Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2983/20.5T8BRG.G1
Relator: CONCEIÇÃO SAMPAIO
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA PENAL
REDUÇÃO
JUÍZO DE EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DOS RÉUS PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Nos contratos de adesão, quando se trata de decidir se a cláusula penal é desproporcionada aos danos a ressarcir impera um juízo objetivo, consoante o quadro negocial padronizado, e sendo a pena desproporcional, a cláusula é nula (art.º 19º e 12.º do Decreto-Lei nº 446/85), tal não ocorrendo, sendo a cláusula válida, ainda assim, pode num segundo momento, vir a ser reduzida, por “manifestamente excessiva”, nos termos do art. 812.º, do Código Civil. Nisto se traduz o duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão.
II - Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, a cláusula penal pode revestir três modalidades: função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas, e; cláusula penal de natureza compulsória, em que as partes fixam uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, a qual tem por finalidade pressionar o devedor a cumprir.
III – Numa cláusula com função compensatória, isto é, de fixação antecipada da indemnização haverá que atender sobretudo ao desvio entre o montante previsto na cláusula e o dano real sofrido pelo credor com o incumprimento, fixando a medida da redução segundo juízos de equidade.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- RELATÓRIO

EMP01..., UNIPESSOAL, LDA, veio intentar ação declarativa de condenação contra AA, BB e CC, pedindo que os réus sejam condenados solidariamente a pagar à autora a quantia de 360.412.21€, acrescida de juros de mora calculados desde a citação até integral pagamento.
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Devidamente citados, os réus apresentaram contestação, invocando, em suma, que o valor da cláusula penal é desproporcional, devendo ser afastado ou, pelo menos, reduzido por manifestamente excessivo.
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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença que julgando a ação procedente, condenou os réus ao pagamento solidário à autora da quantia de 360.412,21€, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às transações comerciais, contados desde a citação até integral pagamento.
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Inconformados com a sentença, os réus CC e BB interpuseram recurso, finalizando com as seguintes conclusões:

I. Objeto do recurso

1. O presente recurso tem por objeto a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu, em suma, condenar os réus ao pagamento solidário à Autora da quantia de 360.412,21€ (trezentos e sessenta mil, quatrocentos e doze euros e vinte e um cêntimos);
2. Como veremos, existem diversas razões de direito e de facto, que levam os ora recorrentes a entender que tal decisão não poderá prevalecer, conforme explanaremos infra.
Destarte,
II. Da matéria de facto.
a) Os concretos factos, que os recorrentes entendem que deveriam ter sido dados como provados.
3. Entendem os aqui recorrentes que o Tribunal a quo andou mal ao dar como não provado o seguinte facto: “Que os aqui RR não tiveram oportunidade de analisar o contrato celebrado e conhecer as suas cláusulas”.
4. Conforme melhor explanaremos infra, deveria ter sido dado como provado o referido facto, isto é, que, efetivamente, os réus não tiveram oportunidade de analisar o contrato em causa, muito menos entender o alcance da cláusula penal, e as consequências que daí advêm.
5. Em consequência, deveria ter sido dado como provado o seguinte facto: “Os RR não tiveram, conhecimento factual e material dos termos do contrato em causa, nomeadamente, a cláusula penal e as consequências que advém da mesma.”.
6. Por outro lado, deverá o facto dado como provado nº 48, ser restruturado, passando a ter a seguinte formulação “As assinaturas dos RR., nos contratos nº ...79 datado a 11 de setembro de 2018, nº 41690, datado a 11 de setembro de 2018, nº 41687, datado a 11 de setembro de 2018, foram objeto de reconhecimento com menções especiais por semelhança, feito por advogado, conforme resulta dos mesmos”;
7. E acrescentando um outro onde refira: “A assinatura dos RR, no contrato nº ...96, datado a 29 de outubro de 2018 não foi objeto de reconhecimento, estando em causa uma certificação de fotocópia, conforme consta do registo da ordem.”
8. Deve ainda ser dado como provado que: “Estão em causa verdadeiros contratos de Adesão, não tendo os RR oportunidade de alterar o conteúdo do mesmo, tendo sido a cláusula penal imposta sem negociação prévia.”
Assim,
B) Os concretos meios de prova que fundamentam o entendimento dos recorrentes.
9. Ora como concretos meios de prova, para que sejam dados como provados os factos supra mencionados, temos por um lado os doc. ... (contrato ...79), doc. ... (contrato ...90), doc. ...3 (contrato ...87) e doc. ...9 (contrato ...96) juntos pela Autora aquando da petição inicial - os quais se consideram integralmente reproduzidos, por questões de economia processual –
10. E ainda o depoimento das testemunhas DD e EE.
11. Assim importa analisar cada um destes concretos meios de prova, para que melhor possam V.ªs Ex.ªs entender a posição dos aqui recorrentes.
i) Dos contratos celebrados entre os réus e a autora: doc. ... (contrato ...79), doc. ... (contrato ...90), doc. ...3 (contrato ...87) e doc. ...9 (contrato ...96) juntos pela autora aquando da petição inicial.
12. Quanto aos documentos mencionados, estão em causa contratos cuja assinatura dos réus foi reconhecida por mera semelhança, sendo certo que quanto ao contrato ...96 o seu reconhecimento é invalido, isto porque, o registo da ordem menciona que está em causa uma certificação de fotocópia.
13. Tudo isto para dizer que estes documentos não são prova demonstrativa de que os réus tiveram conhecimento do conteúdo dos contratos, muito menos da cláusula penal e das consequências que saí advêm.
14. Estão em causa contratos de adesão, composto por cláusulas contratuais gerais – conforme melhor explanaremos infra, mas que adiantamos já que foi dado por assente na sentença ora recorrida.
15. A intervenção dos Réus nestes contratos em concreto, limitou-se à sua própria, identificação e do local da distribuição, data de celebração e expetativas de consumo, pois todo o demais clausulado estava já redigido, fazendo parte do modelo que a Autora utiliza e que os Réus aceitaram (mesmo que não fossem essas as suas vontades);
16. Ora, o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais no caso a Autora – conforme melhor explanaremos infra.
17. A autora não conseguiu provar a comunicação adequada aos fiadores, até porque tratou-se de um contrato cujas assinaturas foram reconhecidas por mera semelhança.
18. Os réus não recorreram a qualquer advogado para esclarecimento das ditas cláusulas, muito menos a Autora logrou esclarecer aos aqui réus a referida cláusula.
19. Assim, a Autora não comunicou aos Réus que o teor desta cláusula significa que abdicou de um direito que assiste aos fiadores.
20. Tudo isto para dizer que devem ser dados como provados os factos supra enunciados, os quais não foram erroneamente por parte do Tribunal a quo.
ii) Do depoimento da testemunha DD.
21. Da análise deste depoimento, em conjugação com a prova suprarreferida, resultam evidentes elementos que o Tribunal a quo andou mal ao não dar como provado o seguinte facto: “Estão em causa verdadeiros contratos de Adesão, não tendo os RR oportunidade de alterar o conteúdo do mesmo, tendo sido a cláusula penal imposta sem negociação prévia.”
22. Sendo certo que este facto é uma consequência dos restantes, nomeadamente, do facto dos réus não terem conhecimento do verdadeiro alcance do contrato, muito menos das consequências da referida cláusula penal.
23. Mas mesmo que tivessem – o que não se concebe – nunca poderiam ter a liberdade de as alterar, sendo tal facto provado pelos depoimentos quer da testemunha DD, quer da testemunha EE.
Veja-se ainda,
iii) Do depoimento da testemunha EE.
24. Na mesma linha temos o depoimento da testemunha EE, a qual também demonstra que os aqui réus não têm qualquer margem negocial no contrato ora em crise, muito menos no que à cláusula penal diz respeito.

Assim,
C) Da decisão que deveria ter sido tomada pelo tribunal a quo.
25. Atento tudo quanto foi exposto, quer pela análise dos documentos supramencionados, quer pelos depoimentos das testemunhas suprarreferidos, podemos concluir que andou mal o Tribunal a quo ao não dar como provado os factos constantes em A);
26. Significa, pois, que andou mal o Tribunal a quo condenar os réus na quantia de 360.412,21€ (trezentos e sessenta mil, quatrocentos e doze euros e vinte e um cêntimos), dos quais 207.460,00€ (duzentos e sete mil, quatrocentos e sessenta euros) trata-se do montante a título de indemnização – pela aplicação da cláusula penal - que corresponde a mais de metade do valor pelo qual os réus foram condenados.
27. Em consequência, deverá a decisão ora recorrida ser revogada e substituída por outra que absolva os réus do pedido de 207.460,00€ (duzentos e sete mil, quatrocentos e sessenta euros), que corresponde à cláusula penal ora em causa, a qual é nula.

Ademais,

III. Da matéria de direito:

A) Das normas jurídicas violadas.    

28. Entendem os ora recorrentes que o Tribunal a quo desrespeitou as normas constantes nos artigos 810º, nº1 do CC e 812º do CC, e ainda o artigo 5º e 8º do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85, de 25 de outubro), naquilo que é a interpretação que fez das referidas normas.

Vejamos,
B) Do sentido em que, no entender dos recorrentes, as normas deviam de ter sido interpretadas e aplicadas.
29. Cumpre desde já referir, que independentemente da alteração da matéria de facto suprarreferida, mesmo que se considere que o leque dos factos dados como provados se encontram correto, sempre se dirá que existe fundamento para o presente recurso, desde logo atenta à incorreta interpretação da matéria de direito.

Assim,
30. Dissequemos, antes de mais, para cabal compreensão da questão, as características destes contratos.
31. A Autora, na demanda de angariar novos clientes e assim expandir o seu negócio, faz uso de agressivas campanhas de assédio junto de empresas de restauração e cafetaria, prometendo-lhes o “el dorado”.
32. Propondo-lhes a venda de grandes quantidades de café ao longo de determinado período temporal, seduzindo-as com comparticipações publicitárias e colocação de equipamento nos seus estabelecimentos.
33. Assim sucedeu com a sociedade “EMP02... Unipessoal, Lda.”.
34. No fundo, está em causa um verdadeiro contrato de “Adesão”, composto por cláusulas contratuais gerais. Facto que é dado por assente na sentença que ora se recorre.
35. São contratos nos quais uma das partes não tem a menor participação na preparação das respetivas cláusulas, limitando-se a aceitar o texto que o outro contraente – no caso, a “EMP01... Unipessoal, Lda.” -, oferece, em massa, aos interessados.
36. Contratos esses que exigiam a existência de fiadores e principais pagadores solidários (Qualidade em que intervêm os aqui Réus).

Vejamos,
37. Significa, pois, que que mesmo que os aqui réus quisessem alterar a dita cláusula nunca o poderiam fazer!
38. Não existiu aqui qualquer acordo, tanto é, como foi suprarreferido, pelo facto de estar em causa um contrato de Adesão, composto por cláusulas contratuais gerais!
39. Neste sentido andou mal o Tribunal a quo a condenar os réus na quantia de 360.412,21€ (trezentos e sessenta, quatrocentos e doze mil euros e vinte e um cêntimos), sendo certo que 207.460,00€ (duzentos e sete mil, quatrocentos e sessenta euros) trata-se do montante a título de indemnização, que corresponde a mais de metade do valor pelo qual os réus foram condenados.
40. Claro está que uma sociedade como a EMP01... que produz diariamente, centenas, ou até milhares de quilos de café não teve qualquer prejuízo com o café não vendido aos aqui réus.
41. Bem sabemos que o referido café mesmo que não tenha sido vendido aos réus foi a qualquer outro dos milhares clientes da EMP01..., até porque a data de validade do café é elevada.
42. No fundo o que se verifica neste processo, e com a sentença ora recorrida, é a penalização da parte mais fraca – que a justiça tem o dever e obrigação de proteger – em detrimento de um verdadeiro “tubarão” no mercado – que é o caso da Autora.
43. Resulta, por isso, claro que, com tais cláusulas, não tem a Autora por finalidade compelir/pressionar o devedor ao cumprimento e/ou sancionar o não cumprimento, como está na génese da norma do artigo 810.º do Código Civil.          31
44. Mas sim enriquecer à sua custa, numa verdadeira cláusula leonina.
45. Importa deixar claro, que tal incumprimento foi fortuito, não voluntário e culposo, essencialmente, no que toca à figura dos fiadores.
46. Ora, quanto à figura dos fiadores, importa analisar o papel destes no processo ora em crise.
47. Se é verdade que a assinatura dos fiadores foi reconhecida, também é verdade que a mesma foi reconhecida por mera semelhança.
48. A intervenção dos Réus neste contrato em concreto, limitou-se à sua própria, identificação e do local da distribuição, data de celebração e expetativas de consumo, pois todo o demais clausulado estava já redigido, fazendo parte do modelo que a Autora utiliza e que os Réus aceitaram.
49. Tem entendido a jurisprudência que não basta a mera comunicação, sendo ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efetivo do clausulado e que se realize de forma adequada e com certa antecedência, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas.
50. Ora, o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe à parte que utilize as cláusulas contratuais gerais: a Autora;
51. A autora não conseguiu provar a comunicação adequada aos fiadores, até porque tratou-se de um contrato cujas assinaturas foram reconhecidas por mera semelhança.
52. Os réus não recorreram a qualquer advogado para esclarecimento das ditas cláusulas, nem muito menos a Autora logrou esclarecer aos aqui réus a referida cláusula.
53. Assim, em resultado da violação do dever prescrito no artigo 5º do Regime Geral das Cláusulas Contratuais Gerais (DL 446/85, de 25 de outubro), deve considerar-se esta cláusula nula- Cfr. Artigo 8º do DL 446/85 de 25 de outubro.
54. Importa referir que é de conhecimento oficioso do Tribunal, mesmo do Tribunal da Relação, a nulidade da referida cláusula penal, podendo ser apreciada nesta instância.
55. Em suma, e atento a tudo quanto foi alegado supra, entendem os ora recorrentes, que deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que considere a cláusula penal nula, e bem assim, não condene os réus ao pagamento de qualquer indeminização, o que expressamente se requer.
Sem prescindir,
56. Por mera cautela do patrocínio, e caso assim não se entenda, deverá a referida cláusula ser reduzida pelo Tribunal, nos termos do artigo 812º, nº1 do CC, e atento ao princípio da proporcionalidade e equidade.
57. Falamos de valores astronómicos, incomportáveis para a esmagadora maioria das pessoas e desproporcional.
58. Importa referir que é de conhecimento oficioso do Tribunal, mesmo do Tribunal da Relação, a redução da referida cláusula penal, podendo ser apreciada nesta instância.!
59. Assim sendo, deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que reduza a cláusula penal de forma equitativa, nos termos do artigo 812.º do Código Civil, e, consequentemente, a indemnização exigida aos réus, o que expressamente se requer.

Ainda sem prescindir,
60. Face ao que fomos já referindo, o montante pelo qual foram os Réus condenados, no que toca à indemnização oriunda da cláusula penal é desmesurado e ofensivo da justiça.
61. Excede de forma manifesta os limites impostos pela boa-fé, pelos costumes e pelo fim social ou económico do acordado.
62. O que, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, torna ilegítimo o exercício do direito por ela invocado.
63. Motivo pelo qual, deverá improceder o constante na sentença recorrida, no que concerne ao valor calculado a título de cláusulas penais, uma vez que está em causa um verdadeiro abuso de direito.
64. Referir ainda que o abuso de direito é de conhecimento oficioso, podendo a presente instância apreciar tal invocação, o que se requer!

Pugnam os recorrentes pela revogação da sentença recorrida que deve ser substituída por outra que:

a) absolva os réus do pedido da quantia de 207.460,00€ (duzentos e sete mil, quatrocentos e sessenta euros), e declare nula a cláusula penal, atenta à violação do disposto no artigo 810º, nº1 do CC, à violação do princípio da equidade e proporcionalidade, e ainda devido à não comunicação adequada aos réus, conforme estipula os artigos 5º e 8º do DL n.º 446/85. De 25-10;
b) Caso assim não se entenda, subsidiariamente, que seja declarada a cláusula contratual penal ora em causa como abusiva e contrária ao direito e aos limites impostos pela boa-fé, absolvendo-se os réus integralmente do pedido da quantia de 207.460,00€ (duzentos e sete mil, quatrocentos e sessenta euros);
c) Ainda subsidiariamente, ser a sentença ora recorrida revogada e substituída por outra que reduza a cláusula penal, de forma equitativa, de acordo com o disposto no artigo 812º, nº 1 do CC.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

As questões decidendas a apreciar, delimitadas pelas conclusões do recurso, são as seguintes:
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
-  se a cláusula penal deve ser declarada nula por desproporcional ou o seu valor reduzido por manifestamente excessiva.
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III- FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos
3.1.1. Factos Provados

Foram dados como assentes na primeira instância os seguintes factos:
1. A autora e a sociedade EMP02... – Unipessoal, Lda, celebraram em 11.10.2018, o contrato nº ...79, para fornecimento de café para o estabelecimento denominado EMP03..., sito na Rua ..., ... – contrato de fls. 12v e ss.
2. Com este contrato pretenderam a sociedade EMP02... e a autora revogar os contratos com os números ...30 e ...14, entre elas celebrados, respectivamente, em 05.04.2017 e 11.04.2017, como resulta dos considerandos D), F), H) e I).
3. De acordo com o estipulado na cláusula segunda, números 1) e 3) do contrato, a sociedade obrigou-se, durante o período de vigência do contrato, a não adquirir a terceiros, nem a publicitar ou a revender outras marcas de café e descafeinado nos seus estabelecimentos e bem assim, a revender e a publicitar aí, em exclusivo, o café da marca ..., Lote ..., comercializado pela A..
4. Na mesma cláusula segunda, mas no número 2), obrigou-se também a adquirir a quantidade de 4.320 kg daquele café, devendo tal aquisição ser efectuada através de uma compra mínima mensal de 72 kg, durante os 60 meses do contrato, previstos no número da cláusula sexta.
5. Como contrapartida das obrigações assumidas, e a título de comparticipação publicitária, a EMP02... – Unipessoal, Lda, declarou ter usufruído da quantia de 29.916,00€, acrescida de IVA, correspondente à diferença entre o valor de 40.500,00€, acrescido de IVA, já entregue a ao abrigo do contrato revogado com o nº ...30 (ver recibo de fls. 17), e a quantidade de café a consumir, como resulta do número 2) da cláusula quinta do contrato.
6. Declarou ainda ter usufruído da quantia de 9.000,00€, acrescida de IVA, correspondente 1.000 quilos de 3.000 quilos de café acordados consumir e não consumidos ao abrigo do contrato com o nº ...14, como resulta dos números 3) e 4) da clausula quinta do contrato.
7. No número 5) da cláusula quinta, estabeleceu-se que resolvido o contrato por causa não imputável à A, a EMP02... – Unipessoal, Lda, obrigava-se a restituir a comparticipação publicitária, deduzida do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses.
8. No número 6) da mesma cláusula, estabeleceu-se que o incumprimento das obrigações previstas no número 2 da cláusula segunda, diretamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstas, obrigava a EMP02... – Unipessoal, Lda, a pagar à A., a título de cláusula penal, o montante de € 10,00 por cada kg de café contratado e não adquirido.
9. Também como contrapartida das obrigações assumidas e como da cláusula quarta do contrato, A. tinha colocado no estabelecimento da sociedade o seguinte equipamento:
a) Uma máquina de café ... M27, 2gr, no valor de 2.626,44€, acrescido de IVA;
b) Um monho de café ... 3000, no valor de 1.001,09€, acrescido de IVA;
c) Um moinho de café ..., no valor de 735,16€, acrescido de IVA;
d) Uma máquina de lavar ..., no valor de 1.215,88€, acrescido de IVA.
e) No valor global de 6.861,64€, com IVA incluído.
10. A partir de Junho de 2019 a EMP02... – Unipessoal, Lda, deixou de adquirir o café da A., não mais retomando o seu consumo, apesar de diversas vezes interpelada.
11. Interpelação que a autora deu conhecimento aos réus por cartas de 08.02.2020. – juntas a fls. 17 e ss.
12. Na data em que a EMP02... – Unipessoal, Lda, deixou de adquirir o café da A. apenas tinha consumido 28 kg de café dos 4.320 kg a que estava obrigada.- ver mapa de consumos de fls. 23.
13. A A. e EMP02... – Unipessoal, Lda, celebraram em 11.09.2018, o contrato nº ...90, para fornecimento de café para o estabelecimento denominado EMP04..., sito na Av. ..., em ..., – ver contrato de fls. 23v e ss.
14. Com este contrato pretenderam revogar os contratos com os números ...61 e ...14 entre elas celebrados, respectivamente, em 06.04.2017 e 11.04.2017, como resulta dos considerandos D), F), H) e I).
15. De acordo com o estipulado na cláusula segunda, números 1) e 3) do contrato, a EMP02... – Unipessoal, Lda, obrigou-se, durante o período de vigência do contrato, a não adquirir a terceiros, nem a publicitar ou a revender outras marcas de café e descafeinado nos seus estabelecimentos e bem assim, a revender e a publicitar aí, em exclusivo, o café da marca ..., Lote ..., comercializado pela A..
16. Na mesma cláusula segunda, mas no número 2), obrigou-se também a adquirir a quantidade de 3.900 kg daquele café, devendo tal aquisição ser efectuada através de uma compra mínima mensal de 65 kg, durante os 60 meses do contrato, previstos no número da cláusula sexta.
17. Como contrapartida das obrigações assumidas, e a título de comparticipação publicitária, a EMP02... – Unipessoal, Lda, declarou ter usufruído da quantia de 25.983,00€, acrescida de IVA, correspondente à diferença entre o valor de 35.100,00€, acrescido de IVA, já entregue a ao abrigo do contrato revogado com o nº ...61, e a quantidade de café a consumir, como resulta do número 2) da cláusula quinta do contrato.
18. Declarou ainda ter usufruído da quantia de 9.000,00€, acrescida de IVA,  correspondente 1.000 quilos de café dos 3.000 quilos acordados consumir e não consumidos ao abrigo do contrato revogado com o nº ...14, e tendo em conta o montante de 32.400,00€, acrescido de IVA, já entregue como resulta dos números 3) e 4) da cláusula quinta do contrato. – ver recibo de fls. 29
19. No número 5) da cláusula quinta, estabeleceu-se que resolvido o contrato por causa não imputável à A, a EMP02... – Unipessoal, Lda, obrigava-se a restituir a comparticipação publicitária, deduzida do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses.
20. No número 6) da mesma cláusula, estabeleceu-se que o incumprimento das obrigações previstas no número 2 da cláusula segunda, diretamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstas, obrigava a EMP02... – Unipessoal, Lda, a pagar à A., a título de cláusula penal, o montante de € 10,00 por cada kg de café contratado e não adquirido.
21. Acontece que, a partir de Junho de 2019 a EMP02... – Unipessoal, Lda, deixou de adquirir os produtos da A., não mais retomando o seu consumo, apesar de diversas vezes interpelada.
22. Interpelação de que a A. deu conhecimento aos réus por cartas de 08.02.2020. – ver cartas de fls.29v e ss
23. Na data em que a EMP02... – Unipessoal, Lda, deixou de adquirir o café da A. apenas tinha consumido 105 kg de café dos 3.900 kg a que estava obrigada. – ver mapa de consumos de fls. 34.
24. A A. e EMP02... – Unipessoal, Lda, celebraram em 11.11.2018, o contrato nº ...87, para fornecimento de café para o estabelecimento denominado EMP05..., sito na Rua ..., ... – ver contrato de fls. 34v e ss.
25. Com este contrato pretenderam revogar o contrato com o número ...43, entre elas celebrado em ../../2017, como resulta dos considerandos D), H) e I).
26. De acordo com o estipulado na cláusula segunda, números 1) e 3) do contrato, a EMP02... – Unipessoal, Lda, obrigou-se, durante o período de vigência do contrato, a não adquirir a terceiros, nem a publicitar ou a revender outras marcas de café e descafeinado nos seus estabelecimentos e bem assim, a revender e a publicitar aí, em exclusivo, o café da marca ..., Lote ..., comercializado pela A..
27. Na mesma cláusula segunda, mas no número 2), obrigou-se também a adquirir a quantidade de 5.640 kg daquele café, devendo tal aquisição ser efectuada através de uma compra mínima mensal de 94 kg, durante os 60 meses do contrato, previstos no número da cláusula sexta..
28. Como contrapartida das obrigações assumidas, e a título de comparticipação publicitária, a EMP02... – Unipessoal, Lda, declarou ter usufruído da quantia de 40.347,00€, acrescida de IVA, correspondente à diferença entre o valor de 54.000,00€, acrescido de IVA, já entregue a ao abrigo do contrato revogado com o nº ...43, e a quantidade de café a consumir, como resulta do número 2) da cláusula quinta do contrato. – ver recibo de fls. 40.
29. Declarou ainda a EMP02... – Unipessoal, Lda, ter usufruído da quantia de 10.602,00€, acrescida de IVA, correspondente 1.178 quilos de café acordados consumir e não consumidos ao abrigo do contrato com o nº ...14, como resulta dos números 3) e 4) da clausula quinta do contrato.
30. No número 5) da cláusula quinta, estabeleceu-se que resolvido o contrato por causa não imputável à A, a EMP02... – Unipessoal, Lda, obrigava-se a restituir a comparticipação publicitária, deduzida do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses.
31. No número 6) da mesma cláusula, estabeleceu-se que o incumprimento das obrigações previstas no número 2 da cláusula segunda, diretamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstas, obrigava a EMP02... – Unipessoal, Lda, a pagar à A., a título de cláusula penal, o montante de € 10,00 por cada kg de café contratado e não adquirido.
32. Como resulta da cláusula quarta do contrato, também como contrapartida das obrigações, A. tinha colocado no estabelecimento da EMP02... – Unipessoal, Lda, o seguinte equipamento:
f) Uma máquina de café ... M27, 3gr, no valor de 3.860,00€, acrescido de IVA;
g) Um monho de café ... 3000, no valor de 1.001,09€, acrescido de IVA;
h) Um moinho de café ..., no valor de 735,16€, acrescido de IVA;
i) Uma máquina de lavar ..., no valor de 1.645,48€, acrescido de IVA.
j) No valor global de 8.907,56€, com IVA incluído.
33. Acontece que, a partir de Agosto de 2019 a EMP02... – Unipessoal, Lda, deixou de adquirir os produtos da A., não mais retomando o seu consumo, apesar de diversas vezes interpelada.
34. Interpelação de que a A. deu conhecimento aos réus por cartas de 08.02.2020.- ver cartas de fls.40v e ss.
35. Na data em que a sociedade deixou de adquirir o café da A. apenas tinha consumido 57 kg de café dos 5.640 kg a que estava obrigada.- doc. ...8.
36. A A. e a EMP02... – Unipessoal, Lda, celebraram ainda em 29.10.2018, o contrato nº ...96, para fornecimento de café para o estabelecimento denominado EMP06..., sito na Rua ... no EMP07...- ver contrato de fls. 47v e ss
37. De acordo com o estipulado na cláusula segunda, números 1) e 3) do contrato, a EMP02... – Unipessoal, Lda, obrigou-se, durante o período de vigência do contrato, a não adquirir a terceiros, nem a publicitar ou a revender outras marcas de café e descafeinado nos seus estabelecimentos e bem assim, a revender e a publicitar aí, em exclusivo, o café da marca ..., Lote ..., comercializado pela A..
38. Na mesma cláusula segunda, mas no número 2), a obrigou-se também a adquirir a quantidade de 7.200 kg daquele café, devendo tal aquisição ser efectuada através de uma compra mínima mensal de 120 kg, durante os 60 meses do contrato, previstos no número da cláusula sexta..
39. De acordo com o estipulado na cláusula quinta, número 1) do contrato, como contrapartida das obrigações assumidas, pela EMP02... – Unipessoal, Lda, e a título de comparticipação publicitária, a A. entregou-lhe a quantia de 79.704,00€, com IVA incluído, como decorre da cláusula quinta, número 1) do contrato. – ver comprovativo de transferência de fls. 52v
40. No número 5) da cláusula quinta, estabeleceu-se que resolvido o contrato por causa não imputável à A, a EMP02... – Unipessoal, Lda, obrigava-se a restituir a comparticipação publicitária, deduzida do montante proporcional ao período contratual decorrido, contado em meses.
41. No número 6) da mesma cláusula, estabeleceu-se que o incumprimento das obrigações previstas no número 2 da cláusula segunda, diretamente ou como consequência da resolução do contrato por incumprimento de outras obrigações nele previstas, obrigava a EMP02... – Unipessoal, Lda, a pagar à A., a título de cláusula penal, o montante de € 10,00 por cada kg de café contratado e não adquirido.
42. Como resulta da cláusula quarta do contrato, A. colocou no estabelecimento da EMP02... – Unipessoal, Lda, também como contrapartida das obrigações, o seguinte equipamento:
k) Uma máquina de café ... M39 Desatron 3gr, no valor de 8.820,00€, acrescido de IVA;
l) Um moinho de café ... 3000, no valor de 1.288€, acrescido de IVA;
m) Um moinho de café ..., no valor de 1.155,00€, acrescido de IVA;
n) No valor global de 13.853,49€, com IVA incluído.
43. Acontece que, a partir de Outubro de 2019 a EMP02... – Unipessoal, Lda, deixou de adquirir os produtos da A., não mais retomando o seu consumo, apesar de diversas vezes interpelada
44. Interpelação de que a A. deu conhecimentos aos réus por cartas de 08.02.2020. – ver cartas de fls. 53 e ss.
45. Na data em que a sociedade deixou de adquirir o café da A. apenas tinha consumido 124 kg de café dos 7.200 kg a que estava obrigada.- ver mapa de consumos de fls. 57v.
46. O preço de cada Kg de café vendido pela A. à EMP02... – Unipessoal, Lda, ao abrigo dos supra referidos contratos rondava os 29,00€, mais IVA.
47. A sociedade EMP02... – Unipessoal, Lda  foi declarada insolvente por sentença de 21.11.2019, tendo sido encerrados todos os estabelecimentos., conforme decisão da assembleia de credores de 22.1.2020 – ver  teor de fls. 60 e ss.
47. Na cláusula nona de todos os contratos, os réus constituíram-se fiadores e principais pagadores solidários, garantindo a satisfação de todas as obrigações da sociedade EMP02... – Unipessoal, Lda, ficando pessoalmente obrigados perante a autora, declarando renunciar ao beneficio da excussão prévia.
48. As assinaturas dos RR., naqueles contratos, foram objecto de reconhecimento através de advogado, conforme resulta dos mesmos.
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3.1.2. Factos Não Provados

Ao invés, a primeira instância considerou como não provados os seguintes factos:

- que foi acordado entre a A e a sociedade outorgante nos contratos, que o preço de cada  KG de café vendido pela A. àquela sociedade era de 9,00€;
- que os aqui RR não tiveram oportunidade de analisar o contrato celebrado e conhecer as suas cláusulas;
- que o pagamento da cláusula penal prevista nos contratos, faz com que a A obtenha vantagem de cerca de 18 mil euros, em relação ao valor que receberia, em caso de cumprimento integral do contrato;
- que o valor peticionado pela A supera em cinco vezes o património dos RR somado, implicando a declaração de insolvência de todos eles.
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3.2. O Direito
3.2.1. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Nos termos do artigo 662.º, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Todavia, a impugnação só deve ser atendida se a alteração da decisão de facto conformar um enquadramento jurídico tal que conduza a decisão diferente da anteriormente alcançada.

Os recorrentes consideram incorretamente julgados os seguintes factos:

- o facto segundo dado como não provado que entendem que deveria ter sido dado como provado com a seguinte redação: “Os RR não tiveram, conhecimento factual e material dos termos do contrato em causa, nomeadamente, a cláusula penal e as consequências que advém da mesma”;
- o facto dado como provado nº 48, deve ser restruturado, passando a ter a seguinte formulação: “As assinaturas dos RR., nos contratos nº ...79 datado a 11 de setembro de 2018, nº 41690, datado a 11 de setembro de 2018, nº 41687, datado a 11 de setembro de 2018, foram objeto de reconhecimento com menções especiais por semelhança, feito por advogado, conforme resulta dos mesmos”;
- deveria ser aditado aos factos provados um outro facto que refira que: “A assinatura dos RR, no contrato nº ...96, datado a 29 de outubro de 2018 não foi objeto de reconhecimento, estando em causa uma certificação de fotocópia, conforme consta do registo da ordem.”
- deve ainda (em aditamento) ser dado como provado que: “Estão em causa verdadeiros contratos de Adesão, não tendo os RR oportunidade de alterar o conteúdo do mesmo, tendo sido a cláusula penal imposta sem negociação prévia.”

Quanto à impugnação do facto não provado, não assiste razão aos recorrentes.
Diga-se, antes de mais, que os réus na sua contestação não suscitaram a questão da falta de comunicação ou informação sobre o conteúdo do contrato ou da cláusula penal, ou sequer o seu desconhecimento, apenas se insurgiram quanto ao valor fixado, que consideram manifestamente excessivo.
Donde, não podem aqui, em sede de recurso, defenderem-se invocando a nulidade da cláusula por falta de comunicação e informação.
Os demais factos impugnados e aqueles que se querem ver aditados, são irrelevantes.
A impugnação efetuada visa a demonstração de que estão em causa contratos de adesão, composto por cláusulas contratuais gerais, relativamente aos quais os réus não tiveram intervenção, pois todo o clausulado estava já redigido, fazendo parte do modelo que a autora utiliza e que os réus se limitaram a aderir.
Confrontada a factualidade impugnada e a conformação jurídica feita na decisão quanto à qualificação do contrato como sendo um contrato de adesão, não se nos afigura ser de modificar a decisão de facto.
Concorre para a decisão da imodificabilidade a circunstância de a impugnação da decisão de facto não se justificar a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um caráter instrumental face à mesma. Tanto significa que a alteração só alcança justificação válida se, por essa via, se obtiver um efeito juridicamente útil ou relevante.
No caso concreto, tal não ocorre. Assumiu-se de forma incontroversa na sentença a natureza do contrato como de adesão.
Pelo exposto, a impugnação terá de improceder.
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3.2.2. Natureza da cláusula penal e o controlo judicial de penas manifestamente excessivas

A questão jurídica que importa apreciar é a de saber se a cláusula penal inserta no contrato deve ser julgada nula por desproporcional ou ser reduzida por excessiva, o que nos conduz para a natureza da cláusula penal e o controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão.
Entre as partes foram celebrados quatro contratos de fornecimento de café que face às suas características próprias tem sido definido como um complexo contrato de natureza comercial que envolve elementos próprios do contrato-promessa, do contrato de prestação de serviços, do contrato de comodato e de compra e venda, em exclusividade em relação ao comprador, nos termos dos arts. 2º, 13º e 463º, nº 1, do Código Comercial, 410º nº 1, 874º, 1129º e 1154º, do Código Civil[1].
Desses contratos ficou a constar que, em caso de incumprimento por parte da compradora, seria por esta devido à vendedora o pagamento de uma indemnização, a título de cláusula penal.
Essa indemnização foi fixada em € 10,00 por cada quilo de café contratado e não adquirido.
Os recorrentes constituíram-se fiadores garantindo a satisfação de todas as obrigações da compradora sociedade EMP02... – Unipessoal, Lda, ficando pessoalmente obrigados perante a autora, declarando renunciar ao beneficio da excussão prévia.
A compradora não cumpriu a obrigação a que se encontrava adstrita.
O incumprimento conferia, nos termos convencionados, o direito à contraparte de resolver o contrato e reclamar o pagamento da indemnização.
No caso a vendedora teria direito a ser indemnizada, a título de cláusula penal, no valor de 207.460,00€ (duzentos e sete mil, quatrocentos e sessenta euros).
Aqui chegados, importa evidenciar que os recorrentes não questionam os valores peticionados relativos à restituição da compartição publicitária, prevista na cláusula 5ª, nº 5) dos contratos celebrados, insurgindo-se apenas quanto à cláusula penal, que consideram ser abusiva e desproporcional, chamando à colação, o regime dos contratos de adesão.
Considerou a decisão recorrida que o valor fixado a título de cláusula penal não era manifestamente excessivo e que, portanto, o montante da indemnização fixado deveria manter-se.
Apresentou-se a seguinte fundamentação:
«No caso dos autos, entende-se que esta cláusula não poderá ser qualificada como excessiva ou desproporcionada, isto porque, ao contrário do alegado, não demonstraram os RR., como alegaram,  que com a cláusula penal obtém a A, mais vantagem do aquela que obteria com o cumprimento integral do contrato, notando-se, que o preço do café por KG, contratado não era de 9,00€,  como alegado, outrossim, se cifrava como esclareceram as testemunhas da A.,  nos 29,00€, mais IVA, sendo certo que, não  foram alegados  - e muito menos provados -  factos concretos, nem quaisquer outros fundamentos para se concluir pela invocada desproporcionalidade.
 Igualmente, entende-se que tal cláusula não viola nenhum dos princípios da boa fé, nem constitui abuso de direito, porque se trata de um limite mínimo de consumo e contrapartida pela utilização dos equipamentos, visando, ainda assegurar que logre a A ter o retorno – com a venda de café nas quantidades contratadas – que compense todo o investimento no cliente aquando  da celebração do contrato, desde logo, entrega valores, consideráveis neste caso em concreto, a título de comparticipação publicitária ( mais de 200 mil euros entregues no computo dos quatro contratos pela A. á sociedade outorgante), e como é sabido, essa transferência imediata de capitais de valor economicamente relevante funciona como um incentivo ao cumprimento do acordo por parte do comerciante lojista e, frequentemente, permite a este o encaixe de verbas idóneas ao arranque da sua actividade comercial sem recurso a capitais próprios ou ao financiamento bancário.
  Não se podendo, ainda, esquecer, que obrigatoriedade de consumo de determinadas quantidades, cujo incumprimento, leva ao acionamento da cláusula penal, resulta do próprio teor e natureza do contrato, o qual foi subscrito pelas partes.
Ademais, devido ao incumprimento contratual a autora para além de não ter vendido a quantidade de café acordada e de não ter tido o lucro que auferiria com a mesma, deixou, certamente, de investir noutros clientes, cujos contratos, ainda, hoje podiam vigorar.
Isto posto, quer num plano abstracto, quer num plano concreto não se poderá dizer que essa cláusula seja excessiva, visto que não estão provados factos consubstanciadores dessa desproporcionalidade.
 Um ultimo apontamento, para  chamar a tenção para a circunstância dos valores peticionados a este título serem efetivamente consideráveis, e mais quando somados os dos quatro contratos, no entanto, há que a atender ao facto de estarmos perante quatro contratos, relativos a quatro estabelecimentos distintos, contratos esses, onde efetivamente os KG contratados eram elevados, daí também os valores das comparticipações que foram entregues pela A., no entanto, como já supra referimos,  sabiam os RR, ou estavam pelo menos em condições de saber os riscos que do incumprimento do contrato para eles adviriam,  pelo que, mais não lhes restará que assumir as obrigações que para eles impendem atentos os contratos em causa nos autos.»
É quanto a este entendimento sobre a proporcionalidade da cláusula penal que se insurgem os recorrentes.
Vejamos se com razão.
No caso concreto, as partes acordaram que, em caso de resolução do contrato por incumprimento imputável à compradora, esta ficava obrigava a pagar à vendedora a título de cláusula penal, o montante de € 10,00 por cada quilo de café contratado e não adquirido.
Qual a natureza desta cláusula no contexto do acordo celebrado?
Estamos perante um problema de interpretação de uma declaração negocial, aferida pelas regras dos arts. 236.º a 238.º do Código Civil, onde se consagra o princípio da impressão do destinatário.
Na interpretação dos contratos prevalecerá a vontade real do declarante, sempre que for conhecida do declaratário. Faltando esse conhecimento, o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um destinatário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante.
Nos negócios formais, optou-se por uma orientação objetiva porque se pretende apurar qual o sentido a atribuir à declaração considerada relevante para o direito, em face dos termos que a constituem.
Pois bem, à luz destes princípios, o sentido apreendido por um declaratário normal, aferido pelo próprio texto, é o de que a fixação daquela cláusula penal teve por finalidade compensar o credor pelo incumprimento do devedor.

Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, a cláusula penal pode revestir três modalidades[2]:

1) Cláusula com função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor;
2) Cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas, e;
3) Cláusula penal de natureza compulsória, em que as partes fixam uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, a qual tem por finalidade pressionar o devedor a cumprir.

Dispõe o art. 810.º, nº1, do Código Civil que as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal.
Esclarece Pinto Monteiro que “a cláusula penal não passa, perante a lei, de uma indemnização invariável previamente acordada entre as partes (art. 810.º, nº 1), o que não obsta, todavia, a que estas, ao abrigo do princípio da liberdade contratual (art. 405.º), possam estipular espécies diferentes, com função compulsória e, até, exclusivamente compulsória. 
As partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos e incluir neles as cláusulas que lhes aprouver, nisto se traduzindo o princípio da liberdade contratual expresso no art. 405.º do Código Civil, e que constitui o corolário da autonomia da vontade.
Todavia, como refere Maria Raquel Guimarães, a composição espontânea ou paritária dos interesses a que se referia Orlando de Carvalho (Teoria Geral do Direito Civil, 2012, pp. 16 ss., 90 ss., 227 ss.), privilegiada, como regra, no direito privado, aparece-nos nestes domínios temperada por interferências de natureza heterónoma, no sentido de reequilibrar a autonomia da vontade com princípios de justiça contratual, quer a montante, através dos órgãos legiferantes, estabelecendo regras de natureza imperativa que se impõem aos contraentes, quer a jusante, mediante a intervenção correctora dos tribunais perante textos contratuais iníquos ou excessivamente desequilibrados[3].
Ora, a cláusula penal (sobretudo a punitiva ou compensatória) tem por finalidade proteger a esfera jurídica do credor, daí que não se possa assumir, sem mais, uma absolutividade no exercício da autonomia privada, para que não baste a simples invocação do pacta sunt servanda, e todo e qualquer contrato e cláusula contratual passariam imunes ao controle jurisdicional.
A este propósito refere Pinto Monteiro que “um problema clássico da cláusula penal, que de há muito suscita a preocupação de todos: o de ela ser utilizada abusivamente pelo credor. Repare-se como este problema está, ele próprio, ligado a uma 'melodia de sempre', ou seja, ao problema da delimitação da autonomia privada, ao problema dos limites a opor ao princípio da liberdade contratual. Na verdade, a cláusula penal nasce do acordo das partes, é fruto do poder de autodeterminação do homem e da livre composição dos interesses dos contraentes. Mas é sabido que a ordem jurídica vem impondo limites vários à liberdade contratual, seja para tutela do contraente débil, seja por razões de justiça material e de solidariedade social. A consagração do princípio da boa-fé (em sentido objectivo), os limites da ordem pública e dos bons costumes e a proibição de negócios usurários, são, entre muitos outros, exemplos significativos desta atitude legislativa, que acaba por traduzir, afinal, a introdução de limites à liberdade contratual para defesa da própria liberdade contratual, no que ela tem de mecanismo de realização da autonomia e liberdade do homem, de autêntico mecanismo ao serviço da personalidade humana - e não como mecanismo de abuso e desvirtuamento da liberdade contratual e do princípio da autonomia privada (…)[4].
Por outro lado, podendo não estar em causa a liberdade de estipulação de cláusulas contratuais sequer a validade da cláusula penal contratualizada, poderá exigir-se um controle a jusante relativamente aos abusos ou excessos que possam ocorrer quanto às consequências da sua ativação.
Quando assim seja, impõe-se a sua correção por aplicação do art. 812.º do Código Civil que consagra “um princípio de alcance geral destinado a corrigir excessos ou abusos decorrentes do exercício da liberdade contratual ao nível da fixação das consequências do não cumprimento das obrigações[5].
A função corretora do preceito legal parte do princípio de que a cláusula penal foi validamente estipulada e o incumprimento do contrato é imputável ao devedor. De outro modo, a cláusula será nula - se estivermos no âmbito de um contrato de adesão por aplicação do art. 19º, al. c) e 12.º, do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro-, e se o devedor provar que não teve culpa fica afastado o direito do credor à pena[6].
É no campo dos contratos de adesão que se coloca a questão do duplo controlo da cláusula penal: um primeiro momento aferidor da sua validade mediante um juízo abstrato de proporcionalidade, um segundo, para verificar, já em concreto, se a pena é manifestamente excessiva.
Logo, a circunstância de ser a cláusula penal válida, num juízo abstrato de proporcionalidade, não significa que não possa a pena vir a ser reduzida, por aplicação do disposto no art. 812.º, se ela vier a revelar-se “manifestamente excessiva”, em concreto.
O juízo sobre a manifesta excessividade da pena deve fazer-se, não relativamente ao momento em que ela foi estipulada - aí valerá um juízo abstrato sobre a desproporção da pena -, mas ao ter de cumprir-se. E, neste segundo momento, não é o dano previsível que conta, antes o prejuízo efetivo.
Vale por dizer que quando se trata de decidir se a cláusula penal em contratos de adesão é desproporcionada aos danos a ressarcir impera um juízo objetivo, consoante o quadro negocial padronizado, e sendo a pena desproporcional, a cláusula é nula (art.º 19.º e 12.º do Decreto-Lei nº 446/85), tal não ocorrendo, sendo a cláusula válida, ainda assim, pode num segundo momento, vir a ser reduzida, por “manifestamente excessiva”, (art. 812.º, do Código Civil).
Nisto se traduz o chamado duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão.
A propósito deste controlo dúplice e dos termos de aplicação das duas normas de fiscalização, esclarece Pinto Monteiro que “estas normas têm diferentes campos de aplicação: o art. 812º aplica-se a penas incluídas em contratos negociados, ao passo que o referido art. 19º, al. c), trata de penas incluídas em contratos de adesão, sob o regime jurídico do Decreto-Lei nº 446/85. E consagram, também, diferentes critérios: o art. 812º faz depender a intervenção do tribunal do pressuposto de serem penas “manifestamente excessivas”, enquanto que nos contratos de adesão o critério legal é o de as penas serem “desproporcionadas aos danos a ressarcir”.  Finalmente, também a sanção não é a mesma: o art. 812º prevê a redução equitativa das penas; o Decreto-Lei nº 446/85, por sua vez, determina a nulidade dessas cláusulas, por força da conjugação dos seus arts. 12º e 19º”.[7] Todavia, alerta o autor para o chamado duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão. Nestes contextos, as penas estão sujeitas não só ao controlo estabelecido no art. 19.º, al. c), do Decreto-Lei nº 446/85, mas também ao controlo previsto no art. 812.º do Código Civil. E conclui o autor que “o art. 812.º tem, assim, um vasto campo de aplicação, uma vez que abrange não só cláusulas penais incluídas em contratos negociados como, ainda, cláusulas penais que façam parte de contratos de adesão desde que, neste último caso, elas escapem ao controlo prévio exercido através do art. 19º, alínea c), do Decreto-Lei nº 446/85, por se decidir que, em abstracto e segundo o “quadro negocial padronizado”, elas não são desproporcionadas aos danos a ressarcir. Haverá então que ponderar se, em concreto, nos termos referidos, não serão tais penas “manifestamente excessivas” e, portanto, susceptíveis de serem reduzidas, ao abrigo do disposto no art. 812º. Aqui está, por conseguinte, o duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão”[8]
No caso, face aos elementos disponíveis, não se pode decidir que, em abstrato e segundo o quadro negocial padronizado, as cláusulas penais fixadas são desproporcionadas aos danos a ressarcir, aceitando, neste particular, a fundamentação expendida na decisão recorrida.
Na verdade, à luz do quadro negocial global, impõe-se a consideração de que o investimento a título de comparticipação publicitária foi elevado, com a transferência imediata de capitais de valor economicamente muito relevante, como foi elevada a quantidade de produto contratada, o que, em termos abstratos, afasta um juízo de desproporcionalidade entre o valor da cláusula estabelecida e o valor dos danos a ressarcir.
Não estando em causa, como não está, a validade da cláusula penal, a apreciação recai sobre o critério que deve presidir ao juízo de excessividade manifesta da pena.
Não basta que a pena venha a revelar-se superior ao dano para que ela possa ser reduzida. Se assim fosse, anular-se-ia a principal característica da cláusula penal, que é a sua natureza invariável[9].
Em anotação ao artigo 812.º Ana Filipa Morais Antunes, seguindo o ensinamento de Sousa Ribeiro, escreve que “O excesso manifesto reclamado pelo legislador tem de ser apurado à luz do momento do cumprimento do clausulado; numa palavra, pressupõe-se analisar «o se e o quantum do dano efectivamente verificado», em termos em que «só um manifesto excesso da pena em relação a esse valor justifica a redução equitativa (…). Por conseguinte, o tipo de análise que se impõe é, antes de mais, uma «valoração ex post», direcionada a esclarecer os efeitos da convenção na concreta situação a que se vai aplicar[10].
Com efeito, a própria fórmula gramatical do normativo - pena “manifestamente excessiva” - mostra que não bastará a sua mera superioridade, maior ou menor, em face do dano efetivo, para legitimar, de per se, a redução, antes terá o tribunal de ponderar outro tipo de fatores, entre os quais alguns que revestem uma índole subjetiva, para saber se, e em que medida, a pena constitui um excesso e traduz um exercício abusivo, pelo credor, do direito à pena[11].
A lei faz depender a redução, quer de requisitos de ordem objetiva, quer de fatores de ordem subjetiva.
O primeiro fator, de cariz objetivo, a considerar é a diferença entre o valor do prejuízo efetivo e o montante da pena[12].
Para o efeito, o tribunal deverá atender à finalidade prosseguida com a estipulação da cláusula penal, para averiguar, a essa luz, se existe uma adequação entre o montante da pena e o escopo visado pelos contraentes.
Sendo ela estipulada a título indemnizatório, a sua índole de liquidação forfaitaire justifica que pequenas variações não deem lugar à redução; sendo acordada como sanção compulsória, a eficácia da mesma pressupõe, igualmente, que só em casos de evidente e flagrante desproporção haja lugar a um controlo judicial[13].
Donde, não poderá ser estabelecido um critério de natureza quantitativa, pois que perante a superioridade de determinada pena só poderá concluir-se pelo seu carácter manifestamente excessivo quando fatores que regem o juízo de equidade o imponham, como a gravidade da infração, o grau de culpa do devedor, as vantagens que, para este, resultem do incumprimento, o interesse do credor na prestação, a situação económica de ambas as partes, a sua boa ou má fé, a índole do contrato, as condições em que foi negociado e, designadamente, eventuais contrapartidas de que haja beneficiado o devedor pela inclusão da cláusula penal[14].
Como se decidiu no acórdão do STJ de 03/11/2015[15], a referência à equidade implica uma valoração global, em que se reveste de particular importância o interesse do credor no cumprimento, ainda que este não seja o critério exclusivo. Concretizando-se que podendo as cláusulas penais ter diferente natureza, a redução da pena pode ser exercida em relação a todas elas, mas não exactamente nos mesmos termos. Com efeito, nas cláusulas de fixação antecipada da indemnização haverá que atender sobretudo ao desvio entre o montante previsto na cláusula e o dano real sofrido pelo credor com o incumprimento. Mas nas cláusulas com natureza compulsória é natural que exista um desvio entre o seu montante e o dano real, importando que o mecanismo da redução da cláusula não acabe por esvaziá-la.
Sendo a cláusula penal a estipulação por que o devedor promete ao seu credor uma prestação para o caso de não cumprir ou de não cumprir pontualmente a obrigação[16], nas cláusulas penais compensatórias, também denominadas de indemnizatórias visa-se liquidar antecipadamente, de modo ne varietur, o dano futuro.
Ora, no caso, numa análise concreta da situação, é manifestamente excessiva a cláusula penal inserta no contrato, na medida em que, por força da declaração de insolvência, a compradora deixou de poder adquirir cerca de 70% da mercadoria contratada, que a vendedora manteve na sua posse em condições de proceder à sua venda a terceiros.
Correspondendo a cláusula penal a cerca de 1/3 do valor do produto, revela-se desmesurado receber a título de indemnização pelo incumprimento, o valor de 1/3 de 70% da totalidade da mercadoria contratada, no caso o valor de 207.406,00 € resultante da aplicação da cláusula penal.
Impõe-se assim proceder à sua redução.
A redução a operar não poderá, todavia, esvaziar o fim da cláusula, mesmo sendo esta de cariz compensatório.
A redução da cláusula deverá sempre respeitar a sua finalidade de fixada a forfait, e obedecer aos critérios que devem ser seguidos na concretização do juízo de equidade.
Deste modo, numa valoração global e ao abrigo do preceituado no art. 812.º do Código Civil, tendo em conta a natureza do contrato e as circunstâncias em que foi realizado, o interesse das partes, o seu grau de culpa, a função que a cláusula penal visa prosseguir no caso concreto e o motivo de incumprimento, e atendendo ao desvio entre o montante previsto na cláusula e o dano real sofrido pelo credor com o incumprimento, reduz-se equitativamente o valor da referida cláusula penal (para 1/6 do valor total), fixando-a no montante  € 106.000,00  (cento e seis mil euros).
Procede, assim, parcialmente a apelação.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I – Nos contratos de adesão, quando se trata de decidir se a cláusula penal é desproporcionada aos danos a ressarcir impera um juízo objetivo, consoante o quadro negocial padronizado, e sendo a pena desproporcional, a cláusula é nula (art.º 19º e 12.º do Decreto-Lei nº 446/85), tal não ocorrendo, sendo a cláusula válida, ainda assim, pode num segundo momento, vir a ser reduzida, por “manifestamente excessiva”, nos termos do art. 812.º, do Código Civil. Nisto se traduz o duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão.
II - Em função da finalidade prosseguida pelos contraentes com a sua fixação, a cláusula penal pode revestir três modalidades: função moratória ou compensatória, dirigida à reparação de danos mediante a fixação antecipada da indemnização em caso de não cumprimento definitivo ou de simples mora do devedor; cláusula penal em sentido estrito ou propriamente dita, em que a sua estipulação, substitui o cumprimento ou a indemnização, não acrescendo a nenhuma delas, e; cláusula penal de natureza compulsória, em que as partes fixam uma pena que acresce ao cumprimento ou que acresce à indemnização pelo incumprimento, a qual tem por finalidade pressionar o devedor a cumprir.
III – Numa cláusula com função compensatória, isto é, de fixação antecipada da indemnização haverá que atender sobretudo ao desvio entre o montante previsto na cláusula e o dano real sofrido pelo credor com o incumprimento, fixando a medida da redução segundo juízos de equidade.
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IV - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença quanto ao valor da cláusula penal, que se reduz para a quantia de € 106.000,00 (cento e seis mil euros), assim condenando os réus no pagamento solidário à autora da quantia total de 254.412,21€ (duzentos e cinquenta e quatro mil, quatrocentos e doze euros e vinte e um cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às transações comerciais, contados desde a citação até integral pagamento.
Custas da ação e do recurso por recorrentes e recorrida na proporção do decaimento.
Guimarães, 14 de Março de 2024

Assinado digitalmente por:                                                   
Rel. – Des. Conceição Sampaio
1º Adj. - Des. Margarida Pinto Gomes
2º Adj. - Des. Jorge Santos



[1] Neste sentido, acórdão do STJ de 04/06/2009, proferido no proc. n.º 257/09.1YFLSB.S1, Relator Salvador da Costa, acessível em www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Acórdão do STJ de 27/09/2011, disponível em www.dgsi.pt. e Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária.
[3] Revista Electrónica de Direito, ANO 2015 N.º 1, Editorial sobre “Autonomia e heteronomia na contratação privada, a propósito de jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça”.
[4] In Cláusula penal e comportamento abusivo do credor, Revista Brasileira de Direito Comparado, vol. 25, 2004, pág. 113/114.
[5] Pinto Monteiro, in Cláusula Penal e Indemnização, pág. 495.
[6] Neste sentido, Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pag. 683/684.
[7] In O duplo controlo de penas manifestamente excessivas em contratos de adesão — Diálogos com a jurisprudência”, Conferência proferida no Supremo Tribunal de Justiça, em 18 de Maio de 2017, no II Colóquio sobre o Código Civil – Comemorações do Cinquentenário. 
[8] Ob. cit., pág. 17.
[9] Pinto Monteiro, ob. cit. pág. 18.
[10] In Código Civil Anotado, Direito das Obrigações, Universidade Católica Editora, pag. 1174.
[11] Pinto Monteiro, idem, ibidem.
[12] Calvão da Silva, Cumprimento e sanção pecuniária compulsória, pág. 274.
[13] Pinto Monteiro, Cláusula Penal e Indemnização, pág. 741.
[14] Idem pág. 743 e 744.
[15] Proferido no proc. n.º 266/14.9TBPRD-A.P1.S1, Relator: Júlio Gomes, disponível em www.dgsi.pt.
[16] Neste sentido, Vaz Serra, in “Pena Convencional”, BMJ, nº. 67, pág. 240.