Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2155/08.7TBFAF-B.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: EXECUÇÃO DE QUANTIA CERTA
PENHORA DE BEM COMUM
REGISTO DE PENHORA
PARTILHA DE BEM COMUM
INEFICÁCIA RELATIVAMENTE AO EXEQUENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O processo de inventário para separação de bens, previsto no CPC de 1961, era o meio competente para efectivar aquela que o cônjuge do executado pretendesse efectivar, uma vez citado nos termos do art. 825.º, do CC, já que a sua tramitação concedia alguma protecção ao exequente e demais credores: o exequente podia promover o seu andamento; não podiam ser aprovadas dívidas que não estivessem devidamente documentadas; e se o cônjuge do executado exercesse o direito de escolha dos bens com que haveria ser composta a sua meação, os credores poderiam reclamar contra a dita escolha.

II. No inventário para separação de meações, ocorrendo a adjudicação do bem onerado por penhora ao cônjuge não executado, aquele ónus transferia-se para os bens que haveriam de constituir o quinhão do cônjuge executado como valor das tornas (sobre eles passando a incidir a garantia do pagamento do crédito).

III. A partilha dos bens comuns de casal realizada após o registo de penhora, e à revelia e sem intervenção do exequente que a promoveu, é ineficaz ou inoponível em relação a ele (uma vez que não pode ali assegurar os seus legítimos interesses); e, por isso, não tem aptidão para determinar o levantamento de penhora realizada antes por sua iniciativa, sobre bem que veio a ser adjudicado ao cônjuge do executado.

IV. Não existindo qualquer dúvida de que o bem penhorado pertence actualmente ao cônjuge do executado, por o ter adquirido em partilha, radicando a possibilidade de afectação do seu património na oponibilidade relativa (quanto ao exequente) do acto de transmissão que o beneficiou, inexiste fundamento para aplicação do regime do art. 119.º, do CRP.
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO
1.1. Decisão impugnada

1.1.1. Em 29 de Outubro de 2008, AA, residente na Travessa ..., ..., em ..., propôs uma acção executiva, para pagamento de quantia certa, contra  BB (casado com CC, no regime de comunhão de adquiridos), residente na Rua ..., ..., ..., em ..., para obter dele o pagamento coercivo da quantia de € 54.506,53 (sendo € 50.379,50 a título de capital, € 3.950,98 a título de juros vencidos, contados até 23 de Outubro de 2008, e € 176,05 a título de despesas bancárias), acrescida de juros vincendos, contados desde 24 de Outubro de 2008 até integral pagamento (processo que corre termos sob o n.º 2155/08...., como Execução Comum, pelo Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Execução ..., Juiz ...- aqui autos principais).

1.1.2. Em 03 de Fevereiro de 2009, na Execução Comum n.º 2155/08...., foi penhorado um prédio urbano, sito na Rua ..., da freguesia ..., do concelho ..., adquirido pelo Executado (BB) na constância do matrimónio e casa de morada de família.

1.1.3. Em 23 de Fevereiro de 2009, uma vez que se mostrava registada uma penhora anterior sobre o imóvel penhorado (realizada na Acção Executiva n.º 204/06....,  do então ... Juízo de ...), foi proferido despacho, determinando a suspensão da execução nos termos e para os efeitos previstos no art. 871.º, do CPC; e em 25 de Fevereiro de 2009 o Exequente (AA) foi notificado do mesmo, sendo emitida em 02 de Março de 2009 a certidão que lhe permitiria a reclamação do seu crédito naqueles outros autos.

1.1.4. Em 02 de Março de 2009, o Exequente (AA) reclamou o seu crédito (exigido nos autos principais) na Acção Executiva n.º 204/06.... (do então ... Juízo de ...).

1.1.5. Em 07 de Abril de 2009, foi penhorado o mesmo prédio urbano na Acção Executiva n.º 1804/08.... (do então ... juízo de ..., onde DD exigia o pagamento coercivo da quantia de € 30.036,90, contra BB).

1.1.6. Em 19 de Maio de 2009, por apenso à Acção Executiva n.º 1804/08.... (do então ... Juízo de ...), o Cônjuge mulher (CC) requereu, inventário para separação de bens do casal formado com o Executado (BB); e, tendo o mesmo sido nomeado cabeça-de-casal em 01 de Junho de 2009, não indicou o aqui Exequente (AA) como credor nas declarações prestadas em 08 de Julho de 2009, nem posteriormente (fazendo-o apenas quanto ao Banco 1..., S.A., que naqueles autos reclamara créditos).

1.1.7. Tendo o Executado (BB) na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais) vindo arguir a nulidade decorrente da falta de citação do seu cônjuge, em 25 de Novembro de 2009 foi proferido despacho, reconhecendo-a, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
No caso, verifica-se que, na verdade, não foi a cônjuge do executado citada, como o deveria ter sido, o que constitui nulidade que importa declarar, o que se decide em conformidade.
Não obstante, e porque após o momento em que a referida cônjuge deveria ter sido citada nenhum outro acto se praticou nos autos - pois que a penhora ficou sustada atento o disposto no art. 871º do CPC - não se impõe anular quaisquer actos.

Assim, decide-se:
- declarar verificada a nulidade decorrente da falta de citação do cônjuge do executado;
- determinar a citação da mesma, para os termos do processo, nos termos previstos no art. 825º e 864-A, do CPC.
(…)»

1.1.8. Em 10 de Dezembro de 2009, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), foi o Cônjuge mulher (CC) citado nos termos e para os efeitos previstos no art. 825.º, n.º 1, do CPC, lendo-se nomeadamente na certidão de citação que a mesma era feita para «requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns».

1.1.9. Em 22 de Janeiro de 2010, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), o Cônjuge mulher (CC) juntou aos autos certidão da pendência de acção em que requerera a separação de bens do casal formado com o Executado (Processo de Inventário n.º 1804/08...., do então ... Juízo de ...); e pediu o levantamento da penhora de imóvel, por alegada ilegalidade da mesma.
Alegou para o efeito, em síntese, ter a mesma recaído «sobre bens que, face ao direito substantivo, não podem responder pela dívida exequenda, uma vez que a requerente não é executada e não se requereu a comunicabilidade da dívida», tendo a penhora efectuada recaído «sobre bem comum do casal, como seja a casa de morada da família e afectou por conseguinte a sua meação».

1.1.10. Em 04 de Fevereiro de 2010, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), foi proferido despacho, determinando a suspensão da execução até à partilha dos bens do dito casal, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Face ao teor da certidão de fls. 100 e nos termos e ao abrigo do disposto no art. 825º, nº 7, do CPC, suspende-se a presente execução até à partilha dos bens do casal constituído pelo executado pela requerente de fls. 73 e ss.
(…)».

1.1.11. Em 27 de Junho de 2011, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), tendo o Exequente (AA) e o Executado (BB) celebrado (em 27 de Maio de 2011) um acordo de pagamento em prestações da quantia exequenda, foi proferido despacho, determinando a suspensão da execução, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Nestes autos de execução para pagamento de quantia certa, em que é exequente AA e executado BB, tendo em conta a acta que antecede, julgo suspensa a presente instância executiva pelo período necessário ao cumprimento do plano de pagamento.
Notifique.
Comunique à Sra. Agente de Execução o acordo firmado, assim como o despacho que sobre ele recaiu, devendo, em virtude da suspensão deferida, cessar com as diligências processuais.
(…)»

1.1.12. Em 28 de Julho de 2011, foi registada a aquisição a favor do Cônjuge mulher (CC) do prédio urbano penhorado, por partilha subsequente a separação de bens, não tendo o Exequente tido intervenção no processo de inventário onde a dita partilha foi realizada (Processo n.º 1804/08...., do então ... Juízo de ...), por nunca ter sido citado ou notificado para os seus termos (não tendo sido indicado como credor nas declarações de cabeça-de-casal, nem nas diversas relações de bens apresentadas, onde apenas foi referido nessa qualidade o Banco 1..., S.A., que reclamara créditos por apenso ao Processo n.º 1804/08....), nem junta no mesmo qualquer certidão predial relativa ao imóvel ali relacionado como bem comum do casal (mas apenas a respectiva caderneta predial).
1.1.13. Em 02 de Abril de 2014, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), tendo presente o acordo de pagamento em prestações da quantia exequenda e o regime do novo CPC, foi proferido despacho, declarando extinta a execução nos termos do art. 806.º, n.º 2, do CPC, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Determino a extinção da execução nos termos do art. 806º, n.º 2, do NCPC.
Notifique o exequente nos termos do art. 807.º, do NCPC.
(…)»

1.1.14. Em 22 de Maio de 2014, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), tendo o Exequente (AA) declarado que não prescindia da penhora de imóvel feita antes nos autos, foi a mesma convertida em hipoteca, nos termos do art. 807.º, n.º 1, do CPC, sendo registada nessa data, pelo valor de € 30.500,00.

1.1.15. Em 12 de Setembro de 2017, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), tendo o Executado (BB) deixado de efectuar o pagamento das prestações a que se obrigara e o Exequente (AA) requerido a renovação da instância executiva, para satisfação do remanescente do seu crédito, foi proferido despacho, renovando a instância executiva nos termos do art. 808.º, n.º 1, do CPC, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Defere-se o pedido de renovação da instância apresentado pelo exequente - cfr. artigo 808.º, n.º 1, do C.P.C.
(…)»

1.1.16. Em 28 de Outubro de 2021, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), foi efectuada nova penhora do prédio urbano situado na Estrada n.º ...32, da freguesia ..., do concelho ..., para garantia do valor de € 30.000,00, ficando a mesma registada como provisória por natureza, nos termos do art. 92.º, n.º 2, al. a), do CRP.

1.1.17. Em 06 de Dezembro de 2021, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), foi o Cônjuge mulher (CC) citado nos termos e para os efeitos previstos no art. 119.º, do CRP, lendo-se nomeadamente na certidão de citação que o era «para, no prazo de DEZ DIAS, declarar se o imóvel, a seguir melhor identificado, lhe pertence», sendo que, declarando que o mesmo não lhe pertence «ou não fizer nenhuma declaração, será expedida certidão do facto à conservatória para conversão oficiosa do registo».

1.1.18. Em 06 de Janeiro de 2022, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), o Cônjuge mulher (CC) declarou nos autos que o imóvel lhe pertencia, por lhe ter sido adjudicado por partilha na separação judicial; e requereu o levantamento da dita penhora, «por estar ferida de ilegalidade».

1.1.19. Em 17 de Janeiro de 2022, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), o Exequente (AA) opôs-se ao levantamento da penhora de imóvel, defendendo que a «requerente CC, quando adquiriu o prédio por partilha, sabia que o mesmo estava onerado pela penhora do exequente», sendo certo que este também não seria «o meio processual próprio para requerer o levantamento da penhora».

1.1.20. Em 10 de Fevereiro de 2022, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), foi proferido despacho, indeferindo o levantamento da penhora impetrada, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Requerimento de 6/1/2022:
A situação dos autos não se reconduz à previsão do art. 119º do Código do Registo Predial, porquanto a penhora do imóvel reporta-se a data anterior à transmissão do bem.
Com efeito, resulta da certidão da descrição predial junta que a penhora no âmbito destes autos foi registada quanto o imóvel era ainda comum ao executado e então à cônjuge, que viu os seus direitos processuais devidamente assegurados.
A penhora em causa foi, na pendência de acordo de pagamento, convertida em hipoteca, ónus que onerava o prédio aquando da partilha e que não foi extinto por esta.
Assim, a penhora agora efectuada - que constitui mera renovação da que esteve assegurada por hipoteca - não constitui, verdadeiramente, ónus sobre coisa alheia, mas outrossim expressão do direito de sequela.
Pelo exposto, indefere-se ao requerido em 6/1/2022.
Custas do incidente pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 1 Uc – art. 7º, nº 4, do RCP e tabela II anexa ao mesmo diploma.
Notifique.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Cônjuge mulher (CC) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que se revogasse o despacho recorrido, sendo substituído por decisão a ordenar o levantamento da penhora de imóvel ou, subsidiariamente, a remessa das partes para os meios comuns, nos termos do art. 119.º, do CRP.
 
Concluiu as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

1º -  Foi a recorrente CC notificada para os termos e para os efeitos do artigo 119 do Código de Registo Predial, no prazo de 10 dias declarar se o imóvel constante no auto de penhora em anexo com a notificação, lhe pertencia, caso não o declarasse o registo convertia se em definitivo.

2º - Veio então a recorrente, por requerimento de 06 de janeiro de 2022, declarar aos presentes autos que o imóvel lhe pertencia por lhe ter sido adjudicado por partilha na separação judicial de bens, já junta ao processo em 22 de janeiro de 2010 e se encontra registado a seu favor desde 28 de julho pela AP ...81.

4º - Por despacho de 10 de fevereiro de 2022 a Meritíssima juiz decidiu no sentido de indeferir o requerimento apresentado pela recorrente fundamentando que não e uma situação que se reconduz á previsão do artigo 119 do CRP.
Diz então o despacho
Com efeito resulta da certidão da descrição predial junta que a penhora no âmbito destes autos foi registada quando o imóvel era ainda comum ao executado e então à cônjuge que viu os seus direitos processuais devidamente assegurados.
A penhora em causa foi, na pendencia de acordo de pagamento, convertida em hipoteca, ónus que onerava o prédio aquando da partilha e que não foi extinto por esta.
Assim, a penhora agora efetuada que constituiu mera renovação da que esteve assegurada por hipoteca não constitui verdadeiramente, ónus sobre coisa alheia, mas outrossim expressão do direito de sequela.
Pelo exposto indefere se o requerido em 06 /1/2022…..”

5º - A recorrente CC não concorda com esta decisão nem pode concordar.

6º - Nos autos de execução acima referidos, onde é executado BB, foi penhorado em 03 de fevereiro de 2009 o seguinte prédio:
Prédio urbano, composto por uma casa de cave, ... e andar, com área de 1.408 m2, situado no lugar da estrada nº ...32 da freguesia ... do concelho ..., descrito na conservatória do registo predial ... com o nº ...54 e inscrito na matriz sob o artigo ...75 com o valor patrimonial de 103.499,55 Euros;

7º - prédio esse que constituía e constitui a casa de morada de família e era bem comum do casal á data da penhora;

8º - Mas o cônjuge CC não foi citado para os termos e para os fins do artigo 825º do CPC, para no fundo requerer a separação de meações em virtude de não ser executada nem ser alegado a comunicabilidade da dívida.

9º - Veio então o executado BB, levantar a nulidade pela falta de citação do seu cônjuge, porque ate aqui não tinha sido citado

10º - Por despacho de 25 de novembro de 2009 a meritíssima juiz A QUO, e bem, diz:
 “Veio o executado arguir a nulidade decorrente da falta de citação da sua mulher.
O exequente pronunciou-se pugnando pelo indeferimento da arguida nulidade e sustentando, além do mais, a ilegitimidade do executado para suscitar aquela questão.
Cumpre apreciar.
Antes de mais refira-se que a falta de citação do cônjuge do executado é de conhecimento oficioso, pelo que nada obsta à apreciação do requerido.
Isto posto.
Nos termos previstos no art. 864, nº 10 do CPC, a falta de citação do cônjuge do executado tem os mesmos efeitos que a falta de citação deste.
A falta de citação do executado tem como consequência a anulação de todos os atos praticados desde o momento em que a citação devesse ter lugar - é o que decorre das disposições conjugadas do artigo 921, nºs 1 e 2 e 201, nº 2, todos do CPC.
No caso, verifica se, na verdade, não foi o cônjuge do executado citada como deveria ter sido, o que constitui nulidade que importa declarar, o que se decide em conformidade.
Não obstante, e porque após o momento em que a referida cônjuge deveria ter sido citada nenhum outro acto se praticou nos autos - pois que a penhora ficou sustada atento ao disposto no artigo 817 do CPC - não impõe anular quaisquer atos.

Assim decide-se
- declarar verificada a nulidade decorrente da falta de citação do cônjuge do executado.
- determinar a citação da mesma, para os termos do processo, nos termos previstos do art.º. 825, do CPC.
Notifique nomeadamente à Sr.SE.”

11º - Foi então em 10 de dezembro de 2009 que a CC, cônjuge do executado foi citada, pela Sr. SE, para requer a separação da sua meação e diz a citação o seguinte:
…….” Nos termos do artigo 825 do CPC, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendencia de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena da execução prosseguir sobre os bens comuns”

12º - Em 29 de janeiro de 2010 a recorrente CC juntou aos autos certidão do processo de separação de bens como já se referiu e pediu ao mesmo tempo o levantamento da penhora do bem comum do casal e casa de morada de família e pediu também a suspensão da execução.

13º - De referir e não menos importante e o facto do processo de separação de bens correr por apenso a uma outra execução com o nº 1804/08.... - ... juízo no tribunal de ... ao qual foi iniciado em 18 de maio de 2009.

14º - Entendeu a recorrente que face ao direito substantivo os bens comuns do casal não podem responder pela dívida exequenda uma vez que não é executada e nem sequer foi alegada a comunicabilidade da dívida e por conseguinte tal penhora afetava a sua meação.

15º - E pela AP. Nº ... de 28 de julho de 2011 foi o prédio em causa registado a favor da CC tendo como causa a partilha de bens comuns do casal.

16º - O próprio artigo 786, nº 1 alínea) dispõe que concluída a fase da penhora e apurada a situação registral do bem deve-se logo citar o cônjuge não executado, pois está-se perante um caso previsto no artigo 740 do mesmo diploma legal

17º - A conjugação destes preceitos legais leva-nos a concluir que após esgotadas todas as diligências necessárias para encontrar bens próprios do executado e perante a sua insuficiência o Sr. S.E poderia quando muito penhorar a sua meação nos bens comuns, daí a relevância da citação nos termos do artigo 825 do CPC, e só assim é que o cônjuge estará protegido.

18º - Neste caso a execução deve ficar suspensa ate à partilha, como de facto aconteceu, e depois da partilha penhorar os bens do executado, o que no caso concreto não aconteceu, pois o executado também ficou com bens e estes não foram penhorados pois a penhora do bem comum manteve-se (casa de morada de família).

19º - Ficou então a execução suspensa até à partilha por despacho de 4 de fevereiro de 2010 que diz…” face ao teor da certidão fls 100 e nos termos e ao abrigo do disposto no artigo nº 825 nº 7 do CPC SUSPENDE-SE a execução até à partilha dos bens do casal constituído pelo executado e pela requerente.”

20º - Apesar da execução estar suspensa até à partilha ficou também suspensa pelo acordo entre exequente e executado, um acordo datado de 27 de maio de 2011 onde o executado se compromete a pagar ao exequente a quantia de 150 euros mensais até integral e efetivo pagamento na quantia exequenda de 35,000.00 euros suspendendo-se a execução nos termos do artigo 882 do CPC.

21º - e diz o despacho de 7 de junho de 2011….” Julgo suspensa a presente instancia executiva pelo período necessário ao cumprimento do plano de pagamento.”

21º - Mandando o meritíssimo juiz A QUO notificar a Sr. S.E. para as diligências em virtude da suspensão, conforme se pode constatar do despacho junto.

22º - Acontece que em 2 de abril de 2014, sem que nunca se fizesse prever o Sr. Juiz A QUO, por despacho de 2 de abril de 2014 determinou a extinção da execução nos termos do artigo 806 nº 2 do NCPC, mandando notificar o exequente para os termos e para os efeitos do disposto no artigo 807 do NCPC.

23º - Ora se a execução ficou suspensa pela partilha e ao abrigo da transação celebrado em 27 de maio de 2011 na ata de audiência de julgamento. Porquê a sua extinção nos termos do 806 nº 2 do NCPC?

24º - esquecendo-se de notificar a recorrente CC para informar os autos do resultado da partilha.

25º - Mas não e só, entendemos salvo respeito por opinião em contrário que este regime do 806, não era de aplicar à presente execução, muito menos às execuções suspensas e muito menos sem que as partes fossem ouvidas, e sem que a CC fosse notificada para vir dizer aos autos o resultado da partilha.

26º - Como também a conversão da penhora em hipoteca não devia ter acontecido como aconteceu em 22 de maio de 2014 pela AP nº 2550.

27º - Primeiro porque esta conversão não reunia os pressupostos legais segundo já havia o registo do bem em nome da CC por partilha de separação de bens há mais de três anos (28 de julho de 2011).

28º - Pois esta conversão não automática implica a celebração de uma série de atos, nomeadamente: Na celebração do acordo as partes exequente e executado além de fixarem o montante da dívida, prazo, valor das prestações deveriam também analisar a questão da conversão da penhora em hipoteca, decisão que deveria estar repercutida no acordo e não uma mera notificação ao exequente a perguntar se tem interesse na penhora, feita em 2 de abril de 2014.

29º - Também tem que se se averiguar se o acordo cumpre todos os requisitos, nomeadamente se prevê ou não o pagamento de juros compulsórios, I. Selo e emolumentos do registo predial no caso em que consta a pretensão das partes na conversão da penhora em hipoteca, se é apresentado a tempo atento ao disposto no artigo 806 nº 2 , honorários do S.E bem como as despesas.

30º - Seguidamente lavra-se a extinção da execução e nos termos do artigo 849 nº 2 notifica-se exequente, executado e neste caso concreto a CC aqui recorrente porque analisada a certidão junta aos autos do prédio constata-se que esta era dona do prédio por lhe ter sido adjudicado em partilha.

31º - Parece que tudo correu à margem, quer do executado quer da CC.

32º - Daí que tanto a primeira penhora, como a sua conversão e agora a nova penhora foram efetuadas de forma ilegal omitindo vários formalismos, nomeadamente falta de notificações aliás vai-se mais longe no sentido de dizer que nem sequer há titulo para o registo da conversão da penhora em hipoteca, pois antes da referida conversão a Sr. S.E. responsável pelas diligências deveria estar atenta no sentido de ver o registo efetuado em nome da CC em consequência da partilha de bens, assim com o meritíssimo Juiz A QUO.

33º - Vem agora o despacho recorrido …” A penhora em causa foi, na pendência de acordo de pagamento , convertida em hipoteca, ónus que onerava o prédio aquando da partilha e que não foi extinto por esta…” Não foi extinto porque o meritíssimo Juiz A QUO suspendeu a execução com base na partilha e quando a extinguiu não reparou em tal facto, omitindo uma notificação à recorrente.

34º - Então explanaremos por datas cronológica a sequência de atos;

35º - Em 3 de fevereiro de 2009 foi efetuada a penhora do bem comum do casal;

36º - Em 04 de fevereiro de 2010 o meritíssimo juiz A QUO SUSPENDE, ao abrigo do artigo 825 nº 7 a execução até à partilha, e fica a execução suspensa;

37º - Em 07 de junho de 2011 em virtude do acordo celebrado em 27 de maio de 2011 fica SUSPENSA em virtude da celebração da já referida transação até integral e efetivo pagamento;

38º - Em 28 de julho de 2011 é registado o prédio em nome da CC por partilha de separação de bens;

38º - Em 2 de abril de 2014 o meritíssimo juiz A QUO determina a EXTINÇAO DA EXECUÇÂO nos termos do artigo 806 nº 2 do NCPC e notifica o exequente para os termos do 807 do mesmo diploma;

39º - Em 22 de maio de 2014 a penhora é convertida em hipoteca

40º - Em 12 de setembro de 2017 o meritíssimo juiz A QUO RENOVA a instância nos termos do 808 nº 1 do CPC, mais uma vez sem ter atenção a suspensão da execução em virtude da partilha;

41º - Em 28 de outubro de 2021 a Sr. S.E regista de novo a penhora que fica provisória por dúvidas em virtude da recorrente CC ser o titular inscrito e perante esta situação notifica-a para os termos do já referido artigo 119 do CRP.

42º - Foi também notificada da sustação da penhora pois ainda não foi levantada em virtude de haver outras penhoras anteriores sobre o mesmo bem.

43º - Pergunta-se:
Porque não foi a CC notificada da conversão da penhora em hipoteca se já era o titular inscrito?

44º - Aqui chegados temos que nos debruçar sobre a questão da notificação que motivou este incidente e que foi efetuada pela S.E

45º - Foi então a recorrente CC notificada para os efeitos do artigo 119 do CRP para em 10 dias vir dizer se o bem lhe pertence sob pena de nada dizer a penhora que ficou provisória por natureza se converte em definitiva.

46º - E mais uma vez, vem a CC informar aos autos que o prédio em causa lhe foi adjudicado na partilha de bens da separação de bens e que foi registado a seu favor em 28 de julho de 2011 pela AP nº ....

46º - E mais uma vez pede o levantamento da penhora.

47º - E a este propósito diz a meritíssima juiz A QUO
” A situação não se reconduz à previsão do artigo 119 do CRP, Porquanto a penhora do imóvel reporta se a data anterior à transmissão do bem...”

48º - Mais uma vez a meritíssima Juiz A QUO não reparou que a penhora se encontrava sustada, não reparou que houve um processo de partilha de separação de bens, não reparou que não podia haver uma extinção de execução e consequente conversão da penhora em hipoteca e não reparou que a execução se encontrava suspensa. Se tivesse reparado não decidia como decidiu ou então;

49º - Remetia para o mecanismo do artigo 119 do CRP e ss. no sentido de haver necessidade de discutir em juízo a titularidade do prédio com as consequências daí decorrentes para o processo de execução. Diz o acórdão da relação de Évora no processo nº 351/14....….”basta, com efeito, ao titular inscrito fazer uma simples declaração de que o prédio lhe pertence para, sem mais diligências, o juiz ter de suspender a execução quanto aquele bem e remeter os interessados para os meios processuais comuns…”

50º - É por demais evidente que se trata de uma situação ao qual se subsume ao artigo 119 do CRP, esta última penhora foi realizada quando o titular inscrito não é o executado, logo nesta parte andou muito bem a Sr. S.E. quando cita o titular inscrito, a CC, para os termos deste artigo.

51º - E perante esta citação a recorrente declarou, que o prédio lhe pertencia, e se efetivamente esta declaração não for tida em conta e o registo se converter em definitivo, entenderemos que estamos perante uma nulidade.

52º - Pois muito andou mal o tribunal A QUO em não ter dado cumprimento ao número 4 do artigo 119 do CRP.

53º - Acrescenta-se e não menos importante que esta declaração visa impedir a venda do bem penhorado, cujo o dono não é o executado, com vista ao restabelecimento do trato sucessivo.

54º - A este propósito vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto nos autos 152/07....-B.p1 de 18 de maio de 2009.

55º - O registo da penhora é posterior ao registo de aquisição do bem pela aqui recorrente CC por o ter adquirido por partilha de separação de bens e por conseguinte não deveria ser registada quanto menos convertida, equivalendo a venda de bens alheios.

56º - Em jeito de conclusão diremos que no caso dos autos há uma verdadeira omissão de atos que deveriam ter sido feitos no âmbito de processo executivo e não o foram e há a prática de atos que foram feitos em concreta violação da lei processual, artigo 201 do código civil.

56º - Daí que a situação se enquadra no artigo 119 do CRP, porque embora a primeira penhora tenha sido feita em data anterior como diz no seu despacho a meritíssima juiz houve um processo de separação de bens onde o bem ficou adjudicado à CC que foi efetivamente registado em seu nome e mesmo assim a Sr. S.E registou a conversão da penhora em hipoteca e agora a segunda penhora.

57º - Tudo feito numa execução suspensa por aquela partilha e pelo acordo e perante a sustação da penhora, mais tarde veio a ser extinta sem que houvesse notificação dos interessados e sem que o tribunal notifica-se a recorrente para informar da referida partilha.

58º - Perante isto vem a requerente reagir e declarar que o bem lhe pertence e o tribunal A QUO indefere a sua pretensão dizendo que os seus interesses foram acautelados.

59º - Como diz o acórdão do STJ de 15/04/2004 …”que penhorado um prédio hipotecado, adquirido por terceiro por sentença que lhe deferiu a execução específica e notificada este terceiro para efeitos do artigo 119 do CRP, o seu silêncio assegura o trato sucessivo, não podendo posteriormente, invocar presunção de propriedade do registo…”
E diz Lebre de Freitas….”A ação executiva 2014 página 296 se o titular da inscrição declarar que o bem lhe pertence, o exequente , se quiser manter a penhora, instaurara contra ele uma ação declarativa de propriedade, autónoma relativamente à execução, que fica entretanto suspensa quando ao bem em causa”.

60º - Deveria a meritíssima Juiz A QUO mandar levantar a penhora realizada face as circunstâncias do processo e já aqui anunciadas, ou em alternativa mandar para os meios comuns com vista a discussão sobre a propriedade do bem.

61º - Mas não mandou, e por esta via a decisão está ferida de nulidade por violação dos artigos 119 do CRP, 740, 786, 825, 882, 806, 808 e 849 nº 2 do NCPC

61º - Funda-se o presente recurso no artigo 615 nº 1 alíneas b e d) do CPC.
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1.2.2. Contra-alegações

O Exequente (AA) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se confirmasse integralmente o despacho recorrido.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

1. Dispõe o art.º 807.º, n.º 1 do CPC, que se o exequente declarar que não prescinde da penhora já feita na execução, aquela converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor, beneficiando estas garantias da prioridade que a penhora tenha;

2. Determina o art.º 808.º, n.ºs 2 e 3 do CPC, que na execução renovada, a penhora inicia-se pelos bens sobre os quais tenha sido constituída hipoteca ou penhor, seguindo directamente contra o adquirente caso os bens tenham sido entretanto transmitidos;

3. No caso dos autos, a penhora foi registada em 03/02/2009 e convertida em hipoteca, ao abrigo do art.º 807.º, n.º 1 do CPC, em 22/05/2014, beneficiando esta da garantia e prioridade daquela;

4. Quando o bem penhorado foi adjudicado à Recorrente na partilha subsequente a separação de bens, em 28/07/2011, a penhora há muito se mostrava registada e era do conhecimento da Recorrente;

5. A penhora agora realizada em 28/10/2021 é uma mera “reconversão” da hipoteca, na sequência do incumprimento do acordo de pagamento pelo executado;

6. Pelo que, a penhora agora efectuada constitui mera renovação da que esteve assegurada por hipoteca, verdadeira expressão do direito de sequela.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art. 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Questões incluídas no objecto do recurso

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelo Cônjuge mulher (CC), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão Única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao não ordenar o levantamento da penhora realizada nos autos, ou (subsidiariamente) ao não remeter as partes para os meios comuns nos termos do art. 119.º, do Código do Registo Predial [3], quanto ao imóvel objecto daquela ?
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2.2.2. Questões excluídas do objecto do recurso

Pese embora a Recorrente (CC) conclua as suas alegações afirmando que funda-se «o presente recurso no artigo 615 nº 1 alínea b e d) do CPC» (bold apócrifo), certo é que, ao longo das mesmas, e no antecedente corpo das suas alegações, nunca se refere à alegada nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação (de facto ou de direito), ou por omissão de pronúncia.

Com efeito, e na antecedente conclusão, defendeu que «a decisão está ferida de nulidade por violação dos artigos 119 do CRP, 740 786, 825, 882, 806, 808 e 849 nº 2 do NCPC» (bold apócrifo), aqui de forma conforme com o vertido nas antecedentes conclusões e no corpo das suas alegações.
Logo, a posterior e derradeira referência à nulidade do despacho impugnado, por vícios próprios da respectiva elaboração (e não do juízo substantivo nele formulado) só pode radicar em manifesto lapso seu, sendo assim aqui desconsiderada.
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade de facto relevante para a decisão do recurso de apelação interposto coincide com a descrição feita no «I - RELATÓRIO» da mesma, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Pluralidade de penhoras sobre o mesmo bem (sustação da execução)
4.1.1. Regime legal

Lia-se no 871.º, n.º 1, do CPC de 1961 [4], que, pendendo «mais do que uma execução sobre os mesmos bens, sustar-se-á quando a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina».  
Compreende-se que, ficando o exequente beneficiário da penhora posterior impedido doravante de obter o pagamento do seu crédito na acção executiva que intentara para o efeito (mercê da sustação da mesma), tenha que o ir reclamar na execução em que a penhora seja anterior, caso mantenha o interesse na sua satisfação coerciva.
Contudo, e quanto a esta suspensão de execução relativa a bens duplamente penhorados, é irrelevante a data do início das diferentes acções executivas, ou o estado de adiantamento respectivo, face às demais: terá sempre de ser suspensa aquela em que a penhora seja posterior, determinando-se essa posterioridade pela data do seu registo.
Compreende-se, por isso, que se afirme que, sendo imperativa a suspensão da execução onde a penhora foi posterior (para uns sob pena de litispendência [5]), não se inspira, porém, «o preceito do artigo 871.º (…) em razão de economia processual»: o «que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar» (José Alberto dos Reis, Processo de Execução, Volume 2.º, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 287, com bold apócrifo).

Mais se lia, no art. 871.º, n.º 2, do mesmo diploma (mas aqui na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), que a «reclamação será apresentada dentro do prazo facultado para a dedução dos direitos de crédito, a menos que o reclamante não tenha sido citado pessoalmente nos termos do artigo 864.º, porque nesse caso pode deduzi-la nos 15 dias posteriores à notificação do despacho de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provocará nova sentença de graduação, na qual se inclua o crédito do reclamante».
Compreende-se que assim seja, já que, estando o exequente «impedido de fazer prosseguir a execução que movera e levara à penhora, só através da sua reclamação lhe é consentido extrair da mesma as consequências legais. Os termos posteriores da sua execução passam a ser os daquela em que é obrigado a reclamar. Neste caso, a reclamação não tem apenas por fim desembaraçar de encargos os bens a vender ou a adjudicar destina-se essencialmente a evitar a pendência de duas execuções simultâneas sobre os mesmos bens» (Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 493, com bold apócrifo).
Decidindo, porém, o exequente da penhora posterior não cumprir este ónus de reclamação (na execução da penhora mais antiga), perderá essa sua preferência de pagamento, já que a penhora extinguir-se-á com a venda ou adjudicação que venham a ocorrer, conforme arts. 824.º e 826,º, ambos do CC [6]
Precisa-se ainda que, verificado ou reconhecido o crédito que daquele modo haja reclamado, o mesmo será graduado em conjunto com todos os outros, beneficiando da preferência resultante da segunda penhora, e ainda que uma eventual sentença de verificação e graduação de créditos já tivesse sido proferida e transitado em julgado (embora eventualmente possa não beneficiar de garantia real que igualmente possuísse sobre o bem duplamente penhorado, por, tendo sido citado para o inicial concurso, não tenha então reclamado o seu crédito) [7].

Por fim, dir-se-á que se não houver outros bens para além daquele que foi duplamente penhorado, a sustação total da execução em que a penhora foi realizada posteriormente determinará a sua posterior extinção, sendo em princípio as custas respectivas «graduadas a par do crédito que lhe deu origem», conforme art. 871.º, n.º 4, do CPC de 1961. 

Está-se, assim, face a um regime que «tem subjacentes razões de certeza jurídica e de proteção, tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postulando que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, Almedina, Junho de 2022, págs. 213 e 214).
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Lê-se agora no art. 794.º, n.º 1, do actual CPC [8], que, pendendo «mais do que uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quando a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respectivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga»; se a penhora estiver sujeita a registo, é por este que a sua antiguidade se determina».
Mais se lê, no n.º 2 do mesmo preceito, que, se «o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito nos 15 dias posteriores à notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante».
Por fim, lê-se no n.º 4 do mesmo artigo que a «sustação integral determina a extinção da execução».
Logo, mantém-se grosso modo o regime do CPC de 1961, afirmando-se, porém, agora e expressamente, que, sendo a suspensão da execução total, tal facto importará a respectiva extinção.
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4.1.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)

Concretizando, verifica-se que, tendo sido movida a execução que constitui os autos principais (Processo n.º 2155/08....) apenas contra BB, foi na mesma penhorado, em 03 de Fevereiro de 2009, um prédio urbano que aquele adquirira.
Verifica-se ainda que, existindo uma penhora realizada anteriormente (na Acção Executiva n.º 204/06....), em 23 de Fevereiro de 2009 foi proferido despacho sustando a execução dos autos principais; e o neles Exequente (AA) reclamou efectivamente o seu crédito naqueles outros autos, em 02 de Maio de 2009, cumprindo assim o ónus que lhe estava cometido, para poder continuar a beneficiar da preferência da penhora cuja realização promovera e lograra.
           
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, dir-se-á que o despacho de sustação da execução dos autos principais proferido em 23 de Fevereiro de 2009 manteve, necessariamente, a penhora neles realizada, por só assim poder o respectivo exequente (AA) reclamar o seu crédito na acção executiva em que o mesmo imóvel tinha sido previamente penhorado.
           
Conclui-se, assim, que a penhora de imóvel realizada nos autos principais, em 03 de Fevereiro de 2009, se manteve válida e eficaz após 02 de Março de 2009, quando o Exequente respectivo (AA) reclamou o seu crédito na Acção Executiva n.º 204/06.....
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4.2. Penhora de bens comuns (em execução movida contra um dos cônjuges)
4.2.1.1. Comunhão conjugal

 Lê-se no art. 1717.º, do CC, que, «na falta de convenção antenupcial, (...) o casamento considera-se celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos».
Mais se lê, no art. 1724.º, do CC, que integram a comunhão conjugal os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio a título oneroso.
Logo, e se o regime de bens do casamento for o supletivo (de comunhão de adquiridos) ainda que apenas um dos cônjuges proceda à aquisição de um bem, desde que o faça a título oneroso, o mesmo é integrado na comunhão conjugal, isto é, torna-se igualmente pertença do cônjuge que não interveio no acto de aquisição.

Lê-se ainda, no art. 1692.º, al. a), do CC, que são «da exclusiva responsabilidade do cônjuge a que respeitam» as «dívidas contraídas, antes ou depois do casamento, por cada um dos cônjuges sem o consentimento do outro, fora dos casos indicados nas alíneas b) e c) do artigo anterior» (isto é, «dívidas contraídas, antes ou depois do casamento, pelos dois cônjuges, ou por um deles com o consentimento do outro», e «dívidas contraídas, antes ou depois do casamento, por qualquer dos cônjuges para acorrer aos encargos normais da vida familiar»).
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4.2.1.2. Penhora de bens comuns
Lia-se no art. 825.º, n.º 1, do CPC de 1961 (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro) que, na «execução movida contra um só dos cônjuges, podem ser penhorados bens comuns do casal, contando que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge do executado, para requerer a separação de bens».
Logo, e não obstante a execução fosse movida exclusivamente contra um dos cônjuges (por a dívida contraída apenas o responsabilizar a ele próprio e só ele constar do título executivo [9]), não ficava o exequente limitado a nomear apenas os seus bens próprios ou a sua meação nos bens comuns, podendo ainda incluir naquela nomeação os bens comuns, desde que, ao nomeá-los, pedisse a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens.
Por via desta, repunha-se a legalidade subjectiva da penhora: mercê da partilha, os bens perdiam a sua anterior qualidade de bens comuns, passando a pertencer a cada um dos cônjuges nos termos em que lhe fossem adjudicados.

Mais se lia, no n.º 2, do art. 825.º citado, que «qualquer dos cônjuges pode requerer, dentro de 15 dias, a separação de bens, ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir nos bens penhorados».
Consagrava-se aqui um ónus, mas não um dever, isto é, o cônjuge do executado poderia pedir a separação de bens (quando visse penhorado algum daqueles que integravam o património comum do casal), mas não estava obrigado a fazê-lo (incorrendo, porém, em caso de inércia, na desfavorável situação de ver a execução prosseguir sobre os bens próprios penhorados).
Contudo, se a separação de bens já tivesse sido requerida (v.g. por noutra acção executiva se ter penhorado distinto bem comum), limitar-se-ia então o cônjuge do executado a comprová-lo, e não a requerê-la novamente, por deste modo concorrer para indevida litispendência [10].

Por fim, lia-se no n.º 3, do mesmo art. 825.º, que, apensado «o requerimento em que se pede a separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser nomeados outros que lhe tenham cabido, contando-se o prazo para a nova nomeação a partir da sentença homologatória».
Logo, o que ficava suspensa era a execução, e não a penhora (que se mantinha) [11].
Deste modo, sendo o bem penhorado adjudicado ao cônjuge do executado, e por força do art. 823.º, do CC [12], a penhora transferia-se para os bens do cônjuge do executado que iriam constituir o quinhão deste como valor de tornas, ficando aquele primeiro como seu fiel depositário [13]. Teria, por isso, que conservar as tornas em seu poder ou de as depositar à ordem do Tribunal, sendo que, se as entregasse directamente ao cônjuge executado, não ficaria desonerado daquela sua obrigação de depósito [14].  
Já se o bem penhorado fosse adjudicado ao próprio executado, ao perder a sua natureza de bem comum (pela extinção da comunhão conjugal) teria deixado de existir o impedimento para que a execução prosseguisse quanto a ele (respeitando-se doravante a regra da exclusiva penhorabilidade de bens de quem é executado).
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Lê-se agora no art. 740.º, n.º 1, do actual CPC, que quando, «em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns».
Logo, e de forma distinta relativamente ao direito anterior, já não é condição de realização da penhora de bens comuns que o exequente requeira, simultaneamente, a citação do cônjuge do executado, sendo esta realizada oficiosamente, pelo agente de execução, conforme art. 786.º, n.º 1, al a), do CPC. Com efeito, lê-se no mesmo que, concluída «a fase da penhora e apurada, pelo agente de execução, a situação registral dos bens», é citado «para a execução» o «cônjuge do executado, quando a penhora tenha recaído sobre bens imóveis ou estabelecimento comercial que o executado não possa alienar livremente, ou quando se verifique o caso previsto no nº 1 do artigo 740º».
Mais se lê, no n.º 2 do mesmo preceito, que, apensado «o requerimento de separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha»; e «se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão». 
Logo, mantém-se grosso modo o regime do CPC de 1961, impondo-se a suspensão da acção executiva para assegurar a adequação da penhora ao desfecho da partilha. Contudo, afirma-se agora expressamente que «a penhora anterior permanece até nova apreensão de outros bens que hajam cabido a executado imediatamente ou futuramente a título de tornas, acrescentamos» (Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 283) [15].
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4.2.1.3. Inventário para separação de bens
Lia-se no art. 1406.º, n.º 1, do CPC de 1961, que, requerendo-se «a separação de bens nos termos do artigo 825.º, (…) aplicar-se-á o disposto no artigo 1404.º» do mesmo diploma, embora com algumas alterações, a saber: o «exequente (…) tem o direito de promover o andamento do inventário», sendo que esta faculdade nem sequer está condicionada pela negligência de qualquer dos cônjuges [16]; e, tendo o «cônjuge do executado (…) o direito de escolher os bens com que há-de-ser formada a sua meação», usando «desse direito «são notificados da escolha os credores, que podem reclamar contra ela, fundamentando a sua queixa», nomeadamente por ter havido escolha simulada [17] ou por ter sido feita uma má avaliação dos bens [18].
Mais se lia, nos n.ºs 2 e 3, do mesmo preceito, que se o juiz julgar «atendível a reclamação», «ordena a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados»; e quando «a avaliação modifique o valor dos bens escolhidos pelo cônjuge do executado (…), este pode declarar que desiste da escolha», sendo então as meações adjudicadas por meio de sorteio.
No mais, e por força da remissão para o art. 1404.º, do mesmo diploma, as «funções de cabeça-de-casal incumbem ao cônjuge mais velho» (n.º 2), seguindo-se os demais «termos prescritos nas secções anteriores» (n.º 3), isto é, relativas ao processo de inventário comum [19].

Precisa-se que era o processo de inventário para separação de bens o meio competente para efectivar aquela que o cônjuge do executado pretendesse efectivar, uma vez citado nos termos do art. 825.º, do CC [20]; e, por isso, correndo por apenso à execução que lhe dera origem [21].
Precisa-se, ainda, que nele teria obrigatoriamente que ser citado o exequente do processo que determinou a separação de bens, por ser interessado directo na partilha dos bens, nos termos do art. 1341.º, n.º 1, do CPC (aplicável por sucessiva remissão dos arts. 1406.º, n.º 1, in fine, e 1404.º, n.º 3, in fine, ambos do CPC de 1961) [22]; e deveria igualmente ser-lhe dado conhecimento de todos os factos relevantes ocorridos no processo, aqui através de notificação [23].
Compreende-se que assim fosse, pois só desse modo o exequente credor do cônjuge executado poderia fazer valer naqueles autos os seus direitos, nomeadamente reclamando o seu crédito sobre ele, por forma a ser pago pelo valor que lhe fosse pago a título de tornas, caso o bem penhorado não lhe fosse adjudicado.
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4.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.2.1. Falta (inicial) de citação do Cônjuge do Executado

Concretizando, verifica-se que, tendo o imóvel penhorado em 03 de Fevereiro de 2009, na execução que constitui os autos principais (Processo n.º 2155/08....), movida exclusivamente contra BB, sido adquirido quando o mesmo já se encontrava casado com CC, no regime de comunhão de adquiridos, era um bem comum do casal.
Verifica-se ainda que, o dito Executado (BB) vindo arguir nos ditos autos a nulidade decorrente da falta de citação do seu cônjuge, foi a mesma reconhecida por despacho de 25 de Novembro de 2009; e CC foi depois citada, em 10 de Dezembro de 2009, precisamente para requerer a separação de bens, ou comprovar que a mesma já tinha sido requerida, sob pena da execução prosseguir quanto ao bem comum penhorado.

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, dir-se-á que o reconhecimento da nulidade resultante da falta de citação do Cônjuge do Executado dos autos principais (CC) não afectou a validade, eficácia e manutenção da penhora de imóvel neles realizada, já que a dita citação seria sempre efectuada em momento posterior ao daquele acto de apreensão; e veio efectivamente a ocorrer em 10 de Dezembro de 2009.
Compreende-se, assim, que se leia expressamente no dito despacho que, não «obstante» o reconhecimento feito da nulidade arguida, «e porque após o momento em que a referida cônjuge deveria ter sido citada nenhum outro acto se praticou nos autos - pois que a penhora ficou sustada atento o disposto no art. 871º do CPC - não se impõe anular quaisquer actos» (com bold apócrifo).

Conclui-se, assim, que a penhora de imóvel realizada nos autos principais, em 03 de Fevereiro de 2009, se mantinha válida e eficaz em 10 de Dezembro de 2009, quando o Cônjuge (CC) do neles exclusivamente executado (BB) foi citado, nos termos e para os efeitos previstos no art. 825.º, do CPC então em vigor.
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4.2.2.2. Inventário para separação de meações
Concretizando novamente, verifica-se que, na sequência da citação de que foi alvo, o Cônjuge mulher (CC) na Execução Comum n.º 2155/08... (autos principais) juntou à mesma, em 10 de Dezembro de 2009, certidão da pendência de inventário em que requerera a separação de bens do casal formado com o Executado (BB), que corria por apenso à Acção Executiva n.º 1804/08.... e por ela intentado em 19 de Maio de 2009.
Mais se verifica que, em 04 de Fevereiro de 2010, na Execução Comum n.º 2155/08... (autos principais), foi proferido despacho de suspensão da mesma, até que se mostrasse efectuada a partilha de bens do dito casal.
Verifica-se ainda que, no dito Inventário para Separação de Bens n.º 1804/08...., tendo o aqui Exequente (BB) sido nomeado cabeça-de-casal, nunca indicou o aqui Exequente (AA) como credor (fazendo-o apenas relativamente ao credor já identificado na Acção Executiva n.º 1804/08...., por ali ter reclamado créditos); que essa omissão se manteve com o seu Cônjuge (CC), quando necessariamente o conheceu naquela qualidade, pelo menos ao ser citada em 10 de Dezembro de 2009 nos autos principais; e que nenhum dos dois juntou ali certidão de descrição predial do dito prédio, onde a penhora que o beneficiava (e outras) se encontravam devidamente registadas, permitindo assim o respectivo e devido conhecimento.
Por fim, verifica-se que, tendo o dito Inventário para Separação de Bens n.º 1804/08.... corrido à absoluta e total revelia do aqui Exequente (AA), veio a ser adjudicado, em 28 de Julho de 2011, ao Cônjuge mulher (CC) o imóvel em causa, conformemente registado a seu favor.

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, dir-se-á que, sendo o aqui Exequente (AA) beneficiado com uma penhora registada de imóvel, mantendo-se a mesma válida e eficaz em 19 de Maio de 2009, quando foi instaurado inventário para separação de meações, sendo a sua qualidade de credor conhecida pelo cabeça-de-casal respectivo (o aqui Executado) e, pelo menos, desde 10 de Dezembro de 2009 pelo seu Cônjuge (CC), e tendo o referido Exequente (AA) o direito de intervir no dito inventário, para salvaguarda dos seus interesses, foi-lhe o respectivo exercício impedido pelas suas duas e exclusivas partes (os cônjuges meeiros).
Logo, a partilha dos bens comuns do casal realizada à revelia do aqui Exequente (AA) é ineficaz em relação a si, não lhe é oponível; e, por isso, não tem aptidão para determinar o levantamento da penhora do imóvel, realizada antes por sua iniciativa, que veio a ser adjudicado ao Cônjuge do Executado (CC) [24].

Recorda-se que se lê, no art. 819.º, do CC, que, sem «prejuízo das regras de registo, são inoponíveis à execução os actos de disposição, oneração ou arrendamento dos bens penhorados».
Precisa-se que «não interessa à aplicação da regra, a fisionomia ou a estrutura do acto, conquanto envolva transmissão de direito, v.g., transacção, amortização de cota, partilha, divisão, nem a sua natureza extrajudicial ou judicial, estendendo-se, por isso, às próprias transacções e partilhas ou divisão de coisa comum judicialmente feitas». Assim, o que importa para «que tais actos sejam oponíveis à execução» é «que, posteriormente à data que for relevante para a eficácia da penhora em relação a terceiros, tenha sido assegurada a intervenção, no acto ou no processo, do exequente» (Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1977, págs. 159 e 160).
Precisa-se, ainda, que a inoponibilidade do acto jurídico verifica-se quando o acto, válido e eficaz em si mesmo, pode legitimamente ser tomado como não realizado ou, pelo menos, ineficaz em relação a certas pessoas, e só por elas podendo ser invocada [25].
Compreende-se, por isso, que se afirme que os «actos jurídicos mencionados no art. 819º são, pois, actos plenamente válidos, produzindo os seus efeitos em várias direcções, mas não os produzindo quanto ao exequente e outros credores concorrentes chamados à execução, que são aqueles que gozam de garantia real sobre os bens penhorados, ou seja, em relação ao exequente e credores concorrentes os actos são havidos como se não existissem ou não tivessem tido lugar (tanquam non essent). Através da inoponibilidade relativa desses actos são assegurados os fins da execução, continuando a execução como se os bens se mantivessem na titularidade do executado, prosseguindo a execução imperturbada o seu curso sem intromissão dos adquirentes e demais titulares de direitos, com os bens livres de ónus de que tenham sido objecto. E, por outro lado, são assegurados os interesses do comércio jurídico e da livre circulação dos bens. Se a penhora for levantada esses actos inoponíveis à execução recuperam a sua plena eficácia, não determinando a penhora qualquer proibição de alienação ou oneração do bem ou direito penhorado, porque o executado continua proprietário do bem até à sua venda na execução» (Ac. da RC, de 18.09.2007, Ferreira de Barros, Processo n.º 357/98....).

Conclui-se, assim, que a penhora de imóvel realizada nos autos principais, em 03 de Fevereiro de 2009, se manteve válida e eficaz depois de 28 de Julho de 2011, quando o dito imóvel foi adjudicado ao Cônjuge (CC) do Executado (BB).
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4.3. Acordo de pagamento faseado (suspensão / extinção condicional da execução)
4.3.1.1. Efeitos sobre a tramitação da execução

Lia-se no art. 882.º, do CPC de 1961 (na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, tal como aos dois artigos seguintes), que é admitido o pagamento em prestações da dívida exequenda, se exequente e executado, de comum acordo, requererem a suspensão da instância executiva« (n.º 1); e este requerimento deverá  ser «subscrito por exequente e executado, devendo conter o plano de pagamento acordado, e pode ser apresentado até à notificação do despacho que ordena a realização da venda ou das outras diligências para pagamento» (n.º 2).
Logo, as partes tinham que requerer a suspensão da instância, na sequência do acordo de pagamento faseado firmado entre elas; mas este evitava a venda ou a adjudicação dos bens penhorados, assegurando a sua manutenção na titularidade do executado.
Mais se lia, no art. 883.º, n.º 1, do CPC de 1961, que, na «falta de convenção em contrário, vale como garantia do crédito exequendo a penhora já feita na execução, que se manterá até integral pagamento».

Lê-se agora, no art. 806.º, do actual CPC, que o «exequente e o executado podem acordar no pagamento em prestações da dívida exequenda, definindo um plano de pagamento e comunicando tal acordo ao agente de execução» (n.º 1); e essa comunicação «determina a extinção da execução» (n.º 2).
Logo, assiste-se agora a um reforço do princípio do dispositivo: as partes já não requerem, uma vez que se limitam a comunicar o acordo de pagamento faseado ao agente de execução; e esta comunicação determina a extinção da execução, considerando-se que, desse modo, se liberta de qualquer espartilho processual o prazo que possa ser acordado para pagamento da dívida [26].
Mais se lê, no art. 807.º, do actual CPC, que, se «o exequente declarar que não prescinde da penhora já feita na execução, aquela converte-se automaticamente em hipoteca ou penhor, beneficiando estas garantias da prioridade que a penhora tenha» (n.º 1); e o «agente de execução comunica à conservatória competente a conversão da penhora em hipoteca, bem como a extinção desta após o cumprimento do acordo» (n.º 4).
Logo, enquanto que no CPC de 1961 a penhora já feita na execução se mantinha como garantia do crédito exequendo, subsistindo até integral pagamento (uma vez que a execução ficava apenas suspensa), no actual CPC (uma vez que a execução é extinta e a penhora não tem natureza real, vivendo numa acessória dependência do processo executivo pendente) a anterior penhora converte-se em penhor ou hipoteca, consoante a natureza do bem ou direito sobre o qual aquela incidia. De outro modo, a actual solução legislativa (de extinção da execução) imporia ao exequente um injustificado risco (de, em caso de incumprimento do plano de pagamento, ver perdida a prévia apreensão dos bens ou direitos destinados a garantir a sua execução coerciva).
Mantem ainda a dita hipoteca, constituída depois da inicial penhora, a prioridade desta (nomeadamente, sobre outras penhoras, hipotecas legais e judiciais e privilégios creditórios, graças ao art. 822.º, n.º 1, do CC).
Recorda-se que a hipoteca consubstancia um direito real de garantia. Logo; é oponível erga omnes, o que permite ao respectivo titular invocá-la eficazmente, de molde a fazê-la prevalecer contra quem for que tenha ou se arrogue uma posição incompatível, de direito ou de facto, posteriormente constituída; e goza do direito de sequela, que permite ao respectivo titular perseguir a coisa corpórea dela objecto, actuando sobre ela, na medida necessária ao exercício dos poderes que sobre ela lhe são conferidos, sem necessidade de impugnar qualquer acto jurídico de disposição indevidamente praticado em relação à coisa, pela simples invocação do seu próprio direito [27].
A aqui em causa, resultante da conversão da anterior penhora, tem natureza legal [28]; e mesmo que o exequente já dispusesse de uma anterior, continua a ter interesse da conversão da penhora em nova hipoteca (v.g. prazo de contagem de juros), reforçando esta a anterior.
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4.3.1.2. Renovação da instância (executiva)
Lia-se no art. 884.º, do CPC de 1961, que a «falta de pagamento de qualquer das prestações, nos termos acordados, importa o vencimento imediato das seguintes, podendo o exequente requerer o prosseguimento da execução para satisfação do remanescente do seu crédito».

Lê-se agora no art. 808.º, n.º 1, do actual CPC, que a «falta de pagamento de qualquer das prestações, nos termos acordados, importa o vencimento imediato das seguintes, podendo o exequente requerer o prosseguimento da execução para satisfação do remanescente do seu crédito, aplicando-se o disposto no n.º 4 do artigo 850.º» [29] .
Mais se lê, no n.º 2 do mesmo preceito, que, na «execução renovada, a penhora inicia-se pelos bens sobre os quais tenha sido constituída hipoteca ou penhor, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 807º, só podendo recair noutros quando se reconheça a insuficiência deles para conseguir o fim da execução».
Por fim, lê-se no n.º 3 do mesmo art. 808.º, que se «os bens referidos no número anterior tiverem sido entretanto transmitidos, a execução renovada seguirá diretamente contra o adquirente, se o exequente pretender fazer valer a garantia».
Compreende-se que assim seja, já que, mantendo-se a hipoteca ou o penhor pelo menos até integral pagamento da dívida, o credor exequente chega à instância renovada com uma garantia real; e se os bens sobre que a mesma incide tiverem sido entretanto transmitidos, a execução renovada seguirá directamente contra o terceiro adquirente, se o exequente pretender fazer valer a dita garantia (conforme art. 735.º, n.º 2, do CPC [30]).
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4.3.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.3.2.1. Acordo de pagamento faseado

Concretizando, verifica-se que, na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), tendo o Exequente (AA) e o Executado (BB) acordado no pagamento em prestação da quantia exequenda, foi proferido despacho em 27 de Junho de 2011, determinando a suspensão da execução «pelo período necessário ao cumprimento do plano de pagamento».
Mais se verifica que, tendo, entretanto, entrado em vigor o CPC de 2013, imediatamente aplicável a todas as execuções então pendentes [31], foi proferido despacho em 02 de Abril de 2014, declarando condicionalmente extinta a execução; e que, tendo o Exequente (AA) declarado que não prescindia da penhora de imóvel realizada em 03 de Fevereiro de 2009, foi a mesma convertida em hipoteca, registando-se na mesma data.

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, nem a suspensão da execução inicialmente determinada (a luz do CPC de 1961), nem a sua posterior extinção condicional (à luz do CPC de 2013), extinguiram a penhora realizada em 03 de Fevereiro de 2009, que se manteve, por expressa disposição legal; e não obstante a posterior conversão da dita penhora em hipoteca, ocorrida em 22 de Maio de 2014, esta manteve a prioridade daquela, também por expressa disposição legal.

Conclui-se, assim, que a penhora de imóvel realizada nos autos principais, em 03 de Fevereiro de 2009, se manteve válida e eficaz depois de 22 de Maio de 2014, quando foi convertida em hipoteca.
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4.3.2.2. Renovação da instância executiva
Concretizando novamente, tendo o Executado (BB) deixado de cumprir o acordo de pagamento faseado na Execução Comum n.º 2155/08.... (autos principais), e tendo o Exequente (AA) requerido a renovação da instância executiva, para satisfação do remanescente do seu crédito, foi proferido despacho em 12 de Setembro de 2017, renovando a instância executiva.
Mais se verifica que, em 28 de Outubro de 2021, foi efectuada e registada nova penhora do imóvel em causa nos autos, a qual ficou, porém, registada como provisória por natureza, por o bem já se encontrar registado em nome do Cônjuge do Executado (CC).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, teria, de facto, na execução renovada iniciar-se a penhora pelo imóvel sobre o qual tinha sido previamente constituída a hipoteca (resultante da conversão operada em 22 de Maio de 2014, mas com a prioridade de registo de 03 de Fevereiro de 2009, da inicial penhora).
Dir-se-á ainda que a este entendimento não obsta o facto do bem já se encontrar em nome do Cônjuge (CC) do Executado (BB), uma vez que a transmissão de que beneficiou - em data anterior à constituição da hipoteca referida - é inoponível ao Exequente (AA). Solução idêntica dispõe hoje a lei, quando a transmissão ocorrida seja posterior à constituição da hipoteca, exigindo-se apenas que a execução passe a seguir contra o adquirente do bem por ela onerado.

Conclui-se, assim, que a penhora de imóvel realizada nos autos principais, em 28 de Outubro de 2021, era devida; e que não consubstancia fundamento para o seu levantamento o facto do bem ser hoje propriedade do Cônjuge (CC) do Executado (BB).
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4.4. Apreensão de património alheio (de terceiro)
4.4.1. Artigo 119.º, do CRP
Lê-se no art. 119.º, do CRP, que, havendo «registo provisório de arresto, penhora ou de declaração de insolvência sobre os bens inscritos a favor de pessoa diversa do requerido, executado ou insolvente, deve efetuar-se no respetivo processo a citação do titular inscrito para declarar, no prazo de 10 dias, se o prédio ou direito lhe pertence» (n.º 1); se «o citado declarar que os bens lhe não pertencem ou não fizer nenhuma declaração, o tribunal ou o agente de execução comunica o facto ao serviço de registo para conversão oficiosa do registo» (n.º 3); mas se «o citado declarar que os bens lhe pertencem, o juiz remete os interessados para os meios processuais comuns, e aquele facto é igualmente comunicado, bem como a data da notificação da declaração para ser anotada no registo» (n.º 4).
Precisa-se que os registos referidos no n.º 1 do preceito citado são provisórios por natureza, nos termos da al. a), do n.º 2, do art. 92.º, do CRP. Serão os mesmos oficiosamente convertidos em definitivos, em face de certidão comprovativa de o citado ter declarado que os bens não lhe pertencem, ou de não ter feito nenhuma declaração, expedida pelo tribunal à conservatória.
Está-se, assim, perante uma intervenção acidental de um terceiro, cujo património foi atacado por um acto de execução, que, por simples declaração própria, consegue a enorme vantagem de paralisar aquele acto e os que lhe sucederam. Com efeito, mediante a emissão pelo terceiro de que o bem lhe pertence, e a remessa das partes para os meios comuns, ficam suspensos os efeitos da penhora, até que o respectivo registo caduque ou, inversamente, venha a ser convertido em definitivo.
Já se o titular inscrito nada diz, perde a presunção do direito de propriedade resultante do registo de aquisição do prédio em seu nome: procede-se à conversão oficiosa do registo provisório da penhora em definitivo, podendo a execução prosseguir quanto ao imóvel penhorado, sem que esse terceiro, estranho à execução, possa opor-se à respetiva venda executiva (a não ser que o imóvel passe a ser considerado como pertencente ao executado, enquanto anterior titular inscrito).
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4.4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo sido penhorado, em 28 de Outubro de 2021, na instância executiva renovada dos autos principais, o imóvel cuja penhora inicial (de 03 de Fevereiro de 2009) fora convertida em hipoteca (em 22 de Maio de 2014), ficou o respectivo registo provisório por natureza, por o bem se encontrar inscrito a favor de CC, cônjuge do aqui Executado (BB).
Mais se verifica que, em 06 de Dezembro de 2021, foi a mesma citada nos termos e para os efeitos previstos no art. 119.º, do CRP.
Verifica-se ainda que, em 06 de Janeiro de 2022, o Cônjuge mulher (CC) não só declarou que o imóvel lhe pertencia, como requereu o levantamento daquela penhora; e, vendo a sua pretensão indeferida, pretende agora subsidiariamente (em sede de alegações de recurso) que, pelo menos, sejam as partes remetidas para os meios comuns, a fim de neles discutirem a propriedade do dito bem.

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, dir-se-á que não lhe assiste razão, quer quanto à pretensão de levantamento da penhora (como se deixou já bastamente explicitado supra), quer quanto à remessa das partes para os meios comuns, o que pressuporia uma dúvida legítima quanto à propriedade do bem em causa.
Contudo, e no caso dos autos, essa dúvida não existe, estando já definitivamente assente que o imóvel lhe passou a pertencer, por aquisição em partilha, desde 28 de Julho de 2011, o que nem o aqui Exequente (AA) contesta.
As razões da afectação deste seu indiscutível património ao pagamento da dívida exequenda radicam na inoponibilidade relativa (quanto ao aqui Exequente) do acto de transmissão que a beneficiou, inoponibilidade essa a que o regime do art. 119.º, do CRP, é estranho.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso interposto pelo Cônjuge mulher (CC).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto por CC (cônjuge do Executado) e, em consequência, em

· Confirmar o despacho recorrido (que indeferiu o levantamento da penhora realizada nos autos, bem como a remessa das partes para os meios comuns, nos termos do art. 119.º, do CRP, quando ao imóvel dela objecto).
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Custas da apelação pela Recorrente (conforme art. 527.º n.º 1 e n.º 2, do CPC), na exclusiva vertente de custas de parte liquidandas (por a taxa de justiça devida pela interposição do recurso já se encontrar paga e por o mesmo não ter dado azo ao pagamento de quaisquer encargos).
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Guimarães, 27 de Abril de 2023.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19...., onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] O Código do Registo Predial (doravante CRP) foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224/84, de 06 de Julho.
[4] O CPC de 1961 foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 44.129, de 28 de Dezembro de 1961 (tendo entrado em vigor em 24 de Abril de 1962, conforme art. 2.º do mesmo diploma).
Foi depois profundamente alterado pelo Decreto-Lei n.º 47.690, de 11 de Maio de 1967, por forma a compatibilizá-lo com o CC aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47.344, de 25 de Novembro de 1966.
[5] Neste sentido, Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 492; ou Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2001, pág. 306, onde se lê que é «neste ponto que a litispendência funciona nas acções executivas, ou seja, quando são plurimamente penhorados os mesmos bens».
Contudo, criticando a aplicação deste conceito («litispendência») à situação em causa, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, Almedina, Janeiro de 2010, págs. 351 e 352, onde se lê ser «esdrúxulo sustentar-se, com o fez o Acórdão do STJ de 10.12.96, que a situação que analisamos se caracteriza como litispendência, por este conceito ter em linguagem processual um significado rigoroso, identificável com o preenchimento dos três requisitos a que alude o n.º 1 do art. 498.º [hoje, art. 581.º], aos quais é estranho a penhora nos mesmos bens em processos diferentes; e sempre a identidade dos sujeitos da relação processual, dos pedidos e respectivas causas de pedir nas duas execuções».
[6] Recorda-se que se lê, no CC, no:
. art. 824.º - que, na «venda em execução» (n.º 1), os «bens são transmitidos livres dos direitos de garantia que os onerarem, bem como dos demais direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer aresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros independentemente de registo» (n.º 2); e os «direitos de terceiro que caducarem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens» (n.º 3).
. art. 826.º - que as «disposições dos artigos antecedentes relativos à venda são aplicáveis, com as necessárias adaptações, à adjudicação e à remissão».
[7] Neste sentido:
. José Alberto dos Reis, Processo de Execução, Volume 2.º, Coimbra Editora, Limitada, 1985, págs. 288 e 289.
. Salvador da Costa, O Concurso de Credores, 2.ª edição, Almedina, Janeiro de 2001, pág. 311, onde se lê que o «credor que tenha deixado caducar o direito real de garantia por não haver reclamado o seu crédito na acção executiva instaurada por terceiro na qual foi penhorado o imóvel sobre que incidia aquele direito, não pode, na sequência de instauração de acção executiva contra o devedor, em relação à qual obteve a suspensão da instância, reclamá-lo com base na garantia referida, na acção executiva em que omitiu a reclamação, porque só o pode fazer com base em segunda penhora».
. Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, Almedina, Janeiro de 2010, pág. 352, onde se lê que se tenha «presente que o credor com garantia real sobre o bem penhorado, que não reclamou o seu crédito na execução  onde a penhora ocorreu em primeiro lugar, apesar de citado para o efeito, não pode, com base em nova execução onde obteve a penhora posterior que conduziu à sustação da execução, reclamar o seu crédito, na primeira execução, invocando a garantia já caducada, sem prejuízo de poder beneficiar da penhora efectuada».
Na jurisprudência, Ac. do STJ, de 03.10.1995, CJSTJ, Ano III, Tomo III, pág. 41.
[8] O actual CPC foi aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (tendo entrado em vigor em 1 de Setembro de 2013, conforme art. 8.º da mesma).
[9] Lia-se o art. 55.º, n.º 1, do CPC de 1961, que a «execução (…) deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor».
De forma igual se dispõe hoje no art. 53.º, n.º 1, do actual CPC, onde se lê que a «execução (…) deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor».
[10] Neste sentido, Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 325, onde se lê que, «sob pena de litispendência, não pode requerer-se mais do que um inventário. Por isso, quando em várias acções executivas se tenham penhorado bens comuns diferentes (1), o cônjuge citado está impedido de requerer, por apenso a uma, a separação já requerida em outra. E isto tanto quando tal separação tenha sido requerida por ele, como quando tenha sido requerida pelo outro cônjuge em execução movida contrato agora citado.
(…) É esse o motivo porque» o n.º 2 do artigo 825º «estabelece, para o cônjuge citado, a alternativa de requerer a separação ou provar que ela está pendente».
Já «se os bens comuns penhorados forem os mesmos, o cônjuge citado deve requer o cumprimento do artigo 871º: - sustação das acções executivas em que os bens tenham sido penhorados posteriormente, para os créditos exequendos serem reclamados naquela em que primeiro se fez a penhora».
[11] Neste sentido, Ac. da RG, de 29.09.2004, António Gonçalves, Processo n.º ... (reiterado depois no Ac. da RG, de 10.10.2004, António Gonçalves, Processo n.º ...), onde se lê que o «que a comunhão conjugal do bem penhorado vai determinar é que a execução seja suspensa - mas sem interferir na manutenção da penhora - aguardando-se o termo do processo de separação judicial de bens para se agir em conformidade com o modo de adjudicação de bens nele configurada».
[12] Recorda-se que se lê no art. 823.º, do CC, que, se «a coisa penhorada se perder, for expropriada ou sofrer diminuição de valor, e, em qualquer dos casos, houver lugar a indemnização de terceiro, o exequente conserva sobre os créditos respectivos, ou sobre as quantias pagas a título de indemnização, o direito que tinha sobre a coisa».
[13] Neste sentido, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 283, e A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, pág. 534, onde se lê que, «com a adjudicação do bem, onerado por penhora, ao cônjuge não executado, então, por força do efeito subrogatório associado à perda da coisa do património do executado do art. 823.º CC, a penhora transfere-se, também para os bens do cônjuge do executado que hão-de constituir o quinhão do executado como valor de tornas. Ou seja: sobre elas passa a incidir a garantia do pagamento do crédito, apesar de serem bens de terceiro à dívida.
Enquanto não forem transmitidos para o património do executado o cônjuge devedor das tornas fica colocado na posição de fiel depositário, com todos os deveres daí inerentes, inclusive, com a obrigação de prestar contas».
[14] Neste sentido:
. Ac. da RE, de 25.11.2004, Ana Resende, Processo n.º ..., onde se lê que, cabendo «os bens penhorados ao cônjuge do executado, as tornas de que este possa, consequentemente, ser credor, não lhe devem ser entregues em mão, não ficando o devedor desonerado de tal obrigação, se fizer a entrega em tais termos».
. Ac. da RE, de 13.12.2005, Mata Ribeiro, Processo n.º ..., onde se lê que, no «inventário para separação de meações com a adjudicação do bem, onerado por penhora, ao cônjuge não executado, transfere-se, também, este ónus, nos termos do art.º 823º do Cód. Civil para os bens que hão-de constituir o quinhão do seu cônjuge, devedor, o valor das tornas, sobre elas passando a incidir a garantia do pagamento do crédito»; e, por isso, o «devedor das tornas fica colocado na posição de fiel depositário, com todos os deveres daí inerentes, inclusive, com a obrigação e prestar contas (art.º 843º n.º 1 do CPC), pelo que sobre ele incide o dever de conservar as tornas em seu poder ou de as depositar à ordem do tribunal».
. Ac. do STJ, de 06.07.2006, Bettencourt de Faria, Processo n.º 06..., onde se lê que, na «separação de bens efectuada ao abrigo do artº 825º do C. P. Civil, (…) a declaração do credor de tornas de que já as recebeu em mão não tem força confessória, uma vez que esse facto não lhe é, em abstracto, necessariamente desfavorável, podendo-se configurar como uma forma expedita do dinheiro permanecer no casal, frustando os direitos que exequente possa ter sobre tal quantia»; e, por isso, «torna-se necessário o efectivo depósito das tornas».
. Ac. da RP, de 11.07.2012, Teles de Menezes, Processo n.º ...8, onde se lê que, requerida «a separação de bens comuns pelo cônjuge do executado nos termos do art.º 825.º do CPC», «evidentes preocupações com os credores exequentes não permitem que o seu direito seja esvaziado de conteúdo», pelo que o «depósito das tornas deve ser feito à ordem do Tribunal para se poder, com segurança, a pedido do exequente, transmutar a penhora para o mesmo».
. Ac. da RG, de 03.04.2014, Manuel Bargado, Processo n.º ...0, onde se lê que, no «processo inventário para separação de meações efetuada ao abrigo do artigo 825º do CPC, a declaração do credor de tornas de que já as recebeu em mão não tem força confessória, uma vez que esse facto não lhe é, em abstrato, necessariamente desfavorável, podendo-se configurar como uma forma expedita do dinheiro permanecer no casal, frustrando desse modo os direitos que o exequente possa ter sobre tal quantia»; e, por isso, «é necessário o efetivo depósito das tornas mediante a constituição de depósito autónomo a realizar nos termos do artigo 9º, nº 1, da Portaria nº 491-A/2009, de 17 de Abril, sob pena de ser ordenada a venda do imóvel penhorado nos autos de execução».
. Ac. da RC, de 16.09.2014, Maria João Areias, Processo n.º ...0, onde se lê que, com «a adjudicação do bem penhorado ao cônjuge do executado, a garantia de pagamento do crédito do exequente resultante da penhora transfere-se para os bens que hão de constituir o quinhão do executado/devedor, neste caso, o valor das tornas».
. Ac. da RL, de 18.09.2014, Jorge Leal, Processo n.º ...3, onde se lê que, requerida «a separação de bens comuns do casal, nos termos do art.º 825.º n.º 2 do CPC (de 1961), e devendo o cônjuge não executado tornas ao executado pela adjudicação, com sentença transitada em julgado, do bem comum que fora penhorado, pode o credor exequente requerer a venda judicial desse bem, até se garantir o valor das tornas, se o devedor das tornas as não depositar à ordem do processo a pretexto de ter compensado a sua dívida com crédito que lhe adviera de partilha adicional de bens efetuada extrajudicialmente com o outro cônjuge».
[15] Esta solução (de manter a penhora de bens que não respondem pela dívida, por esta ser da exclusiva responsabilidade do cônjuge do executado) é objecto de crítica por alguma doutrina.
Neste sentido:
. Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, Almedina, Janeiro de 2010, pág. 215, onde defende o imediato levantamento da penhora dos bens adjudicados ao cônjuge não executado, anteriormente penhorados.
. Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, pág. 534, onde se lê que esta «solução suscita-nos profundas reservas: não encontramos fundamento para estarem penhorados bens que, na verdade, não vão responder pela dívida, visto serem do cônjuge não devedor. Não é aceitável que os bens continuem submetidos aos efeitos da penhora - apreendidos e sem possibilidade de alienação eficaz a terceiros. Acresce ainda que o seu titular fica sujeito, sem prazo, aos resultados das diligências de busca e indicação à penhora de novos bens».
[16] Neste sentido, Eurico Lopes-Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 1992, pág. 326.
[17] Neste sentido, Ac. da RP, de 12.1.21995, Coelho da Rocha, Processo n.º 95....
[18] Neste sentido, Ac. do STJ, de 22.01.2008, Garcia Calejo, Processo n.º 07....
[19] Posteriormente, o pedido de separação de bens a título principal e exclusivo tramitou-se, primeiro, de acordo com o processo para separação de bens em casos especiais, previsto no art. 81.º, da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março (cujo art. 6.º, n.º 2, revogou o anterior processo especial de inventário, previsto no CPC de 1961); e depois (com a revogação do regime jurídico que aquele diploma estabelecera em anexo para o processo de inventário, operada pelo art. 10.º da Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro), de acordo com o processo para separação de bens em casos especiais, previsto no art. 1135.º, do CPC de 2013, mas cujas soluções são essencialmente idênticas ao regime do art. 1406.º, do CPC de 1961.
[20] Neste sentido, João António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Volume III, Livraria Almedina, Coimbra 1991, págs. 419 e 420.
Na jurisprudência, entre muitos, Ac. da RP, de 31.03.2004, Saleiro de Abreu, Processo n.º 04..., onde se lê que «bem se compreende a justeza ou imposição do inventário judicial (e especial) em situações como a ora em análise», já que é «a sua tramitação concederá alguma protecção ao exequente e demais credores, na medida em que, designadamente, o exequente pode promover o seu andamento, não podem ser aprovadas dívidas que não estejam devidamente documentadas e se o cônjuge do executado exercer o direito de escolha dos bens com que há-de ser composta a sua meação, os credores poderão reclamar contra ela – caso em que, se a reclamação for atendida, o juiz ordenará a avaliação dos bens que lhe pareçam mal avaliados (cf. art. 1406º, nºs 1 e 2 do CPC).
O inventário será, assim, uma forma de se obstar a que a separação de bens sirva apenas, ou essencialmente, para que o executado fuja com o seu património à execução».
[21] Neste sentido, Ac. da RP, de 09.07.1976, BMJ, n.º 261, pág. 212.
[22] Neste sentido, Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 12.ª edição, Almedina, Janeiro de 2010, pág. 214, onde se lê que também «o exequente, como interessado directo na partilha dos bens, deve ser citado para os termos do processo».
[23] Neste sentido, Ac. da RC, de 03.07.2011, CJ, Ano XXVI, tomo V, pág. 7.
[24] Neste sentido:
. Ac. da RP, de 31.03.2004, Saleiro de Abreu, Processo n.º 04... - onde se lê que «a executada e marido procederam à partilha extrajudicialmente, razão por que os exequentes e demais credores não tiveram a oportunidade de exercer qualquer controle sobre a partilha, mormente sobre o valor atribuído ao único bem partilhado. Bem que, como seria previsível, foi adjudicado ao marido da executada, e declarando esta já ter recebido as tornas a que tinha direito ...»; e, «não havendo sido utilizado o meio processual adequado para se proceder à partilha, esta é ineficaz relativamente aos exequentes e demais credores - que não puderam assegurar os seus legítimos interesses -, nenhum efeito produzindo, por isso, quanto a eles».
.  Ac. da RC, de 18.09.2007, Ferreira de Barros, Processo n.º 357/98.... - onde se lê que a «partilha extrajudicial do património comum do casal, efectuada posteriormente ao registo da penhora sobre ele incidente, apenas cabendo tornas ao executado, é inoponível ou ineficaz relativamente à execução».
.  Ac. da RC, de 26.11.2013, Catarina Gonçalves, Processo n.º 503/12....- onde se lê que a «partilha dos bens comuns do casal realizada após o registo de arresto ou penhora, à revelia e sem a intervenção do requerente do arresto ou exequente, é ineficaz relativamente à execução onde foi efectuada essa penhora ou onde o arresto veio a ser convertido em penhora e, como tal, a junção aos autos de certidão comprovativa dessa partilha, na sequência da citação do cônjuge do executado para os efeitos do art. 825º do C.P.C., não tem aptidão para determinar o levantamento da penhora que foi efectuada relativamente aos bens comuns do casal que, por força daquela partilha, foram adjudicados ao cônjuge do executado».
[25] Através da ineficácia relativa a lei visa, precisamente, «proteger o terceiro na medida apropriada à não frustração do seu direito, mas não se deve limitar o poder de disposição (ou a legitimidade para agir) do titular mais do que for necessário a essa protecção. Logo, o negócio só é ineficaz em face de terceiro, mas não entre as partes ou em face de outras pessoas» (Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1990, pág. 607).
[26] Neste sentido, Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Volume II, 2.ª edição, Coimbra Editora, Novembro de 2015, pág. 378; e A Ação Executiva, 2018, AAFDL, Junho de 2018, pág. 935.
[27] Apud Eliseu Figueira, «Contrato-Promessa de Compra e Venda. Função inovadora dos embargos de terceiro no Código de Processo Civil revisto de 1996», CJSTJ, Ano V, Tomo II, pág. 6.
[28] Neste sentido, Lebre de Freitas, A Ação Executiva À luz do Código de Processo Civil de 2013, 6.ª edição, Coimbra Editora, Fevereiro de 2014, pág. 409.
Contudo, em sentido contrário, vendo aqui uma hipoteca voluntária, Parecer n.º 32/CC/2014, do Conselho Consultivo dos Registos e Notariado, homologado a 2 de Junho de 2014 (in www.irn.mj.pt).
[29] Lê-se no art. 850.º, n.º 4, do actual CPC, que não «se repetem as citações e aproveita-se tudo o que tiver sido processado relativamente aos bens em que prossegue a execução, mas os outros credores e o executado são notificados do requerimento».
[30] Lê-se no art. 735.º, n.º 2, do CPC, que, nos «casos especialmente previstos na lei, podem ser penhorados bens de terceiro, desde que a execução tenha sido movida contra ele».
[31] Lê-se no art. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, que o «disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, aplica-se, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor».