Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3557/22.1T8BRG.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO
CONTRATO DE SEGURO DE VIDA
SINISTRO
MORA DA SEGURADORA
DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS PELO MUTUÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Sendo o contrato de mútuo bancário necessariamente oneroso, as sucessivas prestações fixas em que se traduza o seu cumprimento fraccionado e periódico pelo mutuário incluem uma parte destinada à amortização do capital e outra destinada ao pagamento dos juros remuneratórios e dos demais encargos com o crédito (sendo aquela primeira tendencialmente crescente e esta segunda tendencialmente decrescente, na mesma proporção, à medida que o contrato se vai prolongando no tempo).

II. O contrato de seguro de vida e o contrato de mútuo bancário, ainda que coligados, não deixam de estar sujeitos, cada um deles, às suas regras próprias e específicas; e, por isso, ainda que a seguradora incumpra a respectiva obrigação de pagamento da indemnização devida pela verificação do sinistro prevenido no contrato de seguro de vida, não deixa o mutuário de continuar obrigado ao pagamento das prestações mensais previstas no contrato de mútuo bancário.

III. Uma vez paga pela seguradora, à instituição bancária mutuante, a indemnização correspondente ao montante do capital em dívida à data da participação do sinistro, esta não tem de devolver ao mutuário as quantias que o mesmo lhe haja pago desde a dita participação até ao posterior momento em que ocorreu aquele pagamento (nomeadamente, a título de juros remuneratórios e demais encargos com o crédito), por este pagamento corresponder ao cumprimento do contrato de mútuo a que permanecia adstrito.

IV. Pretendendo o mutuário reaver as quantias por si pagas à instituição bancária mutuante mercê da mora da seguradora no pagamento da indemnização devida pela verificação do sinistro prevenido no contrato de seguro de vida, será esta que terá de demandar para o efeito (por esse dano resultar precisamente da falta de oportuno cumprimento da principal obrigação que, do dito contrato, resultava para ela).
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
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I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA e marido, BB, residentes na Rua ..., em ... (aqui Recorrentes), propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Banco 1..., S.A., com sede na Avenida ..., em Lisboa (aqui Recorrida), pedindo que:

· se condenasse a Ré a pagar-lhes a quantia de € 13.079,11, a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, de 4% ao ano, contados desde a citação até integral pagamento;

· e se condenasse a Ré a pagar a cada um deles quantia de € 4.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, calculados à mesma taxa supletiva legal, contados desde a data da citação até integral pagamento.

· Alegaram para o efeito, em síntese, que tendo celebrado dois contratos de mútuo bancário para habitação junto da Ré (Banco 1..., S.A.), celebraram simultaneamente, por exigência da mesma, dois contratos de seguro de vida com EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., mercê dos quais, em caso de verificação de sinistros pessoais neles previstos, esta pagaria à Ré o montante do capital ainda em dívida à data da respectiva participação.
Mais alegaram que, sobrevindo o sinistro de invalidez absoluta à Autora (AA), e tendo-o participado à Seguradora em 24 de Agosto de 2018, foram forçados a demandarem judicialmente a mesma para obterem a totalidade dos capitais em dívida nos dois créditos à habitação por si contraídos; e a dita Seguradora foi condenada em conformidade, por sentença de 13 de Outubro de 2021.
Alegaram ainda que, tendo a Seguradora transferido, em 30 de Novembro de 2021, para a conta bancária que possuíam junto da Ré (Banco 1..., S.A.), a quantia de € 106.133,78 (correspondente ao capital dos dois créditos à habitação em dívida à data da participação do sinistro), esta fê-la indevidamente, à excepção de € 370,12 (nomeadamente por ter considerado que lhe seriam devidas as prestações vencidas desde 24 de Agosto de 2018 - data do sinistro - até ../../2021, que lhes debitou e que eles próprios lhe pagaram, no valor total de € 13.449,23).
Por fim, alegaram que a conduta incumpridora da Ré (Banco 1..., S.A.) lhes causou grande ansiedade, nomeadamente à Autora (AA), e um sentimento de grande injustiça, o que lhes deveria ser compensado com a quantia individual de € 4.000,00.

1.1.2. Regularmente citada, a (Banco 1..., S.A.) contestou, pedindo que a acção fosse julgada integralmente improcedente, sendo ela própria absolvida dos pedidos formulados.

Alegou para o efeito, em síntese, ter recebido de EMP01... - Companhia de Seguros, S.A. a quantia de € 106.133,78, destinada a liquidar o capital em débito relativo aos empréstimos à habitação concedidos aos Autores (então de € 39.209,46 e de € 66.454,20), o que ela própria fez, devolvendo-lhes o excesso de € 370,12.
Mais alegou que, entendendo os Autores (AA e marido, BB) que teriam direito a receber da dita Seguradora um valor superior, deveriam, ou ter recorrido da sentença obtida contra ela na acção que lhe moveram (e em que ela própria não foi parte, nem interveio a qualquer título), ou exigir-lhe agora a diferença a que entendem ter direito (nomeadamente, o montante correspondente às prestações vencidas entre Agosto de 2018 e Novembro de 2021).

1.1.3. Em audiência prévia foi proferido despacho, anunciando às partes encontrar-se o processo em condições de ser proferida decisão e, depois, suspendendo a instância, a pedido daquelas, por se encontrarem em conversações para por termo ao litígio, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Iniciada a diligência», o «Mmo. Juiz tentou a conciliação das partes, nos termos e para os efeitos do artigo 591.º n.º 1 al. a), do CPC, tendo-se a mesma frustrado.
***
Face à frustração da tentativa de conciliação, o MM.º Juiz comunicou aos Ilustres Mandatários que, no seu entender, o estado do processo permitia que desde já fosse tomada decisão de mérito, tendo dado indicação do sentido da mesma.

Seguidamente, pelos II. Mandatários foi pedida a palavra e, no uso da mesma, disseram que tinham já iniciado conversações para por termo ao litígio, requerendo para o efeito uma suspensão da instância pelo período de 15 dias.
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Após, pelo mmo. Juiz foi proferido o seguinte:
DESPACHO
Nos termos do artigo 272.º, nº 4, do Código de Processo Civil, vai deferida a suspensão da instância pelo prazo de 15 dias.
Decorrido tal prazo, nada sendo dito ou requerido, conclua os autos a fim de ser proferida decisão.
(…)»

1.1.4. Frustrada a tentativa de conciliação das partes, e designada data para «a realização da audiência prévia», no decurso da mesma foi proferido saneador-sentença, lendo-se nomeadamente na respectiva acta, que aqui se dá por integralmente reproduzida:
«(…)
Declarada aberta a audiência, o Mmº Juiz deu a palavra aos Ils. Mandatários das partes para alegações sobre a matéria de facto da causa.
(…)
Concluídas as alegações, o Mmº Juiz proferiu a sentença que se segue, tendo sido entregue cópia as Ils. Mandatários das partes.

O processo reúne todos os elementos de facto necessários e suficientes para proferir de imediato decisão de mérito, considerando todas as plausíveis soluções de direito, pelo que se segue:

SANEADOR SENTENÇA
(…)
3. Decisão
Pelo exposto, tudo visto e considerado, julga-se a presente acção totalmente improcedente, absolvendo-se a ré do pedido.
(…)»

1.1.5. Os Autores (AA e marido, BB) vieram arguir a nulidade resultante da alegada falta de ponderação das «razões de direito apresentadas pelas partes».
Alegaram para o efeito, em síntese, não ter sido a primeira audiência prévia convocada para se conhecer do mérito da causa; e, por isso, não lhes ter sido então dada a oportunidade para apresentarem e discutirem as suas razões de facto e de direito.
Mais alegaram que, tendo-o feito oralmente na segunda audiência prévia, foi-lhes nos trinta segundos imediatos notificado o saneador-sentença então proferido, necessariamente já redigido em momento anterior, com total desconsideração da sua posterior alegação.
Defenderam, por isso, que esta omissão de acto devido consubstanciaria uma nulidade, que inquinaria todo o processado subsequente.

1.1.6. A Ré (Banco 1..., S.A.) respondeu, pedindo que fosse indeferida a arguição de nulidade referida.
Alegou para o efeito, em síntese, ter o Tribunal a quo, em sede de audiência prévia, esclarecido as partes que, não tendo sido trazido nada de novo, ou de relevante, pelas alegações orais então proferidas (que, desse modo, efectivamente considerou), mantinha-se a anterior ponderação feita das suas posições; e por isso, e só por isso, lhes entregava de imediato cópia da decisão escrita pré-elaborada.

1.1.7. Foi proferido despacho, indeferindo a pretensão dos Autores (AA e marido, BB), que aqui se dá por integralmente reproduzido e onde nomeadamente se lê
«(…)
O signatário confessa-se estupefacto com esta alegação.
Por um lado a audiência prévia havia sido convocada exactamente com esse propósito - proferir decisão de mérito.
Por outro lado foi permitido às partes alegarem de facto e de direito.
Daí que, como é natural, por economia de tempo, o signatário tivesse anteriormente projectado tal decisão, sem prejuízo de, conforme então foi dito expressamente aos Ilustres mandatários de ambas as partes, caso as alegações implicassem qualquer alteração a tal projecto, em função do conteúdo e alcance das mesmas, o tribunal suspender a diligência a fim de adaptar ou alterar a decisão.
Ora, o tribunal ouviu atentamente as alegações da Ilustre Mandatária dos autores, tomando até notas, mas concluiu que as mesmas nada de relevante acrescentavam ao que já se encontrava alegado nos autos, e que era do conhecimento do tribunal há meses.
O signatário orgulha-se de manter as mais respeitosas relações com todos os intervenientes processuais e, em circunstância alguma, cometeria a desatenção de “fazer de conta” (que é o que, no fundo, vem alegado neste incidente) relativamente às alegações de qualquer Ilustre Mandatário.
Sucede, tão só, que as alegações produzidas, como acima se escreveu, não foram de molde a alterar a convicção jurídica e processual do tribunal, pelo que, com a ressalva expressamente então referida e acima mencionada, procedeu de imediato à entrega da decisão.
Inexiste, porno, qualquer nulidade, improcedendo a respectiva invocação.
(…)»
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1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformados com o «Saneador Sentença» de que foram notificados «em sede de Audiência Prévia realizada no dia 30/10/2023», os Autores (AA e marido, BB) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse o mesmo, sendo substituído por acórdão julgando procedente a acção.
 
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1 - Os Recorrentes apresentaram a presente ação contra a Banco 1..., S.A., aqui Recorrida, com vista a exigir desta, com fundamento na responsabilidade civil por facto ilícito, o pagamento da indemnização que entendem que lhes é devida por todos os danos patrimoniais e de uma compensação pelos danos não patrimoniais, 
 
2 - Visto que a Recorrida, ao invés do montante de 370,12 € que deixou na conta à ordem dos Recorrentes como parte da quantia (indemnização) que recebeu da EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., aquela instituição bancária deveria ter deixado na referida conta à ordem a totalidade das prestações daqueles dois créditos à habitação que foram pagas pelos Autores a partir da data de 24 de agosto de 2018 (data do sinistro), até à data de 30 de novembro de 2021, ou seja, a quantia de 13.449,23 €, conforme extrato constante do ex vi documento n.º ... que foi junto com a petição inicial,
 
3 - O Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” ao ter notificado as partes do teor da sentença (tendo entregado, inclusive, uma cópia impressa), segundos após o término das alegações orais apresentadas pelas partes na Audiência Prévia, denota, indubitavelmente, que o Meritíssimo Juiz já tinha redigido a sentença, em momento anterior à realização das mesmas, desconsiderando por completo as razões de facto e de direito apresentadas pelas partes naquela Audiência Prévia, 
 
4 - Pelo que, o Meritíssimo Juiz não cumpriu com o princípio da livre apreciação da prova que lhe está atribuído, pois não teve uma conscienciosa ponderação dos elementos trazidos ao processo pelas partes na Audiência Prévia realizada no dia 30/10/2023, consubstanciando tal facto, uma nulidade, nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, que inquina tudo o processado, com as consequências legais.

5 - Sem prejuízo, no próprio saneador-sentença, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” dá como provado que a Recorrida Banco 1..., S.A, ficou com a totalidade do montante que havia sido creditado pela EMP01..., veja-se os seguintes factos dados como provados na decisão recorrida:
8.º Em cumprimento da sentença acima referida, a EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., procedeu, em 30/11/2021, à transferência para a conta à ordem dos Autores na ré, Banco 1..., da quantia de 106.133,78 €, correspondente ao capital dos dois créditos à habitação contraídos pelos Autores que se encontrava em dívida à data da participação do sinistro (24/08/2018);
9.º A Ré, na mesma data de 30/11/2021, debitou na conta à ordem dos autores a quase totalidade daquela quantia transferida pela EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., com exceção do montante de 370,12 €.

6 - A Recorrida Banco 1..., em virtude do pagamento realizado pela EMP01... - Companhia de Seguros, S.A. diretamente à aqui Recorrida, Banco 1..., da totalidade dos capitais em dívida dos dois créditos à habitação contraídos pelos Recorrentes, no que respeita às prestações devidas desde a data de 24 de agosto de 2018, violou os seus deveres legais e incumpriu os contratos de mútuo e de depósito que celebrou com os Recorrentes.

7 - Resulta assim cristalino o seguinte:


PRESTAÇÕES PAGAS PELOS RECORRENTES DESDE:

(24/08/2018 ATÉ 30/11/2021)

13.449,23 €

DATA DO PAGAMENTO PELA EMP01... SA À RÉ/ RECORRIDA EMP02...,SA

(30/11/2021)
VALOR TRANSFERIDO: 106.133,78 €

EM DÍVIDA: 92.684,55 €


VALOR DEBITADO PELA Banco 1...: 105.763,66 €





DATA DO SINISTRO
(24/08/2018)

EM DÍVIDA

106.133,78 €


  








8 - Todas as prestações que foram pagas à Recorrida pelos Recorrentes, a partir da data de 24 de agosto de 2018, terão obrigatoriamente de lhes ser restituídas, isto é, de 13.449,23 - 370,12 = 13.079,11 €.
 
9 - A Recorrida é civilmente responsável, perante os Recorrentes, pelo incumprimento das suas obrigações bancárias e contratuais, já que, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
 
10 - Esta situação causou grande ansiedade aos Recorrentes, e em especial à Recorrente mulher, pela debilidade do seu estado de saúde, pelo que, sentiram-se, assim, vítimas de uma injustiça que não mereciam, pois são pessoas de bem e toda a vida trabalharam, árdua e honestamente, danos que, pela sua gravidade merecem a tutela do direito, nos termos do disposto no artigo 496.º do Código Civil, cujo quantum indemnizatório de 4.000,00 € (quatro mil euros) foi devidamente peticionado na petição inicial, atento o evidente nexo de causalidade entre o facto praticado.
 
11 - Nos termos do disposto no artigo 483.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar, prevista no artigo 562.º do mesmo código, está dependente da verificação dos cinco pressupostos clássicos da responsabilidade aquiliana - facto, ilicitude, culpa ou nexo de imputação do facto ao agente, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano - os quais se verificam integralmente neste caso. 
 
12 - Ademais, a Recorrida ao debitar aquela quantia de 13.079,11 € (treze mil e setenta e nove euros e onze cêntimos) da conta à ordem dos Recorrentes, sem a autorização destes, estava a receber em dobro aquele montante, o que a lei e o contrato não permitem, desde logo, por consubstanciar um enriquecimento sem causa justificativa, nos termos do artigo 473.º do Código Civil.
 
13 - Estão casuisticamente verificados todos os respetivos prossupostos do enriquecimento sem causa: a existência de um enriquecimento; a obtenção desse enriquecimento à custa de outrem; ausência de causa justificativa para o enriquecimento; a lei não facultar ao empobrecido (Recorrentes) outros meios de reação.
 
14 - A sentença de que ora se recorre não fez uma correta interpretação do direito, não aplicando devidamente o conceito da responsabilidade civil, nem tampouco da figura do enriquecimento sem causa, ao caso concreto, violando concretamente os artigos 798.º e 473.º, ambos do Código Civil, visto que os deveria ter interpretado no sentido de que os Autores, ora Recorrentes, eram titulares do direito de serem ressarcidos pelos prejuízos que sofreram diretamente na sua esfera jurídica, em virtude da apropriação indevida por parte da Recorrida.
 
15 - Assim, face ao que supra se alegou em termos de matéria de direito, deverá dar-se provimento ao presente recurso e, não tanto pelo alegado como pelo doutamente suprido, revogar-se o Douto Saneador-Sentença recorrido e substituí-lo por decisão desse Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que julgue verificado o direito dos Autores, ora Recorrentes, ao ressarcimento pelos danos e prejuízos que sofreram.
 
16 - Os Recorrentes têm o direito de exigir da Recorrida Banco 1..., S.A., a restituição daquele montante de 13.079,11 € (treze mil e setenta e nove euros e onze cêntimos) que lhes é devido, e ainda uma compensação pelos danos não patrimoniais expressos e devidamente quantificados na petição inicial de 4.000,00 € (quatro mil euros), em consequência da conduta da Recorrida. 
                                                              
17 - A Sentença recorrida violou os artigos 798.º e 473.º, ambos do Código Civil, e 195.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.
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1.2.2. Contra-alegações
A (Banco 1..., S.A.) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se confirmasse a decisão recorrida.
 
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, nºs. 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC).

Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [1], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar
2.2.1. Questão incluída no objecto do recurso
Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pelos Autores (AA e marido, BB), uma única questão foi submetida à apreciação deste Tribunal ad quem:

· Questão única - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, ao considerar ser devida à Ré a quantia de € 13.449,23 (que lhe foi paga pelos Autores, entre a data em que participaram um sinistro de invalidez e a data em que aquela recebeu o pagamento da indemnização prevista no contrato de seguro para o efeito), devendo ser alterada a decisão de mérito proferida, por forma a que se julgue a acção totalmente procedente (condenando a Ré, não só a restituir aos Autores a quantia de € 13.079,11, como a indemnizar cada um deles com a quantia de € 4.000,00, por conta dos danos não patrimoniais que lhes causou com a sua actuação) ?
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2.2.2. Questão excluída do objecto do recurso
Vieram ainda os Autores (AA e marido, BB), no recurso de apelação que interpuseram, pretender que este Tribunal ad quem apreciasse igualmente a alegada falta de «uma conscienciosa ponderação dos elementos trazidos ao processo pelas partes na Audiência Prévia realizada no dia 30/10/2023», defendendo que tal consubstanciaria «uma nulidade, nos termos e ao abrigo do n.º 1 do artigo 195.º do CPC».

Contudo, não pode este Tribunal ad quem pronunciar-se sobre essa questão, por a mesma ter sido antes submetida à apreciação do Tribunal a quo, que a decidiu (indeferindo-a), não tendo sido depois interposto qualquer recurso dessa sua decisão.
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Com efeito, compulsados os termos da prévia arguição da alegada nulidade e os termos com que foi reiterada neste recurso de apelação, verifica-se que são exactamente os mesmos, nomeadamente quanto aos seus fundamentos (de facto e de direito) e quanto aos efeitos que daí se pretende retirar.
Ora, podiam e deviam os Autores (AA e marido, BB) ter arguido exclusivamente a dita nulidade (reportada à alegada desconsideração das alegações orais que proferiram em sede de audiência prévia, por - findas as mesmas - de imediato lhes ter sido entregue cópia escrita da decisão de mérito, necessariamente pré-elaborada) em sede de recurso a interpor do saneador-sentença proferido (como nulidade que afectaria a própria decisão).
Precisando, entende-se que, em regra, a violação do princípio do contraditório pode influir no exame ou na decisão da causa, consubstanciando, por isso, uma nulidade, nos termos do art.º 195.º, n.º 1, do CPC [2].
Não consubstanciando, porém, uma nulidade de conhecimento oficioso (conforme art.º 196.º, do CPC), só poderá ser conhecida sob reclamação do interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (art.º 197.º, n.º 2, do CPC); e, estando esta concreta nulidade coberta por uma decisão judicial, poderá ser arguida no prazo de interposição de recurso respectivo e no próprio requerimento de interposição deste, sempre que o recorrente pretenda arguir a nulidade processual e, simultaneamente, invocar fundamentos de recurso em relação à decisão judicial proferida, prevenindo a hipótese da nulidade processual não ser julgada procedente [3] .
 
Contudo, foram os próprios Autores (AA e marido, BB) quem escolheu arguir a alegada nulidade em requerimento autónomo (como nulidade que afectaria os termos de realização da audiência prévia); e, tendo-o feito, viram a mesma ser-lhes indeferida pelo Tribunal a quo.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, teriam então de interpor recurso dessa decisão de indeferimento (que eles próprios escolheram suscitar), o que, porém, não fizeram.
Não pode é agora este Tribunal ad quem apreciar, em sede do presente recurso, a mesmíssima questão (repete-se, face aos termos da sua reiterada e inalterada sindicância, que os próprios Autores escolheram para o efeito, enquanto nulidade que afectaria os termos de realização da audiência prévia), desconsiderando que a mesma já foi objecto de decisão pelo Tribunal a quo e sem que dessa decisão tenha sido interposto qualquer recurso, por tanto lhe estar aqui vedado pelo art.º 625.º, do CPC.
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Contudo, e ainda que outro fosse o entendimento deste Tribunal ad quem, não poderia a arguição da dita nulidade deixar de improceder.

Com efeito, o que o que o art.º 591.º, n.º 1, al. b), do CPC, impõe ao juiz é a convocação da audiência prévia quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, por forma a facultar às partes nesse acto a discussão de facto e de direito dos termos da lide; e não o necessário reflexo, na decisão de mérito a proferir, do teor das, ou dos efeitos pretendidos com as, ditas alegações.
Ora, e conforme resulta do processado, quando se realizou a audiência prévia para a qual as partes foram notificadas sabendo que o Tribunal a quo pretendia conhecer de imediato do mérito da causa, há muitos meses que se encontrava concluída a fase dos articulados, permitindo desse modo ao juiz estudá-los e apreciá-los (à luz do que fora previamente alegado e do Direito aplicável); e, desse modo, pré-elaborar a sua decisão de mérito.
Resulta ainda da gravação áudio da dita audiência prévia que, terminadas as alegações orais das partes, o Tribunal a quo teve o cuidado de as esclarecer de que, «tenho já aqui a sentença feita» e «poderia admitir uma alteração, consoante o que a Sr.ª Dr.ª [Mandatária dos Autores] me viesse, enfim, a Sr.ª Dr.ª não», igualmente «o seu Colega [Mandatário da Ré] me viessem dizer, mas de facto não me convencem do contrário»; e só depois lhes entregou a cópia escrita do saneador-sentença previamente elaborado.
Logo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não foram desconsideradas as alegações orais efectivamente produzidas naquela diligência pelos Ilustres Mandatários das partes (no sentido de não ouvidas ou não ponderadas), mas sim tidas como inidóneas para alterar o prévio estudo feito do processo e a decisão da lide antes realizados pelo Tribunal a quo (por se terem revelado uma mera repetição do previamente vertido nos articulados, como a mesma gravação áudio documenta).

Concluindo, a integrar a dita arguição de nulidade o objecto útil do presente recurso de apelação, decidir-se-ia quanto a ela tal como o fez o Tribunal a quo, isto é, afirmando que inexiste, «portanto, qualquer nulidade, improcedendo a respectiva invocação».
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal a quo, considerando «o acordo das partes - e não impugnação de factos articulados, assim como os documentos juntos aos autos e não impugnados», deu como provados os seguintes factos, não objecto de posterior sindicância e, por isso, definitivamente assentes nos autos (aqui apenas reordenados - lógica e cronologicamente, conforme a realidade histórica que é suposto retratarem [4] -, sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas, próprias apenas dos articulados [5], reidentificados e completados, nos termos do art.º 607.º, n.º 4, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC):

1 - Banco 1..., S.A. (aqui Ré) é uma instituição financeira de capital integralmente público que exerce atividade de banca universal, designadamente como banco comercial, aceitando depósitos e concedendo créditos, integrando no seu grupo empresarial a seguradora EMP01... - Companhia de Seguros, S.A..
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 1)

2 - AA e marido, BB (aqui Autores) são clientes da Ré (Banco 1..., S.A.) como depositantes, sendo titulares da conta à ordem n.º ...00, aberta na sua Agência ...; e foram mutuários de crédito à habitação naquela instituição bancária, onde contraíram dois créditos à habitação, identificados pela Ré (Banco 1..., S.A.) com os números ...85 e ...85....
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 2)

3 - Em 25 de Fevereiro de 2004 e em 15 de Outubro de 2012, EMP01... - Companhia de Seguros, S.A. e os aqui Autores (AA e marido, BB), na qualidade de tomadores do seguro e segurados, celebraram entre si, dois contratos de seguro de vida grupo, titulados pelas apólices de seguro números ...97 e ...28.
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 3)

4 - Os contratos de seguro de vida grupo referidos no facto provado enunciado sob o número 3 foram celebrados por exigência da Ré (Banco 1..., S.A.), ficando associados aos dois créditos à habitação contraídos pelos Autores (AA e marido, BB) junto desta (referidos no facto provado enunciado sob o número 2).
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 4)
   
5 - Em 24 de Agosto de 2018 os Autores (AA e marido, BB) participaram sinistro enquadrável nos contratos de seguro de vida grupo titulados pelas apólices referidas no facto provado enunciado sob o número 3, uma vez que aquele tinha enquadramento nestes.
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 5)

6 - EMP01... - Companhia de Seguros, S.A. não procedeu ao pagamento voluntário aos Autores (AA e marido, BB) da indemnização prevista nos contratos de seguro, correspondente ao capital dos dois créditos à habitação referidos no facto provado enunciado sob o número 2, em dívida à Ré (Banco 1..., S.A.) na data da participação do sinistro (24 de Agosto de 2018).
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 6)

7 - Os Autores (AA e marido, BB) propuseram no Juízo Central Cível ... (Juiz ...), do Tribunal Judicial da Comarca ..., a acção com o n.º de processo 3624/19...., na qual figurou como ré EMP01... - Companhia de Seguros, S.A.; e em 13 de Outubro de 2021 foi proferida sentença (que aqui se dá por integralmente reproduzida), reconhecendo-lhes o direito à indemnização prevista nos contratos de seguro de vida grupo celebrados, por se ter verificado a situação de invalidez absoluta e definitiva da Autora (AA), pelo facto provado de que, na data da participação do sinistro, 24 de Agosto de 2018, esta padecia de uma «limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria que incapacita a sua pessoa para o exercício de qualquer atividade remunerada, necessitando de assistência de uma terceira pessoa para efetuar os atos normais da vida diária».
(factos provados enunciados no saneador-sentença recorrido sob os números 7 e 10 e parcialmente aditados pelo Tribunal ad quem - conforme documento n.º ... junto com a petição inicial)

8 - Na sentença referida no facto provado enunciado sob o número 7, julgou-se parcialmente procedente o pedido formulado pelos nela autores, condenando ainda a nela ré «a proceder, junto do banco mutuante, Banco 1..., S.A. (aqui ré) à liquidação total dos créditos hipotecários associados às adesões identificadas nos autos e nos quais os autores figuram como mutuários/devedores».
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 7)

9 - Em 25 de Novembro de 2021 encontrava-se em dívida, nos dois créditos à habitação referidos no facto provado enunciado sob o número 2, o valor global de € 105.663,66 (no empréstimo n.º ...85 a quantia de € 39.209,46 e no empréstimo n.º ...75 a quantia de € 66.454,20).
(facto assente por acordo das partes - extracto de conta à ordem dos Autores, emitido pela Ré e não arguido de falso pela mesma, junto como documento n.º ... com a petição inicial, e artigos 5.º e 9.º da contestação [6], posteriormente não impugnado pelos Autores, nomeadamente em sede de audiência prévia - e aditado pelo Tribunal ad quem)

10 - Em 30 de Novembro de 2021, em cumprimento da sentença referida nos factos provados enunciados sob os números 7 e 8, EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., procedeu à transferência para a conta à ordem dos Autores (AA e marido, BB) na Ré (Banco 1..., S.A.) da quantia de € 106.133,78, correspondente ao capital dos dois créditos à habitação contraídos por eles que se encontrava em dívida à data da participação do sinistro (24 de Agosto de 2018).
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 8)

11 - Na mesma data de 30 de Novembro de 2021 a Ré (Banco 1..., S.A.) debitou na conta à ordem dos Autores (AA e marido, BB) a quase totalidade daquela quantia transferida por EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., por conta da «LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA» dos dois créditos à habitação referidos no facto provado enunciado sob o número 2, com exceção do montante de € 370,12 (conforme extracto de conta à ordem dos Autores emitido pela Ré, junto como documento n.º ... com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto provado enunciado no saneador-sentença recorrido sob o número 9 e parcialmente aditado pelo Tribunal ad quem - conforme documento n.º ... junto com a petição inicial)

12 - Entre ../../2018 e 30 de Novembro de 2021, os Autores (AA e marido, BB) pagaram à Ré (Banco 1..., S.A.), por débito na respectiva conta à ordem, a quantia global de € 13.449,23, relativa às prestações mensais devidas nos dois créditos à habitação por si contraídos junto da mesma, fazendo-o, sucessiva e ininterruptamente, de Agosto de 2018 a Março de 2020, inclusive (sendo cada prestação no valor invariável de € 637,83) e em Outubro de 2021 (sendo a prestação no valor inédito de € 679,10), e não o fazendo de Abril de 2020 a Setembro de 2021, inclusive, por beneficiarem da moratória pública da COVID-19 (conforme extracto de conta à ordem dos Autores emitido pela Ré, junto como documento n.º ... junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
(facto assente por confissão e por acordo das partes - artigo 16.º da petição inicial [7] e extracto de conta à ordem dos Autores, emitido pela Ré e não arguido de falso, junto como documento n.º ... com a petição inicial - e aditado pelo Tribunal ad quem)
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Contrato de mútuo bancário
4.1.1. Definição
Lê-se no art.º 1142.º, do CC, que o «mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade».
Celebrado o contrato e entregue a coisa ao mutuário (uma vez que aquele tem sido considerado real quoad constitutionem, só produzindo efeitos pela entrega da coisa mutuada [8]), este torna-se proprietário da mesma, conforme art.º 1144.º, do CC.
O mutuário ficará essencialmente adstrito a pagar a retribuição - juros - quando a ela haja lugar, embora se presuma no mútuo civil a natureza onerosa do contrato (art.º 1145.º, do CC); e a restituir coisa do mesmo género, quantidade e qualidade (art.º 1149.º, do CC).
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O mútuo bancário tem, como particularidade específica em relação ao mútuo civil, a natureza de entidade bancária do mutuante [9]; e, estando especialmente sujeito à disciplina do Decreto-Lei n.º 58/2013, de 8 de Maio, e dos art.ºs 394.º a 396.º do CCom (enquanto operação bancária, prevista no art.º 362.º do mesmo diploma), não deixa, ainda assim, de se subsumir às pertinentes regras do Código Civil, quando aquelas outras sejam insuficientes para a sua caracterização [10].

Está-se perante um «mútuo de escopo», isto é, o mutuário fica contratualmente obrigado a dar um determinado destino à importância recebida. Todavia, as «necessidades dum escopo e do seu respeito absoluto, sob pena de resolução, têm vindo a atenuar-se com a recente liberalização da economia. Mútuos de tipo “crédito pessoal”, “crédito ao consumo” e “crédito à tesouraria” são, de facto, mútuos livres, isto é, sem escopo. Porém, perante créditos a médio e longo prazo, com bonificações de juros ou com vantagens fiscais, o escopo recupera o seu papel decisivo: deverá, quando contratualmente consignado, ser respeitado» (António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 2.ª edição - 2001, Almedina, Fevereiro de 2001, pág. 575) [11]

Sendo o comércio dirigido ao lucro, a natureza comercial do mútuo implica, essencialmente, que o contrato seja sempre retribuído (art.º 395.º, do CCom); e, deste modo, o empréstimo bancário é, tipicamente, um negócio oneroso, vencendo juros [12].

Pode, assim, definir-se o contrato de mútuo bancário como aquele «pelo qual o banco (mutuante) entrega ou se obriga a entregar uma determinada quantia em dinheiro ao cliente (mutuário), ficando este obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (“tantundem”), acrescido dos correspondentes juros» (José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Setembro de 2009, págs. 497 e 498) [13].
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4.1.2. Em particular - A obrigação de juros
A obrigação de juros remuneratórios (que está, em geral, no escopo do contrato de mútuo e, de forma transversal, de todo o comércio bancário) pressupõe a prévia obrigação de capital, já que é determinada em função do seu montante e da sua duração; e visa, precisamente, a respectiva remuneração, isto é, a contrapartida do benefício que se proporciona a outrem pela cedência temporária de um capital de que o mesmo inicialmente não dispunha.

As taxas de juros bancários encontram-se actualmente liberalizadas, sendo fixadas por acordo entre a instituição de crédito e o mutuário (conforme Aviso do Banco de Portugal n.º 3/93, de 20 de Maio); e podem ser fixas ou variáveis (estas maxime por referência a índices, v.g. Euribor).
Precisa-se, porém, que, para além desta chamada taxa nominal (ou seja, a taxa de juros aplicável a determinada operação de crédito, sem impostos ou outros encargos), existe ainda a taxa anual efectiva (que, além daquela taxa nominal, engloba a totalidade dos encargos do crédito); e os bancos estão obrigados a prestar informações sobre esta última (conforme Decreto-Lei n.º 220/94, de 23 de Agosto).

Os juros remuneratórios e os demais encargos do crédito que sejam devidos podem ser pagos numa única vez (v.g. no termo do contrato) ou em várias prestações; e sendo estas periódicas e fixas, incluem em regra uma parte destinada à amortização do capital e outra ao seu próprio pagamento, sendo aquela primeira crescente e esta segunda decrescente, na mesma proporção, à medida que o contrato se vai prolongando no tempo [14].
 Precisa-se, ainda, que, nos mútuos bancários liquidáveis em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo do art.º 781.º, do CC não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados (AUJ n.º 7/2009, do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2009, António José Cortez Cardoso de Albuquerque, publicado no DR, I Série, de 05 de Maio de 2009).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, verifica-se que, tendo os Autores (AA e marido, BB) celebrado com a Ré (Banco 1..., S.A.) dois contratos de empréstimo para habitação, deviam-lhe, em 24 de Agosto de 2018, a quantia global de capital de € 106.133,78.
Mais se verifica que, desde essa data e até ../../2021, lhe pagaram mensalmente, por conta das prestações acordadas no âmbito dos referidos dois empréstimos à habitação, por débito na conta à ordem que possuíam junto dela, a quantia global de € 13.449,23 (excluindo-se deste período «as prestações de abril de 2020 a setembro de 2021, por neste período ter estado em vigor a moratória da COVID-19», conforme expressamente confessam no artigo 16.º da sua petição inicial).
Verifica-se ainda que, em 30 de Novembro de 2021, a Ré (Banco 1..., S.A.)  recebeu a quantia de € 106.133,78, para «liquidação total dos créditos hipotecários associados (...) nos quais os autores figuram como mutuários/devedores».
Por fim, verifica-se que a Ré (Banco 1..., S.A.) debitou na conta à ordem dos Autores (AA e marido, BB) a quase totalidade daquela quantia, por conta da «LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA» dos dois créditos à habitação em causa nos autos, com exceção do montante de € 370,12.

Pretendem aqui os Autores (AA e marido, BB) que a mesma lhes restitua a quantia de € 13.079,11 (isto é, os € 13.449,23 que lhe pagaram de 24 de Agosto de 2018 até ../../2021, subtraídos da quantia de € 370,12, que já lhes foi por ela disponibilizada), por entenderem que, de outro modo, estará a receber, indevida e duplamente, esse montante. 
Assentam essa sua pretensão no seguinte raciocínio: se em 24 de Agosto de 2018 lhe deviam a quantia de capital de € 106.133,78, e se depois lhe pagaram € 13.449,23, esta quantia teria de ser deduzida daquela outra, porque a Ré (Banco 1..., S.A.) a recebeu integralmente, isto é, nesse mesmo exacto montante.
 Este raciocínio pressupõe, porém e necessariamente, que a dita dívida de capital tenha ficado definitivamente fixada na data em que participaram o sinistro a EMP01... - Companhia de Seguros, S.A. (isto é, que no contrato de mútuo bancário que os unia à Ré se tenham deixado desde então de vencer quaisquer importâncias adicionais, nomeadamente a título amortização de capital e de juros remuneratórios e demais encargos com o crédito); e ainda que aquela quantia de € 13.449,23 se destinasse apenas, na economia do próprio contrato, a amortizar capital (já que só desse modo se duplicaria parcialmente o pagamento de capital que, em 30 de Novembro de 2021, EMP01... - Companhia de Seguros, S.A. fez à Ré).

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhes assiste razão, não só face à lei aplicável (v.g. regime próprio do contrato de mútuo bancário e regras legais de imputação de cumprimento, previstas no art.º 785.º, do CC), como porque inicialmente não alegaram os factos necessários para o efeito (nomeadamente, tendentes a demonstrar que, no caso concreto, as ditas normas legais foram afastadas pelas partes), como ainda por a Ré (Banco 1..., S.A.) ter depois alegado outros factos (que eles próprios não impugnaram), e beneficiar de documentos produzidos antes por ela própria (que os próprios Autores juntaram aos autos, defendendo a sua autenticidade e veracidade), que inviabilizam a sua pretensão.
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4.2.1. Contrato de mútuo bancário - Obrigação de juros e demais encargos com o crédito
Com efeito, e começando pelo pressuposto (pelos Autores) de que a quantia de € 13.449,23 se destinava apenas a amortizar capital e pela falta de oportuna e respectiva alegação desta realidade, dir-se-á que, num regime de normal cumprimento dos contratos de mútuo bancário dos autos cada prestação mensal de € 632,72 (que aqueles alegam no artigo 16.º da sua petição inicial ter sido paga de 27 de Agosto de 2018 a 25 de Outubro de 2021, de forma conforme com os extratos bancários emitidos pela Ré e que eles próprios juntaram então) amortizou capital e, simultaneamente, pagou juros remuneratórios e demais encargos com o crédito.
Logo, e cumprindo-se este regime regra, quanto a esta última parcela não seria devida aos Autores (AA e marido, BB) qualquer restituição (já que, por natureza, a parte de cada prestação afecta ao pagamento de juros remuneratórios e demais encargos com o crédito ser insusceptível de fundar uma eventual futura duplicação do pagamento de capital).

Assim, e para afastarem este que seria o regime regra do contrato de mútuo bancário, seria necessário que os Autores (AA e marido, BB) tivessem alegado na sua petição inicial que cada prestação mensal incluída nos € 13.449,23 em causa (relativa ao período de 24 de Agosto de 2018 a 30 de Novembro de 2021) se destinava exclusivamente a proceder à amortização fraccionada da dívida de capital dos créditos à habitação em causa, e não também (como é próprio da natureza do contrato de mútuo bancário à habitação), ou exclusivamente (o que configuraria uma excepção ao seu regime normal), ao pagamento de juros remuneratórios e demais encargos do crédito.
Ora, esta alegação (cujo ónus exclusivamente lhes pertencia) ficou por fazer.
Logo, e nesta parte (ainda que sem quantificação, no momento da apresentação da petição inicial) sempre teria o seu recurso que improceder.
*
Veio depois a Ré (Banco 1..., S.A.) alegar, nos artigos 5.º e 9.º da sua contestação, que à data em que recepcionou a quantia de € 106.133,78, e no que aos dois créditos à habitação diz respeito, se encontrava em dívida a quantia global de € 105.663,66 (sendo o valor em dívida no empréstimo n.º ...85 de € 39.209,46 e no empréstimo n.º ...75 de € 66.454,20).
Ora, esta quantia teria necessariamente de ser devida a título de capital, já que ela própria emitiu os extractos bancários da conta à ordem aberta pelos Autores (juntos por estes com a petição inicial, como documentos n.º ... e ...) e neles fez constar que com os € 13.449,23 recebidos procedeu à «LIQUIDAÇÃO ANTECIPADA» daquele valor de € 105.663,66. Com efeito, «liquidação antecipada» só pode reportar-se à obrigação de capital, já que é apodítico que a obrigação convencionada de juros remuneratórios apenas se vence com o decurso de cada um dos meses em que o mutuante continue a não dispor do capital (ou parte dele) disponibilizado ao mutuário. 
Precisa-se, a propósito, que não só esta alegação da Ré (Banco 1..., S.A.) extravasa e excepciona o âmbito da inicial dos Autores (AA e marido, BB), como não foi depois impugnada por eles (nomeadamente, no início da audiência prévia que teve lugar nos autos, nos termos do art.º 3.º, n.º 4, do CPC); e que foram também os Autores quem juntou os documentos produzidos por aquela, firmando na sua autenticidade e rigor parte da prova que entendiam caber-lhes.

Ficou, assim, definitivamente assente nos autos que, em 30 de Novembro de 2021, os Autores (AA e marido, BB) deviam à Ré (Banco 1..., S.A.), por conta dos dois contratos de empréstimo bancário para habitação que celebraram com ela, a quantia global de capital de € 105.763,66.
*
Presume-se, desse modo (mas sem qualquer relevância para o desfecho da acção, face à já denunciada falta de alegação idónea pelos Autores e à prova do montante de capital em dívida em 30 de Novembro de 2021), que as prestações mensais pagas pelos Autores (AA e marido, BB), de 24 de Agosto de 2018 a 30 de Novembro de 2021, no valor de € 13.449,23 - à excepção do diminuto montante de € 370,12 - asseguraram apenas a liquidação dos juros remuneratórios e demais encargos do crédito, devidos nesse período.
Estariam aqui necessariamente incluídos: inicialmente, os ditos juros e demais encargos contidos em cada uma das prestações mensais fixas pagas (sucessiva e ininterruptamente, de Agosto de 2018 a Março de 2020, inclusive, e novamente em Outubro de 2021), como é habitual no regime regra do mútuo bancário à habitação (sem prejuízo de um remanescente, relativo à amortização do capital, a que, num primeiro momento, os Autores pudessem ter direito a ver restituído); e num segundo momento, os mesmos juros e demais encargos devidos no período de Abril de 2020 a Setembro de 2021, em que nada foi pago pelos Autores (AA e marido, BB) à Ré (Banco 1..., S.A.), por se encontrar em vigor a moratória de COVID 19 (estes pagos precisamente com aquela parte que, no montante global de € 13.449,23 entregue antes do início da moratória, se destinaria à amortização fraccionada de capital).

Precisando, a moratória de COVID-19, e naturalmente, não equivaleu a qualquer perdão de créditos, tendo apenas diferido para momento posterior a satisfação das obrigações resultantes dos contratos de mútuo por ela abrangidos, no caso de amortização de capital e de pagamento de juros remuneratórios, a que a Ré (Banco 1..., S.A.) não deixava de ter direito por se encontrar desapossada do remanescente do capital mutuado. Ora, e no caso particular dos ditos juros remuneratórios, foram os mesmos convertidos, ope legis, em capital (embora não no final da moratória pública - que coincidiu com o dia 30 de Setembro de 2021 [15] -, mas sim à medida que se foram vencendo).
Com efeito, lia-se no art.º 4.º, do Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março, no seu: n.º 1, al. c), que as «entidades beneficiárias» do regime nele instituído, e como medida «de apoio relativamente às suas exposições creditícias contratadas junto das instituições», beneficiavam da suspensão, «relativamente a créditos com reembolso parcelar de capital ou com vencimento parcelar de outras prestações pecuniárias, durante o período em que vigorar a presente medida, do pagamento do capital, das rendas e dos juros com vencimento previsto até ao término desse período, sendo o plano contratual de pagamento das parcelas de capital, rendas, juros, comissões e outros encargos estendido automaticamente por um período idêntico ao da suspensão, de forma a garantir que não haja outros encargos para além dos que possam decorrer da variabilidade da taxa de juro de referência subjacente ao contrato, sendo igualmente prolongados todos os elementos associados aos contratos abrangidos pela medida, incluindo garantias»; e no seu n.º 3, que a  «extensão do prazo de pagamento de capital, rendas, juros, comissões e demais encargos referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 não dá origem a qualquer» suspensão «do vencimento de juros devidos durante o período da prorrogação, que serão capitalizados no valor do empréstimo com referência ao momento em que são devidos à taxa do contrato em vigor».
 Logo, apesar de não haver pagamentos durante o período da moratória pública, os juros seriam contabilizados e acrescidos mensalmente ao capital em dívida, à taxa do contrato em vigor; e, por isso, terminado o prazo da dita moratória pública, a cobrança das prestações seria retomada por um valor superior ao anterior, uma vez que ao capital antes em dívida acresceria então, com essa natureza, o anterior juro financeiro (ou seja, aumentando o valor do empréstimo).

Ora, isto mesmo resulta indiciado na alteração do valor da prestação vencida em Outubro de 2021 (primeira vencida após o fim da moratória bancária de COVID-19), que, de invariáveis € 632,66 nos meses de Agosto de 2018 a Março de 2020, inclusive, passou depois para inéditos € 679,10; e, de forma conforme, no momento do pagamento antecipado dos contratos de mútuo bancário em causa, aquele que, em circunstâncias normais, deveria ter sido o montante dos juros remuneratórios que se venceriam de Abril de 2020 a Setembro de 2021 pôde então ser exigido pela Ré (Banco 1..., S.A.) a título de capital (já que nele foram sendo convertidos, em cada mês em que se venceram, à taxa contratual em vigor, pela própria lei).
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Face ao exposto, resultou indemonstrado nos autos que a Ré (Banco 1..., S.A.) se tenha locupletado indevidamente com a quantia de € 13.079,11, ficando antes demonstrado que teria direito a ela como cumprimento dos dois contratos de mútuo bancário celebrado com os Autores (AA e marido, BB): num momento inicial (de Agosto de 2018 a Março de 2020), à parte dela destinada ab initio ao pagamento dos juros remuneratórios e demais encargos com o crédito, incluídos em cada uma das prestações em causa; e num segundo momento (de Abril de 2020 a Setembro de 2021, enquanto vigorou a moratória de COVID-19), ao remanescente respectivo, destinado ao pagamento da quantia de capital acrescida à dívida inicial dessa natureza, por capitalização legal dos juros remuneratórios devidos no período da moratória COVID-19.
Do mesmo passo necessariamente que teria de improceder o pedido dos Autores (AA e marido, BB) de restituição daquela quantia de € 13.079,11, fosse com base na responsabilidade civil que invocaram na petição inicial (por inexistir desde logo a ilicitude do facto da respectiva retenção pela Ré), fosse com base no enriquecimento sem causa que, subsidiariamente e de forma inédita, invocaram nas suas alegações de recurso (por existir causa contratual para o enriquecimento da Ré).
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4.2.2. Contrato de seguro de vida - Indemnização por mora (responsabilidade pelo pagamento de juros remuneratórios e demais encargos com o crédito)
Concretizando novamente, e considerando agora o segundo pressuposto da pretensão dos Autores (AA e marido, BB), de que a dívida que tinham para com a Ré (Banco 1..., S.A.) ficou definitivamente fixada na data em que participaram o sinistro a EMP01... - Companhia de Seguros, S.A., verifica-se que, associados aos dois contratos de mútuo bancário para habitação, e por exigência daquela primeira, celebraram ainda com esta dois contratos de seguro de vida grupo.
 Mais se verifica que, em 24 de Agosto de 2018, os Autores (AA e marido, BB) participaram à Seguradora o sinistro de invalidez da Autora; e, sendo o mesmo enquadrável nos contratos de seguro de vida grupo referidos, aquela recusou-se a pagar-lhes a indemnização prevista para o efeito, correspondente ao capital dos dois créditos à habitação que ainda se encontrasse em dívida, na data da participação do sinistro.
Verifica-se ainda que, por sentença de 13 de Outubro de 2021, foi EMP01... - Companhia de Seguros, S.A. condenada «a proceder, junto do banco mutuante, Banco 1..., S.A. (aqui ré) à liquidação total dos créditos hipotecários associados às adesões identificadas nos autos e nos quais os autores figuram como mutuários/devedores»; e que o fez em 30 de Novembro de 2021, entregando-lhe a quantia de € 106.133,78, por ser a que se encontrava em dívida em 24 de Agosto de 2018, quando lhe fora participado o sinistro de invalidez que afectou a Autora (AA).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, sendo a indemnização resultante dos contratos de seguro de vida celebrados devida logo em 24 de Agosto de 2018, e não a tendo oportunamente satisfeito, seria a Seguradora (e não a Ré) a responsável pelos prejuízos que derivassem do retardamento do cumprimento da sua prestação, nos termos do art.º 804.º, n.º 1, do CC; e nesses prejuízos necessariamente se encontrariam os juros remuneratórios e demais encargos com o crédito a que a Ré (Banco 1..., S.A.) tinha direito  e que os Autores (AA e marido, BB) teriam de suportar até que os dois contratos de mútuo bancário fossem, antecipada e integralmente, cumpridos [16].
Isso mesmo já foi ajuizado pelo Tribunal a quo, quando de forma conforme exarou no saneador-sentença recorrido:
«(…)
Repare-se que a actual Lei do Contrato de Seguro (LCS – D.L. 72/2008, de 16.04, que aprovou a nova Lei do Contrato de Seguro), no seu artº 76.º, define o contrato de seguro de grupo como aquele que cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador por um vínculo que não seja o de segurar. Por outro lado, o artº 77.º, nº 2, da LCS, estabelece que o seguro de grupo é contributivo quando do contrato de seguro resulta que os segurados suportam, no todo e em parte, o pagamento do montante correspondente ao prémio devido pelo tomador de seguro. Manteve-se, assim, a estrutura triangular que o caracteriza o tipo de contrato em causa nos autos, ou seja, a existência de três sujeitos de direitos distintos: o segurador; o tomador do seguro e as pessoas que a ele estão ligadas por um vínculo que não seja o seguro e o segurado, não tendo a lei tomado posição sobre a natureza jurídica desse tipo de seguro (a este propósito ver a “Lei do Contrato de Seguro – Anotada”, Pedro Romano Martinez Et al, Almedina, págs. 324 e 326). Para todos os efeitos reúnem-se num só contrato dois tipos de interesses e duas relações jurídicas com finalidade distinta, mas que não deixam de estar interligadas, mas que não deixam também de estar sujeitos, cada um deles, às suas regras próprias e especificas e não ficam precludidas as obrigações próprias e específicas de cada tipo de contrato.
(…)
No caso destes autos, a qualificação do contrato como sendo um contrato de seguro de grupo contributivo, do ramo vida (artºs 76.º e segs. Da LCS) não é controvertida. Nas palavras de Luís Poças (“O Dever de Declaração Inicial do Risco no Contrato de Seguro”, Almedina, Coleção Teses, 2013, pág. 636), trata-se de um contrato de seguro de vida de adesão obrigatória, imposto por uma entidade financeira para garantia de uma dívida, em que essa entidade figura como tomadora do seguro de grupo e beneficiária em caso de morte do aderente (pessoa segura), acrescentando (pág. 637) que a particularidade desse contrato resulta de cada adesão ter uma relativa autonomia perante as demais e conferir ao aderente uma posição de parte no contrato, atribuindo-lhe direitos e deveres perante o segurador e o tomador do seguro. O risco que este contrato de seguro visa prevenir é o que resulta da incapacidade total e permanente do mutuário, em consequência de acidente ou doença, traduzindo-se numa situação impeditiva de exercer uma actividade remunerada e de, naturalmente, ficar sem meios económicos para satisfazer o compromisso assumido no contrato de mútuo. Deste modo, a finalidade dos contraentes que celebram um contrato de seguro, ramo vida, associado a contrato de mútuo concedido pelo banco para aquisição/construção de habitação própria, é justamente acautelar a hipótese de o mutuário perder, por invalidez total e irreversível, a sua capacidade de ganho e consequentemente, a sua habitação, com a execução ulterior da hipoteca que sobre a mesma incide. Caso os autores demonstrem o risco prevenido no contrato de seguro, a seguradora deverá honrar o seu compromisso na data em que foi confirmada oficialmente a situação de invalidez do segurado devendo então pagar ao banco o valor ainda em dívida do empréstimo e ao segurado os juros compensatórios pagos ao Banco com cada uma das prestações para amortização do financiamento bem como os prémios de seguro.
(…)»
*
Deverá, assim, decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso de apelação dos Autores (AA e marido, BB).
*
V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Autores (AA e marido, BB), e, em consequência, em

· Confirmar a sentença recorrida.
*
Custas da apelação pelos Autores recorrentes (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
*
Guimarães, 29 de Fevereiro de 2024.

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2.ª Adjunta - Alexandra Maria Viana Parente Lopes.


[1] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem -, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[2] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, 3.ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2014, pág. 382.
[3] Neste sentido, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 183; Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Volume III, 1982, Almedina, pág. 134; António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, págs. 25-30; António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 236; e  Professor Miguel Teixeira de Sousa (em https://blogippc.blogspot.com/search?q=%22Nas+a%C3%A7%C3%B5es+que+hajam+de+prosseguir%22, consultado em Fevereiro de 2023).
Precisando este último contributo: «Efectivamente, são possíveis três situações bastante distintas: Aquela em que a prática do acto proibido ou a omissão do acto obrigatório é admitida por uma decisão judicial; nesta situação, só há uma decisão judicial; Aquela em que o acto proibido é praticado ou o acto obrigatório é omitido e, depois dessa prática, é proferida uma decisão; nesta situação, há uma nulidade processual e uma decisão judicial;  Aquela em que uma decisão dispensa ou impõe a realização de um acto obrigatório ou proibido e em que uma outra decisão decide uma outra matéria; nesta situação, há duas decisões judiciais. No primeiro caso (…) o meio de reacção adequado é a impugnação da decisão através de recurso. (…) No segundo caso, o que importa considerar é a consequência da nulidade processual na decisão posterior. Quer dizer: já não se está a tratar apenas da nulidade processual, mas também das consequências da nulidade processual para a decisão que é posteriormente proferida. Finalmente, no terceiro caso, há que considerar a forma de impugnação das duas decisões. (…) Se, apesar da omissão indevida de um acto, o juiz conhecer na decisão de algo de que não podia conhecer sem a realização do acto omitido (ou, pela positiva, conhecer de algo de que só podia conhecer na sequência da realização do acto), essa decisão é nula por excesso de pronúncia (art.615.º, n.º 1, al. d), CPC)».
Na jurisprudência: Ac. do STJ, de 13.01.2005, Araújo de Barros, Processo n.º 04B4031; Ac. da RL, de 20.04.2016, Alves Duarte, Processo n.º 316/12.3TTFUN.L1-4; Ac. da RG, de 23.06.2016, António Beça Pereira, Processo n.º 713/14.0T8VRL.G1; Ac. do STJ, de 23.06.2016, Abrantes Geraldes, Processo n.º 1937/15.8T8BCL.S1; Ac. da RE, de 26.10.2017, Ana Margarida Leite, Processo n.º 2929/15.2T8STR-A.E1; Ac. do STA, de 08.03.2018, Carlos Carvalho, Processo n.º 01144/17; Ac. da RL, de 11.07.2019, Ana de Azeredo Coelho, Processo n.º 5774/17.7T8FNC-A.L1-6; Ac. da RG, de 30.01.2020, Ana Cristina Duarte, Processo n.º 3834/18.6T8GMR.G1; Ac. da RG, de 13.02.2020, Raquel Batista Tavares, Processo n.º 3496/18.0T8VCT.G1; Ac. da RP, de 09.12.2020, Eugénia Cunha, Processo n.º 4585/11.8TBSTS.P2; Ac. da RG, de 20.05.2021, José Alberto Moreira Dias, Processo n.º 125/20.6T8AMR-G1; ou Ac. do STJ, de 05.07.2022, Ricardo Costa, Processo n.º 1258/19.7T8LSB.L1.S1.
[4] Neste sentido, de que os factos constantes da fundamentação de facto da decisão judicial deverão ser apresentados segundo uma ordenação sequencial, lógica e cronológica (e não de forma desordenada, consoante os articulados de onde tenham sido extraídos e reproduzindo ipsis verbis a sua redacção, incluindo interjeições coloquiais), na doutrina:
. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, I Volume, 2013, Almedina, Outubro de 2013, pág. 543 - onde se lê que os «factos que constituem fundamentação de facto devem ser integralmente descritos. O juiz deve aqui relatar a realidade histórica tal como ela resultou demonstrada da produção de prova. (…)
Não há aqui qualquer fundamento para o juiz se cingir aos enunciados verbais adotados pelas partes. O que importa é o facto, e este pode ser descrito de diversas formas. Ele é aqui o cronista, o tecelão da narrativa fiel à prova produzida, não devendo compô-la com fragmentos literais de frases articuladas, fabricando uma desconexa manta e retalhos».
. Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, página 22 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença, os «enunciados de facto devem também ser expostos numa ordenação sequencial lógica e cronológica que facilite a conjugação dos seus diversos segmentos e a compreensão do conjunto factual pertinente, na perspetiva das questões jurídicas a apreciar. Com efeito, a ordenação sequencial das proposições de facto, bem como a ligação entre elas, é um fator de inteligibilidade da trama factual, na medida em que favorece uma interpretação contextual e sinótica, em detrimento de uma interpretação meramente analítica, de enfoque atomizado ou fragmentário. Por isso mesmo, na sentença, cumpre ao juiz ordenar a matéria de facto - que se encontra, de algum modo parcelada, em virtude dos factos assentes por decorrência da falta de impugnação - na perspetiva do quadro normativo das questões a resolver».
. António Santos Abrantes Geraldes, «Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 10 e 11 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6425) - onde se lê que, na sentença, «na enunciação dos factos apurados o juiz deve usar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção. Por isso é inadmissível (tal como já o era anteriormente) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.
Este objectivo - que o bom senso já anteriormente deveria ter imposto como regra absoluta - encontra agora na formulação legal um apoio suplementar, já que o art. 607º, nº 4, 2ª parte, impõe ao juiz a tarefa de compatibilizar toda a matéria de facto adquirida, o que necessariamente implica uma descrição inteligível da realidade litigada, em lugar de uma sequência desordenada de factos atomísticos».
. Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 322 - onde se lê que, «depois de concluída a produção de prova e quando elaborar a sentença, é função do juiz relatar - e relatar de forma expressa, precisa e completa - os factos essenciais que se provaram em juízo. Tal relato haverá de constituir uma narração arrumada, coerente e sequencial (lógica e cronologicamente), na certeza de que isso deve ser feito “compatibilizando toda a matéria de facto adquirida”, como prescreve a parte final do nº 4 do art. 607º».
Na jurisprudência mais recente: Ac. da RL, de 24.04.2019, Laurinda Gemas, Processo n.º 5585/15.4T8FNC-A.L1-2; ou Ac. da RL, de 02.07.2019, José Capacete, Processo n.º 1777/16.7T8LRA.L1-7.
[5] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[6] Lê-se na contestação, em matéria que extravasa e excepciona a previamente alegada pelos Autores (que paralisaram a fixação da dívida que assumiam ter com a Ré em 24 de Agosto de 2018), nos:
. Artigo 5.º - «À data da receção desse valor – 25-11-2021 encontravam-se em débito os seguintes valores:
Empréstimo ...85- 39.209,46 euros
Empréstimo ...75 – 66.454,20 euros».
. Artigo 9.º - «Falso o alegado nos arts. 13 a 18 e 33 a 40 da pi: o que foi entregue pela EMP01... à Banco 1... cobriu apenas os valores que se encontravam em débito em 25/11/2021 e não em Agosto de 2018 como sustentam os AA».
[7] Lê-se no corpo do artigo 16.º da petição inicial (antes da reprodução da tabela que discrimina o número, data do débito na conta à ordem dos Autores e valor total debitado, relativo aos dois créditos à habitação em causa nos autos):
«Prestações essas cujos valores e datas de pagamento se apresentam na tabela da página seguinte, não incluindo, evidentemente, as prestações de abril de 2020 a setembro de 2021, por neste período ter estado em vigor a moratória da COVID-19:».
[8] Contudo, António Menezes Cordeiro defende que se trata «duma concepção em clara regressão»; e, «de todo o modo, não haverá dificuldades (…) em admitir, ao lado do mútuo típico real, mútuos meramente consensuais» (in Manual de Direito Bancário, 2.ª edição - 2001, Almedina, Fevereiro de 2001, pág. 575). 
[9] Neste sentido, João Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, pág. 361; e José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Setembro de 2009, págs. 497-498.
Enfatiza-se, a propósito, que continua «a ser possível encontrar-se um núcleo central da actividade bancária na intermediação creditícia, como intermediação entre os depositantes de fundos pecuniários e terceiros beneficiários do crédito bancário, resumida no binómio depósito/crédito»: a intermediação creditícia consubstancia-se, assim, «na recolha de depósitos (crédito passivo) e na concessão de empréstimos ou outras fontes de crédito (crédito activo)» (Bruno Ferreira, Contratos de Crédito Bancário e Exigibilidade Antecipada, 2011, Almedina, Junho de 2011, pág. 15).
[10] Neste sentido, Ac. do STJ, de 27.09.2018, Rosa Ribeiro Coelho, Processo n.º1829/95.5TVLSB.L1.S1.
[11] No mesmo sentido, José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Setembro de 2009, pág. 498, onde se lê que o «mútuo bancário é (…) frequentemente (embora não necessariamente), um “mútuo de escopo”, ou seja, afecto a determinada finalidade do mutuário fixada por lei ou pelo contrato (v.g. crédito ao consumo)».
[12] Os juros «podem definir-se como os frutos civis, constituídos por coisas fungíveis (em regra, mas não necessariamente, dinheiro), que representam o rendimento de uma obrigação de capital (isto é, uma obrigação que tem por objeto valores pecuniários ou outros bens fungíveis), vencível pelo simples decurso do tempo» (José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Setembro de 2009, pág. 232).
[13] Quanto à forma, o mútuo bancário tem-na em regra aligeirada, nos termos do art.º único do Decreto-Lei n.º 32.765, de 29 de Abril de 1943, onde se lê que os «contratos de mútuo ou de usura, seja qual for o seu valor, quando feitos por estabelecimentos bancários autorizados, podem provar-se por escrito particular, ainda mesmo que a outra parte contratante não seja comerciante».
Contudo, importa ainda atender a determinadas modalidade especiais de mútuos, nomeadamente ao regime particular da compra e venda com mútuo, referente a prédio urbano destinado a habitação, ou fracção autónoma para o mesmo fim, em que, sendo  mutuante uma instituição de crédito autorizada a conceder crédito à habitação, poderá ser celebrado por documento particular, com reconhecimento de assinaturas, ficando, porém, sujeito a registo obrigatório (art.ºs 2.º, n.º 1 e 3.º, do Decreto-lei n.º 255/93, de 15 de Julho).
[14] Precisa-se, porém, que o que aqui está em causa é o cumprimento de uma mesma obrigação pecuniária, embora fraccionado em parcelas, ou, usualmente, dividido em prestações, entendendo-se necessariamente estas «como fracções ou parcelas da prestação». «Trata-se, contudo, de um só débito com vencimentos diferentes, normalmente intervalados por unidades temporais semelhantes, sendo que estas prestações fraccionadas são claramente distintas das chamadas prestações periódicas, em que existe uma pluralidade de débitos»; e «nesse caso o tempo não contende com o objecto da prestação, mas apenas com a forma da sua execução» (Bruno Ferreira, Contratos de Crédito Bancário e Exigibilidade Antecipada, 2011, Almedina, Junho de 2011, pág. 186).
[15] A moratória do Estado (Moratória Pública), nomeadamente para crédito à habitação, foi aprovada pelo Decreto-Lei n.º 10-J/2020, de 26 de Março, destinando-se inicialmente a vigorar entre 27 de Março de 2020 e 30 de Setembro de 2020; e foi posteriormente prorrogada para vigorar até 31 de Março de 2021 (pelo Decreto-Lei n.º 26/2020, de 26 de Junho) e, novamente, até ../../2021 (pelo Decreto-Lei n.º 78-A/2020, de 29 de Setembro).
[16] No mesmo sentido:
. Ac. da RP, de 05.03.2015, Leonel Serôdio, Processo n.º 834/13.6TVPRT.P1 - onde se lê que o «contrato de seguro grupo vida e o mútuo quando coligados não deixam de estar sujeitos cada um deles às suas regras próprias e específicas», pelo que o banco mutuante não tem de devolver o montante das prestações que foi recebendo enquanto a seguradora, que com o falecido mutuário tinha celebrado um contrato de seguro de vida e de que era beneficiário o banco, não assumiu o sinistro.
. Ac. da RP, de 24.09.2020, Anabela Tenreiro, Processo n.º 1385/18.8T8PFR.P1 - onde se lê que o «incumprimento do contrato de seguro por parte da seguradora, não dispensa o mutuário da obrigação de proceder ao pagamento das prestações mensais a que ficou vinculado no contrato de mútuo», antes competindo à seguradora «restituir ao mutuário as prestações que este pagou ao banco, por constituir uma obrigação emergente do contrato de seguro, não satisfeita atempadamente».