Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1056/05.5TBFAF.G2
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: INVENTÁRIO
RELAÇÃO DE BENS
CONTA BANCÁRIA
OCULTAÇÃO DE BENS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária quando duas ou mais pessoas sejam chamadas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que pertenciam a esta.

II - A relação de bens, por sua vez, destina-se a dar a conhecer aos herdeiros o objecto da sucessão, ou seja, o conjunto de bens que integravam o património do de cujus.

III – Deve ser levado à relação de bens o saldo de duas contas bancárias, ainda que solidárias, cujos titulares eram o de cujus e o cônjuge sobrevivo, e que uma das filhas de ambos, autorizada a movimentar as contas, levantou, duas horas e meia antes da hora em que foi declarada a morte daquele, depositando numa conta poupança, da qual ela prória e outra sua irmã eram as únicas titulares, todo o dinheiro que levantara das supramencionadas contas.

IV – Visando a partilha atribuir a cada um dos herdeiros o que lhe cabe, jure hereditatis, do património deixado pelo autor da herança na parte em que este, enquanto vivo, não dispôs válida e eficazmente, todos eles estão obrigados a partilhar com os demais os seus conhecimentos sobre a existência dos bens que compõem a herança, e de tudo quanto possa concorrer para o apuramento da sua situação, não lhes sendo lícito ocultá-los.

V – Age com a intenção de ocultar dos demais herdeiros, evitando que entre em partilha, o herdeiro que, estando autorizado a movimentar as contas bancárias do inventariado, duas horas e meia antes dele falecer, procede ao levantamento dos saldos de duas das contas, encerrando-as, e deposita o dinheiro levantado numa conta poupança, da qual é o único titular, e ao longo de todo o processo de inventário (e mesmo na acção declarativa para a qual foram remetidos os interessados) toma uma atitude de total negação da existência do referido dinheiro, de encobrimento absoluto das operações bancárias que efectuou, movendo oposição a todas as diligências, designadamente junto dos Bancos, que visavam averiguar da existência de contas bancárias e do respectivo saldo à data do óbito do inventariado, invocando o sigilo bancário, e recorrendo dos despachos que as ordenaram, e mesmo quando, obtida a informação, do Banco, da existência das referidas duas contas bancárias e do respectivo saldo, do levantamento efectuado, do encerramento dessas contas, da hora em que ocorreu o levantamento, e do destino dado ao valor dos saldos, vêm alegar que o saldo era nulo quando o inventariado faleceu.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- Foi requerido o presente inventário para partilha da herança deixada pelo inventariado José, falecido às 15:55 minutos do dia 23/04/2003, no estado de casado com O. R., tendo ambos os seguintes filhos:

- A. C., solteira, maior;
- I. C., casada com F. W.; e
- Maria, solteira, maior.

Tendo, entretanto, falecido aquela O. R., no dia 25/09/2011, foi deferida a cumulação de inventários, para partilha da herança deixada por esta.

A Inventariada deixou como Herdeiros, para além das três acima referidas, ainda A. M., casada com J. M..
Exerceu o cargo de cabeça-de-casal a herdeira A. C., a qual, por despacho proferido nos autos, confirmado pelo acórdão desta Relação de 11/02/2016, foi removida do cargo.

Quando o Inventário ainda corria para partilha da herança do Inventariado, a herdeira I. C. reclamou da relação de bens acusando, dentre outros, a falta de relacionação da quantia em dinheiro no montante de € 150.000,00, que aquele possuía em contas bancárias, cuja existência a cabeça-de-casal negou. Os interessados foram remetidos para os meios comuns, vindo a ser decidido absolver as herdeiras A. C. e Maria do pedido de condenação a restituírem à herança a referida quantia.

Posteriormente, e já após a cumulação dos Inventários, a herdeira A. M. reclamou da relação de bens, acusando a falta de relacionação de um prédio rústico e alegando ser do seu conhecimento que existia em depósito na Banco A e no “Banco B” quantia superior àquela que foi relacionada.
Respondeu a cabeça-de-casal alegando ter relacionado todo o dinheiro pertença da herança e invocando o caso julgado.

Por acórdão desta Relação de 30/01/2014 foi julgada improcedente a excepção de caso julgado e foi ordenado que se solicitasse ao Banco A informação sobre os termos dos levantamentos dos saldos das duas contas ali referidas, efectuados em 23/04/2003 (no dia do decesso do Inventariado).
Recebidas as informações, foi proferido despacho que ordenou fossem relacionados os referidos saldos, no valor total de € 141.291,49.

E, na sequência daquele despacho, foi proferida decisão que, nos termos do art.º 2096.º do C.C., declarou “a sonegação de bens, nomeadamente, da quantia de € 141.291,49, pelas interessadas Maria e A. C., declarando, em consequência, a perda do direito de tais interessadas, à sua quota-parte de tal quantia, em benefício dos co-herdeiros”.
Os autos prosseguiram os seus termos e, organizado o mapa de partilha, foi proferida sentença que homologou a partilha.

Inconformadas, trazem aquelas Herdeiras o presente recurso pedindo que sejam “revogadas a sentença que homologou a partilha e as decisões que declaram as recorrentes como Sonegadoras e a decisão que mandou incluir na relação de bens os montantes que existiam nas contas antes da morte do primeiro inventariado, ordenando a anulação do processo desde a decisão sobre a reclamação de bens”.

Contra-alegaram as outras duas Herdeiras propugnando para que se mantenham as decisões impugnadas.
O recurso foi recebido como de apelação, com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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II.- As Apelantes fundam o recurso nas seguintes conclusões:

a) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida a fls. dos autos que homologou a partilha constante do mapa de fls. 1137 a 1144, adjudicando aos interessados os respectivos quinhões, e ainda dos despachos de fls. que decidiu a reclamação à relação de bens e de fls. que decidiu existir sonegação de bens no inventário e consequentemente aplicou a sanção civil de perda do direito das interessadas, aqui recorrentes, à sua quota-parte da quantia em causa em benefício dos co-herdeiros, despachos estes que influíram directamente na partilha, determinando, erradamente, por um lado a relacionação de bens com acréscimo do acervo hereditário e, por outro lado, que os quinhões dos interessados assumissem uma proporção diferente, no caso, das apeladas, os mesmos são em valor superior ao seu direito.

DA DECISÃO DA RECLAMAÇÃO À RELAÇÃO DE BENS

b) O presente inventário foi instaurado por óbito de José, falecido em 23/04/2003, pelas 11.55 horas, ao qual foi cumulado o inventário por óbito de sua esposa, O. R., falecida em 20/09/2011;
c) Da relação de bens apresentada no inventário cumulado, por óbito de O. R., falecida em 2011, não foram relacionados os montantes que estavam nas contas bancárias, tituladas solidariamente por ambos os inventariados, e que existiam antes do óbito do inventariado José, em 23/04/2003;
d) Tais contas bancárias tinham dois titulares, solidários, que podiam dispor delas, e dos seus valores, individualmente, e que atribuíram mandato às recorrentes, designadamente à recorrente Maria, que com eles viviam, para movimentar as contas e as quantias depositadas, sob as suas orientações;
c) Dada a natureza dos contratos da conta à ordem, solidária, as orientações do exercício do mandato podiam ser dadas por ambos ou por cada um dos titulares das contas;
f) Foi sob a orientação dos mandantes que a Maria movimentou as quantias depositadas para outra conta, titulada pelas recorrentes, para delas poder dispor a favor da anterior titular solidária, sua mãe O. R.;
g) A questão dos referidos montantes, anteriormente depositados, poderem ou deverem ser considerados metade de cada um dos titulares solidários, José e O. R., é questão que não pode ser imputada às recorrentes, que continuaram a agir como mandatárias e representantes da sua mãe O. R., na conta que, embora titulada pelas mandatárias, continuavam a cumprir as ordens do exercício do mandato determinado pela sua mãe, titular solidária das contas que mandou extinguir;
h) Era ónus das reclamantes, e aqui recorridas, alegar e provar que não foi a titular solidária sua mãe que deu destino às quantias que foram levantadas pela mandatária;
i) E que tais quantias existiam na posse da mandatária à data do óbito da mandante O. R.;
j) As reclamantes da relação de bens e recorridas não provaram nem uma coisa e nem outra, limitando-se a indicar, por referência à controversa informação bancária, que os saldos existiam antes do óbito do titular solidário, José;
l) Ora, mesmo que se decidisse que o José não tinha gasto ou ordenado o levantamento dos saldos das contas, antes de falecer;
m) Não se podia ter decidido que tais levantamentos e movimentos não foram ordenados pela titular solidária, O. R.;
n) Na verdade, nenhuma prova foi feita ou sequer alegada nesse sentido;
o) De resto, também não foi alegado nem provado que a titular solidária, O. R., não usou os montantes movimentados, ou que não lhe deu destino;
p) Muito menos foi alegado ou provado que os montantes de metade das quantias, ou de 5/8 de tais quantias, existissem na posse de alguém à data do falecimento da inventariada O. R.;
q) Na verdade, e mesmo esquecendo a titularidade solidária das contas bancárias, o que não é de pequeno relevo jurídico;
r) Existem duas heranças e duas partilhas, por óbito de cada um dos cônjuges, casados em comunhão geral;
s) Sendo que a inventaria O. R. era titular, entre 2003 e 2011 de 5/8 ideais de qualquer bem que fora comum do casal;
t) Por isso, obrigar a então cabeça de casal, e agora recorrente, a relacionar, depois do óbito da meeira e herdeira, as quantias que existiam em conta solidária, antes do óbito do pré-defunto cônjuge, oito (8) anos antes, viola as regras jurídicas do mandato, da titularidade solidária, da legítima do cônjuge e da meação;
u) Além de violar todas as regras do ónus da prova;
v) E que as recorrentes, designadamente a então cabeça de casal e outrora mandatária, alegou o gasto de tais quantias a favor da mandante O. R., e do património comum;
x) Nada sendo alegado ou provado em contrário contra a regra da prova da alegação da prova da reclamação à relação de bens;
z) Sendo ilegal, juridicamente, e por violação das regras do ónus da prova, o despacho que determinou a relacionação, depois do óbito da O. R., em 2011, dos saldos que existiam em contas solidárias antes do falecimento do José, em 2003.

DA DECISÃO DA SONEGAÇÃO DE BENS E EXCLUSÃO DAS RECORRENTES:

aa) Os fundamentos de facto da impugnação da decisão que declara as recorrentes como sonegadoras de bens e as exclui da partilha dos saldos "inexistentes" mas relacionados, como estando na posse das recorrentes, são os já mencionados;
bb) Na verdade, não foi provado que, à data da relação de bens, ou à data do óbito da O. R., em 2011, existissem tais saldos na posse das recorrentes;
cc) Ou que estas os tivessem "escondido" com dolo ou sem dolo;
dd) Com efeito, esta discussão da existência ou inexistência de tais saldos foi discutida no processo, em termos factuais e jurídicos, desde a primeira relação de bens, com remessa para os meios comuns e decisão dos Tribunais das três instâncias;
ee) Não podendo dizer-se que sonega bens quem alega ter entregue o dinheiro à sua titular, O. R., que fez obras, gastou em tratamentos e deixou dito que fossem pagos os encargos do funeral e outros gastos próprios do sufrágio;
ff) No máximo, se as recorridas provassem a existência do saldo, e não provaram, na posse das recorrentes, só poderiam pedir prestação de contas, e não acusar de sonegação as recorrentes, que sempre invocaram que o dinheiro foi gasto por ordem da mãe, sua dona.

DA DECISÃO QUE HOMOLOGOU A PARTILHA:

gg) A decisão que homologou a partilha é errada e viola os princípios da legítima, dos cônjuges e dos filhos, porque não distribui por todos os bens não afectos à quota disponível;
hh) A sentença da homologação da partilha viola os artigos 615º e 620º do C.P.C. e 1336º, 1344º, 1345º, 1348º, 1349º e 1350º do C.P.C., na redacção aplicável aos processos de Inventário Judicial e os artigos 342º', 512º, 516º, 2024º, 2031º, 2039º, 2044º, 2050º, e 2096 do C.C..
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Extrai-se das conclusões acima transcritas que as Apelantes pretendem que sejam reapreciadas as seguintes questões:

- os saldos das duas contas bancárias que existiam no dia do óbito do inventariado deviam ou não terem sido levados à relação de bens?
- sendo de sentido afirmativo a resposta à questão anterior, é de concluir ter havido sonegação de bens?
- há fundamento para alterar a partilha?
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B) FUNDAMENTAÇÃO

DECISÃO QUANTO À RECLAMAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS

IV.- a) Como acima ficou referido, pelo acórdão desta Relação proferido nos autos, e na sequência da reclamação da relação de bens apresentada pelos interessados A. M., e Outros, foi determinado que prosseguissem as diligências investigatórias relativamente aos saldos das contas bancárias tituladas pelos Inventariados.
Resulta dos autos e das diligências a que se procedeu, conforme o Tribunal a quo deixou consignado, que:

a) Os Inventariados eram titulares das contas com os n.os 038472964; 038472661; e 038472900, as três do Banco A;
b) O saldo das duas primeiras contas, no valor de, respectivamente, € 103.352,94 e € 37.938,55, foi liquidada no dia 23/04/2003, o primeiro às 13:18 horas e o segundo às 13:19 horas, pela interessada Maria, que tinha autorização para movimentar as referidas contas (cfr. comunicação do Banco A de fls. 640 e 641 – vol. III).
c) Após ter sido liquidado o saldo das supramencionadas contas, as quantias referidas foram depositadas numa conta poupança, no Banco A, conta essa titulada pelas interessadas A. C. e Maria (cfr. comunicação do Banco A de fls. 687 – vol. III).
d) O óbito do inventariado José foi declarado às 15:55 horas do dia 23/04/2003 (cfr. certidão do assento de óbito de fls. 7).
e) O óbito da inventariada O. R. foi declarado às 13:30 horas do dia 25/09/2011 (cfr. certidão do assento de óbito de fls. 324 – vol. I).
b) Como é sobejamente sabido, o processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária quando duas ou mais pessoas sejam chamadas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que pertenciam a esta – cfr. art.os 2024.º do Código Civil (C.C.) e 1326.º, n.º 1 do C.P.C.V. (aplicável aos presentes autos atendendo à data em que tiveram início - 07/04/2005 -, e o que ficou estabelecido no art.º 7.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, que aprovou o (novo) processo de inventário).
A relação de bens, por sua vez, destina-se a dar a conhecer aos herdeiros o objecto da sucessão, ou seja, o conjunto de bens que integravam o património do de cujus.
A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor – art.º 2031.º do C.C. – e os efeitos da aceitação da herança (pelos herdeiros) retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, nos termos do n.º 2 do art.º 2050.º do mesmo Cód..

Destes dois dispositivos legais inequivocamente se extrai que os bens que existiam no património do autor da herança à data da sua morte passam para a titularidade dos herdeiros jure hereditatis e os bens produzidos ou derivados daqueles (os frutos ou o produto da venda) após a morte do autor da herança passam para a titularidade dos herdeiros jure próprio, enquanto compossuidores dos mesmos bens.

No acervo hereditário, como escreveu LOPES CARDOSO, “compreendem-se todos os bens, direitos e obrigações que não sejam considerados intransmissíveis por sua natureza, por força da lei ou por vontade do autor da sucessão” (in “Partilhas Judiciais”, vol. I, 3.ª ed., pág. 410).
É o que resulta do art.º 2025.º, n.º 1 do C.C., que define, ainda que pela negativa, o objecto da sucessão: integrando-o todas as relações jurídicas patrimoniais da pessoa falecida, apenas se têm por excluídas aquelas que devam extinguir-se por morte dela, em razão da sua natureza ou por força da lei, e, bem assim, as relações jurídicas que integrem direitos de natureza disponível e a pessoa falecida tenha manifestado a vontade que elas se extingam.

Como dá conta ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, que refere o depósito bancário como “figura unitária, típica, autónoma e próxima, historicamente, do depósito irregular”, a doutrina e, sobretudo, a jurisprudência, vêm considerando o depósito à ordem como “um depósito irregular: o banqueiro adquire a titularidade do dinheiro que lhe é entregue, sendo o cliente um simples credor”, constituindo a sua “pedra de toque” a disponibilidade permanente do saldo. Já os depósitos a prazo - “os depósitos de poupança” – “teriam a natureza de mútuos” por não estar presente a ideia de “restituição/disponibilidade” (in “Manual de Direito Bancário”, 4.ª ed., 2010, págs. 577/578).
Os depósitos bancários surgem associados a uma conta.
As contas bancárias dizem-se individuais ou colectivas, consoante foram abertas por uma pessoa ou tenham vários titulares.
As contas colectivas podem ser solidárias ou conjuntas.
As solidárias podem ser movimentadas livremente por um só dos titulares, ficando o banqueiro desonerado pela entrega da totalidade do saldo a quem lho pedir.
A movimentação das contas conjuntas exige a intervenção simultânea de todos os seus titulares.
No que se refere à atribuição do saldo, nas contas conjuntas é de presumir que os direitos de crédito dos titulares da conta sejam quantitativamente iguais, nos termos dos art.os 1403.º e 1404.º do C.C..
E relativamente às contas solidárias vale a presunção consagrada no art.º 616.º do mesmo Código – nas relações entre si presume-se que os titulares (credores solidários) comparticipam em partes iguais no saldo.
Contudo, uma vez que a propriedade da quantia depositada pode pertencer apenas a um deles, tem de se admitir que aquele a quem ela pertença faça prova do seu direito, sendo, portanto, aquela presunção ilidível.
A presunção inverte o ónus da prova, nos termos do disposto no art.º 350.º do C.C., pelo que quem se arroga o dono exclusivo do saldo tem de fazer a prova de que ele lhe pertence na totalidade, não sendo suficiente a simples contraprova.

Como refere o Ac. do S.T.J. de 27/01/98, “Aquela presunção justifica-se pela normal dificuldade de prova da quota de cada um dos credores e, como é próprio das diversas presunções, assenta num pressuposto de probabilidade ou normalidade”, pelo que “o meio mais directo e frontal de se ilidir a presunção” é “a prova da exclusão do seu pressuposto, ou seja, de o depósito não ter sido feito com dinheiro, em partes iguais, dos titulares da conta, independentemente do motivo do regime da conta” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano VI, Tomo I – 1998, págs. 43/44).
c) Como acima se referiu, o processo de inventário destina-se a pôr termo à comunhão hereditária, objectivo que só se alcançará verdadeiramente se forem relacionados todos os bens (as relações jurídicas patrimoniais) da pessoa falecida.
Mau grado as especificidades que lhe são próprias, em sede de apreciação da reclamação da relação de bens valem as regras estabelecidas no art.º 342.º do C.C., pelo que o interessado que reclama contra a relacionação de determinado bem, ou a falta dela, tem o ónus da alegação e prova dos factos que demonstrem que o bem indevidamente relacionado lhe pertence, ou pertence a terceiro, e, na situação de omissão de relacionação de um bem, os factos dos quais procede a propriedade do de cujus sobre o bem em causa - factos constitutivos.
Ao cabeça-de-casal, (ou terceiro com interesse directo em contraditar, e que deve ser chamado ao Inventário para se pronunciar) cabe a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos.
Na situação sub judicio resulta documentalmente provado que os Inventariados eram titulares, em conjunto, de três contas bancárias, sendo inquestionável que, seja em termos de facto, seja presumidamente, os saldos dessas contas lhes pertenciam na proporção de metade a cada um.
Integrando o acervo patrimonial dos inventariados os referidos saldos só não seriam levados à relação de bens, para entrarem em partilha, se os mencionados Inventariados tivessem validamente disposto deles em vida - v.g. por doação (cfr. art.os 940.º, n.º 1 e 947.º, n.º 2 do C.C.) ou por disposição testamentária, ou ainda se o dinheiro respectivo fosse utilizado para satisfazer uma dívida contraída em vida dos Inventariados.
Nenhuma destas situações foram invocadas nos autos, resultando dos documentos emitidos pelo Banco A que a ora apelante Maria, usando dos seus poderes para movimentar aquelas contas, liquidou o saldo de duas delas, no valor total de € 141.291,49.
Mais se provou que a mesma Apelante, de posse daquela importância, depositou-a numa conta poupança, em seu próprio nome e no da apelante A. C., fazendo tudo isto duas horas e meia antes da hora em que foi declarada a morte do inventariado, seu pai, José.

O Ac. da Relação de Lisboa de 19/03/2009, numa situação em que uma das interessadas na partilha, usando dos poderes que tinha para movimentar uma conta bancária do de cujus, procedeu ao levantamento do saldo dessa conta sete dias antes do óbito daquele, considerando “legítimo equacionar a possibilidade da mesma ter integrado no seu património a referida quantia”, decidiu que estava ela obrigada “a prestar contas aos demais interessados” pelos levantamentos que efectuou, por se entender que “quando o titular da conta (no pleno uso dos seus direitos e capacidades) encarrega outrem de praticar os actos correntes de movimentação da conta, ou até os menos correntes (para os quais haja expressamente dado os necessários poderes), se estabelece entre ele e este “autorizado”, um verdadeiro contrato de mandato, nos termos do art. 1157º CC (e tratar-se-á por isso de um mandato com representação – cfr. 1178º CC), que obriga o mandatário a prestar contas findo o mandato – al d) desse mesmo preceito – contas estas, que deverão ser prestadas aos herdeiros do mandante, quando pela morte deste se extinga o mandato - art 1174º al a) CC” (ut Proc.º n.º 8738/08-2, in www.dgsi.pt).

Atendendo ao escasso tempo (apenas duas horas e meia) que mediou entre a operação do levantamento dos saldos e o decesso do Inventariado (evento este que fez caducar o mandato quanto a ele, nos termos da alínea a) do art.º 1174.º do C.C.), que o torna irrelevante para se poder afirmar que as importâncias depositadas já não existiam no património do Inventariado aquando da abertura da herança, e atendendo ainda ao destino que a apelante Maria deu ao dinheiro (depositou-o numa conta poupança da qual eram titulares exclusivas ela própria e a apelante A. C.), é forte a presunção de que se tratou de um levantamento puro e simples, sem causa legítima que justifique deverem os referidos saldos ser excluídos do acervo patrimonial hereditário.

Vêm (agora) defender as Apelantes ter sido “sob orientação dos mandantes que a Maria movimentou as quantias depositadas para outra conta, titulada pelas recorrentes, para delas dispor a favor da anterior titular solidária, sua mãe O. R.”, e que após o óbito do seu pai, “continuaram a agir como mandatárias e representantes da sua mãe O. R., na conta que, embora titulada pelas mandatárias, continuavam a cumprir as ordens do exercício do mandato determinado pela sua mãe, titular solidária das contas que mandou extinguir”.

Obliterarão, porém, que com o encerramento das ditas contas bancárias extinguiu-se o mandato, que foi conferido para a prática de actos de depósito e de levantamento de dinheiro nessas/dessas contas, decaindo, assim, o argumento de “continuarem a cumprir as ordens do exercício do mandato determinado pela sua mãe”.
Mais obliteram que à sua mãe, enquanto co-titular das ditas contas, só pertencia metade do valor dos saldos, pelo que a outra metade, que pertencia ao seu pai, teria de entrar em regra de partilha, não podendo os direitos dos demais herdeiros legitimários serem sacrificados aos interesses (ainda que legítimos) daquela, atenta a imperatividade das normas reguladoras da partilha (de resto, o Inventariado dispôs da sua quota disponível em favor daquela, seu cônjuge sobrevivo, como se vê do testamento junto aos autos a fls. 10 e 11, o que faz diminuir significativamente o valor do quinhão hereditário dos demais herdeiros).

Alegam ainda as Apelantes ser “ilegal, juridicamente, e por violação das regras do ónus da prova, o despacho que determinou a relacionação, depois do óbito da O. R., em 2011, dos saldos que existiam em contas solidárias antes do falecimento do José, em 2003” (conclusão z)).

Improcede, porém, esta alegação por duas ordens de razões: por um lado porque foram elas próprias quem requereu o Inventário para partilha da herança deixada pelo seu pai, o inventariado José e estiveram sempre no processo, tendo a apelante A. C. exercido até muito recentemente as funções de cabeça-de-casal, com os deveres que daí decorrem.

Por outro lado, atenta a sua intervenção pessoal, elas, Apelantes, constituíram-se no especial dever de prestar todas as informações e esclarecimentos sobre os aludidos saldos bancários, e ainda que tivessem actuado (como alegam) enquanto simples administradoras desses dinheiros, também se constituíram no dever de prestar contas dessa administração aos demais herdeiros.
Ora, como elas, Apelantes, não poderão deixar de ter presente, foi o incumprimento daqueles deveres que provocou o “arrastar” da situação.
Estando em causa actos pessoais seus, tendo tido em todos eles uma intervenção activa directa, não se vislumbra, das regras sobre o ónus da prova, outrem a quem incumba prova-los.
Impõe-se, pelo exposto, confirmar integralmente a decisão impugnada.
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- DECISÃO QUANTO À SONEGAÇÃO DE BENS

V. As interessadas I. C. e A. M. acusam a então cabeça-de-casal A. C. e a interessada Maria da sonegação de bens da herança, designadamente dos saldos das duas contas bancárias acima referidos.

a) O Tribunal a quo fundou a sua decisão nos seguintes factos e incidências processuais:

1. O inventariado José faleceu em 23-04-2003, pelas 15h55 (cfr. certidão de óbito de fls. 7);
2. A inventariada O. R. faleceu em 20-09-2011.
3. Na relação de bens apresentada pela cabeça-de-casal A. C. não consta relacionada qualquer quantia em dinheiro ou saldo bancário (cfr. 25 e 26);
4. A interessada I. C. apresentou reclamação à relação de bens a fls. 55 a 59 em que destaca a omissão da relacionação da quantia de € 150.000,00 existente à data da morte do de cujus José;
5. Maria negou, por requerimento apresentado a fls. 93, a existência da dita quantia de € 150.000,00;
6. A cabeça-de-casal não se pronunciou sobre tal reclamação, apesar de devidamente notificada a fls. 86;
7. Em sede de diligência de inquirição de testemunhas, no âmbito do incidente de reclamação de bens (cfr. acta de fls. 114) a cabeça-de-casal aceitou a existência de outros bens cuja falta foi acusada, mas não da quantia de € 150.000,00;
8. Notificadas as entidades bancárias, Banco A e Banco B, estas informaram a fls. 123 e 125, respectivamente, a existência de € 7.238,31 e a inexistência de qualquer saldo, à data do óbito do inventariado;
9. A fls. 163 dos autos foi ordenado o cumprimento da notificação requerida pela interessada I. C., ao Banco B, na sequência do declarado pela testemunha A. R., em sede da diligência supra referida, no sentido da afirmação da existência da referida quantia de € 150.000,00;
10. O Banco B recusou prestar a informação solicitada alegando sigilo bancário;
11. Notificadas as interessadas A. C. e Maria para prestarem consentimento à prestação da requerida informação, estas opuseram-se invocando o seu direito ao sigilo bancário (cfr. fls. 181 a 183);
12. A fls. 151 dos autos a cabeça-de-casal A. C. negou expressamente a existência da quantia de € 150.000,00, fundando-se nas informações prestadas pelas entidades bancárias a fls. 123 e 125 dos autos;
13. A fls. 192 dos autos o tribunal remeteu os interessados para os meios comuns quanto à questão da existência dos 150.000,00;
14. A fls. 337 a 377 constam as decisões proferidas em 1ª instância, na Relação e no STJ, no âmbito dos autos com o n.º 1099/08.7TBFAF, que correram termos neste tribunal nos quais foi julgado improcedente o pedido formulado pela interessada I. C. no sentido de ser declarada a existência dos € 150.000,00 na herança do de cujus José;
15. Foi entretanto cumulado o inventário por óbito de O. R., esposa do primeiro inventariado (cfr. fls. 378);
16. Apresentada nova relação de bens pela cabeça-de-casal A. C., veio a interessada A. M. reclamar da mesma, pretendendo a relacionação dos referidos € 150.000,00;
17. A cabeça-de-casal, a fls. 459, mais uma vez opôs-se à reclamação deduzida, suscitando, além do mais, a verificação de caso julgado;
18. O tribunal ordenou a notificação do Banco A e do Banco B, nos termos pretendidos pela interessada A. M tendo o Banco A vindo afirmar a fls. 478 dos autos a existência de duas contas tituladas pelos inventariados, nas quais existiam, à data da morte do inventariado, as quantias de € 103.352,94 e € 37.938,55;
19. Em face de tal informação a cabeça-de-casal afirmou que já havia relacionado todas as quantias que tinha de relacionar, invocando, mais uma vez, a verificação de caso julgado quanto a tal questão;
20. Em face das informações prestadas o tribunal ordenou a relacionação das quantias de € 103.352,94 e € 37.938,55 existentes no Banco A (cfr. decisão de fls. 564 a 566);
21. Recorrida tal decisão, o Tribunal da Relação de Guimarães ordenou a realização de mais diligências no sentido de apurar se a liquidação das ditas contas foi feita para pagamento de alguma transacção, cujo título tenha sido descontado nesse dia ou se se deveu ao levantamento simples e por quem, e se o banco tinha conhecimento do óbito do inventariado. O mesmo acórdão julgou improcedente a excepção de caso julgado invocada pela cabeça-de-casal (acrescento nosso).
22. Das informações prestadas retira-se que o saldo das contas n.º …4 e n.º …1 - € 103.352, 94 e € 37.938, 55 - foi liquidado no dia 23-04-2003, às 13h18 e 13h19, respectivamente, pela interessada Maria, autorizada a movimentar as ditas contas (cfr. fls. 640 e 641).
23. Mais consta que após ter sido liquidado o saldo de tais contas as quantias nelas existentes foram depositadas numa conta poupança, no Banco A, conta essa titulada pelas interessadas A. C. e Maria (cfr. fls. 687).
24. Notificadas as interessadas A. C. e Maria esta vieram afirmar que, atendendo à hora a que o levantamento foi feito, à data e hora da morte do inventariado, o saldo era nulo; mais, o levantamento das quantias em causa foi feito por quem tinha legitimidade para o fazer e que o mesmo foi ordenado pelos inventariados, sendo certo ainda que tais quantias foram usadas mais tarde por indicação da inventariada O. R. na realização de obras na casa e em despesas de saúde daquela.
25. Foi proferida decisão o ordenar a relacionação da quantia global de € 141.291,49 (cfr. fls. 708).

Porque assume relevância para a decisão, acrescenta-se ainda que:

26. Quando, em 05/04/2005, as ora Apelantes requereram o inventário (por óbito de seu pai José), outorgaram procuração forense a Advogado, outorgando a apelante Maria “por si e em representação de O. R.” (sua mãe) (cfr. procuração de fls. 5 dos autos).
27. No ano de 2006, a interessada I. C. e marido instauraram acção especial com vista à declaração de interdição por anomalia psíquica da mãe da primeira, a referida O. R., acção que correu seus termos pelo então 3.º Juízo do Tribunal Judicial de Fafe, sob o n.º 2439/06.9TBFAF, na qual foi proferida sentença em 03/04/2009 a decretar a interdição definitiva daquela por anomalia psíquica, “em virtude de se mostrar totalmente incapaz de governar a sua pessoa e bens”. Tendo sido interposto recurso desta sentença, veio a ser confirmada e transitou em julgado em 21/01/2010 (cfr. certidão de fls. 278-287 que, por brevidade, se dá aqui por reproduzida).
b) A partilha visa atribuir a cada um dos herdeiros o que lhe cabe, jure hereditatis, do património deixado pelo autor da herança na parte em que este, enquanto vivo, não dispôs válida e eficazmente.
E por isso é que todos os herdeiros estão obrigados a partilhar com os demais os seus conhecimentos sobre a existência dos bens que compõem a herança, e de tudo quanto possa concorrer para o apuramento da sua situação, não lhes sendo lícito ocultá-los.
Se algum herdeiro ou o cabeça-de-casal sonegar, isto é, actuando com dolo, ocultar, a existência de bens perde em benefício dos co-herdeiros o direito que possa ter a qualquer dos bens sonegados, e, sendo considerado mero detentor desses bens, não poderá, pelo menos sem inverter o título da posse, adquiri-los por usucapião, como decorre do art.º 2096.º do C.C., cuja ratio, como refere o Ac. do S.T.J. de 9/04/1992, “é o de exigir que todo aquele que seja possuidor de bens a partilhar os manifestem” (in B.M.J., n.º 416º, pág. 556).

Refere HEINRICH EWALD HÖRSTER que para haver dolo relevante em termos jurídicos é necessária a verificação simultânea dos seguintes pressupostos:

“1º que o declarante esteja em erro; 2º que este erro tenha sido induzido, mantido ou, em contrário a um dever de elucidar, dissimulado pelo declaratário ou por um terceiro, de modo que eles provocaram o erro do declarante; 3º que o declaratário ou terceiro haja recorrido, para o efeito, ilicitamente a qualquer artifício, sugestão, embuste, etc.”, e prossegue referindo que há dolo “sempre que o meio enganoso é empregado com a consciência de que, com ele, o declarante é determinado a fazer uma declaração que não teria emitido sem aquele engano. Na maior parte dos casos existirá também a consciência de que o enganado sofrerá um prejuízo” (in “A Parte Geral do Código Civil Português – Teoria Geral do Direito Civil” Almedina, 1992, págs. 582-583).

De acordo com PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, “sob o invólucro civilístico do dolo cabem (art. 253.º) tanto as manobras activas (sugestões ou artifícios) tendentes a induzir ou a manter em erro os destinatários da relação de bens, quanto à existência de certos bens hereditários, como a atitude (passiva) da dissimulação do erro, em que o herdeiro se aperceba de que o cabeça-de-casal está laborando” e prosseguem referindo ainda que “de acordo com a escala valorativa das condutas humanas próprias do direito, à figura do dolo directo (violação directa, consciente ou intencional da norma) se equiparam as situações afins do dolo indirecto e do chamado dolo eventual”, justificando este entendimento com a afirmação de que “são de tal monta os interesses gerais subjacentes ao acerto ou veracidade da relação de bens, nos inventários abertos em todo o país, que nenhuma razão existe para estreitar neste sector o conceito de dolo aplicável às declarações dos herdeiros sobre a constituição ou composição da herança” (in “Código Civil Anotado”, Coimbra Editora 1998, vol. VI, pág. 157),

Defendem ainda os mesmos Autores, fundando-se em Oliveira Ascensão e Capelo de Sousa (cfr. “Lições de Direito das Sucessões”, vol. II, Coimbra Editora, 1980/82, pág. 85, 2º parágrafo da nota 692), que a sanção civil acima referida já se não pode aplicar à ocultação dolosa por parte do donatário “de doações feitas em vida pelo doador” (ob. cit. pág. 158), tendo seguido este entendimento o Ac. do S.T.J. de 23/11/2011, decidindo, porém, que a não relacionação das quantias monetárias doadas “constitui um facto ilícito, vencendo o respectivo crédito (embora de natureza ilíquida) juros desde a citação (in Colectânea de Jurisprudência (C.J.), Acórdãos do S.T.J., ano XIX, tomo III/2011, págs. 137-139).

Refere ainda o Ac. do S.T.J. de 01/07/2010, citado pelo Tribunal a quo, que, “sendo necessário para a procedência da sonegação que esta tenha sido praticada com dolo e não com mera negligência”, é “mister que se tenha em vista o apossamento ilícito ou fraudulento de bens em detrimento dos demais herdeiros” (in C. J., Acs. do S.T.J., ano XVIII, tomo II/2010, pág. 134).

c) É certo que averiguar do dolo de uma conduta é averiguar intenções e a demonstração destas nem sempre é fácil.

Contudo, como, com acerto, conclui o Tribunal a quo, a facticidade acima transcrita permite concluir, com o grau de certeza exigível, que “houve ocultação dolosa da quantia global de € 141.291,49”, que se encontrava depositada no Banco A, em duas contas tituladas pelos Inventariados

Com efeito, as ora Apelantes sempre negaram a existência daqueles valores (e a quantia acima referida, acrescida dos € 7.238,31 do saldo da conta à ordem, fica muito próxima dos € 150.000 que as outras Interessadas reclamaram nos autos); moveram todos os entraves de que dispunham para evitar que se apurasse a verdade do que se passou; mesmo quando confrontada com a informação prestada pelo Banco A, a então cabeça-de-casal, ora apelante, A. C. reafirmou que “todo o dinheiro existente em nome do inventariado José e de sua mulher O. R., também inventariada … foi integralmente relacionado” (itálico nosso. Item 11 do requerimento de fls. 496-499, II vol.).
Sendo pacífico que eram elas que estavam a cuidar da inventariada O. R., que é mãe de todas elas, nunca ofereceram a mais leve prova do que afirmam na conclusão ee) – terem entregue o dinheiro “à sua titular, O. R.”, que o gastaram “em tratamentos”; que fizeram obras (o que se provou na acção n.º 1099/08.7TBFAF foi que “à data da sua morte, José tinha o montante não inferior a € 70.000,00 em dinheiro” e que “as Rés (ora Apelantes) empregaram parte do dinheiro na realização de … obras de beneficiação da casa dos seus pais…” (cfr. fls. 363), não havendo prova nos autos (nem antes foi, tampouco, alegado) de que a importância referida era parte dos € 141.291,49 movimentados pela apelante Maria.
A atitude de total negação das Apelantes, de encobrimento absoluto do levantamento e depósito que efectuaram, o comportamento processual que sempre adoptaram, aliado ao facto de terem depositado a importância em causa numa conta poupança da qual eram as únicas titulares, apesar de a mãe estar ainda viva (desconhecendo-se o seu estado de saúde, à época) e aliado ainda à circunstância de esta lhes ter deixado a quota disponível, pelas regras da experiência comum, do que se sabe ter acontecido em situações similares, pode afirmar-se, com o grau de certeza necessário, que as Apelantes agiram com a intenção de ocultar das demais herdeiras a supramencionada quantia, evitando que ela entrasse em regra de partilhas, ficando com ela para si.

Com efeito, uma pessoa desmotivada daqueles intentos informaria nos autos o que fez e justificaria a sua actuação (e haveria, decerto, explicações bem plausíveis e, por isso, facilmente demonstráveis!).
Ficou provado nos autos (em resultado da diligências que as Apeladas requereram e insistiram que fossem realizadas) que as Apelantes praticaram actos em si mesmo idóneos a integrar no seu património individual a importância em causa (que é o que se obtém com o depósito de uma quantia em dinheiro numa conta bancária pessoal, na modalidade de conta-poupança), e estas não ofereceram a mais leve prova do facto legitimador daquela sua acção, sendo manifestamente insuficiente a alegação de que agiram “seguindo instruções”, que nem sequer concretizaram, dos titulares das contas.

Como refere o Tribunal a quo, as Apelantes “Sabiam da existência do dinheiro cuja falta de relacionação foi acusada e foram negando a mesma, sempre, escudando-se em informações bancárias que sabiam estar erradas, invocando sigilo bancário, afirmando, por último, anos após a primeira reclamação, que o levantamento foi feito com ordem dos inventariados e o dinheiro usado a favor da inventariada, dizendo sempre, no entanto, que o saldo era nulo à data da morte do inventariado.” E conclui “Nada do que, por último, afirmaram, quando já não tinham como negar a existência do dinheiro, impedia a sua relacionação…”.
Em face de quanto vem exposto, e aderindo a esta conclusão, impõe-se manter a decisão impugnada.
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- ALTERAÇÃO DA PARTILHA

VI.- Alegam as Apelantes ser “errada” a decisão que homologou a partilha por violadora “dos princípios da legítima, do cônjuge e dos filhos, porque não distribui todos os bens não afectos à quota disponível”.
O fundamento da impugnação da sentença homologatória da partilha tem, assim, como pressuposto o deferimento das outras duas pretensões recursivas.

Mantidas as decisões que julgaram dever ser relacionada a quantia de € 141.291,49, e que a mesma foi sonegada da herança pelas Apelantes, que, por isso, por imperativo legal, perderam o direito que a ela tinham, examinada a partilha que consta do respectivo mapa, constata-se que a mesma obedece ao que ficou referido na forma à partilha, a qual não contém erro ou engano que deva ser corrigido, e obedece aos princípios legalmente estabelecidos - cfr. art.os 2136.º (que consagra o princípio geral de que os parentes de cada classe sucedem por cabeça ou em partes iguais); 2139.º (que estabelece que a quota do cônjuge não pode ser inferior a uma quarta parte da herança); e 2159.º (que estabelece que a legítima, ou seja, a porção de bens de que o autor da herança não pode dispor, por ser destinada aos herdeiros legitimários, é de dois terços da herança, se concorrerem a ela o cônjuge e os filhos, sendo de metade ou dois terços se apenas os filhos concorrerem à herança, e exista apenas um filho ou existam dois ou mais).
Improcede, pois, também este segmento do recurso.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo as três decisões impugnadas.
Custas pelas Apelantes.
Guimarães, 26/04/2018
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)