões de facto e de direito subjacentes à decisão prolatada. Se tal decisão encontra ou não arrimo legal é questão decidendi distinta, que infra se abordará.      
Inexiste a invocada nulidade do despacho recorrido por falta ou insuficiência de fundamentação.

III.2.2 – Nulidade por falta de elaboração de relatório social após o decurso de dois anos sobre a suspensão da execução da pena de prisão:  

Alega o assistente/recorrente que não consta do processo qualquer relatório social elaborado após os dois anos da suspensão da pena de prisão, o que constitui uma nulidade. Apenas foi ouvido o Arguido nada mais tendo o Tribunal a quo requerido no sentido de perceber a situação profissional e económica comprovada do Arguido e do seu agregado familiar – conclusões 17ª e 18ª.
Conhecendo.
O recorrente esgrime uma suposta “nulidade” sem que, contudo, a fundamente de direito, como impõe o art. 412º, nº1, do CPP.
«Relatório social» é a informação sobre a inserção familiar e socioprofissional do arguido e, eventualmente, da vítima, elaborada por serviços de reinserção social, com o objetivo de auxiliar o tribunal ou o juiz no conhecimento da personalidade do arguido, para os efeitos e nos casos previstos na lei – art. 1º, alínea g), do CPP.

Estipula o art. 51º, nº1 do CP: “O tribunal pode determinar que os serviços de reinserção social apoiem e fiscalizem o condenado no cumprimento dos deveres impostos”.
Tendo sido determinado que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido fosse acompanhada de regime de prova, assente num plano de reinserção social, este foi executado com a vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social (cf. art. 53º, nº1, do CP). 

No caso vertente, com vista à prolação do despacho ora recorrido, o Tribunal a quo, que já dispunha das informações periódicas prestadas pelos serviços de reinserção social (DGRSP), procedeu à audição dos sujeitos processuais. E não se vislumbra razão para que determinasse outra diligência probatória incidente sobre a situação financeira e económica do condenado, tanto mais que, como vimos, o Mmo. Juiz entendia – e bem, como infra se acentuará – como definitivamente decidida a questão atinente ao incumprimento do dever de pagamento integral do valor correspondente ao fixado a título de indemnização devida ao demandante civil.                    
Destarte, não se verifica a invocada nulidade.
   
III.2.3 – Verificação ou não dos pressupostos legais para a extinção da pena suspensa:

Estipula o art. 55.º do Código Penal, sob a epígrafe “Falta de cumprimento das condições de suspensão”:

“Se durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionaram a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº5 do artigo 50.º.”

Por seu turno, prescreve o art. 56.º do Código Penal (“Revogação da suspensão”):
“1 – A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2 – A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição das prestações que haja efetuado.”

Nos termos do art. 57ºdo Código Penal:
“1 - A pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação.
2 - Se, findo o período da suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de reinserção, a pena só é declarada extinta quando o processo ou o incidente findarem e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período da suspensão.”
A suspensão da execução da pena de prisão assume a natureza de verdadeira pena de substituição e a sua aplicação dentro do condicionalismo legal vertido no art. 50.º do CP visa realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (na versão introduzida pela Reforma Penal de 1995 – DL n.º 48/95, de 15.03). A versão de 1982 reportava-se ao desiderato de “afastar o delinquente da criminalidade e satisfazer as necessidades de reprovação e prevenção do crime”. Note-se, porém, que a falta de menção expressa atual ao fito de afastamento do condenado da prática de novos factos ilícitos criminais só ocorre por mera desnecessidade da sua formulação, porquanto, como é óbvio, essa é sempre uma finalidade – a primeira, aliás – da suspensão da execução da pena de prisão, uma vez que a realização das finalidades preventivas, designadamente de cariz especial, isso impõem, e só afirmando esse previsível (futuro) não cometimento de outros crimes será possível formular um juízo de prognose favorável sobre a desejada (re)integração do agente na sociedade.
Resulta da análise concatenada dos supracitados preceitos legais que, em caso de incumprimento culposo e grave das condições da suspensão, a sua revogação não surge automaticamente, só devendo ser decretada se qualquer das medidas previstas no art. 55º não se revelar, ainda, adequada e suficiente a acautelar as finalidades punitivas.
O tribunal só optará pela revogação da suspensão se não encontrar alternativa, ou seja, como ultima ratio. A não ser que se defronte com as situações previstas no art. 56º (incluindo a impossibilidade de manutenção de um juízo de prognose favorável quanto à satisfação das finalidades punitivas) que constituem casos de revogação obrigatória – cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português”, Parte Geral, II - As consequências Jurídicas do Crime”, 1993, p. 355 e ss.
Conforme também doutrinam Leal Henriques/Simas Santos, in “Código Penal Anotado”, 1º Volume, 1997, p. 481, «[…] nem toda a violação dos deveres impostos deve conduzir à revogação da suspensão»; «na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão, e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as restantes providências que este preceito - referindo-se ao art. 55º - contém». E acrescentam: «As causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão. O réu deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena».
Como se menciona no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.04.2018, Processo nº 175/09.3GCFVN-A.C1, disponível em www.dgsi.pt, «A revogação da suspensão, acto decisório que determina o cumprimento da pena de prisão substituída, não constitui uma consequência automática da conduta do condenado, antes depende da constatação de que as finalidades punitivas que estiveram na base da aplicação da suspensão já não podem ser alcançadas através dela, infirmando-se definitivamente o juízo de prognose sobre o seu comportamento futuro. Na situação prevista na alínea b) [do art. 56.º do CP], a revogação depende da verificação da dupla condição consubstanciada no cometimento de novo crime que infirmou definitivamente o juízo de prognose favorável em que a suspensão se baseou, no sentido de que deixou de ser possível esperar, fundadamente, que daí para a frente o condenado se afaste da prática de outros ilícitos. Tendo o novo crime sido punido com prisão efectiva, esta pena tem subjacente o juízo de que as finalidades que estiveram na base da decisão prévia de suspensão não puderam ser alcançadas.»
A não automaticidade da revogação da suspensão por força da prática de novo crime doloso no decurso do prazo da suspensão ou de incumprimento de obrigações e/ou deveres fixados é também vincada no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18.06.2018, Processo nº 258/12.2GBVNF-B.G1, disponível em www.dgsi.pt: «Com o segmento final do art. 56º, nº 1, b), do C. Penal, a revogação, ope legis, da suspensão como efeito automático da prática de um novo crime doloso no período dessa suspensão - pelo qual o agente venha a ser punido com pena de prisão - está posta de lado e delimitada aos casos em que esse facto imponha a conclusão de que se frustrou o juízo de prognose que havia fundamentado a suspensão, a ponderar, ainda e de novo, à luz dos fins das penas - tal como deve suceder com o incumprimento, em geral, de obrigações ou deveres impostos ao condenado como condições da suspensão da execução da pena de prisão -, suscitando-se a apreciação judicial sobre a personalidade e condições de vida do arguido, a sua conduta anterior e posterior ao crime e o circunstancialismo que envolveu o cometimento pelo mesmo do(s) novo(s) crime(s), à luz dos fins das penas e, ainda, dos critérios consagrados no art. 50º, nº 1, do C. Penal.»
Posto isto, diremos que a decisão recorrida mostra-se devidamente fundamentada de facto e de direito e justifica a nossa plena concordância.
Desde logo, como bem observou o Tribunal a quo – ainda que de modo menos explícito, reflexo –, encontrava-se esgotado o seu poder jurisdicional acerca da apreciação do pressuposto de incumprimento culposo e grave do dever que impendia sobre o arguido de proceder ao pagamento integral ao lesado/demandante civil da quantia arbitrada a título de indemnização (€ 5.000,00), no prazo de 18 meses após o trânsito em julgado da sentença condenatória, uma das obrigações a cujo cumprimento estava subordinada a suspensão, por 2 anos, da execução da pena de 2 anos de prisão cominada ao arguido AA.
Quando proferiu o despacho de 18.01.2021, entretanto transitado em julgado, após o decurso do prazo de suspensão de execução da pena de prisão e mediante constatação de que o arguido não havia procedido ao pagamento da totalidade da quantia em dívida (tendo apenas procedido ao pagamento da quantia global de 1.675,00€, encontrando-se ainda em dívida, na altura o montante de 3.325,00€) –, o Tribunal recorrido logo ali decidiu que o arguido não havia violado de forma grosseira o dever que lhe foi aplicado, pelo que não se verificavam os requisitos para a revogação da suspensão previstos no artigo 56.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, acrescendo que inexistia qualquer prova dos autos que demonstrasse que o arguido não cumpriu culposamente o dever fixado, pelo que igualmente julgou não se demonstrarem os requisitos previstos no artigo 55.º do mesmo Código para efeitos de aplicação de medidas alternativas à revogação da suspensão.
Em conformidade, o Mmo. Juiz decidiu que os autos se limitassem a aguardar o desfecho do processo comum singular n.º 84/18.5PFBRG nos termos do artigo 57.º, n.º 2, do Código Penal, em que o arguido se encontrava acusado da prática de um crime de detenção de arma proibida, perpetrado no decurso do prazo de suspensão da pena que lhe foi aplicada nos presentes autos.

