Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
295/22.9GAAMR.G1
Relator: PEDRO FREITAS PINTO
Descritores: CANCELAMENTO DAS INSCRIÇÕES CONSTANTES DO REGISTO CRIMINAL
PROIBIÇÃO DE PROVA
MEDIDA DA PENA ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/17/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I – O regime de cancelamento das inscrições constantes do registo criminal, visa facilitar a integração social do condenado e a sua ressocialização.
II – Verificados que estejam os pressupostos para o cancelamento do registo da sentença, esta deixa de produzir efeitos, nomeadamente em sede de apreciação da medida concreta da pena e ainda que tal cancelamento não tenha sido atempadamente efetuado.
III – Enquadra uma situação de proibição de valoração da prova, o tribunal atender a uma pena que já não deveria constar do certificado de registo criminal.
IV – Nada impede que a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados seja em medida inferior a outra já anteriormente aplicada num crime de idêntica natureza.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I - Relatório

Decisão recorrida

No âmbito do Processo Sumário com o nº 295/22...., do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Local Criminal ..., foi proferida sentença, no dia 22 de setembro de 2022, cuja parte decisória se transcreve:

“Nestes termos, julga-se a acusação pública procedente, por provada, e, em consequência, decide-se:

- Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292, n.º1 do Código Penal, na pena principal de 7 (sete) meses de prisão;
- Ao abrigo do disposto no art. 45, n.º1 do Código Penal, substituir a pena de 7 (sete) meses de prisão aplicada ao arguido AA pela pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à razão diária de €5,00 (cinco euros), num total de €900,00 (novecentos euros);
- Ao abrigo do disposto no art. 69, n.º1, alínea a) do Código Penal, condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, de qualquer categoria, pelo período de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses;
- Condenar o arguido no pagamento das custas criminais, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC (cf. artigos 513, nºs 1 a 3 do Código Processo Penal e 8, nº9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao regulamento)”.
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Recurso apresentado

Inconformado com tal decisão, o arguido AA veio interpor o presente recurso e após o motivar, apresentou as seguintes conclusões e petitório, que se reproduzem:

“I) O recorrente cinge a presente recurso ao reexame da matéria de direito e é limitado à determinação da medida da sanção acessória aplicada, tendo em vista a merecida atenuação bem como a redução da moldura aplicável, uma vez que, in casu e salvo o devido e merecido respeito, a referida cominação é manifestamente excessiva.
II) A valoração dos antecedentes criminais do Recorrente, através do certificado de registo criminal (CRC), não podia ter tido a relevância jurídica que acabou por ter na sua condenação.
III) O tribunal a quo apesar de mencionar que se encontram extintas as condenações anteriores e ter solicitado a sua retirada do registo criminal, opta por valoriza-las na busca da medida da pena acessória.

Ora,
IV) A Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio ao estabelecer os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão- Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, é clara ao determinar o cancelamento dos registos criminais pelo decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas.
V) O cancelamento dos registos é uma imposição legal - desde que verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento - o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido.
VI) Atento o disposto no art.º 11º da referida Lei e confrontando com a informação que se encontra inscrita no certificado de registo criminal do Recorrente, verificamos que as penas aplicadas já encontravam extintas;
VII) Por essa razão, não podiam aquelas anteriores condenações ser valoradas pelo Tribunal a quo para aplicação da medida da pena, o que sucedeu.
VIII) Foi violado o disposto no art.º 11 da referida Lei 37/2015, de 5 de Maio, e bem assim o princípio constitucional da igualdade – previsto no art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa – na medida em que permite distinguir um arguido de um outro cujo certificado de registo criminal, nas mesmas condições – se encontra devidamente limpo;
IX) Se o CRC visa dar conhecimento ao tribunal, e informação ao processo, sobre o passado criminal do Arguido, e se a lei ordena o cancelamento do registo, nessas circunstâncias o arguido tem de ser considerado reabilitado
X) Foi computada informação constante do certificado de registo criminal do Recorrente que foi indevidamente apreciada e valorada pelo Tribunal a quo, pesando no agravamento da aplicação da pena XI) Não pode ser a data do efectivo cancelamento material que relevará, mas antes a data em que, por força dos critérios legais pré-definidos, o cancelamento se verifica ou a sua vigência caduca. XII) A não se entender assim, e conforme supra se referiu, validar-se-iam situações absolutamente discriminatórias, nos termos das quais poderiam ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do certificado de registo criminal, embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um certificado de registo criminal actualizado, não seria, por isso, penalizado.
XIII) O princípio da igualdade, previsto na nossa Constituição, foi claramente violado
XIV) O cancelamento do registo implica que as sentenças canceladas se considerem extintas juridicamente, não lhes ligando quaisquer efeitos quanto à medida da pena – neste sentido cfr. Ac. Relação de Évora, 10/05/2016.
XV) A valoração da informação já não constante no certificado de registo criminal aquando da prolação da sentença, não podia ter sido atendida/valorada pelo Tribunal a quo para determinação da pena, por absoluta impossibilidade legal de o fazer - no mesmo sentido Ac. Relação Coimbra, de 13/09/2017.
Assim,
XVI) A imposição ao recorrente de uma pena acessória de inibição da conduzir pelo período de três meses satisfará, de acordo com o estatuído pelo artigo 69° n° 1 alínea a) do Código Penal, a prevenção de perigosidade do arguido e constituirá a censura adicional do seu acto.

NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO E DE JUSTIÇA E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS, DEVE POIS A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA SER REFORMULADA, NA PARTE EM QUE DELA SE RECORRE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER O PERÍODO DETERMINADO DA SANÇÃO ACESSÓRIA DE INIBIÇÃO DE CONDUZIR A QUE O RECORRENTE FOI CONDENADO, REDUZIDO PARA SEIS MESES.
ASSIM SE FAZENDO (COMO SEMPRE) A RESPECTIVA, COMPETENTE E MERECIDA JUSTIÇA!”.
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Resposta ao recurso por parte do Ministério Público.

Na primeira instância, a Magistrada do Ministério Público, respondeu ao recurso, considerando que da simples leitura da exposição de motivação, resulta inequívoco que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o Tribunal a quo não valorou, na determinação da pena acessória, “informação já não constante no certificado do registo criminal” que foi enviado pelos Serviços de Identificação Criminal, na sequência do despacho judicial a ordenar ao SIC que se pronunciasse sobre a existência ou não de motivo para operar o cancelamento definitivo da mencionada decisão condenatório, devendo, na afirmativa, proceder ao cancelamento definitivo da decisão ou decisões condenatórias inscrita(s) que tivesse(m) cessado a sua vigência no registo criminal, não se mostrando assim não violado o princípio da igualdade invocado pelo recorrente.
Considera ainda que face às razões de prevenção especial e geral, à culpa, à ilicitude e aos antecedentes criminais registados, a medida concreta da pena acessória de proibição de conduzir aplicada pela sentença sub judice se afigura justificada pelo que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão recorrida nos seus exatos termos,
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Tramitação subsequente

Neste Tribunal da Relação de Guimarães, o processo foi com vista ao Ministério Público, tendo o Exmº. Senhor Procurador-Geral Adjunto, emitido douto parecer, no qual considera que face aos antecedentes criminais e o comportamento do arguido que não compareceu a julgamento, manifestando desconsideração manifesta pelo desvalor da sua conduta, o recurso deve ser julgado improcedente.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º nº2 do CPP não tendo sido apresentada qualquer resposta.
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Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência.
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II – Fundamentação.

Cumpre apreciar o objeto do recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas essas questões, as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios previstos no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal[1].

As questões que se colocam à apreciação deste tribunal de recurso são as seguintes:

I – Errónea valoração dos antecedentes criminais do arguido, violação do princípio da igualdade.
II – Excessivade da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.
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É a seguinte a matéria de facto dada como provada pelo tribunal “a quo” (transcrição):

“1. No dia 9 de agosto de 2022, pelas das 17.25h, na Rua ..., na freguesia ..., do concelho ..., o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca ..., com a matricula ..-..-RD, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
2. Ao ser submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, através do alcoolímetro quantitativo DRAGER ALCOTEST 7100 MK IIP ARNA0074, o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue registada de 1,44 g/l, correspondente, após a dedução do erro máximo admissível, à taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,325 g/l. 3. Uma vez que requereu a realização de contraprova, nos termos previstos na alínea a) do n.º3 do art. 153.º do Código da Estrada – Decreto-Lei n.º114/94, de 3 de maio, o arguido foi submetido a um novo exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, através do alcoolímetro quantitativo DRAGER ALCOTEST 7100 MK IIP ARNA0071, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue registada de 1,40 g/l, correspondente, após a dedução do erro máximo admissível, à taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,288 g/l.
4. O arguido, pelo menos, previu ter ingerido bebidas alcoólicas de forma adequada a apresentar uma taxa de álcool no sangue superior à legal e, não obstante, conformou-se com essa eventualidade, tendo decidido conduzir nessas condições.
5. O arguido agiu, sempre, livre, voluntária e conscientemente.
6. Bem sabendo que a sua conduta é proibida por lei.
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Do passado criminal do arguido

