Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4674/17.5T8GMR.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: ACTIVIDADE DESPORTIVA
CONDUÇÃO AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O que determina a qualificação de uma actividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados, originando uma maior probabilidade de danos em comparação com as restantes actividades em geral.
II - A circulação automóvel do dia-a-dia, para a qual as pessoas e seguradoras contratam entre si seguros de responsabilidade civil, não é comparável à circulação a que se assiste numa prova de rally, a qual comporta um risco acrescido enquanto desporto de velocidade.
III - O lesante só poderá exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar, ficando afastada a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adoptado todas aquelas providências
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de ...

1- Relatório

AA veio instaurar acção declarativa com processo comum contra a Associação ..., a Federação ... de Automobilismo e de Karting e Seguradora ..., S.A, pedindo a condenação solidária das Rés a pagar-lhe a quantia de € 135.909,98 (cento e trinta e cinco mil, novecentos e nove euros, noventa e oito cêntimos) acrescida de juros de mora legais em vigor contados desde a citação até integral pagamento.
Alegou, para o efeito, que o montante peticionado corresponde aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, sofridos em consequência de acidente que consistiu no atropelamento da Autora por veículo automóvel de matrícula ..-..-SM, conduzido por BB que perdeu o controlo da viatura, se despistou e colidiu com vários espectadores, entre os quais a A., durante uma prova de automobilismo organizada pela 1ª Ré com conhecimento e autorização da 2ª Ré, na qual não foram respeitados os regulamentos e a legislação aplicáveis a uma prova de rali.
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Contestou o Réu Associação ... defendendo-se por excepção e por impugnação, arguindo a sua ilegitimidade passiva por dispor de seguro de obrigatório de responsabilidade civil para a prova desportiva, válido e vigente à data da ocorrência do acidente, celebrado com a co-Ré “Seguradora ...”, de que é tomador a “Federação ... de Automobilismo e de Karting”, situando-se o valor do pedido dentro dos limites do capital seguro, bem como invocando a responsabilidade das autoridades policiais alegando que a questão da segurança relativamente ao público presente, ao controlo dos espectadores e à circulação de pessoas lhes foi exclusivamente confiada e estas determinaram quais as zonas que deveriam ser interditadas e eventualmente vedadas ao acesso do público, descurando as mais elementares regras de segurança durante a prova, dado que o acidente ocorreu num local onde os peões estavam proibidos de circular, o que não foi devidamente controlado por esta força policial.
Impugnou, ainda, os fundamentos do pedido quer relativamente à dinâmica do acidente, quer quanto às consequências danosas do mesmo para a Autora, pugnando pela absolvição do Réu.
Requereu a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo crime n.º 545/14.... que corre termos no Juízo de Instrução Criminal ... por mor do acidente a que se reportam os presentes autos.
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Contestou a Ré Federação ... de Automobilismo e de Karting – ... – defendendo-se também por excepção e por impugnação, arguindo a responsabilidade da GNR na definição das regras zonas de risco, do número de elementos policiais e das zonas de acesso interdito ou vedado no decurso da prova, especificando que apenas lhe compete certificar a presença no local dos meios de socorro identificados no plano de segurança e que o acidente ocorreu porque o local não constituía zona de perigo, tendo ficado a dever-se ao descontrolo do condutor após o embate.
Aduziu que a Autora, por seu turno, contra indicações expressas que lhe foram transmitidas por elementos da força policial e Marshall da prova, posicionou-se numa zona em que, muito embora não estivesse sinalizada, nem fosse considerada de risco, os veículos passavam ainda a uma velocidade elevada, impondo-se-lhe um especial dever de cautela atenta a natureza da prova desportiva em curso, conduta que não adaptou ao colocar-se na berma da estrada onde decorria a prova.
Mais impugnou parte dos fundamentos da acção.
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Contestou a Ré Seguradora ...  arguindo a sua ilegitimidade por preterição de litisconsortes necessários passivos – a PSP, a GNR e a Câmara Municipal ... – sobre quem, em seu entendimento, recai responsabilidade pela ocorrência em apreço, na medida em que esta aprovou e licenciou a realização da prova em apreço e aquelas deram parecer positivo subordinado ao cumprimento de um plano que cada uma elaborou contemplando o uso exclusivo de elementos de cada uma das respectivas forças, cuja presença na prova foi paga pelo 1º Réu, dado que  não estava na sua disponibilidade a definição do plano de segurança do Rali;
Invocou, ainda, a incompetência absoluta do Juízo Central Cível ... em razão de matéria, por considerar estar-se perante uma situação de responsabilidade civil do estado, da competência dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Por outro lado, imputa a responsabilidade ao condutor e ao mecânico que presta a assistência técnica ao veículo que interveio no acidente, por saberem que a viatura tinha sido modificada com prejuízo das condições de segurança mecânica necessárias à sua circulação, modificações que estiveram na origem do desprendimento de uma roda traseira causador do acidente, bem como à A. por se ter colocado em local perigoso contra instruções dadas aos transeuntes por um comissário técnico que se encontrava junto ao sinal STOP para não circularem próximo da via por onde passavam os carros de competição, no mais impugnando parte dos fundamentos do pedido.
Pediu a intervenção processual acessória de BB e de CC, respectivamente piloto e mecânico do veículo sinistrado, como associados da Ré, com vista ao eventual exercício futuro de direito de regresso contra estes.
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Admitida a intervenção processual acessória requerida pela 3ª Ré, veio BB contestar carreando factos alusivos à dinâmica do acidente, invocando que o local onde ocorreu o acidente deveria estar interdito à participação do público.
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Notificada para o efeito, veio a Autora responder às contestações, divergindo do entendimento do 1º Réu relativamente à sua ilegitimidade passiva, sustentando que, face à existência de várias vítimas, algumas das quais mortais, do mesmo acidente a que se reportam os autos, não é certo que o montante total das indemnizações reclamadas caiba dentro do capital do seguro obrigatório contratado, razão pela qual se mostra justificada a demanda do tomador e outros responsáveis civis.
Quanto à excepção de ilegitimidade suscitada pela 3ª Réu, manteve que, tal como a Autora apresenta os fundamentos da responsabilidade pela ocorrência do acidente, apenas as Rés são titulares passivas da relação material controvertida.
Impugnou os fundamentos das demais excepções invocadas pelos Réus, reiterando o exposto da p.i..
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Na audiência prévia, precedida de despacho que indeferiu a suspensão da instância requerida pelo 1º Réu elaborou-se o despacho-saneador que julgou improcedentes as excepções de ilegitimidade passiva invocadas por 1º e 3ª Réus e, consequentemente,  declarou prejudicado o conhecimento da questão da incompetência do tribunal em razão de matéria, dependente que estava do entendimento vencido, de que a C.M. ... a GNR e a PSP são parte necessária passiva da presente acção, após o que se identificou o objecto do litígio, a matéria assente por documento ou acordo das partes e enunciou os temas da prova.
Após, foram apreciadas as reclamações apresentadas pelas partes contra a matéria de facto constante dos temas da prova que resultou no aditamento/eliminação da matéria aí indicada.
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Citado, veio o Instituto da Segurança Social formular pedido de reembolso de prestações pagas, pelo que cumprido o contraditório, foi proferido o despacho a aditar ao objecto do litígio e à matéria de facto as questões/factos carreados pelo ISS e apreciada a reclamação deduzida.
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Determinada a realização de perícia para avaliação do dano à pessoa da Autora, foram juntos os relatórios preliminar, intercalar e final, assim como esclarecimentos escritos.
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Por requerimento veio o ISS reduzir para € 8.249,13 o pedido formulado, a que se seguiu o respectivo despacho de admissão.
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Realizou-se a audiência de julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou:

i. Parcialmente procedente o pedido formulado pela Autora, condenando a Ré Seguradora ... S.A. a pagar-lhe a quantia de € 54.052,25 (cinquenta e quatro mil e cinquenta e dois euros e vinte e cinco cêntimos), acrescida de juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal sobre a quantia de € 31.552,25 (trinta e um mil, quinhentos e cinquenta dois euros e vinte e cinco cêntimos), desde a citação, até efectivo e integral pagamento, e contados sobre a parte restante desde a presente data até efectivo e integral pagamento.
ii. Improcedente a parte restante do pedido deduzido pela Autora contra a Ré Seguradora ..., S.A., da qual se absolve esta Ré.
iii. Improcedente o pedido formulado pela Autora contra as Rés Associação ... e Federação ... de Automobilismo e de Karting, do qual vão ambas absolvidas.
iv. Parcialmente procedente o pedido formulado pelo Centro Distrital de ..., do Instituto da Segurança Social, IP, condenando a Ré Seguradora ..., S.A. a pagar-lhe a quantia de € 8.249,13 (oito mil, duzentos e quarenta e nove euros e treze cêntimos).
v. Improcedente a parte do pedido formulado pelo Centro Distrital de ..., do Instituto da Segurança Social, IP contra as Rés Associação ... e Federação ... de Automobilismo e de Karting, do qual vão ambas absolvidas.
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II - Objecto do recurso

