Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | MARIA LEONOR BARROSO | ||
| Descritores: | NULIDADES DA SENTENÇA CONTRATO DE TRABALHO A TERMO NULIDADE DO TERMO | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 11/20/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | SECÇÃO SOCIAL | ||
| Sumário: | I - Não se verifica nulidade de sentença em nenhuma das vertentes alegadas, nem por omissão de diligências, nem por violação do princípio do contraditório, nem por excesso de pronúncia, nem por condenação em objecto diverso. II - O motivo justificativo e o seu nexo de causalidade com o termo de vigência aposto no contrato de trabalho devem constar suficientemente concretizados no respectivo texto, sob pena de nulidade da cláusula contratual. III - As menções apostas no contrato de trabalho, conquanto extensas, são vazias em factos, cingindo-se à utilização de termos herméticos, gerais, abstractos e à reprodução de fórmulas legais ou conclusivas, mormente “acréscimo excepcional da actividade da empresa”. IV - Do texto não transparece para um declaratário normal, incluindo para o tribunal na sua actividade de sindicância, qual seja o facto que explica a contratação a termo. Muito menos estão suficientemente detalhados no texto do acordo factos que liguem o motivo do contrato ao seu tempo de vigência, não se percebendo a causalidade que entre ambos possa existir. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam da secção social do tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO AA, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum laboral contra EMP01..., S.A. formulando o seguinte pedido: “(…) Deve a cláusula que estipulou o termo do contrato de trabalho, celebrado com a Ré em 06 de Junho de 2023, ser julgada nula, e como tal convertido o contrato de trabalho em contrato sem termo, mais deve ser julgado que a comunicação de caducidade do contrato configura um despedimento ilícito, sendo a Ré condenada a reintegrar o Autor no seu anterior posto de trabalho. c. Atribuir antiguidade ao Autor nos termos do artigo 27.º do Acordo de Empresa CTT, com as alterações n.º 253/2023, de 9 de Junho. d. Em qualquer dos casos deve a Ré ser condenada a pagar as retribuições desde trinta dias antes de ter sido proposta a acção, até ao trânsito em julgado da decisão final. (…)” Alegou que, em 06/06/2023, celebrou com a ré um contrato a termo certo resolutivo, pelo prazo de 6 meses, com início em 06/06/2023, para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de Carteiro, mediante o pagamento de uma retribuição mensal de € 765,00, e que a ré findou a relação laboral invocando a caducidade do contrato de trabalho em 05/12/2023. Contudo, o termo aposto no contrato de trabalho invocando “acréscimo excepcional de actividade” deve ser qualificado de nulo, por se limitar a empregar conclusões e, no essencial, reproduzir a fórmula legal, utilizando-se um termo geral e abstracto, não se percebendo o motivo invocado, nem se conseguindo estabelecer a ligação entre o motivo e o termo, e, finalmente, por ser falso e não corresponder à verdade (ver pontos da p.i. nº 16 a 21, 26), o que implica que se devam considerar as partes vinculadas por um contrato de trabalho por tempo indeterminado. A ré contestou que o contrato de trabalho padeça do vício invocado pela autora, para além de se opor à reintegração do trabalhador, pugnando pela improcedência das pretensões contra si aduzidas. O autor respondeu que não existe fundamento legal para oposição à reintegração, dado que, entre o mais, a ré não é uma microempresa. Proferiu-se despacho saneador onde se decidiu de mérito nos seguintes termos (DECISÃO RECORRIDA): “ Em face do exposto, nos presentes autos de acção declarativa comum, decide-se: a) Declarar que o contrato de trabalho de 06/06/2023 se considera celebrado por tempo indeterminado – cfr. artigo 147.º, n.º 1, al. c), do C.T.; b) Declarar que a comunicação de caducidade do contrato de trabalho, contida nesse negócio jurídico, constitui um despedimento ilícito - cfr. artigo 381.º, al. c), do C.T. c) Condenar a ré EMP01..., S.A. a reintegrar o autor AA sem prejuízo da sua categoria e antiguidade – cfr. artigo 389.º, n.º 1, al. b), do C.T. d) Condenar a ré EMP01..., S.A. a pagar ao autor AA a quantia que se vier a liquidar no âmbito do incidente a instaurar, nos termos preceituados no artigo 358.º, n.º 2, do C.P.C., quanto às remunerações previstas no artigo 390.º, n.º 1, do C.T., deduzidas das importâncias estabelecidas no artigo 390.º, n.º 2, al. a), b) e c), do C.T., sendo tal quantia acrescida de juros de mora, calculados nos termos supra referidos – cfr. artigo 609.º, n.º 2, do C.P.C. e) Condenar a ré EMP01..., S.A., no pagamento das custas da acção – cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do C.P.C.” * FOI INTERPOSTO RECURSO PELA RÉ -CONCLUSÕES (PARCIAIS): ....B... a transcrita decisão padece de nulidades, de manifesto erro na apreciação da prova (ou falta dela) e, ainda, erro na interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis (140.º, n.º 1 e n.º 2, al. f) e 147.º, n.º 1, al. c) todos do CT) e omissão de outros que se impunham aplicar (artigos 3.º, n.º 3; 6.º, 411.º, 547.º e 591.º, n.º 1, al. b), todos do CPC). Isto posto, C. A ação apresentada pelo Recorrido sustenta a requerida nulidade do termo no artigo 147.º, n.º 1, al. a) do CT20 (por, alegadamente, iludir disposições legais que regulam o contrato sem termo). D. Sucede que, distintamente ao invocado e circunstanciado pelo A., o Tribunal a quo apreciou e decidiu a presente ação, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, al. c) do CT (falta de indicação do motivo justificativo). E. Encontrando-se o Tribunal a quo limitado ao Princípio do Pedido e não se verificando a exceção prevista no artigo 74.