Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
28/22.0GABCL.G1
Relator: PAULO CORREIA SERAFIM
Descritores: SANÇÃO ACESSÓRIA DE AFASTAMENTO DO TERRITÓRIO NACIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/19/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Os pressupostos de aplicação da sanção acessória de pena privativa da liberdade de afastamento do território nacional estão previstos nos, 22º, 23º, 24º e 28º n.º 1 da Lei nº 37/2006, de 09.08, que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril, regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional.
II- Ressuma das sobreditas disposições legais que para os cidadãos nacionais de um estado membro da União Europeia residentes em território Português a decisão sobre a aplicação da sanção acessória de afastamento do território nacional pressupõe, além do mais, a ponderação das consequências que da sua execução dimanam para o arguido e para aqueles que constituem o seu agregado familiar, bem assim a avaliação da gravidade dos factos e os seus reflexos em termos de permanência do condenado em território nacional.
Exsuda ainda dos referidos normativos legais que a decisão de afastamento do território nacional de um residente de longa duração (10 ou mais anos) só pode basear-se na circunstância de este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a segurança pública.
Constituindo a decisão de afastamento do território nacional uma indubitável ingerência na vida da pessoa afastada, pressupõe sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade entre o interesse público a salvaguardar e a prossecução das finalidades referidas no artigo 8º, nº2, da Convenção Europeia, o direito do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e na relações familiares, que podem sofrer uma séria afetação com o afastamento do território nacional, particularmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece sobremaneira os laços com o país de origem
III- os ilícitos criminais cometidos pelo arguido são graves e punidos com pena privativa da liberdade de duração considerável.
Além disso, a prática dos ajuizados crimes não se revela um desafortunado e isolado episódio na vida do arguido, antes se insere num percurso caracterizado pela adoção de frequentes, reiterados comportamentos criminosos, de gravidade estimável, iniciado escassos meses após a entrada em território português e mantido até à atualidade, não obstante o cumprimento nesse ínterim de penas de prisão de duração não despicienda.
Desde que chegou, em junho de 2007, o arguido passou boa parte do tempo de permanência no nosso país em regime de reclusão prisional. Quando beneficiou de liberdade, condicional ou definitiva, pouco tempo demorou a perpetrar novos crimes, o que demonstra bem a sua incapacidade de estruturar e prosseguir a sua vivência em conformidade com as regras vigentes na nossa sociedade.
A segurança pública mostra-se, destarte, seriamente em risco perante a presença do arguido em território português.
Ademais, ao tempo dos ajuizados factos, assim como atualmente, o arguido não dispunha de ocupação laboral nem perspectiva de obtenção em breve de atividade profissional.
Também não tinha, como não tem, família em território português, encontrando-se a ex-esposa, a filha e os pais a residirem no país de origem, ..., enquanto a sua irmã habita nos .... Mostra-se também há muito finda a relação de união de facto que o arguido manteve uma cidadã portuguesa. Donde, o afastamento do arguido do território português não interrompe, não cerceia qualquer relacionamento familiar, amoroso e/ou afetivo, em termos significativos, que se mostrasse aqui estabelecido.
Não se vislumbra, pois, que da execução da sanção acessória possa redundar para o arguido ou para terceiros um prejuízo material ou psicológico expressivo, como tal atendível.
Em suma, porque necessária, adequada e proporcional ao asseguramento da segurança pública, é de manter a decisão recorrida de aplicação da sanção acessória de afastamento do arguido do território português.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:
           
I.1 No âmbito do Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 28/22...., do Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Central Criminal de Guimarães – Juiz ..., por acórdão proferido e depositado em 09.03.2023 (referências ...65 e ...39, respetivamente), foi proferida a seguinte decisão:

A. ABSOLVER o arguido AA da prática, em autoria material, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 22.º, 23.º, 203.º e 204.º, n.º 2, al. e), todos do Código Penal, de que vinha acusado.
B. CONVOLAR este ilícito (referido em A) para um crime de furto desqualificado, nos termos dos arts. 203.º, 204.º, n.ºs 2, al. e) e n.º 4 do Código Penal e, assim, HOMOLOGAR a desistência de queixa apresentada pela ofendida BB, nos termos das disposições conjugadas do art. 116.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal e arts. 49.º e 51.º, ambos do Código de Processo Penal.
C. CONDENAR o arguido AA da prática, em autoria material e em concurso efectivo, de
i. um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d), todos do Código Penal [pontos 1 a 9, referente à ofendida CC], na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
ii. um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d), todos do Código Penal [pontos 10 a 13, referente a ofendido DD], na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;
iii. um crime de furto qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d) [[pontos 18 a 22, referente a ofendido EE], na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão;
iv. na sanção acessória de afastamento do território nacional, pelo período de 5 (cinco) anos, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 22.º, n.ºs 1 a 3, 23.º, n.ºs 1 a 3, e 28.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 37/2006, de 09.09;
v. em cúmulo jurídico, vai o arguido condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão e na sanção acessória de afastamento do território nacional, pelo período de 5 (cinco) anos.
D. MANTER a medida de coacção de prisão preventiva a que se encontra sujeito o arguido até ao trânsito em julgado da presente decisão, nos termos dos arts 191.º, 192.º, 193.º, 202.º, 204.º, als. a) e c) e 213.º, n.ºs 1, al. a) e 2, todos do C.P.P.
E. DECLARAR PERDIDOS A FAVOR DO ESTADO todos os bens apreendidos, nos termos do art. 109.º do Código Penal.
F. DECLARAR PERDIDA A FAVOR DO ESTADO a vantagem económica no valor de 12.000,00€ (doze mil euros), CONDENANDO-SE o arguido a pagar tal importância no prazo de 18 (dezoito) meses a contar do trânsito em julgado da decisão, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 110.º, nº 1, al. b) e 4 e 112.º-A, ambos do Código Penal.”

I.2. Inconformado com a decisão condenatória, veio o arguido AA interpor recurso, que, na motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (referências ...21 e ...47)[1] - transcrição:

“1 – Foram dados como provados os seguintes factos:
Ponto 30. Oriundo de ..., ..., o processo de desenvolvimento de AA decorreu junto da família de origem, pais, operários fabris, e uma irmã mais nova. O ambiente familiar vivenciado foi caracterizado como equilibrado nas relações entre os vários elementos da família, num contexto económico modesto.
O arguido frequentou o ensino regular, onde obteve um grau de ensino equivalente ao 12.º ano de escolaridade.
Aos 19 anos iniciou o seu percurso laboral em unidade metalúrgica de fundição, onde laborou 5 anos, após o que exerceu actividade em banca de venda de fruta em mercado local durante dois anos, até conhecer a sua primeira companheira e optar por desenvolver actividade laboral junto do pai da mesma que dispunha de bancas de vestuário e calçado.
Veio para Portugal em Junho de 2007, aliciado por um amigo que já se encontrava aqui a residir, tendo beneficiado do apoio deste, nomeadamente para arrendar habitação de modo a permitir a vinda da esposa e da filha em setembro do mesmo ano.
Até ser preso preventivamente, conjuntamente com o referido amigo, em Novembro do mesmo ano, nunca exerceu actividade laboral, tal como a esposa, subsistindo, alegadamente, o núcleo familiar com base em poupanças e no apoio de familiares daquela, residentes em ..., país onde o arguido se deslocaria com alguma frequência.
Foi, entretanto, condenado em Março de 2009 na pena de 4 anos e 9 meses de prisão pelos crimes de furto qualificado, detenção de arma proibida e contraordenação, tendo cumprido a mesma até ser libertado condicionalmente. Pouco tempo antes da sua libertação, deixou de beneficiar do apoio da esposa que terminou a relação com o mesmo, suscitando a procura de enquadramento habitacional e familiar diverso do perspetivado.
Através do apoio de familiar de outro recluso com quem desenvolveu relações de amizade, arrendou em Agosto de 2010 habitação autónoma, em ....
Até ao termo da liberdade condicional, em 24 de Agosto de 2012, AA evidenciou padrão de vida diferenciado, consubstanciado em diversos indicadores de afluência económica, nomeadamente ao nível da aquisição de bens materiais e práticas de consumo, suportado, segundo afirmava, nos rendimentos obtidos através do exercício continuado de actividade não formalizada de recolha e venda de sucata, inicialmente junto da mãe da companheira, posteriormente de forma autónoma desde ../../2012. Em Março desse mesmo ano, abriu estabelecimento comercial de roupa interior, inserido em espaço comercial em ..., com funcionamento assegurado pela companheira.
Em 2016 voltou a cumprir uma pena de prisão efectiva pela prática de um crime de natureza sexual, beneficiando de liberdade no final dessa pena, em 2020.
Durante este período beneficiou de apoio habitacional por parte da mãe da ex companheira (FF), mas apenas por um ano.
À data dos factos, o arguido residia sozinho em casa arrendada e referiu estar desempregado e era apoiado financeiramente pelos familiares da ex-companheira FF. Esta, funcionária de uma empresa de limpeza, também o ajudava pontualmente.
Neste momento, o arguido não tem enquadramento profissional nem dispõe em Portugal de qualquer apoio, nomeadamente da sua ex-companheira.
Os pais, mantêm residência em ..., ..., e a sua irmã reside na ....
Continua a beneficiar do apoio da sua família de origem e filha, actualmente com 20 anos de idade.
No interior do Estabelecimento Prisional tem assumido comportamentos adequados às normas e regras da instituição.
Já exerceu actividade na cozinha e no bar dos guardas prisionais.
Revela necessidades ao nível da interiorização do desvalor da conduta, apresentando, ainda, uma reduzida capacidade de reflexão sobre a sua conduta e sem consciencialização efectiva dos danos e consequências que as suas decisões provocam.
31. Constam do C.R.C. do arguido as seguintes condenações:
- no processo n.º 1232/07.... do então ... Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, foi condenado pela prática, em 25.11.2007, de um crime de furto qualificado e de um crime de detenção e arma proibida, pena única de 4 anos e 9 meses de prisão efectiva, por acórdão proferido em 12.09.2008, transitado em julgado em 02.03.2009; por decisão de 27.11.2013, transitada em julgado, no processo de LC n.º 3388/10...., do ... Juízo do T.E.P. do Porto, foi-lhe concedida liberdade condicional e definitiva, tendo sido ainda sido declarada extinta a pena com efeitos reportados a 24.08.2012;
- no processo n.º 1519/08.... do então ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, foi condenado pela prática, em 12.11.2007, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 6.00€, por sentença proferida em 07.12.2010, transitada em julgado em 20.01.2011, tendo a pena sido extinta, pelo pagamento, em 02.11.2011;
- no processo n.º 281/13.... do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz ..., foi condenado pela prática, em 12.07.2013, de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por sentença proferida em 25.03.2014, transitada em julgado em 12.12.2014, a pena veio a ser declarada extinta em 12.12.2017;
- no processo comum colectivo n.º 53/12.... do Juízo Central Criminal de Vila do Conde Juiz ..., foi condenado pela prática, em 2012, de um crime de pornografia de menores e 10 crimes de actos sexuais com adolescentes, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, por acórdão proferido em 29.01.2015, transitado em julgado em 16.11.2015, tendo a pena sido declarada extinta em 08.09.2020;
- no processo comum colectivo n.º 231/21...., Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz ..., foi condenado pela prática, em 25.05.2021, de um crime de furto qualificado, por acórdão proferido em 24.01.2023, transitado em julgado 23.02.2023.
2 – Foram dados como não provados:
a) na caixa de cor ... género guarda joias referida no ponto 4 contivesse, também, no seu interior: um anel em ouro com quatro brilhantes, um anel em prata com sete pedras brilhantes, um fio em ouro com pendulo brilhante;
b) na caixa com descrição Ourivesarias ... referida no ponto 4 contivesse, também, no seu interior um fio em ouro com pendulo circular em forma de olho;
c) a caixa com descrição Ourivesarias ... referida no ponto 4 contivesse no seu interior um brinco em ouro com brilhante.
3 - Salvo o devido respeito e melhor opinião contrária, não foi produzida prova nos autos que permitissem o Mmº Juiz a quo dar como provada tal matéria.
4 – Uma vez que a Mm Juiz a quo fundamentou a sua convicção na análise critica e conjugada da prova produzida em audiência de julgamento, nela se incluindo designadamente, a prova documental e dentro dela, nomeadamente, o relatório social de fls. 584 e 586 dos autos principais, deveria a douta sentença ter dado como provado que,
- AA revela capacidades, ainda que em abstrato, para valorar o grau da ilicitude e para reconhecer a existência de vítimas e danos revela capacidades para valorar o grau da ilicitude e reconhecer a existência de vitimas e dano;
- o arguido através de apoio familiar de outro recluso com quem desenvolveu relações de amizade, arrendou em Agosto de 2010 habitação autónoma, em ...;
- pelo menos desde 2010 até esta data, o arguido através de apoio familiar de outro recluso desenvolveu relações de amizade com GG, e que, à data dos factos era apoiado financeiramente pelos familiares da ex-companheira.
- nos períodos que mediou entre as penas de prisão o arguido exerceu a atividade de compra e venda de sucata e abriu uma loja de roupa interior.
5 – O tribunal a quo ao dar como provados os factos, nomeadamente no ponto 30, na versão que consta da fundamentação da sentença, violou, entre outros, o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127º, do CPP.
6 - A decisão recorrida não satisfaz os requisitos necessários de motivação de sentença, pois não apresentou as características fundamentais da (1) “correção”, no sentido da sua aderência aos elementos probatórios adquiridos, do (2) “completamente”, no sentido da sua extensão a todos os elementos relevantes para a formação dos juízos sectoriais conducentes ao juízo decisório, e da (3) “lógica”, no sentido da sua conformidade aos cânones que presidem às formas do raciocínio e que a este confiram a natureza de ato de demonstração da realidade.
7 – Ocorre, assim, erro notório na apreciação da prova, nomeadamente, porque houve violação da valoração da prova documental bem como violação das regras da experiência, tendo o tribunal decidido contra a prova produzida, acolhendo uma versão que esta não comporta, e violando as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
8 - Ao proferir decisão condenatória com erro notório na apreciação da prova, lavrou sentença ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, nº 2, al. a) do CPP, com as consequências previstas no art. 426º, nº1 do CPP.
9 – Por outro lado, o arguido confessou a totalidade dos factos e explicou os motivos subjacentes às suas condutas. Disse, ainda, ter procedido à venda da maioria dos bens que subtraiu. Mais afirmou estar arrependido e formulou um pedido de desculpas à ofendida BB, que as aceitou, após o que declarou desistir da queixa apresentada
10 – No entanto, foi aplicada ao arguido a pena única de 5 (cinco) anos e 8 (oito) meses de prisão.
11 - A douta sentença recorrida deverá ser revogada, por se considerar que a pena de prisão aplicada ao arguido é manifestamente exagerada.
11 - Mostra-se assim desrespeitado o critério a este propósito fixado na al. c), d) e e) do n° 2 do art. 71°, artigo 72º e artigo 40º todos do Código Penal, por não ter sido atribuído o devido relevo à confissão integral dos factos, ao verdadeiro arrependimento do arguido, às condições pessoais do agente e ao pedido de desculpas feito em sede de julgamento, preceitos estes que assim foram violados pela douta sentença recorrida.
12 - Não funcionando nenhuma das circunstâncias previstas no art. 71° n° 2 do Código Penal contra o arguido, não se afigura correta a determinação concreta da pena de prisão aplicada, a qual se deveria por isso ter fixado próximo dos seus limites mínimos.
13 - Sempre a pena aplicada deve ser substituída por outra que se fixe próximo dos seus limites mínimos, quer na sua determinação quer na fixação da respetiva pena efetiva de prisão.
14 - Acresce que, a Mma Juiz a quo aplicou ao arguido a sanção acessória de afastamento do território nacional prevista na Lei 37/2006, de 09.08, sanção esta que no entendimento do arguido é desproporcional e, até, inadmissível.
15 – O arguido é um cidadão oriundo de um país estado membro da união europeia, a ....
16 - Encontra-se a residir em Portugal há mais de 10 anos, desde ../../2007.
17 – Fala fluentemente português e entende bem a língua, razão pela qual em audiência de julgamento prescindiu da presença da tradutora nomeada, tal como se pode verificar da ata de julgamento, datada de 22.02.2023.
18 - Pelo menos desde 2010 até esta data, o arguido através de apoio familiar de outro recluso desenvolveu relações de amizade com GG e sua família, que o visita mensalmente no estabelecimento prisional e que, à data dos factos era apoiado financeiramente pelos familiares da ex-companheira.
19 - Nos termos do disposto no artigo 23º n.º 3 daquele diploma legal, exceto por razões imperativas de segurança pública, não pode ser decidido o afastamento de cidadãos da União se estes tiverem residido em Portugal durante os 10 anos precedentes.
20 - Um dos princípios basilares da “pena é que deve ter uma função de reinserção do condenado que é hoje um princípio partilhado e afirmado por todos os direitos modernos”, assim como pelo Conselho da Europa que adotou uma recomendação relativa às regras penitenciárias europeias na qual recordou a importância da facilitação da reintegração dos detidos na sociedade;
21 – No acórdão P. Tsakouridis, o Tribunal de Justiça, pronunciou-se no sentido de que “porque ainda que expulso de um Estado-Membro e proibido de regressar, o delinquente libertado, enquanto cidadão da União, poderá usar a sua liberdade de circulação nos outros Estados-Membros. Será, portanto, do interesse geral que as condições de libertação do cidadão em causa sejam suscetíveis de o afastar da criminalidade e delinquência a curto, médio e longo prazo. O problema da reincidência e da reinserção do delinquente em casos de uma medida de afastamento dentro do espaço da União tal como é o caso no processo principal é, ao nosso ver, complexa na medida em que não basta posicionarmo-nos na perspetiva única da reinserção social ou da reincidência do delinquente no Estado-membro de origem ou de acolhimento mas sim de um ponto de vista da União como um espaço sem fronteiras internas onde o cidadão da União poderá continuar a circular pelos diferentes Estados-Membros (ainda que proibido de regressar ao Estado-Membro de acolhimento onde foi sujeito à medida de afastamento durante um período).”
22 - Pelo que deve a pena ser integradora e com a perspetiva de reintegração social no país em que o arguido desenvolveu fortes laços com a comunidade. Afasta-lo do país em que vive há 16 anos não é solução integradora.
23 – Deve, pois, ser revogada a sanção acessória aplicada.
24 - A douta decisão recorrida, pela errada interpretação e aplicação que deles fez, viola os artigos 22º e 23.º da Lei 37/2006, de 9.08, os artigos 18º, 29º, 32º e 33º da Constituição da República Portuguesa, os artigos 40.º, 71.º, 72.º e 73.º todos do Código Penal, os artigos 127º, 379.º, nº 1, al. c), 410.º e 412º do Código de Processo Penal.
25 - Nestes termos, e nos melhores de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ter provimento e, em consequência:
a) Ser revogado o douto Acórdão recorrido, pelo qual foi aplicada ao Recorrente a pena de 5 (anos) e 8 (oito) meses de prisão, pela prática de 3 (três) crimes de roubo qualificado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º n.º 2 al. e) ambos do Código Penal;
b) Ordenar-se a sua substituição por outro que condene o Recorrente em pena não superior a 3 (anos) anos de prisão.
c) Ser revogado o Douto Acórdão recorrido pelo qual foi aplicada ao Recorrente a sanção acessória de afastamento de território nacional prevista na Lei n.º 37/2006, de 09.08.

TERMOS EM QUE O PRESENTE RECURSO DEVE SER JULGADO PROCEDENTE, DEVENDO A DOUTA SENTENÇA SER REVOGADA E SUBSTITUIDA POR OUTRA QUE SE COADUNE COM A PRETENSÃO EXPOSTA
ASSIM DECIDINDO V.ª EX.ª FARÃO JUSTIÇA”

I.3 Na primeira instância, a Digna Magistrada do Ministério Público, notificada do despacho de admissão do recurso, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta em que suscita a questão de impossibilidade de valoração pelo Tribunal superior do documento alegadamente junto pelo recorrente após apresentação do recurso e, quanto ao mérito deste, defende a sua improcedência e a integral manutenção da decisão recorrida (referência ...00).

I.4 Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que, referindo pertinente jurisprudência e doutrina, igualmente defende a extemporaneidade da junção de documentos e pugna pela improcedência do recurso e manutenção do acórdão recorrido (referências ...19 e ...91).
Cumprido o disposto no art. 417º, nº 2, do CPP, não foi deduzida resposta ao sobredito parecer.
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.

II - Questão Prévia:

Juntamente com o recurso ora sob apreciação veio o arguido/recorrente AA juntar aos autos documento referente a alegadas visitas recebidas no estabelecimento prisional em que se encontra recluso. Após a apresentação daquela peça processual o arguido juntou também um documento alegadamente comprovativo de depósitos de quantias monetárias no seu cartão de recluso efetuados por GG [cfr. requerimento com referência ...11].   
Regulando a produção da prova documental, estatui o artigo 165º, nº1, do CPP que “O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”.
O direito processual penal rege de modo autónomo e pleno a matéria do prazo para junção de documentos pelo que não é caso de recurso analógico às disposições do processo civil (cfr. art. 4º do CPP).
Do sobredito preceito legal exsuda que após o encerramento da audiência em primeira instância não é admissível a junção de documentos.
Como explana o Exmo. Conselheiro Santos Cabral, in “Código de Processo Penal Comentado”, António Henriques Gaspar e outros, Almedina, 2021, anot. 6 ao art. 165º, p. 646, «[…] a redação do número 1 cinge-se aos ciclos processuais, e enquanto o processo se encontra na primeira instância, o que se compreende pois que, a partir do momento em que está fixada a matéria de facto, a admissão de um documento por pertinente implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas que constituem o meio de convicção do juiz de primeira instância, mas, também, sobre algo distinto que é o documento. Caso pertinente, tal documento poderá ser analisado como fundamento de revisão de sentença. Pode-se assim dizer que os documentos serão juntos durante o inquérito ou a instrução, consoante a fase em que se encontra; - excecionalmente poderão ser juntos até ao encerramento da audiência: - relativamente a qualquer documento.»
Na verdade, a eventual admissibilidade de junção de documentos após a prolação da decisão final pelo Tribunal de primeira instância significaria que o Tribunal ad quem se iria pronunciar ex novo sobre prova que o Tribunal a quo não teve oportunidade de aquilatar, valorando-a em conformidade com a sua fundamentada convicção, e, desse modo, o Tribunal superior iria decidir perante uma base probatória distinta daquela que fundou a decisão recorrida, em clara e intolerável violação do princípio da dupla jurisdição.
No sentido por nós advogado se tem pronunciado recorrentemente o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), como, por exemplo, nos acórdãos de 06.02.2008, 23.11.2016, 09.03.2017, 25.05.2017, 06.06.2017, 08.02.2018 e de 15.03.2018, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
No acórdão do STJ de 09.03.2017, vinca-se que a lei impede a junção de documentos e pareceres após o encerramento da audiência em primeira instância, nos termos do art. 165º, nºs 1 e 3, do CPP, e, acertadamente, defende-se que é de afastar uma interpretação restritiva destas normas legais supostamente enraizada no disposto no art. 32º, nº1, da Constituição da Republica Portuguesa, visto que «[…] a estipulação ampla e abrangente daquele preceito constitucional não significa um ilimitado e incondicionado direito a usar todos os meios que, no entender do arguido, sejam os adequados. A defesa faz-se necessariamente dentro de regras e condições que a lei estipula, sob pena de subversão dos princípios do processo justo e equitativo. A regra que impede a entrega de pareceres [e documentos, acrescentamos nós] após o encerramento da audiência não constitui nenhuma restrição ao direito de defesa. Ela impõe-se a todas as partes processuais. No caso de haver novos elementos de prova, existirá sempre o recurso de revisão para os conhecer e apreciar.»        