A Ré “G..., S.A.” não se conformando com o teor dessa decisão veio recorrer, concluindo nos seguintes termos:

a) Contrariamente ao julgado pelo Tribunal a quo no facto 12 integrante da factualidade dada como não provada,não considera a Recorrente que o local do acidente sub judice, localizado entre a célula fotoeléctrica de tomada de tempo e a linha de controlo de STOP, não fosse uma zona não perigosa.
b) Motivo pelo qual, tendo a Recorrida se instalado nesse local, onde viria a ser colhida, por sua livre iniciativa, impunha-se a apreciação e penalização da sua conduta, nos moldes previstos no artigo 570.º do CC, com vista à determinação da sua culpa e inerente repercussão no arbitramento da indemnização.
c) Porquanto, foi colhida a cerca de 18 metros da célula fotoeléctrica de tomada de tempo, quando circulava no sentido contrário ao da marcha dos veículos de competição, pela berma do lado esquerdo, provinda da linha de controlo STOP, no preciso momento em que parou para assistir à passagem do veículo que a viria a colher (factos 19 e 38 integrante da factualidade dada como provada).
d) Nesta senda,tratando-se da zonade desaceleração dos veículos, onde ainda seriam atingidas velocidades elevadas, sempre existia a possibilidade dos veículos saírem do trajecto, invadindo, assim, a berma, que nunca seria larga o suficiente para protecção dos transeuntes ali localizados.
e) Acontece que, pela Testemunha DD, marido da Recorrida e igualmente lesado no acidente sub judice, foi reconhecida a perigosidade do local onde viriam a ser colhidos e, bem assim, que não foram surpreendidos pela presença dos veículos naquele troço.
f) Sendo importante evidenciar que, no âmbito do processo n.º 4719/17.9T8GMR, em que, a par de EE, figurou como Autor, concluiu-se que concorreram em 25% para a produção dos danos que sofreram no acidente que vitimizou identicamente a Recorrida, o que nos leva a questionar por que razão não foi imputada responsabilidade à Recorrida nos presentes autos.
g) Já pelas Testemunhas FF e GG, militares da GNR, foi igualmente reconhecida a perigosidade do local sub judice, tendo o primeiro evidenciado que não se instalaria no local onde ocorreu o acidente, enquanto o segundo atestou que no local existiam agentes a alertar os transeuntes para não circularem naquele troço.
h) A Testemunha HH, por sua vez, veio identicamente atestar a perigosidade do local, evidenciando a sua experiência na organização deste tipo de competições e relatando situações idênticas à dos autos.
i) Portanto, ao instalar-se no local sub judice, a Recorrida revelou uma conduta inadequada e imprevidente, na medida em que deveria ter adoptado outras medidas mais cautelosas, por forma a evitar a ocorrência do acidente sub judice, tais como colocando-se num ponto elevado, como os demais espectadores fizeram, ou protegendo-se por de trás de certos objectos ali localizados (pneus), mas nunca se colocando numa situação desprotegida, numa zona caracterizada pela circulação dos veículos a alta velocidade.
j) Nesta feita, sempre deveria o Tribunal a quo ter apreciado a conduta da Recorrida ao abrigo do disposto no artigo 570.º do CC, por consubstanciar uma conduta censurável, porque díspar da que uma pessoa normalmente cuidadosa, em idênticas circunstâncias, adoptaria, ignorando, por completo, a hipótese dos veículos se despistarem naquele local em concreto.
k) Sendo certo que, mal andou o Tribunal a quo ao divergir na decisão das demais proferidas acerca do acidente sub judice, em que a conduta dos lesados foi julgada culposa e, como tal, atribuída responsabilidade na produção do acidente (processos n.os 4719/17.9T8GMR, 3980/17.... e 545/14...., respectivamente, 25%, 20% e 30% de culpa dos lesados).
l) Por tudo, considera a Recorrente que deveria o Tribunal a quo ter concluído pela perigosidade do local sub judice e, consequentemente, pela culpa da Recorrida na produção do acidente, em razão de ali se ter instalado, por sua livre iniciativa, conforme sucedeu nas demais decisões acerca do acidente sub judice.
m) Motivo pelo qual, tendo por base os segmentos supra transcritos, pugna pela alteração do facto 12 integrante da factualidade dada como não provada, devendo passara integrar a factualidade dada como provada, atribuindo-se responsabilidade à Recorrida na produção do acidente, nos moldes previstos no artigo 570.º do CC, em percentagem nunca inferior a 20%, com repercussão na indemnização arbitrada.

Nestes termos, e nos que V. Exas. muito doutamente suprirão,

Deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo o facto 12 integrante da factualidade dada como não provada passar a integrar a factualidade dada como provada, com as legais consequências, isto é, concluindo-se pela culpa da Recorrida na produção do acidente sub judice, em percentagem nunca inferior a 20%, com repercussão na indemnização arbitrada.
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Por sua vez, a A. veio apresentar as suas contra-alegações e apresentar recurso subordinado, nos seguintes termos:

1ª.O Rali ..., no decorrer do qual ocorreu o acidente que se discute nos autos, constitui uma “actividade perigosa”, como tal, sujeita ao regime do art.º 493º.-2 do Código Civil.
2ª.Sendo a organização daquela prova da responsabilidade da 1ª. Ré, Associação ...”, a esta competia levar a cabo “todas as providências exigidas pelas circunstâncias”, a fim de prevenir os danos que porventura fossem causados por efeito da realização daquela, nomeadamente, a elaboração de um Plano de Segurança com identificação das zonas de risco e das interditas ao público, bem como requisitar as forças policiais necessárias para assegurar o “conveniente policiamento das localidades de passagem, particularmente, nos locais de partida e de chegada, e, ainda, nos que mais frequentemente são procurados pelo público”.
3ª.O local onde se deu o acidente não estava barrado ou sinalizado por qualquer forma – sonora, visual ou outra – como local de risco, especialmente perigoso, de acesso interdito ou sequer condicionado à presença de público.
4ª.A Autora não recebeu qualquer indicação, fosse da parte da organização da prova, fosse da autoridade policial, ou de quem quer que fosse, no sentido de não entrar no troço em se situa o local onde sofreu o acidente,
5ª.Local esse em que se encontrava de passagem pretendendo dirigir-se para um outro ponto do percurso da prova, caminhando pela berma em sentido contrário ao dos veículos em prova e tendo parado à passagem do veículo que viria a colhê-la, desviando-se o mais possível para o interior da berma, encostada a um talude.
6ª.Como a Autora, fizeram vários outros espectadores, que também foram colhidos no acidente, tendo todos entrado no troço em causa através de um posto da organização – linha de STOP – no qual estava um elemento da organização e um agente da GNR,
7ª.Sendo que, nem um, nem outro, fizeram qualquer observação ou recomendação, antes tendo deixado que todos esses espectadores entrassem livremente e sem condicionamento naquele mesmo troço.
8ª.Se a organização da prova – da responsabilidade da 1ª. Ré – tivesse tomado as “providências adequadas”, a Autora não teria sido colhida porquanto teria sido impedida de se expor ao perigo de que veio a ser vítima.
9ª.Não era exigível à Autora que antevisse o risco que envolvia o local do acidente ao qual acabava de aceder, o que, de resto, os testemunhos citados pela própria Recorrente confirmam, cabendo notar que o Rali ... era uma prova destinada a ser vista pelo público.
10ª.Assim, a Autora não praticou qualquer acto ilícito sem o qual o acidente não teria ocorrido ou não teria sido tão grave. E também não omitiu qualquer dever geral de previdência.
11º.Seja como fôr, o regime do artº. 493º.-2 do Código Civil não estabelece uma presunção de culpa mas sim uma culpa efectiva imputada a quem não cumpra o dever de empregar todas as providências exigidas pelas cicunstâncias.
12º.Improcedem, pois, todas as conclusões da Ré/Recorrente, pelo que, quanto à imputação de responsabilidade, a sentença recorrida não merece censura.

(das alegações do recurso subordinado)

1ª.No respectivo relatório, a sentença recorrida fixou praticamente a totalidade dos factos alegados pela Autora no que toca à especificação dos danos - materiais e morais - por ela sofridos e ao valor dos prejuízos certos e determinados que lhe correspondem.
2ª.a) A título de danos não patrimoniais, a Autora pediu indemnização no montante de 40.000,00€;
b)Para indemnização da perda de capacidade de ganhoperspectivada pelo défice funcional permanente de que passou a padecer, peticionou 60.000,00€;
c)Peticionou ainda 30.000,00€ como indemnização pelo défice funcional permanente com repercussão negativa na sua vida pessoal e diminuição da qualidade de vida.
3ª.Pela sentença recorrida, as quantias referidas na conclusão anterior, foram: A da al. a) reduzida para 22.500,00€;
A da alínea b) reduzida para 27.000,00€;
A da alínea c) foi totalmente desatendida.
4ª.Entendeu o Tribunal, quanto a esta últia alínea, que “a pretendida reparação (...) não tem, salvo melhor opinião, tratamento em sede patrimonial, para a qual releva a expressão económica do dano, mas antes em sede de indemnização por dano moral, no qual o défice permanente apurado tem uma expressão relevante”.
5ª.Aceitando-se esta posição do Tribunal quanto à natureza dos danos em causa, não se compreende nem pode aceitar-se então uma indemnização de somente 22.500,00€ por danos não patrimoniais.
6ª.Ponderando a posição defendida na petição inicial e os argumentos produzidos na sentença em recurso, considera-se então equilibrado o valor global de 60.000,00€ para indemnização dos danos sofridos com natureza não patrimonial, agregando as al.s a) e c) acima referidas.
7ª.Quanto à alínea b), o cálculo do valor obtido na sentença partiu de um Défice Funcional Permanente de 4 pontos o que não está de acordo com o fixado no facto 79. (8 pontos). Deste modo, o cálculo efectuado pela Autora e exposto nos art.ºs 216.º a 226.º da petição inicial para apuramento da quantia adequada a indemnizar a diminuição da sua capacidade de ganho no período posterior à data do acidente e a decorrer até ao fim da sua vida profissional activa se revela correcto e até contido já que foi aplicada uma taxa de rendimento de 1,5% quando o Tribunal usou 2%.
8ª.Dá-se aqui por reproduzido integralmente para todos os efeito o teor daqueles art.ºs 216.º a 226.º e conclui-se, assim, que o valor de 60.000,00€ para indemnização à Autora pela perda de ganho futuro que sofreu em consequência do acidente se revela justa pelo que deve ser acolhida. Tenha-se, aliás, presente que é seguro que a situação da Autora, neste ponto, - infelizmente - não melhorará: vai antes piorar, faltando, no entanto, saber quando e em que medida.
9ª.Esta quantia é fixada com base em dados objectivos e não por recurso à equidade, pelo que, tal como todas as outras que não respeitam a danos não patrimoniais, deve vencer juros à taxa legal desde a citação da Ré/Recorrida.
10ª.A sentença deve, portanto, ser substituída quanto aos valores fixados para indemnização a qual, globalmente, deverá ser de 125.909,98€, acrescida de juros que, quanto a 60.000,00€ (danos não patrimoniais) serão contados desde a data da decisão final, ao passo que os juros sobre a parte restante serão contado desde a data da citação.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Ex.as,:
A – Deve julgar-se improcedente o recurso principal; e
B – Deve julgar-se procedente o recurso subordinado,
Como é de Justiça!
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III-O Direito

Como resulta do disposto nos art..ºs 608.º, nº. 2, ex vi do artº. 663.º, n.º 2, 635.º, nº. 4, 639.º, n.os 1 a 3, 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Assim, face às conclusões das alegações de recurso, importa ponderar sobre a reapreciação da matéria de facto impugnada e sobre o montante dos valores fixados a título de indemnização pelos danos sofridos pela A. em consequência do acidente.
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Fundamentação de facto

Factos Provados

1. No dia 07/09/2014 realizou-se em ... o Rali ..., organizado pela 1.ª R., Associação ..., com sede na Rua ..., ..., em ... (artigo 2º da p.i.).
2. O Associação ... é uma associação constituída no dia 21 de Novembro de 1988 que tem por objecto social, entre o mais, a promoção e organização de eventos desportivos, detentora do alvará de Organizador de Provas Desportivas n.º 34, emitido pela Federação ... de Automobilismo e de Karting (...) (artigos 3º e 4º da p.i.).
3. A organização da referida prova esteve a cargo dos membros da Associação ...” - II, JJ, KK e LL -, sendo oficial da prova enquanto responsável pela segurança MM (artigos 5º e 6º da p.i.).
4. O Réu Associação ... dirigiu, a 9 de Junho de 2014, à GNR ..., o ofício reproduzido no documento número ... da contestação do 1º Réu, junto a fls. 127 dos autos, solicitando o seu parecer sobre o percurso da prova (artigos 23º e 24º da contestação do 1º Réu e 33º da contestação da 2ª Ré).
5. O Destacamento Territorial de ... da GNR, respondeu ao ofício aludido no facto provado anterior por comunicação escrita datada de 20.06.2014, reproduzida no documento ... da contestação do 1º Réu, junto a fls. 128 dos autos, da qual consta …é parecer deste Comando de que não inconveniente para a realização do referido evento, desde que sejam cumpridos todos os requisitos anteriormente mencionados…, entre os quais consta o …Conveniente policiamento nas localidades de passagem, particularmente nos locais de partida e de chegada, e, ainda, nos que mais frequentemente são procurados pelo público, devendo ser requisitadas as forças necessárias às entidades Policiais. (artigos 25º a 27º da contestação do 1º Réu e 34º e 35º da contestação da 2ª Ré).
6. A Câmara Municipal ... emitiu o Alvará n.º ...14 com data de 30 de Julho de 2014, reproduzido no documento ... da p.i. (fls. 27 v.º dos autos), concedendo ao Associação ... …autorização para a realização do evento “Rali ...”, em ..., no dia 7 de setembro de 2014.
7. O Réu Associação ... contactou a D... – da PSP, os encarregados do sector do trânsito da Policia Municipal ..., a quem deu conta do plano de segurança elaborado pelo Associação ... para aquele Rali, junto como documento ... da p.i. e também a 02.11.2019 (fls. 28 e ss. e 553 e ss. dos autos), em reuniões convocadas para o efeito (artigos 29º e 30º da contestação do 1º Réu e 36º da contestação da 2ª Ré).
8. Na sequência dos contactos descritos no facto anterior, a PSP e a Polícia Municipal entregaram ao Associação ... um exemplar de cada um dos seus planos operacionais, reproduzidos nos documentos ... (fls 128 v.º e 129 dos autos) e 6 (fls. 129 v.º dos autos), datados de 01.09.2014 e 02.09.2014, respectivamente, dos quais constam os locais do percurso da prova, a missão e o agente policial colocado em cada zona do trajecto sujeita à sua competência, durante a realização da prova desportiva (artigos 31º a 33º da contestação do 1º Réu e 39º da contestação da 2ª Ré).
9. Dias antes da prova ocorreu uma reunião no local, em que estiveram presentes, para além do representante do Associação ... e Director da Prova (o Sr. II), responsáveis das três referidas forças policiais (PSP, Polícia Municipal e GNR) (artigos 34º e 35º da contestação do 1º Réu, 37º e 38º da contestação da 2ª Ré).
10. Seguidamente, o Sr. Director da Prova percorreu com cada um daqueles responsáveis o trajecto da competição sujeito ao policiamento de cada um daquelas entidades, com o objectivo de definir o número necessário e suficiente de representantes daquelas forças públicas ao longo de todo o percurso da prova (artigos 34º a 36º da contestação do 1º Réu, 37º e 38º da contestação da 2ª Ré).
11. O Sr. Director da Prova sugeriu ao Sr. Comandante da GNR a colocação de menos agentes da GNR do que o número por este identificado durante percurso, o que foi recusado pelo Sr. Comandante (artigo 38º da contestação do 1º Réu).
12. Cada uma daquelas forças policiais definiu o número de efectivos que entendeu suficientes para a função a desempenhar, bem como o local exacto que cada um desses elementos devia ocupar durante a realização da prova desportiva, tendo sido alocados ao evento um total de 36, sendo 14 da Polícia de Segurança Pública, 15 de Polícia Municipal e 7 da Guarda Nacional Republicana (artigos 43º e 44º da contestação do 1º Réu e 39º da contestação da 2ª Ré).
13. Definido o policiamento, a comissão organizadora juntou ao plano de segurança o anexo relativo à identificação das concretas zonas onde se deveriam localizar elementos policiais ou da organização (artigo 42º da contestação da 2ª Ré).
14. E enviou o plano de segurança, juntamente com o Regulamento Particular da Prova, à 2ª Ré que os recebeu, verificou e aprovou (artigos 20º, 43º e 44º da contestação da 2ª Ré).
15. A equipa “...” participou na competição com o veículo de marca ..., Modelo ..., de matrícula ..-..-SM, propriedade de BB, conduzido pelo piloto BB e pelo co-piloto NN (artigos 8º e 9º da p.i. e 3º da contestação da Seguradora ...).
16. Nos termos do Regulamento Particular do “Rali ... 07 de Setembro de 2014”, reproduzido no documento número ... da p.i. (fls. 24 e ss. dos autos), o rali …consta de uma prova de estrada em piso de asfalto onde serão incluídas 3 Provas
Especiais de Classificação (PECs). As P.E.C.s serão disputadas na junção das EN ... e EM ..., conforme mapa em anexo. (…) A distância total de cada P.E.C. é de cerca de 7,8 Kms. (artigo 10º da p.i.).
17. As provas especiais de classificação mencionadas no número anterior, tinham início em ..., na cidade ..., e término na EM..., na Rua ..., em ..., do concelho ..., junto ao ... (artigo 11º da p.i.).
18. As viaturas de competição circulavam no sentido de marcha ... / ... (artigo 12º da p.i.).
19. A fase final da prova especial de classificação integrava o seguinte percurso: uma recta em sentido descendente, no término da qual a via descreve uma acentuada curva à esquerda, local onde a berma esquerda se apresenta desnivelada em relação à superfície da faixa de rodagem numa altura de cerca de 15 cm; à mencionada curva à esquerda segue-se uma recta com inclinação ascendente, encimada por uma lomba; sensivelmente a meio desta recta, encontrava-se a linha de tomada de tempo, cuja célula de tempo (aparelho de cronometragem) estava instalada no limite da berma esquerda, junto do termo de uma vedação metálica, no alinhamento da tomada de tempo; cerca de 200 metros depois da linha de tomada de tempo, encontrava-se a linha de controlo STOP onde as equipas concorrentes tinham de imobilizar as viaturas de competição e apresentar a respectiva carta de controlo aos cronometristas para registo de chegada, anteriormente gravada na célula fotoeléctrica (artigos 13º e 52º da p.i.).
20. No dia 7 de setembro de 2014, cerca das 15:20 horas, no decurso da primeira prova especial de classificação, o piloto BB, conduzia o veículo ..-..-SM pela EM ..., Rua ..., em ..., ... (artigo 14º da p.i.).
21. Ao desfazer a curva à esquerda que se seguia à recta descendente, transpôs a berma esquerda com os rodados dianteiro e traseiro esquerdos, tendo embatido fortemente com a embaladeira esquerda no solo, altura em que o piloto BB perdeu o controlo da viatura (artigo 15º da p.i.).
22. Atento o embate, a viatura entrou em despiste para o flanco direito, após o que prosseguiu uma trajectória aos ziguezagues pela recta ascendente em direcção à linha de tomada de tempo (artigo 16º da p.i.).
23. Durante esse percurso, o veículo de matrícula ..-..-SM saiu descontroladamente para a metade direita da faixa de rodagem, após o que prosseguiu até à área da cronometragem com a parte traseira a rodar para a esquerda (artigo 17º da p.i.).
24. Cerca do Km 6,32 do trajecto dessa primeira prova especial de classificação, ao passar junto da célula fotoeléctrica o veículo automóvel de matrícula ..-..-SM, animado de grande velocidade, saiu desgovernado em direcção à berma esquerda deixando rastos de derrapagem assimétricos no pavimento, no lado esquerdo da rodovia, numa extensão de 5,50 metros na parte inferior e numa extensão de 13,60 metros na parte superior, não imobilizando o veículo (artigo 18º da p.i.).
25. Logo após, o referido veículo de matrícula ..-..-SM embateu frontolateralmente no talude que delimita a berma esquerda, colhendo oito espectadores, entre os quais a aqui A. (artigos 19º e 20º da p.i.).
26. O embate do veículo deu-se quando o condutor do veículo se encontrava a realizar a prova, encontrando-se esta a decorrer (artigo 21º da p.i.).
27. Na parte da via de traçado recto, em sentido ascendente, avista-se a totalidade da faixa de rodagem em toda a sua amplitude numa extensão superior a 50 metros (artigo 22º da p.i.).
28. No local do embate o piso é alcatroado e encontrava-se limpo, seco e em regular estado de conservação (artigo 23º da p.i.).
29. O tempo estava bom (artigo 24º da p.i.).
30. A faixa de rodagem é ladeada por duas bermas desniveladas, em terra batida, tendo a do lado esquerdo cerca de dois metros de largura (artigo 25º da p.i.).
31. As bermas são marginadas por morros em terra, com cerca de 0,60 metros do lado esquerdo e 2,5 metros do lado direito (artigo 26º da p.i.).
32. No topo dos morros encontravam-se pessoas a assistir à prova desportiva (artigo 27º da p.i.).
33. Na berma esquerda encontravam-se pessoas que assistiam à prova desportiva junto da linha de tomada de tempo (artigo 28º da p.i.).
34. Pela mesma berma esquerda circularam pessoas, desde a zona da linha de controlo de STOP até à área da linha de tomada de tempo, em sentido contrário ao da marcha dos veículos de competição (artigo 29º da p.i.).
35. A A. acedeu ao local da prova pelo ..., junto à linha de STOP onde existia um espaço da organização e onde se encontravam elementos dessa mesma organização e um elemento da GNR, sem que tivesse sido, visual ou sonoramente, por parte da organização ou de outrem, alertada para o perigo e consequente proibição de permanência em tal local, ou houvesse restrição ou impedimento à passagem dos espectadores e à sua circulação pelas bermas (artigos 30º e 54º da p.i. e 8º da contestação da 2ª Ré).
36. Entre a zona onde se localizava a linha de controlo de STOP por onde a Autora acedeu ao percurso da prova e a linha de tomada de tempo, não existiam barreiras, fitas, ou outra forma de informar os espectadores que não deviam por aí circular ou aí permanecer (artigo 31º da p.i.).
37. Imediatamente a seguir à célula fotoelétrica de tomada de tempo, atento o sentido de marcha dos veículos, encontrava-se mais de uma dezena de pessoas a assistir à prova na berma esquerda da via (artigo 54º da p.i.).
38. Após ter caminhado em sentido contrário ao da marcha dos veículos, provinda da zona de linha de controlo STOP, pela berma do lado esquerdo atento o sentido da prova, a A., cerca de 18 metros antes da célula fotoeléctrica de tomada de tempo, parou à aproximação do ..-..-SM e aguardou a sua passagem, tendo, juntamente com outras pessoas do público, sido colhida por este veículo automóvel (artigos 32º e 33º da p.i., 8º e 19º da contestação do Interveniente BB).
39. O veículo automóvel de matrícula ..-..-SM embateu no membro inferior esquerdo e na bacia do mesmo lado do corpo da Autora, projectando-a contra o solo e causando a sua perda de consciência (artigos 34º e 35º da p.i.).
40. O embate na pessoa da Autora ocorreu cerca das 15:20 horas, no decurso da primeira prova especial de classificação quando tinham já passado no local cerca de quarenta veículos concorrentes (artigos 1º e 55º da p.i. e 117º da contestação da 3ª Ré).
41. Na linha de tomada de tempo encontrava-se um elemento da organização da prova (artigos 2º e 8º da contestação da 2ª Ré).
42. O local onde se deu o acidente não se encontrava sinalizado pelas forças policiais ou pela organização como uma zona de risco (artigo 4º da contestação da 2ª Ré).
43. O local onde ocorreu o acidente era uma recta com boa visibilidade, imediatamente após a célula de medição de tempo e constituía a zona de desaceleração dos veículos em prova (artigo 6º da contestação da 2ª Ré e 17º da contestação do Interveniente BB).
44. A 2ª Ré procedeu à verificação do correcto funcionamento das células de tempo com vista ao controlo dos tempos dos concorrentes, e da presença no local da prova dos meios de socorro identificados no plano de segurança, com vista a autorizar o início da prova (artigos 46º e 47º da contestação da 2ª Ré).
45. OO, guarda da GNR com o número mecanográfico .../...2, encontrava-se na recta onde estava situada a célula da tomada de tempo, a cerca de 100 metros distância desta para o lado de onde provinham os veículos participantes, instruindo os espectadores que aí passavam para não se fixarem ou circularem na berma (artigo 115º da contestação da 3ª Ré).
46. Junto ao sinal STOP encontrava-se pelo menos um elemento do Associação ... e um agente da GNR (artigo 116º da contestação da 3ª Ré).
47. O veículo ..-..-SM estava habilitado a participar na prova em apreço pelo passaporte técnico com o número 4849 emitido pela Federação ... de Automobilismo e de Karting, tendo sido sujeito às necessárias verificações para o efeito (artigo 11º da contestação do Interveniente BB).
48. Em virtude do embate, a A. sofreu ferimentos e perda de consciência (artigos 83º e 84º da p.i.).
49. A Autora foi imediatamente assistida no local pelo INEM, após o que, colocada em plano duro e com colar cervical foi transportada de ambulância para o serviço de urgência do Hospital ... onde deu entrada no dia 07/09/2014, pelas 17:38 horas, sendo admitida na triagem com “Prioridade: Muito urgente.” (artigos 84º e 85º da p.i.).
50. Foi então a A. observada, apresentando “Abdómen com dor à palpação dos quadrantes esquerdos, com defesa” e “Deformidade no MIE – com tala – escoriações na coxa e perna. Escoriação e edema do tornozelo direito.” (artigo 86º da p.i.).
51.Foi submetida a diversos exames, nomeadamente TC (Tomografia Computorizada) cerebral, TC cervical, TC do abdómen, TC do torax, TC pélvico, Raio X ao membro inferior esquerdo e análises (artigo 87º da p.i.).
52. Durante a permanência na sala de emergência, feito mais de 6 mg de morfina (artigo 88º da p.i.).
53. Tendo-lhe sido diagnosticado: “Do estudo radiológico identificou-se: - fractura do ramo iliopúbico esquerdo sem desvio/ - fractura/arrancamento de espinha da tíbia no joelho esquerdo/ - fractura cominutiva do terço médio dos ossos da perna esquerda” (artigo 89º da p.i.).
54. Foi-lhe imobilizado o membro inferior esquerdo com tala gessada cruropodálica (artigo 90º da p.i.).