º do CPT (não invocada, nem circunstanciada na decisão em crise), não poderia a sentença concluir pela nulidade do termo, conforme o disposto no artigo 147.º, n.º 1, al. c) do CT, como o fez, motivo pelo qual é a douta sentença nula, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) – por excesso de pronúncia – e artigo 615.º, n.º 1, al. e) – por condenar em objeto diverso do pedido, nos termos em que foi o mesmo formulado -, ambos do CPC, o que se requer seja reconhecido e declarado com as inerentes consequências legais. F. Sem prescindir, peca a matéria de facto considerada como provada por não incluir factos que resultaram documentalmente demonstrados pela R. e cuja evidência é difícil infirmar, pelo que se requer se promova ao aditamento da matéria de facto considerada como provada, nos termos que infra se expõem. G. Da alegação da parte e da prova carreada para estes autos, resulta efetivamente demonstrado que a motivação do contrato de trabalho do Recorrido foi sustentada num acréscimo excecional da atividade de tratamento e de distribuição de correio, tendo sido especificados dados aritméticos facilmente comprováveis, nomeadamente relativos ao primeiro trimestre de 2023 (janeiro-março), comparativamente com o período pré-pandemia e pandémico. ...I....do qual resulta um evidente e excecional aumento de atividade no primeiro trimestre de 2023 face ao período antes da pandemia (na ordem dos 60%) e durante o período pandémico. J. O referido aumento é claramente anómalo e sem precedente, conforme resulta da análise comparativa ao ano de 2019 com 2020 no identificado documento. K. De forma grave, o Tribunal a quo faz tábua rasa de tais elementos, desconsiderando-os dos factos e da sua fundamentação, tratando o presente caso de forma genérica e não casuística, como se impunha. L. ...se digne promover ao aditamento à matéria considerada provada, dos seguintes factos: 4. Verificou-se aumento de atividade na rede base e do tráfego total de correio relativo ao primeiro trimestre de 2023 (janeiro – março). 5. Verificou-se o crescimento do correio de serviço expresso EMS: 60% face ao período antes da pandemia (2019); 18,1% face ao período pandémico (2020-2022). M. A acrescer, e já quanto à impugnação da matéria de direito, entende a Recorrente que o Tribunal a quo omitiu o cumprimento dos normativos legais previstos nos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, 547.º e 591.º, n.º 1, al. b), todos do CPC. N. No despacho proferido a 21-01-2025... Tribunal a quo: i) declara que há mediana complexidade; ii) apenas proporciona ao Autor a possibilidade de se pronunciar; iii) não manifesta a intenção de decidir das exceções e/ou do mérito da causa (em parte ou no seu todo); iv) não proporciona às partes a discussão da matéria de facto e de direito. O. Já no início da decisão em crise, reitera o Tribunal a quo a mediana complexidade dos autos e, bem assim, a dispensa da realização da audiência prévia, proferindo-se de seguida sentença. P. Entende a Recorrente que, pretendendo conhecer do mérito da causa, não poderia o Tribunal Recorrido fazê-lo – como fez - sem realizar previamente a referida audiência e facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos termos do artigo 591.º, n.º 1, al. b) do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 62.º, n.º 2 do CPT. Q. Sem prescindir, em caso de não convocação da dita audiência prévia, sempre se impunha que o Tribunal a quo manifestasse junto das partes a sua intenção em conhecer do mérito da causa e, consequentemente, promovesse à consulta dos intervenientes processuais (A. e R.), em cumprimento do Princípio do Contraditório. R. Só dessa forma asseguraria o órgão decisor o Princípio da adequação formal e o Princípio do Contraditório. S. Reconhecendo o Tribunal a mediana complexidade dos autos, tratou de não convocar a audiência prévia que se impunha, e, mais gravemente, proferir decisão (surpresa) sem permitir às partes partilharem o que tivessem por conveniente ou se pronunciarem nos termos que acima expomos e se impunha ... T. Tendo, assim, a sentença proferida violado o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 6.º, 547.º e 591.º, n.º 1, al. b), todos do CPC, nos termos supra expostos, e constituindo, tal violação, a nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d) in fine do CPC, argui-se nesta sede a identificada nulidade, a qual expressamente se requer seja reconhecida e declarada, com as inerentes consequências legais. U. Sem prescindir, entende, igualmente, a Recorrente, que a decisão em crise omite o cumprimento dos artigos 6.º, n.º 1 e 411.º, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º, n.º 2, al. a) do CPT, cuja aplicação se impunha. V. Nestes autos, o Tribunal a quo obstou à produção da competente prova, proferindo, em momento precoce, sentença. W. Ao fazê-lo, violou o Princípio do Inquisitório, porquanto tem o Tribunal o poder dever de promover a respetiva produção de prova atinente à descoberta cabal da verdade material, tal qual assim o determina os artigos 6.º, n.º 1 e 411.º, ambos do CPC. X. No caso subjudice, tendo a Recorrente se proposto a demonstrar a factualização do termo e sua veracidade – indicando prova para o efeito – impunha-se, pois, a determinação e realização da mesma e, não tendo o Tribunal Recorrido promovido em conformidade, violou, assim, o disposto nos artigos 411.º e 6.º, n.º 1, ambos do CPC, o que só poderá determinar o prosseguimento dos autos, nomeadamente dando lugar à fase da instrução da causa e consequente produção de prova. ...AA. Sem prescindir, verifica-se uma errada interpretação dos supra citados normativos legais, porquanto, e desde logo, entendeu o Tribunal Recorrido que “não se afigura Nos termos do artigo 615.º, n.º 1, als. d) e e) do CPC que a ré tenha cumprido o dever de indicar o motivo justificativo para contratar o autor por um prazo inicial de 6 meses, para exercer as funções de Carteiro no CDP de ...”, afirmando a existência de uma “linguagem hermética e vaga, de difícil compreensão para a generalidade dos cidadãos, sem especiais conhecimentos na gestão da actividade da ré, como será o caso do autor ”. BB. Desde logo, não alcança a Recorrente o facto de se trazer à colação matéria não invocada nestes autos – como o alegado declínio demográfico – com dados referentes há mais de 10 anos. CC. De qualquer modo, não está a densidade populacional estritamente relacionada com o aumento de atividade, mas sim os seus hábitos de consumo, pelo que só poderá ser desconsiderada tal referência, que – reitere-se – não se alcança. DD. Já quanto à linguagem utilizada, é a mesma clara e cristalina,... ..FF. Na verdade, de uma simples análise ao referido termo, resulta expressamente previsto os seguintes factos que motivam a contratação do A.: i) Aumento de atividade na rede base e do tráfego total de correio relativo ao primeiro trimestre de 2023 (janeiro – março); ii) Crescimento estimado no mínimo de 4,8% face ao budget previsto (em todos os estabelecimentos); iii) Crescimento do correio de serviço expresso EMS (60% face ao período antes da pandemia (2019) e 18,1% face ao período pandémico (2020-2022)); iv) aumento quantitativo das encomendas, o que determina mais tempo de entrega e tratamento; constitui aumento do volume e do peso; determina a afetação de mais trabalhadores - diferencial de cerca de 13%; v) Faz prever que o aumento perdure 6 a 9 meses (frágil suporte da informação de mercado e análise dos hábitos de consumo). ...HH. São expressas, concretas e objetivas as referências necessárias ao preenchimento do termo aposto e seu motivo justificativo, avançando-se com dados concretos, susceptíveis de sindicância, que permitam justificar essa análise da evolução da procura, contrariamente ao alegado pelo Tribunal Recorrido, e conforme a Recorrente se propôs a provar em julgamento. II. Não se olvide aqui, por pertinente, todas as preocupações e circunstâncias que o próprio termo espelha, nomeadamente o juízo de prognose realizado com base nos dados disponibilizados em 2023, comparativamente com o período pré pandémico e pandémico. JJ. Tratando-se de um fenómeno – pandemia - sem precedente e excecional, é comumente sabido que também ele determinou e conduziu a uma causa excecional com um anómalo impacto na sociedade e, bem assim, em todos os setores de atividade. ..NN. A acrescer, resulta assim à saciedade que o aumento de atividade foi excecional e teve caráter transitório (atendendo, aliás, à excecionalidade que lhe deu causa). OO. ... situações de excecionalidade, como a que se verificou de forma uniformizada em todos os estabelecimentos da Empresa, aqui se incluindo o CDP ... ..., sendo vital a essencialidade do regular e adequado desenvolvimento da atividade da Recorrente, transversal a todos os setores (públicos e privados) que dele dependem. PP. Assim, para fazer face a tal aumento excecional – enquadrado numa evidente necessidade temporária – impôs-se a celebração do contrato de trabalho em referência, cujo vínculo só podia ter caráter temporário e transitório, pois que, o acréscimo verificado (resultante da criação de uma nova tendência de mercado – encomendas – cujo fluxo ainda não se encontrava estabilizado), não constituía um mero pico de volume de serviço regular e sazonal – como seja, por exemplo, os saldos, a época natalícia, o regresso às aulas,…. QQ. Face à realidade sentida, a gestão rigorosa a que a Recorrente está diariamente adstrita determina sejam criados e executados procedimentos internos específicos, no âmbito da livre iniciativa económica, por forma a tornar os seus recursos adequados e proporcionais às necessidades (definitivas ou temporárias) da empresa (vide artigo 61.º, n.º 1 da CRP), não sendo exigível à Recorrente uma partilha mais alargada do que a que já realiza na identificação do termo aposto.35 ....VV. ... deverá o Venerando Tribunal revogar a sentença proferida e, em consequência: i) Julgar procedente, por provadas, as nulidades da sentença nos termos supra invocados, com as inerentes consequências legais; Sem prescindir, caso assim não se entenda; ii) Concluir pela procedência da impugnação da matéria de facto e de direito, nos termos supra expostos e, consequentemente, pela regularidade e licitude do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre A. e R., com as inerentes consequências legais, ou, caso assim não se entenda, determinar o prosseguimento dos autos, para a realização da respetiva produção de prova, com as inerentes consequências legais. Termos em que se requer V/ Exa. se digne ordenar a imediata revogação da sentença proferida, sendo esta substituída por decisão nos termos supra expostos... CONTRA-ALEGAÇÕES- sustenta-se que a decisão não está afectada de nulidades e que o recurso deve ser julgado improcedente. PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO – sustenta a manutenção da decisão recorrida. RESPOSTAS AO PARECER- o autor adere ao parecer. O recurso foi apreciado em conferência – art.s 657º, 2, 659º, do CPC. QUESTÕES A DECIDIR[1]: nulidades de sentença; nulidade do termo aposto nos contratos de trabalho a termo certo. II. FUNDAMENTAÇÃO A) FACTOS Foram julgados provados os seguintes factos: 1. A ré possui como objecto social: “a) Assegurar o estabelecimento, gestão e exploração das infra-estruturas e do serviço público de correios; b) A prestação de serviços de logística, de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem, de actividades relacionadas com sistemas de segurança, de consultoria informática, de processamento de dados, domiciliação de informação, e outras actividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática, bem como o exercício de quaisquer actividades que sejam complementares, subsidiárias ou acessórias das referidas na alínea anterior, bem como de comercialização de bens ou de prestação de serviços por conta própria ou de terceiros, desde que convenientes ou compatíveis com a normal exploração da rede pública de correios, designadamente a prestação de serviços da sociedade de informação, redes e serviços de comunicações electrónicas, incluindo recursos e serviços conexos; c) A prestação de serviços financeiros, os quais incluirão a transferência de fundos através de contas correntes e que podem também vir a ser exploradas por um operador financeiro ou entidade parabancária a constituir na dependência desta sociedade, bem como a actividade de mediação de seguros na venda de apólices de seguros e resseguros”. 2. O autor e a ré subscreveram um documento, datado de 06/06/2023, denominado “Contrato de Trabalho a Termo Certo”, (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), do qual resulta, no que ora releva: 3. A ré pagou à autora os quantitativos apostos no recibo da ref. n.º ...83 (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), os quais perfazem o valor global de €328,16. * B) ENQUADRAMENTO JURÍDICONULIDADES DA SENTENÇA Quanto à falta de audiência prévia, violação do principio do contraditório, necessidade de produção de provas: Refere a recorrente que o senhor juiz não poderia decidir a acção no despacho saneador sem realizar previamente audiência prévia e facultar às partes a discussão de facto e de direito; ou pelo menos ouvir as partes em cumprimento do princípio do contraditório sendo proferida decisão surpresa; sem lhe proporcionar a produção de prova sobre a questão do “acréscimo temporário de actividade”, pelo que ocorre nulidade- art.s 3º, 3, 6º, 547º e 591º, 1, al. b), 615º, 1, d), CPC. Segundo o disposto no art. 615º, d), CPC a sentença é nula quando o juiz conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. A norma conexiona-se com outras, mormente com a que refere que o “juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”- 608º, 2, CPC. Trata-se de um vício instrumental no modo de proceder e não de um mal julgado sobre o fundo/mérito da questão. É pacífico que as “questões” são a causa de pedir e pedido invocado pelo autor e as excepções arguidas pelo réu, e não a retórica ou argumentos das partes, na medida em que o julgador é livre na interpretação de direito- 5º CPC. Contudo, parte da jurisprudência tem estendido o conceito de modo a abranger as chamadas “decisões surpresa”, por violação do princípio do contraditório quando o tribunal decide com base em institutos/regimes que não foram equacionados pelas partes e não lhes foi dada a possibilidade de, sobre eles, se pronunciarem, mormente em audiência prévia ou através de simples requerimento (3º, 3, CPC.), posição largamente disseminada nas secções cíveis desta RG. A patologia, que começou por ser uma nulidade processual (“prática de um ato que a lei não admita ou omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva”- 195º CPC), caso se lhe siga uma decisão de mérito, acaba por nela se projectar e por a contaminar, vício que fica assim como que consumido. Pelo que em última análise, há nulidade da decisão/sentença por excesso de pronuncia, por se ter decidido de questões “de que não podia tomar conhecimento”. No sentido de o ter sido antes de, para o efeito, estarem reunidas as necessárias condições, abrangendo-se situações de falta de audição das partes e/ou omissão de diligências destinada a esse efeito (audiência prévia ou de julgamento, oferecimento de provas, etc) - 615, 1,d, CPC.- ac. RG de 20-05-2024, p. 7 53/21.2T8VVD.G2 onde se faz um resumo dos vários entendimentos[2]. Feito o rápido enquadramento da patologia, passando então ao cerne da questão sobre a análise da obrigatoriedade de marcação de audiência prévia: A tramitação laboral observa regras próprias, distintas do processo civil relativamente ao ponto ora questionado de possibilidade de decisão de mérito no despacho saneador sem prévia marcação de audiência prévia. Na verdade, findos os articulados, se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir sem necessidade de mais provas, pode o juiz decidir total ou parcialmente do mérito da causa - 61º, 2, CPT e 595º, 1, b, CPC. Coerentemente, e assim sendo, a audiência prévia só é convocada “quando a complexidade da causa o justifique” - 62º, 1, CPT. Ou seja, ao contrário do que a recorrente parece entender, no processo laboral não há obrigatoriedade de marcação de audiência prévia, pelo que não há violação de norma legal. Ademais, o senhor juiz entendeu que a causa não tinha complexidade para marcar audiência prévia, com o que concordamos, sendo a questão dos autos, relacionada à nulidade do termo por vaguidade do motivo e falta de conexão com o prazo escolhido, das mais correntes e debatidas na jurisprudência (à frente a questão merecerá maior desenvolvimento). Não se trata de questão inovadora, diferente, complexa, com nuances próprias, que justifique a convocação e deslocação ao tribunal das partes, em consumo de tempo e meios a todos os intervenientes. Ademais, já teve lugar audiência de partes, onde a ré poderia ter invocado o que entendesse. Quanto à violação do princípio do contraditório e decisão surpresa, bem como da necessidade de prosseguimento para produção de prova: A violação do princípio do contraditório (3º, 3, CPC) e a denominada “decisão surpresa” que a inquina de invalidade tem sido equacionada por certo sector da jurisprudência, com a qual nos identificamos, para casos em que a parte se vê surpreendida com uma decisão judicial “fora do padrão”, inesperada e com a qual, utilizando uma diligência normal, não poderia contar. Por exemplo quando se aplica, de modo singular ou inovador, uma solução jurídica nunca equacionada ou debatido pelas partes (embora a decisão surpresa possa respeitar também ao aspecto processual da causa se se omitir uma diligência). Conquanto o juiz seja livre no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (5º, 3, CPC) e haja assuntos de conhecimento oficioso, às partes deve ser proporcionado a oportunidade de se pronunciarem sobre questões de direito ou de facto que sejam fundamento inusitado, imprevisto ou não expectável da decisão - ac. RG de 2-05-2024, p. 753/21.2T8VVD.G2, www.dgsi.pt De modo algum o preceito e o principio podem ser entendidos como uma imposição de o juiz ouvir as partes sempre que se prepara para decidir, sob pena de desresponsabilização dos litigantes e entorpecimento da justiça, além da ineficiência processual. A tramitação processual regula os momentos e peças onde as partes podem e devem oportunamente expor os seus argumentos. A audição fora dos pertinentes marcos (petição inicial, contestação, resposta, etc) só se justifica nos casos, cremos que excepcionais, em que o juiz enverede por caminhos que uma parte diligente não poderia prever. O uso do “contraditório”, note-se, não se destina a colmatar a situação inversa de falta de diligência da parte, que deve contar e antever os cenários possíveis. Mais, como aludimos, não se pode esquecer que o processo laboral comporta obrigatoriamente, logo após a apresentação de petição inicial, uma audiência de partes onde o réu poderá responder aos fundamentos de facto e de direito da acção. Veja-se que se acção tiver de prosseguir é, inclusive, logo marcada audiência final o que ainda mais acentua que a audiência prévia não é o padrão normal do processo laboral, norteado por princípios de celeridade - 54º, 2, 55º, 56º, CPT. No caso dos autos estava em causa a validade: (i) formal e (ii) material do termo aposto no contrato de trabalho. Lida a sentença constata-se que a mesma declarou a nulidade do termo aposto no contrato de trabalho por nele não constarem, nem os factos concretos que o justifica, nem os que permitam correlacionar o motivo com o prazo. Ou seja, declarou a existência de um vício de forma, questão a montante da veracidade do motivo que respeita à validade substancial. Recorda-se que o contrato de trabalho a termo está sujeito a forma escrita e tem de conter o termo estipulado, o respetivo motivo justificativo com menção expressa dos factos que o integram, devendo, ainda, estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado -141º, 1, e), 3, CT 2009[3]. A omissão ou insuficiência de redução a escrito das referências ao termo e ao motivo justificativo, constituindo formalidade ad substantiam, tem por consequência que o contrato de trabalho se considere sem termo (em decorrência da nulidade do prazo) - 147º, 1, c), CT. Como referimos, não estamos perante uma questão nova, nem o senhor juiz de modo algum enveredou por uma solução jurídica inédita. Ao invés, podemos dizer que corresponde àquilo que tem sido a jurisprudência constante dos tribunais superiores, que têm declarado a nulidade formal do termo do contrato de trabalho, por falta de concretização do termo e de conexão deste com o motivo, inclusive sem necessidade de prosseguimento para apuramento de factos. Senão veja-se desta RG: Acórdão de 4-02-2021, p. 44/20.3T8BCL-A.G1 ( Sumário “ No contrato de trabalho a termo têm de constar os factos que justificam a aposição do termo, o que não acontece quando o documento escrito é absolutamente omisso sobre as respectivas razões. II - Esta formalidade tem natureza ad substantiam, o que significa que a sua preterição não pode ser suprida, em tribunal e em julgamento, por qualquer outra prova. Assim, é permitido conhecer do mérito da questão no despacho saneador.”; - Acórdão de 25-09-2025, p.1600/24.9T8VRL.G1; - Acórdão de 23-01-2025, p.1538/24.0T8VRL.G1 (“A razão justificativa do termo deve ser identificada no texto do contrato, mediante a menção a concretização de factos que permitam perceber o motivo da contratação e sindicar a respetiva veracidade. Assim, o motivo não pode ser vago ou obscuro, nem pode limitar-se à transcrição das fórmulas legais, nem ao uso de expressões abstratas que possa ser aplicável a uma generalidade de situações e pessoas, ou seja, do texto do contrato deve transparecer de forma clara o motivo pelo qual foi o trabalhador contratado a termo.”); Acórdão de 2-02-2023, p. 1422/21.9T8GMR.G1, de 15-06-2021, p. 1478/19.4T8B (“1. A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, cuja falta implica a nulidade da estipulação de termo.”); Acórdão de 3-02-2022 p. 2641/20.0T8BTG.G1; Acórdão de 26-09-2019, p. 6419/18.3T8VNF.G1, entre muitos outros. Ainda, da RE: Acórdão de 10-07-2025, p. 367/24.5T8SNS.E1 (“ Será sempre em face dos factos justificativos que se mostram apostos no termo que se terá de apreciar da veracidade dos mesmos e da sua adequação à necessidade de celebração de um contrato a termo, uma vez que estamos perante uma formalidade ad substantiam, cabendo esse ónus da prova à entidade empregadora.”); Acórdão de 10-07-2025, e p. 353/24.5T8SNS.E1 ; Acórdão de 25-06-2025, p 16/24.7T8PTG.E1 (“1. A cláusula de motivação do termo aposto ao contrato de trabalho tem por função permitir a verificação externa da conformidade da situação concreta com uma efectiva necessidade temporária da empresa, bem como a sua adequação face à duração estipulada.2. A entidade patronal não pode suprir insuficiências na motivação do termo com recurso a outros factos não transcritos no contrato, pois está em causa uma formalidade ad substantiam.3. A cláusula de motivação deve estabelecer o nexo causal entre a justificação invocada e o termo aposto ao contrato.4. Não cumpre essa exigência a cláusula que afirma que o contrato é celebrado a termo incerto e terá o seu fim quando regressar a trabalhadora em licença sem retribuição, pois não basta dizer que a trabalhadora é contratada para substituir outra trabalhadora, é necessário justificar o porquê desse facto impor a aposição de um termo incerto ao contrato de trabalho.”); Agora da RL: Acórdão de 25-05-2022, p. 27042/20.7T8LSB.L1-4 (“V– Para que se possa afirmar a validade do termo resolutivo aposto ao contrato de trabalho é necessário que se explicitem no seu texto factos recondutíveis a um motivo justificativo da estipulação do termo e que tais factos tenham correspondência com a realidade. VI– A suficiente explicitação no documento que titula o vínculo do motivo justificativo da contratação laboral a termo integra uma formalidade “ad substantiam”.”); Finalmente da RP Acórdão de 7-11-2022 p. 8 47/20.1T8MAI.P1 e da RC de Acórdão 9-02-2017 p. 995/15.0T8LMG.C. * Bem se vê das menções acima feitas que, nem foi proferida uma “decisão surpresa”, nem há necessidade de produção de prova em audiência de julgamento porque a operação de controlo da validade formal do termo aposto no contrato basta-se e, aliás, afere-se unicamente com base no documento escrito, o contrato cuja autenticidade não foi posta em causa, consequentemente era lícito ao senhor juiz decidir do pedido.Pelo exposto, improcedem a arguição de nulidades com tais fundamentos. * Nulidades de sentença por excesso de pronúncia e por condenação em objeto diverso do pedido - 615º, 1, al. d), e), CPC.Refere a recorrente que o recorrido/autor sustentou a nulidade do termo no disposto no artigo 147º, 1, al. a) do CT (iludir as disposições legais que regulam o contrato sem termo) e que, distintamente do invocado, o tribunal a quo apreciou e decidiu a presente ação, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, al. c) do CT (falta de concretização do motivo justificativo). Ora, face ao princípio do pedido não poderia a sentença concluir pela nulidade do termo, com base noutra alínea, motivo pelo qual a sentença é nula por excesso de pronúncia e por condenar em objeto diverso do pedido - 615º, 1, al. d), e), CPC. Analisando: O senhor juiz pronunciou-se em termos absolutamente adequados sobre a improcedência desta vertente de nulidade, os quais subscrevemos inteiramente. Em suma refere-se que, além de o autor invocar vários fundamentos - entre os quais a falta de concretização do termo e da conexão como o motivo-, o juiz é livre na qualificação jurídica dos factos. Ainda assim, diga-se: Segundo o artigo 615º, 1, por remissão do artigo 666, do CPC, é nulo o acórdão quando “d) o juiz ...conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Repisa-se que o excesso de pronúncia refere-se a “questões” que não são os argumentos e retórica das partes, mas sim os pedidos deduzidos, causas de pedir e excepções (STJ, acórdãos de 13-01-2005, 12-05-2005 e 6-11-2019, www.dgsi.pt.) O juiz terá apenas de se ater aos factos-jurídicos, sem prejuízo da livre apreciação do direito ( “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”5º, 3, CPC. Assim, desde que se mova no quadro dos factos essenciais invocados pelas partes (o que decorre do princípio do dispositivo), o juiz não está vinculado à norma invocada pela parte. Não é pelo facto de a parte mencionar uma alínea de um artigo (é disso que aqui se trata) que o juiz não pode aplicar uma diferente, se entender que outra cobre a situação, conquanto os factos sejam os alegados pelas partes (“Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas.”- 5º, 1, CPC). Quanto à outra nulidade invocada, segundo o artigo 615º/1, CPC, é nula se sentença quando “…e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.” Esta disposição relaciona-se com uma outra, a saber, o artigo 609º/1, CPC, que estipula: ”A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir” As normas são, sobretudo, informadas pelo princípio do dispositivo segundo o qual compete às partes escolher a tutela ou providência que pretendem, e não ao juiz. No caso nenhuma das nulidades se tem por verificada. Não há excesso de pronúncia, nem condenação em objecto diverso, porque: ( i ) Em primeiro lugar, o próprio autor na petição inicial não se limitou a invocar a falsidade do termo (invalidade substancial), mas arguiu também a sua nulidade formal do motivo de “acréscimo excepcional de actividade”, referindo que a ré se limitar a empregar conclusões, que no essencial reproduziu a fórmula legal, que utilizou um termo geral e abstracto, não se percebendo o motivo invocado, nem se conseguindo estabelecer a ligação entre o motivo e o termo, tudo conforme pontos da petição inicial nºs 16º a 21º, 26º. O que bastaria para afastar nulidade, pois esta é uma das causas de pedir invocadas (o facto-jurídico), na qual o juiz a quo se moveu; (ii) em segundo lugar, porque, nos termos acima referidos, o juiz não está sujeito ao direito invocado pelas partes, conquanto respeite a causa de pedir invocada pelo autor; ( iii ) O juiz a quo condenou nos precisos termos da pretensão deduzida pelo autor: declarando o contrato sem termo; declarando que a comunicação de caducidade equivalia a despedimento ilícito; condenando a Ré a reintegrar o Autor e a pagar as retribuições intercalares, pelo que não se compreende esta invocação. Ainda que houvesse “excesso de pronúncia” no sentido acima referido, tal não significava que, como que por contaminação, houve também outra nulidade por “condenação em objecto diverso”, sendo os vícios distintos. Improcedem assim as arguições de nulidade. *** VALIDADE FORMAL DO TERMOSustenta a recorrente que o termo aposto no contrato está conforme à lei e que corresponde à verdade, tendo-lhe sido coartada a possibilidade de o provar. Como mencionado, o que motivou o juiz a quo a declarar a nulidade do termo aposto no contrato foram razões atinente à sua validade formal e não à sua validade substancial (veracidade). A análise da primeira questão precede a segunda. Começa-se por se aferir se o motivo, e a conexão com o prazo escolhido, estão suficientemente concretizados no texto do contrato e só depois de identificados se passa para a confirmação da sua veracidade. Também por essa razão, como referimos, não importa a esta análise a matéria que a ré pretendia aditar. A decisão recorrida considerou, em suma, que das cláusulas do contrato não resulta suficientemente cumprido o ónus de justificação imposto pela lei, porque é utilizada linguagem hermética, vaga, de difícil compreensão para a generalidade dos cidadãos, não se alcançando o motivo do alegado aumento de serviço, nem porque só durará o período indicado e se verificará naquela zona do país (...), sem que tenha avançado quaisquer dados concretos, susceptíveis de sindicância. * Concorda-se com a sentença.Relembramos o carácter excepcional da contratação a termo e a imperatividade do seu regime que, de todo, não pode ser afastado por vontade das partes e que apenas em aspectos restritos o pode ser por instrumento de regulamentação colectiva -139º CT. A opção do legislador visa a estabilidade e segurança no emprego, princípios que gozam de protecção constitucional e internacional. A contratação a termo significa precaridade laboral que, por atentar contra tais valores, só se justificará em estritos casos de necessidades temporárias - 53º CRP, Convenção nº 156 da OIT e Directiva 1999/70/CE do Conselho de 28/60/1999. Numa outra vertente, a contratação a termo, fora do circunstancialismo que a justifica, ao permitir o fim do contrato sem invocação de causa, colide com a proibição do despedimento que requer um motivo válido para a cessação do contrato. O regime legal do contrato a termo é, assim, restritivo. A lei fixa quer os requisitos materiais em que é legítimo contratar a termo, circunscritos a fundamentos específicos e objectivos, quer o formalismo negocial a observar pelas partes, mormente a forma escrita com menção obrigatória de elementos considerados essenciais ligados a esta figura. A violação dos requisitos substanciais e formais, por regra, tem sempre a mesma consequência que é a conversão do contrato em indeterminado – 140º e 141º, CT. * Os referidos requisitos materiais concentram-se numa cláusula geral que restringe a contratação a termo à “necessidade temporária da empresa”[4]. Refere a lei que só é admissível a contratação quando esta se destina à” …satisfação de necessidades temporárias, objetivamente definidas pela entidade empregadora e apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades” - 140º, 1, CT. A cláusula geral é depois concretizada na lei através de casos exemplificativos, que ajudam a compreender e integrar o conceito de “necessidades temporárias” – nº 2 e 3, do art. 140º, CT Os exemplos distinguem diversas situações de contratação a termo que podem ser subsumíveis a “necessidades temporárias”: as ligadas à necessidade de substituição de trabalhadores (al.s a) a d), 140º, 2, CT); as ligadas a actividades sazonais ou cíclicas geradoras de acréscimos de actividade em épocas específicas e previsíveis (al.e), 140º, 2, CT); as ligadas a “acréscimo excepcional da actividade da empresa”, de carácter anómalo (al. f, 140º, 2, CT); as ligadas a “execução de tarefa ocasional ou serviço determinado, definido e não duradouro” (al. g), 140º, 2, CT); as ligadas a “execução de obra, projecto ou outra actividade definida e temporária” (al. h), 140º, 2, CT). A prova destes factos que justificam a contratação a termo cabe ao empregador – 140º, 5, CT. Os já referidos requisitos de ordem formal (forma escrita, indicação do termo e do motivo justificativo) exigem a sua indicação no texto do contrato, mediante menção expressa e concretizada de factos que permitam ao trabalhador, à ACT e ao tribunal, primeiro, perceber o motivo da contratação, e, segundo, sindicar a respectiva veracidade. O motivo não pode ser vago ou obscuro, nem pode limitar-se à transcrição das fórmulas legais, nem ao uso de expressões abstractas e não sindicáveis. Em suma, do texto tem de transparecer com suficiente clareza porque motivo foi o trabalhador contratado só por um determinado período de tempo e não segundo o regime geral de contrato indeterminado - 141º, 1, e), 3, CT. Como se disse, caso se “omitam ou sejam insuficientes as referências ao termo e ao motivo justificativo”, o contrato de trabalho considera-se sem termo – 141º, 1, f), 3, CT. 147º, 1, c), CT. Como referimos a propósito das nulidades de sentença, a indicação concreta do motivo justificativo do termo e da relação entre este e o termo estipulado constituem uma formalidade “ad substantiam”, pelo que a sua insuficiência não pode ser suprida por outros meios de prova. Somente podem ser atendidos os factos expressos no texto do contrato de trabalho para aferir da validade do termo e do estabelecimento do nexo causal para a celebração daquele contrato durante aquele concreto período de tempo – STJ, acórdãos: de 18-06-2008, proc. JSTJ000; de 2-12-2013, proc. 273/12.6T4AVR.C1.S1; de 6-03-2019, proc. 10354/17.4T8SNT.L1.S1; de 29-11-2022,proc. 9333/21.1T8LSB.L1.S1. Verificado que esteja o motivo suficientemente concretizado, é ainda preciso que a justificação se enquadre na previsão legal da contratação a termo, mormente destinar-se à “satisfação de necessidades temporárias e pelo tempo estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”, pois, se assim não for, o contrato de trabalho considera-se igualmente sem termo - 147º, 1, b), 140º, 1, CT. * No caso concreto, a “justificação” do termo consta da cláusula 4ª do contrato de trabalho. Esta subdivide-se em 5 pontos, dos quais fazemos a seguinte leitura: No ponto 1 invoca-se abstractamente o motivo que fundamenta a celebração do contrato com termo de 6 meses, a saber “necessidades temporárias da empresa”. Reproduz-se depois a fórmula legal “artigo 140º, nºs 1 e nº 2, alínea f), do Código do Trabalho” e ”acréscimo excepcional de actividade de tratamento e distribuição do correio”, sendo que esta é a normal actividade da ré. No ponto 2 afirma-se um “aumento da actividade da empresa” em moldes completamente herméticos, inextrincáveis, nada compreensíveis, fazendo-se comparação com períodos já longínquos como o pré-pandémico, não se apresentando dados concretos sobre volume de serviço, e reportando toda uma realidade nacional e não o concreto posto de trabalho que o autor ocupa. O ponto 3 está pejado de expressões abstractas, conclusivas, dele apenas se colhendo de útil que a ré “tem sérias dificuldades de avaliação” e que não consegue fazer “estimativas seguras sobre a evolução futura”, ou seja, ela própria reconhece que nada de concreto tem para apresentar sobre o alegado acréscimo excepcional da actividade da empresa. Dos pontos 4 e 5 não encontramos mais do que um rodopiar de expressões abstratas e conclusivas, que em concreto nada adiantam, tais como : “normal imprevisibilidade incerteza e oscilações do mercado”, “circunstâncias especiais de natureza pontual, provavelmente resultantes do impacto a longo prazo dos últimos acontecimentos de índole económica, social e geopolítica”, “duração contingental garantidamente limitada no tempo, embora de determinação ainda desconhecida”, só para citar alguns. Se é certo que a ré dedica vários longos parágrafos a justificar o termo, não é por se escrever muito que se diz mais. As menções dos contratos, conquanto extensas (veja-se os pontos provados), são vazias em factos, cingindo-se à utilização de termos gerais e abstractos e à reprodução de fórmulas legais ou conclusivas, mormente “acréscimo excepcional da actividade da empresa”. Do texto não transparece para um declaratário normal, incluindo para o tribunal na sua actividade de sindicância, qual seja o facto que explica a contratação a termo. Muito menos estão suficientemente detalhados no texto do acordo factos que liguem o motivo do contrato ao seu tempo de vigência, não se percebendo a causalidade que entre ambos possa existir, não obstante ser exigível que tal emerja da simples leitura e apreciação formal das cláusulas contratuais. Ainda quanto ao “acréscimo excepcional da actividade da empresa”, além da insuficiência de factos capazes de fazerem entender a razão concreta da contratação a termo, sempre se diga que a expressão tem em vista flutuações quantitativas de carácter anómalo, portanto não previsíveis, e sempre de natureza temporária. Só poderemos falar neste acréscimo excecional se o pico contrastar com o nível normal de atividade e se for temporário – Joana Nunes Vicente, “Modalidades de Contrato de Trabalho”, in Direito do Trabalho, João Leal Amado e outros, Direito do Trabalho, 2019, Almedina, p. 372 e 373. Dizer que o acréscimo de actividade tem de ser “excepcional” é excluir os simples aumentos de procura conaturais a uma actividade comercial que nunca é garantida. Terá de ser um aumento de dimensões muito acima do nível habitual de produção – Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de direito do Trabalho, Parte IV, Contratos e Regimes Especiais, 2019, Almedina, p. 80 e 81. Ora, nenhum facto consta do contrato para se entender o motivo pelo qual neste sentido há acréscimo de actividade. Em suma, o termo inserido no contrato de trabalho é inválido por vício de forma, convertendo-se, por isso, o contrato em indeterminado. A sua cessação por acto unilateral da ré, com invocação de caducidade, equivale a despedimento. Nada há a censurar à sentença. III. DECISÃO Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida. Custas a cargo da recorrente. Notifique. 20-11-2025 Maria Leonor Barroso (relatora) Vera Sottomayor Francisco Sousa Pereira. [1] Segundo os artigos 635º/4, e 639º e 640º do CPC, o âmbito do recurso é balizado pelas conclusões do/s recorrente/s salvo as questões de natureza oficiosa. [2] Dependendo do modo como é arguida, ainda segundo outra jurisprudência, estaríamos perante uma nulidade processual (195º, 1, CPC), admitindo-se a sua arguição em recurso quando o alegado vício seja detectado com a notificação da decisão da qual se recorre por razões mais abrangentes e prevenindo-se a improcedência da nulidade (razão de economia), o que seria o caso dos autos, e sempre originaria que o tribunal ad quem decidisse a nulidade, pelo que se revelam estéreis maiores desenvolvimentos. [3] Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro, com as sucessivas alterações. [4] Deixamos de fora as situações específicas do n. 4, do art. 140º, CT que irrelevam ao caso (lançamento de novas actividades, 1º emprego e desemprego de longa duração), nem sequer foram invocadas pela parte. |