Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | CARLA OLIVEIRA | ||
| Descritores: | CONTRATO PROMESSA LEGITIMIDADE ACTIVA CASO JULGADO LIMITES TEMPORAIS FALTA DE INTERESSE EM AGIR | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I – Não tem legitimidade para a acção em que se discutam questões relativas a contrato-promessa, o cônjuge do promitente comprador que não outorgou tal contrato. II - O caso julgado tem limites temporais, deixando de valer quando se alteram os condicionalismos de facto em que a decisão proferida assentou, pelo que o caso julgado pode perder a sua eficácia por caducidade (que ocorre quando deixa de subsistir a situação de facto subjacente à decisão) ou por substituição da decisão transitada (que pode ser requerida quando se altera a situação de facto a ela subjacente). | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA e BB vieram intentar a presente acção declarativa com processo comum contra CC; e DD e EE, formulando, a final, os seguintes pedidos: a) ser declarada a nulidade da doação, por simulação, dos três prédios rústicos identificados no artigo 39º da petição inicial, efectuada pelos segundos réus ao primeiro réu, decretando-se a sua restituição aos 2ºs réus e, consequentemente, o cancelamento dos registos de aquisição dos referidos prédios a favor do 1º réu; Sendo procedente a nulidade requerida, b) ser proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos promitentes vendedores (segundos réus), ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que obstem à realização desse direito. Subsidiariamente, para o caso de improcedência dos anteriores pedidos: c) Ser declarado ineficaz em relação aos autores o acto de transmissão dos prédios rústicos identificados no artigo 39º da petição inicial, dos segundos réus para o primeiro réu. Citados, os réus deduziram contestação, por excepção - invocando a ilegitimidade activa da autora mulher, o caso julgado material formado no âmbito do processo nº 760/13.9TBPTL, a falta de interesse em agir dos autores, a prescrição extintiva e a falsidade dos “contratos” juntos com a petição inicial -; e ainda por impugnação. Notificados para o efeito, os autores vieram pronunciar-se sobre as excepções invocadas na contestação, pugnando pela sua improcedência. Foi dispensada a realização da audiência prévia e proferido despacho saneador, tendo sido julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade activa da autora mulher, do caso julgado e de autoridade de caso julgado e da falta de interesse em agir. Quanto ao demais, o tribunal recorrido relegou o seu conhecimento para a decisão final. Inconformados com a decisão proferida relativamente às referidas excepções, os réus interpuseram o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: “1. Vai o presente recurso interposto do Douto despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, datado de datado de 19-05-2025, que julgou improcedentes as exceções dilatórias de ilegitimidade ativa da Recorrida, de caso julgado ou autoridade do caso julgado, e da falta de interesse em agir dos Recorrentes. 2. Ora, salvo o devido respeito por Douta opinião contrária, que é muito, não assiste razão ao Tribunal a quo, e tais exceções deveriam ter sido julgadas procedentes, por provadas. Vejamos: a) Da exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Recorrida: 3. O Tribunal a quo entendeu que a Recorrida seria parte legítima nos presentes autos, porquanto, os mesmos dizem respeito a uma situação de litisconsórcio necessário ativo, previsto no art.º 34.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil, e a procedência da ação levará a que seja proferida Sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos promitentes vendedores, ou seja, os bens prometidos vender passarão a ser propriedade do Recorrido e, por força do regime de bens de casamento de ambos (comunhão geral de bens), serão, consequentemente, também propriedade daquela. 4. Nos termos do disposto no art.º 30.º do Cód. Proc. Civil, o Autor é parte legítima na ação quando tem interesse direto em demandar, e esse interesse em demandar apura-se sempre que o pedido afirme (ou negue) a existência de uma relação jurídica com o Réu, tal como vem configurada pelo mesmo. 5. A legitimidade processual, constituindo uma posição do autor e do réu em relação ao objecto do processo, afere-se, assim, em face da relação jurídica controvertida, tal como aquele a desenhou. 6. E a legitimidade material, substantiva ou “ad actum” consiste num complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que o mesmo invoque ou que lhe seja atribuído, respeitando, portanto, ao mérito da causa. 7. In casu, o pedido formulado pela Recorrida não afirma a existência de uma relação jurídica entre esta e os Recorrentes, e tal como é referido na Contestação apresentada em juízo por estes, aquela não surge como suposta parte outorgante dos contratos-promessa juntos com a petição inicial, e não é titular de qualquer direito de crédito, decorrente da suposta celebração de tais contratos, relativamente à pessoa daqueles. 8. Para além disso, o antecessor dos Recorrentes DD e mulher EE nada lhes prometeu vender (nem, de resto, ao Recorrente marido), e ela nada prometeu comprar ao antecessor dos mesmos. 9. Pelo que, a Recorrida carece de legitimidade ativa – se não processual, pelo menos substantiva -, para intervir nos presentes autos. 10. Nesta conformidade, ao decidir como decidiu, mal andou o Tribunal a quo e, consequentemente, violou (ou fez uma errónea interpretação) do disposto no art.º 30.º n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. 11. Assim, deve ser revogado o Douto despacho recorrido, na parte em que julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Recorrida arguida pelos Recorrentes e, consequentemente, ser proferido em sua substituição, Douto acórdão que julgue aquela como parte ilegítima nos presentes autos, absolvendo-se aqueles da instância, relativamente aos pedidos formulados por aquela, nos termos do disposto nos art.ºs 577.º, al. e) e 576.º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil. 12. Caso se entenda não se verificar a exceção de ilegitimidade processual ativa, sempre ocorrerá a de ilegitimidade substantiva ativa, pelo que, deve ser revogado o Douto despacho recorrido, na parte em que julgou improcedente a exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Recorrida arguida pelos Recorrentes e, consequentemente, ser proferido em sua substituição, Douto acórdão que julgue aquela como parte ilegítima nos presentes autos, absolvendo-se aqueles de todos os pedidos formulados pela Recorrida, nos termos do disposto no art.º 576.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil. b) Da exceção dilatória de caso julgado ou da autoridade do caso julgado: 13. O Tribunal a quo entendeu que não se verificam nos presentes autos a exceção dilatória de caso julgado ou exceção perentória da autoridade do caso julgado, porquanto, nos mesmos inexiste a tríplice do caso julgado, prevista no art.º 581.º do Cód. Proc. Civil, e, como foram alegados novos factos na presente ação que não foram objeto de apreciação em ações anteriores, também inexiste autoridade do caso julgado. 14. Não lhe assiste razão. 15. A nossa lei adjetiva define o caso julgado a partir da preclusão dos meios de impugnação da decisão. O caso julgado traduz-se, assim, na insuscetibilidade de impugnação de uma decisão, decorrente do respetivo trânsito em julgado, nos termos do disposto no art.º 628.º do Cód. Proc. Civil. 16. No que respeita à eficácia do caso julgado material, a doutrina e a jurisprudência vêm atribuindo duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (autoridade do caso julgado) e uma função negativa (exceção do caso julgado). 17. A função positiva do caso julgado opera o efeito de "autoridade do caso julgado", o qual vincula o tribunal e demais entidades públicas e privadas, nos precisos limites e termos em que julga, nos termos do disposto nos art.ºs 205.º, n.º 2, da Constituição Rep. Portuguesa e 24.º, n.º 2 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, bem como nos art.ºs 619.º, n.º 1 e 621.º e seguintes do Cód. Proc. Civil, e uma tal vinculação ao resultado da aplicação do direito ao caso concreto que foi realizada por aquele tribunal que proferiu a decisão justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. 18. A função negativa do caso julgado (traduzida na insuscetibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, se voltar a pronunciar sobre essa mesma decisão) opera por via da "exceção dilatória do caso julgado", prevista nos art.ºs 577.º, al. i), 580.º e 581.º todos do Cód. Proc. Civil, impedindo que uma nova causa possa ocorrer sobre o mesmo objeto (pedido e causa de pedir) e entre as mesmas partes, cuja identidade se afere pela sua qualidade jurídica perante o objeto da causa, ainda que em posição diversa da que assumiram na causa anterior. 19. Assim, para efeitos de exceção, verifica-se o caso julgado quando a repetição de uma causa se dá depois de a primeira ter sido decidida por sentença (ou saneador-sentença a ela completamente assimilado) que já não admite recurso ordinário. 20. E o n.º 1 do art.º 581.º do Cód. Proc. Civil vem estabelecer que se repete a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, havendo identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (nº 2 do mesmo artigo), identidade de pedido quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do do mesmo artigo) e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico (nº 4 do mesmo artigo). 21. Verifica-se, então, a identidade de sujeitos quando as partes se apresentem com a mesma qualidade jurídica perante o objeto da causa, quando sejam portadoras do mesmo interesse substancial, independentemente da sua identidade física e da posição processual que ocupam, no lado ativo ou passivo da lide. 22. Por sua vez, a identidade de pedido é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência nos efeitos jurídicos pretendidos (ainda que implícitos), do ponto de vista da tutela jurisdicional reclamada e do conteúdo e objeto do direito reclamado. 