Vejam-se ainda os arestos citados pelo Exmo. PGA na douta pronúncia realizada nos termos do disposto no art. 416º, nº1, do CPP:
- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/06/2008, processo nº 084217, relatado pela Exma. Desembargadora Olga Maurício: «[…] o recurso destina-se a que o tribunal superior aprecie a decisão recorrida. Ora, a bondade da decisão recorrida aprecia-se tendo em conta o direito aplicável ao caso e tendo em conta, também, os elementos existentes nos autos aquando da sua prolação. Ao tribunal de recurso não compete proferir decisões novas sobre a causa, mas sim analisar as decisões proferidas e aferir da sua conformidade com a prova e com a lei e nesta análise terá ele que se circunscrever aos elementos a que o tribunal recorrido teve acesso. Daí que estes devam manter-se inalteráveis. Aquilo que o arguido pretende com a junção de nova prova é a alteração da decisão sobre a matéria de facto com recurso a elementos novos no processo (mas disponíveis à data da prolação da decisão). Pelas razões expostas isso não é possível: a junção de prova documental, neste momento, é ilegal, assumindo tal comportamento natureza incidental, porque absolutamente alheia ao desenvolvimento normal da lide.»
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09/03/2009, processo nº 2560/08-2, relatado pelo Exmo. Desembargador Cruz Bucho: «A Relação não pode atender a documentos juntos com a motivação do recurso, porque a junção de tais documentos não observou a disciplina constante no artigo 165º, nº1 do Código de Processo Penal e, por outro lado, porque o tribunal ad quem não pode apreciar elementos de prova que o tribunal recorrido não apreciou.»
Na doutrina, comungando do entendimento aqui defendido, Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., anotações 8 e 9 ao art. 165º, pp. 448-449. 
Pelo exposto, consigna-se que, atenta a extemporaneidade da respetiva junção, os documentos adunados aos autos pelo arguido/recorrente subsequentemente à prolação do acórdão recorrido não serão atendidos, valorados por este Tribunal ad quem para efeitos da decisão a proferir

III – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, CPP)[2].

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir são as seguintes:
▪ Vícios do art. 410º, nº2 do CPP: insuficiência para decisão da matéria de facto provada [al. a)] e erro notório na apreciação da prova [al. c)].
▪ Impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto (art. 412º, nºs 3 e 4 do CPP) – erro de julgamento quanto aos pontos 30) e 31) dos factos provados.
▪ Excessividade da medida da pena unitária.
▪ Inadmissibilidade da pena acessória de afastamento do território nacional.
*
IV – APRECIAÇÃO:

IV.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelos ajuizados recursos, importa verter aqui, na parte relevante, a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada, bem assim a sua fundamentação para tal decisão da matéria de facto.

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
Dos autos principais
1. Em momento não concretamente apurado, mas anterior às 10h30m do dia 12 de Maio de 2022, o arguido AA conduziu o veículo de marca ..., modelo ... e matrícula ..-..-HX até ao Loteamento ..., em ..., com o intuito de se apoderar de quaisquer bens de valor que encontrasse no interior de residências existentes naquela localidade.
2. Aí chegado, e na execução do seu propósito, o arguido estacionou o veículo por si conduzido junto ao n.º ...0 da Rua ..., saiu para o exterior e encaminhou-se para junto das traseiras da residência da ofendida CC, situada no n.º 13 da aludida Rua ....
3. Em seguida, o arguido, apoiando-se numa pedra de grandes dimensões, transpôs o muro que ladeia a referida habitação, assim entrando no respectivo logradouro traseiro e, após, com recurso a uma chave de fendas que consigo transportava, partiu o fecho da portada da janela da sala e por aí acedeu ao interior da habitação.
4. Uma vez no interior, o arguido percorreu as várias divisões da residência   procura de bens com valor e, dos quartos do piso superior, apoderou-se dos seguintes bens, que colocou num saco plástico de cor ... que transportava consigo:
- 1 (uma) câmara de vigilância marca ...;
- 1 (um) boné de cor ... de marca ...;
- 1 (um) mealheiro de cor ... e cromado, contendo no seu interior 139,61€ (cento e trinta e um euros e sessenta e um cêntimos);
- 1 (uma) caixa de papel florido;
- 1 (uma) pulseira com descrição ...;
- 1 (uma) pulseira com descrição ...;
-  1 (uma) pulseira com cordão preto e pendulo;
- 1 (uma) pulseira de metal branco e símbolo infinito;
- 1 (uma) pulseira de metal dourado e pedras brancas marca ...;
- 1 (uma) pulseira de metal marca ... com pedra de cor ...;
- 1 (uma) pulseira de metal com pendulo em forma de trevo;
- 1 (uma) pulseira de metal com brilhantes;
- 1 (uma) pulseira de metal dourado com pêndulos em forma de coração e chaves;
- 1 (uma) pulseira de metal com descrição ...;
- 1 (uma) pulseira de metal branco com medalha em forma de borboleta;
- 1 (uma) pulseira de metal branco com quatro brilhantes;
- 1 (uma) pulseira de metal com pêndulos dois corações, duas bolas e trevo;
- 1 (uma) pulseira de metal com três esferas brilhantes;
- 1 (um) par de brincos em forma de borboletas;
- 1 (um) par de brincos com pedras brilhantes;
- 1 (um) brinco de cor ... e dourado;
- 1 (um) pendulo de metal redondo com pedras brilhantes;
- 1 (um) pendulo de metal dourado em forma de pessoa;
- 1 (um) pendulo de metal em forma de coração com descrição Mãe;
- 1 (um) fio de metal branco danificado com pendulo em forma de coração;
- 1 (um) fio em cordão p com pendulo em forma de concha caminho de ...;
- 1(um) fio em metal branco com pendulo em forma de coração ...
- 1 (um) fio em metal amarelo e pendulo em forma de libelinha;
- 1 (um) fio em metal dourado com pêndulos redondos;
- 1 (um) fio em metal branco com pendulo em forma de trevo de marca ...;
- 1 (um) fio em metal de cor ... com pendulo circular e cor preto e branco;
- 1 (um) fio em metal escuro com pendulo em forma de mocho;
- 1 (um) fio em metal branco com brilhantes;
- 1 (um) fio em metal de cor ... com pendulo em forma de símbolo Gelo e pendulo com descrição ...;
- 1 (um) fio em metal de cor ... com pendulo brilhante;
- 1 (um) fio em metal dourado;
- 1 (um) fio em metal branco com malha entrelaçada;
- 1 (uma) gargantilha composta por três fios metálicos e pedras pretas;
- 1 (um) travessão com brilhantes;
- 1 (uma) caixa de cor ... género guarda joias contendo no interior: um anel em metal dourado com quatro brilhantes; um anel em metal prateado com sete pedras brilhantes; um fio em metal de cor ...; um fio em metal de cor ... com pendulo em forma de borboleta; um fio em metal dourado com pendulo brilhante; um brilhante com uma folha de cor ...; e trinta e sete brincos diversos de bijuteria;
- 1 (uma) caixa com descrição Ourivesarias ... contendo no interior: um fio em metal dourado com pendulo circular em forma de olho e um fio prateado com pendulo brilhante e um anel;
- 1 (uma) caixa com descrição Ourivesarias ... contendo no interior um brinco em metal dourado com brilhante.
- 1 (um) envelope com descrição “subsidio”;
- 1 (um) envelope com descrição “Prendas de Aniversário e Natal 2021”; todos de valor não concretamente apurado; e,
- 1 (um) manuscrito com descrição de meses do ano e valores em numerário distribuídos por dois envelopes no montante de 2.300,00€ (dois mil e trezentos euros).
5. Em seguida, na posse de tais objectos, que fez coisa sua, o arguido saiu da residência, percorreu novamente o logradouro traseiro, saltou o muro e encaminhou-se para o veículo de matrícula ..-..-HX, abandonando o local.
6. Conduzindo, seguidamente, o veículo de matrícula ..-..-HX pela EN ...04, depois Variante Nascente de ... e, após, pela A... em direcção à cidade ....
7. Vindo, nessa sequência, a ser interceptado, pelas 11h35m, na Avenida ..., em ... por militares da GNR, devidamente uniformizados e em exercício de funções.
8. Nessas circunstâncias de tempo e lugar o arguido transportava ainda consigo, no interior do veículo de matrícula ..-..-HX, os seguintes objectos que se destinavam a auxiliá-lo na tarefa a que se propunha:
- 2 (duas) chaves de fendas (uma de cabo de cor ... e outro amarelo e preto); - 1 (um) par de luvas de trabalho marca ...;
9. Os bens referidos no ponto 4 foram todos recuperados e entregues à sua proprietária.
Do apenso A [ex. NUIPC 150/22....]
10. Em momento não concretamente apurado, mas anterior às 11h00m do dia 11 de Março de 2022, o arguido AA, conduzindo o veículo automóvel de matrícula ..-..-HX, deslocou-se à residência do ofendido DD situada no n.º 670 da Rua ..., em ... com o intuito de se apoderar de quaisquer bens de valor que encontrasse no interior da mesma.
11. Ali chegado, o arguido tocou à campainha da aludida residência onze vezes, com o intuito de se certificar que não havia ninguém no interior da habitação.
12. Após, certo que não se encontrava ninguém no interior da mesma, o arguido dirigiu-se às traseiras da residência, transpôs o muro que a ladeia, assim entrando no respectivo logradouro e, após, partiu uma portada de uma das janelas do piso térreo e por aí acedeu ao interior da habitação.
13. Uma vez no interior, o arguido percorreu as várias divisões da residência à procura de bens com valor e, do quarto do casal, apoderou-se dos seguintes bens, que transportou consigo, fazendo coisa sua:
- vários objectos em ouro, relógios e perfumes, no valor total de 14.901,00€ (catorze mil e novecentos e um euros).
Do apenso B [ex. NUIPC n.º 280/22....]
14. No dia 9 de Maio de 2022, pelas 09h56m, o arguido AA, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-..-HX, deslocou-se para a freguesia ..., fazendo uma passagem de reconhecimento na Rua ..., sustando a marcha por breves instantes, observando atentamente as movimentações naquele local.
15. Após, pelas 10h35m desse mesmo dia, o arguido, trajando t-shirt cor cinza claro, casaco cor ..., calças tipo fato de treino de cor ... e sapatilhas de cor ..., preto e rosa e transportando uma mochila de cor ..., acedeu a um terreno agrícola, na Rua ..., através do escalamento do muro de vedação, deslocando-se para as traseiras das residências da Rua ....
16. Em seguida, pelas 10h57m, o arguido, fazendo uso de umas luvas de cor ..., introduziu-se na residência com o n.º 13, propriedade da ofendida BB, com recurso a arrombamento de uma porta, a fim de, no seu interior, se apoderar de objectos de valor e dinheiro que aí encontrasse.
17. Seguidamente acedeu ao piso superior da residência, tendo-se deparado com uma residente, HH, que se encontrava no seu quarto a dormir, encetando de imediato a fuga.
Do apenso C [ex. NUIPC 262/21....]
18. No dia 11 de Maio de 2021, no período compreendido entre as 08h00m e as 16h00m, o arguido AA, conduzindo o veículo automóvel de matrícula ..-..-HX, deslocou-se a uma residência sia Rua ..., ..., freguesia ..., ..., propriedade de EE.
19. Chegado a esse local, após ter tocado à companhia da residência, para se certificar da não existência de residentes no seu interior, deslocou-se para as traseiras dessa habitação.
20. De seguida escalou o muro de tal residência, acedeu às traseiras da mesma local onde com um instrumento contundente, não concretamente identificado, quebrou o vidro de uma porta de correr, logrando desta forma aceder ao interior da residência.
21. Deambulando pelo interior da mesma, acedeu à zona dos quartos, local de onde retirou várias peças de ourivesaria, entre fios, pulseiras, brincos relógios, de valor não concretamente apurado e ainda a quantia monetária de 1.200,00€ (mil e duzentos euros) em numerário.
22. Após, na posse de tais objectos, que fez coisa sua, o arguido abandonou tal local.
23.  O arguido é de nacionalidade ... e não tem familiares em Portugal.
24. O arguido não tem qualquer ocupação laboral.
25. Com a conduta descrita, actuou o arguido com o intuito de fazer seus objectos de valor que encontrasse no interior da residência dos ofendidos, bem sabendo que não estava autorizado a aí entrar e permanecer e, ainda, que tais objectos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade dos seus respectivos proprietários.
26. Mais sabia que ao entrar nas residências dos ofendidos, que se encontravam fechadas, o fazia mediante a transposição de obstáculos, como sendo subida de muros e quebra de fechaduras, circunstâncias que incrementam a gravidade da sua conduta, o que não ignorava.
27. O arguido queria apoderar-se dos bens existentes na residência dos ofendidos, como fez, só não se apoderando de bens existentes na residência da ofendida BB por razões alheias à sua vontade.
28. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente e sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
Provou-se ainda que:
29. O arguido logrou vender os objectos subtraídos pelo valor total de 12.000,00€ (doze mil euros).
Mais se provou que:
30. Oriundo de ..., ..., o processo de desenvolvimento de AA decorreu junto da família de origem, pais, operários fabris, e uma irmã mais nova. O ambiente familiar vivenciado foi caracterizado como equilibrado nas relações entre os vários elementos da família, num contexto económico modesto.
O arguido frequentou o ensino regular, onde obteve um grau de ensino equivalente ao 12.º ano de escolaridade.
Aos 19 anos iniciou o seu percurso laboral em unidade metalúrgica de fundição, onde laborou 5 anos, após o que exerceu actividade em banca de venda de fruta em mercado local durante dois anos, até conhecer a sua primeira companheira e optar por desenvolver actividade laboral junto do pai da mesma que dispunha de bancas de vestuário e calçado.
Veio para Portugal em Junho de 2007, aliciado por um amigo que já se encontrava aqui a residir, tendo beneficiado do apoio deste, nomeadamente para arrendar habitação de modo a permitir a vinda da esposa e da filha em setembro do mesmo ano.
Até ser preso preventivamente, conjuntamente com o referido amigo, em Novembro do mesmo ano, nunca exerceu actividade laboral, tal como a esposa, subsistindo, alegadamente, o núcleo familiar com base em poupanças e no apoio de familiares daquela, residentes em ..., país onde o arguido se deslocaria com alguma frequência.
Foi, entretanto, condenado em Março de 2009 na pena de 4 anos e 9 meses de prisão pelos crimes de furto qualificado, detenção de arma proibida e contraordenação, tendo cumprido a mesma até ser libertado condicionalmente.
Pouco tempo antes da sua libertação, deixou de beneficiar do apoio da esposa que terminou a relação com o mesmo, suscitando a procura de enquadramento habitacional e familiar diverso do perspetivado.
Através do apoio de familiar de outro recluso com quem desenvolveu relações de amizade, arrendou em Agosto de 2010 habitação autónoma, em ....
Até ao termo da liberdade condicional, em 24 de Agosto de 2012, AA evidenciou padrão de vida diferenciado, consubstanciado em diversos indicadores de afluência económica, nomeadamente ao nível da aquisição de bens materiais e práticas de consumo, suportado, segundo afirmava, nos rendimentos obtidos através do exercício continuado de actividade não formalizada de recolha e venda de sucata, inicialmente junto da mãe da companheira, posteriormente de forma autónoma desde ../../2012. Em Março desse mesmo ano, abriu estabelecimento comercial de roupa interior, inserido em espaço comercial em ..., com funcionamento assegurado pela companheira.
Em 2016 voltou a cumprir uma pena de prisão efectiva pela prática de um crime de natureza sexual, beneficiando de liberdade no final dessa pena, em 2020. Durante este período beneficiou de apoio habitacional por parte da mãe da ex-companheira (FF), mas apenas por um ano.
À data dos factos, o arguido residia sozinho em casa arrendada e referiu estar desempregado e era apoiado financeiramente pelos familiares da ex-companheira FF. Esta, funcionária de uma empresa de limpeza, também o ajudava pontualmente.
Neste momento, o arguido não tem enquadramento profissional nem dispõe em Portugal de qualquer apoio, nomeadamente da sua ex-companheira.
Os pais, mantêm residência em ..., ..., e a sua irmã reside na .... Continua a beneficiar do apoio da sua família de origem e filha, actualmente com 20 anos de idade.
No interior do Estabelecimento Prisional tem assumido comportamentos adequados às normas e regras da instituição.
Já exerceu actividade na cozinha e no bar dos guardas prisionais.
Revela necessidades ao nível da interiorização do desvalor da conduta, apresentando, ainda, uma reduzida capacidade de reflexão sobre a sua conduta e sem consciencialização efectiva dos danos e consequências que as suas decisões provocam.
31. Constam do C.R.C. do arguido as seguintes condenações:
-  no processo n.º 1232/07.... do então ... Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, foi condenado pela prática, em 25.11.2007, de um crime de furto qualificado e de um crime de detenção e arma proibida, pena única de 4 anos e 9 meses de prisão efectiva, por acórdão proferido em 12.09.2008, transitado em julgado em 02.03.2009; por decisão de 27.11.2013, transitada em julgado, no processo de LC n.º 3388/10...., do ... Juízo do T.E.P. do Porto, foi-lhe concedida liberdade condicional e definitiva, tendo sido ainda sido declarada extinta a pena com efeitos reportados a 24.08.2012;
- no processo n.º 1519/08.... do então ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, foi condenado pela prática, em 12.11.2007, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 6.00€, por sentença proferida em 07.12.2010, transitada em julgado em 20.01.2011, tendo a pena sido extinta, pelo pagamento, em 02.11.2011;
- no processo n.º 281/13.... do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz ..., foi condenado pela prática, em 12.07.2013, de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por sentença proferida em 25.03.2014, transitada em julgado em 12.12.2014, a pena veio a ser declarada extinta em 12.12.2017;
- no processo comum colectivo n.º 53/12.... do Juízo Central Criminal de Vila do Conde Juiz ..., foi condenado pela prática, em 2012, de um crime de pornografia de menores e 10 crimes de actos sexuais com adolescentes, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, por acórdão proferido em 29.01.2015, transitado em julgado em 16.11.2015, tendo a pena sido declarada extinta em 08.09.2020;
- no processo comum colectivo n.º 231/21...., Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz ..., foi condenado pela prática, em 25.05.2021, de um crime de furto qualificado, por acórdão proferido em 24.01.2023, transitado em julgado 23.02.2023.”

E motivou a decisão de facto, na parte que ora releva, nos seguintes termos (transcrição):
«O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada da prova produzida em audiência, depois de criticamente analisada, à luz das regras da experiência comum e da verosimilhança, naquela se incluindo:
1. as declarações do arguido;
2. os depoimentos das testemunhas;
3. a prova documental:
- dos autos principais: o auto de notícia de fls. 4-9; o relatório tático de inspecção ocular de fls. 10-12; o suporte fotográfico de fls.13-15; o auto de busca de fls. 17-18; o auto de apreensão de bens fls. 19-24; o auto de apreensão de telemóvel de fls. 25-26; o termo de consentimento de fls.27; a nota discriminativa do dinheiro apreendido de fls. 31-34; o documento único de cobrança de fls. 25-26; o auto de exame directo de fls. 37; o auto de exame directo de fls. 39; o relatório de diligência externa de fls. 55;o auto de reconhecimento de objectos de fls. 69-71; o termo de entrega de fls. 72-74; o aditamento de fls. 226-228; e, o auto de Apreensão de fls. 229;
- do apenso A (ex. NUIPC 150/22....): o auto de notícia de fls. 4-5; o relatório técnico de inspeção ocular de fls. 10-13; a lista de bens subtraídos de fls. 16; a folha de suporte fotográfico de fls. 17; os relatórios de diligência externa de fls. 41, 44, 47 e 93-95; o auto de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas de fls. 51-55; o auto de apreensão de fls.72-73; a autorização de busca de fls.98; o auto de busca de fls. 101-105; o auto de apreensão de fls. 107-108; o relatório fotográfico de fls.109-111;
- do apenso B (ex. NUIPC 280/22....): o auto de notícia de fls. 4-5; o relatório táctico de inspecção ocular de fls. 6-11; o auto de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas de fls. 13-22; o auto de apreensão de fls. 38-39;
- do apenso C (ex. NUIPC 262/21....):
- documental: o auto de notícia de fls. 4-5; o auto de visionamento de vídeo e extracção de fotogramas de fls. 31-32; a folha de suporte fotográfico de fls. 33-36; o aditamento ao auto de notícia de fls. 241-242; o relatório de inspeção ocular de fls. 245-248; o relatório técnico de inspeção judiciária de fls. 273-276; o relatório fotográfico de fls. 277-279; o aditamento ao auto de notícia de fls. 294-295; o auto de apreensão de fls. 313-315; a nota discriminativa do dinheiro apreendido de fls. 317- 318; o termo de consentimento de fls. 319; o auto de exame directo dos bens apreendidos de fls. 320-321; o documento único de cobrança de fls. 334; o auto de comparação de fotogramas de fls. 335; o auto de reconhecimento de objectos de fls. 336-338; e o relatório resumo de trabalhos de fls. 341-353; e pericial: o relatório de exame pericial de fls. 281-283.
4. no certificado do registo criminal e no relatório social, constantes de fls. 578-582 e verso, e 584-586, ambos dos autos principais, e da certidão do acórdão proferido no processo n.º 231/21...., do Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz ..., do Tribunal da Comarca de Porto Este, sob a Ref.ª ...77 de 06.03.2023.
No que respeita às declarações dos arguidos, às declarações dos demandantes e aos depoimentos das testemunhas, dispensamo-nos, aqui, de os reproduzir, uma vez que a audiência foi objecto de gravação.
No tocante às declarações do arguido:
- o arguido confessou a totalidade dos factos e explicou os motivos subjacentes às suas condutas. Disse, ainda, ter procedido à venda da maioria dos bens que subtraiu. Mais afirmou estar arrependido e formulou um pedido de desculpas à ofendida BB, que as aceitou, após o que declarou desistir da queixa apresentada.
Quanto aos depoimentos das testemunhas:
-  CC, ofendido, a qual confirmou ter recuperado todos os bens subtraídos, que lhe foram entregues pela G.N.R. Mais disse que a câmara de bebé teria o valor de cerca de 200€, desconhecendo o valor da bijuteria – que lhe foi oferecida - e do valor monetário que se encontrava no interior do mealheiro em moedas.
- BB, ofendido, a qual afirmou que, à data não tinha objectos em ouro nem tão-pouco dinheiro aí guardado, tendo apenas como valores televisores que não foram tocados. Mais disse que a reparação da janela custou 2.000€.

Enunciados os meios de prova, passemos à análise crítica, descrevendo os pilares que estão na base da construção da convicção do tribunal.
Assim, começando pelas declarações do arguido, diremos que o mesmo confessou a totalidade dos factos, inclusivamente os valores por si furtados, bem como a vantagem que daí retirou, no valor de 12.000€.
Atendeu-se, ainda, aos depoimentos das testemunhas supra referidas, os quais se nos afiguraram isentos e credíveis apesar do interesse de algumas testemunhas, sendo que estes foram prestados de uma forma objectiva, não procurando prejudicar ou favorecer quem quer que fosse, limitando-se a transmitir ao tribunal a percepção que tiveram dos factos, nem demonstrando sentimentos de inimizade para com o arguido, sendo certo que se mostram devidamente sustentados pelos elementos de prova colhidos, razão por que foram atendidos pelo tribunal.
Desta forma, a conferir a credibilidade a estes depoimentos e declarações do demandante, temos a abundante prova documental recolhida e pericial efectuada supra discriminada, a que acresce a quantidade de bens apreendidos, a maioria relacionada com os factos aqui em apreço, bem como outros aprendidos (mochila, par de luvas) e normalmente usados na prática destes ilícitos.
E, em particular no que se reporta ao valor das moedas que se encontravam no interior do mealheiro, o tribunal fundou-se no auto de apreensão de fls. 19-23 e na nota discriminativa de fls. 31-33.
Isto significa que estes meios de prova, conjugados entre si, permitiram ao tribunal aferir da credibilidade destas testemunhas e concluir pela veracidade dos seus depoimentos, porque cabalmente sustentados.
No que toca aos factos constantes dos pontos 25, 26, 27 e 28:  para além de ter resultado dos depoimentos das testemunhas supra referidas e das próprias declarações do arguido no que respeita à forma como actuou, que este é imputável e tem consciência dos actos que praticou, em presunção judicial decorrente das circunstâncias que envolveram a actuação do arguido e das regras da normalidade e experiência comuns, consideradas no âmbito do princípio da livre apreciação da prova consagrado no art. 127.º do C.P.P..
Assim, conjugados todos estes elementos e com base nas regras da experiência comum, e ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, chegou o tribunal à convicção da ocorrência dos factos constantes da matéria de facto e nos termos em que aí constam.
Finalmente, no que respeita à situação pessoal e económica do arguido, o tribunal fundou-se no relatório social, bem como no C.R.C. supra referido.»

IV.2 – Quanto à análise das sobreditas questões suscitadas pelo recorrente:

IV.2.1 – Dos invocados vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova:

Neste conspecto, o arguido/recorrente AA alega, de forma genérica, lacónica e confusa que a matéria de facto dada por provada nos pontos 30 e 31 – sem que depois concretize algo quanto a este segundo ponto – do acórdão não é sustentada em prova produzida nos autos, sendo que, face ao teor do relatório social de fls. 584 e 586 dos autos principais, deveria ter sido provada factualidade distinta.
Daí que, defende o recorrente, ocorre erro notório na apreciação da prova, «porque houve violação da valoração da prova documental bem como violação das regras da experiência, tendo o Tribunal decidido contra a prova produzida, acolhendo uma versão que esta não comprova, e violando as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.»
Aduz ainda que o Tribunal «ao proferir decisão condenatória com erro na apreciação da prova, lavrou sentença ferida do vício de insuficiência da matéria de facto provada, do art. 410º, nº2, al. a), do CPP.»

Vejamos.

Preceitua o art. 410º do Código de Processo Penal [na parte aqui pertinente]:
“1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respetivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum:
a) Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
 […]
c) Erro notório na apreciação da prova.”
Qualquer um dos sobreditos vícios há de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, isto é, sem apelo a outros elementos externos à decisão, designadamente prova gravada ou documentada.
Primeiramente, facilmente se conclui que o acórdão não padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (al. a), do nº2).
Tal vício implica que a matéria de facto provada, na sua globalidade, se revela inidónea ou escassa para suportar a decisão tomada pelo Tribunal.
In casu, nem o recorrente concretiza qualquer facto que se impusesse que o Tribunal a quo tivesse indagado e conhecido, por se revelar necessário para a decisão do objeto do processo, e não investigou, logo não conheceu, nem tal omissão se vislumbra oficiosamente.
Inexiste, pois, o invocado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Também é improcedente a invocação do vício de erro notório na apreciação da prova (al. c), do nº2). 
O erro notório na apreciação da prova «é o erro que se vê logo, que ressalta evidente da análise do texto da decisão por si só ou conjugada com as regras da experiência»[3].
Como é jurisprudência pacífica[4], só há erro notório na apreciação da prova quando for de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores e resulta do próprio texto da decisão (não sendo admissível a sua demonstração através de elementos alheios à decisão, ainda que constem do processo).
O vício da decisão previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, verifica-se quando no texto da decisão recorrida se dá por provado, ou não provado, um facto que contraria com toda a evidência, segundo o ponto de vista de um homem de formação média, a lógica mais elementar e as regras da experiência comum. Perante a simples leitura do texto da decisão, o “homem médio” conclui, legitimamente, que o tribunal violou as regras da experiência ou que efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
Como referido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2015, Processo nº 72/11.2GDSRT.G1, disponível in www.dgsi.pt, «Trata-se de um vício do raciocínio na apreciação das provas, evidenciado pela simples leitura do texto da decisão; erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de particular exercício mental; as provas revelam claramente um sentido e a decisão recorrida extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria fáctica provada ou excluindo dela algum facto essencial.»
Assim percecionado, entendemos que no caso sub judice, atendo-nos, como se impõe ao texto da decisão recorrida, é manifesto que não se verifica o invocado vício, pois não se deteta no acórdão recorrido, ao nível da apreciação da prova, qualquer erro notório ou manifesto.
Respigada a motivação do acórdão recorrido no que tange à decisão sobre a matéria de facto constante dos pontos 30 e 31 dos factos provados, atinente às suas condições pessoais e sociais e antecedentes criminais, observa-se que o Tribunal se fundou no teor do relatório social e do certificado de registo criminal juntos aos autos, respetivamente.
Ora, tal circunstância, por si só, não noticia um notório e irremediável lapso na avaliação daquela prova documental, desse modo acarretando um juízo probatório necessariamente incongruente, infundado ou arbitrário.
Aliás, a conclusão de que o arguido vício não exsuda, como é forçoso, do próprio texto da decisão recorrida, é demonstrada desde logo pela necessidade sentida pelo arguido/recorrente de apelar ao suposto teor do relatório social.         

Por conseguinte, é manifesto que não se verifica o alegado vício do erro notório na apreciação da prova.
Não se verificam ambos os apontados vícios previstos no art. 410º, nº2, do CPP, pelo que improcede, neste conspecto, o recurso do arguido AA.

IV.2.2 – Impugnação ampla da decisão sobre a matéria de facto – Erro de julgamento quanto aos pontos 30) e 31) dos factos provados:

Por via do recurso que interpôs, o arguido AA manifesta a sua divergência quanto à forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida e examinada em audiência de julgamento, designadamente o teor do relatório social junto aos autos, o que conduziu a que fossem considerados como provados no acórdão recorrido os factos constantes dos pontos 30 e 31, quando, no entendimento do recorrente, deveriam ter sido dados como provados factos diversos.
Invoca violação do princípio da livre apreciação (art. 127º do CPP).
Conhecendo.

Preceitua o art. 412º do CPP, na parte que ora releva:

“1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
[…]
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
[…]
6 – No caso previsto no nº4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”  
Como tem entendido sem disparidade o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP -, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.[5]
Por outro lado, nessa tarefa de reapreciação da prova pelo tribunal de recurso intrometem-se necessariamente fatores como a ausência de imediação e da oralidade – sendo que, como é sobejamente sabido, a imediação e a oralidade constituem princípios estruturantes do direito processual penal português. 
Em conformidade, a ausência de imediação e oralidade - dado que o “contacto” com as provas se circunscreve ao que consta das gravações - determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º][6].
Com efeito, quando está em causa a questão da apreciação da prova cumpre dar a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.
Ou seja, é comumente aceite que a (re)apreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso não implica a realização de um “segundo julgamento”, agora baseado na prova gravada, em que o tribunal ad quem aprecia toda a prova produzida e documentada em primeira instância, como se o julgamento ali realizado não existisse. Como se refere, de modo impressivo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/05/2015, processo 441/10.5TABJA.E2, acessível em www.dgsi.pt, «O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância. Os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.»
Relevantes ainda as seguintes palavras de Paulo Saragoça da Matta[7]:
«Ao Tribunal de recurso não cabe repetir a produção de prova havida, nem a prova anteriormente produzida na instância recorrida perde seja o que for de vivacidade. Pelo contrário, o Tribunal de recurso limitar-se-á a aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância.»  
Concluindo: o artigo 412º, nº3, al. b) do CPP, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso “obrigatório” decidir de forma distinta.
Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.
Volvendo ao caso vertente.

O Tribunal a quo deu como provado, na parte ora pertinente, que:   
30. Oriundo de ..., ..., o processo de desenvolvimento de AA decorreu junto da família de origem, pais, operários fabris, e uma irmã mais nova. O ambiente familiar vivenciado foi caracterizado como equilibrado nas relações entre os vários elementos da família, num contexto económico modesto.
O arguido frequentou o ensino regular, onde obteve um grau de ensino equivalente ao 12.º ano de escolaridade.
Aos 19 anos iniciou o seu percurso laboral em unidade metalúrgica de fundição, onde laborou 5 anos, após o que exerceu actividade em banca de venda de fruta em mercado local durante dois anos, até conhecer a sua primeira companheira e optar por desenvolver actividade laboral junto do pai da mesma que dispunha de bancas de vestuário e calçado.
Veio para Portugal em Junho de 2007, aliciado por um amigo que já se encontrava aqui a residir, tendo beneficiado do apoio deste, nomeadamente para arrendar habitação de modo a permitir a vinda da esposa e da filha em setembro do mesmo ano.
Até ser preso preventivamente, conjuntamente com o referido amigo, em Novembro do mesmo ano, nunca exerceu actividade laboral, tal como a esposa, subsistindo, alegadamente, o núcleo familiar com base em poupanças e no apoio de familiares daquela, residentes em ..., país onde o arguido se deslocaria com alguma frequência.
Foi, entretanto, condenado em Março de 2009 na pena de 4 anos e 9 meses de prisão pelos crimes de furto qualificado, detenção de arma proibida e contraordenação, tendo cumprido a mesma até ser libertado condicionalmente.
Pouco tempo antes da sua libertação, deixou de beneficiar do apoio da esposa que terminou a relação com o mesmo, suscitando a procura de enquadramento habitacional e familiar diverso do perspetivado.
Através do apoio de familiar de outro recluso com quem desenvolveu relações de amizade, arrendou em Agosto de 2010 habitação autónoma, em ....
Até ao termo da liberdade condicional, em 24 de Agosto de 2012, AA evidenciou padrão de vida diferenciado, consubstanciado em diversos indicadores de afluência económica, nomeadamente ao nível da aquisição de bens materiais e práticas de consumo, suportado, segundo afirmava, nos rendimentos obtidos através do exercício continuado de actividade não formalizada de recolha e venda de sucata, inicialmente junto da mãe da companheira, posteriormente de forma autónoma desde ../../2012. Em Março desse mesmo ano, abriu estabelecimento comercial de roupa interior, inserido em espaço comercial em ..., com funcionamento assegurado pela companheira.
Em 2016 voltou a cumprir uma pena de prisão efectiva pela prática de um crime de natureza sexual, beneficiando de liberdade no final dessa pena, em 2020. Durante este período beneficiou de apoio habitacional por parte da mãe da ex-companheira (FF), mas apenas por um ano.
À data dos factos, o arguido residia sozinho em casa arrendada e referiu estar desempregado e era apoiado financeiramente pelos familiares da ex-companheira FF. Esta, funcionária de uma empresa de limpeza, também o ajudava pontualmente.
Neste momento, o arguido não tem enquadramento profissional nem dispõe em Portugal de qualquer apoio, nomeadamente da sua ex-companheira.
Os pais, mantêm residência em ..., ..., e a sua irmã reside na .... Continua a beneficiar do apoio da sua família de origem e filha, actualmente com 20 anos de idade.
No interior do Estabelecimento Prisional tem assumido comportamentos adequados às normas e regras da instituição.
Já exerceu actividade na cozinha e no bar dos guardas prisionais.
Revela necessidades ao nível da interiorização do desvalor da conduta, apresentando, ainda, uma reduzida capacidade de reflexão sobre a sua conduta e sem consciencialização efectiva dos danos e consequências que as suas decisões provocam. [negrito e sublinhado nossos]
31. Constam do C.R.C. do arguido as seguintes condenações:
-  no processo n.º 1232/07.... do então ... Juízo do Tribunal Judicial de Espinho, foi condenado pela prática, em 25.11.2007, de um crime de furto qualificado e de um crime de detenção e arma proibida, pena única de 4 anos e 9 meses de prisão efectiva, por acórdão proferido em 12.09.2008, transitado em julgado em 02.03.2009; por decisão de 27.11.2013, transitada em julgado, no processo de LC n.º 3388/10...., do ... Juízo do T.E.P. do Porto, foi-lhe concedida liberdade condicional e definitiva, tendo sido ainda sido declarada extinta a pena com efeitos reportados a 24.08.2012;
- no processo n.º 1519/08.... do então ... Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira, foi condenado pela prática, em 12.11.2007, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 6.00€, por sentença proferida em 07.12.2010, transitada em julgado em 20.01.2011, tendo a pena sido extinta, pelo pagamento, em 02.11.2011;
- no processo n.º 281/13.... do Juízo Local Criminal de Vila do Conde, Juiz ..., foi condenado pela prática, em 12.07.2013, de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por sentença proferida em 25.03.2014, transitada em julgado em 12.12.2014, a pena veio a ser declarada extinta em 12.12.2017;
- no processo comum colectivo n.º 53/12.... do Juízo Central Criminal de Vila do Conde Juiz ..., foi condenado pela prática, em 2012, de um crime de pornografia de menores e 10 crimes de actos sexuais com adolescentes, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, por acórdão proferido em 29.01.2015, transitado em julgado em 16.11.2015, tendo a pena sido declarada extinta em 08.09.2020;
- no processo comum colectivo n.º 231/21...., Juízo Central Criminal de Penafiel, Juiz ..., foi condenado pela prática, em 25.05.2021, de um crime de furto qualificado, por acórdão proferido em 24.01.2023, transitado em julgado 23.02.2023.”
Na motivação da decisão de facto aduzida no acórdão, o Tribunal recorrido invocou que no que respeita à situação pessoal e económica do arguido, o tribunal fundou-se no relatório social, bem como no C.R.C. supra referido.»
O princípio da livre apreciação da prova, constituindo um princípio estruturante do direito processual penal português, encontra-se vertido no art. 127º do Código Processo Penal, que preceitua: “Salvo quando a lei dispuser diferentemente a prova é apreciada segundo as regras da experiência e livre convicção da entidade competente.”
Tal princípio está intimamente conexionado com o princípio da descoberta da verdade material e contrapõe-se ao sistema probatório fundado nas provas tabelares ou tarifárias que estabelece um valor racionalizado a cada prova, porquanto por via da livre apreciação da prova concede-se ao julgador um âmbito de discricionariedade, ainda que limitada, na valoração de cada uma das provas atendíveis que estribam a decisão de facto.
Tal discricionariedade não é absoluta, antes balizada pelas regras da ciência, da lógica e da argumentação que devem nortear o decisor na apreciação da prova produzida. Por conseguinte, o juiz, na fundamentação da decisão de facto, deve justificar, fundamentando convenientemente, as suas próprias escolhas, ou seja, porque valorou cada prova de determinado modo (por exemplo, porque concedeu credibilidade ao depoimento de uma testemunha e negou credibilidade ao depoimento de outra testemunha). Compreende-se que assim seja, sob pena de a convicção do tribunal se tornar não sindicável, caindo no mero livre arbítrio, o que não se coaduna com um sistema de justiça próprio de um estado de direito democrático.    
É por isso que José Mouraz Lopes, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo II, p. 78, entende que a «livre apreciação da prova» é, de alguma forma, um sofisma, na medida em que se deve falar é de uma livre apreciação racional e fundamentada da prova.
Nas palavras de José Tomé de Carvalho, in “Breves palavras sobre a fundamentação da matéria de facto no âmbito da decisão final penal no ordenamento jurídico português”, Revista Julgar, nº21, 2013, p. 84, «o livre convencimento não equivale assim a valoração livre, estando o processo deliberativo condicionado pelas regras de lógica, experiência, técnica e ciência, apesar de na reconstrução de determinado facto o juiz ser livre de crer (ou não) numa determinada fonte probatória, agora que o tempo das provas legais e tabelares se finou».
Assim também tem sido entendido, reiteradamente, pelo Tribunal Constitucional, num juízo de conformidade do disposto no art. 127º do CPP com a Constituição.
Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 1165/96, de 19.11.1996, in DR, Série II, de 06.02.1197 (reiterado pelo acórdão do mesmo Tribunal nº 464/97, de 01.07.1997, in DR, Série II, de 12.01.1998): «A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas de experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objetivar a apreciação dos factos, requisitos necessários para uma efetiva motivação da decisão»
Ainda o acórdão do Tribunal Constitucional nº 401/02, no âmbito do processo nº 528/02, onde se lê «(…) de acordo com o entendimento que tem vindo a ser professado por este tribunal, a valoração da prova segundo a livre convicção do julgador não significa uma apreciação contra a prova ou uma valoração que se desprendeu da legalidade dos meios de prova ou das regras gerais de produção da prova, ou seja, não é admissível uma valoração arbitrária da prova, sendo a convicção do julgador «objetivável e motivável», conjugando-se com dever de fundamentar os actos decisórios e de promover a sua aceitabilidade».
No caso vertente, temos que, em geral – com a exceção infra concretizada –, o Tribunal a quo se limitou a verter para a factualidade provada informações lavradas pela DGRSP no relatório social de fls. 584 a 586, que considerou idóneas e verosímeis, sem que se enxergue motivo para as descredibilizar, pois que o instrumento em causa foi elaborado, entre o mais, com base nas declarações para o efeito prestadas pelo arguido, por uma amiga de nome GG e pela sua ex-companheira, FF, não tendo a defesa impugnado o seu teor.      
Defende o arguido/recorrente que perante a prova produzida em audiência de julgamento, nela se incluindo designadamente, a prova documental e dentro dela, nomeadamente, o relatório social de fls. 584 a 586 dos autos principais (única prova que especifica), deveria a douta sentença ter dado como provado que [conclusão 4ª]:
“- AA revela capacidades, ainda que em abstrato, para valorar o grau da ilicitude e para reconhecer a existência de vítimas e danos revela capacidades para valorar o grau da ilicitude e reconhecer a existência de vitimas e dano;
- o arguido através de apoio familiar de outro recluso com quem desenvolveu relações de amizade, arrendou em Agosto de 2010 habitação autónoma, em ...;
- pelo menos desde 2010 até esta data, o arguido através de apoio familiar de outro recluso desenvolveu relações de amizade com GG, e que, à data dos factos era apoiado financeiramente pelos familiares da ex-companheira.
- nos períodos que mediou entre as penas de prisão o arguido exerceu a atividade de compra e venda de sucata e abriu uma loja de roupa interior.”
Sucede que, a factualidade constante dos últimos três preditos parágrafos, cuja inclusão nos factos provados o recorrente reclama, já consta do ponto 30 dos factos dados como provados na decisão recorrida, nos exatos termos que surgem narrados no relatório social. 
Destarte, quanto a estes concretos dados fácticos considerados provados, cumpre manter a decisão recorrida. 
Por outro lado, consta do relatório social que «Perante factos similares aos subjacentes ao presente processo, AA revela capacidades, ainda que em abstrato, para valorar o grau da ilicitude e para reconhecer a existência de vítimas e danos.»
Contudo, distintamente do que pretende o recorrente, cremos que, pela sua inocuidade, não deverá ser incluído o sobredito trecho na parte final do ponto 30 dos factos provados. Com efeito, reportando-se a asserção a um juízo abstrato, não é possível extrair da mesma uma conclusão quanto à postura interna de consciencialização do arguido face às suas ajuizadas concretas condutas, que, no fundo, é o que releva.
Por último, cumpre ter presente que entre as conclusões formuladas pela DGRSP no relatório social consta: «No seu atual contexto de vida e em face dos antecedentes criminais, cremos que, na eventualidade de condenação, o arguido revele[a] necessidades ao nível da interiorização do desvalor da conduta.
Neste conspecto, o Tribunal recorrido, chamando à colação o conteúdo do relatório social, deu como provado no ponto 30, in fine, que o arguido: «Revela necessidades ao nível da interiorização do desvalor da conduta, apresentando, ainda, uma reduzida capacidade de reflexão sobre a sua conduta e sem consciencialização efectiva dos danos e consequências que as suas decisões provocam.»
Pois bem: coligido o teor do mencionado relatório social, afigura-se-nos que só se legitima a primeira parte da afirmação, pois que a restante factualidade inserida naquele parágrafo não surge espelhada naquele meio de prova, nem o Tribunal menciona outro que lhe conceda arrimo.
Cumpre, nesta parte, ao abrigo das disposições combinadas dos arts. 412º, nº3 e 431º, nº1, al. b), ambos do CPP, modificar a decisão do Tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto dada como provada no ponto 30, retirando-se do último parágrafo o trecho «apresentando ainda» até final («provocam»).       
Assinala-se que apesar de o recorrente indicar que também existiu erro de julgamento quanto ao ponto 31 dos factos provados, respeitante aos seus antecedentes criminais, não especificou uma concreta prova que ditasse decisão diversa da recorrida, pelo que soçobra nesta parte a impugnação.    
Em conformidade com o exposto, procede parcialmente, nos termos preditos, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deduzida pelo arguido/recorrente.

IV.2.3 – Dosimetria penal:

Invoca o arguido/recorrente que a pena de prisão de 5 anos e 8 meses aplicada é manifestamente exagerada – cfr. conclusões 9ª a 13ª.
Após expor o disposto no art. 71º, nºs 1 e 2 do Código Penal, referente à determinação da medida da pena, alega que não funciona contra si qualquer das circunstâncias ali previstas e que foi desrespeitado o critério fixado nas als. c), d) e e) do n° 2 do art. 71°, artigo 72º e artigo 40º todos do Código Penal, por não ter sido atribuído o devido relevo à confissão integral dos factos, ao verdadeiro arrependimento do arguido, às condições pessoais do agente e ao pedido de desculpas feito em sede de julgamento, preceitos estes que assim foram violados pela douta sentença recorrida.
Conclui peticionando que seja revogada a pena aplicada e substituída por outra fixada próximo do seu limite mínimo, não superior a 3 anos.
Apreciando.
Não obstante a referência feita pelo recorrente ao disposto no art. 71º do Código Penal (CP), certo é que ele, a final, se insurge quanto à medida da pena única aplicada, de 5 anos e 8 meses de prisão, clamando pela sua fixação próximo do mínimo legal.
No caso sob apreciação, o Tribunal a quo fundamentou a determinação da medida concreta da pena nos seguintes termos:
« 3.2. Medida concreta da pena
Uma vez feita a qualificação jurídica dos factos, é chegado o momento de determinar a medida concreta da pena aplicável ao arguido.
Ao crime de furto qualificado (n.º 2) corresponde a moldura pena abstracta de 2 a 8 anos (cfr. art. 204.º, n.º 2 do C.P.).
Nos termos do art. 40.º do C.P., a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art. 71.º do C. Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.
Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, pág. 234).
Assim, há que relevar especialmente o seguinte:
- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo directo;
- as exigências de prevenção geral são muito elevadas, tratando-se de crimes que se generalizaram e que criam um forte sentimento de insegurança nas pessoas, provocando grande alarme social. E fazendo jus à sua função de direito de primeira protecção dos bens jurídicos essenciais ao viver em sociedade, o Direito Criminal não pode pactuar com esta situação e acabar também ele por sancionar levemente estas actuações, deixando a ideia de que são toleradas pela sociedade. Com efeito, como o caso dos autos não é infelizmente singular, o que coloca exigências acrescidas, devem as decisões dos tribunais, a propósito de tais casos, não deixar que subsista a menor hesitação sobre a proibição de tais comportamentos, sobre a validade da norma violada, isto é, devendo as decisões dos tribunais ser pacificadoras e estabilizadoras;
- quanto às consequências materiais, verifica-se que foram subtraídos vários bens em cada uma das situações descritas, atingindo o montante global um valor significativo (14.901,00€ e 1.200€), sendo certo que só numa das situações os bens foram totalmente recuperados (bijuterias, mealheiro e 2.439,61€);
- as condições pessoais do arguido descritas sob os pontos 23, 24, 30 e 31, das quais resulta que são elevadas as exigências de prevenção especial quanto ao mesmo, já que resulta que nunca teve quaisquer hábitos de trabalho, não dispõe de recursos próprios, tendo sempre vivido – e continua a fazê-lo - da dependência do apoio dos familiares;
- alias, há que dizer que o arguido manteve a prática criminosa, com grande e crescente intensidade – repare-se que no período em que beneficiou de liberdade condicional em 2012 cometeu crimes de natureza sexual -, que só interrompeu quando foi detido, cumprindo a totalidade da nova pena de prisão e, agora, só depois de ter sido preventivamente preso à ordem destes autos;
- sobressai, também, que desde que se encontra em Portugal (desde o ano de 2007), o arguido praticamente nada mais tem feito do que cometer crimes, especialmente de crimes contra o património e cumprir penas de prisão. E não dá mostra de querer inflectir e mudar para um estilo de vida laboralmente activo e socialmente útil;
- quanto à personalidade evidenciam os factos e o historial do arguido, forte tendência para o cometimento de crimes, tendência tão arreigada que as sucessivas condenações lhe não serviram de admonição, nem o cumprimento de penas privativas da liberdade sortiu qualquer efeito preventivo especial. A história criminal registada do arguido evidencia uma carreira criminosa, iniciada em 2007, prosseguindo em 2012, quando libertado, e retomada em 21 de Maio de 2021, depois de ter sido libertado em Setembro 2020 (ou seja passados cerca de 8 meses) e que sempre que é restituído à liberdade, logo reassume.
- resulta igualmente dos factos provados que revela inconsistente consciência crítica relativamente aos seus comportamentos criminais, falta de resiliência e de auto-controlo sobre a sua actividade.
Sopesando todos os factores enunciados, considera-se adequado, crendo que assim se satisfazem as finalidades de tutela dos bens jurídicos, sem desatender ao máximo que nos é fornecido pela culpa dos arguidos, aplicar-lhes as seguintes penas:
- para o crime de furto qualificado, dos autos principais [pontos 1 a 9, referente à ofendida CC]: 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de prisão;
- para o crime de furto qualificado, do Apenso A [pontos 10 a 13, referente a ofendido DD]: 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;
- para o crime de furto qualificado, do Apenso C [pontos 18 a 22, referente a ofendido EE]: 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
*
Em face do disposto no art. 77.º do Código Penal e uma vez que estamos perante um concurso efectivo de crimes há que aplicar ao arguido uma pena única.
Com relevo para o cúmulo a efectuar dever-se-á ter em conta que a pena aplicável terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – cfr. art. 77.º, n.º 2, do Código Penal).
Assim, no nosso caso, a moldura penal a considerar é a seguinte: 3 anos e 10 meses (a mais elevada das penas parcelares de prisão aplicadas) a 9 anos e 4 meses de prisão.
Tendo por base esta moldura urge determinar a pena concreta a aplicar aos arguidos, fazendo apelo em conjunto ao binómio constituído pelos factos e pela personalidade do agente (cfr. art. 77.º, n.º 1, in fine).
Tais crimes apresentam um grau elevado de ilicitude, o que se mostra reflectido nas respectivas penas parcelares.
Fazendo, agora, apelo à personalidade dos arguidos, cabe ter presente, para além de tudo quanto expusemos supra, que:
- à data da prática dos crimes em concurso tinha sofrido uma condenação por factos praticados no mesmo período de tempo dos factos aqui cometidos (que, alias, determinarão, a realização de um cúmulo superveniente de penas), além dos crimes por que foi anteriormente condenado, inclusive em penas efectivas que tudo revela que a prática dos ilícitos em concurso é reconduzível não a uma mera ocasionalidade mas sim a uma tendência do arguido – cfr. pontos 30 e 31;
- o período temporal em que os factos foram praticados, tendo por base um circunstancialismo de vida idêntico sem qualquer actividade laboral, mas apenas uma vida voltada para o crime;
- apresenta uma reduzida capacidade de reflexão sobre a sua conduta e sem consciencialização dos danos e consequências que as suas decisões provocam;
- por fim, cumpre ponderar a situação pessoal, familiar e social do arguido que se mostra retratado nos pontos 23, 24 e 30, que, aqui, se dá por reproduzido, salientando-se, a este respeito, que apenas dispõe de apoio familiar de origem, ou seja, no seu país natal.
Tudo ponderado, sublinhando-se que o S.T.J. tem adoptado a jurisprudência, na formação da pena única, de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com factores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto, lendo-se nos Acórdãos do S.T.J. de 29.04.2010 e 01.07.2012 (referentes aos processos n.ºs 9/07.3GAPTM.S1 e 831/09.6PBGMR.S1, respectivamente, acessíveis na internet em www.dgsi.pt/jstj) que “só em casos verdadeiramente excepcionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas”, entende-se ser adequada a pena única de: 5 anos e 8 meses de prisão.
Atendendo à pena concretamente aplicada não é possível equacionar-se a aplicação de uma pena substitutiva.»
 Conforme decorre do art. 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2 do art. 40º do C.P.).
Segundo Figueiredo Dias[8], quanto aos fins das penas, predomina «a ideia de que só as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas. Num contexto em que a prevenção geral assume o primeiro lugar, como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação, do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, em suma, na expressão de Jackobs, como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida».   
O mesmo insigne autor, após expor a teoria penal por si defendida no que tange ao problema dos fins das penas, conclui do seguinte modo[9]:
«(1) Toda a pena serve as finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».      
Idêntico ensinamento é fornecido por Maria João Antunes, in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2020 (reimpressão), p. 45, nos seguintes termos:
«A medida da pena tem de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, em face do caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um critério de necessidade da pena que não fornece, contudo, um quantum exato de pena. Fornece somente a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico. Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura legal, podendo situar-se acima dele. Neste sentido, é a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece uma moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena. Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas – em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nº2, do CP) -, a culpa fornece somente o limite máximo da pena.»
Assim, na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
Casuisticamente, a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.
Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há de ser casuisticamente prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, como vimos, nos termos do art. 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.
A operação de fixação da pena, dentro dos sobreditos limites, faz-se, segundo o art. 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:
- Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a); 
- À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);
- Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);
- Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);
- À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e
- À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).

Dito isto, cumpre expressar a nossa adesão às considerações ali tecidas sobre as exigências de prevenção gera e especial (positivas) verificadas no caso, bem assim no que concerne aos demais concretos fatores de determinação das penas parcelares ali convocados.
Permitimo-nos, porém, salvo o devido respeito, notar que não resulta dos factos provados que o arguido nunca teve hábitos de trabalho nem dispôs de recursos próprios, uma vez que que resulta da factualidade dada como provada sobre as suas condições pessoais e sociais (ponto 30) que períodos houve em que ele trabalhou na área de recolha e venda de sucata e explorou um estabelecimento comercial, gerido pela sua então companheira, atividades das quais retirava rendimentos. Todavia, como infra reforçaremos, tal circunstância não obsta à constatação corretamente operada pelo Tribunal a quo quanto à determinação da pena unitária de que o arguido estava desempregado no período temporal em que os factos foram praticados.
Prescreve o art. 77º do Código Penal, na parte que ora releva:
“1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2 – A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.”

Como menciona João Pedro Baptista, “O conhecimento Superveniente do Concurso de Crimes e o Cúmulo Jurídico de Penas”, in Revista Julgar, nº33, setembro-dezembro 2017, pp. 203-204, «[…] o legislador português consagrou um regime de pena única conjunta, obtida através de cúmulo jurídico. E fê-lo não só porque o mesmo obsta ao efeito multiplicador da culpa do agente que os sistemas de acumulação proporcionam, como também porque assegura, de forma mais equilibrada, a satisfação das necessidades de prevenção criminal, designadamente na vertente de prevenção especial (que poderia ser comprometida com regimes de absorção, que tornam impunes os crimes em concurso de menor gravidade) e, primordialmente, porque assenta na consideração da personalidade do agente, a qual, pela sua própria natureza, tem um caráter unitário, embora projetando-se no conjunto dos factos.»
Nesta ótica, tem-se entendido que a fixação da pena única conjunta «pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituosos do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto (e não unilateralmente), os factos e a personalidade do agente» [citando o acórdão do STJ de 21-11-2008, proc. 86/08.0GBOVR.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt]
Dito de outra forma, agora nas palavras de Artur Rodrigues da Costa, “O Cúmulo Jurídico na Doutrina e na Jurisprudência e na Jurisprudência do STJ”, in Revista Julgar, nº 21, setembro-dezembro 2013, pp. 174-175, «À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.
Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”, a que se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do STJ de 12/07/05. Ou, como diz Figueiredo Dias: «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique»
Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) [citando Figueiredo Dias]»     
Pela sua pertinência e enquanto exemplo da regular e estabilizada jurisprudência que quanto a esta matéria tem sido prolatada pelo Supremo Tribunal de Justiça, cita-se ainda aqui o acórdão desse tribunal de 18/01/2012, processo nº 34/05.9PAVNG.S1, disponível em www.dgsi.pt:
«Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projeção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de proteção de bens jurídicos.
Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais.
No que concerne à determinação da pena única, deve ter-se em consideração a existência de um critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.
Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, como se o conjunto de crimes em concurso se ficcionasse como um todo único, globalizado, que deve ter em conta a existência ou não de ligações ou conexões e o tipo de ligação ou conexão que se verifique entre os factos em concurso.»
Retornando ao caso sub judice.
É verdadeira a alegação recursiva de que o Tribunal a quo não considerou a favor do arguido, como circunstâncias atenuantes, as de ele ter confessado integralmente os factos e de ter demonstrado arrependimento (incluindo um pedido de desculpas formulado a uma das vítimas em audiência de julgamento, por ela aceite e que redundou na apresentação de desistência de queixa pelos respetivos factos).
Devia tê-lo feito. Essa ponderação, atento o concreto objeto do recurso, nesta parte, devia ter sido realizada no contexto da aquilatação da personalidade do arguido (cf. art. 77º, nº1, do CP).
Conquanto o Tribunal recorrido tenha olvidado tais circunstâncias, reveladoras de alguma consciencialização por banda do arguido do mal inerente aos crimes perpetrados e suas consequências nefastas para as vítimas e antes tenha indevidamente ponderado que ele «apresenta uma reduzida capacidade de reflexão sobre a sua conduta e sem consciencialização dos danos e consequências que as suas decisões provocam» - factualidade cuja eliminação dos facto provados foi aqui determinada [cfr. item IV.2.2] -, cumpre ter presente que foi igualmente valorado no acórdão, de modo que se nos afigura insofismável, que resulta dos factos provados, designadamente das significativas condenações anteriores e cumprimento efetivo de penas de prisão, que tal consciência crítica relativamente aos seus comportamentos criminais é «inconsistente», demonstrando o arguido «falta de resiliência e de autocontrolo sobre a sua actividade». Ou seja, a dita consciência crítica apresentada pelo arguido em audiência de julgamento é fugaz, passageira, não perene, incapaz de obstar a que ele ceda facilmente perante os seus reiterados impulsos criminosos.           
Perante a moldura abstrata aplicável ao cúmulo jurídico de 3 anos e 10 meses de prisão a 9 anos e 4 meses de prisão, o Tribunal a quo aplicou ao arguido a pena unitária de 5 anos e 8 meses de prisão.
O Tribunal recorrido valorou, na apreciação da imagem global do facto, a reiteração de factos criminosos, a sua ilicitude considerável, a natureza destes, enquanto violadores do mesmo bem jurídico, o seu cometimento interligado num contexto temporal e de vivência pessoal significativos, e, outrossim, a personalidade do arguido demonstrada no cometimento dos factos, que já apresenta, face aos bens jurídicos protegidos com as incriminações e respetivos antecedentes criminais, como característica, tendencial, e não meramente pluriocasional.
Os critérios aduzidos pelo Tribunal a quo na determinação da pena única não merecem reparo, assim como a concreta pena fixada, pois que – ainda que desconsiderando a factualidade eliminada do ponto 30 dos factos provados – não se pode afirmar que a mesma viole grosseiramente as regras da experiência e se apresente como claramente desproporcional, desadequada ou desnecessária face aos factos cometidos pelo arguido e à sua personalidade.
Em suma, tendo sido corretamente observadas pelo tribunal a quo as regras legais aplicáveis, não se vislumbrando qualquer distorção na determinação da medida da pena única, improcede igualmente nesta parte o recurso.

IV.2.4 – (I)legalidade da aplicação da pena acessória de afastamento do território nacional:   

Neste segmento do recurso, alega o arguido/recorrente, AA, em súmula [conclusões 14ª a 24ª]:
- A sanção acessória aplicada ao arguido de afastamento do território nacional, prevista na Lei 37/2006, de 09.08, é desproporcional e, até, inadmissível.
- O arguido é um cidadão oriundo de um país estado membro da união europeia, a ..., encontra-se a residir em Portugal há mais de 10 anos, desde ../../2007, fala fluentemente português e entende bem a língua, razão pela qual em audiência de julgamento prescindiu da presença da tradutora nomeada, tal como se pode verificar da ata de julgamento, datada de 22.02.2023.
- Pelo menos desde 2010 até esta data, o arguido através de apoio familiar de outro recluso desenvolveu relações de amizade com GG e sua família, que o visita mensalmente no estabelecimento prisional e, à data dos factos, era apoiado financeiramente pelos familiares da ex-companheira.
- Nos termos do disposto no artigo 23º n.º 3 daquele diploma legal, exceto por razões imperativas de segurança pública, não pode ser decidido o afastamento de cidadãos da União se estes tiverem residido em Portugal durante os 10 anos precedentes.
- Um dos princípios basilares da “pena é que deve ter uma função de reinserção do condenado que é hoje um princípio partilhado e afirmado por todos os direitos modernos”, assim como pelo Conselho da Europa que adotou uma recomendação relativa às regras penitenciárias europeias na qual recordou a importância da facilitação da reintegração dos detidos na sociedade [cita um acórdão do Tribunal de Justiça da EU].
- Pelo que deve a pena ser integradora e com a perspetiva de reintegração social no país em que o arguido desenvolveu fortes laços com a comunidade. Afasta-lo do país em que vive há 16 anos não é solução integradora.
Conclui, peticionando a revogação da sanção acessória aplicada.
Analisando.
A Lei nº 37/2006, de 09.08, transpondo para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2004/38/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril, regula o exercício do direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União Europeia e dos membros das suas famílias no território nacional.
Os pressupostos de aplicação da sanção acessória de pena privativa da liberdade de afastamento do território nacional estão previstos nos arts. 28º n.º 1, 22º, 23º e 24º do aludido diploma.

Estatui art. 22.º da mencionada Lei:

“1. O direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos seus familiares, independentemente da nacionalidade, só pode ser restringido por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública, nos termos do disposto no presente capítulo.
2. As razões de ordem pública, segurança pública e saúde pública não podem ser invocadas para fins económicos.
3. As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes ao princípio da proporcionalidade e basear-se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão, a qual deve constituir uma ameaça real, actual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade, não podendo ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.
4. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para as medidas referidas no número anterior.
5. A fim de determinar se a pessoa em causa constitui um perigo para a ordem pública ou para a segurança pública, ao emitir o certificado de registo ou ao emitir o cartão de residência, pode, sempre que seja considerado indispensável, ser solicitado ao Estado membro de origem e, eventualmente, a outros Estados membros informações sobre os antecedentes criminais da pessoa em questão.”

Por seu turno, prevê o art. 23.º do mesmo diploma:
“1. Antes de adotar uma decisão de afastamento do território por razões de ordem pública ou de segurança pública, é tomada em consideração, nomeadamente, a duração da residência do cidadão em questão no território nacional, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural no País e a importância dos laços com o seu país de origem.
2. Os cidadãos da União e os seus familiares, independentemente da nacionalidade, que tenham direito a residência permanente não podem ser afastados do território português, exceto por razões graves de ordem pública ou de segurança pública.
3. Exceto por razões imperativas de segurança pública, não pode ser decidido o afastamento de cidadãos da União se estes tiverem residido em Portugal durante os 10 anos precedentes ou forem menores.
(…).”

Por último, preceitua o art. 28.º deste diploma:
“1. Só pode ser decidido o afastamento do território a título de sanção acessória de uma pena privativa de liberdade, em conformidade com as condições estabelecidas nos artigos 22.º, 23.º e 24.º
2. Decorridos mais de dois anos a contar da data da decisão de afastamento a que se refere o número anterior, a mesma só pode ser executada depois de se verificar se a pessoa em causa continua a ser uma ameaça actual e real para a ordem pública ou a segurança pública e avaliar se houve uma alteração material das circunstâncias desde o momento em que foi tomada a decisão de afastamento.”
Ressuma das sobreditas disposições legais que para os cidadãos nacionais de um estado membro da União Europeia residentes em território Português a decisão sobre a aplicação da sanção acessória de afastamento do território nacional pressupõe, além do mais, a ponderação das consequências que da sua execução dimanam para o arguido e para aqueles que constituem o seu agregado familiar, bem assim a avaliação da gravidade dos factos e os seus reflexos em termos de permanência do condenado em território nacional.
Exsuda ainda dos referidos normativos legais que a decisão de afastamento do território nacional de um residente de longa duração (10 ou mais anos) só pode basear-se na circunstância de este representar uma ameaça real e suficientemente grave para a segurança pública.
Constituindo a decisão de afastamento do território nacional uma indubitável ingerência na vida da pessoa afastada, pressupõe sempre uma avaliação de justo equilíbrio, de razoabilidade, de proporcionalidade entre o interesse público a salvaguardar e a prossecução das finalidades referidas no artigo 8º, nº2, da Convenção Europeia[10], o direito do indivíduo contra ingerências das autoridades públicas na sua vida e na relações familiares, que podem sofrer uma séria afetação com o afastamento do território nacional, particularmente quando a intensidade da permanência no país de residência corta as raízes ou enfraquece sobremaneira os laços com o país de origem.
No caso vertente, a decisão recorrida, após citar os preceitos legais acima convocados, justificou o decretamento da sanção acessória de afastamento do arguido do território nacional nos seguintes termos:
«[…] no caso concreto, o arguido AA é de nacionalidade ..., cidadão de um Estado membro da União Europeia (...) e residente em Portugal, onde não tem familiares, amigos, companheira, nem qualquer actividade profissional, tendo, desde a sua vinda, cometido crimes uns atrás dos outros e sempre que restituído à liberdade - cf. factos provados sob os nºs 24, 25, 30 e 31.
O arguido vai condenado, pela prática de três crimes dolosos e graves (furtos qualificados), em pena de prisão efectiva, superior a 5 anos, sendo evidentes as razões de ordem pública que, no caso concreto, tornam adequado e proporcional o seu afastamento do território nacional, com o qual não tem ligação.
Ponderando todo este circunstancialismo, mostra-se adequado, proporcional e necessário aplicar ao arguido AA a sanção acessória de afastamento do território nacional, pelo período de 5 anos, ao abrigo das disposições dos arts. 22.º, n.ºs 1, 2 e 3, 23.º, nºs 1 a 3, e 28.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 37/2006, de 9.09.»
Entendemos que a decisão se encontra corretamente fundamentada e revela-se justa atento o circunstancialismo apurado atinente à gravidade dos factos perpetrados pelo arguido e às condições anteriores e atuais da sua vivência em território português.
Assim, os ilícitos criminais cometidos pelo arguido são graves e punidos com pena privativa da liberdade de duração considerável.
Além disso, a prática dos ajuizados crimes não se revela um desafortunado e isolado episódio na vida do arguido, antes se insere num percurso caracterizado pela adoção de frequentes, reiterados comportamentos criminosos, de gravidade estimável, iniciado escassos meses após a entrada em território português e mantido até à atualidade, não obstante o cumprimento nesse ínterim de penas de prisão de duração não despicienda.
Aliás, desde que chegou, em junho de 2007, o arguido passou boa parte do tempo de permanência no nosso país em regime de reclusão prisional. Quando beneficiou de liberdade, condicional ou definitiva, pouco tempo demorou a perpetrar novos crimes, o que demonstra bem a sua incapacidade de estruturar e prosseguir a sua vivência em conformidade com as regras vigentes na nossa sociedade.
A segurança pública mostra-se, destarte, seriamente em risco perante a presença do arguido em território português.        
Ademais, ao tempo dos ajuizados factos, assim como atualmente, o arguido não dispunha de ocupação laboral nem perspectiva de obtenção em breve de atividade profissional.
Também não tinha, como não tem, família em território português, encontrando-se a ex-esposa, a filha e os pais a residirem no país de origem, ..., enquanto a sua irmã habita nos .... Mostra-se também há muito finda a relação de união de facto que o arguido manteve com FF, cidadã portuguesa.
Além de não suficientemente comprovada, a alegada relação de amizade que o arguido mantém com GG, de nacionalidade portuguesa e residente em Portugal, sempre seria escassa, insuficiente do ponto de vista afetivo, interpessoal, para arredar a hipótese de decretamento do afastamento do condenado do território nacional.   
Donde, o afastamento do arguido do território português não interrompe, não cerceia qualquer relacionamento familiar, amoroso e/ou afetivo, em termos significativos, que se mostrasse aqui estabelecido.
Não se vislumbra, pois, que da execução da sanção acessória possa redundar para o arguido ou para terceiros um prejuízo material ou psicológico expressivo, como tal atendível.
Em suma, porque necessária, adequada e proporcional ao asseguramento da segurança pública, consideramos que é de manter a decisão recorrida de aplicação da sanção acessória de afastamento do arguido do território português.
Em conformidade, improcede nesta parte o recurso.

Em conclusão: o douto acórdão recorrido não violou qualquer preceito legal ou constitucional, nomeadamente os invocados pelo recorrente, pelo que, na decorrência da improcedência do douto recurso deduzido pelo arguido, deve a decisão da primeira instância ser integralmente mantida.
           
V - DISPOSITIVO:
           
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

V.1 - Ao abrigo das disposições combinadas dos arts. 412º, nº3 e 431º, nº1, al. b), ambos do CPP, modificar a decisão do Tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto dada como provada no ponto 30, retirando-se do último parágrafo o trecho «apresentando ainda» até final («provocam»).      

V.2 – Quanto ao mais, julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em conformidade, manter integralmente o acórdão recorrido.
*

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, arts. 1º, 2º, 3º e 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal), sem prejuízo da proteção jurídica na respetiva modalidade de que eventualmente beneficie.

Para efeitos do disposto no art. 215º, nº6, do CPP, comunique desde já a decisão ao tribunal recorrido.

Notifique (art. 425º, nº6, do CPP).
*
Guimarães, 19 de março de 2024,
 
Paulo Correia Serafim (Relator) [assinatura eletrónica]
Anabela Varizo Martins (1º Adjunta) [assinatura eletrónica]
Pedro Cunha Lopes (2º Adjunto)[assinatura eletrónica]

(Acórdão elaborado pelo relator e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)


[1] Novas conclusões apresentadas na sequência de convite ao aperfeiçoamento determinado por despacho proferido pelo Desembargador Relator (referência 8977132).
[2] Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 335; Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que mantém atualidade.
[3] Conselheiro Sérgio Gonçalves Poças, in “Processo Penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto”, Revista Julgar, nº 10, 2010, p. 29.
[4] Entre muitos outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2011, processo 308/08.7ECLSB.S1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 09703/2018, processo 628/16.7T8LMG.C1, de 03/06/2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, de 14/01/2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, e de 17/12/2014, processo 872/09.3PAMGR.C1; e do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[5] Cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 31/05/2007, proferido no Processo nº 07P1412 [relatado pelo Exmo. Conselheiro Simas Santos], e de 23/05/2007, proferido no Processo nº 07P1498 [relatado pelo Exmo. Conselheiro Henrique Gaspar], ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, a título exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011, processo 288/09.1GBMTJ.L1-5, de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, e de 08/10/2015, processo 220/15.3PBAMD.L1-9; e do Tribunal da Relação de Évora de 19.05.2015, processo 441/10.5TABJA.E2, todos disponíveis em www.dgsi.pt
[7]  “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Almedina, pp. 253-254.
[8] “Direito Penal Português, Tomo II - As Consequência Jurídicas do Crime”, 1993, pp. 72-73.
[9] “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pp.78-85.
[10] Estipula o artigo 8º da Convenção Europeia do Direitos do Homem: “1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.”