Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1657/21.4T8VCT.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ACÇÃO ESPECIAL DE DIVISÃO DE COISA COMUM
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/14/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DO RÉU PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- A razão de ser da suspensão da Instância por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos entre duas ações pendentes que apresentem entre si uma especial conexão.
II- A suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial tem em vista a obtenção de decisões mais uniformes, com valor na segurança e certezas jurídicas, bem como na economia de meios e no prestígio dos tribunais.
III- Constatada (no despacho recorrido) a existência da prejudicialidade de uma causa instaurada pelo requerido contra o requerente, a suspensão só não deverá ser decretada se ocorrer alguma das situações excecionais previstas no nº 2 do art.º 272º, sendo uma delas o estado tão adiantado dos autos que os prejuízos da suspensão superem as vantagens da mesma.
IV- Não se verificam tais prejuízos, se as vicissitudes ocorridas na causa dependente - com a realização da prova pericial requerida -, fizerem prever uma delonga e um custo acrescido da ação, podendo as partes até beneficiar com a suspensão até que seja proferida decisão na causa prejudicial.
Decisão Texto Integral:
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Margarida Alexandra Gomes
2º Adjunto: José Manuela Flores
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AA, NIF ...73, solteiro, maior, portador do cartão de cidadão número ..., residente na Quinta ... – Rua ..., ... ... (cedente do pretenso direito, à entretanto habilitada nos autos, “EMP01..., Lda.”), veio intentar contra o seu irmão, BB, NIF ...54, solteiro, maior, residente na Quinta ... – Rua ..., ... ..., ACÇÃO ESPECIAL DE DIVISÃO DE COISA COMUM, pedindo que se proceda à adjudicação ou à venda do prédio que descreve, inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...10, e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...80, da freguesia ....
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Alega para tanto e em síntese, que Requerente e Requerido são donos e legítimos possuidores, na proporção de metade cada um, do prédio urbano, composto de prédio em propriedade total, sem andares nem divisões, suscetíveis de utilização independente, sito em Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., com a área total de 5.042,03 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...80, da freguesia ..., e inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...10.
A propriedade do aludido prédio foi adjudicada em comum e em partes iguais ao A. e ao R., por partilha (extrajudicial) outorgada em 10 de abril de 2012, no cartório notarial, por óbito de CC, pai de ambos.
Mais alega o A que não lhe convém permanecer mais na indivisão do prédio, pelo que deve proceder-se à competente divisão do mesmo, sendo certo que o imóvel em causa, dada a sua natureza, não pode ser dividido em substância, pelo que pretende que se proceda à sua adjudicação ou à sua venda.
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O Requerido veio contestar a ação, começando por alegar que o prédio descrito na petição inicial é divisível, dizendo que o edifício nele edificado é suscetível de ser colocado em regime de propriedade horizontal, podendo a área comum (área descoberta) ser dividida em duas áreas idênticas entre si, ficando cada uma delas destinada ao uso exclusivo de cada uma das frações, sem perda da sua natureza de parte comum, podendo a propriedade horizontal ser constituída por decisão judicial, o que requer.
Conclui pugnando pela declaração da divisibilidade da coisa objeto da compropriedade, devendo ser proferida decisão que constitua tal prédio em propriedade horizontal, sendo cada um dos pisos uma unidade independente, destinando-se ao uso exclusivo de cada uma das frações metade da área descoberta.
Requer, a final, que se proceda ás diligências instrutórias que se entendam adequadas e, desde logo, a realização de prova pericial.
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Alegando que por documento particular autenticado, intitulado “Compra e Venda”, datado de 27 de abril de 2023, a habilitada “EMP01..., LDA.”, veio informar os autos ter adquirido ao A ½ (metade) do referido prédio urbano, sito em ..., freguesia ..., pelo que, por decisão proferida em 27 de junho de 2023, foi julgado procedente o incidente de habilitação, e em consequência, foi habilitada “EMP01..., LDA.”, para prosseguir a causa principal em substituição do Autor.