7. Por sentença transitada em julgado em 13.07.2017, proferida aos 13.06.2017 no âmbito do PCS n.º417/16...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... – J..., o arguido foi condenado pela prática, em abril de 2016, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo art. 203, n.º1 do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de €5,00, num total de €750,00.
8. Por decisão judicial, transitada em julgado em 04.05.2018, proferida aos 04.04.2018 no âmbito do PCS n.º417/16...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... – J..., a pena de multa que havia sido aplicado ao arguido, na sobredita sentença, foi convertida em 26 dias de prisão subsidiária.
9. A pena aplicada ao arguido no âmbito do sobredito PCS n.º417/16.... extinguiu-se aos 15.06.2018, em virtude o arguido ter procedido ao pagamento da multa, tendo a extinção da pena sido declarada mediante decisão judicial proferida aos 06.09.2018.
10. Por sentença, transitada em julgado em 14.12.2017, proferida aos 14.11.2017 no âmbito do Processo Sumário n.º172/17...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... – J..., o arguido foi condenado pela prática, em 23.10.2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 292, n.º1 e 69, n.º1, alínea a) do Código Penal, na pena principal de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 1 ano e 3 meses.
11. As penas, principal e acessória, aplicadas ao arguido no âmbito do sobredito Processo Sumário n.º172/17.... extinguiram-se pelo cumprimento, respetivamente, em 14.12.2018 e 21.03.2019, tendo a extinção das penas sido declarada mediante decisão judicial proferida aos 21.06.2019.
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12. Na sentença referida em 7), pelo tribunal de condenação respetivo, para efeitos da escolha e determinação da pena a aplicar ao arguido, foram valorados e considerados os seguintes antecedentes criminais:
 “(…) No processo n.º 9/99...., que correu termos no ... Juízo Criminal de ..., por sentença proferida em 10/01/1999, o arguido foi condenado na pena de 150 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses, pela prática, em 09/01/1999, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Cód. Penal. (…)
No processo n.º 341/03...., que correu termos no ... Juízo Criminal de ..., por sentença transitada em julgado em 03/06/2005, o arguido foi condenado na pena de 75 dias de multa, pela prática, em 10/01/1999, de um crime de desobediência, p. e p. pelo art.º 348.º, n.º 2 do Cód. Penal. (…)
No processo n.º 634/05...., que correu termos no ... Juízo Criminal de ..., por sentença transitada em julgado em 19/09/2006, o arguido foi condenado na pena de 100 dias de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses, pela prática, em 26/08/2005, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Cód. Penal. (…)
No processo n.º 136/08...., que correu termos no ... Juízo Criminal de ..., por sentença transitada em julgado em 22/06/2009, o arguido foi condenado na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 1 ano, pela prática, em 26/09/2008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292.º, n.º 1 do Cód. Penal. (…)”
13. Na sentença referida em 8), pelo tribunal de condenação respetivo, para efeitos da escolha e determinação da pena a aplicar ao arguido, foram valorados e considerados os seguintes antecedentes criminais:
“(…) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 09/01/1999, sancionados por sentença de 10/01/1999, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de 800$00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 6 meses (Proc. Sumário n.º 9/99....). Tal pena foi declarada extinta, por cumprimento, por despacho de 06/01/2004; (…)
(…) pela prática de um crime de desobediência, p. e p., pelo artigo 348º, n.º 2 do Código Penal, por factos ocorridos em 10/01/1999, sancionados por sentença de 19/05/2005, transitada em julgado em 03.06.2005, pena de 75 pena foi declarada extinta, por cumprimento em 05.02.2007 e por despacho de 14/04/2008;
(…) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 26/08/2005, sancionados por sentença de 20/06/2006, transitada em julgado em 19.09.2006, na pena de 100 dias de multa, 2,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 meses (Proc. Abreviado n.º 634/05....). Tal pena foi declarada extinta, por cumprimento (pagamento da multa em 05.06.2007), por despacho de 22/06/2006;
(…) pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p., pelo artigo 292º, n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 26/09/2008, sancionados por sentença de 24/10/2008, transitada em julgado em 22.06.2009, na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita a regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses (Proc. Sumário n.º 136/08....). Tal pena já foi declarada extinta, por cumprimento;
(…) pela prática de um crime de furto simples p. e p., pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, por factos ocorridos em 04/2016, sancionados por sentença de 13/06/2017, transitada em julgado em 13/07/2017, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00 (Proc. Comum n.º 417/16....). (…)”
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Para tanto motivou a decisão de facto do seguinte modo (transcrição):

“O tribunal fundou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida e examinada em audiência de julgamento de acordo com a sua livre convicção e as regras de experiência comum, tal como impõe o art. 127.º do Código de Processo Penal.
Neste cenário, na ausência do arguido, que optou por não comparecer em julgamento, e, por conseguinte, não prestou declarações, na formação da sua convicção em relação à factualidade julgada como provada, valorou o tribunal, conjunta e conjugadamente, os seguintes elementos probatórios: auto de notícia de fls. 5 e ss.; talões dos dois testes quantitativos de pesquisa de álcool no sangue, através do método do ar expirado, a que o arguido se submeteu; depoimentos testemunhais produzidos em julgamento pelos militares da GNR (Cabo BB, Guarda Principal CC e Guarda DD); e, o certificado de registo criminal atualizado atinente ao arguido.
Mas vejamos com mais pormenor.
Do teor do auto de notícia de fls. 5 e ss. dos autos (que não foi posto em causa por qualquer outro elemento de prova), resulta atestado que no dia 9 de agosto de 2022, pelas das 17.25h, na Rua ..., na freguesia ..., do concelho ..., o arguido conduzia o veículo ligeiro de passageiros de marca ..., com a matricula ..-..-RD, factualidade que foi confirmada em julgamento, de forma inequívoca e perentória, com conhecimento direto (pois que a visualizaram in locu, tal como mencionado no sobredito auto de notícia), pelos militares da Patrulha SEPNA (Posto Territorial ...) – Cabo BB e o Guarda Principal CC – no quadro dos depoimentos testemunhais, espontâneos e informados, que prestaram. Na verdade, na linha do descrito no auto de notícia de fls. 5 e ss., os sobreditos militares da Patrulha SEPNA, enquanto testemunhas do facto, asseveraram em juízo que, nas circunstâncias de tempo e lugar supra enunciadas, o arguido seguia ao volante do mencionado veículo ligeiro de passageiros, na retaguarda do veículo no qual seguiam, quanto tentou uma ultrapassagem em local proibido, motivo pelo qual lhe deram ordem de paragem, que o mesmo acatou. Nessa sequência, abordaram o arguido e constaram que o veículo automóvel no qual ele se fazia transportar não tinha o seguro obrigatório nem inspeção periódica válida, factos que conduziram ao chamamento da patrulha do Posto Territorial da GNR ..., que se deslocou ao local e prosseguiu com a ação de fiscalização, como resulta do auto de notícia de fls. 5 e ss. e foi confirmado em julgamento pelas três testemunhas que foram inquiridas.
Tal qual resulta do auto de notícia de fls. 5 e ss. e se extraiu do conjunto de depoimentos testemunhais produzidos em julgamento, prestados por quem demonstrou conhecimento direto da factualidade em questão, a patrulha do Posto Territorial da GNR ..., que se deslocou ao local dos factos, era composta pelo EE (militar autuante) e o Guarda DD, que figura no auto de notícia referido como militar testemunha, tendo assinado o mesmo nessa qualidade.
Como decorre do auto de notícia de fls. 5 e ss. e foi confirmado em julgamento pela testemunha militar DD, com conhecimento direto dos factos, pois neles teve participação, após chegar ao local, a patrulha do Posto Territorial da GNR ... identificou o arguido, que de seguida foi submetido a um exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, através de aparelho qualitativo, apresentando o seguinte resultado: com indícios de álcool.
Em face do resultado do exame efetuado no aparelho qualitativo, como é atestado pelo auto de notícia de fls. 5 e ss. e foi confirmado em julgamento, com conhecimento direto, pelo militar DD, no quadro do depoimento testemunhal que produziu, o arguido foi submetido a exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, através do alcoolímetro quantitativo DRAGER ALCOTEST 7100 MK IIP ARNA0074, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue registada de 1,44 g/l, correspondente, após a dedução do erro máximo admissível, à taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,325 g/l, facto este que é comprovado pelo talão de teste do exame respetivo, igualmente valorado pelo tribunal.
Na sequência do conhecimento do resultado do sobredito exame efetuado em aparelho quantitativo, após ter sido informado dos seus direitos, como é atestado pelo auto de notícia de fls. 5 e ss. dos autos e foi confirmado em julgamento, com conhecimento direto, pelo militar DD, no seio do depoimento testemunhal que produziu, o arguido requereu a realização de contraprova, motivo pelo qual foi submetido a um novo exame de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, através do alcoolímetro quantitativo DRAGER ALCOTEST 7100 MK IIP ARNA0071, tendo acusado uma taxa de álcool no sangue registada de 1,40 g/l, correspondente, após a dedução do erro máximo admissível, à taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,288 g/l, facto este que é comprovado pelo talão de teste do exame respetivo, igualmente valorado pelo tribunal.
Aqui chegados, em face dos resultados obtidos nos exames de pesquisa de álcool no sangue, pelo método do ar expirado, a que o arguido foi submetido, é possível concluir, sem margem para qualquer dúvida, que o mesmo exerceu a condução, nas circunstâncias de tempo e lugar enunciadas na acusação pública e no ponto 1.º dos factos provados, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
Em suma, nos termos expostos, o convencimento do julgador no que concerne à factualidade vertida nos pontos 1.º a 3.º dos factos provados assentou na valoração, concatenada, do auto de notícia de fls. 5 e ss. dos autos (não posto em causa por qualquer outro elemento de prova produzido em audiência de julgamento), nos depoimentos testemunhais produzidos pelos miliares da GNR supra identificados (os quais depuseram de forma espontânea, informada e desinteressada), bem como nos talões dos testes/exames de pesquisa de álcool no sangue a que o arguido foi submetido, pelo método do ar expirado, em aparelhos quantitativos.
Relativamente aos pontos 4.º e 5.º dos factos provados, o tribunal considerou o conjunto de circunstâncias de facto dadas como provadas nos pontos 1.º a 3.º, apreciadas à luz das regras enunciadas pelo art. 127.º do Código Processo Penal, porquanto a motivação e o convencimento intrínseco do arguido constituem realidades não apreensíveis diretamente, decorrendo antes da materialidade dos factos objetivos analisada à luz das regras de experiência comum.
Com efeito, lançando mão das regras de experiência de comum, atendendo à taxa de álcool no sangue apresentada pelo arguido, somos de concluir que o mesmo não podia, pelo menos, deixar de ter previsto ter ingerido bebidas alcoólicas de forma adequada a apresentar uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l e, não obstante, conformou-se com essa eventualidade, tendo decidido conduzir nessas condições. Acresce que nada há nos autos que aponte no sentido de que o arguido não agiu, sempre, de forma livre, voluntária e consciente, pelo contrário, o comportamento assumido pelo arguido durante a fiscalização de que foi objeto, relatado pelos militares que foram ouvidos como testemunhas em julgamento, inculca a certeza de que o mesmo atuou, sempre, de forma livre, voluntária e conscientemente.
No que concerne ao ponto 6.º dos factos provados, ao longo dos tempos, no nosso país, foram-se realizando múltiplas campanhas de prevenção contra este tipo legal de crime, que incutiram em todos os membros da comunidade a consciência de que condutas como aquela que o arguido assumiu no caso dos autos constituem ilícito criminal. Na verdade, é hoje do conhecimento dos membros da comunidade que quem, pelo menos com negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l, incorre na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, pelo que se pode concluir que o arguido, pessoa imputável e socialmente integrada, bem sabia que a conduta que assumiu era proibida e punida por lei, tanto assim que já foi anteriormente condenado pela prática do ilícito criminal pelo qual vem acusado, circunstância que afasta qualquer dúvida acerca do seu conhecimento quanto ao caráter ilícito da sua conduta.
A factualidade atinente ao passado criminal do arguido, vertida nos pontos 7.º a 11.º dos factos provados, mostra-se documentalmente atestada no processo, mais concretamente através do seu certificado de registo criminal devidamente atualizado, o qual consta do expediente respeitante à referência eletrónica n.º...94.
Por seu turno, a factualidade vertida no ponto 12.º dos factos provados extrai-se do teor da sentença respetiva, cuja cópia certificada consta do expediente com a referência eletrónica n.º...73, pelo que na valoração de tal documento e do respetivo teor assentou o juiz decisório quanto ao ponto de facto em causa.
Por último, a factualidade vertida no ponto 13.º dos factos provados extrai-se do teor da sentença respetiva, cuja cópia certificada consta do expediente com a referência eletrónica n.º...92, pelo que na valoração de tal documento e do respetivo teor assentou o juiz decisório quanto ao ponto de facto em causa.
Assim se formou a convicção do julgador”.
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Comecemos pela questão da ponderação do registo criminal efetuada pelo tribunal recorrido.
A Lei nº 37/2015 de 5 de maio (Lei da identificação criminal) estabelece o regime jurídico da identificação criminal e transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, relativa à organização e ao conteúdo do intercâmbio de informações extraídas do registo criminal entre os Estados membros.
Dispõe o seu artigo 2º que “A identificação criminal tem por objeto a recolha, o tratamento e a conservação de extratos de decisões judiciais e dos demais elementos a elas respeitantes sujeitos a inscrição no registo criminal e no registo de contumazes, promovendo a identificação dos titulares dessa informação, a fim de permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes”.
Atento o preceituado no artigo 10º, nº 1 “O certificado do registo criminal identifica a pessoa a quem se refere e certifica os antecedentes criminais vigentes no registo dessa pessoa, ou a sua ausência, de acordo com a finalidade a que se destina o certificado, a qual também é expressamente mencionada”.

O artigo 11º é relativo ao cancelamento definitivo, dispondo no nº 1 que:

“1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:
a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.    
c) Decisões que tenham aplicado pena de multa a pessoa coletiva ou entidade equiparada, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena, consoante a multa tenha sido fixada em menos de 600 dias, entre 600 e 900 dias ou em mais de 900 dias, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
d) Decisões que tenham aplicado pena de dissolução a pessoa coletiva ou entidade equiparada, decorridos 10 anos sobre o trânsito em julgado;
e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;
f) Decisões de dispensa de pena ou que apliquem pena de admoestação, decorridos 5 anos sobre o trânsito em julgado ou sobre a execução, respetivamente;
g) Decisões que tenham aplicado pena acessória, após o decurso do prazo para esta fixado na respetiva sentença condenatória ou, tratando-se de pena acessória sem prazo, após a decisão de reabilitação”.
Do confronto do disposto nos artigos 2º e 11º nº 1 verifica-se por um lado ser intenção do legislador, através da possibilidade do acesso ao Registo Criminal permitir às autoridades judiciárias [2] conhecer o passado criminal do arguido dele extraindo as legais consequências, nomeadamente em sede de escolha e concretização da medida da pena, mas por outro lado ao consagrar o regime de cancelamento das inscrições registadas, tem em vista facilitar a integração social do condenado, tendo em consideração que as penas visam também, e principalmente, a ressocialização do delinquente, como resulta claramente do disposto no artigo 40º nº 1 do Código Penal.
Isto leva a que o cancelamento do registo de condenações penais imposto pelo decurso dos prazos previstos no artigo 11º sobre a data da extinção das penas, sem que o arguido volte a delinquir, implique que com tal cancelamento, as mesmas deixem de produzir qualquer tipo de efeitos, designadamente quanto à medida da pena, quer esta seja principal, quer seja acessória, como a que está em causa nos presentes autos.
Como bem se refere no acórdão da Relação do Porto de 22 de setembro de 2021 [3] “Não poderemos deixar de referir que ao sistema de registo deve presidir uma intenção de restringir uma estigmatização social do delinquente. Por esta razão, tal como defende Almeida Costa (in “O Registo Criminal – História, Direito comparado, Análise político-criminal do instituto ”), “(…) O cancelamento dos cadastros parece implicar uma proibição de prova quanto aos factos por ele abrangidos. A ser de outro modo, não se compreenderia o fundamento da sua consagração. Ao incidir sobre o mecanismo em que, por definição, assenta a informação dos tribunais, o legislador só pode ter querido significar que, doravante, as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza (v.g. quanto à medida da pena)”.
O cancelamento dos registos é uma imposição legal. Uma vez verificada a hipótese contemplada na previsão da norma que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado (contra o arguido), assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento”.
Também neste sentido, a que se adere, o acórdão da Relação do Porto de 14 de abril de 2021 [4] no qual se refere “O registo criminal visa dar a conhecer o passado judiciário do condenado. Mas esse conhecimento deve ser um conhecimento legal, ou seja, conhecimento processado e obtido de forma lícita, através de um instrumento ou meio legalmente conformado”, acrescentando ainda “Regulamentando a lei o cancelamento dos registos criminais e estabelecendo prazos perentórios para tanto, em função da natureza e da medida das respetivas penas (cancelamento esse que, tal como assinalámos, na vigência da Lei 57/98, era automático), a possibilidade da sua valoração não pode estar dependente de qualquer aleatoriedade, relativamente à data do efetivo cancelamento, por parte de uma entidade de natureza administrativa que, porventura, por qualquer razão, não tenha procedido ao apagamento, no registo criminal, de decisões que, por imperativo legal, já se encontrassem canceladas.
A não se entender assim, validar-se-iam situações absolutamente discriminatórias, nos termos das quais poderiam ser tidos em conta registos que, em obediência à lei, já não deveriam constar do CRC, embora lá permanecessem, ao passo que, noutras situações, o agente do crime condenado, por força de um CRC efetivamente atualizado, não seria, por isso, penalizado.
Pelo que, considerar um certificado do registo criminal que certifique decisões que, nos termos legais, dele já não deveriam constar, implica uma verdadeira proibição de valoração de prova, estando vedado ao Tribunal ter em conta tais decisões”.
Ainda neste sentido o recente acórdão da Relação do Porto de 22 de março de 2023[5]
Voltando ao caso em apreço temos que o Mmo. Juiz “a quo” na motivação da decisão de facto relativa aos pontos 7.º a 11.º dos factos provados, teve em consideração o certificado de registo criminal atualizado do arguido [6], no qual apenas consta o processo comum singular com o n.º417/16...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... – J..., no qual o arguido foi condenado pela prática, em abril de 2016, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203, n.º1 do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à razão diária de €5,00, num total de €750,00 e o processo sumário com o n.º172/17...., que correu termos no Juízo Local Criminal ... – J..., no qual o arguido foi condenado pela prática, em 23 de outubro de 2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 292, n.º1 e 69, n.º1, alínea a) do Código Penal, na pena principal de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 1 ano e 3 meses.
E quer na escolha e determinação da medida da pena principal e quer na determinação da pena acessória, resulta da sentença recorrida que considerou apenas a prática desses dois crimes.
Refere ainda a sentença recorrida em sede de apreciação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados: “Não se olvida que na última condenação que sofreu, pelo cometimento de ilícito penal de condução de veículo em estado de embriaguez, o arguido foi condenado na pena de 6 (seis) meses de prisão (suspensa na sua execução pelo período de um ano, com regime de prova), todavia a prática dos factos a ela respeitantes e a respetiva decisão condenatória datam do ano de 2017 e nessa decisão foram tomadas em consideração condenações anteriores do arguido (cf. ponto 13.º dos factos provados), então constantes do seu registo criminal, que não podem hoje ser valoradas por este tribunal, nesta decisão, nomeadamente para efeitos de determinação da sanção penal concreta a aplicar ao arguido, na medida em que as decisões condenatórias respetivas cessaram a sua vigência no registo criminal e foram objeto de cancelamento definitivo e consequente eliminação do certificado de registo criminal do arguido, ao abrigo do disposto no art. 11.º da Lei n.º37/2015, de 5 e maio”.
Foram assim apenas estes dois processos crime que o Mmo. Juiz “a quo” atendeu ao apreciar os antecedentes criminais do arguido ao aplicar a pena acessória de inibição de conduzir, ora sindicada.
O primeiro desses crimes foi praticado em abril de 2016, tendo o arguido sido condenado por sentença datada de 13 de junho de 2017, transitada em julgado em 13 de julho de 2017, pela prática, de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203, n.º1 do Código Penal, na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5,00, tendo essa pena de multa sido convertida em 26 dias de prisão subsidiária, que se extinguiu no dia 15 de junho de 2018, face ao facto de o arguido ter procedido ao pagamento dessa multa.
Entretanto, o arguido incorreu na prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 292, n.º1 e 69, n.º1, alínea a) do Código Penal, ocorrido em 23 de outubro de 2017, tendo-lhe sido aplicada, por sentença transitada em julgado em 14 de dezembro de 2017, a pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 1 ano, com regime de prova, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 1 ano e 3 meses.
Temos assim que tendo a pena de multa referente ao processo comum singular com o n.º417/16...., sido extinta pelo pagamento no dia 15 de junho de 2018, nunca poderia ser cancelado o registo dessa condenação, pois que ainda não decorreu sequer o prazo de 5 anos, contados a partir dessa data previsto no artigo 11º nº 1 alínea b) da Lei nº 37/2015 de 5 de maio.
No que concerne ao processo sumário com o n.º172/17...., o arguido foi condenado numa pena principal e numa pena acessória, dispondo o artigo 11º nº 2 que nessa situação “os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração”, que no caso seria o da pena acessória – 1 ano e 3 meses.
Deste modo só a partir de março de 2019 é que se inicia o prazo de 5 anos para que houvesse lugar ao cancelamento definitivo, que não está assim logicamente ultrapassado.
Bem andou assim o tribunal “a quo” ao considerar os antecedentes criminais do arguido por referência a esses dois crimes, não existindo assim qualquer violação do principio da igualdade, invocado pelo arguido, dado que esses registos não podiam ter sido cancelados, pelo que também não estamos perante uma situação de valoração de prova proibida.
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Resta assim apreciar se a pena acessória de inibição deve ser reduzida, por excessiva, pretendendo o recorrente que a mesma seja fixada em seis meses.
O Mmº Juiz “a quo” após expender que na decisão condenatória datada de 2017 “foram tomadas em consideração condenações anteriores do arguido então constantes do seu registo criminal, que não podem hoje ser valoradas por este tribunal, nesta decisão”, adianta porém que “Serve este apontamento para dizer que não se justifica, a nosso ver, por excessiva e desnecessária, a aplicação de uma pena acessória de duração muito superior à anteriormente aplicada ao arguido na condenação penal de que o mesmo foi objeto no ano de 2017. Todavia, salvo o devido respeito por melhor opinião, simultaneamente, não faz sentido regredir na medida desta pena acessória, através da fixação de um período temporal mais curto, ou mesmo igualá-la, pois que estamos perante um arguido que não interiorizou o desvalor das suas ações, tendo voltado a prevaricar, mais concretamente a incorrer na prática de um novo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, não obstante ter sofrido e cumprido uma pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor pelo período de 1 (um) e 3 (três) meses, que, como se percebe pelo seu comportamento ulterior (justificador da condenação neste processo), não lhe serviu de suficiente advertência. Por conseguinte, sopesados os aspetos acabados de realçar com os demais circunstancialismos supra enunciados, onde se destaca a intensidade do dolo (eventual), o moderado grau de ilicitude do facto - considerando que o arguido apresentou uma taxa de álcool no sangue próxima do limite a partir do qual a sua conduta passou a ser criminalmente punida -, o facto de as consequências da sua conduta ilícita e culposa terem revertido, apenas, contra si, do ponto de vista criminal, não tendo resultado, da sua conduta, danos para terceiros, bem como a circunstância de o arguido contar um antecedente criminal pelo cometimento de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, sem esquecer a ausência de interiorização do desvalor das suas ações, que se extrai do facto de ter voltado a prevaricar após as condenações que sofreu, atrás referidas, bem como da indiferença que demonstrou em relação ao sistema de administração da justiça penal, entende o tribunal ser de fixar a duração da pena acessória de proibição de conduzir veículo a motor de qualquer categoria em 1 (ano) e 4 (quatro) meses”.   
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Conforme bem se refere no acórdão desta Relação de Guimarães, de 2 de novembro de 2015, [7] “Na determinação da pena acessória é necessário observar os critérios estabelecidos no artº 71º do CP, dando especial importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido de molde a que futuramente paute as suas condutas de acordo com o prescrito pela lei. Por outro lado, a aplicação da pena acessória não tem de ser proporcional à pena principal, uma vez que os objectivos de política criminal são, também eles, distintos. O fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado, pelo que não tem de existir uma correspondência matemática e proporcional entre as penas, consideradas as respectivas molduras abstractas”.
No que concerne à controlabilidade da pena em sede de recurso, nas quais também se incluem as penas acessórias, aquando da determinação do seu quantum, concorda-se com Figueiredo Dias, [8] no que é acompanhado pela generalidade da jurisprudência, quando defende que “a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada”.
Mas é precisamente isso que sucede no caso em apreço, mostrando-se desproporcionada, por excessiva, a pena acessória aplicada.
O tribunal “a quo” deu demasiado relevo ao facto de na anterior condenação do arguido, em setembro de 2017, o mesmo ter sido condenado a uma pena acessória de proibição de conduzir veículo com motor pelo período de 1 (um) e 3 (três) meses, para considerar não ser de aplicar uma pena acessória igual ou inferior à já sofrida.
Mas não é assim.
Nada impede que na concretização da pena acessória, seja fixado um período inferior, tanto mais que na anterior condenação, foram atendidos antecedentes criminais que agora não podem ser valorados.
A não se entender deste modo, estávamos a “repristinar” tais antecedentes criminais, não de uma forma direta, mas sim indireta, ao fixar como limite mínimo da pena acessória a aplicar nestes autos, a pena acessória anteriormente fixada.
Naturalmente que essa condenação anterior terá de ser atendida, mas não com o alcance que lhe foi atribuído pelo tribunal recorrido.    
Da mesma forma terá de ser considerado que milita em desfavor do arguido as exigências muito elevadas que se fazem sentir face ao flagelo da sinistralidade rodoviária, resultante muitas vezes da condução sob o efeito do álcool.
Como circunstâncias favoráveis ao arguido há a considerar que a última condenação pela prática deste tipo de crime ter ocorrido já em 2017, o facto do dolo ser eventual, que é a modalidade menos grave e sobretudo a taxa de álcool no sangue apurada de 1,288 g/l, muito próxima do limite mínimo para que possa ser considerada crime.
Assim, e tendo-se presente que para que cumpra a finalidade preventiva, a pena acessória de proibição de conduzir tem de importar necessariamente um sacrifício para o arguido e uma censura suficiente dos factos, considera-se adequado, por melhor respeitar os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas, reduzir para 9 (nove) meses o período de inibição de conduzir.
Procede assim em parte o recurso do arguido. 
*
III – Decisão.

Face ao exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido, reduzindo para nove meses o período da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, de qualquer categoria, mantendo-se no restante a sentença recorrida.
*
Sem tributação.
*
Notifique.
  
Guimarães, 17 de abril de 2023.

(Decisão elaborada pelo relator com recurso a meios informáticos e integralmente revista pelos subscritores, que assinam digitalmente).

Pedro Freitas Pinto (Juiz Desembargador Relator)
Fátima Sanches (Juíza Desembargadora 1º Adjunta)
Anabela Varizo Martins (Juíza Desembargadora 2ª Adjunta)       


[1] Cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995 e, na doutrina, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, 3ª Edição Atualizada, Universidade Católica Editora, 2009, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1027/1028.
[2] E outras entidades ou serviços previstos no artigo 8º.
[3] Procº nº 96/21.1GAMCN.P1 Relator: Desembargador Paulo Costa, publicado, como os demais citados in www.dgsi.pt.
[4] Procº nº 448/10.2GVFR.    Relator: Desembargadora Paula Natércia Rocha.
[5] Procº nº 753/22.5GALSD   Relator: Desembargadora Lígia Trovão.
[6] O qual se encontra junto ao suporte físico do processo a fls. 95 a 100.
[7] Procº nº 167/15.3GBBCL.  Relator: Desembargador Luís Coimbra.
[8] Obra citada, pág. 197.