55. Para continuação de cuidados foi transferida no mesmo dia 07/09/2014 para o Centro Hospitalar do ..., E.P.E. - Hospital ..., em ..., onde foi admitida às 22:54 horas (artigo 92º da p.i.).
56. Sendo então submetida a Raio X à bacia esquerda, joelho esquerdo, perna esquerda e tornozelo esquerdo, a TAC articular ao joelho esquerdo, e sujeita aos seguintes procedimentos: penso simples e injecção por via intravenosa (artigos 94º e 95º da p.i.).
57. Com o diagnóstico de “Fractura das diafises da tíbia e do peroneo, fechada”, foi a Autora transferida para o serviço de internamento de ortopedia mulher do mesmo hospital, na madrugada do dia 08/09/2014, pelas 00:50 horas (artigo 96º da p.i.).
58. No dia 09/09/2014, após realização de TAC ao joelho esquerdo e com o diagnóstico de “Fratura dos ossos da perna esquerda + Fratura/avulsão da espinha da tíbia esquerda” foi a A. submetida a intervenção cirúrgica consistente em duas intervenções: a principal de “Redução aberta de fractura da tíbia e perónio, c/ fixação interna”; e a secundária Artroscopia joelho” (artigo 98º da p.i.).
59. Foi aplicada no membro inferior esquerdo da A. tala imobilizadora em extensão (artigo 101º da p.i.).
60. Após a intervenção cirúrgica a A. permaneceu internada pelo período de 9 dias, durante o qual esteve imobilizada devido às fracturas e cirurgia no membro inferior esquerdo e à fractura do ramo iliopúbico esquerdo (artigo 103º da p.i.).
61. A A. foi submetida a vários e repetidos exames, análises clínicas e ingestão de medicamentos (artigo 104º da p.i.).
62. Após um período de nove dias de internamento na referida unidade de ortopedia a A. teve alta hospitalar no dia 16/09/2014, com as indicações “Necessita de tratamento a ferida cirúrgica. Leva receita médica com prescrição de ATB (antibiótico) e anti-coagulante/antitrombótico oral” e com o membro inferior esquerdo imobilizado com tala de Depuy (artigos 105º e 106º da p.i.).
63. Após a alta hospitalar, para tratamento da ferida cirúrgica e remoção de material de sutura, a A. foi assistida no domicílio por profissionais de enfermagem da Unidade de Saúde Familiar ... nos seguintes dias: 22/09/2014 para tratamento de ferida cirúrgica do membro inferior esquerdo e remoção de material de sutura; 26/09/2014 para tratamento de ferida cirúrgica do membro inferior esquerdo; 29/09/2014 para tratamento de ferida cirúrgica do membro inferior esquerdo; e 06/10/2014 para tratamento de ferida cirúrgica do membro inferior esquerdo (artigo 107º da p.i.).
64. Após a alta hospitalar, a A. iniciou tratamentos de fisioterapia na Clínica de Reabilitação ..., Lda., em ..., onde fez um total de 250 tratamentos no período que decorreu entre 30 de outubro de 2014 e 8 de abril de 2016, nas seguintes séries: com início em 30 de outubro de 2014 e término em 29 de janeiro de 2015, 4 séries de 15 tratamentos consecutivos; com início em 2 de fevereiro de 2015 e término em 26 de junho de 2015, 5 séries de 20 tratamentos consecutivos; com início em 29 de junho de 2015 e término em 14 de agosto de 2015, uma série de 20 tratamentos com periodicidade 3 vezes por semana; com início em 2 de setembro de 2015 e término em 4 de dezembro de 2015, duas séries de 20 tratamentos à segunda, quarta e sexta-feira; e com início em 11 de dezembro de 2015 e término em 8 de abril de 2016, duas séries de 15 tratamentos duas vezes por semana (terça e sexta-feira) (artigos 108º e 109º da p.i.).
65. Para realização dos tratamentos aludidos no facto anterior, a A. foi transportada da sua residência para a Clínica de Reabilitação ..., Lda., em ambulância pela empresa Ambulâncias ..., entre os dias 20 de novembro de 2014 e 27 de maio de 2015 (artigo 110º da p.i.).
66. Fora do intervalo de datas aludido no facto provado anterior e para realização dos tratamentos de fisioterapia, foi a A. transportada por familiares ou amigos em veículo próprio, por não ter condições físicas que lhe permitissem fazê-lo sozinha ou em transporte público (artigo 111º da p.i.).
67. Após a alta hospitalar, a A. foi sujeita às seguintes consultas médicas e de fisiatria: nos dias 22/12/2014, 20/04/2015, 23/11/2015 e 05/12/2016 compareceu no Centro Hospitalar do ..., EPE para consulta externa de ortopedia; nos dias 29/10/2014, 12/11/2014, 05/12/2014, 29/12/2014, 23/01/2015, 20/02/2015, 20/03/2015 e 17/04/2015 compareceu na Clínica de Reabilitação ..., Lda. para consulta de fisiatria (artigo 112º da p.i.).
68. A residência da A. dista 12 Km da clínica aludida no facto provado anterior, pelo que em cada deslocação percorria 24 Km (artigo 188º da p.i.).
69. Após a alta e já no seu domicílio, a A. permaneceu em repouso no leito imobilizada, até 06/10/2014, onde era assistida para prestação de cuidados de enfermagem (artigos 113º e 114º da p.i.).
70. Após a referida data de 06/10/2014 e até ao final desse mesmo ano de 2014, a A. apenas se levantava da cama para comparecer nas consultas médicas e sessões de fisioterapia prescritas e para fazer a sua higiene diária (artigo 115º da p.i.).
71. A partir do início do ano de 2015 até meados do mês de fevereiro de 2015, apesar de já não acamada, permanecendo com o membro inferior esquerdo imobilizado a A. movimentava-se com a ajuda de canadianas (artigo 116º da p.i.).
72. Durante o período de internamento, a Autora necessitou do auxílio de terceiros nos cuidados de higiene básicos, como tomar banho (na cama) e lavar o cabelo (na cama), entre outros (artigo 118º da p.i.).
73. Já desde a alta hospitalar e até fevereiro de 2015, a A. manteve-se sem autonomia, dependendo da sua família e continuando a necessitar de auxílio de terceiros para se movimentar e deslocar, bem como nos cuidados de higiene como tomar banho para o que era ajudada pela mãe e a irmã, idas à casa de banho, entre outros (artigo 119º da p.i.).
74. Para poder prestar o necessário auxílio à Autora, a mãe desta esteve de baixa médica durante cerca de 1 mês e meio (artigo 120º da p.i.).
75. Por até então não se poder sentar numa cadeira, a Autora só passou a fazer as refeições à mesa com a família em março de 2015 (artigo 121º da p.i.).
76. A A. sentiu forte constrangimento por se encontrar condicionada por ajuda de terceiros para concretizar os mais simples actos do dia-a-dia, como tratar da sua higiene básica diária (artigo 122º da p.i.).
77. As lesões sofridas pela Autora em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos estabilizaram em 05.04.2016 (artigo 127º da p.i.).
78. Em consequência das lesões sofridas no acidente, a Autora ficou a padecer das seguintes sequelas definitivas: Períneo: bacia sem aparente instabilidade, sem limitação na sua mobilidade, nem dor à mobilização; Membro inferior direito: duas marcas cicatriciais esbranquiçadas no maléolo interno e dorso do pé. Membro inferior esquerdo: dismorfia da superfície cutânea da face externa da coxa – área de depressão a nível proximal da coxa com área endurecida imediatamente distal (sequela de contusão prévia de acordo com o referido pela examinanda), associada a hipostesia local; atrofia dos músculos da coxa de cerca de 2 cm, atrofia dos músculos da perna de 1 cm; joelho com ligeiro défice de flexão (possível a 120º) e edema ligeiro dos tecidos moles; tibiotársica com rigidez ligeira na dorsiflexão; disestesias ao toque da face interna do tornozelo; apresenta várias cicatrizes na face anterior do joelho, a maior com 7 cm de comprimento, e na face interna da perna e tornozelo (artigos 124º e 125º da p.i.).
79. Em consequência do acidente a Autora: a) sofreu um período de Défice Funcional Temporário Total de 40 dias; b) sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 537 dias; c) sofreu um período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total de 577 dias; d) sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; e) sofre de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 8 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual mas com esforços suplementares, sendo de perspectivar a existência de Dano Futuro; f) sofre Dano Estético Permanente de grau 3, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; g) sofre de Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer de grau 1, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 (artigos 128º a 136º da p.i.).
80. A Autora apresenta marcha com discreta claudicação esquerda, sem ajudas técnicas (artigos 128º a 136º da p.i.).
81P. Em consequência das lesões sofridas no acidente a Autora apresenta as seguintes queixas: 1. A nível funcional: a) Postura, deslocamentos e transferências: dificuldades acrescidas nos esforços de carga sobre o membro inferior esquerdo; dificuldades acrescidas no ortostatismo prolongado e na marcha acelerada; dificuldades ao agachar-se; b) Fenómenos dolorosos: dor na região lombar e bacia à esquerda, no joelho e região medial do terço médio da perna esquerda sobre o foco de fratura e sobre os parafusos distais da perna esquerda, sobre a região medial, que se agrava na deambulação, ao correr e com as mudanças de tempo; c) Outras queixas a nível funcional: hipostesia da face externa da coxa esquerda e disestesias ao toque da face interna do tornozelo esquerdo; diminuição da mobilidade dos dedos do pé esquerdo; edema da face interna do tornozelo direito; 2. A nível situacional: a) Actos da vida diária: Mantém autonomia nas atividades da vida diária, apenas evita pegar em pesos e fazer tarefas mais pesadas; b) Vida afetiva, social e familiar: não consegue andar de bicicleta; c) Vida profissional ou de formação: dificuldades quando permanece mais tempo de pé por edema e dor no membro inferior esquerdo (artigos 154º, 157º, 158º, 162º a 164º da p.i.).
82. O agravamento das sequelas da Autora constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico da Autora, o que pode levar a: eventual necessidade de extração de material de osteossíntese da perna esquerda, cavilha de tíbia; progressão mais que provável para artrose acelerada do joelho esquerdo em função do impacto que este sofreu durante o movimento de traumatismo e que condiciona lesão do osso subcondral e cartilagem articular; procedimento cirúrgico invasivo com fixação cirúrgica da pastilha óssea do ligamento cruzado anterior; consequente rigidez articular e hipotrofia muscular da coxa e perna que propiciam uma deficiente mobilidade / cinemática do joelho; e necessidade de substituição artroplástica precoce com prótese total do joelho (artigos 126º, 176º e 177º da p.i.).
83. A ocorrência descrita no facto provado anterior poderá determinar o agravamento do actual Défice Funcional Permanente de 8 pontos e à ocorrência de novos períodos de incapacidade temporária nunca inferiores a 30 dias (total) e 15 dias (parcial) (artigos 176º e 177º da p.i.).
84. Durante os 9 dias de internamento, a A. viu-se privada do conforto da sua casa e do convívio familiar, o que lhe causou sofrimento e angústia (artigo 139º da p.i.).
85. Após saber a sua situação clínica, a necessidade de ser submetida a intervenção cirúrgica e de ficar internada, a A. temeu pela possibilidade de ficar com lesões graves e irreversíveis, nomeadamente no que toca à sua mobilidade, com reflexo na sua capacidade de ganho (artigos 140º e 141º da p.i.).
86. Após a alta hospitalar e os tratamentos efectuados, as incertezas e os receios quanto à sua cura e às sequelas para o resto da vida assombraram e ainda hoje assombram a Autora (artigo 142º da p.i.).
87. As lesões sofridas causaram à A. dor, sofrimento físico e psíquico tanto no momento do acidente, como ao longo do período dos 18 meses em que foi submetida a internamento e tratamento hospitalar, intervenção cirúrgica, tratamentos de fisioterapia, consultas médicas (artigos 145º e 146º da p.i.).
88. As dores e a lembrança do ocorrido causaram também, durante meses, noites de insónia, com o sono interrompido por pesadelos em que a A. revivia o momento do acidente (artigo 148º da p.i.).
89. Mesmo acordada, a A. lembrava-se frequentemente do momento do acidente, o que lhe causava tristeza e angústia (artigo 149º da p.i.).
90. Até ao acidente, a A. era pessoa extrovertida, alegre e sociável, sem complexos, que gostava de viver a vida e de conviver com familiares e amigos em casa ou em espaços públicos, convívio que se viu impossibilitada de fazer durante meses (artigos 151º e 165º da p.i.).
91. A Autora sente tristeza e vergonha em ver e em que outros vejam a sua perna deformada pela depressão e pelas cicatrizes que apresenta, assim como o edema do joelho e do pé esquerdo, condicionando a escolha da roupa a vestir (artigos 153º e 169º a 171º da p.i.).
92. Não saber como enfrentar o futuro com as sequelas permanentes, provoca na A. um sentimento de tristeza, nervosismo e inquietude (artigo 174º da p.i.).
93. A possibilidade de ter de realizar nova cirurgia para substituição artroplástica precoce com prótese total do joelho transtorna a A. com a lembrança de tudo o que passou aquando da cirurgia já efectuada (artigos 177º e 178º da p.i.).
94. Com o acidente ficaram destruídos os seguintes objectos que a A. usava na ocasião: calças de ganga com o valor de 25,00 €; blusa com o valor de 25,00 €; casaco de malha com o valor de 30,00 €; sapatilhas com o valor não inferior de 30,00 €; e uma bolsa com o valor de 35,00 € (artigos 180º e 181º da p.i.).
95. A Autora suportou o pagamento de: € 18,00 pelo transporte do Centro Hospitalar do ..., E.P.E. – Hospital ... para o seu domicílio pela Associação ...;
96. À data do acidente, a A. trabalhava como empregada fabril numa indústria de calçado, exercendo as funções de revistadeira, mediante a retribuição base mensal de 485,00 € acrescida de subsídio de alimentação do valor diário de 2,20 € (artigo 192º da p.i.).
97. Devido às lesões sofridas no acidente, a A. esteve de baixa com incapacidade para o trabalho entre os dias 07/09/2014 e 03/04/2016 (artigo 194º da p.i.).
98. As funções de revistadeira são exercidas pela Autora de pé, por oferecer maior mobilidade corporal (artigo 210º da p.i.).
99. Ao fim de longos períodos de tempo na posição de pé, a Autora fica com edema do membro inferior esquerdo e dor, vendo-se na necessidade de se sentar (artigos 211º e 212º da p.i.).
100. O “Centro Distrital de ... do Instituto da Segurança Social, I.P.” pagou a AA, beneficiária n.º ...63, os montantes de € 8.115,84 a título de subsídio de doença, no período de 07.09.2014 a 18.04.2016, e o valor de € 133,29 a título de prestação compensatória de subsídio de Natal de 2014, perfazendo o montante global de € 8.249,13 (cfr. certidão junta a fls. 714 dos autos).
101. A Autora nasceu no dia .../.../1995 (certidão de assento de nascimento junta a fls. 31).
102. Por contrato de seguro com a Companhia de S..., S.A., tendo como tomador a Federação ... de Automobilismo e de Karting, e como organizador o Associação ..., titulado pela apólice n.º ...56, foi transferida para aquela seguradora a responsabilidade civil pelos danos ocorridos durante o “Rali ...” (cfr. apólice junta a fls. 223 e ss. dos autos).
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Factos Não Provados