Prescreve o art. 613º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do art. 4º do CPP, na parte que ora importa:
“1 – Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.
[…]
3 – O disposto nos números anteriores, bem como nos artigos subsequentes, aplica-se, com as necessárias adaptações aos despachos.”
Perante o sobredito circunstancialismo processual, julgamos que se o Tribunal a quo, em contraposição com o anteriormente decidido sobre a mesma questão, viesse a alterar o entendimento lavrado no sobredito despacho e a decidir que o comportamento omissivo do arguido consubstanciava um inadimplemento culposo e grave, determinante da revogação da suspensão da execução da pena, estaria a violar o caso julgado formal nesse conspecto gerado.
Como menciona Germano Marques da Silva [in “Direito Processual Penal Português – Vol. 3, Do Procedimento (Marcha do Processo)”, UCE, 2018, p. 36-37], «[o] caso julgado é um instituto que visa a proteção das decisões jurisdicionais, sem o que essas decisões não seriam vinculativas já que poderiam ser repetidamente modificadas» e «[…] o caso julgado material, segundo o entendimento comum, é limitado às decisões de mérito (art. 619º do CPC), enquanto o caso julgado formal respeita a quaisquer decisões, meramente processuais ou também de mérito.»  
Mostrava-se esgotado o poder jurisdicional do Tribunal, estando-lhe vedado por lei conhecer, ainda que oficiosamente, de novo da mesma questão, atinente ao carácter culposo, grosseiro ou reiterado do incumprimento daquele dever imposto.
Ainda que assim não fosse – como é – sempre seria de concluir que o inadimplemento em apreço não se mostra grave ou sequer culposo e, dessarte, justificativo da determinação da prorrogação do período de suspensão ou, ainda menos, da revogação da suspensão, como pretende o assistente/recorrente.
Chama-se aqui à colação o decidido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09.09.2015, proferido no processo nº 83/10.5PAVNO.E1.C1, disponível em www.dgsi.pt:
«III. A infracção grosseira é a que resulta de uma atitude particularmente censurável de descuido ou leviandade, aqui se incluindo a colocação intencional do condenado em situação de incapacidade de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de reinserção. Já a infracção repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou do plano individual de reinserção é aquela que resulta de uma atitude de descuido e leviandade prolongada no tempo, revelando uma postura de desprezo pelas limitações resultantes da sentença condenatória.
IV. A infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou ao plano individual de reinserção, durante o período de suspensão, determinará a revogação da suspensão enquanto circunstâncias que põem em causa, definitivamente, o prognóstico favorável que a aplicação da pena de suspensão necessariamente supõe.
V. Não convencendo que não voltará a delinquir, temos como definitivamente infirmado o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena, sendo a única medida ajustada ao caso concreto a revogação da suspensão da pena, nos termos do art.56.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Código Penal e o consequente cumprimento da pena de prisão fixada nos presentes autos.»

Como não deixou de notar o Mmo. Julgador no despacho recorrido, pese embora o decidido no despacho proferido já em 18.01.2021, o arguido continuou a fazer entregas de quantias em dinheiro à ordem destes autos a fim de serem depois entregues ao assistente BB.
Como admite o próprio recorrente [conclusões 13 a 16], o arguido pagou voluntariamente até ao momento a quantia de € 3.925,00, encontrando-se em falta a quantia de € 1.075,00. Adianta ainda que no âmbito do processo executivo que moveu contra o demandado civil para obter coercivamente o pagamento do quantum indemnizatur judicialmente fixado, logrou penhorar e obter o saldo de uma conta bancária titulada pelo executado, no montante de € 1.900,00.
Contudo, entende o recorrente que este segundo valor não pode ser adicionado ao pago voluntariamente pelo arguido para dar cumprimento ao dever imposto para efeito de suspensão da execução da pena de prisão.
Diversamente, entendemos que a importância obtida pelo demandante civil por via da cobrança coerciva, pode e deve ser contabilizada para efeito do valor indemnizatório efetivamente pago pelo arguido/lesante àquele, porquanto o seu somatório há-de corresponder quer ao montante liquidado voluntariamente quer ao cobrado coercivamente, sob pena de um enriquecimento indevido, sem causa, do lesado. Assim, mostra-se já liquidada a totalidade do montante fixado pelo Tribunal a título de indemnização civil devida pelo demandado ao demandante civil, pelo que o recorrente nada mais tem a reclamar a esse título.
Questão de diferente índole é a de saber se o ressarcimento do ofendido por força da obtenção de uma quantia que não foi voluntariamente entregue pelo lesante, podia ser considerado pelo Tribunal da condenação para efeitos de cumprimento do dever estabelecido como condição para a suspensão da execução da pena. Afigura-se-nos que nada impediria que tal inclusão ocorresse, na medida em que a fixação do dever em causa encontra-se intrinsecamente conexionada com a reparação do mal do crime e a respetiva consciencialização do agente de que este não compensa, para que inverta o seu comportamento delinquente, e, como tal, tal desiderato é ainda obtido por força da cobrança coerciva das respetivas quantias.      
Logo, não se justificava, nos termos do art. 55º, al. d), a prorrogação do prazo de suspensão para que o condenado pudesse continuar a fazer pagamentos ao demandante civil/recorrente, que, frisa-se, seriam indevidos.
Independentemente dos sobreditos considerandos, é curial concluir, por referência ao circunstancialismo verificado à data do termo do período de suspensão, que o dito inadimplemento é parcial e não se mostra severo ao ponto de sustentar a clamada revogação da suspensão da pena.
Acresce que não se pode afirmar que o incumprimento é culposo, unicamente imputável ao arguido, pois que apenas se sabe que este não dispõe de bens móveis ou imóveis registados em seu nome e não lhe são conhecidas outras fontes de rendimento (quanto a este último conspecto, o recorrente limita-se a arrazoar rumores não comprovados nos autos, alegando que «é sabido que continua a trabalhar e a auferir montantes superiores à média»).    
Além disso, como se decidiu em primeira instância, a nova condenação sofrida pelo arguido no âmbito de PCS nº 84/18.5PFBRG, do mesmo Tribunal, não é suficientemente demonstrativa da incapacidade daquele para se deixar motivar pela solene advertência contida na sentença judicial proferida nos presentes autos, de modo a inverter o seu comportamento impulsivo e violento e adotar uma conduta conforme ao normativo vigente em sociedade.
O arguido foi condenado naqueloutro processo pela prática de um crime de detenção de arma proibida, isto é, de natureza assaz distinta do crime que lhe valeu a condenação nos presentes autos, de ofensa à integridade física qualificada. Acresce que a lhe foi aplicada uma pena de prisão suspensa na sua execução, o que significa que o Tribunal da nova condenação entendeu ser ainda viável conceder uma oportunidade ao arguido para, em meio livre, adotar um modo de vida conforme ao Direito.       
A nova condenação não se revela suficiente para infirmar o juízo de prognose favorável ao futuro afastamento do condenado da prática de crimes e de reintegração social que foi emitido por via da decretada suspensão da execução da pena.
Salvo o devido respeito pela opinião do recorrente, consideramos que os autos fornecem elementos capazes de sustentar a posição adotada pelo tribunal a quo, ou seja, que ainda se mostra viável a reinserção social do agente, sem risco acrescido para bens jurídicos penalmente tutelados, e sem recurso à medida mais gravosa de revogação da suspensão da penal que conduz fatalmente à privação da liberdade do arguido, em meio prisional.
Soçobra, destarte, o recurso apresentado pelo assistente
*
IV - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o douto recurso interposto pelo assistente BB e, consequentemente, manter a douta decisão recorrida.

Custas pelo assistente/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art. 515º, nº1, al. b), do CPP, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, todos do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo), sem prejuízo da eventual proteção jurídica na respetiva modalidade de que beneficie.
*
Guimarães, 19 de março de 2024,
                                                                                                             
Paulo Correia Serafim (Relator) [assinatura eletrónica]
Paulo Almeida Cunha (1º Adjunto) [assinatura eletrónica]      
António Teixeira (2º Adjunto) [assinatura eletrónica]

(Acórdão elaborado pelo relator e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)


[1] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade.