Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2113/23.1T8VCT.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: PENSÃO COMPLEMENTAR DE REFORMA
NATUREZA DA PENSÃO
PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I - É entendimento jurisprudencial maioritário que aos créditos por falta de pagamento de pensão é inaplicável o prazo de prescrição previsto no código do trabalho, pois apesar do direito ao pagamento da pensão complementar de reforma derivar de uma anterior relação laboral, tal direito é autónomo relativamente à relação laboral, uma vez que, só depois de cessada a relação de natureza laboral é que surge esta nova relação jurídica, normalmente no âmbito da segurança social ou com outra instituição previdencial.
II - O direito a pedir uma pensão de reforma, ou o complemento da mesma não tem prazo para ser intentado, senão o prazo de prescrição do código civil, sendo certo, que o prazo a observar é de cinco anos para considerar que não são devidas as pensões entretanto vencidas, mas nunca como prazo de prescrição para intentar uma ação para peticionar o direito às mesmas, pois nesta situação o prazo de prescrição é de 20 anos - cfr. arts. 310.º, als. d) e g) e 309.º do Código Civil.
III - Atenta a relação autónoma e de natureza previdencial, os créditos decorrentes da falta de pagamento da pensão complementar de reforma não estão sujeitos ao regime especial de prescrição previsto no art.º 337.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, residente na Travessa ..., em Viana do Castelo, instaurou a presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra ESTADO PORTUGUÊS, na qualidade de sucessor da sociedade “EMP01..., S.A.” pedindo que se condene o Réu:

a) a pagar ao A. a quantia já vencida desde ../../2017 até ../../2023, incluindo uma 13ª prestação, entretanto vencida nos meses de Novembro nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 acrescida dos juros legais de mora, no montante global de 10.415,66 €;
b) nos juros legais de tais importâncias, à taxa legal, contados da citação para contestação a presente acção até à realização do pagamento, no montante já liquidado de 10.415,66€.
c) a pagar as pensões complementares futuras, a partir de 1 de Julho de 2023 até à morte do Autor e, a partir desse evento, uma pensão de sobrevivência aos seus sucessores elegíveis;
d) Bem ainda eventuais juros de mora por qualquer atraso que se vier a verificar no pagamento dessas pensões.

Alega em resumo e no que aqui nos interessa, que por ter sido trabalhador efetivo dos extintos EMP01... desde 04.04.1977 até ../../2014 lhe deve ser reconhecido o direito a uma pensão complementar de reforma, nos montantes por si indicados.
A Ré contestou a presente ação deduzindo, além do mais a exceção da prescrição do direito invocado pelo autor.
O Autor respondeu à exceção defendendo que não ocorreu a prescrição,
Por fim, pela Mma. Juiz a quo foi proferido despacho saneador sentença, que julgou procedente a exceção de prescrição dos créditos reclamados pelo Autor a título de pensão complementar de reforma e terminou com o seguinte dispositivo:
 “Assim, face ao exposto, julga-se procedente excepção de prescrição dos créditos peticionados nesta acção e, consequentemente, decide-se absolver o R. do pedido.
Custas pelo A.
Registe e notifique.”
*
Inconformado com esta sentença, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:
“EM CONCLUSÃO:

1. Entende o Recorrente, com todo o respeito, que a douta decisão recorrida deve ser revogada e substituída por uma outra que julgue improcedente a excepção de prescrição dos créditos peticionados pelo Autor na presente acção uma vez que os referidos créditos não têm natureza laboral e, por conseguinte, não é aplicável o prazo de prescrição previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho.
2. Os pedidos formulados pelo Autor, ora Recorrente, decorrem do direito à pensão complementar de reforma resultante do Contrato Constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01..., direito adquirido pelo Autor a 17 de Setembro de 2017, data na qual foi declarado reformado por velhice pela Segurança Social.
3. No modesto entendimento do Recorrente, não se verifica a excepção de prescrição dos créditos invocados pelo Autor/Recorrente porquanto a relação jurídica em causa não assume carácter laboral, mas antes configura uma relação jurídica de carácter previdencial, razão pela qual não tem aplicação o regime especial de prescrição previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho.
4. Diversamente do decidido na douta sentença recorrida, as prestações complementares de reforma peticionadas pelo Autor na acção aqui em apreciação assumem natureza previdencial, e por conseguinte, o prazo de prescrição do direito a tais prestações periódicas, rege-se pelo regime geral previsto no Código Civil, particularmente nos artigos 309º e seguintes.
5. Com o devido e merecido respeito, as quantias peticionadas pelo Autor, ora Recorrente, a título de prestações da pensão complementar de reforma, não configuram créditos laborais uma vez que não emergem da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho.
6. Conforme resulta da jurisprudência unânime e uniforme dos Tribunais Superiores, a pensão complementar de reforma não é exigível em virtude da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, não podendo ser aplicável o prazo de prescrição de um ano previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho (que corresponde aos anteriores artigos 381º do Cód. Trabalho e artigo 38º da Lei do Contrato de Trabalho), neste sentido vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/11/1984, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23/05/1986 (Processo 001323), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/1990 (Processo 002678), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/12/1998 (Processo 98S232), Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7/11/2001 (Processo 0073454), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25/06/2002, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7/10/2003 (Processo 03S1785), Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16/09/2013 (Processo n.º 1161/12.1TTPRT-A.P1) e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/06/2022 (Processo n.º 544/14.7T8VCT.G2), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
7. No modesto entendimento do Recorrente, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 21/10/2013, no âmbito do Processo n.º 230/12.2TTSTS-A.P1, citado na douta sentença recorrida, não tem aplicação ao caso dos autos uma vez que, o referido acórdão debruça-se sobre uma acção emergente do contrato individual de trabalho, na qual a aí Autora peticiona a condenação no pagamento de prestações mensais derivadas de um acordo de pré-reforma celebrado com o empregador, e tem a sua génese no contrato de trabalho e, por conseguinte, tem uma natureza diversa da pensão de reforma.
8. Salvo o devido respeito, o prazo de prescrição excecional previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, aplicável aos créditos laborais, não é aplicável à relação jurídica aqui em apreciação uma vez que as pensões complementares de reforma peticionadas pelo Autor, ora Recorrente, não advêm nem decorrem da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, ao invés, são obrigações que assumem natureza previdencial que estão sujeitas ao prazo prescricional geral previsto no artigo 310º alínea g) do Código Civil.
9. Com o devido e merecido respeito, não se verifica a prescrição dos créditos peticionados pelo Autor/Recorrente na medida em que os créditos por falta de pagamento das prestações complementares de reforma, como é o caso do Autor/Recorrente, regem-se pelo prazo de prescrição previsto no artigo 310º alínea g) do Código Civil (e não pelo prazo especial previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, apenas aplicável aos créditos laborais).
10. De ressalvar ainda que, no âmbito da Acção de Impugnação de, Despedimento Coletivo nº 544/14.... na qual figura como Autor, entre outros, o aqui Recorrente, e que actualmente corre os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo de Trabalho – Juiz ..., peticionou, além do mais, que os Réus, EMP01... S.A. e Fundo de Pensões dos EMP01..., legalmente representado pelo EMP02..., S.A., fossem condenados a entregar-lhe uma apólice de renda vitalícia ou unidades de participação do Fundo de Pensões PPR que lhe garantisse, em caso de reforma, uma pensão complementar de 132,00 € x 13 meses, até à data em que viesse a ser declarado reformado.
11. Na pendência da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo, em 16/04/2018, o A. deduziu articulado superveniente, através do qual peticionou e liquidou o pagamento das pensões complementares de reforma contadas a partir de 17/09/2017 (data da reforma do Autor).
12. Entretanto, após a dedução do referido articulado superveniente, a Ré “EMP01...”, foi declarada extinta e a acção prosseguiu contra a Ré “EMP03...” em substituição da Ré “EMP01...”.
13. De seguida foi extinta a Ré “EMP03...”, motivo pelo qual, por despacho de 21/05/2020 proferido na Acção nº 544/14...., foi declarado que a mesma prosseguiria os seus termos contra o Estado Português, em substituição das Rés “EMP01...” e “EMP03...”.
14. Por douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, no âmbito da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo nº 544/14...., os Réus, EMP01... S.A. e Fundo de Pensões dos EMP01..., legalmente representado pelo EMP02..., S.A foram absolvidos do pedido referente ao pagamento da pensão complementar de reforma peticionado pelos aí AA. por entenderem que o mencionado pedido não emerge da ilicitude do despedimento coletivo, nem, em geral, da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, mas de obrigações de natureza previdencial alegadamente assumidas por convenção entre os Réus, para a eventualidade de reforma dos Autores.
15. No douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/6/2022, já transitado em julgado, ficou decidido que o pedido formulado quanto ao pagamento de um complemento mensal de reforma aos aí AA. não emerge de contrato de trabalho ou relação jurídica de trabalho subordinado, mas de uma relação previdencial.
16. A aplicação do regime especial de prescrição previsto para os créditos laborais (artigo 337º do Cód. do Trabalho) e a qualificação jurídica constante da douta sentença recorrida colide com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, já transitada em julgado, e consubstancia um entrave nefasto e lesivo para o Autor, vedando por completo o seu direito ao recebimento das pensões complementares de reforma devidas desde 17/09/2017, o que seria ilegal e inconstitucional.
17. Acresce que, à data da propositura da Acção de Impugnação de Despedimento Coletivo (16/10/2014), o direito ao pagamento de uma pensão complementar de reforma constituía uma mera expectativa jurídica que poderia resultar num direito subjectivo do Autor, caso (condição suspensiva), no futuro, viesse a reformar-se por velhice ou invalidez permanente pela Segurança Social, artigo 270º do Cód. Civil.
18. À situação em apreço não é aplicável para efeitos de contagem do prazo de prescrição a data da cessação do contrato de trabalho do Autor, 14/07/2014, mas o dia seguinte à data em que foi declarado reformado pela Segurança Social, em 17 de Setembro de 2017, conf. artigo 306º, nº 2 do Cód. Civil e artigos 50º e 51º do Dec. Lei 187/2007, de 10 de Maio.
19. Ao contrário do douto entendimento expresso na douta decisão recorrida, o prazo de prescrição só começa a correr quando o direito nasce e pode ser exercido que é, naturalmente, no momento da declaração de reforma do Autor pela Segurança Social, 17/09/2017, de harmonia com o disposto no art. 306 nºs 1 e 2 do Cód. Civil e artigos 50º e 51º do Dec. Lei Dec. Lei 187/2007 de 10/05.
20. O reconhecimento do direito à pensão complementar de reforma não está sujeito a prazo prescricional especial previsto no artigo 337º do Cód. Do Trabalho, mas apenas ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos, conf. art. 309 do Cód. Civil.
21. O pagamento das pensões complementares de reforma resultantes da declaração de reforma pela Segurança Social, tem natureza periódica e, por isso, a prescrição do direito à sua exigibilidade pelo credor corre desde o vencimento da primeira prestação que não for paga - conf. art. 307 nº 1 do Cód. Civil.
22. Só a partir do trânsito em julgado da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, que absolveu o Réu Estado Português da instância relativamente ao pedido de pagamento da pensão complementar de reforma aqui em causa, é que o Autor poderia intentar a presente acção sem que pudesse ser invocada pela parte contrária, na sua contestação, a verificação da excepção de litispendência, conf. Artigos 576º e 582º do Cód. Proc. Civil.
23. O douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 15/06/2022, no âmbito da Acção n.º 544/14...., e que absolveu o Réu Estado relativamente ao pedido de pagamento da pensão complementar de reforma, transitou em julgado em 11/10/2022, pelo que ainda que à situação fosse aplicado o prazo de prescrição previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, face à data da propositura da presente acção em 26/06/2023, ainda assim o prazo de um ano não se encontra precludido e, muito menos, ultrapassado.
24. Por todo o exposto, e salvo o devido respeito, contrariamente ao entendimento vertido na douta sentença recorrida, não se verifica a prescrição de qualquer prestação complementar de reforma peticionada pelo Autor, ora Recorrente, na medida em que os créditos por falta de pagamento da pensão complementar de reforma não emergem da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho, mas assumem obrigações de natureza previdencial e, por conseguinte, não tem aplicação o prazo prescricional previsto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, mas antes o prazo de prescrição de 5 anos previsto nos artigos 309º e 310º, alíneas d) e g) do Cód. Civil.
25. A douta decisão recorrida violou por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 337º do Cód. do Trabalho, nos artigos 307º, 309º, 310º alínea g) do Cód. Civil e nos artigos 50º e 51º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 18/05.”

Termina o Recorrente peticionando a revogação da decisão, considerando que não se verifica a exceção da prescrição, devendo a instância prosseguir a sua normal tramitação até final.
Respondeu o Recorrido/Apelado pugnando pela manutenção do julgado.
*
Foi admitido o recurso na espécie própria e com o adequado efeito e regime de subida e foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Nada obstando ao conhecimento do recurso, foi dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil e foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso e tendo presente que poderá ficar prejudicado o conhecimento das conclusões de recurso pelo conhecimento anterior de outras, a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal da Relação respeita à prescrição do direito que o autor pretende ver reconhecido.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Para além dos factos que constam do relatório que antecede, quer por documento, quer por acordo das partes, estão provados os seguintes factos:

1 - O Autor foi admitido, ao serviço da empresa designada por EMP01... S.A. (EMP01...), NIPC ...27, entretanto dissolvida e liquidada, com sede na Avenida ..., ... nos períodos de 17/05/1984 a 30/06/1985, de 17/02/1986 a 07/03/1986, de 28/06/1988 a 26/09/1993 e de 13/02/1995 a 30/04/2014, para exercer por sua conta, ordem e interesse a actividade profissional de montador de construções metálicas pesadas.
2 -  Esta sociedade, uma sociedade anónima, cujo único accionista era o Estado Português, foi constituída em 03/06/1944 e a sua dissolução verificou-se em 5 de Maio de 2015, por decisão do respectivo Conselho de Administração e o encerramento da sua liquidação verificou-se em 27/04/2018.
3 - Por carta enviada, em 23 de Abril de 2014, recebida pelo A. no dia 30.04.2014, a empresa EMP01..., sua entidade patronal, comunicou-lhe o seu despedimento, no âmbito de um despedimento colectivo que se estendeu a mais onze (11) trabalhadores.
4 -  À data do despedimento, o A. tinha a categoria profissional de montador de construções metálicas pesadas e auferia uma remuneração base mensal de 1.014,30 €.
5 - Em 16 de Outubro de 2014, o A., conjuntamente com mais 9 colegas envolvidos naquele despedimento colectivo promovido pelos EMP01..., intentou no Tribunal de Trabalho ... uma acção comum emergente de contrato de trabalho sob o nº 544/14...., não só contra a sua identificada entidade patronal, mas ainda contra:
1. EMP04..., LDA., tendo como objecto a realização de actividades económicas alusivas à industria de construção e reparação de navios, bem como actividades referentes à industria metalo-mecânica;
2. EMP03... S.A., P.C. ...50, tendo como objecto (i) a compra e venda e arrendamento de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como a administração e gestão de imóveis; (ii) engenharia naval, gestão de projectos de construção e reparação naval e prestação dos serviços necessários às actividades de construção e reparação naval, designadamente nas áreas de procurement, suply chain management e formação, entretanto extinta e substituída pelo Estado Português;
3. FUNDO DE PENSÕES DOS EMP01..., cujo objecto era o suporte ou garante financeiro do pagamento das prestações de reforma por velhice ou invalidez ou por sobrevivência de acordo com o Plano de Pensões aplicável a todos os trabalhadores efectivos admitidos ao serviço da 1ª Ré até, 1 de Novembro de 2008;
4. EMP02... S.A., a sociedade gestora das pensões complementares de reforma dos trabalhadores ao serviço dos EMP01... à data da sua reforma por velhice ou invalidez,
6 - Por despacho de 21/12/2015, os R.R. da acção 544/14... foram absolvidos da instância, em consequência de ter sido julgada provada e procedente a excepção dilatória invocada pelas R.R. de erro na forma do processo.
7 - Na sequência de recurso interposto pelos, aí, A.A. para o Tribunal da Relação de Guimarães, por douto Acórdão proferido em 30/06/2016 aquele Tribunal da Relação (Secção Social) julgou a apelação parcialmente procedente, convolando-se a forma processual para Processo de Impugnação de Despedimento Colectivo, com aproveitamento da petição inicial, devendo proceder-se à apreciação da coligação à luz do preceituado nos artigos 36º e 37º do Cód. Proc. Civil.
8 - Por decisão proferida em 10/03/2022, o Mmo. Juiz em 1ª instância voltou a julgar procedente a exceção de ineptidão da petição inicial invocada pelos, aí, R.R., absolvendo-os a todos da instância
9 - Desta decisão, o A. e os demais trabalhadores interpuseram Recurso de Apelação para o Tribunal da Relação de Guimarães em 24/03/2022.
10 - Por douto Acórdão proferido em 15/06/2022, o Tribunal da Relação de Guimarães julgou a apelação parcialmente procedente e, em consequência, revogou o despacho saneador na parte em que absolveu da instância as 1ª, 2ª e 3ª Rés, relativamente aos pedidos formulados na petição inicial sob os pontos I)- a), b) e c), II), III), IV), V) e VII), confirmando-o na parte restante, designadamente manteve a absolvição da instância relativamente ao pedido formulado por cada um dos autores referente a aplicação de renda vitalícia ou unidades de participação do fundo de Pensões PPR que lhes garanta, em caso de reforma, uma pensão complementar ou o capital necessário à garantia desse pagamento.
11 - A decisão de absolvição da instância transitou em julgado em relação ao pedido acima referido, em 11.10.2022
12- O Réu EMP01... S.A., celebrou em 10/12/1987 com a Companhia de Seguros EMP05... (EMP05...) actualmente EMP06... um contrato constitutivo de um fundo designado por “Fundo de Pensões EMP01...” destinado a suportar os encargos inerentes ao pagamento do complemento de pensão de reforma por velhice ou invalidez dos trabalhados admitidos nos EMP01... até ../../2008 e do complemento de sobrevivência por óbito dos trabalhadores da referida empresa que se tenham reformado após ../../1993.
13 - Também, em caso de cessação do contrato de trabalho, os trabalhadores que se encontrem no activo e que tenham sido admitidos nos quadros permanentes dos EMP01... antes de 1 de Novembro de 2008, com um mínimo de 15 anos de serviço, e cujo contrato cesse, por mútuo acordo ou por causa involuntária por parte do trabalhador, adquirem o direito a usufruir de um beneficio calculado e definido nos termos previstos nas alíneas a) e b) do nº 1 do anexo I do Plano de Pensões dos EMP01..., quando aplicadas a uma situação de invalidez. O benefício a atribuir é equivalente ao valor actual de uma renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma, com 13 pagamentos mensais, cujo valor foi determinado nos termos da alínea anterior, será utilizado na aquisição, a título único, de uma apólice de renda vitalícia diferida para a idade normal de reforma ou de unidades de participação do fundo de pensões PPR ou de seguro de vida PPR. A subscrição deste contrato será reportada à data da cessação do vínculo laboral.
14 – O Autor reformou-se por velhice em 17.09.2017.
15 – Na pendência da Acção de Impugnação de Despedimento Colectivo, em 16.04.2018, o Autor deduziu articulado superveniente, através do qual peticionou e liquidou o pagamento das pensões complementares de reforma contadas a partir de 17.09.2017.
16 - A EMP01..., S.A., após a sua dissolução por decisão do Conselho de Administração de 05/05/2015, entrou em liquidação, cujo encerramento se verificou em 27/04/2018 pela inscrição ..., apresentação nº ...03. As relações jurídicas de que aquela era detentora transmitiram-se, por habilitação para o Estado.
17 - O Fundo de Pensões dos EMP01..., gerido pelo EMP07... VIDA E PENSÕES, foi declarado extinto pelo Dec. Lei 62/2015 de 23/04, tendo-se operado a transferência para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. da totalidade das responsabilidades então a cargo do Fundo de Pensões dos EMP01..., S.A. (Fundo de Pensões dos EMP01...).
18- A presente ação foi instaurada no dia 26.06.2023 e o Réu foi citado no dia 29.06.2023

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Da prescrição
Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de ter sido julgada procedente a exceção de prescrição do direito ao complemento de reforma e respetivas prestações por si reclamados nos autos, por força do prescrito no art.º 337.º n.º 1 do CT., uma vez que a relação laboral em causa havia cessado em 14.07.2014.
O Recorrente entende que os créditos por si peticionados na presente ação não têm natureza laboral e, por conseguinte, não é aplicável o prazo de prescrição previsto no art.º 337.º do CT.
Vejamos se lhe assiste razão, designadamente quanto à natureza previdencial dos créditos reclamados na presente ação.
O Autor formula os seguintes pedidos de condenação contra o Estado Português:
- a pagar a quantia já vencida desde ../../2017 até ../../2023, incluindo uma 13ª prestação, entretanto vencida nos meses de Novembro nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020, 2021 e 2022 acrescida dos juros legais de mora, no montante global de 10.415,66 €;
b) a pagar juros legais de tais importâncias, à taxa legal, contados da citação para contestação a presente acção até à realização do pagamento, no montante já liquidado de 10.415,66€.
c) a pagar as pensões complementares futuras, a partir de 1 de Julho de 2023 até à morte do Autor e, a partir desse evento, uma pensão de sobrevivência aos seus sucessores elegíveis;
d) Bem ainda eventuais juros de mora por qualquer atraso que se vier a verificar no pagamento dessas pensões., do direito à pensão complementar de reforma resultante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos Estaleiros Navais.
Estes pedidos decorrem, sem qualquer margem para dúvida, do eventual direito à pensão complementar de reforma resultante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos EMP01... e por isso a questão que importa dilucidar respeita ao regime prescricional das obrigações decorrentes de um plano privado previdencial que estabelece uma pensão complementar de reforma.
Na verdade, o autor insurge-se contra o facto de à data da passagem à reforma não lhe ter sido colocada à sua disposição a pensão complementar de reforma resultante do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos Estaleiros Navais, pois é nisto que se funda o invocado crédito.
Ora, a relação jurídica em causa não assume carácter laboral, apesar de derivar da relação laboral, antes, configura uma relação jurídica de carácter previdencial, uma vez que a pensão em causa não é exigível em virtude da vigência, violação ou cessação do contrato de trabalho.
É entendimento jurisprudencial maioritário que aos créditos por falta de pagamento de pensão é inaplicável o prazo de prescrição previsto no código do trabalho, pois apesar do direito ao pagamento da pensão complementar de reforma derivar de uma anterior relação laboral, tal direito é autónomo relativamente à relação laboral, uma vez que, só depois de cessada a relação de natureza laboral é que surge esta nova relação jurídica, normalmente no âmbito da segurança social ou com outra instituição previdencial.
Assim, o direito a pedir uma pensão de reforma, ou o complemento da mesma não tem prazo para ser intentado, senão o prazo de prescrição do código civil, sendo certo, que o prazo a observar é de cinco anos para considerar que não são devidas as pensões entretanto vencidas, mas nunca como prazo de prescrição para intentar uma ação para peticionar o direito às mesmas, pois nesta situação o prazo de prescrição é de 20 anos  - cfr. arts. 310.º, als. d) e g) e 309.º do Código Civil.
Em suma, enquanto o prazo de prescrição do direito à pensão é o prazo ordinário de vinte anos, o prazo de prescrição do direito às prestações é de cinco anos.
Como se escreve no Acórdão do STJ de 25/6/2002, disponível em www.dgsi.pt que “a relação previdencial de reforma, existem duas espécies de direitos: o direito à reforma, como direito unitário a receber as respectivas pensões vitalícias, e os direitos que dele periodicamente se desprendem, correspondentes às prestações periódicas em que a reforma se concretiza ao longo do tempo; a estas prestações periódicas, e aos respectivos juros legais, aplica-se o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310, alíneas d) e g), do Código Civil, aplicando-se ao direito unitário à pensão o prazo de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309 do mesmo Código”.
Resumindo, os créditos por falta de pagamento de pensão complementar de reforma prescrevem no prazo de 5 anos contados desde a exigibilidade da 1.ª prestação não paga. Neste sentido, se tem pronunciado o STJ designadamente nos seguintes arestos: de 22.11.1984, Processo 002323; de 23.05.1986, Processo 001323; de 19/12/1990, Processo 002678; de 2/12/1998, Processo 98S232; e de 7/10/2003, Processo 03S1785, todos acessíveis em wwwdgsi.pt
Não podemos assim de deixar de concordar com a recorrente, pois atenta a relação autónoma e de natureza previdencial, os créditos decorrentes da falta de pagamento da pensão complementar de reforma não estão sujeitos ao regime especial de prescrição previsto no art.º 337.º n.º 1 do Código do Trabalho.
O citado artigo 337.º n.º 1 do Código do Trabalho só é aplicável à prescrição dos créditos que surgem durante a vigência do contrato de trabalho, o que não sucede com a pensão complementar de reforma a qual constitui uma obrigação que só se concretiza e efetiva, após a reforma e por efeito direto desta, ou seja, só se efetiva após a cessação da vigência do contrato de trabalho (Ac. STJ de 22.11.1984, relator Miguel Caeiro, proc. 002323, acessível em www.dgsi.pt.)
No caso em apreço o autor peticiona o reconhecimento ao direito a uma pensão complementar de reforma, bem com a condenação do Réu no pagamento dos montantes vencidos desde que passou à situação de reformado. Estes créditos não emergem nem do exercício da profissão, nem da execução do contrato de trabalho, nem da sua cessação, ao invés emergem da situação de reforma do recorrente e integram-se no âmbito da segurança social da empresa e por isso, que não cumpre aplicar o disposto no n.º1 do art.º 337 do CT.
Acresce ainda dizer, que salvo o devido respeito por opinião em contrário, não é de aplicar ao caso, por se tratar de situação diversa, a posição assumida no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21.10.2013, proferido no processo n.º 230/12.2TTSTS-A.P1, citado na sentença recorrida, o qual sufraga a posição do STJ no seu acórdão de 13.04.2011, recurso n.º 4720/04.2TTLSB.L1.S1- 4.ª Secção (acessível em www.dgsi.pt), que tem o seguinte sumário:
“I - Tendo o trabalhador direito, por força dum acordo de pré-reforma que celebrou com a sua entidade patronal, a receber desta uma prestação pecuniária mensal, a mesma tem uma natureza jurídica diversa da pensão de reforma, ou da pensão complementar de reforma.
II - Na verdade, durante a vigência da pré-reforma o contrato de trabalho mantém-se, sendo a própria lei que considera que o que existe é uma redução da prestação de trabalho, conforme resulta do artigo 3.º do DL n.º 261/91 de 25/07.
III - Por isso, a pré-reforma não faz extinguir o vínculo laboral entre empregador e trabalhador, verificando-se antes uma modificação dos deveres contratuais do trabalhador que se pode traduzir na redução ou até mesmo na suspensão da prestação de trabalho, conforme o que for acordado entre as partes.
IV - Assim sendo, e tratando-se ainda duma prestação que tem a sua génese no contrato de trabalho, embora modificado, o prazo de prescrição tem que ser o do artigo 38.º da LCT, que ao tempo vigorava.”
Em qualquer um destes casos, está em causa uma prestação que tem a sua génese no contrato de trabalho. Na situação de pré-reforma, o trabalhador mantém-se vinculado à sua entidade empregadora pelo mesmo contrato de trabalho que, por acordo, poderá ser modificado, quer em termos de redução da prestação de trabalho, quer mesmo da sua suspensão, razão pela qual a natureza jurídica da retribuição da pré-reforma é diversa da de pensão de reforma ou da pensão complementar de reforma. A prestação de pré-reforma não é mais do que a contrapartida de uma situação em que o contrato foi reduzido ou suspenso, por isso também concordamos que, deve ser considerada, para efeitos de prescrição, como retribuição. O que não sucede no caso vertente, no qual o contrato de trabalhou não foi reduzido ou suspenso, mas sim cessou.
Vejamos agora se as prestações vencidas reclamadas pelo autor já se encontram prescritas - cfr. art.º 310.º, al. g) do C.C., por força do decurso do prazo de prescrição (5 anos) relativamente às datas em que deveriam ser pagas as prestações.
Da factualidade apurada resulta que as prestações de uma tal pensão só se começariam a vencer, por força do contrato constitutivo do Fundo de Pensões dos Estaleiros Navais, com a reforma do autor, ou seja, a partir de 17.09.2017, data em que o recorrente ficou reformado por velhice e não na data do despedimento. Nessa altura apenas dispunha de uma mera expetativa jurídica de garantia do pagamento de uma pensão complementar de reforma, caso viesse a ser reformado, por invalidez ou velhice e não do direito subjectivo. Assim, o direito só nasce e pode ser exercido no momento em que se verifica a condição suspensiva, ou seja, no momento da declaração de reforma do autor pela Segurança Social.
Ora, tendo o pagamento da pensão complementar de reforma natureza periódica, tal como acima já deixámos expresso, a prescrição do direito à sua exigibilidade pelo credor tem inicio com o vencimento da primeira prestação que não for paga – cfr- art.º 307, n.º 1 do CC.
Importa agora ponderar que de acordo com o prescrito nos artigos 323.º n.º 1 e 326.º n.º 1 do Código Civil a prescrição se interrompe pela citação ou pela notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, inutilizando-se todo o prazo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo a partir do ato. O que significa que é em relação à citação da Ré para a ação que se contam os cinco anos anteriores para considerar prescritas as prestações já vencidas, ou seja, 29.06.2023 (cfr. artigo 323.º do Código Civil).
Assim sendo, todos os créditos reclamados pelo autor em data anterior a 29.06.2018 consideram-se prescritos, sendo assim e apenas nesta parte de confirmar a decisão recorrida, já que quanto ao mais se impõe a sua revogação.
Contudo, importa ainda fazer uma pequena referência ao facto de no caso não ser aplicável o prescrito no art.º 279.º n.º 2 do CPC. designadamente quanto aos efeitos civis derivados da propositura da ação de despedimento coletivo, relativos à prescrição, uma vez que a decisão proferida naquela ação, que absolveu da instância o Réu no que respeita aos pedidos agora em apreço, transitou em julgado em 11.10.2022, tendo a presente ação sido interposta em 26.06.2023 e o Réu citado em 29.06.2023, datas em que à muito havia decorrido o prazo de 30 para que os efeitos civis derivados da propositura da ação de impugnação do despedimento coletivo se mantivessem.
Em suma, o autor não se pode fazer valer dos efeitos civis derivados da propositura da primeira ação, designadamente do efeito interruptivo do prazo de prescrição dos créditos laborais peticionados.
Procede parcialmente o recurso.

V – DECISÃO

Acordam os Juízes neste Tribunal da Relação de Guimarães em dar parcial provimento ao recurso e consequentemente em revogar parcialmente o despacho recorrido, decidindo em sua substituição que, todos os créditos reclamados pelo autor em data anterior a 29.06.2018 se encontram prescritos, procedendo assim parcialmente a exceção perentória da prescrição, baixando os autos à 1ª instância a fim de ai prosseguirem com a sua legal e normal tramitação.
Custas do recurso a cargo da recorrente na proporção de 1/4 e do Recorrido na proporção de 3/4, sem prejuízo da isenção de que beneficia.
Guimarães, 29 de Fevereiro de 2024

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira