Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
537/19.8T8VNF-E.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO VARIÁVEL
FÓRMULA DE CÁLCULO
LIQUIDAÇÃO
MAJORAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. A liquidação consiste, essencialmente, na venda de bens e cobrança de créditos que compõem a massa insolvente, com a finalidade de converter o património que a integra numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores.

II. A base de cálculo para determinação da remuneração variável devida ao administrador da insolvência corresponde ao «resultado da liquidação», que a própria lei se encarregou de definir como «montante apurado para a massa insolvente», isto é, montante das receitas obtidas pelo administrador da insolvência (quaisquer que elas sejam e qualquer que seja a respectiva origem), que vão sendo depositadas na conta da liquidação e que se usem depois para pagamento aos credores da insolvência.

III. Optando o administrador da insolvência pelo cumprimento de contrato-promessa cujo preço de venda se encontrava já parcialmente pago, apenas poderia vir a receber do promitente-comprador o valor remanescente do preço total; e, assim procedendo, só o montante efectivamente recebido integra o resultado da liquidação, e não o preço declarado na formalização da escritura de compra e venda (coincidente, natural e necessariamente, com o vertido no prévio contrato-promessa).

IV. Sendo vendido um imóvel ao credor que constituíra hipoteca sobre ele, e que foi dispensado de depositar 80% do preço de aquisição, integra o resultado da liquidação a totalidade do preço pago, isto é, quer a parte satisfeita em numerário (os 20% de cujo depósito não foi dispensado), quer a parte satisfeita com a extinção proporcional do prévio crédito (correspondente aos 80% de cujo depósito foi dispensado).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. Em 04 de Abril de 2019, nos autos principais de insolvência relativos a EMP01..., Limitada, com sede Avenida ..., ..., freguesia ..., concelho ... (que com o n.º 537/19.... correm termos pelo Juízo de Comércio ... - Juiz ...), foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), declarando a insolvência da dita Sociedade, requerida por AA e mulher, BB, e por CC e mulher, DD (seus credores, mercê de sinais pagos em contratos-promessa com ela celebrados).

1.1.2. Em 13 de Abril de 2021 (no Apenso B - Reclamação de Créditos) foram proferidas quatro sentenças homologatórias de transacções (aquelas e estas que aqui se dão por integralmente reproduzidas), pertinentes a reclamações e impugnações de créditos, celebradas entre credores da Insolvente e a Massa Insolvente (por meio das quais a credora EMP02..., Limitada reduziu o seu crédito para € 87.976,10, e os credores reclamantes CC e mulher, DD, AA e mulher, BB, e EE desistiram dos seus créditos contra o cumprimento dos contratos-promessa de compra e venda de imóveis que tinham celebrado com a Insolvente), constando do texto de três daquelas transacções que:
«(…) os CREDORES (…) aceitam caucionar a MASSA com a entrega do valor» [que variou entre € 2.500,00 € 5.000,00 por cada fracção], «a título de caução para despesas de liquidação, custas judiciais, dívidas da massa, onde se inclui  IMI e adicional de IMI e Condomínio desde a data da declaração de insolvência até à data da escritura de compra e venda bem como  a remuneração variável do Sr. Administrador de Insolvência a apurar sobre o valor de venda da fração» [que cada um iria adquirir] «em sede de prestação de Contas, até 8 dias antes da celebração da escritura, por transferência bancária para o IBAN (…) da Massa Insolvente de EMP01..., Ldª.
(…)»

1.1.3. Em 17 de Junho de 2021 (no Apenso B - Reclamação de Créditos), ascendendo então as reclamações de créditos a € 603.164,10, foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida) de reconhecimento e graduação de créditos, depois transitada em julgado.

1.1.4. Em 01 de Fevereiro de 2023 (no Apenso C - Liquidação) foi proferido despacho, declarando encerrada a liquidação do activo, sendo de € 766.039,51 o valor global de venda das doze verbas correspondentes aos bens apreendidos, embora apenas a quantia de € 471.563,15 tenha sido entregue pelos compradores à massa insolvente, uma vez que:

. somente os valores de venda dos bens que constituem as verbas nºs 3, 4, 6 e 9, foram entregues na totalidade pelos respectivos compradores à massa;

. as verbas n.º 1 e n.º 2 já tinham sido vendidas à data da declaração de insolvência em processo de execução, pelos preços respectivos de € 2.500,00 e de € 36.500,00, tendo o agente de execução, após deduzir as despesas, transferido para a massa a quantia de € 34.727,51;
. tendo a verba n.º 7 sido vendida por € 32.470,00, a credora hipotecária EMP03..., Unipessoal, Limitada ficou dispensada do depósito de € 25.976,00 (correspondente a 80% do preço), entregando à massa apenas a quantia de € 6.494,00 (correspondente a 20% do preço);

. tendo as verbas n.ºs 5, 8, 10 e 11 sido vendidas, respectivamente, por € 55.000,00, por € 110.000,00, por € 92.000,00 e por € 100.000,00 (preços de venda declarados em cada uma das escrituras de compra e venda e correspondentes aos preços acordados em prévios contratos-promessa de compra e venda), foram-no a credores promitentes-compradores que já tinham pago antes parte do preço (nomeadamente, por meio de sinais nele imputado).

1.1.5. Em 21 de Abril de 2023 (no Apenso D - Prestação de Contas) foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), julgando validamente prestadas as contas da administração, onde se continham despesas globais de € 20.136,90.
 
1.1.6. Em 06 Fevereiro de 2023 a Secretaria elaborou a conta de custas, correspondendo as mesmas a € 4.935,00.

1.1.7. Em 13 de Maio de 2023 o Administrador da Insolvência apresentou uma proposta de distribuição e rateio final, tendo nela calculado a sua remuneração variável como correspondendo a € 94.440,72 (IVA incluído) e uma provisão para despesas de rateio de € 200,00.

1.1.8. Em 20 de Junho de 2023 a Secretaria informou «que o cálculo da remuneração variável do Senhor Administrador da insolvência apresentada pelo mesmo não está em conformidade com os dados existentes nos autos», lendo-se nomeadamente na dita informação:
«Considera como valor da sua remuneração variável o montante de € 98.120,48, valor diverso do cálculo efetuado pela secretaria, que passamos a demonstrar:
Receitas obtidas em sede de liquidação - € 471.563,51, a este valor deve ser deduzido o montante das despesas aprovadas no apenso de prestação de contas - € 20.136,90, bem como as custas pagas - € 4.935,00 - a provisão para eventuais despesas com o rateio, tendo o mesmo considerado o montante de € 200,00 = € 446.291,61 - resultado da liquidação da massa insolvente.
Assim sendo, € 446.291,61 x 5% = € 22.314,58 x 23% (IVA) = € 27.446,93 (1) - remuneração - al b) do nº. 4 do art.º 23º do Estatuto do Administrador Judicial.
Pelo que ao resultado da liquidação deduzimos o valor agora alcançado, bem como a remuneração fixa do Sr. A.I. - € 446.291,61 - € 27.446,93 - € 2.460,00 = € 416.384,68, sendo este o valor disponível para pagamento dos créditos.
Total dos créditos reconhecidos - € 603.164,10, pelo que o grau de satisfação dos créditos é de - 69,03%, pelo que 5% em função do grau de satisfação dos créditos é € 14.371,52, acrescido de IVA (€ 416.384,68 x 69,03% = € 287.430,34 x 5%) = € 17.676,97 (2). O Senhor A.I. tem direito ao montante de € 45.123,90 de remuneração variável, soma de (1) e (2) e não o indicado pelo mesmo».
 
1.1.9. Em 13 de Julho de 2023 foi proferido despacho (que aqui se dá por integralmente reproduzido), fixando a remuneração variável do Administrador da Insolvência em € 45.123,90, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Nos presentes autos, o resultado da liquidação, para efeitos de cálculo da remuneração variável referida nos n.ºs 4 e 6, ascende a € 446.291,61 (€ 471.563,51, a este valor deve ser deduzido o montante das despesas aprovadas no apenso de prestação de contas - € 20.136,90 e as custas do processo € 4.935,00, bem como a provisão para eventuais despesas com o rateio, tendo o mesmo considerado o montante de € 200,00).
Assim sendo, € 446.291,61 x 5% = € 22.314,58 x 23% (IVA) = 27.446,93 (1) - remuneração - al b) do nº. 4 do artº. 23º do Estatuto do Administrador Judicial.
Pelo que ao resultado da liquidação deduzimos o valor agora alcançado, bem como a remuneração fixa do Sr. A.I. - € 446.291,61 - € 27.446,93 - € 2.460,00 = € 416.384,68, sendo este o valor disponível para pagamento dos créditos.
O total dos créditos reconhecidos é de € 603.164,10, pelo que o grau de satisfação dos créditos é de - 69,03%, pelo que 5% em função do grau de satisfação dos créditos é € 14.371,52, acrescido de IVA (€ 416.384,68 x 69,03% = € 287.430,34 x 5%) = € 17.676,97 (2).
Conforme refere o n.º 7, a majoração corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos em função do grau de satisfação dos créditos reconhecidos e não a 5% do montante dos créditos satisfeitos, conforme calculou o Sr. A.I.
Perfilhamos assim, por inteiro, a posição assumida no Ac. Rel. Coimbra de 25.10.2022, assinalando que no mesmo sentido se pronunciaram também os seguintes acórdãos, todos disponíveis in www.dgsi.pt.:
- Ac. Rel. Coimbra de 28.9.2022 (proc. 2495/20.7 T8ACB.C1, relatora MARIA CATARINA GONÇALVES);
- Ac. Rel. Évora de 29.9.2022 (proc. 260/14.0 TBVTR.E1, relator TOMÉ DE CARVALHO);
- Ac. Rel. Coimbra de 11.10.2022 (proc. 3947/08.2 TJCBR-AY.C1, relator ARLINDO OLIVEIRA);
- Ac. Rel. Coimbra de 9.11.2022 (proc. 462/12.3 TJCBR-AF.C1, relatora HELENA MELO);
- Ac. STJ de 18-04-2023,
Em suma, o valor da remuneração variável devida ao Sr. A.I. ascende a € 45.123,90.
Deste modo, na sequência do que atrás se expôs, há que confirmar a informação da secretaria, devendo o senhor Administrador da Insolvência corrigir o cálculo da remuneração variável, o que se determina.
Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Administrador da Insolvência interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido e se revogasse o despacho recorrido, fixando a sua remuneração variável global em € 94.440,72.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

a) O presente recurso incide sobre o Despacho proferido a 13 de julho de 2023, com a referência n° ...87, na parte em no mesmo fixa, a remuneração variável do A.J. no valor global de € 45.123,90 (IVA incluído), sendo € 22.314,58 x 23% de IV A = € 27.446,93 da lª componente e € 14.676,92 + € 3.305,45 de IVA = € 17.676,97 da 2ª componente, previstas na al b) do nº 4 do art° 23° do EAJ e n" 7 do mesmo preceito, respectivamente.

b) Para fixar tal montante, o Tribunal, embora siga um raciocínio correcto, tal como se prevê nos n.ºs 4, 5, 6 e 7 do art° 23° do EAJ, parte de um valor da liquidação de € 446.291,61 para efeitos do cálculo da remuneração variável do A.J., chegando a este valor depois de subtrair a € 471.563,51, € 20.136,90 de despesas aprovadas + € 4.935,00 de custas do processo e + € 200,00 de provisão para despesas do rateio.

c) Na verdade, o volume das vendas foi de € 766.039,51, montante ao qual, deduzido o valor das despesas aprovada (€ 20.136,90), das custas do processo (€ 4.935,00) e da provisão para cumprimento do rateio (€ 200,00), nos conduz a um resultado de liquidação para efeitos do cálculo da remuneração variável do A.J. de € 740.517,61.

d) Após a redução do crédito do credor hipotecário EMP03... Unipessoal, Ldª, em € 20.000,00 e da desistência dos créditos operada pelos credores AA e mulher, CC e mulher, e EE, nas transacções juntas aos autos em 13-04-2021, homologadas por sentença do mesmo dia 13-04-2021 (Apenso B), as reclamações de créditos ascendem a € 603.164,10.

e) O Tribunal usou erradamente como valor de liquidação o montante efectivamente entregue à massa pelos compradores, e não, como é de lei, o total do valor de venda dos bens liquidados.

f) Embora a massa tenha recebido apenas a quantia de € 471.563,61, as doze verbas apreendidas e liquidadas totalizam um valor de € 766.039,51.

g) As verbas nºs 1 e 2, que já tinham sido vendidas à datada declaração de insolvência, pelos preços de € 2.500,00 e € 36.500,00 em processo de execução, o agente de execução, após deduzir as despesas, transferiu para a massa a quantia de € 34.727,51.

h) As verbas numeradas no autos de apreensão de 3 a 12, foram vendidas pelo administrador de insolvência pelo valor total de € 731.312,00, conforme consta das escrituras juntas ao Apenso C de liquidação.

i) A verba nº 7, tem a particularidade de ter sido vendida por € 32.470,00 a EMP03... Unipessoal, Ldª, tendo o comprador entregue à massa aquantia de € 6.494,00, correspondente a 20% do preço, ficando dispensado do remanescente do preço atenta a sua qualidade de credor hipotecário.

j) Os valores de venda dos bens que constituem as verbas nºs 3, 4, 6 e 9, foram pelos respectivos compradores entregues na totalidade à massa;

k) Independentemente do valor entregue pelos compradores respectivos, a verdade é que também na venda dos bens imóveis que constituem as verbas nºs 5, 8, 10 e 11 existem algumas particularidades, pois os mesmos foram liquidados por € 55.000,00, € 110.000,00, € 92.000,00 e € 100.000,00, respectivamente, sendo este o valor que deve contar para o cálculo da remuneração variável, não só porque é preço constantes das escrituras, mas também porque nos acordos juntos aos autos (Apenso B) em 13/04/20 1, com as referências nºs ...87, ...89 e ...93, homologados por sentença transitada em julgado proferida no mesmo dia 13-04-2021 (refª n° ...32 57), ficou expressamente clausulado que o valor da escritura de venda seria o valor a considerar para o apuramento da remuneração variável do administrador de insolvência.

I) Em resumo: Valor das vendas: € 766.039,51; Valor da liquidação para efeito de cálculo da remuneração variável: € 740.517,61; Valor dos créditos reclamados: € 603.164,10.

m) Aplicando o valor de liquidação, face ao total das reclamações de créditos e ao grau de satisfação dos credores, apura-se uma remuneração variável global de € 94.440,72 (IVA incluído); sendo € 45.541,83 (€ 37.025,88 + € 8.515,95 de IVA a 23%) da 1ª componente, prevista na al b) do n° 4 do art. 23° do EAJ, e € 48.898,89 (€ 39.755,19 + € 9.143,69 de IVA a 23%) da 2ª componente, prevista no n° 7 do mesmo preceito legal.
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1.2.2. Contra-alegações
Não foram apesentadas quaisquer contra-alegações.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Administrador da Insolvência, uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, na fixação da remuneração variável devida ao Administrador da Insolvência, por ter erradamente considerado que o «resultado da liquidação da massa insolvente» corresponde ao montante efectivamente recebido por ela, e não, como correctamente deveria ter feito, ao valor de venda dos bens liquidados ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade de facto relevante para a decisão do recurso de apelação interposto coincide com a descrição feita no «I - RELATÓRIO» da mesma, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Remuneração do Administrador Judicial
4.1.1. Consagração (do direito)

Lê-se no art.º 60.º, n.º 1, do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas [3], que o «administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis».
De forma conforme, lê-se no art.º 22.º, do Estatuto do Administrador Judicial (doravante EAJ), aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro [4], que o «administrador judicial tem direito a ser remunerado pelo exercício das funções que lhe são cometidas, bem como ao reembolso das despesas necessárias ao cumprimento das mesmas».

Compreende-se que assim seja, já que, sendo o mesmo um qualificado colaborador do Tribunal na prossecução dos fins do processo especial de revitalização de empresa ou de insolvência, e escolhido por ele [5], não se vê como pudesse vir a ficar sem retribuição, e/ou sem o reembolso das despesas exigidas pelo exercício das suas funções [6].

A dita remuneração varia consoante o administrador judicial tenha sido nomeado pelo juiz - sendo então determinada nos termos do art.º 23.º, do EAJ -, ou pela assembleia de credores - sendo então fixada na deliberação que procede à nomeação conforme art.º 24.º, do mesmo diploma.
*
4.1.2. Composição (da remuneração)
Precisando a remuneração do administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz, lê-se no art.º 23.º (com bold apócrifo), do EAJ, que: o «administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2000 (euro)» (n.º 1); e aufere «ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado» em função «da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5» e «do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6» (n.º 4).

Logo, a remuneração devida ao administrador judicial tem uma natureza mista, sendo constituída de uma parte fixa, de invariáveis € 2.000,00, «o que permite maior certeza na remuneração», e de uma parte variável, esta já «calculada em função dos resultados da massa insolvente e assente num regime de prémios em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e que constitui uma motivação para o bom exercício da actividade» (Catarina Serra, O Regime Português da Insolvência, 2012, 5.ª edição, Almedina, pág. 50, reiterado em Lições de Direito da Insolvência, 2.ª edição, Almedina, Fevereiro de 2021, pág. 81) [7].

Mais se lê, no art.º 29.º, n.º 1, do EAJ, que, sem «prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 52.º e no n.º 7 do artigo 55.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas são suportados pela massa insolvente, salvo o disposto no artigo seguinte».
Logo, enuncia-se como regra geral (que apenas comporta a excepção prevista no art.º 30.º, do EAJ) que a remuneração do administrador da insolvência e o reembolso das despesas em que incorra pelo exercício das suas funções constituem encargo da massa insolvente.
Lê-se ainda, no mesmo art.º 29.º, do EAJ: quanto à remuneração fixa, que «é paga em duas prestações de igual montante, vencendo-se a primeira na data da nomeação e a segunda seis meses após tal nomeação, mas nunca após a data de encerramento do processo» (n.º 2); quanto à remuneração variável «relativa ao produto da liquidação da massa insolvente», que «é paga a final, vencendo-se na data de encerramento do processo» (n.º 5); e quanto à provisão para despesas, que é «paga pelo organismo responsável pela gestão financeira e patrimonial do Ministério da Justiça, no valor de 2 UC, (…) imediatamente após a nomeação e corresponde às despesas efetuadas pelo administrador da insolvência» (n.º 8).
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4.1.3. Critérios de determinação
4.1.3.1. Resultado da liquidação
Precisando os critérios de determinação da remuneração variável, e no que ora nos interessa, lê-se no art.º 23.º, n.º 4, al. b), do EAJ, que a mesma corresponde a «5 /prct. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6».
Lê-se neste n.º 6 que para «efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência».
Está-se, assim, perante uma primeira operação matemática (com vista à determinação do valor da remuneração variável), ela própria composta por duas sucessivas operações: o inicial apuramento do saldo da liquidação (produto da liquidação deduzido das despesas da massa, com ressalva da remuneração fixa do administrador e das custas dos processos pendentes); e a posterior aplicação a este saldo da taxa de 5%.

Precisando, tendo o legislador querido que se procedesse à determinação da remuneração variável num quantum matemático, por recurso a, e aplicação de, critérios objectivos legalmente previstos [8], partiu do conceito «resultado da liquidação», que corresponde, assim, à base de cálculo ou ao critério referência para determinação da remuneração variável devida, quer ao administrador judicial provisório (nomeado em PER e em PEAP), quer ao administrador da insolvência; e definiu-o, fazendo-o corresponder ao «montante apurado para a massa insolvente».
Contudo, esta não deixa igualmente de consubstanciar uma «fórmula, em si mesmo ambígua», que «tem de ser entendida em correlação com o resultado da liquidação. Entendemos, por isso, que está em causa o montante apurado na realização do ativo da massa insolvente» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 349, com bold apócrifo).
Com efeito, a liquidação consiste, essencialmente, na venda de bens e cobrança de créditos que compõem a massa insolvente, com a finalidade de converter o património que a integra numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores. Assim, e recorrendo às contas da liquidação, já então necessariamente prestadas e aprovadas, um dos factores da equação prevista pelo art.º 23.º, n.º 4, do EAJ, corresponderá necessariamente ao montante das receitas obtidas pelo Administrador da Insolvência para a massa insolvente, quaisquer que elas sejam e qualquer que seja a respetiva origem [9].

Logo, do que se trata é de apurar o valor global resultante da liquidação, em termos de montante global da entrada efectiva de dinheiro para a massa, como receitas pelas quais serão pagos os credores: liquidar é, precisamente, tornar líquido, o que se obtém (quando não estejam desde logo em causa quantias em dinheiro) pela conversão do bem no valor pecuniário por ele obtido, ou do crédito no valor pecuniário por ele cobrado (já que o dinheiro consubstancia a liquidez por excelência) [10].

Só assim se compreende, aliás, que se leia no CIRE: no art.º 1.º, n.º 1, que o «processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores», nomeadamente com  «a liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores»; no art.º 55.º, n.º 1, al. a), que «cabe ao administrador da insolvência» preparar «o pagamento das dívidas do insolvente à custa das quantias em dinheiro existentes na massa insolvente, designadamente das que constituem produto da alienação, que lhe incumbe promover, dos bens que a integram»; e, no art.º 167.º, do CIRE, que, à «medida que a liquidação se for efetuando, é o seu produto depositado na conta bancária titulada pela massa insolvente, em conformidade com o disposto no n.º 6 do artigo 150.º».
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, só pressupondo que da liquidação do património do devedor insolvente resulta um efectivo valor pecuniário em dinheiro é que se torna possível que o mesmo seja, primeiro depositado numa conta bancária, e depois repartido entre os seus credores.
*
Determinado esse primeiro valor (produto da liquidação), deduz-se depois do seu montante, «como valores passivos, digamos, as dívidas da massa insolvente, mas não todas. Na verdade, não são consideradas, nessa dedução, a remuneração fixa do administrador e as custas de processos judiciais pendentes na data da declaração da insolvência. Contudo, em vista da redação do n.º 4, já é deduzida a parte variável da remuneração do administrador, prevista no n.º 2» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 349, com bold apócrifo).
O saldo corresponderá, então, ao resultado da liquidação.
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Determinado, aplica-se-lhe, por fim, uma taxa de 5%; e o montante assim obtido corresponderá à primeira componente da remuneração variável do administrador da insolvência.
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4.1.3.2. Majoração
De seguida (apurado o montante correspondente a 5% do resultado da liquidação da massa insolvente), o «valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5 /prct. do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles» (n.º 7 do art.º 23.º do EAJ).
Está-se, assim, perante uma segunda operação matemática (com vista à determinação do valor da segunda componente da remuneração variável), em que o valor correspondente a 5% do resultado da liquidação da massa insolvente é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reconhecidos, numa nova percentagem de 5% do montante dos créditos satisfeitos; e, por isso, também ela pressupondo várias e sucessivas operações matemáticas.

«Facilmente se compreende a intenção que domina esta majoração da remuneração ao administrador. Trata-se de estimular a sua diligência no sentido de obter para os bens da massa insolvente o valor mais alto possível» (Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3.ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, pág. 349).
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Contudo, dividiu-se a jurisprudência das Relações entre os que defendem que o  5% aplica-se directamente ao montante dos créditos a satisfazer (corrente actualmente francamente minoritária) [11]; e aqueles outros que defendem que o 5% aplica-se ao valor correspondente à percentagem dos créditos satisfeitos relativamente aos créditos reclamados e admitidos, exigindo, por isso, a realização de uma operação aritmética prévia destinada a apurar aquele grau de satisfação (corrente hoje largamente maioritária) [12].

Verifica-se, porém, que no recurso sub judice, quer o Tribunal a quo, quer o Administrador da Insolvência recorrente, defendem a correcção do segundo entendimento [13], o que este Tribunal ad quem igualmente sufraga, ficando, assim, dispensado da indicação das respectivas razões para esse juízo.
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4.1.3.3. Limite máximo
Por fim (apurado o montante correspondente a 5% do resultado da liquidação da massa insolvente e calculada a respectiva majoração), importará verificar se se mostram respeitados os limites máximos da remuneração determinada, sejam de natureza eventual, por ponderação das especificidades do caso concreto, sejam de natureza absoluta.
Com efeito, lê-se no  art.º 23.º, do EAJ, que: se, «por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções» (n.º 8); e a  «remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100 000 (euro)» (n.º 9).
Estar-se-á, assim, perante uma terceira operação matemática, embora de natureza eventual (apenas quando a remuneração exceder o montante de € 50.000,00), por forma a que se fixe casuisticamente (tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções) uma parte (em excesso) da remuneração (a fim de se obter um resultado inferior ao que resultaria da singela aplicação dos critérios legais), somando-a depois à outra parte (cujo apuramento decorreu, precisamente, da aplicação dos ditos critérios legais).

Com efeito, e quanto ao limite máximo eventual, só no montante excedente a € 50.000,00 (e até 100.000,00) poderá o juiz ponderar «os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções», para determinar um valor mais baixo daquele que resultaria dos critérios legais enunciados antes.

Já no que respeita ao limite máximo absoluto, o mesmo é aplicável à remuneração variável total (compreendendo a majoração), funcionando como limite da mesma (e não apenas como limite da parcela achada com a operação de cálculo prevista na al. b) do n.º 4 e no n.º 6 do mesmo artigo) [14].
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se, tendo sido reclamada (na proposta de distribuição e rateio final) a fixação da remuneração variável do Administrador da Insolvência como correspondendo a € 94.440,72, e vindo a mesma a ser fixada pelo Tribunal a quo em € 45.123,90 (de forma conforme com a prévia informação da Secretaria), os cálculos de um e de outro apenas divergem quanto à determinação da sua base inicial, correspondente ao resultado da liquidação.
Com efeito, enquanto esta foi considerada pelo Administrador da Insolvência como correspondendo a € 766.039,51, por ser esse o preço declarado de venda das doze verbas apreendidas para a massa insolvente, o Tribunal a quo considerou aquele resultado como correspondendo a € 471.563,51, por ter sido apenas esse o valor pecuniário recebido mercê da sua alienação e depositado na conta da liquidação.
           
Ora, e salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, assiste parcial razão a ambos.
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4.2.1. Cumprimento de contratos-promessa de compra e venda
Com efeito, e conforme referido supra, destinando-se a liquidação a transformar em dinheiro (pela alienação de bens e valores, ou pela cobrança de créditos) o património do insolvente, por forma a que com essa receita líquida sejam pagos os seus credores, apenas integram o montante apurado para a massa insolvente as quantias que, tendo previamente correspondência com o seu património, tenham sido depois efectivamente recebidas.

No caso em apreço, e estando-se perante contratos-promessa de compra e venda de imóveis, pertencentes ao património da Insolvente (EMP01..., Limitada), verifica-se, porém, que esta já recebera parte dos respectivos preços acordados para as alienações (e, por isso, tendo os promitentes-compradores neles outorgantes reclamado nos autos o seu crédito, face ao seu incumprimento, correspondente precisamente ao dobro do sinal que lhe tinham prestado,).
Assim, e tendo o Administrador da Insolvência optado pelo cumprimento dos ditos contratos-promessa (conforme consta expressamente do texto das transacções que com eles celebrou), apenas poderia vir a receber destes promitentes-compradores o valor remanescente do preço ainda não pago, já que só a ele a Insolvente (EMP01..., Limitada) teria direito, e não os preços integrais declarados na formalização das escrituras de compra e venda em causa (coincidentes, natural e necessariamente, com os vertidos nos prévios contratos-promessa). Logo, só o remanescente dos preços efectivamente pagos ao Administrador da Insolvência integra o resultado da liquidação.
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Dir-se-á, ainda, que a este juízo não pode, naturalmente, obstar o que as partes tenham acordado entre si nas individuais transacções que celebraram, e mesmo que o Administrador da Insolvência nelas, ou em algumas delas, tenha sido parte.
Com efeito, não só se estaria perante composições particulares de interesses (idóneas a afectar os demais credores, que veriam com o seu teor diminuir o montante afecto à satisfação dos seus créditos - pelo aumento da remuneração variável do Administrador da Insolvência -, sem que o tivessem determinado, ou sido sobre ele previamente consultados), como nunca poderiam as mesmas sobrepor-se ao teor, e à aplicação, dos critérios legais de determinação da remuneração variável.

Improcede, assim, e nesta parte, o recurso interposto.
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4.2.2. Venda de imóvel com dispensa de depósito do preço
De outra forma, porém, se terá de decidir quanto à venda de imóvel hipotecado à credora hipotecária, EMP03..., Unipessoal, Limitada, que ficou dispensada do depósito de 80% do preço de aquisição, por inexistirem credores graduados antes de si quanto à alienação desta concreta verba e não exceder a referida dispensa a importância do crédito que lhe foi reconhecido (art.º 815.º, do CPC, aplicável ex vi do art.º 165.º, do CIRE).
Com efeito, está-se aqui perante uma venda em que, não só foi realizada pelo preço declarado no acto para o efeito (€ 32.470,00), como este foi integralmente pago pela Credora adquirente, embora apenas parte em numerário (os 20% de cujo depósito não foi dispensada - no caso, € 6.494.00,00), já que na outra parte remanescente (correspondente aos 80% de cujo depósito foi dispensada - no caso, € 25.976,00) o pagamento se fez com a extinção proporcional do seu crédito. Logo, a totalidade do dito preço integra o resultado da liquidação.

Haverá, assim, que adicionar ao valor de € 471.563,51, considerado pelo Tribunal a quo como correspondendo ao montante apurado na liquidação do activo da Insolvente (EMP01..., Limitada), a quantia de € 25.976,00, correspondente aos 80% do preço que a Credora hipotecária deixou de depositar (e que ele não considerou como integrando o pagamento do preço por ela devido). Corresponde, assim, o montante apurado para a massa insolvente, com a liquidação do activo, à quantia de € 497.539,51 (€ 471.563,51 + € 25.976,00).

Procede, assim, e nesta parte, o recurso interposto.
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4.2.3. Determinação da remuneração variável do Administrador da Insolvência
Face ao que se deixou decidido supra, importa então calcular a concreta remuneração variável do Administrador da Insolvência. Assim:

i) Resultado da liquidação da massa insolvente

. € 497.539,51 (montante apurado para a massa insolvente com a liquidação do activo) - [€ 20.136,90 (despesas aprovadas) + € 4.935,00 (custas pagas) + € 200,00 (provisão para despesas de rateio)] = € 472.267,61 (resultado da liquidação)

. € 472.267,61 x 5% = € 23.613,38

. € 23.613,38 x 23% (IVA) = € 5.431,07

. € 23.613,38 + € 5.431,07 = € 29.044,45 (1.ª componente da remuneração variável)

ii) Majoração

. € 472.267,61 (resultado da liquidação da massa insolvente) - [€ 29.044,45 (1.ª componente da remuneração variável) + € 2.460,00 (remuneração fixa, com IVA)] = € 440.763,16 (valor disponível para pagamento dos credores da insolvência)

. € 603.164,10 (créditos reconhecidos) : [€ 472.267,61 x 100] = 78,29% (grau de satisfação dos créditos)

. 440.763,16 (valor disponível para pagamento dos credores da insolvência) x 78,29% (grau de satisfação dos créditos) = € 345.073,47

. € 345.073,47 x 5% = 17.253,67

. € 17.253,67 x 23% (IVA) = € 3.968,34

. € 17.253,67 + € 3.968,34 = € 21.222,01 (2.ª componente da remuneração variável)

iii) Total da remuneração variável

. € 29.044,45 (1.ª componente da remuneração variável) + € 21.222,01 (2.ª componente da remuneração variável) = € 50.266,46

Logo, é este o valor (€ 50.266,46) a fixar como remuneração variável do Administrador da Insolvência.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela parcial improcedência e pela parcial procedência do recurso interposto pelo Administrador da Insolvência.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente improcedente e parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelo Administrador da Insolvência e, em consequência, em

· Revogar o despacho recorrido, substituindo por decisão a fixar em € 50.266,46 (cinquenta mil, duzentos e sessenta e seis euros, quarenta e seis cêntimos) a remuneração variável do Administrador da Insolvência
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As custas da apelação são pelo Administrador da Insolvência na proporção do seu decaimento, e pela massa insolvente no remanescente (conforme art.º 527.º n.º 1 e n.º 2, do CPC), na exclusiva vertente de custas de parte liquidandas (por a taxa de justiça devida pela interposição do recurso já se encontrar paga e por o mesmo não ter dado azo ao pagamento de quaisquer encargos).
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Guimarães, 29 de Fevereiro de 2024.

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Rosália Margarida Rodrigues da Cunha;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] O Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas - doravante CIRE - foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/04, de 18 de Março, e objecto desde então de sucessivas alterações.
[4] O EAJ será considerado na sua redacção actual, nomeadamente da que resultou da Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro, imediatamente aplicável aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor (art.º 10.º respectivo), que coincidiu com o dia 11 de Abril de 2022 (art.º 12.º respectivo).
[5] O art.º 12.º, n.º 1, do EAJ, qualifica expressamente os «administradores judiciais», «no exercício das suas funções e fora delas», como «servidores da justiça e do direito».
[6] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 02.03.2017, José Amaral, Processo n.º 3261/11.6TJVNF.G1, onde se lê (com bold apócrifo) que «o legislador ao atribuir a certas entidades um conjunto de tarefas parajudiciais, auxiliares da realização da justiça, exigindo-lhe apertadas condições para as poderem exercer e impondo-lhes responsabilidade pelo seu não cumprimento, outra coisa não podia fazer senão reconhecer o direito delas a serem remuneradas pelo seu labor».
[7] Da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 112/IX (que esteve na génese do Estatuto do Administrador da Insolvência aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22 de Julho) e, bem assim, da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 107/XII (relativa ao Estatuto do Administrador Judicial vigente, aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro), resulta que a remuneração variável visa incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível em termos de liquidação, isto é, a premiá-los pelo empenho que hajam colocado nas tarefas inerentes à apreensão e liquidação de bens para satisfação dos créditos reclamados.
[8] Com o CIRE o legislador afastou-se do regime anterior, consagrado no art.º 34.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril), que assentava numa determinação judicial casuística da remuneração variável (realizada em função do «parecer dos credores», da «prática das remunerações seguidas na empresa» e das «dificuldades das funções desempenhadas»).
[9] Neste sentido (de que a liquidação do activo não compreende apenas operações de alienação de bens), na doutrina:
. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 2011 - 3.ª edição, Almedina, pág. 259 - onde se lê que a «liquidação destina-se a permitir a satisfação, ao menos parcial, dos credores do insolvente, para o que é necessário que o seu património seja convertido numa quantia pecuniária que possa ser repartida pelos seus credores. Para esse efeito, haverá que proceder à cobrança dos créditos e à alienação dos bens e direitos compreendidos na massa insolvente, em ordem a obter os valores necessários a esse pagamento»
.  Alexandre de Soveral Martins, Um Curso de Direito da Insolvência, 2016 - 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2016, pág. 319 - onde se lê que a «liquidação do ativo é o meio de alcançar a satisfação dos credores»; e «não se traduz apenas na alienação de bens. Como é evidente, o ativo pode integrar créditos sobre terceiros. A cobrança desses créditos também constitui ato de liquidação».
.  Maria do Rosário Epifânio, Manuel de Direito da Insolvência, 2016 - 6.ª edição, Almedina, Março de 206, págs. 260 - onde se lê que a «fase a liquidação destina-se à conversão do património que integra a massa insolvente numa quantia pecuniária a distribuir pelos credores, havendo, para isso, que proceder à cobrança dos créditos e à venda dos bens da massa insolvente por forma a obter os respetivos valores (arts. 55º, nº 1, al. a), e 158.º».
Na jurisprudência:
.  Ac. da RC, de 01.12.2015, Maria João Areias, Processo n.º 2456/09.7TBACB-F.C1 - onde se defende que o montante apurado para a massa insolvente corresponde ao «valor total dos bens da massa insolvente, quer consista no produto de bens apreendidos para a massa e vendidos no processo de insolvência, quer resulte da apreensão direta de quantias monetárias (saldos de contas bancárias ou produto de bens vendidos em execução anterior)».
Ac. da RL, de 28.01.2020, Amélia Sofia Revelo, Processo n.º 3626/13.9TBVFX-E.L1-1- onde se lê que, pela «natural razão de ser das coisas, inevitável é que corresponda a bens apreendidos para a massa insolvente, o que, para além de bens móveis e imóveis (que através da respetiva venda são substituídos por pecúnia para permitir a sua distribuição pelos credores), abrange a apreensão de depósitos bancários, de cheques (com provisão) emitidos em benefício da insolvente, de quantias pagas por clientes da insolvente (após a declaração da insolvência), de dinheiro existente em caixa (para além de depósitos bancários) ou, conforme sucede no caso, quantias que por entidades terceiras são transferidas para a massa insolvente como, por imperativo legal previsto pelo art.º 149º, nº 3 do CIRE, ocorre com o produto da venda de bens do insolvente, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido».
. Ac. da RG, de 07.12.2013, José Alberto Martins Moreira Dias, Processo n.º 2898/14.6TBBTG-W.G1 - onde se lê que o «conceito de liquidação adotado pelo CIRE é amplo, estando nele englobados todos os atos praticados pelo administrador da insolvência que lhe permitam obter quantia pecuniária para a massa insolvente com vista à liquidação das dívidas da massa e, secundariamente, as da insolvência, independentemente da fonte e origem dessas quantias pecuniárias, quer estas resultem da venda de móveis, imóveis e/ou direitos que tenham sido apreendidos para a massa, quer se trate de quantias monetárias por ele diretamente apreendidas para a massa (v.g. saldo de contas bancárias e quantias depositadas à ordem de processos), quer se trate de quantias pecuniárias que recebeu em consequência de uma transação judicial que celebrou em representação da massa insolvente».
[10] Neste sentido, Ac. da RC, de 01.12.2015, Maria João Areias, Processo n.º 2456/09.7TBACB-F.C1 - onde se lê que, «para efeitos de atribuição da remuneração variável, “o montante apurado na realização do ativo”, abrangerá todo e qualquer valor em dinheiro que o administrador consiga depositar em nome da massa, em conformidade com o disposto no artigo 167º, do CIRE, ainda que resulte da apreensão direta de quantias monetárias (saldos de contas bancárias ou produto de uma venda de bens do insolvente já efetuada em execução, e respetivos juros), relativamente às quais não há necessidade de efetuar qualquer diligência de venda».
[11] Neste sentido:
.  na doutrina - Nuno Marcelo de Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo, «A remuneração do Administrador Judicial depois das alterações da Lei n.º 9/2022, de 11-01 / Parte II - A REMUNERAÇÃO VARIÁVEL», Data Venia, Ano11, n.º 14, págs. 46-65 (disponível in https://www.datavenia.pt/ficheiros/edicao14/datavenia14_p027_076.pdf);  A. Soveral Martins, «STJ - Ac. de 18-04-2023 (A propósito da remuneração variável do administrador da insolvência nomeado pelo juiz: pequenos grandes problemas)», RLJ, Ano152, n.º 4039, págs. 273-288; e Raul Gonzalez, «A remuneração do administrador judicial - novas questões suscitadas», Seminário sobre  Insolvência - 2023, e-book do CEJ, Coleção Formação Contínua, Julho de 2023, págs. 46 a 48 (disponível in https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=VEfMoVZQqdc%3D&portalid=30).
. na jurisprudência - Ac. da RL, de 20.09.2022, Fátima Reis Silva, Processo n.º 9849/14.6T8LSB-E.L1-1; Ac. da RL, de 20.12.2022, Fátima Reis Silva, Processo n.º 415/13.4TYLSB-E.L1-1; Ac. da RL, de 20.12.2022, Fátima Reis Silva, Processo n.º 22770/19.2T8LSB-F.L1-1; ou Ac. da RP, de 10.01.2013, Alexandra Pelayo, Processo n.º 3454/20.5T8STS-K.P1.
[12] Neste sentido, na jurisprudência: - Ac. da  RC, de 22.09.2022, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 2495/20.7T8ACB.C1; Ac. da RC, de 28.09.2022, Maria Catarina Gonçalves, Processo n.º 2495/20.7T8ACB.C1; Ac. da RE, de 29.09.2022, Tomé de Carvalho, Processo n.º 260/14.0TBVTR.E1; Ac. da RC, de 11.10.2022, Arlindo Oliveira, Processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1; Ac. da RP, de 11.10.2022, João Diogo Rodrigues, Processo n.º 2631/20.3T8OAZ-E.P1; Ac. da RC, de 25.10.2022, Emídio Francisco Santos, Processo n.º 318/12.0TBCNT-V.C1; Ac. da RC, de 09.11.2022, Helena Melo, Processo n.º 462/12.3TJCBR-AF.C1; Ac. da RE, de 15.12.2022, Maria Domingas, Processo n.º 1157/17.7T8OLH-M.E1; Ac. da RL, de 20.12.2022, Manuela Espadaneira Lopes, Processo n.º 7269/14.1T2SNT-F.L1; Ac. da RL, de 24.01.2023, Manuela Espadaneira Lopes, Processo n.º 2051/12.3TYLSB-G.L1-1; Ac. da RP, de 24.01.2023, Rodrigues Pires, Processo n.º 1910/17.1T8STS-F.P1; Ac. da RC, de 28.03.2023, Emídio Francisco Santos, Processo n.º 1529/12.3TBPBL-J.C1; Ac. da RE, de 30.03.2023, Tomé de Carvalho, Processo n.º 1456/15.4T8OLH-L.E1; Ac. da RP, de 18.04.2023, João Ramos Lopes, Processo n.º 1027/13.8TYVNG-K.P1; Ac. da RP, de 18.04.2023, Fernando Vilares Ferreira, Processo n.º 1024/10.5TYVNG-N.P1; Ac. do STJ, de 18.04.2023, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 3947/08.2TJCBR-AY.C1.S1; Ac. da RL, de 02.05.2023,  Isabel Fonseca, Processo n.º 29823/11.3T2SNT-L.L1-1; Ac. da RE, de 11.05.2023, José Manuel Barata, Processo n.º 4233/17.2T8STB-G.E1; Ac. do STJ, de 16.05.2023, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 453/11.1TBCDN-M.C1.S1; Ac. da RG, de 25.05.2023, José Carlos Pereira Duarte, Processo n.º 601/22.6T8VRL-A.G1; Ac. da RG, de 25.05.2023, José Carlos Pereira Duarte, Processo n.º 3465/20.0T8VIS-G.G1; Ac. da RL, de 06.06.2023, Manuela Espadaneira Lopes, Processo n.º 9079/18.8T8LSB-H.L1-1; Ac. da RL, de 04.07.2023, Fátima Reis Silva, Processo n.º 416/11.7TBHRT-G.L1-1; Ac. da RG, de 10.07.2023, Maria Eugénia Pedro, Processo n.º 690/14.7TBVVD-I.G1; Ac. do STJ, de 17.10.2023, Maria Olinda Garcia, Processo n.º 1892/19.5T8AVR-L.P1.S1; Ac. do STJ, de 02.11.2023, Ricardo Costa, Processo n.º 476/12.3TYLSB-K.L1.S1; Ac. do STJ, de 02.11.2023, Ricardo Costa, Processo n.º 1027/13.8TYVNG-K.P1.S1; Ac. da RE, de 07.11.2023, Francisco Matos, Processo n.º 1678/14.3TBFAR-G.E1; Ac. da RG, de 07.12.2023, José Alberto Martins Moreira Dias, Processo n.º 2898/14.6TBBTG-W.G1; Ac. da RG, de 19.12.2023, Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício, Processo n.º 26/14.7T8ALJ-R.G1; ou Ac. do STJ, de 16.01.2024, Luís Espírito Santo, Processo n.º 345/17.0T8OLH-F.E1.S1. 
[13] Lê-se expressamente no seu recurso do Administrador da Insolvência que «o Tribunal, embora siga um raciocínio correcto, tal como se prevê nos n.ºs 4, 5, 6 e 7 do art° 23° do EAJ, parte de um valor da liquidação de € 446.291,61 para efeitos do cálculo da remuneração variável do A.J.», quando ele próprio entende que o «resultado de liquidação para efeitos do cálculo da remuneração variável do A.J.» é «de € 740.517,61», aí, e apenas aí, se centrando as razões a sua discordância e o conforme recurso.
[14] Neste sentido: Ac. da RE, de 15.12.2022, Maria Domingas, Processo n.º 1157/17.7T8OLH-M.E1; Ac. da RL, de 20.12.2022, Isabel Fonseca, Processo n.º 1159/11.7TYLSB-J.L1-1; Ac. da RL, de 20.12.2022, Fátima Reis Silva, Processo n.º 22770/19.2T8LSB-F.L1-1; Ac. da RP, de 18.04.2023, Fernando Vilares Ferreira, Processo n.º 1024/10.5TYVNG-N.P1; ou Ac. da RC, de 12.09.2023, José Avelino Gonçalves, Processo n.º 1510/14.8TBACB.C1.