Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
975/22.9T8VNF-A.G1
Relator: MARIA EUGÉNIA PEDRO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRIBUIÇÕES E QUOTIZAÇÕES DA SEGURANÇA SOCIAL
PRAZO PRESCRICIONAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I.O prazo de prescrição das contribuições para a segurança social é de 5 anos, nos termos do art.187º, nº1 da Lei 110/2009 de 6.9 e conta-se separadamente para cada uma das contribuições em dívida.
II.A alegação e prova dos factos interruptivos ou suspensivos do prazo prescricional das contribuições e quotizações da segurança social compete, nos termos do art.342º, nº2 do C.Civil ao Instituto da Segurança Social, IP.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção  Cível do Tribunal da Relação de  Guimarães:

I. Relatório

Nestes autos de insolvência relativos a AA foi por sentença  proferida em 11.7.2022 e transitada em julgado declarada a sua  insolvência.
Em 6.9.2022 o Sr. administrador judicial da insolvência a presentou  a  lista de credores reconhecidos e   não reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE,  constando entre os créditos reconhecidos os seguintes créditos do Instituto da Segurança Social, IP :
 - crédito comum relativo às contribuições devidas pelo insolvente enquanto trabalhador independente relativas ao período  de Julho de 2007 a Dezembro de  2020, no  valor total de €30.234,55, sendo € 22.109,23 de capital  e € 8125,32 de juros, à taxa de  4.510%, com a indicação aposta pelo  administrador judicial de que a data da sua  constituição  foi 1.7.2007 e a data do vencimento  31.7.2022.
 - crédito privilegiado relativo às contribuições devidas pelo insolvente enquanto trabalhador independente de Janeiro de 2021 a Junho de  2022, no valor  total de € 373,08, sendo €360,00 de capital e € 13,08 de juros,  com a indicação aposto pelo administrador da insolvência de que a data da constituição  foi 1.1.2021 a 31.7.2022.
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A credora BB, requerente da insolvência, veio, nos termos do artigo 130.º, n.º 1 do CIRE, impugnar o  referido crédito  comum reclamado pelo Instituto da Segurança Social, IP  e reconhecido pelo  Sr. administrador judicial da insolvência, invocando a respectiva  prescrição.
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Respondeu o Sr. administrador da Insolvência, dizendo que, caso não fosse demonstrado pelo ISS, IP que o prazo legal da prescrição fora interrompido, a impugnação deveria ser julgada parcialmente procedente.
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Respondeu igualmente o Instituto da Segurança Social, IP, argumentando que deveriam ser reconhecidos os créditos reclamados entre o mês de Agosto de 2017 e junho de 2022, admitindo assim  prescrição dos créditos anteriores.
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Em 3.1.2023, foi proferida decisão que considerou verificados e reconhecidos os créditos  identificados  na lista junto pelo Sr. administrador de insolvência que  não tinham sido objecto de impugnação e, de seguida, conhecendo da impugnação do referido crédito do Instituto da Segurança Social, julgou-a parcialmente procedente, considerando prescritos  os créditos reclamados  anteriores a Agosto de 2017 , com a seguinte  fundamentação:

“Resultaram provados os seguintes factos:
a) A reclamação de créditos do ISS, IP foi apresentada em 9/8/2022;
b) O ISS, IP reclamou créditos referentes a dívidas da insolvente no período compreendido entre Julho de 2007 a junho de 2022.

Ora, estatui o n.º 3 e 4 do artigo 60º da Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, 49º da Lei n.º 32/2002, de 20de dezembro e 187º da Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, que as dívidas à segurança social prescrevem no prazo de cinco anos a contar desde a data em que a obrigação devia ser cumprida, interrompendo-se por qualquer diligência administrativa, realizada com o conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à sua liquidação ou cobrança da dívida.
No caso vertente, não tendo existido – dado que não foi alegado sequer – qualquer facto interruptivo do prazo de prescrição, todas as dívidas anteriores a Agosto de 2017 estão prescritas.”
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A credora  BB, inconformada com esta decisão, interpôs o presente recurso , terminando as suas alegações, com as seguintes conclusões:

a) - Da Lista de Credores apresentada pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, nos termos do artigo 1290 do CIRE, consta que o credor enumerado no ponto 5 - Instituto da Segurança Social, LP. - detém um crédito no valor de 30.234,55 euros.

b) Na aba "Informação do Adm. Insolvência" da referida lista, consta na linha "Data Constituição": II O 1/07/2007 ".

c) Da informação prestada pelo Exmo. Sr. Administrador de Insolvência, o crédito é um só, com o valor de 30.234,55 euros, não sendo feita qualquer descriminação temporal do mesmo apenas constando que a sua constituição data a 01/07/2007.

d) Dispõe o artigo 187°, nº1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Providencial da Segurança Social que "A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respectivos juros de mora e outros valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico-contributiva, prescreve no prazo de cinco anos a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida".
e) Porquanto, tendo o crédito de 30.234,55 euros sido constituído em 01/07/2007 e reclamado em 09/08/2022, já há muito que o mesmo se encontrava prescrito.

f) Face ao exposto, conclui-se que o crédito em crise é um só e como tal encontra-se prescrito na sua globalidade           
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Não foram apresentadas contra-alegações.
                                                             
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O recurso foi admitido como apelação, a subir de imediato em separado e com efeito meramente devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
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Foram colhidos os vistos legais.
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Nada obstando ao conhecimento do recurso , cumpre apreciar e decidir.

II.  Delimitação do objecto do recurso.

Das disposições legais  conjugadas dos  artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 2, e 639º, do Código de Processo Civil decorre  que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que  resultem dos autos.
Assim,  no presente caso a única questão a apreciar consiste  em saber  se o  crédito reclamado pelo Instituto da Segurança  Social, no valor global de € 30.234,55  deve ser considerado   totalmente prescrito na sua totalidade.

III. Fundamentação

A- De facto

Os factos a considerar resultantes dos autos e da decisão recorrida, são os seguintes:
      
a) A reclamação de créditos do Instituto da Segurança Social, IP foi apresentada   em 9/8/2022;
b) O Instituto da Segurança Social, IP reclamou contribuições devidas pelo insolvente enquanto trabalhador independente relativas ao período de Julho de 2007 a Dezembro de  2020, no  valor total de €30.234,55, sendo € 22.109,23 de capital  e € 8.125,32 de juros, à taxa de  4.510%.     
c) O Instituto da Segurança Social, IP reclamou contribuições devidas pelo insolvente enquanto trabalhador independente de Janeiro de  2021 a Junho de  2022, no valor  total de € 373,08, sendo €360,00 de capital e € 13,08 de juros,  à taxa de 4,51%.
  
B- De direito

Anota-se que apenas foi objecto da impugnação da recorrente  o crédito    indicado em b) relacionado como comum e não o crédito indicado em c) relacionado como  privilegiado.

A recorrente  defende  que o crédito relativo às  contribuições  indicadas em b)  se encontra  totalmente prescrito  porquanto o Sr. administrador da insolvência  indicou  o seu valor  total (  € 30.234,55 ), não fazendo qualquer discriminação temporal e  apôs na tabela elaborada  como data  da sua  constituição   1.7.2007, pelo que à data da sua reclamação há muito que  o prazo prescricional de  cinco anos havia expirado.

Vejamos
O regime contributivo  dos trabalhadores independentes consta  do Código dos Regime  Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009 de 16.9,  mais precisamente dos arts arts 132º a 168º.

E o art. 155º relativo ao pagamento das contribuições preceitua:
1- A contribuição dos trabalhadores independentes é devida a partir da produção de efeitos do enquadramento ou da cessação da isenção de contribuir.
2- O pagamento da contribuição prevista no número anterior é mensal e é efectuado até ao dia  20 do  mês seguinte àquele a que respeita.
3- (…)
4- (…)     

Por sua vez, o art. 187º do mesmo diploma, inserido na Parte III do referido Código, relativa ao incumprimento da obrigação contributiva, dispõe :

1- A obrigação do pagamento das contribuições e das quotizações, respectivos juros de mora e outros  valores devidos à segurança social, no âmbito da relação jurídico- contributiva, prescreve no prazo de cinco anos  a contar da data  em que aquela obrigação devia ter sido cumprida.
2- O prazo de prescrição interrompe-se pela ocorrência de qualquer diligência administrativa realizada, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida e pela apresentação de requerimento de procedimento extrajudicial de conciliação.
3- O prazo de prescrição suspende-se nos termos previstos  no presente Código e na lei geral.   

Este prazo de  5 anos  de prescrição das contribuições e quotizações da segurança social encontra-se em vigor desde o ano 2000, tendo sido primeiramente  fixado pela Lei 17/2000 de 4.8 , no seu art. 63º, e depois transitado  para o art. 49º da Lei 32/2002 de 20.12 e . 60º da Lei 4/2007 de 16.1,  antes de  ser consagrado no  preceito transcrito do CRCSPSS.  

Assim, não restam  dúvidas de  que é este  o prazo aplicável à prescrição de todas as  contribuições  aqui em apreço.
Tais contribuições, como decorre do art. 155º acima transcrito, são devidas mensalmente, devendo o seu o pagamento ser efectuado até ao dia 20 do  mês seguinte àquele a que respeitam.
E como resulta  dos factos assentes e da lista elaborada pelo administrador da insolvência as contribuições em dívida pelo insolvente  dizem  respeito  aos meses de  Julho de 2007 a Dezembro de  2020, não correspondendo à verdade o alegado pela recorrente  de que não foi feita qualquer discriminação temporal do crédito reclamado.
Por outro lado, face ao disposto no nº2 do  art. 187º, o  prazo de prescrição conta-se  para cada uma das contribuições  mensais em dívida, a partir da data  em  que  respectivo pagamento devia ser efectuado.
Ou seja, estamos perante contribuições mensais autónomas e,  quer os juros,  quer o prazo de  prescrição contam-se  separadamente  para cada uma delas, com início na data em que deviam ser cumpridas.
E não é o facto de ter  sido efectuado o cômputo  do valor total em dívida  no referido período para a formulação da reclamação de créditos e de o Sr. administrador  indicar apenas a data de constituição da primeira contribuição em dívida que modifica  o regime legal, anulando o vencimento mensal  de cada uma das  contribuições  não  liquidadas pelo insolvente.
A posição da recorrente considerando que está em causa um único crédito constituído em 1.7.2007,  não tem qualquer  arrimo legal  e  é totalmente descabida, pois é evidente, tendo em conta o disposto  nas referidas disposições legais,  que a data aposta pelo Sr. administrador  judicial  na tabela elaborada se reporta  à primeira das contribuições em dívida.
Destarte, contando-se o prazo prescricional individual e separadamente  para cada uma das contribuições em dívida mostra-se correcta a decisão recorrida que, tendo em conta que a reclamação de créditos foi apresentada em 9.8.2022, considerou prescritas todas as dívidas anteriores a Agosto de 2017. 
Com efeito, com a dedução da reclamação de créditos em Juízo  interrompeu-se  o prazo de prescrição que  ainda se encontrava em curso em relação  às contribuições mensais devidas  há menos de 5  anos, ou seja,  de Agosto de 2017 em diante  e  começou a correr  um novo prazo.
Relativamente às contribuições mensais anteriores   a  Agosto de 2017, não tendo sido demonstrada a ocorrência de qualquer  outro facto interruptivo o prazo prescricional   já  se  havia completado,  achando-se prescritas.
É certo que,  como resulta do  citado art. 187º, o  prazo legal de prescrição  pode  também  ser  interrompido, começando a correr de novo,  se ocorrerem diligências administrativas conducentes à liquidação ou à cobrança da dívida das quais seja dado conhecimento ao responsável  e  pode  suspender-se  durante  o período de pagamento em prestações (art.189º, nº2 do CRCSPSS) ou nas situações previstas  no nº4 do art. 49º da Lei Geral Tributária( LGT), subsidiariamente aplicável por remissão do art. 3º CRCSPSS.
E diligências administrativas interruptivas  do prazo prescricional, têm sido   consideradas  todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide), mas não integrando tal conceito um telefonema efectuado por funcionário da AT ao contribuinte devedor ( cfr. se defende no Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul de 21.04.2009, proc. 02938/09. E também no da Ac. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 07-01-2009, no processo n.º 0835/08).
Porém, o reclamante Instituto da Segurança Social, IP face à invocação da  prescrição dos créditos reclamados não alegou qualquer facto interruptivo ou suspensivo do prazo respectivo.  E sendo os eventuais factos interruptivos ou suspensivos do prazo prescricional  circunstâncias  modificativas ou extintivas  da prescrição, nos termos do art. 342º,  nº2 do C.Civil, recaía sobre o reclamante  o ónus de alegação e prova dos mesmos - cfr. neste sentido o Ac. do  Supremo Tribunal Administrativo, no Ac. de 12.11.20104, proferido pelo Pleno da Secção do CT,  no proc. 0406/14 in www.dgsi.pt
Destarte,  bem decidiu  o Tribunal recorrido ao considerar a inexistência de  qualquer facto interruptivo da prescrição  anterior  à  dedução da reclamação de créditos  em  Juízo nestes autos,  julgando prescritas  todas as contribuições anteriores a Agosto de 2017, mas devidas as contribuições  mensais posteriores a essa data, cujo prazo prescricional se interrompeu em Agosto de 2022, começando a correr de novo.
Em suma, nenhuma censura merece a  decisão recorrida,  impondo-se, sem mais, a    improcedência do recurso.
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IV. Decisão 

Pelo  exposto, os Juízes  desta 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães, acordam em  julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
 
Custas pela recorrente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Notifique
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Guimarães, 25 de  Maio  de 2023

Os Juízes Desembargadores

Relatora: Maria Eugénia Pedro
1º Adjunto: Pedro Maurício
2ºAdjunto: José Carlos Duarte