1. Na prova desportiva em apreço, a questão da segurança relativamente ao público presente, ao controlo dos espectadores e à circulação de pessoas foi exclusivamente confiada às forças de segurança policial (artigos 37º e 49º da contestação do 1º Réu).
2. As forças policiais é que determinaram quais as zonas que deveriam ser interditadas e eventualmente vedadas ao acesso do público (artigos 51º da contestação do 1º Réu e 38º da contestação do 2º Réu).
3. Foi a GNR quem definiu os perímetros de segurança que asseguravam a protecção do público (artigo 51º da contestação do 1º Réu).
4. O Sr. Director da Prova sugeriu ao Sr. Comandante da GNR a colocação de um voluntário / comissário a exercer funções de segurança do público, em vez de colocar um militar da GNR (artigo 38º da contestação do 1º Réu).
5. As forças policiais determinaram a vedação de locais do percurso (artigo 40º da contestação da 2ª Ré).
6. As forças policiais não consideraram que o local do acidente constituía uma zona de perigo (artigo 40º da contestação da 2ª Ré).
7. O acidente ocorreu num local onde os peões estavam proibidos de circular (artigo 55º da contestação do 1º Réu).
8. Entre a linha de tomada de tempo e a zona de controlo de STOP encontrava-se um elemento da Guarda Nacional Republicana (artigo 2º da contestação da 2ª Ré).
9. Entre a linha de tomada de tempo e a zona de controlo de STOP, elemento da Guarda Nacional Republicana e comissários Marshall advertiam o público para não circular pela via, devendo apenas fazê-lo por cima dos taludes (artigo 2º da contestação da 2ª Ré).
10. A Autora encontrava-se no local onde foi embatida, contra indicações explícitas quer da força policial presente na prova quer dos comissários Marshall (artigo 3º da contestação da 2ª Ré).
11. As forças policiais e de segurança pública foram responsáveis pela elaboração do plano de segurança da prova (artigo 24º da contestação da 2ª Ré).
12. Por constituir uma zona de desaceleração, o local onde ocorreu o acidente não era uma zona de perigo (artigos 7º e 23º a 25º da contestação da 2ª Ré).
13. O comissário técnico que se encontrava junto ao sinal STOP instruía os transeuntes para não circularem próximo da via por onde passavam os carros de competição (artigo 116º da contestação da 3ª Ré).
14. A data da consolidação médico-legal das lesões sofridas, ocorreu a 7 de Setembro de 2016 (artigo 127º da p.i.).
15. A A. não consegue, ainda hoje, manter-se muito tempo sentada sem que isso lhe provoque fortes dores na bacia, bem como rigidez e edema no joelho e edema no pé esquerdos (artigo 154º da p.i.).
-16. A viatura ..-..-SM participou na prova em apreço, no estado em que se encontrava quando foi comprada pelo Interveniente (artigo 14º da contestação do Interveniente BB).
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Fundamentação jurídica

Reapreciação da prova

Posto isto, começando pelo recurso principal e, assim, pela reapreciação da matéria de facto, importa analisar e decidir se a matéria vertida no ponto 12, dos factos dados como não provados deve passar a figurar dos factos provados, como o pugna a Ré/recorrente.
Nesse sentido refere que, contrariamente ao que foi entendido pelo tribunal a quo, não devia ter sido dado como não provado que o local do acidente não fosse uma zona não perigosa.
Para o efeito, indica, como prova, o próprio depoimento da testemunha DD, marido da recorrida, dos militares da GNR, FF e GG, e da testemunha HH, que reconheceram a perigosidade do local onde a A./recorrida veio a ser colhida.
Ora, considerando que se deu como não provado que ‘por constituir uma zona de desaceleração, o local onde ocorreu o acidente não era uma zona de perigo’, se essa matéria fosse levada aos factos provados, estar-se-ia a concluir no sentido contrário à conclusão a que chega a recorrente, ou seja, que não era uma zona de perigo, quando refere que, face à indicada prova, era uma zona perigosa.
Aliás, essa matéria foi alegada pela 2.ºRé, nos arts. 7.º e 23.º a 25.º, da sua contestação, por forma a afastar a obrigação de sinalizar esse local como perigoso, por não constituir perigo para quem aí permanecesse ou por aí passasse.
Acresce que, com base na matéria de facto apurada, o tribunal a quo considerou que:
- a entidade organizadora, por seu turno, não cumpriu deveres fundamentais que se lhe impunham com vista a garantir adequada segurança da prova, nomeadamente, sinalizando a proibição e vedando fisicamente o acesso de pessoas a uma zona que, por se situar a apenas 18 metros de distância após a célula de tomada de tempo na qual os competidores se esforçam por circular à maior velocidade que o trajecto e os veículos permitem, é muito perigosa. O incumprimento de tal dever é tanto mais claro quanto a organização sabia onde se encontravam os elementos das forças policiais, não havendo nenhum entre a linha de STOP onde a classificativa terminava e a referida célula de tomada de tempo, pelo que mais premente se tornava a adopção das apontadas medidas ou da colocação de representantes seus que informassem as pessoas da proibição e do perigo nos acessos a esse local, o que não fez.
Deste modo, conclui-se que não foi ilidida pelos lesantes a presunção de culpa que sobre eles impendia.
Daqui decorre, bem como de toda a análise da decisão, que o tribunal, perante os factos objectivos colhidos, concluiu que, a zona do local onde se deu o acidente, era uma zona perigosa.
Como tal, não há qualquer entendimento diferente entre esse, do tribunal a quo, e aquele que defende a Ré/Recorrente, pelo contrário, ambos coincidem na interpretação dos factos, apenas divergindo nas ilações daí decorrentes, na medida em que a recorrente entende existir também culpa da A., enquanto o tribunal a quo conclui pela culpa única e exclusiva dos segurados da companhia de seguros, aqui recorrente, condenada a indemnizar aquela.
Assim, quanto à matéria de facto aqui em análise, deve a mesma ser mantida.

Responsabilidade pelo acidente

Considerando a Ré/Recorrente que a A. agiu de forma inadequada e imprevidente, colocando-se numa zona desprotegida, caracterizada pela circulação dos veículos de alta velocidade, entende que o tribunal a quo deveria ter apreciado a sua conduta ao abrigo do disposto no art. 570.º, do Cód. Civil, à semelhança do que diz ter sido decidido no proc. 4719/17.9T8GMR.
Ora, como resulta dos autos,, no dia da prova do Rali, organizado pela 1.ª Ré, o piloto que conduzia o veículo ..-..-SM, perdeu o controlo da sua viatura, entrou em despiste e foi embater no talude que delimita a berma esquerda, colhendo 8 espectadores, entre eles a A. que tinha acedido ao local, junto à linha de STOP onde existia um espaço da organização e onde se encontravam elementos dessa mesma organização e um elemento da GNR, sem que tivesse sido, visual ou sonoramente, por parte da organização ou de outrem, alertada para o perigo e consequente proibição de permanência em tal local, ou houvesse restrição ou impedimento à passagem dos espectadores e à sua circulação pelas bermas.
Igualmente, não existiam barreiras, fitas, ou outra forma de informar os espectadores que não deviam por aí circular ou aí permanecer, encontrando-se mais de uma dezena de pessoas a assistir à prova na berma esquerda da via, tendo a A. ficado a aguardar a passagem do ‘..-..-SM’, quando por esse veículo veio a ser colhida.
Acresce que, na linha de tomada de tempo encontrava-se, inclusive, um elemento da organização da prova e o local onde se deu o acidente não se encontrava sequer sinalizado pelas forças policiais ou pela organização como uma zona de risco, sendo uma recta com boa visibilidade, imediatamente após a célula de medição de tempo e constituía a zona de desaceleração dos veículos em prova.
Face ao exposto, importa atentar no que se dispõe no preâmbulo do Decreto Regulamentar n.º 2-A/2005 de 24 de Março, quanto às regras das provas desportivas de automóveis e regulamentação da sua actividade, que “a[A] utilização das vias públicas para fins diferentes da normal circulação de peões e veículos encontra-se prevista no Código da Estrada, com carácter excepcional, tornando-se necessário regulamentar as condições em que tal utilização especial pode ter lugar, bem como os procedimentos conducentes à emissão das necessárias autorizações por parte das câmaras municipais, ao abrigo do disposto no artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro”.
Com efeito, o evento em questão estava obrigatoriamente sujeito ao que dispõe o artigo 6.º, n.º 5, DL n.º 291/2007, de 21/08 que estabelece que recai a obrigação de seguro obrigatório sobre:“(…) 5 - Quaisquer provas desportivas de veículos terrestres a motor e respetivos treinos oficiais só podem ser autorizados mediante a celebração prévia de um seguro, feito caso a caso, que garanta a responsabilidade civil dos organizadores, dos proprietários dos veículos e dos seus detentores e condutores em virtude de acidentes causados por esses veículos.”
Por sua vez, dispõe-se no art. 493.º n.º 2, do Código Civil, que “q[Q]uem causar danos a outrem no exercício de uma atividade perigosa por sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, é obrigado a repará-los, excepto se mostrar que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir”.
Disposição normativa esta que estabelece uma presunção de culpa, que acarreta a inversão do ónus da prova (art. 344.º do CC), o que significa que o lesado não tem que provar a culpa, impendendo sobre o lesante, se se quiser eximir à responsabilidade, a prova de que não teve culpa na produção do facto danoso.
Não estabelecendo a lei a qualquer enumeração, sequer exemplificativa do que sejam actividades perigosas, cabe ao tribunal fazer casuisticamente essa qualificação – neste sentido  P. Lima e A. Varela, in CC. Anot., vol. I, 3ª ed., art. 493 CC.
Assim, na doutrina, Almeida e Costa, in Direito das Obrigações, 5ª ed. – 473, para os efeitos do art. 493.º, n.º 2, do C.C., defende que actividade perigosa é aquela que, por força da sua natureza ou da natureza dos meios utilizados, tem ínsita ou envolve uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral. Trata-se de matéria a apreciar, em cada caso, segundo as circunstâncias.
Por sua vez, Vaz Serra, in BMJ nº 53 – 387, sustenta que actividades perigosas são aquelas que criam para terceiros um estado de perigo, isto é, a possibilidade de receber um dano, uma probabilidade maior do que a normal noutras actividades.
Refere ainda que actividades perigosas são as que “criam para os terceiros um estado de perigo, isto é a possibilidade ou, ainda mais, a probabilidade de receber dano, uma probabilidade maior do que a normal derivada de outras atividades”. É a tese da maior probabilidade de danos em comparação com as restantes actividades em geral.
Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 9ª edição, página 538, por seu lado, entende que deve tratar-se de actividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”.
A jurisprudência igualmente tem também procedido a uma apreciação casuística das actividades que podem ser enquadrada no conceito legal de “actividade perigosa”, entendendo-se de um modo geral, que “actividade perigosa” é toda aquela actividade que, pela sua própria natureza ou pela natureza dos meios utilizados, “tenha ínsita ou envolva uma probabilidade maior de causar danos do que a verificada nas restantes actividades em geral”. (cfr. Ac do STJ, de 13 de Outubro de 2009 in www.dgsi.pt).
O que determina assim a qualificação de uma actividade como perigosa é a sua especial aptidão para produzir danos, aptidão que há-de resultar da sua própria natureza ou da natureza dos meios utilizados, sendo ainda de aplicar a tese (defendida por Vaz Serra), da maior probabilidade de danos em comparação com as restantes actividades em geral.
Daqui resulta intuitivamente que a circulação automóvel do dia-a-dia, para a qual as pessoas e seguradoras contratam entre si seguros de responsabilidade civil, não é comparável à circulação a que se assiste numa prova de rally, a qual comporta um risco acrescido enquanto desporto de velocidade. Produz uma maior probabilidade de ocorrência de dano do que a decorrente da mera circulação automóvel.
No sentido que um “rally” constitui uma actividade perigosa, aponta-se o decidido no Acórdão do STJ relatado pelo Conselheiro Pires da Rosa, no Proc. 235/11.0TBFVN.C1.S1, datado de 15.4.2015, disponível in www.dgsi.pt, onde se lê que ‘(…) nestes casos, tem inteira aplicação o n.º 2 do art. 493.º do CCivil porque a velocidade deste desporto, associada à natureza dos meios utilizados, é claramente uma actividade perigosa por sua própria natureza. Tão perigosa que a lei impõe como condição de autorização de provas desportivas e respectivos treinos a celebração prévia de um seguro. Há que reconhecer a existência de um risco acrescido da circulação terrestre enquanto desporto e enquanto desporto de velocidade’.
Assim se afastando a aplicação do Assento do STJ de 21 de Novembro de 1979, por ser antes aplicável o disposto no citado artigo 493.º, nº. 2 do Código Civil - cfr. entre outros, o Ac. da Relação do Porto de 05-11-1991, publicado na dgsi, sob o n.º convencional JTRP00003226.
A este respeito o Professor ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª edição, Almedina, Coimbra, 1980, pag. 491, refere que ”[…]o lesante só poderá exonerar-se de responsabilidade, provando que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias para os evitar. Afasta-se indiretamente, mas concludentemente, a possibilidade de o responsável se eximir à obrigação de indemnizar, com a alegação de que os danos se teriam verificado por uma outra causa, mesmo que ele tivesse adotado todas aquelas providências”.
Neste sentido, aponta-se também, entre outros, os Ac. STJ, de 11 de Setembro de 2012, Proc. 8937/09.5T2SNT.L1.S; Ac. STJ 18 de Setembro de 2012, Proc. 498/08.9TBSTS.P1.S; Ac. STJ 12 de Maio de 2016, Proc. 108/09.7TBVRM.L1.S1; Ac. STJ 17 de Maio de 2017, Proc. 1506/11.1TBOAZ.P1.S1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
No sentido de considerar a A. também co-responsável pelo acidente, veio a Ré requerer a alteração da factualidade constante do ponto 12, dos factos dados como não provados.
Contudo, pelas razões já expostas, tal não veio a colher o resultado pretendido, sendo certo que, de qualquer das formas, o tribunal a quo baseou a sua decisão no facto do local ser uma zona de perigo, como se veio a demonstrar pelo acontecimento ocorrido, e que, como tal, devia ter sido devidamente sinalizada como perigosa, por forma a proibir-se e vedar-se fisicamente o acesso de pessoas a essa área, assim, se concluindo, não terem sido cumpridos os deveres básicos fundamentais que se impunham aos lesantes com vista a garantir uma adequada segurança da prova.
Entendimento este que os factos permitem retirar e que se sufraga.
Já relativamente ao comportamento da lesada A. não permite a factualidade apurada imputar-lhe qualquer conduta ou actuação culposa, na medida em que acedeu ao local da prova onde se encontravam elementos da organização do evento e um elemento da GNR, sem que tivesse sido, visual ou sonoramente, por parte da organização ou de outrem, alertada para o perigo e consequente proibição de permanência em tal local, houvesse restrição ou impedimento à passagem dos espectadores e à sua circulação pelas bermas, ou mesmo qualquer barreira, fita, ou outra qualquer sinalização de impedimento ou restrição de circular no local ou aí permanecer, tanto mais que aí se encontravam mais de uma dezena de pessoas também a assistir à prova na berma esquerda da via onde ocorreu o evento lesivo.
Na verdade, como fenómeno dinâmico que é um qualquer acidente de viação, o seu processo causal impõe ao julgador uma tarefa mental de recreação ou de reconstituição a partir de todos os elementos disponíveis carreados ao processo, para determinar a causa do evento e atribuir consequentemente as respectivas responsabilidades, decorrente dos elementos carreados para os autos e que devem ser tidos em conta para retirar as devidas ilações.
In casu, apenas à entidade organizadora da prova e responsável pela sua realização cabia garantir o cumprimento das normas de segurança, o que não conseguiu.
Pois, na verdade, as medidas adoptadas mostraram-se e revelaram-se manifestamente insuficientes para a protecção dos espectadores, os quais se encontravam desprotegidos das viaturas participantes, nomeadamente em locais que ofereciam perigo, onde os carros atingiam maior velocidade, quer pela falta de proteções materiais, quer pela ausência de locais vedados ao público ou devidamente sinalizados, por forma a evitar lesões e perigo para a vida, como de facto se verificou.
Como tal, concluindo-se que aqueles não lograram afastar a presunção de culpa que sobre os mesmos recai, antes dos factos resultando a omissão dos deveres que a realização do evento impunha, sem que à A., face aos factos provados, possa ser imputado um qualquer facto culposo que tivesse concorrido para a produção ou agravamento dos danos, nos termos previstos no art. 570.º, n.º 1, do Cód. Civil, a ela não pode ser atribuída uma quota de responsabilidade para a verificação dos danos.
Assim sendo, tem de improceder também, nesta parte, o recurso da Ré/Recorrente, de nada valendo a decisão proferida noutros processos, por terem tido eventualmente por base outros factos que neste caso não se lograram demonstrar.

Ponderação da fixação dos montantes indemnizatórios

Tendo peticionado a fixação da indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de 40.000,00€, de 60.000,00€, a título de perda de capacidade de ganho pelo défice funcional permanente, e de 30.000,00€, como indemnização pelo défice funcional permanente com repercussão negativa na sua vida pessoa e diminuição da qualidade de vida, foi fixada pelo tribunal a quo, pela respectiva ordem, os valores de 22.500,00€ e 27.000,00€, com total desatendimento quanto ao terceiro pedido por considerado já relevado no dano moral.
Não se conforma, a A./Recorrente com essa decisão, defendendo, consequentemente, que, a ser assim, a indemnização por cada um dos referidos danos deveria ser fixada em 60.000,00€, cada, tanto mais que na decisão proferida se encontra referenciado um défice funcional permanente de 4 pontos, quando dos factos resulta ser essa sua afectação de 8 pontos, e os danos morais deveriam ser valorizados em valor superior por agregação daqueles que individualizou.
Quanto ao referido dano biológico, importa considerar que a sua tutela encontra o seu substrato último, no âmbito do direito civil, no art. 25.º n.º 1 da CRP, que considera inviolável a integridade física das pessoas, e no art. 70,º n,º 1 do CCivil, que protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, atendendo ao corpo humano, na sua amplitude física e moral, integrando a sua constituição físico-somática, a componente psíquica e as relações fisiológicas, como um bem jurídico protegido
Por outro lado, há que ter em conta que o denominado défice funcional permanente (anteriormente designado de incapacidade geral permanente) se destina a medir algo bem mais lato e, por isso, necessariamente, diverso do rebate profissional.
Como tal, importa fixar o valor indemnizatório, com recurso à equidade (nº 3 do artigo 566.º, do Cód. Civil), por ser o único critério legalmente previsto (STJ 14.12.2016, Relatora – Graça Trigo), sem se descurar nunca que esse recurso à equidade não afasta a exigência de que o julgador – aquando da fixação da indemnização – tenha em consideração as decisões judiciais que fixem indemnizações similares, o que é exigido por uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8º, nº 3, do Código Civil), por “necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade” (Acórdão do STJ de 11.12.2012, in dgsi, em que figura como Relatora - Isabel Pais Martins).
Nessa medida é de ponderar, no âmbito desse juízo equitativo, aos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho - antes da lesão -, tanto na profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações; a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas (tendo em conta as competências do lesado)” (cfr. Acórdãos do STJ de 07.04.2016 e de 16.03.2017 – Relatora Graça Trigo).
Há ainda que ter presente que, como se lê em recente Acórdão do STJ (de 19.04.2018 – Relator António Joaquim Piçarra): “o recebimento de uma só vez do montante indemnizatório não releva actualmente como em tempos não muito recuados já relevou, tendo em conta que a taxa de juro remuneratório dos depósitos pago pelas entidades bancárias é ainda reduzido, o que implica, por si só, a elevação do capital necessário para garantir o mesmo nível de rendimento”.
Por último, constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos futuros deve partir da esperança média de vida (e não apenas da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 66 anos, com clara tendência para aumentar), já que, como é evidente, “a perda de capacidade geral de ganho tem repercussões negativas ao longo de toda a vida do lesado. Quer porque, prejudicando a sua carreira contributiva, vem a reduzir, ou até a excluir, a pensão de reforma, quer porque sempre condicionará a possibilidade de obtenção de ganhos no exercício de actividades económicas alternativas (isto é, não estritamente profissionais) a realizar para além da idade da reforma” (STJ 01.03.2018, Relatora – Graça Trigo).
Assim, no caso concreto, importa ponderar que a Autora tinha 19 anos de idade à data do acidente, uma capacidade de ganho anual, não posta em causa, de € 9.800,00, e padece de um Défice Funcional Permanente de 8 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual mas com esforços suplementares.
Em conjugação, por outro lado, importa considerar, não apenas o tempo de vida activa, mas a esperança média de vida das mulheres, que nesta altura, é de cerca de 83 anos para as mulheres, bem como o facto de, face aos juros bancários actualmente praticados, como se disse, a antecipação dos rendimentos não aportar hoje em dia as vantagens que noutras épocas justificavam a redução do quantitativo necessário à reparação deste dano.
Relativamente às indemnizações que têm sido fixados a título de dano biológico decorrentes de défices funcionais permanentes da integridade físico-psíquica aponta-se como exemplo os seguintes Acórdãos:
- da Relação do Porto de 11/05/2011, publicado na dgsi, em que foi fixada em € 15.000,00 a indemnização pelo esforço equivalente à perda de capacidade de ganho de 5%, num menor de 13 anos;
- do STJ de 07/01/2010, publicado na dgsi, em que o autor tinha à data do acidente 26 anos, auferia o salário mensal de € 657,01 (14 vezes por ano) e que, em virtude do sinistro, ficou a padecer de uma IPP de 8% que não o impede do seu exercício profissional, mas exige esforços físicos suplementares, foi fixada a quantia de € 20 000;
-da Relação de Guimarães de 24/03/2022, processo n.º 2114/19.4T8VRL.G1, publicado na dgsi, em que se fixou a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 15.000,00, por recurso à equidade, num caso em que a lesada tinha 45 anos à data do acidente, exercia a agricultura, e ficou a sofrer de défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 8 pontos, compatível com a sua actividade profissional habitual com esforços suplementares;
- da RG de 15/02/2018 (João Peres Coelho), Proc. nº652/16.0T8GMR.G1, referente a um DFP de 10 pontos, 41 anos de idade, sendo compatível com o exercício profissional de operário da construção civil mas com esforços suplementares, a fixação de uma indemnização de € 60.000,00;
- do STJ/sumários, de 9/07/2015 (Silva Salvador), Proc. nº3724/12, referente a um DFP de 8,8 pontos, 16 anos de idade, em que foi fixada a indemnização em € 30.000,00;
- do STJ/dgsi, de 7/04/2016 (Graça Trigo), Proc. nº237/13, referente a um DFP de 8 pontos, 22 anos de idade, em que foi fixada a indemnização em € 25.000,00;
- do STJ/ECL, de 30/04/2020 (Rosário Morgado), Proc. nº370/16, referente a um DFP de 8 pontos, 40 anos de idade, em que foi fixada a indemnização em € 50.000,00.
Assim, tudo ponderado, de acordo com um critério de razoabilidade e equilíbrio, julgamos ajustada a indemnização fixada para compensar a perda da capacidade aquisitiva da A.
É que apesar de na sentença se ter mencionado um défice funcional permanente de 4 pontos, na parte final, o facto é que, aquando da indicação dos danos patrimoniais, se apontou os 8 pontos de que a A. ficou a padecer, a que acresce o valor encontrado se aproximar do padrão médio dos indicados nos referidos acórdãos.
Já, relativamente aos danos não patrimoniais fixados, é orientação da jurisprudência que tal compensação não pode ser simbólica nem miserabilista, devendo, antes, ser significativa, mas não exorbitante nem excessiva.
Trata-se, pois, como é sabido, de prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado, que apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta, então, uma satisfação mais do que uma indemnização, sem cunho ou feição reparatória, antes meramente compensatória (atribuição de uma soma em dinheiro com vista a proporcionar ao lesado ou seus familiares satisfações que de alguma maneira os façam esquecer a dor ou o desgosto provenientes do acto ilícito que sofreram).
Entre os danos merecedores da tutela do direito inclui-se necessariamente o dano corporal em sentido restrito, caracterizado como o prejuízo de natureza não patrimonial que recai na esfera do próprio corpo, dano à integridade física e psíquica: as dores físicas, ‘o pretium ou quantum doloris’ possíveis de verificar através da extensão e gravidade das lesões e complexidade do seu tratamento clínico; e morais, traduzidas pelas aflições, desgostos, angústias e inquietações.
Contudo, a natureza destes danos impõe que, a seu respeito, não se fale de indemnização, mas apenas de compensação, através da qual se proporcionará ao lesado meios que lhe permitam usufruir momentos de prazer e alegria que, tanto quanto possível, contrabalancem o dano sofrido, tal como se referiu já.
Segundo Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, pág. 86, sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral, sofrida pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respectiva dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.
Ora, na quantificação dos danos não patrimoniais, há que ter sempre em atenção as semelhanças e dissemelhanças das situações factuais de cada caso, na medida em que são geralmente tais elementos que fundamentam as discrepâncias registadas, tendo em conta que a diferença dos factores a ter em consideração varia muito de um caso para o outro.
Importa, por outro lado, ter sempre presente também que, quando se trata de formular juízos equitativos, há sempre uma margem de discricionariedade, apesar da preocupação de observância do princípio da igualdade e da uniformização de critérios.
Contudo, como tem decidido pacificamente a nossa Jurisprudência, «não devendo confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, deve a mesma traduzir a “justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador ter em conta as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida» (Acs. do STJ de 10-02-2008 in CJ/STJ, t. 1, pg. 65 e de 23.10. 2008 (Relator, Cons. Serra Baptista, P.º 08B2318 in www.dgsi.pt).

Nos arestos dos nossos Tribunais mais recentemente, no caso específico deste tipo de dano, fixaram as seguintes indemnizações:

- Ac. STJ de 6.2.2020, Catarina Serra, Proc. 2409.18/ECLI, quantum Doloris 5/7 e estético 3/7, foi fixada a indemnização de 32.500,00€;
- Ac. STJ de 30.6.2020, Ferreira da Cunha, proc. 313/12/Sumários, quantum Doloris 5/7 e  Estético 3/7, foi fixada a indemnização de 35.000,00€;
- Ac. STJ de  19.10.2021, Manuel Capelo, Proc. 2601/16,/DGSI, quantum Doloris 5/7 e estético 3/7, foi fixada a indemnização de 45.000,00€;
- Ac. STJ de 2.6.2016, Tomé Gomes, Proc. 2603/10/DGSI, quantum Doloris 5/7 e estético 2/7, foi fixada a indemnização de 35.000,00€.
Nestas circunstâncias, sopesando todos referidos elementos, e ainda que a Autora não contribuiu com qualquer grau de culpa para o acidente, e também os valores comummente  atribuídos na jurisprudência para casos similares afigura-se-nos ser de fixar o montante indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, em 32.500,00, em vez dos 22.500,00€ fixados, por se julgar este valor insuficiente para colmatar todo o padecer da A. a esse título.
Nestes termos, tem o recurso principal interposto pela Ré/Recorrente de improceder e proceder parcialmente o recurso subordinado interposto pela A.
*
V. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes da 2.ª secção cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso principal interposto pela Ré/Recorrente improcedente, e, parcialmente procedente o recurso subordinado interposto pela A., condenando, consequentemente a Ré Seguradora ... S.A. a pagar à A.  a quantia de 32.500,00€ (trinta e dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, no mais se mantendo o decidido.
Custas pela Ré/Recorrente, quanto ao seu recurso, e pela A., quanto ao recurso subordinado, na proporção do respectivo decaimento.
Registe e notifique.
Guimarães, 18.5.2023
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do novo acordo ortográfico, a não ser nas transcrições que a ele tenham atendido, e é por todos assinado electronicamente)