23. Por último, a identidade de causa de pedir verifica-se quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que emerge o direito do autor e fundamenta legalmente a sua pretensão, constituindo um elemento definidor do objecto da acção. 24. Ora, in casu, correu termos no Tribunal a quo o proc. n.º 760/13.9TBPTL, processo esse que foi instaurado pelo aqui Recorrido contra os Recorrentes DD e sua mulher EE, os quais foram demandados enquanto herdeiros de FF, suposto promitente vendedor nos contratos-promessa a que se fez referência na douta petição inicial, mas também na sua qualidade de proprietários dos prédios rústicos identificados nesse articulado. 25. Foram aí formulados os seguintes pedidos: “Nestes termos requer a V. Ex.ª que D. e A, a presente petição, seja a acção julgada provada e procedente e em consequência seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente-vendedor; ordenando-se o cancelamento de todos e quaiquer registos que obstam a realização desse Direito; E se assim não se entender, serem os Réus serem condenados a A) Reconhecerem o direito de propriedade do A, por usucapião e; B) Serem condenados a entregar ao Autor os Prédios referidos na alínea A) e na alinea B) do artigo 1 desta Peça processual, livres e desocupados de pessoas e bens e sem quaisquer ónus ou encargos. Se ainda assim não se entender devem os Réus; C) Ser condenados a pagar ao Autor a quantia igual ao dobro do sinal, ou da quantia efectivamente paga, ou seja a quantia de € 10 000.00. (Dez Mil Euros)”: cfr. doc. n.º 1, junto com a contestação. 26. Como causa de pedir foi invocada: a) a usucapião, enquanto modo de aquisição originária do direito de propriedade sobre os prédios descritos na p.i., como fundamento para os pedidos de reconhecimento desse direito e de condenação na entrega desses imóveis; b) o incumprimento dos contratos-promessa referidos na petição inicial, como fundamento para os pedidos de execução específica e de restituição em dobro do sinal prestado,: cfr. doc. n.º 1, junto com a contestação. 27. Naquele processo foi proferida decisão de mérito, transitada em julgado, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que absolveu os Réus “de todos os pedidos formulados pelo Autor na presente ação, quer a título principal quer a título subsidiário”: cfr. doc. n.º 2 junto com a contestação. 28. Ora, há similitude parcial entre os pedidos formulados na ação que deu origem aos presentes autos e os que foram deduzidos naquele primeiro processo, já que o pedido de execução específica vertido na al. b) do petitório é análogo ao pedido de prolação de sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente-vendedor, ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que obstam a realização desse direito – este último formulado naquele primeiro processo e aí julgado totalmente improcedente. 29. As partes processuais são as mesmas, já que: a) O Recorrido foi também autor naquele primeiro processo; b) O ora Recorrente DD foi aí réu; c) A ora Recorrente EE foi também ré nesse processo; d) O Recorrente CC é demandado na mesma qualidade jurídica que o Recorrente DD e a sua mulher tinham naquele primeiro processo, qual seja a de proprietário dos prédios identificados na douta petição inicial. 30. A causa de pedir é também a mesma, já que é invocada a celebração dos contratos promessa referidos na petição inicial e o seu incumprimento, como fundamento para o pedido de execução específica: cfr. doc. n.º 1, junto com a contestação. 31. A tal conclusão não obsta a circunstância de, à data, o Recorrido não ter interpelado os Recorrentes para outorga do suposto contrato prometido. 32. Com efeito, pretendendo os Recorridos obter a execução específica dos alegados contratos promessa ou, no limite, a restituição em dobro do sinal alegadamente prestado, com fundamento no seu incumprimento, impendia sobre eles o ónus de criar todas as condições para que esse incumprimento efetivamente se verificasse, para que depois, em sede de acção judicial, estivessem criadas as condições para a procedência das suas pretensões. 33. Os Recorridos não o fizeram em nenhum dos processos que antecederam estes autos, o que levou à improcedência de todas essas ações, sendo que, no processo judicial acima referido, houve pronúncia expressa sobre o mérito das pretensões que são agora novamente formuladas. 34. A consequência do que se vem de expor é que os Recorridos estão obviamente impedidos de deduzir nova demanda – como o fizeram através da ação que deu origem aos presentes autos – destinada a deduzir as mesmas pretensões já previamente formuladas e já julgadas improcedentes, com absolvição dos pedidos (e consequente extinção do direito, realce-se), em processo prévio. 35. Assim, os pedidos acima referidos já foram objecto de decisão de mérito naquela primeira acção, sendo que, relativamente ao pedido execução específica, foi expressamente apreciada e declarada a inexistência desse direito na esfera jurídica dos Recorrentes – cfr. doc. n.º 1 junto com a contestação. 36. Confrontando a presente acção com aquele primeiro processo, temos que: a) o pedido formulado na al. b) da petição inicial é análogo ao deduzido naquela primeira acção; b) a causa de pedir invocada como fundamento para o pedido subsidiário é similar à alegada naquele primeiro processo; c) os sujeitos (considerando a qualidade jurídica em que intervêm) são também os mesmos num e noutro processo. 37. Pelas razões expostas, verifica-se uma situação de caso julgado material relativamente ao pedido contido na al. b) do petitório, prevista nos art.ºs. 580.º, n.º 1 e 581.º, n.º 1, 2 e 3, todos do Cód. Proc. Civil. 38. Pelo que se invoca expressamente a exceção de caso dilatório de caso julgado, mais se requerendo que a mesma seja julgada procedente, com a consequente absolvição dos Recorrentes da instância relativamente à al. b) do pedido subsidiário. 39. Quanto à questão da Recorrida não ter sido parte naquele primeiro processo e que, nessa medida, pelo menos em relação a ela não se verificam os pressupostos da exceção dilatória de caso julgado, sempre se diga o seguinte: 40. A qualidade jurídica em que a Recorrida intervém é a mesma em que o Recorrido interveio no primeiro processo, nomeadamente, a de suposta proprietária dos prédios em apreço e de titular de direito de crédito decorrente da celebração dos contratos-promessa referidos na petição inicial. 41. Mas ainda que assim não se entendesse, sempre se verificaria a exceção de autoridade de caso julgado, enquanto instituto que, no entendimento do Tribunal da Relação do Porto “importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581º do CPC” (negrito e sublinhado nossos). 14 Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 11-10-2018, proc. n.º 23201/17.8T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt. 42. Como resulta dos acórdãos supra referidos e dos entendimentos dos Autores também supra mencionados, a autoridade de caso julgado não exige a coexistência da tríplice identidade prevista no art.º 581.º do Cód. Proc. Civil, o que equivale a dizer que o facto de a Recorrida não ter sido parte naquela primeira ação não obsta à procedência dessa exceção. 43. Daí que, caso se entenda não se verificarem os pressupostos da exceção dilatória de caso julgado, se invoque expressamente a exceção de autoridade de caso julgado, cuja procedência deverá impor a absolvição dos Recorrentes da instância (ou, caso se qualifique tal exceção como peremptória, do pedido), relativamente à al. b) do pedido. 44. Nesta conformidade, ao decidir como decidiu, mal andou o Tribunal a quo e, consequentemente, violou (ou fez uma errónea interpretação) do disposto nos art.ºs 205.º, n.º 2, da Constituição Rep. Portuguesa, 24.º, n.º 2 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, bem como nos art.ºs 577.º, al. i), 580.º, 581.º, 619.º, n.º 1 e 621.º e seguintes do Cód. Proc. Civil. 45. Assim, deve ser revogado o Douto despacho recorrido, na parte em que julgou improcedente a exceção dilatória de caso julgado e, consequentemente, ser proferido em sua substituição, Douto acórdão que julgue procedente, por provada a exceção de caso dilatório de caso julgado, com a consequente absolvição dos Recorrentes da instância relativamente à al. b) do pedido subsidiário. 46. Caso assim não se entenda, deve ser revogado o Douto despacho recorrido, na parte em que julgou improcedente a exceção de autoridade de caso julgado e, consequentemente, ser proferido em sua substituição, Douto acórdão que julgue procedente, por provada a exceção de autoridade de caso julgado, com a consequente absolvição dos Recorrentes da instância (ou, caso se qualifique tal exceção como peremptória, do pedido), relativamente à al. b) do pedido. c) Da falta de interesse em agir dos Recorridos: 47. O Tribunal a quo entendeu que não se verifica a falta de interesse em agir dos Recorridos, uma vez que o único meio que os mesmos dispõem para requerem a execução específica do contrato, é o meio judicial. 48. Também aqui, não assiste razão ao Tribunal a quo. 49. O interesse em agir constitui pressuposto processual autónomo e consiste na necessidade ou utilidade da demanda, considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões, tal como a ação é como configurada pelo Autor, e obsta ao conhecimento de mérito e impõe a absolvição do demandado da instância, constituindo exceção dilatória inominada, visando impedir a prossecução de ações inúteis. 50. O interesse em agir tem, assim, como finalidade, limitar a liberdade de ação do Autor para agir em juízo por forma a, circunscrevendo o direito de ação às situações objetivamente carecidas de tutela jurisdicional, garantir a eficácia e o prestígio dos tribunais aos quais se reservam, apenas, os casos de objetiva necessidade, merecedores de tutela judicial. 51. Ora, mostrando-se definitivamente decidida pelas instâncias, atento o caso julgado acima invocado, a pretensão dos Recorridos de obterem a execução específica dos contratos promessa acima referidos, terá de se concluir que os mesmos não são titulares de qualquer direito creditício sobre os Recorrentes ou de qualquer direito real sobre os imóveis ali indicados. 52. Num tal quadro, os Recorridos carecem de interesse em agir e, por inerência, de legitimidade ativa para formular as pretensões contidas nas als. a) e c) do pedido, já que nenhum benefício ou prejuízo pode decorrer para eles, da procedência de tais pedidos. 53. Daí que se imponha julgar procedente a referida exceção de falta de interesse em agir dos Recorridos, com a consequente absolvição dos Recorrentes da instância, como resulta da aplicação conjugada das disposições dos arts. 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, al. e) do Cód. Proc. Civil. 54. Nesta conformidade, ao decidir como decidiu, mal andou o Tribunal a quo e, consequentemente, violou (ou fez uma errónea interpretação) do disposto nos art.ºs 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, al. e) do Cód. Proc. Civil e art.º 20.º da Constituição da Rep. Portuguesa. 55. Assim, deve ser revogado o Douto despacho recorrido, na parte em que julgou improcedente a exceção dilatória de falta de interesse em agir dos Recorridos e, consequentemente, ser proferido em sua substituição, Douto acórdão que julgue procedente, por provada, a dita exceção dilatória com a consequente absolvição dos Recorrentes da instância, como resulta da aplicação conjugada das disposições dos arts. 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, al. e) do Cód. Proc. Civil.”. Foram apresentadas contra-alegações, tendo os autores/recorridos pugnado pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º nº4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal). No caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes, são as seguintes: - da ilegitimidade activa da autora mulher; - do caso julgado ou da autoridade do caso julgado quanto ao pedido de execução específica; e - da falta de interesse em agir quanto aos pedidos de declaração de nulidade e de ineficácia do acto de transmissão dos prédios rústicos identificados no artigo 39º da petição inicial, dos segundos réus para o primeiro réu. * III. Fundamentação* 3.1. Fundamentos de facto Com relevo para a apreciação do objeto do presente recurso, destaca-se o que consta do relatório que antecede e o seguinte que se encontra documentado nos autos principais: 1. O aqui autor AA propôs uma acção declarativa de condenação com processo sumário, que correu termos sob o nº 760/13.9TBPTL.G1, contra DD e EE, pedindo que fosse proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial do promitente-vendedor, ordenando-se o cancelamento de todos e quaisquer registos que obstem a realização desse direito; ou, se assim não se entendesse, que os réus fossem condenados a reconhecerem o direito de propriedade do autor por usucapião e a entregarem ao autor os prédios livres e desocupados de pessoas e bens e sem quaisquer ónus ou encargos; ou, ainda se assim não se entendesse que fossem os réus condenados a pagar ao autor a quantia igual ao dobro do sinal, ou seja a quantia de €10.000.00. 2. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença a julgar a acção procedente e a declarar, em substituição dos réus DD e EE, que estes: “A - Vendem ao autor, pelo preço de €2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), já pago, os seguintes prédios rústicos situados em ..., ...: a) Bouça ..., constituído por terreno de mato e pinheiros, sito no Lugar ..., com a área de 3680 m2, a confrontar do Norte com Ribeiro, do Sul com Freguesia, do Nascente com GG e do Poente com caminho, então inscrito na Matriz Predial da Freguesia ... sob o artigo n.º ...72 e com descrição na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19, freguesia .... b) Terreno de mato e pinheiros na Bouça ... com a área de 3200 m2, a confrontar do Norte com a Freguesia e AA, do Sul com ribeiro e rego, do Nascente com Junta de Freguesia e do Poente com AA, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ...78, e com descrição na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19, freguesia .... B. Vendem ao autor, pelo preço de €2.493,99 (dois mil quatrocentos e noventa e três euros e noventa e nove cêntimos), já pago, o prédio rústico denominado “...”, constituído por terreno de mato e pinheiros, com a área de 3000 m2, a confrontar do Norte com AA e Freguesia; do Sul com HH (herdeiros), do Nascente com II (herdeiros) e do Poente com AA, inscrito na matriz predial sob o artigo ...13, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19, freguesia ....” 3. No referido processo judicial foram dados como provados e não provados os seguintes factos: “Factos provados: A. Por documento datado de ../../1995, e pela quantia de 500.000$00, o autor declarou prometer comprar a FF, que usava também o nome de JJ, solteiro, maior, residente que foi no Lugar ..., Freguesia ..., ..., que por sua vez declarou prometer vender, os seguintes prédios rústicos situados em ..., ...: a) Bouça ..., constituído por terreno de mato e pinheiros, sito no Lugar ..., com a área de 3680 m2, a confrontar do Norte com Ribeiro, do Sul com Freguesia, do Nascente com GG e do Poente com caminho, então inscrito na Matriz Predial da Freguesia ... sob o artigo n.º ...72 e agora com descrição na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...19, freguesia .... b) Terreno de mato e pinheiros na Bouça ... com a área de 3200 m2, a confrontar do Norte com a Freguesia e AA, do Sul com ribeiro e rego, do Nascente com Junta de Freguesia e do Poente com AA, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º ...78, e agora com descrição na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...19, freguesia .... B. Por documento datado de ../../1996, e pela quantia de 500.000$00, o autor declarou prometer comprar a FF, NIF ...63, que usava também o nome de JJ, solteiro, maior, residente que foi no Lugar ..., Freguesia ..., ..., que por sua vez declarou prometer vender, o prédio denominado “...”, constituído por terreno de mato e pinheiros, com a área de 3000 m2, a confrontar do Norte com AA e Freguesia; do Sul com HH (herdeiros), do Nascente com II (herdeiros) e do Poente com AA, inscrito na matriz predial sob o artigo ...13, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...19, freguesia .... C. Na data do reconhecimento notarial das assinaturas dos outorgantes apostas no documento referido em A, em 12 de junho de 1995, o autor pagou ao promitente vendedor o preço de 500.000$00. D. O autor pagou a FF o preço de 500.000$00 mencionado no documento de ../../1996. E. As assinaturas apostas nos documentos foram reconhecidas no Cartório Notarial .... F. Declararam ainda os outorgantes em ambos os documentos que: a) “a escritura pública de compra e venda será realizada logo que o [o autor] o exija…”; e que “A Escritura Publica do contrato definitivo de compra e venda, será celebrado logo que o [o autor] o entenda…”. b) Que o acordado ficava submetido ao regime da execução-específica previso no artigo 830.º do Código Civil. c) FF autorizava o autor a entrar na posse dos prédios. G. O autor, por carta datada de 30 de novembro de 2004, e por intermédio do solicitador KK, interpelou o réu no sentido de procederem à escritura do contrato prometido. H. FF faleceu em ../../1999, deixando testamento lavrado no Hospital ..., ..., em 17 de junho de 1999. I. Por esse testamento FF instituiu os réus como seus únicos e universais herdeiros. J. Os prédios acima descritos em A e B mostram-se, desde a data em que foram descritos na Conservatória do Registo Predial – 19.1.2000 – com registo de inscrição de aquisição a favor dos réus, por sucessão hereditária de FF. K. Os prédios identificados em A e B têm inscritos, desde ../../2005, registo de hipoteca voluntária constituída pelos réus a favor da Banco 1..., CRL. L. FF era homem conservador, que fazia uma vida austera, de poucos gastos. M. Antes e depois de março de 1995, o falecido vendeu pinheiros tanto ao autor como a outros madeireiros. * Factos não provados:1. O autor está na posse dos prédios acima referidos há mais de 5, 10, 15, 20 anos. 2. Posse que exerce à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja. 3. De modo contínuo, público e pacífico. 4. Sem a esconder de quem pudesse ter interesse em contrariá-la. 5. Pagando os respetivos impostos e colhendo dos mesmos os respetivos frutos. 6. As assinaturas e as rubricas com os dizeres “FF” e “EE” apostas nos documentos referidos em A e B não são do punho de FF. 7. Os prédios rústicos referidos em A e B já em 1995 tinham árvores (sobretudo pinheiros e eucaliptos) implantadas que, só elas, no seu conjunto, valiam muito mais do que os 500.000$00 referidos em ambos os contratos. 8. O conjunto desses três prédios já nessa altura valia mais de €15.000,00. 9. O falecido tinha como princípio não vender nada do seu património. 10. Não há memória de ele ter vendido um único imóvel. 11. Sempre que precisava, vendia alguns pinheiros para complemento da sua reforma. 12. Já depois de maio de 1995, o falecido continuou a ir às bouças referidas nestes autos, a visitá-las como às demais que lhe pertenciam e a fazer contas sobre quando e quanto “poderia fazer dali”, referindo-se ao volume e porte dos pinheiros e eucaliptos existentes nos três prédios identificados na petição inicial; fazia o cálculo ao dinheiro que o material lenhoso lhe proporcionaria e ajuizava da melhor altura para vender as árvores. 13. Até morrer, o falecido sempre tratou os prédios identificados em A e B como sendo dele e nunca falou aos réus na existência de qualquer contrato-promessa. 14. O autor fez várias tentativas de aproximação ao falecido nos últimos 5 anos da vida dele. 15. A carteira do falecido, com os documentos, Bilhete de Identidade incluído, andou desaparecida em março ou abril de 1995 e só voltou a aparecer, num silvado próximo da casa dele, cerca de um ano e meio mais tarde. 16. Facto que ele – falecido – contava às pessoas sem sequer desconfiar que alguém pudesse estar por detrás desse evento ou que dele poderia tirar partido. 17. Todos os pinheiros que vendeu foram cortados e levados pelos madeireiros que os compraram, nestes se incluindo o autor.”. 4. Desta sentença recorreram os ali réus para este Tribunal da Relação de Guimarães que, mantendo inalterada a decisão da matéria de facto, julgou procedente o recurso e revogou a sentença proferida pela 1ª instância, absolvendo os réus de todos os pedidos formulados naqueloutra acção, quer a título principal, quer a título subsidiário, por acórdão datado de 17.12.2020 e transitado em julgado em 2.02.2021, constando da respectiva fundamentação de direito, para além do mais, o seguinte: “A execução específica, que constitui na presente acção o pedido principal formulado pelo Autor, tem pois de ter como fundamento o incumprimento, bastando-se com a mora do devedor. Na verdade, não pode haver lugar à execução específica se inexistir incumprimento do devedor; daí que, desde logo, tenha que existir incumprimento do devedor, ainda que exprima mora. No caso dos autos decorre apenas dos factos provados que o Autor, por carta datada de 30 de novembro de 2004, e por intermédio do solicitador KK, interpelou o réu no sentido de procederem à escritura do contrato prometido. Da referida carta (a fls. 66 dos autos) consta apenas que o Autor pretende realizar a escritura de compra e venda e pretendia que o Réu informasse se podia tratar dos documentos e proceder à marcação da escritura, e em caso afirmativo que fornecesse fotocópia do bilhete de identidade e números de contribuinte dele e da esposa. Não resulta efectivamente demonstrado nos autos que o Autor procedeu à marcação da escritura e notificou o Réu da data e local da outorga da mesma e nem que este se recusou a outorgar a escritura ou não compareceu na data marcada; e relativamente à Ré mulher inexiste sequer qualquer facto provado do qual resulte que o Autor procedeu à sua interpelação. De facto, a referida carta encontra-se dirigida apenas ao Réu marido, e da mesma consta até que este foi instituído pelo falecido como seu único e universal herdeiro. No entanto, conforme consta do testamento junto aos autos (fls. 68 e seguintes) o falecido instituiu seus únicos e universais herdeiros o Réu DD e mulher EE, conforme consta do ponto I) dos factos provados. Por outro lado, consta do ponto F) dos factos provados que “Declararam ainda os outorgantes em ambos os documentos que: a) “a escritura pública de compra e venda será realizada logo que o [o autor] o exija…”; e que “A Escritura Publica do contrato definitivo de compra e venda, será celebrado logo que o [o autor] o entenda…”. No caso dos autos as escrituras de compra e venda seriam realizadas assim que o Autor o exigisse e o entendesse; temos pois de concluir que competia ao Autor marcar a data da escritura pública, não tendo sido estipulado qualquer prazo para esse efeito. Assim, uma vez que o Autor apenas alega ter “para o efeito avisado o promitente vendedor da vontade de fazer a Escritura Pública de Compra e Venda” (cfr. artigo 20 da petição inicial) conforme carta enviada ao Réu e datada de 30 de novembro de 2004, não poderá este vir a considerar-se estar em mora. Mas, ainda que se pudesse entender que a referida carta enviada ao Réu seria interpelação suficiente para se poder considerar ter o mesmo incorrido em mora, o que não entendemos, sempre seria absolutamente inequívoco em face da alegação do Autor e da matéria de facto provada (cfr. ponto G dos factos provados) que o Autor não interpelou de qualquer modo a Ré pelo que nunca esta estaria em mora, inexistindo o necessário incumprimento para proceder a execução especifica. Assiste, por isso, razão aos Réus quando sustentam que não se encontrando os Réus em mora não poderia aplicar-se o regime da execução específica, procedendo nesta parte o recurso o que determina a revogação da sentença recorrida e a consequente absolvição dos Réus do pedido principal formulado pelo Autor.” 5. Na petição inicial oferecida nestes autos, e para além do mais, os autores/recorridos alegaram o seguinte: «1. Por contrato promessa de compra e venda, celebrado em ../../1995, e pela quantia de 500 000$00 (atualmente dois mil e quinhentos euros), o autor celebrou contrato promessa de compra e venda com FF (entretanto falecido), em que prometeu o Autor, AA, comprar a FF, que usava também o nome de JJ, e pelo qual era conhecido, solteiro, maior, residente que foi no Lugar ..., Freguesia ..., ..., que por sua vez prometeu vender, os seguintes prédios rústicos: ( Doc n.º 1 – contrato promessa). - “Bouça ...”, constituído por terreno de mato e pinheiros, sito no Lugar ..., com a área de 3.680 m2, a confrontar do Norte com ribeiro, do Sul com Junta de Freguesia, do Nascente com GG e do Poente com caminho, então inscrito na Matriz Predial da Freguesia ... sob o artigo n.º ...72, atual artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19, Freguesia ... (cf. doc 2 e doc 3 – caderneta predial e certidão da conservatória predial, respetivamente). - Terreno de Mato e pinheiros, na Bouça ..., sito no Lugar ..., com a área de 3.200 m2 a confrontar do Norte com Junta de Freguesia e AA, do Sul com ribeiro e rego, do Nascente com Junta de Freguesia e do Poente com AA, então inscrito na matriz predial sob o artigo ...78, atual artigo ...48, e agora descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19, Freguesia ... (cfr. doc. n 4 e doc n 5 – caderneta predial e certidão predial respetivamente. E, 2. Por contrato promessa de compra e venda, celebrado em ../../1996, e pela quantia de 500 000$00 (atualmente dois mil e quinhentos euros) prometeu o Autor, AA, comprar a FF, que usava também o nome de JJ, e pelo qual era conhecido, solteiro, maior, residente que foi no Lugar ..., Freguesia ..., ..., que por sua vez prometeu vender, o prédio rústico denominado “...”, constituído por terreno de mato e pinhal em formação, com a área de 3.000 m2, sito no Lugar ..., Freguesia ..., a confrontar do Norte com AA e artigo 115, de Nascente com HH (Herdeiros) e do Poente com AA, então inscrito na matriz predial sob o artigo ...13, e descrito sob o n.º ...31 (Cf. doc. n.º 6 (contrato promessa) , doc 7 (caderneta predial ) e doc 8 (certidão conservatória registo predial). 3º Nas respetivas datas de formalização dos contratos promessa referidos supra, o Autor marido pagou ao promitente vendedor a totalidade do preço. 4. As assinaturas apostas em ambos os contratos foram reconhecidos no Cartório Notarial ... (cfr. contratos promessa juntos). 5.º O promitente vendedor, FF autorizou o Autor marido a entrar na posse imediata dos prédios supra descritos (vide contratos promessa juntos). 6. Sendo que os Autores estão na posse dos terrenos há mais de 5, 10, 15 e 20 anos. 7. Declararam ainda os Outorgantes no primeiro contrato promessa celebrado que “A escritura publica de compra e venda será realizada logo que o segundo outorgante [aqui Autor] o exija (…)” e no segundo contrato promessa que “A escritura publica do contrato definitivo de compra e venda, será celebrado logo que o segundo outorgante [aqui Autor] o entenda (…). 8. O Autor marido e o promitente vendedor submeteram os contratos promessa de compra e venda supra referidos ao regime de execução específica, previsto no art. 830º do Código Civil. Sucede que; 9º FF veio a falecer em ../../1999, deixando testamento lavrado no Hospital ..., ..., em 17 de junho de 1999. 10.º Por esse testamento, FF instituiu os aqui 2ºs. Réus como seus únicos e universais herdeiros (cfr. fotocópia do testamento que se junta sob o doc. nº 9 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais). 11.º Para cumprimento dos contrato promessas supra referidos, os Autores interpelaram os 2º Réus, DD e mulher por carta enviada a 30 de novembro de 2004, por intermédio do solicitador KK (cfr. carta de interpelação que se junta sob o doc. nº 10 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais). 12.º Escrituras de compra e venda que nunca se vieram a formalizar. Assim; 13.º O Autor marido instaurou ação judicial contra os 2ºs réus, para obter entre o mais, a execução especifica dos contratos promessa, supra referidos. Ação judicial que correu termos neste juízo, sob o número 760/13.9TBPTL; onde foi proferida sentença que julgou a ação procedente, por provada (…). 14. Inconformados, os Réus interpuseram recurso daquela decisão para o Tribunal da Relação de Guimarães, onde foi proferido Acórdão cujo sumário se resumiu ao seguinte: “I - Impende sobre a parte que apresenta o contrato-promessa o ónus de prova da autenticidade do contrato e da autoria das assinaturas nele apostas se a parte contrária tiver impugnado a sua autenticidade (cfr. artigo 374° n.° 2 do Código Civil), podendo essa prova ser feita através de qualquer meio de prova e não apenas através de prova pericial. II - O reconhecimento por semelhança de assinaturas, salvo disposição legal em contrário, vale como mero juízo pericial (cfr. artigo 375° n.° 3 do Código Civil) e, por isso, a sua força probatória é fixada livremente pelo tribunal (cfr. artigo 389° do Código Civil). III - Salvo se da interpretação da vontade negocial resultar diversamente, o regime legal do sinal é inaplicável em caso de simples atraso no cumprimento. IV - Só o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa, e já não a simples mora, poderá dar lugar à aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 442° do Código Civil (e à resolução do contrato), não havendo incumprimento, lato sensu, enquanto a mora não for convertida em incumprimento definitivo. V - A mora do devedor é pressuposto da execução específica do contrato promessa. VI - Não se mostrando efetuada qualquer interpelação de cumprimento a um dos herdeiros do falecido promitente vendedor inexiste mora, não se verificando o incumprimento por parte dos herdeiros suscetível de fundamentar a execução específica.” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que se junta sob o doc. nº 12). 15. Assim, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães julgar procedente a apelação revogando a sentença recorrida e absolvendo os 2ºs Réus do pedido formulado naquela ação. 16. Como resulta do douto Acórdão, a sentença foi revogada em virtude do Autor não ter cumprido o ónus de interpelação dos Réus para a realização da escritura de compra e venda dos prédios. 17. O douto acórdão transitou em julgado no dia 02 de fevereiro de 2021. (Cf. doc. 12.1 que se junta e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido). Aqui chegados; 18. Os Autores, por carta registada com aviso de receção, datada de 29 de janeiro de 2021, notificaram os 2ºs réus para a celebração da escritura pública de compra e venda dos supra referidos prédios rústicos, nos seguintes termos: (….) 19. A missiva referida em 18.º deste articulado, foi enviada pelo autor e rececionada pela 2.ª Ré mulher. (Cf. doc. n.º 13 que se junta e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido). 20. A missiva referida em 18.º deste articulado, foi enviada pelo autor e rececionada pelo 2.ª Reu marido, (Cf. doc. n.º 14 que se junta e cujo teor se dá aqui integralmente por reproduzido). 21. No dia marcado para a celebração da escritura de compra e venda, operada pelos autores, os 2.º (s) Réus não compareceram. 22. A Exma. Notaria, outorgou o seguinte instrumento publico: (…). 23. Nesse dia, os Autores tomaram conhecimento de que os prédios já tinham sido alienados por meio de contrato de doação para o primeiro Réu. 24. Situação que desconheciam até ao dia marcado para a realização da Escritura Publica de Compra e venda. Perante estes factos novos, os Autores; 25. Notificaram o 1 º e 2.º (s) Réus (marido e mulher), para a celebração da escritura pública de compra e venda dos prédios rústicos dos prédios visados no contrato promessa de compra e venda juntos aos autos, nos seguintes termos: (…) 26. A missiva referida no pretérito artigo 25.º desta petição inicial, foi enviado pelos autores e rececionada pelo 2. º e 3.º (s) Réus, conforme resulta do registo e aviso de receção junto com os documentos n.º 16, 17 e 18. Pelo exposto, 27. No passado dia oito de abril de dois mil e vinte e um, a exma. Notaria outorgou o seguinte instrumento publico: (…). I) Da Simulação do negócio celebrado entre o 1. e 2.º Réus. 28. (…) 30. O 1.º Reu é neto dos Segundos Réus. 31. O 1.º Reu vive na casa dos avos (segundos réus) desde que nasceu até à data presente. 32. O 1.º Reu é para estes, aquilo a que se chama na gíria “ºum filho”. 33. Com ficou demonstrado supra, foi proferido Acórdão no processo n.º 760/13.9TBPTL.G1, pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que revogou a sentença recorrida pelos segundos réus, no dia 02 de fevereiro de 2021. 34. O acórdão proferido, não impedia a execução especifica dos contratos promessas celebradas entre o Autor e os segundos Réus. (melhor identificados no pretérito artigo 1.º e 2.º deste articulado). 35. Como era do conhecimento dos segundos Réus. 36. A forma de impedir a execução especifica dos contratos, era transmitir o direito de propriedade dos prédios para terceiros. 37. E foi o que os segundos Réus fizeram; 38. Em data anterior ao transito em julgado da decisão proferida no processo n.º 760/13.9TBPTL; 39. Mais precisamente, no dia 19 (dezanove) de Janeiro de 2021 , mediante celebração de Escritura Publica de Doação, os Segundos Réus doaram ao primeiro Reu, os três prédios Rústicos, objeto dos presentes autos. (…) 40. Cuja reivindicação por parte dos autores é do conhecimento quer do 1.º e 2.º (s) Réus, e gentes da Freguesia ... (...) e da Freguesia ... (...). 41. Apesar do teor das respetivas declarações negociais, nem os 2ºs Réus pretenderam doar os prédios rústicos, nem o 1º Réu pretendeu adquiri-los. 42. Tanto assim é que, até ao dia de hoje, nunca o 1º Réu tomou posse dos prédios rústicos, nem praticou qualquer ato típico de quem é proprietário. 43. Em contrapartida, os Autores estiveram sempre na posse daqueles prédios e mantiveram sempre uma atitude típica de quem é proprietário. 44. Os Segundos Réus são donos e proprietários de dezenas de prédios; e apenas doaram ao primeiro reu, os três prédios rústicos que os autores reivindicam. 45. Para impossibilitar a execução especifica dos contratos promessa celebrados, ao abrigo do disposto no artigo 830.º do Código Civil. 46. Que exige o requisito do “incumprimento contratual”! 47. Com a celebração da escritura de doação melhor identificada supra….., os prédios rústicos, objeto dos presentes autos; deixaram de ser propriedade dos segundos Réus; 48. E nessa medida, os mesmos não podiam cumprir! 49. A celebração da escritura de Doação entre os Réus destinou-se a enganar os Autores. 50. O engano (simulação) perpetuado entre os Réus é fraudulento; visou prejudicar os Autores; 51. O que efetivamente conseguiram, impedindo os Autores de celebrar a Escritura de Compra e Venda com os Segundos Réus, aquando da interpelação para o efeito, o que ocorreu por carta registada com aviso de receção enviada pelos autores para os segundos Réus, no dia 29 de janeiro de 2021; e por estes rececionada no dia 01 de fevereiro de 2021. (Vide artigos 18.º, 19.º e 20.º deste articulado). 52. O 1º e os 2ºs Réus elaboraram assim um estratagema entre eles, com o claro objetivo de os Autores ficarem sem a propriedade dos prédios rústicos objeto dos contratos promessa descritos em 1º e 2º deste articulado. 53. Impedindo assim a satisfação do direito dos Autores, num “estratagema” elaborado entre os Réus, 54. com o único objetivo de subtrair os prédios aos Autores. Assim, 55. Houve acordo entre o 1º Réu e os 2ºs Réus no intuito de enganar os Autores. 56. Houve divergência entre o declarado na escritura de declaração de transferência de propriedade (escritura de doação) e a vontade real dos réus. 57. Pelo que pretendem os Autores obter decisão que reconheça a simulação havida na doação dos prédios acima identificados, simulação essa perpetrada entre o os 2ºs Réus e o 1º Réu, e que declare a nulidade do negócio – cfr. o art. 240º do Código Civil. 58. Os Réus não tinham intenção de celebrar aquela doação, nem qualquer outro negócio. 59. Pelo que a simulação foi absoluta, nos termos do art. 241º do Código Civil, a contrario. 60. Os Autores estão em tempo para arguir a simulação, nos termos do disposto no art. 286º do Código Civil.». * 3.2. Apreciação do mérito do recurso3.2.1. Da ilegitimidade activa da autora mulher. Na apelação interposta, pugnam os réus/recorrentes no sentido da verificação da ilegitimidade activa da autora, dado que esta não figura nos contratos promessa objecto dos autos como promitente compradora, pelo que não carece de estar em juízo. Concluem, por isso, pela procedência da apontada excepção dilatória, com a consequente revogação da decisão recorrida, devendo a autora mulher ser considerada parte ilegítima nos autos e os réus/recorrentes serem absolvidos da instância dos pedidos formulados por aquela. Vejamos. A legitimidade configura-se como um pressuposto processual relativo às partes, sendo a ilegitimidade legalmente classificada como excepção dilatória, de conhecimento oficioso, impedindo o conhecimento do mérito da causa e determinando a absolvição da instância – cfr. art.ºs 278º, nº 1, al. d), 576º, nºs 1 e 2, 577º, al. e) e 578º, todos do NCPC. Rui Pinto (in, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, p. 111), citando Alberto dos Reis, explica que a legitimidade processual consiste numa “certa posição de um sujeito – a parte processual – face a um certo objecto – o objecto processual – exigida pelo direito”, ou seja, “uma certa posição exigida às partes em relação ao concreto objecto processual”. Exige-se, assim, à parte uma posição que lhe atribua “a faculdade de dispor em processo da situação jurídica material que constitui o seu objecto”, prevendo-se, deste modo, uma prévia “averiguação de quem pode dispor da situação material, mas por via processual”. Este pressuposto processual permite, assim, uma função regulatória ou ordenatória, de forma a garantir que os sujeitos processuais são “aqueles que podem ser beneficiados com a decisão de procedência ou de improcedência da causa”, assim se pressupondo “que os efeitos decorrentes da disponibilidade da situação em litígio se possam referir e repercutir na respectiva esfera jurídica” (cfr., Miguel Teixeira de Sousa, As partes, o objecto e a prova na acção declarativa, Lisboa, Lex, 1995, p. 47). A regra a observar deve ser, deste modo, a que determina “que não pode ter legitimidade para propor acção ou ser nela demandado quem materialmente não pode dispor da situação que será objeto dos efeitos da decisão final”, o que traduz a legitimidade processual directa. Com efeito, estatui o art.º 30º, do NCPC, que: “1- O autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. 2- O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha. 3- Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor” (o sublinhado é nosso). Assim, e conforme o nº 1 do transcrito normativo, terá legitimidade processual activa “o titular do interesse directo em demandar”, o qual “deve ser jurídico, ainda que não actual”. Acrescenta o supra citado autor que este normativo prevê “dois critérios concretizadores pelos quais se pode apurar o interesse direto de modo relativamente flexível: o critério da utilidade e o critério da titularidade da relação material”. Relativamente ao primeiro critério prático – critério da utilidade ou prejuízo -, enunciado no nº 2 daquele artigo, a aferição da utilidade é efectuada “em face da petição e segundo um juízo de prognose: supondo-se que o pedido seja procedente”. Assim, “se em face da petição se percebe que a esfera jurídica da parte é indiferente à procedência, pois não ganha nem perde na procedência, então não tem legitimidade, sendo terceira”. Relativamente ao autor (parte activa), o interesse traduz-se na vantagem jurídica que lhe trará a procedência da acção, devendo esta vantagem ser “objetiva e não apenas segundo o ponto de vista de quem a requer”, bem como directa, e não apenas reflexa. No que se reporta ao segundo critério prático – critério formal da titularidade -, enunciado no nº 3, da sua aplicabilidade resulta que “a titularidade da alegada relação material surge como modo de descobrir o interesse directo na acção, sendo uma forma «implícita» de aferição de legitimidade”. Donde se configura “uma coincidência entre a afirmação de titularidade (e inerente legitimação material) sobre a situação individualizada e a legitimidade processual, pelo que a legitimidade directa terá de ser apurada pela análise da relação material ou situação jurídica invocada em juízo”. Na verdade, e conforme escreve Paulo Pimenta (in, Processo Civil Delarativo, 2ª Edição, Almedina, 2017, p. 74 e 75), o autor é parte legítima “sempre que a procedência da acção (previsivelmente) lhe venha a conferir (para si e não para outrem) uma vantagem ou utilidade (…)”, consistindo a legitimidade “numa posição concreta da parte perante uma causa. Por isso, a legitimidade não é uma qualidade pessoal, antes uma qualidade posicional da parte face à acção, ao litígio que aí se discute”. Desta forma, nas palavras de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Almedina, 2019, p. 59), o autor é parte legítima se, “atenta a relação jurídica que invoca, surgir nela como sujeito suscetível de beneficiar diretamente do efeito jurídico pretendido”. Donde, a “exigência de um «interesse» emergente de pronúncia judicial, reconduz-nos a um interesse direto e indica que é irrelevante para o efeito um mero interesse indireto, reflexo ou mediato, ou ainda mais um interesse diletante ou de ordem moral ou académica”. Ou seja, conforme expressamente referenciam Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in, Manual de Processo Civil, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, p. 135), “à legitimidade não satisfaz a existência de qualquer interesse, ainda que jurídico (não apenas moral, científico ou afectivo), na procedência ou improcedência da acção. Exige-se que as partes tenham um interesse directo, seja em demandar, seja em contradizer; não basta um interesse indirecto, reflexo ou derivado”. Como pressuposto ou condição de necessário preenchimento para que seja proferida decisão de mérito, exprime a legitimidade “a relação entre a parte no processo e o objecto deste (a pretensão ou pedido) e, portanto, a posição que a parte deve ter para que possa ocupar-se do pedido, deduzindo-o ou contradizendo-o”. A sua aferição, em regra, é efectuada “pela titularidade dos interesses em jogo (no processo)”, ou seja, na legal previsão dos nºs 2 e 3 do normativo em equação, “pelo interesse direto (e não indireto ou derivado) em demandar, exprimido pela vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da ação (…)” (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, 4ª Edição, Almedina, p. 92). Mas, para além das situações de legitimidade directa, existem, igualmente, situações de legitimidade indirecta ou extraordinária, com inscrição no 1º segmento do nº 3, do mesmo art.º 30º do NCPC, nomeadamente, quando se referencia “na falta de indicação da lei em contrário”. Todavia, Lopes do Rego (in, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, 2ª Edição, 2004, Almedina, p. 56 a 60) alerta que a atribuição da legitimidade indirecta “nunca depende das meras afirmações do autor, expressas na petição inicial (….)”, mas “da efectiva demonstração do interesse ou da titularidade da relação legitimante que justifica a atribuição de legitimidade indirecta”. Assim, no que se reporta à legitimidade indirecta, “a efectiva titularidade da relação legitimante é «conditio sine qua non» da legitimação de quem se apresta a exercer direitos alheios”. Também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa (in, obra citada, p. 59) referem existir casos em que “é a própria lei que identifica o detentor da legitimidade ativa ou passiva, prevalecendo tal indicação sobre a eventual alegação do autor em sentido inverso, como ocorre designadamente (….) nos casos de legitimidade extraordinária ou indirecta que é atribuída ao cabeça de casal ou ao administrador do condomínio urbano. Apesar de não serem titulares (….) diretos do interesse em discussão, prevalece o que emerge dos preceitos legais que sustentam a sua intervenção”. Assim, a referenciada regra decorrente da legitimidade directa – aferida pelo interesse directo em demandar, decorrente da vantagem jurídica que resultará para o autor da procedência da acção – “só deixa de se aplicar nos casos excecionais de atribuição do direito de ação ou do direito de defesa a titulares dum interesse indirecto (….) e nos de tutela de interesses coletivos e difusos” (vide, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, ob. cit., p. 92). Efectivamente, conforme exaram Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora (in obra citada, p. 139 e 140), de acordo com o critério legal de legitimidade, que apenas funciona em termos subsidiários, existem “numerosos casos em que a lei atribuiu legitimidade para a acção a quem não é titular ou só em parte é titular da relação material em litígio”, o que configura situações também designadas de legitimidade extraordinária. E, exemplificam, “assim sucede nomeadamente com o cabeça-de-casal, o testamenteiro, o administrador da massa falida ou insolvente, a quem é reconhecida legitimidade para intervir em acções respeitantes a relações (substantivas) a que eles são estranhos, das quais não são sujeitos. E o mesmo fenómeno ocorre, embora por outras razões, com o transmitente por acto entre vivos da coisa ou direito litigioso, que continua a ter legitimidade para a causa (art. 271º, 1), enquanto adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo”. Acrescentam, com especial interesse para o caso concreto, que no “caso de o acto jurídico ser nulo, a lei reconhece legitimidade para a acção destinada a declarar a nulidade, se necessária, a qualquer terceiro interessado (art. 286º do Cód. Civil). O terceiro é, neste caso, um estranho à relação controvertida, visto a impugnação não assentar num direito potestativo que a lei discriminativamente lhe reconheça, mas numa faculdade ou poder geral indiscriminadamente atribuído a todos os interessados”. Veja-se que, prevendo acerca da nulidade do negócio jurídico, estatui o art.º 286º, do CC, ser a mesma “invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal”. Todavia, relativamente ao preenchimento do conceito de interessado, refere Rodrigues Bastos (in, Notas ao Código Civil, Vol. II, Lisboa, 1988, p. 43) só abranger a palavra interessado “as partes no negócio, os seus sucessores (a título universal ou particular), e qualquer outra pessoa que tenha, relativamente ao reconhecimento da nulidade, um interesse directo, legítimo e juridicamente protegido”. Em termos semelhantes, realçando que as nulidades têm por base motivos de interesse público, defende Manuel de Andrade (in, Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, Coimbra, 1987, p. 417 e 420) que “podem ser invocadas por qualquer pessoa que tenha interesse em que se não produzam em relação a si os efeitos do respectivo negócio”, sendo interessado, no sentido de se lhe atribuir legitimação processual, “o sujeito de qualquer relação jurídica que de algum modo possa ser afectada pelos efeitos que o negócio tendia a produzir. Afectada na sua consistência jurídica (v. g., subadquirentes) ou mesmo só na sua consistência prática (credores)”. Acerca do mesmo conceito de interessado, diz-se no ac. da RP de 24.01.2018 (processo nº 874/10.7TYVNG.P1, acessível in www.dgsi.pt) afigurar-se claro “que o direito de invocação da nulidade não pode ser conferido a todos, dado que não é (nem pode ser) qualquer pessoa a quem dê jeito, de alguma maneira, a declaração da nulidade, que preenche os requisitos para ser considerado interessado. De facto - de acordo, aliás, com a própria inserção sistemática do art. 286º -, o interesse que atribui a uma pessoa legitimidade para invocar o vício é um interesse de direito substantivo, que pressupõe a oponibilidade do negócio jurídico ao seu titular, porque o negócio nulo prejudica a consistência jurídica, ou a consistência prática ou económica, de um direito seu. O sujeito legitimado deve, assim, ter um interesse direto na nulidade e não apenas um interesse reflexo, vago e indireto”. Para além de directa e indirecta, a legitimidade pode ainda ser singular ou plural. Um dos casos de pluralidade é o de litisconsórcio (activo se tratar de mais de um autor, passivo se a pluralidade disser respeito aos demandados), que pode ser voluntário ou conveniente, quando a intervenção, na relação processual, da pluralidade de sujeitos é meramente consentida (art.º 32º do NCPC) ou necessário, se imposto por lei ou pelo negócio jurídico em apreço (art.º 33º, nº 1, do NCPC) ou, ainda, quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal (art.º 33º, nº 2, do NCPC), sendo que “a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado” (nº 3 do citado normativo). No litisconsórcio necessário, todos os interessados devem demandar ou ser demandados. A falta de qualquer parte, activa ou passiva, numa hipótese de litisconsórcio necessário determina sempre a ilegitimidade das partes intervenientes na acção (art.º 33º, nº 1, do NCPC). O mesmo será dizer que os intervenientes na acção não têm legitimidade, se desacompanhados dos restantes que nela deviam figurar. Exemplo de litisconsórcio necessário legal é o litisconsórcio conjugal, previsto no art.º 34º, do NCPC – normativo este invocado na decisão recorrida para justificar o interesse da autora mulher em demandar. Este preceito distingue as situações de legitimidade activa (nºs 1 e 2) e as de legitimidade passiva (nº 3). O nº 1 da citada disposição legal prevê que «[d]evem ser propostas por ambos os cônjuges, ou por um deles com consentimento do outro, as ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, incluindo as acções que tenham por objecto, directa ou indirectamente, a casa de morada de família». Temos, pois, que, nas acções referidas a actos de disposição, o litisconsórcio activo é necessário quando o objecto do processo for, designadamente, bens imóveis próprios ou comuns, salvo se os cônjuges forem casados no regime de separação de bens (cfr. art.º 1692º-A, nº 1, do CC). Nas palavras de Miguel Teixeira de Sousa (in, Código de Processo Civil Online, vol. 1, versão de 2024/04, p. 46), «[a] aplicação do preceito exige a consideração de ambos os resultados possíveis de uma acção: a procedência (efeito favorável) e a improcedência (efeito desfavorável)» e o «disposto no artigo tem de ser visto em estreita conexão com o regime substantivo, nomeadamente quanto à disposição de bens pelos cônjuges (art. 1682.º a 1683.º CC) e à responsabilidade pelas dívidas dos cônjuges (art. 1695.º e 1696.º CC). A função instrumental do pc obsta a que o processo possa ser utilizado como forma de modificar o regime substantivo». Urge então apreciar se a autora mulher pode ser considerada parte legítima, à luz dos considerandos ora expostos. Nos presentes autos está essencialmente em causa o (in)cumprimento de dois contratos promessa de compra e venda de três prédios rústicos identificados nos autos, celebrado pelo autor marido, na qualidade de promitente comprador, com o antecessor dos 2ºs réus, na qualidade de promitente vendedor. O objecto da causa (configurado pela conjugação entre a causa de pedir e os pedidos formulados) consiste, a título principal, na nulidade da transmissão da propriedade dos imóveis objecto da acção para o 1º réu, bem como no exercício do direito previsto no art.º 830º do CC (execução específica); e a título subsidiário, na declaração de ineficácia relativamente aos autores do referido acto de transmissão de propriedade. Ora, como já aludimos, segundo o alegado na petição inicial, a autora mulher não interveio na celebração dos contratos promessa em causa. Acresce que, como vimos, o seu marido figura nos ditos contratos como promitente-comprador. Deste modo, a situação em análise também não se subsume ao regime previsto no art.º 34º, nº 1, do NCPC. Com efeito, no caso vertente, não está em causa a alienação de qualquer bem ou a perda de qualquer direito que implicasse a necessidade de litisconsórcio. Pelo contrário, o que está mediatamente em causa é a aquisição definitiva de um bem pelo referido promitente-comprador. Apenas se imporia a intervenção de ambos os cônjuges (outorgando os dois ou um com o consentimento do outro) na alienação ou oneração de bens imóveis, conforme o disposto no art.º 1682º-A do CC, o que não sucede no caso em que o autor marido, como já salientamos, intervém no contrato na posição de promitente-comprador e não na posição de promitente-vendedor. Afastada está, por conseguinte, a aplicação do regime do litisconsórcio entre cônjuges previsto no art.º 34º do NCPC, não o impondo a lei, nem existindo, no caso, convenção das partes em tal sentido. Veja-se, a propósito e neste sentido, o ac. desta RG de 11.07.2024, processo nº 960/21.8T8BGC.G1; o ac. da RP de 12.04.2012, processo nº 1487/11.1TBVNG.P1 e ac. STJ de 6.10.2011, processo nº 4092/09.9TDVNF.P1.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt). Por conseguinte e conforme lapidarmente se refere no ac. da RE de 8.07.2010 (processo nº 7268/09.5TBSTB-A.E1, in www.dgsi.pt): “… Vale, assim, a orientação jurisprudencial, pacificamente aceite, de que tem legitimidade, para a acção em que se discutam questões relativas a contrato-promessa, o cônjuge outorgante, podendo este estar na acção desacompanhado do outro cônjuge (neste sentido, v., por todos, o Ac. RL de 11/1/2001, Proc. 0058002, idem) – e pode mesmo dizer-se que é parte ilegítima para essa acção o cônjuge não outorgante do contraente (como o fez o Ac. RP de 17/1/1980, Proc. 0000014, idem). Aliás, em aplicação dessa ideia geral, afirmou-se no Ac. RP de 17/1/1995, perante acção com configuração próxima da presente, que «a lei não exige que o cônjuge que pede uma indemnização por incumprimento contratual se faça acompanhar do outro cônjuge, mesmo que o produto da indemnização reverta para o património comum» (Proc. 9420603, idem)”. Importa realçar ainda que a autora mulher, não sendo parte na outorga dos contratos promessa, também não invocou outro interesse na acção, para além da indicada qualidade de cônjuge. Por conseguinte, analisada a causa de pedir, não se descortina a existência de qualquer interesse directo da autora na execução específica dos contratos promessa - e, por maioria de razão, na declaração de nulidade (ou ineficácia) do contrato de doação celebrado entre os réus -, como também não se vislumbra existir normativo legal que lhe confira legitimidade para instaurar o presente procedimento judicial. Deste modo, impõe-se concluir pela procedência do recurso nesta parte e consequentemente pela ilegitimidade activa da autora mulher, com as consequências legais. 3.2.2. Do caso julgado e da autoridade de caso julgado Vieram os réus impugnar a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto às invocadas excepções, socorrendo-se para tanto do caso julgado material formado com o trânsito em julgado da decisão anteriormente proferida na acção que correu termos sob o nº 760/13.9TBPTL. Como é sabido, o caso julgado material radica no disposto nos art.ºs 619º, nº 1 e 621º, ambos do NCPC, dispondo o primeiro que “Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º”; e o segundo que “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…).” Manuel de Andrade fornece-nos a seguinte noção de caso julgado material (in Noções Elementares de Processo Civil, p. 305): “Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (acção destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.”. A razão da força e autoridade do caso julgado compreende-se pela necessidade de certeza do direito e da segurança nas relações jurídicas. Na verdade, o caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, fundando-se a protecção a essa segurança jurídica, relativamente a actos jurisdicionais, no princípio do Estado de Direito, pelo que se trata de um valor constitucionalmente protegido – art.º 2º da Constituição da República Portuguesa –, destinando-se a evitar que no exercício da função jurisdicional, duplicando-se as decisões sobre idêntico objecto processual, se contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior. Como referiu Alberto dos Reis, “se uma nova sentença pudesse negar o que a primeira concedeu, ninguém podia estar seguro e tranquilo, a vida social, em vez de assentar sobre uma base de segurança e de certeza, ofereceria o aspecto da insegurança, da inquietação, da anarquia.” (in, Código de Processo Civil, anotado, p. 94). Pode dizer-se então que o caso julgado consubstancia a ideia de uma decisão judicial firme, ou que traduz a decisão judicial que se consolidou na ordem jurídica. A figura do caso julgado, após a revisão do Código de Processo Civil, que lhe foi dada pelos DL 329-A/95 de 12.12 e posteriormente pelo DL 180/96 de 25.09, passou a constituir uma excepção dilatória – ao contrário do que sucedia até então em que assumia a natureza de excepção peremptória (cfr. art.º 494º, al. i) do referido diploma). O caso julgado constitui, assim, uma das excepções previstas na lei adjectiva, que é de conhecimento oficioso e cuja ocorrência impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância (cfr. art.ºs 494º, nº 1, al. i), 495º e 493º, nº 2, do NCPC), e não do pedido como sucedia anteriormente quando constituía excepção peremptória. Esta excepção pressupõe, nos termos do art.º 497º, nºs 1 e 2 do NCPC, a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e tem por objectivo evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior. Isso mesmo acentua Anselmo de Castro (in “Processo Civil Declaratório”, Vol. II, p. 242), tal impedimento, destina-se a duplicações inúteis da actividade jurisdicional e eventuais decisões contraditórias. O caso julgado pode ser formal ou material. Haverá caso julgado formal se a sentença ou o despacho incidirem, apenas, sobre a relação processual, circunscrevendo-se a sua força obrigatória à questão processual concreta julgada no processo (art.º 620º do NCPC). Já o caso julgado material respeita ao mérito da causa subjacente à relação material controvertida, passando a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, de acordo com o nº 1 do art.º 619º do NCPC. No que respeita à eficácia do caso julgado material, desde há muito, quer a doutrina, quer a jurisprudência têm distinguido duas vertentes: a) – uma função negativa, reconduzida a excepção de caso julgado, consistente no impedimento de que as questões alcançadas pelo caso julgado se possam voltar a suscitar, entre as mesmas partes, em acção futura; b) – uma função positiva, designada por autoridade do caso julgado, através da qual a solução nele compreendida se torna vinculativa no quadro de outros casos a ser decididos no mesmo ou em outros tribunais. Segundo Alberto dos Reis (in, Código Processo Civil Anotado, Vol. III, p. 93), o caso julgado material exerce a sua função positiva quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões, na sua força obrigatória, exercendo a sua função negativa quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal. Citando Castro Mendes, escreveu também Lebre de Freitas (in, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, Coimbra Editora, p. 325) que: “(…) pela excepção visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito, enquanto que a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (...).”. Este efeito positivo do caso julgado material assenta, pois, numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida. Desta distinção resulta mesmo o entendimento de que os requisitos ou pressupostos da excepção, que enunciamos supra, e da autoridade do caso julgado não serem necessariamente iguais. Assim, para que a autoridade do caso julgado actue não se exige a coexistência das três identidades referidas no art.º 498º do NCPC, sujeitos, pedido e causa de pedir. Neste sentido podem ver-se, entre outros, o ac. do STJ de 12.01.2021, relatado por Oliveira Rocha no processo nº 2030/11.8TBFLG-C.P1.S1 e disponível in www.dgsi.pt. E, assim sendo, a autoridade de caso julgado, para além de não impor a tripla identidade, acarreta uma efectiva apreciação do mérito da acção, levando à apreciação concreta das causas de pedir e dos pedidos em ambas as acções, pelo que a constatação de que estamos perante uma situação de autoridade de caso julgado implica a improcedência da acção e a consequente absolvição do réu do pedido (cfr. ac. RE de 13.01.2022, relatado por Emília Ramos Costa, acessível in www.dgsi.pt). Ou seja, “[a] verificar-se uma tal exceção, ela não é dilatória, importando a absolvição os réus da instância, mas perentória, importando a absolvição dos réus do pedido.” (cfr. ac. da RL de 21.12.2021, processo nº 131/21.3T8PDL.L1, consultável in www.dgsi.pt). Por outro lado, definindo o alcance do caso julgado material, diz o art.º 621º do NCPC que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.”. Assim, dada a natureza da sua eficácia com alcance externo, o caso julgado material está sujeito a limites objectivos e subjectivos (questão a que directamente se refere aquela tríplice identidade exigida pelo nº 1 do art.º 581º anteriormente referida e que agora não importa desenvolver), mas também temporais. Com efeito, o caso julgado é temporalmente limitado, tomando como referência temporal o momento do encerramento da discussão em 1ª instância, tal como decorre do disposto no nº 1 do art.º 611º do NCPC, pelo que a sentença deve tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à propositura da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão. Deste modo, como diz Miguel Teixeira de Sousa “para efeito do caso julgado, apenas os factos ocorridos depois do encerramento da discussão são considerados factos novos e podem ser invocados como uma nova causa de pedir numa acção posterior” (vide, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 583/584). No mesmo sentido, podemos ver Lebre de Freitas, segundo o qual “o caso julgado constitui-se com referência à situação de facto existente no momento do encerramento da discussão (art. 663-1)”, pelo que “a verificação, posterior ao encerramento da discussão de facto em 1.ª instância, de facto em cuja falta se tenha fundado a absolvição do pedido (…esta absolvição do pedido) não impede a ulterior propositura de nova acção (…)” (in, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2ª edição, p. 715 a 720). Assim, e como impressivamente se diz no ac. desta Relação de Guimarães de 6.05.2021, relatado por João Ramos Lopes e acessível in www.dgsi.pt, “[o] caso julgado tem limites temporais – porque incide sobre uma decisão que apreciou uma questão concreta e, assim, porque o seu momento de referência corresponde àquele em que poderão ser apreendidos para a decisão os factos relevantes, verificam-se, respeitantes ao futuro, duas consequências: a caducidade do caso julgado e a susceptibilidade de modificação da decisão transitada se se verificar uma alteração na situação de facto após o momento em que para a decisão poderiam ser apreendidos factos relevantes [Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2ª edição, 1997, p. 583/584]. Efectivamente, porque também submetido ao princípio rebus sic santibus, o caso julgado deixa de valer quando se alteram os condicionalismos de facto em que a decisão proferida assentou – e assim que o caso julgado pode perder a sua eficácia por caducidade (que ocorre quando deixa de subsistir a situação de facto subjacente à decisão) ou por substituição da decisão transitada (que pode ser requerida quando se altera a situação de facto a ela subjacente) [Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, p. 586 e 587]. Dito doutro modo – uma decisão perdurará enquanto não sobrevierem alterações na situação processual objecto de despacho; isto é, produzirá ‘efeitos enquanto não se modificarem as circunstâncias que foram determinantes para o seu teor e sentido’ (asserção válida tanto para as decisões de mérito quanto para as decisões de forma) [Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, revista Julgar Online, Novembro de 2018, pp. 2/3.14].” – Transpondo estes considerandos para o caso vertente, não nos suscitem dúvidas que quer na acção anterior, quer na presente, o autor pretende a execução específica dos mesmos contratos-promessa e dirige tal pedido contra os mesmos réus. Mais se constata que na acção anterior, o referido pedido foi julgado improcedente – por decisão transitada – e com fundamento na falta de demonstração do incumprimento dos ali réus (mora). Na presente acção, o autor invoca que – em momento posterior ao do encerramento da discussão em 1ª instância – marcou data para a realização de escritura pública (ou seja, do contrato definitivo) e remeteu cartas aos 2ºs réus informando-os e interpelando-os para comparecerem na data designada, tendo entretanto tomado conhecimento que os 2ºs réus tinham doado os prédios ao 1ºréu, com o objectivo de impedirem o autor de obter a execução específica dos contratos-promessa. Ora, esta factualidade integra naturalmente a noção de facto novo, nos termos supra aludidos, podendo ser invocada, como uma nova causa de pedir na presente acção (a ser apreciada em momento e sede própria). Tendo-se isto – como se deve – por exacto, então a conclusão a tirar é a de o tribunal recorrido não estava vinculado à decisão de mérito transitada e proibido de dela se afastar dado que entre as duas decisões não existe identidade da causa de pedir. E, muito menos, existe qualquer relação de prejudicialidade, no sentido de que no processo em foi proferida a decisão transitada foi apreciado um objecto que constitui pressuposto da decisão a proferir nestes autos. Por outras palavras: o caso julgado formado sobre a decisão proferida no processo anterior não produz neste um efeito negativo nem um efeito positivo. Pelo exposto, impõe-se concluir pelo acerto da decisão recorrida neste segmento recursório. 3.2.3. Da falta de interesse em agir Como decorre do relatório do presente acórdão, os apelantes invocam ainda que o tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao julgar verificada a falta de interesse de agir quanto aos pedidos formulados sob as als. a) e c) da petição inicial. Vejamos. O interesse em agir, que Manuel de Andrade apelida de “interesse processual” (Noções Elementares do Processo Civil, 1979, p. 79), consiste basicamente no interesse de utilizar a máquina judiciária ou na necessidade de recorrer ao processo. Por isso, diz Manuel de Andrade, que o mesmo consiste em estar “o direito do demandante carecido de tutela judicial; é o interesse de utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo”, ou, em delimitação negativa, “não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece” (obra e lugar citado). E, igualmente por isso, “o interesse em agir deve ser analisado também à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça, em dupla vertente: consagração e limitação. Por um lado, o acesso ao direito e à justiça implica uma visão necessariamente restrita do âmbito de exigência deste interesse processual, já que ao cidadão enquanto tal, ou aos estrangeiros e apátridas por equiparação, assiste o direito de exporem as suas pretensões em sede judicial e de obterem apreciação e decisão sobre elas. (…) Mas, dada a natureza escassa dos recursos, a própria consagração do acesso ao direito na mesma norma leva a delimitar tal direito pela necessidade de mobilização dos órgãos jurisdicionais, uma vez que a mobilização acrítica e sem interesse constitui um desvio de recursos que os fará faltar a quem deles necessita.” – vide, ac. da RL de 26.09.2019, relatado Ana de Azeredo Coelho, disponível in www.dgsi.pt. O interesse em agir consiste assim na verificação da necessidade ou utilidade da acção tal como configurada pelo autor, sendo definido como “a necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção” (vide, Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, p. 229), a aferir objectivamente, em relação à normatividade jurídica. Por outro lado, quer da doutrina, quer da jurisprudência, decorre também relativa unanimidade quanto à natureza processual do interesse em agir como pressuposto processual que, faltando, pode determinar genericamente a verificação de uma excepção dilatória inominada, determinante da absolvição da instância – cfr. art.ºs 278º, nº 1, al. e), 576º, nº 2, 577º e 578º, todos do NCPC. Assim, entre muitos outros, o ac. do STJ de 8.02.2022, processo nº 115/20.9YHS.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt]. Pressuposto processual que encontra a sua razão de ser no intuito de obviar a acções inúteis. Se a lei proíbe expressamente a prática de actos inúteis (princípio da limitação dos actos constante do art.º 130º, do NCPC), por maioria de razão terá de proibir acções inúteis (vide, Francisco Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, vol. I, p. 447). Em função destas breves considerações, e perante este conceito de “falta de interesse em agir”, depressa se conclui que, no caso que agora nos prende, não se verifica a descrita excepção dilatória. Atento o acima exposto, constata-se que o autor pretende que se declare que a nulidade (ou ineficácia) da doação efectuada ao 1º réu dos prédios que prometeu comprar ao antecessor dos 2ºs réus, alegando que – com tal doação – os réus, conluiados, pretenderam apenas enganar o autor e impedi-lo de obter a execução específica dos contratos promessa. Esta versão dos factos merece obviamente tutela legal, pelo que o autor tem interesse em agir, tudo igualmente sem prejuízo da apreciação de mérito que será efectuada no momento próprio. Isto tudo para se concluir que não se verifica, portanto, a excepção de falta de interesse em agir do autor, improcedendo a apelação também neste conspecto. * Ante todo o exposto, impõe-se julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, julgando-se parte ilegítima para acção a autora mulher, com as devidas consequências legais.Confirma-se o demais ali decidido, designadamente, quanto às excepções de caso julgado e autoridade de caso julgado e à excepção da falta de interesse em agir. As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes e dos recorridos, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente (cfr. art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC). * SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7 do NCPC): * … * IV. Decisão* Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revoga-se parcialmente a decisão recorrida, julgando-se parte ilegítima para acção a autora BB, com as devidas consequências legais. Confirma-se o demais ali decidido, designadamente, quanto às excepções de caso julgado e autoridade de caso julgado e à excepção da falta de interesse em agir. As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes e dos recorridos, na proporção de 2/3 e 1/3, respectivamente. * * Guimarães, 30.10.2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Juíza Desembargadora Relatora: Dr(a). Carla Maria da Silva Sousa Oliveira 1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Joaquim Boavida 2 ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Maria Luísa Duarte Ramos |