Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
75/16.0T8MGD-C.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: EXECUÇÃO
EMBARGOS
FUNDAMENTOS
CASO JULGADO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º;
2) Fundando-se a execução em decisão judicial, o leque de fundamentos de oposição é muito mais restrito do que nas situações em que o título executivo tem natureza extrajudicial.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) Os executados AA e BB vieram deduzir oposição mediante embargos, por apenso à execução que lhes moveu CC, DD, EE e FF, onde concluem entendendo deverem os presentes embargos/oposição deduzidos ser recebidos, considerados procedentes, por provados, com as legais consequência e improcedente, por não provada a presente execução com a consequente absolvição dos executados, ora embargantes, da totalidade do peticionado pelos exequentes/embargados, com as legais consequências.

Para tanto alegam que:
1. Os ora embargados, reclamam uma faixa de terreno entre aproximadamente 600 a 700 m2, tal como referem no artº 14º da sua p.i..
2. E o certo é que a parcela da filha dos ora embargantes, proprietária do artº 88-C, GG, tal como já consta dos autos principais, tem pelo menos uma área de 2000 m2.
3. Há pelo menos uma área de 1400 m2, 1300 m2, a mais dos 600 m2, 700 m2, que é propriedade de GG.
4. As construções “referenciadas” em c) da descrição sumária dos factos, estufa e poço, têm a área de, respetivamente, 30 m2 e 40 m2, perfazendo uma área total de cerca de 70 m2.
5. Não ocupam, pois, nem tão pouco estão instalados em terreno dos embargados.
6. Razão pela qual nada têm a demolir, nem a restituir livre de pessoas e coisas aos embargados”.
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Pelos embargados FF, CC, DD e EE foi apresentada contestação onde concluem entendendo que devem os embargos serem julgados improcedentes, por não provados com as legais consequências, devendo os embargantes serem condenados como litigantes de má-fé numa multa não inferior a €1.000,00 e numa indemnização a pagar aos embargados não inferior a €1.000,00, bem como nas custas e demais encargos.
Alegam, para tanto, que os presentes embargos carecem, em absoluto, de fundamento, não sendo mais do que um expediente dilatório apresentado pelos embargantes para entorpecer e adiar a ação da justiça.
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B) Foi proferida sentença que decidiu:
a) Julgar improcedentes os presentes embargos de executado, com o consequente prosseguimento da execução;
b) Julgar improcedente o pedido de condenação dos Embargantes como litigantes de má-fé.
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C) Inconformados com esta decisão, vieram os embargantes AA e BB interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (ref. ...27).
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Nas alegações de recurso dos apelantes AA e BB, são formuladas as seguintes conclusões:

1. Os embargos de executado deduzidos, foram julgados improcedentes pelo Tribunal, tal como consta da sentença de que ora se recorre, quando deveriam ter sido considerados inteiramente procedentes por provados, com as legais consequências.
2. Os embargados/recorridos, reclamam uma faixa de terreno entre aproximadamente 600 a 700 m2, tal como consta do artº 14º da sua p.i., cfr. documento que se juntou como doc. nº ....
3. A parcela de terreno reconhecida aos autores, ora recorridos, nº 1, 1 b), é de 600, 700 m2.
4. E o certo é que a parcela da filha dos ora recorrentes, proprietária do prédio inscrito na matriz sob o artº ...8..., GG, como já consta dos autos principais, tem pelo menos uma área de cerca de 2.000 m2, tal como pode alcançar-se do documento que se juntou como doc. nº ....
5. Há pelo menos uma área de 1400 m2, 1300 m2, a mais dos 600 m2, 700 m2, que é propriedade de GG.
6. As construções referenciadas em 1. 1 c) da fundamentação de facto, dizemos nós, estufa e poço, têm a área de respetivamente 30 m2 e 40 m2, perfazendo uma área total de cerca de 70 m2.
7. Não ocupam pois, nem tão pouco estão instalados em terreno dos recorridos.
8. Razão pela qual nada têm os recorrentes a demolir, nem a restituir livre de pessoas e coisas aos recorridos.
9. Mal se compreenderia que pretendendo os aqui recorridos, tal como peticionam, 600, 700 m2, o Tribunal lhes atribuísse cerca de 2.000 m2, que é a área que tem a parcela a Norte da E.N. 221, verificar-se-ia, pois, condenação extra vel ultra petitum, sob pena de violação do disposto no artº 609º, nºs 1, 2 e 3 do C.P.C.
10. Que dispõe, no seu nº 1, que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir. No seu nº 2, que se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, (..). E no seu nº 3, que se tiver sido requerida a manutenção em lugar da restituição da posse, ou esta em vez daquela, o juiz conhece do pedido correspondente à situação realmente verificada.
11. Verificando-se uma inexigibilidade da obrigação exequenda.
12. E a existência de um facto extintivo e modificativo da obrigação, provado por documento, basta atentar no documento que se juntou como doc. nº ....
13. Tendo sido violado o disposto no artº 729º, alíneas e) e g) do C.P.C.
Terminam entendendo que deve dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, a qual deve ser substituída por outra em que, acolhendo-se a posição dos ora recorrentes, sejam os embargos considerados inteiramente procedentes por provados, com as legais consequências.
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Pelos apelados e embargados FF, CC, DD e EE foi apresentada resposta onde concluem entendendo que:

1. Os embargantes e aqui recorrentes, alegaram factos nos embargos de executado, que já tinham sido decididos na ação cível, cuja sentença condenatória que se executou, foi confirmada por douto acórdão.
2. Por outro lado, não é em sede de embargos de executado que se decidem argumentos que consubstanciam um novo julgamento.
3. Ademais, como o título executivo é uma decisão judicial, os fundamentos passíveis de ser invocados, são os que taxativamente constam no artigo 729º do C.P.Civil, e nenhum deles foi invocado.
4. Deste modo e BEM a meritíssima juíza “a quo”, bem decidiu ao julgar os embargos de executado como improcedentes por carecerem de absoluto fundamento.
5. Não foi violado por parte da meritíssima juíza “a quo”, que decidiu, qualquer norma jurídica, muito menos as que constam do artigo 729º do C.P.C.
Terminam entendendo que, não havendo qualquer reparo a fazer à douta sentença recorrida, deverá negar-se provimento ao presente recurso e manter a douta sentença recorrida, bem como condenar os recorrentes/embargantes como litigantes de má-fé em multa exemplar e numa indemnização a pagar aos recorridos/embargados, não inferior a €2.000,00 (dois mil euros).
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D) Foram colhidos os vistos legais.
E) A questão a decidir no recurso é a de saber se deverá ser revogada a douta sentença recorrida.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) FACTOS PROVADOS
1. A execução de que os presentes autos constituem apenso foi instaurada com base em Sentença proferida em 14.06.2018 no âmbito dos autos principais, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 14.03.2019, cujo teor decisório é o seguinte:
“Pelo exposto e nos termos referidos supra, decide-se:
1. Julgar a ação intentada pelos autores totalmente procedente e, em consequência, condenam-se os réus, HH, AA e BB, a:
a) reconhecerem os autores, FF e EE, como proprietários da parcela de terreno que fica do lado norte da estrada nacional e que pertencia ao artigo 88º-C, por a haverem adquirido por usucapião, tendo sido incorporada no artigo 47º-C, identificado em 2 da P.I.
b) reconhecerem os autores, FF e EE, como proprietários da parcela de terreno identificada em 1 da PI e do prédio identificado em 2 da PI, inscritos na matriz com os artigos ...69, que proveio do artigo ...14º urbano e ...7...
rústico.
c) a demolirem todas e quaisquer construções que há cerca de 1 ano a ré, AA e marido, fizeram na parcela e terreno a norte da estrada nacional, que há mais de 70 anos não pertence ao artigo 88º-C, como ainda consta do cadastro geométrico.
d) a restituírem livre de pessoas e coisas aos autores a parcela de terreno que indevidamente ocupam por cima da EN 221, que há mais de 70 a 80 anos que pertence e está incorporada nos prédios dos autores.
e) absterem-se de praticar todos e quaisquer atos que violem o direito de propriedade dos autores, sobre os prédios identificados em 1 e 2 dos factos provados, bem como nessa parcela de terreno, a norte da estrada nacional”.
2. Por requerimento datado de 24.03.2018, AA e BB requereram, no âmbito dos autos principais, a intervenção principal provocada de GG, alegando que “a chamada, é dona, legítima proprietária e possuidora do prédio rústico em causa nos autos, cfr. doc. nº ... que se junta. Assim sendo, deverá a mesma ser admitida a intervir nos autos”.
3. Por despacho proferido nos autos principais em 22.05.2018, foi a requerida intervenção principal provocada de GG julgada intempestiva e, como tal, indeferida.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (artigos 608º nº 2, 635º nº 2 e 3 e 639º nº 1 e 2, todos do NCPC).
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C) Os apelantes, inconformados com a decisão constante da sentença recorrida que decidiu, para o que aqui interessa, julgar improcedentes os presentes embargos de executado, com o consequente prosseguimento da execução, vieram interpor recurso dessa sentença pretendendo impugnar matéria que consta da sentença proferida em processo declarativo de que os presentes autos são apenso, decisão essa que data de 14/06/2018 e que foi confirmada por acórdão desta Relação de Guimarães de 14/03/2019, transitado em julgado.

Na referida sentença foi decidido, de acordo com a matéria de facto dada como provada:

1. Julgar a ação intentada pelos autores totalmente procedente e, em consequência, condenam-se os réus, HH, AA e BB, a:
a) reconhecerem os autores, FF e EE, como proprietários da parcela de terreno que fica do lado norte da estrada nacional e que pertencia ao artigo 88º-C, por a haverem adquirido por usucapião, tendo sido incorporada no artigo 47º-C, identificado em 2 da P.I.
b) reconhecerem os autores, FF e EE, como proprietários da parcela de terreno identificada em 1 da PI e do prédio identificado em 2 da PI, inscritos na matriz com os artigos ...69, que proveio do artigo ...14º urbano e ...7... rústico.
c) a demolirem todas e quaisquer construções que há cerca de 1 ano a ré, AA e marido, fizeram na parcela e terreno a norte da estrada nacional, que há mais de 70 anos não pertence ao artigo 88º-C, como ainda consta do cadastro geométrico.
d) a restituírem livre de pessoas e coisas aos autores a parcela de terreno que indevidamente ocupam por cima da EN 221, que há mais de 70 a 80 anos que pertence e está incorporada nos prédios dos autores.
e) absterem-se de praticar todos e quaisquer atos que violem o direito de propriedade dos autores, sobre os prédios identificados em 1 e 2 dos factos provados, bem como nessa parcela de terreno, a norte da estrada nacional”.
O artigo 519º nº 1 NCPC dispõe que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º.”
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 28/09/2010, no Processo 392/09.6TBCVL.C1, relatado pelo Desembargador Jorge Arcanjo, disponível em www.dgsi.pt, “A expressão “caso julgado“ é uma forma sincopada de dizer “caso que foi julgado“, ou seja, caso que foi objeto de um pronunciamento judicativo, pelo que, em sentido jurídico, tanto é caso julgado a sentença que reconheça um direito, como a que o nega.
O caso julgado material (arts. 671º e 673º do Código de Processo Civil – arts. 619º e 620º NCPC) implica dois efeitos – um negativo e outro positivo – sendo em face deles que se distingue a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado (cf., para a distinção de ambas as figuras, cf., por ex., Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, pág. 320, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 384, Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo Código de Processo Civil, pág. 576, e “O objeto da sentença  e o caso julgado material“, BMJ 325, pág.171, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pág. 325, Mariana França Gouveia, A Causa de Pedir na Ação Declarativa, pág. 394).
A exceção do caso julgado pressupõe uma tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir (arts. 497º e 498º do CPC – arts. 580º e 581º NCPC) e distingue-se da autoridade do caso julgado, onde este se manifesta no seu aspeto positivo.
Definindo o âmbito de aplicação de cada um dos conceitos, refere Teixeira de Sousa - “A exceção do caso julgado visa evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contraria na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior: a exceção do caso julgado garante não apenas a impossibilidade de o Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente (...), mas também a inviabilidade do Tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica (...). Quando vigora como autoridade do caso julgado, o caso julgado material manifesta-se no seu aspeto positivo de proibição de contradição da decisão transitada: a autoridade do caso julgado é o comando de ação ou a proibição de omissão respeitante à vinculação subjetiva a repetição no processo subsequente do conteúdo da decisão anterior e à não contradição no processo posterior do conteúdo da decisão antecedente (“O objeto da sentença e o caso julgado material”, BMJ 325, pág.171 e segs.).”
Isto é, não podem as partes em determinado processo, sobre o qual foi proferida uma sentença confirmada por Acórdão da Relação, transitado em julgado, em que foi instaurada execução para prestação de facto, virem deduzir embargos pretendendo discutir matéria que já foi apreciada e decidida naqueles arestos e cujo decisão se tornou, assim, definitiva.
De resto, os fundamentos para a dedução de embargos, constam do disposto no artigo 729º NCPC onde se estabelece que “Fundando-se a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes:
a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transação, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses atos.”
Como referem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa no Código de Processo Civil Anotado, Volume II, a páginas 83, em anotação ao referido artigo 729º “Existe uma importante distinção segundo a natureza do título, de modo que, fundando-se a execução em decisão judicial, o leque de fundamentos de oposição é muito mais restrito do que nas situações em que o título executivo tem natureza extrajudicial”, conforme resulta do confronto do disposto nos artigos 729º e 731º NCPC.
Assim sendo, sem necessidade de ulteriores considerações, atento o exposto, resulta que os embargos terão de ser julgados improcedentes, como muito bem decidiu a douta sentença recorrida.
Face ao total decaimento da sua pretensão, os apelantes terão de suportar o pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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Na sua resposta os apelados vieram suscitar a condenação dos apelantes como litigantes de má-fé, porém, afigura-se-nos que face ao disposto no artigo 542º NCPC, não existe fundamento para a condenação dos mesmos, nos termos por si explanados, tendo em conta não se mostrar que os mesmos tenham, com dolo ou negligência grave, preenchido qualquer das situações previstas no nº 2 do artigo 542º do NCPC, motivo pelo qual não se procederá a tal condenação.
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III. DECISÃO

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 21/03/2024

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Carla Sousa Oliveira
2º Adjunto: Desembargador José Carlos Cravo