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Entretanto, através de requerimento datado de 31.5.2023, veio o Requerido dar conta nos autos de que no dia 5/05/2023 deu entrada uma ação, na qual figuram como Autores o aqui Requerido, BB e sua mãe, DD, e na qual é Réu o aqui Requerente, AA, distribuída ao Juízo Central Cível do Tribunal Judicial ..., Juiz ..., com o nº 1426/23.7T8VCT, na qual foram formulados os seguintes pedidos:

a) declarar-se nulo, por simulação, o contrato de partilha celebrado por Autores e Réu no dia 10 de abril de 2012, titulado pela escritura pública correspondente ao documento nº ... deste articulado, nesses termos se declarando impugnada tal partilha.
Quando assim se não entenda,
b) declarar-se nula a aceitação da herança por parte de Autores e Réu, porque aceite parcialmente e sob condição, em violação do disposto nos artigos 2024º e 2054º, nºs 1 e 2 do Código Civil;
c) consequencialmente, julgar-se e declarar-se nula a partilha efetuada, nesses termos se declarando impugnado tal partilha;
d) ordenar-se o cancelamento de todos os registos que incidam sobre o prédio identificado no artigo 11º desta PI (descrição ...80) tendo por título a partilha de 10/04/2012 e todos os subsequentes;
e) ordenar-se o cancelamento de todos os registos que incidam sobre os prédios identificados no artigo 74º desta PI tendo por título a aquisição do quinhão hereditário do Réu e todos os subsequentes; e
f) ordenar-se o cancelamento de todos os registos que incidam sobre quaisquer das quotas da sociedade NIPC ...10, tendo por título a partilha de 10/04/2012 e todos os subsequentes.
Segundo o requerente, a legitimidade material ou substantiva de ambas as partes nestes autos decorre da partilha outorgada em 10 de abril de 2012, cuja declaração de nulidade, por simulação, está posta em causa na aludida ação, assim como a nulidade da própria aceitação da herança que lhe deu causa.
Ou seja, a divisão da coisa comum peticionada nos presentes autos depende necessariamente da existência de tal legitimidade material ou substantiva, isto é, de os aqui interessados serem efetivamente os titulares do bem que aqui pretendem dividir, o que depende de a partilha na qual lhes foi adjudicado tal bem, ser válida.
Existe assim, segundo o requerente, uma relação de prejudicialidade entre ambas as ações, a demandar a imediata suspensão dos presentes autos, até trânsito em julgado da decisão a proferir na ação nº 1426/23.7T8VCT do Juiz ..., do Juízo Central Cível ....
Requer, a final, que nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 272º nº 1 do CPC, se ordene a suspensão da presente instância até trânsito em julgado da decisão a proferir naquela ação.
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Sobre tal requerimento recaiu então o seguinte despacho, datado de 21.6.2023 (do qual se recorre):
“Da questão da suspensão da instância – causa prejudicial
O Requerido BB requereu a suspensão da presente instância, nos termos do disposto no art.º 272º, nº 1 do CPC, alegando, em síntese, que no dia 05/05/2023, instaurou uma acção que foi distribuída ao Juízo Central ... (J...), sob o nº 1426/23...., com vista à declaração de nulidade, por simulação, do contrato de partilha outorgado no dia 10/12/2012, por força do qual, foi adjudicado a si e ao seu irmão AA, em comum e em partes iguais, o prédio objecto da presente acção de divisão de coisa comum, bem como a declaração de nulidade da própria aceitação da herança que lhe deu causa. Assim, a divisão da coisa comum nos presentes autos depende necessariamente da legitimidade material ou substantiva, ou seja, de os aqui interessados serem efectivamente os titulares do bem que aqui pretendem dividir.
Notificado o Requerente, nada disse.
Cumpre apreciar e decidir:
Importa, assim, aquilatar se a finalidade última da presente acção, a concretização da divisão do prédio, está dependente da decisão a proferir nos referidos autos de acção comum Juízo Central ... (J...), sob o nº 1426/23.....

Dispõe o art.º 272º, nº 1 do CPC que o tribunal pode ordenar a suspensão da instância quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado (…).
Revertendo ao caso concreto, verificamos que a presente acção tem como finalidade proceder à divisão do prédio, e fundamenta-se na compropriedade de Requerente e Requerido sobre o referido prédio, que lhes foi adjudicada no contrato de partilha outorgado no dia 10/04/2012.
A acção comum que corre termos no Juízo Central ... visa a declaração de nulidade desse mesmo contrato de partilha dos bens por óbito do pai de ambos os aqui Requerentes CC, por simulação, bem como a declaração de nulidade do acto de aceitação da referida herança por ambos.
Se o contrato de partilha que constitui o título constitutivo do direito de compropriedade do Requerente e Requerido for anulado ou declarado nulo, consequentemente deixa de existir o fundamento da presente acção.
Assim, conclui-se que existe a relação de dependência ou prejudicialidade que justifica a suspensão da instância, nos termos do disposto no art.º 272º, nº 1 do CPC.
No entanto, é de salientar que a presente acção foi instaurada no dia 05/06/2021, ou seja, há mais de 2 anos. A acção prejudicial apenas foi instaurada há cerca de um mês. É certo que o pedido de suspensão não obteve a oposição da parte contrária, desconhecendo-se a existência de circunstâncias que indiciem que aquela foi intentada unicamente com o propósito de obter a suspensão na presente instância (nº 2 da norma em apreço), pois caso assim fosse, haveria desde logo fundamento para indeferir a suspensão.
A referida acção está numa fase muito inicial e esta já está numa fase adiantada, faltando concluir a perícia para prosseguir para a fase da conferência de interessados.
Compulsados os autos, verifica-se que o Sr. Perito já havia apresentado o seu relatório pericial, mas entendeu-se que para cabal conclusão da perícia com resposta aos quesitos apresentados impunha-se a realização de um levantamento topográfico, que já foi iniciado e ainda não foi concluído porque não foi franqueado o acesso ao interior do imóvel, conforme foi informado pelo Sr. Perito em 25/05/2023.
Assim, em face das diligências em curso, e do trabalho já desenvolvido para conclusão da perícia, considera-se altamente inconveniente a suspensão da instância, no estado em que a causa se encontra, o que constitui um fundamento legal para negar a suspensão neste momento.
Como resulta dos argumentos jurídicos supra alegados e decorre da norma em apreço, mesmo a pendência da causa prejudicial não determina automaticamente a suspensão da instância, devendo a sua pertinência ser avaliada em função das circunstâncias do caso concreto (neste sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC anot., vol. I, 4ª ed., pág. 551).
Em face do exposto, e ao abrigo do disposto no art.º 272º, nº 2 do CPC, indefiro a requerida suspensão da instância.
Custas do incidente pelo Requerido, fixando-se a taxa de justiça em 1 uc. Notifique…”.
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Não se conformando com o despacho proferido, dele veio o Réu interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes Conclusões:

“1. A decisão recorrida reconhece que, no caso, se verifica relação de prejudicialidade que, nos termos do disposto no artigo 272º, nº 1 do CPC justifica a suspensão da instância, tendo identificado com rigor o núcleo essencial da razão de prejudicialidade: se o contrato de partilha que constitui o título constitutivo do direito de compropriedade do Requerente e Requerido for anulado ou declarado nulo, deixa de existir o fundamento da presente acção.
2. Ao decidir, com base unicamente no estado dos processos — o da causa prejudicial numa fase inicial e esta já numa fase adiantada, de realização de prova pericial — para daí concluir que considera altamente inconveniente a suspensão da instância, e indeferir tal pedido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 272º do CPC, que exige que tal decisão seja fundada na identificação das vantagens e dos inconvenientes da suspensão e na sua necessária ponderação, que conduza à demonstração de que estes são, no caso concreto, maiores do que aquelas.
3. Pela presente acção pretende o Autor, AA, entretanto substituído pela habilitada, EMP01..., Lda., a adjudicação ou a venda do imóvel inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...10 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...80, da freguesia ..., relativamente ao qual defende a sua indivisibilidade.
4. Essa questão, da divisibilidade ou da indivisibilidade do bem, não se encontra ainda decidida, ou seja, o processo encontra-se ainda na fase declarativa, fase da qual faz parte a prova pericial em curso a que se alude na decisão recorrida.
5. Na causa prejudicial, como se evidenciou no requerimento sobre o qual recaiu o despacho aqui recorrido, discute-se questão — a da nulidade da partilha extrajudicial — de cuja resolução depende a própria legitimidade material ou substantiva do Autor (e também do Réu), porquanto regressado o bem à indivisão hereditária, nenhum deles é titular de qualquer direito sobre o mesmo.
6. Ou seja: declarada nula a partilha extrajudicial, o aqui Autor deixa de ser titular da relação jurídica material controvertida por força do desaparecimento retroactivo dessa própria relação jurídica, porquanto deixa de ser comproprietário do imóvel, condição jurídica necessária para que o seu direito de exigir a divisão exista e possa ser exercido.
7. Encontrando-se a acção de divisão de coisa comum ainda na sua fase declarativa, e tendo presente a concreta relação de prejudicialidade que a própria decisão recorrida admite (quando reconhece que deixa de existir o fundamento da presente acção), é manifesto que compreendidas as vantagens da suspensão da instância do ponto de vista da segurança e certezas jurídicas, da coerência e da unidade do sistema jurídico e do prestígio dos tribunais, elas são superiores aos seus inconvenientes ou prejuízos, atento também o facto de o próprio Recorrido não ter manifestado qualquer oposição quanto a tal pretensão.
8. Revogada a decisão por violação do disposto no artigo 272º, nº 2, segunda parte, do CPC, deve em sua substituição ser proferida decisão que, ponderados os prejuízos da suspensão e as suas vantagens, julgue procedente o pedido formulado e ordene a suspensão da instância até trânsito em julgado da decisão a proferir na acção nº 1426/23.7T8VCT do Juiz ..., do Juízo Central Cível ...”.
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A A/recorrida veio Responder ao recurso interposto, pugnando pela sua improcedência.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de (eventuais) questões de conhecimento oficioso (artigos 635º e 639º do CPC), a questão a decidir no presente recurso de Apelação é apenas a de saber se os prejuízos da suspensão da instância superam as vantagens da mesma (art.º 272º nº 2, segunda parte, do CPC).
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Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os constantes do Relatório deste acórdão (extraídos da tramitação dos autos – consulta do CITIUS), e ainda os seguintes (também resultantes da consulta do CITIUS):

- No despacho datado de 21.6.2023 (no mesmo do despacho recorrido), consta ainda o seguinte: “Compulsados os autos verifica-se que a perícia foi determinada por despacho proferido em 15/03/2022 e deveria ter sido concluída no prazo de 20 dias, que foi o prazo concedido para a sua realização.
O Sr. Perito inicialmente nomeado, acabou por ser substituído a seu pedido, tendo o tribunal entendido que as razões apresentadas eram fundamentadas.
O perito nomeado em substituição apresentou o seu relatório pericial em 12/08/2022, mas volvidos mais de 10 meses, a perícia continua por concluir, e pouco se avançou, porque nem o levantamento topográfico foi concluído ainda, quando o tribunal deferiu a elaboração do levantamento topográfico em 30/01/2023.
Em 17/04/2023 foi proferido despacho a determinar que o Sr. Perito informasse, no prazo de 5 dias, os autos da previsível data da conclusão da perícia.
O Sr. Perito só viria a responder, depois de insistência, em 25/05/2023, informando que não conseguia aceder ao interior do prédio, por impossibilidade da Srª DD, desde 04/05, desconhecendo-se qual o motivo dessa impossibilidade, e se essa é a única pessoa que pode permitir o acesso ao interior do prédio.
De qualquer das formas, o Sr. Perito deve terminar a perícia no prazo estipulado, ou no mais curto espaço de tempo, sendo certo que recai sobre as partes um dever especial de colaboração para que a diligência seja realizada no tempo mais curto possível, com vista a obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio (art.º 7º, nº 1 do CPC).
A parte que não colabore pode ser sancionada em multa, nos termos do disposto no art.º 417º, nº 2 do CPC e pode incorrer em litigância de má-fé, nos termos do disposto no art.º 542º, nº 2, als. c) e d) do CPC.
Por conseguinte, com vista a concluir a perícia com a brevidade que se impõe, fixo como data limite para a sua conclusão o dia 15/07/2023.
Caso a perícia não seja realizada até à data limite fixada, retirar-se-ão as devidas consequências e apurar-se-á a responsabilidade do Sr. Perito e das partes processuais, sujeitas aos deveres de colaboração e cooperação, incorrendo, em caso de violação, em responsabilidade por litigância de má-fé…”.
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Dos prejuízos da suspensão da Instância.
Na sequência da apresentação aos autos do requerimento do requerido de 31/05/2023, no qual o mesmo formulou o pedido de suspensão da instância pela pendência de causa prejudicial, veio a ser proferido despacho, a concluir pela verificação de uma relação de dependência ou prejudicialidade entre as duas ações instauradas pelas partes (embora em lados opostos nas mesmas), que justifica a suspensão da presente instância, nos termos previstos no nº1 do art.º 272º do CPC.
No entanto, acrescentou-se no mesmo despacho, que “…é de salientar que a presente acção foi instaurada no dia 05/06/2021, ou seja, há mais de 2 anos. A acção prejudicial apenas foi instaurada há cerca de um mês. É certo que o pedido de suspensão não obteve a oposição da parte contrária, desconhecendo-se a existência de circunstâncias que indiciem que aquela foi intentada unicamente com o propósito de obter a suspensão na presente instância (nº 2 da norma em apreço), pois caso assim fosse, haveria desde logo fundamento para indeferir a suspensão.
A referida acção está numa fase muito inicial e esta já está numa fase adiantada, faltando concluir a perícia para prosseguir para a fase da conferência de interessados.
Compulsados os autos, verifica-se que o Sr. Perito já havia apresentado o seu relatório pericial, mas entendeu-se que para cabal conclusão da perícia com resposta aos quesitos apresentados impunha-se a realização de um levantamento topográfico, que já foi iniciado e ainda não foi concluído porque não foi franqueado o acesso ao interior do imóvel, conforme foi informado pelo Sr. Perito em 25/05/2023.
Assim, em face das diligências em curso, e do trabalho já desenvolvido para conclusão da perícia, considera-se altamente inconveniente a suspensão da instância, no estado em que a causa se encontra, o que constitui um fundamento legal para negar a suspensão neste momento…”.
E é contra este segmento do despacho recorrido que se insurge o recorrente, considerando que a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 272º do CPC, que exige que tal decisão seja fundada na identificação das vantagens e dos inconvenientes da suspensão e na sua necessária ponderação, que conduza à demonstração de que os inconvenientes são, no caso concreto, maiores do que as vantagens da suspensão, o que não é descrito na decisão recorrida, a qual se baseou apenas quer na data da instauração das respetivas ações, quer na fase processual em que ambas as ações se encontravam – esta, iniciada em 5.6.2021, na fase da peritagem, e a prejudicial, iniciada apenas em 5.5.2023, na fase inicial.
Ora, segundo o recorrente, com a presente ação, o Autor (entretanto substituído nos autos pela habilitada) pretende a adjudicação ou a venda do imóvel descrito na petição inicial, relativamente ao qual defende a sua indivisibilidade.
Acontece que essa questão, da divisibilidade ou da indivisibilidade do bem, não se encontra ainda decidida, ou seja, o processo encontra-se ainda na fase declarativa, fase da qual faz parte a prova pericial em curso, a que se alude na decisão recorrida.
E nessa parte temos de concordar com o recorrente.
Usando a fundamentação da decisão recorrida, “...o Juiz pode ordenar a suspensão quando entenda que há utilidade ou conveniência processual em que a instância se suspenda, sendo que, à luz do art.º 272º, nº 1 do CPC, tal suspensão não é obrigatória, traduzindo-se num poder dever baseado em juízos de oportunidade e conveniência processual, do qual o juiz se pode socorrer, quando entender que o prosseguimento da acção depende do julgamento de outra já proposta. O juiz da causa subordinada pode ser normalmente competente para decidir a causa prejudicial, mas estando já aquela proposta e do julgamento dela poder decorrer a destruição da razão de ser da outra causa, é de toda a razoabilidade a suspensão da instância subordinada (…). Como resulta dos argumentos jurídicos supra alegados e decorre da norma em apreço, mesmo a pendência da causa prejudicial não determina automaticamente a suspensão da instância, devendo a sua pertinência ser avaliada em função das circunstâncias do caso concreto (neste sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC anot., vol. I, 4ª ed., pág. 551)…”.
Ou seja, como bem se afirmou na decisão recorrida, a decisão da suspensão da instância não é automática, mesmo que se verifique, objetivamente, uma relação de dependência ou de prejudicialidade entre duas ações em confronto. Essa decisão demanda juízos de oportunidade e conveniência – em termos definidos na lei, de prejuízos e de vantagens - de tal ordem que jurisprudência e doutrina muito avalizada, advogam a irrecorribilidade da decisão proferida nos termos e ao abrigo do disposto no nº 2 do art.º 272º do CPC – Ac RL de 10/11/2022, disponível em www.dgsi.pt e, entre outros, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 3.ª edição, pag. 536.
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No caso dos autos, apontou o sr. Juiz a grande discrepância entre as datas das entradas em juízo de ambas as ações – a presente, iniciada em 5.6.2021, e a outra em 5.5.2023, o que é real –, assim como as fases processuais em que ambas se encontravam à data do despacho proferido – esta, na fase da produção de prova (a prova pericial), nos termos previstos no art.º 926º nº2 do CPC, e a outra, na fase da petição inicial, o que também é real –, para daí concluir que “em face das diligências em curso, e do trabalho já desenvolvido para conclusão da perícia, considera-se altamente inconveniente a suspensão da instância, no estado em que a causa se encontra, o que constitui um fundamento legal para negar a suspensão neste momento…”.
E mais uma vez temos de concordar com o recorrente, de que uma correta interpretação do disposto na segunda parte do nº 2 do artigo 272º do CPC, exige que sejam identificadas as vantagens e os inconvenientes da suspensão, e a sua necessária ponderação, a qual deve conduzir à demonstração de que os inconvenientes da suspensão são, no caso concreto, maiores do que as vantagens da mesma – identificação e ponderação que na sua ótica não são descritas na decisão recorrida, a qual se baseou apenas, quer na data da instauração das ações, quer na fase processual em que ambas se encontravam à data da prolação do despacho recorrido.
E de facto, na ponderação das vantagens e desvantagens da suspensão – assente que está, que entre ambas as ações há uma relação de prejudicialidade -, é preciso ir mais além do que a simples comparação entre as datas das entradas em juízo das ações, e as fases processuais em que as mesmas se encontram.
Há-de ser necessário, em nosso entender, aferir qual o tipo de ação proposta (se ação comum ou especial, e a provável complexidade das mesmas, medida desde logo pela tramitação legal prevista para cada uma delas); a pendência processual do tribunal onde as mesmas estão a ser tramitadas; e a concreta situação verificada nas respetivas fases processuais, no momento da sua análise.
Ora, no caso em análise, estamos perante uma Ação de processo comum (a ação nº 1426/23.7T8VCT), e uma Ação especial (Ação de divisão de coisa comum), a presente.
E consabidamente, “O processo especial para divisão de coisa comum comporta duas fases fundamentais: Uma declarativa - que visa decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão invocado, que só se desenvolve quando haja contestação ou, inexistindo esta, quando a revelia do requerido seja inoperante (artigo 926.º, n.º 2, do CPC) - e uma executiva – em que se materializa, fundamentalmente por meio de perícia, o direito já definido na fase declarativa ou afirmado sem contestação pelo autor (se a coisa for divisível, procedendo-se ao seccionamento em substância da coisa, à sua divisão mediante a formação em quinhões, de acordo com as quotas dos comproprietários, e à subsequente adjudicação desses quinhões; ou, se a coisa for indivisível, procedendo-se à sua adjudicação a um dos consortes e ao preenchimento em dinheiro das quotas dos restantes, ou à venda executiva da coisa com a repartição do produto da venda pelos interessados, na proporção das respetivas quotas (…) No caso de se suscitar alguma destas questões, o Tribunal terá de as conhecer e decidir na fase declarativa da ação de divisão de coisa comum, ou por meio incidental (cfr. artigo 926.º, n.º 2, do CPC) se a questão revestir simplicidade, ou, ordenando o prosseguimento dos autos, segundo a tramitação prevista para o processo comum, se entender que a questão não pode ser sumariamente decidida (cfr. artigo 926.º, n.º 3, do CPC)” (cfr. o Ac. RL de 02/03/2023, citado pelo recorrente, e  disponível em www.dgsi.pt).
Ora, como bem anota o recorrente, nesta ação, a questão da divisibilidade ou da indivisibilidade do bem não se encontra ainda decidida, encontrando-se o processo ainda na fase declarativa – mesmo com a realização da perícia -, pelo que, neste momento, é possível, em abstrato, qualquer uma das soluções plausíveis de tal questão. Sendo declarado indivisível o bem, a fase executiva poderá conduzir mesmo à venda do imóvel (art.º 929º, nº 2 do CPC), o que levará a uma delonga processual ainda maior.
E já percebemos, pela análise dos autos, e do próprio teor do despacho proferido em 21.6.2023 (na mesma data em que foi proferido o despacho recorrido), que a realização da perícia está a causar já muitas delongas ao processo, como daquele despacho consta: “…a perícia foi determinada por despacho proferido em 15/03/2022 e deveria ter sido concluída no prazo de 20 dias, que foi o prazo concedido para a sua realização. O Sr. Perito inicialmente nomeado, acabou por ser substituído a seu pedido, tendo o tribunal entendido que as razões apresentadas eram fundamentadas. O perito nomeado em substituição apresentou o seu relatório pericial em 12/08/2022, mas volvidos mais de 10 meses, a perícia continua por concluir, e pouco se avançou, porque nem o levantamento topográfico foi concluído ainda, quando o tribunal deferiu a elaboração do levantamento topográfico em 30/01/2023. Em 17/04/2023 foi proferido despacho a determinar que o Sr. Perito informasse, no prazo de 5 dias, os autos da previsível data da conclusão da perícia. O Sr. Perito só viria a responder, depois de insistência, em 25/05/2023, informando que não conseguia aceder ao interior do prédio, por impossibilidade da Srª DD, desde 04/05, desconhecendo-se qual o motivo dessa impossibilidade, e se essa é a única pessoa que pode permitir o acesso ao interior do prédio. De qualquer das formas, o Sr. Perito deve terminar a perícia no prazo estipulado, ou no mais curto espaço de tempo, sendo certo que recai sobre as partes um dever especial de colaboração para que a diligência seja realizada no tempo mais curto possível, com vista a obter, com brevidade e eficácia a justa composição do litígio (art.º 7º, nº 1 do CPC) (…). Por conseguinte, com vista a concluir a perícia com a brevidade que se impõe, fixo como data limite para a sua conclusão o dia 15/07/2023. Caso a perícia não seja realizada até à data limite fixada, retirar-se-ão as devidas consequências e apurar-se-á a responsabilidade do Sr. Perito e das partes processuais, sujeitas aos deveres de colaboração e cooperação, incorrendo, em caso de violação, em responsabilidade por litigância de má-fé…”.
Ora, como podemos verificar pela análise do CITIUS, deu entrada nos autos um requerimento do requerido, em 12.2.2024 (que aguarda decisão), a dar conta, além do mais, da situação processual da ação nº 1426/23.7T8VCT, por ele intentada contra o ora requerente, e na qual foi já proferido, em Janeiro de 2024, despacho saneador (cuja cópia junta), tendo sido requerida a realização de audiência prévia, a fim de nela ser formulada reclamação do despacho previsto no nº 1 do artigo 596º, requerimento que foi indeferido, mas tendo sido concedido às partes o direito de reclamação no prazo geral de 10 dias (conforme documento que também junta).
Ou seja, podemos constatar pela análise dos autos, que na ação prejudicial (nº 1426/23.7T8VCT), contrariamente a esta, não existe propriamente uma fase de instrução – que irá ser realizada na audiência de julgamento –, tendo sido já admitidos os meios de prova apresentados, pessoais e documentais, sendo previsível que muito brevemente seja designada data para julgamento (provavelmente no despacho que aprecie as reclamações deduzidas ao objeto do processo e aos temas de prova) - com a consequente prolação da sentença, a qual pode determinar a sorte desta ação (facto já constatado pelo tribunal recorrido).
Ou seja, já não se verifica neste momento o requisito previsto no art.º 272º nº2, 2ª parte, relacionado com o estado tão adiantado da causa dependente, que obste à sua suspensão (no mesmo sentido decidiu o Ac. RE de 10.11.2022, disponível em www.dgsi.pt).
É certo que o tribunal recorrido não podia contar, na data da prolação do despacho recorrido, com esta tão célere tramitação da ação prejudicial – que a coloca, atualmente, praticamente na mesma fase processual da presente ação.
Mas poderia (e deveria) levar em consideração, já na data da prolação do despacho recorrido, as vicissitudes que a presente ação apresenta, com as dificuldades na concretização da perícia, que se antolha particularmente complicada, sobretudo com a postura das partes, que se têm recusado a colaborar na sua realização, quer com o perito, quer com o tribunal.
Ora, todas estas particularidades poderiam e deveriam ter sido analisadas e ponderadas na decisão proferida, em termos de prejuízos e vantagens na suspensão, o que, vistas as coisas à luz do que ficou resumidamente descrito no despacho de 21.6.2023, nos leva a crer que as vantagens da suspensão se apresentam superiores aos prejuízos causados com a mesma.
Basta pensar nas dificuldades que têm presidido à concretização da perícia, e que com a mesma apenas se visa ainda determinar a divisibilidade ou indivisibilidade do prédio, na fase declarativa da ação, questão que tem dividido acerrimamente as partes, e que poderá ficar prejudicada com a decisão que vier a ser proferido na ação entretanto intentada.
Isto sem contar com os custos acrescidos que a peritagem acarreta para ambas as partes, (litigando uma delas com o benefício do Apoio Judiciário), assim como irá acarretar a eventual venda judicial do bem, caso se decida pela sua indivisibilidade.
Mesmo considerando que se mostram já realizadas várias diligências nos autos, e que já existe trabalho desenvolvido para conclusão da perícia (a qual, segundo apuramos pela consulta do CITIUS, já se mostra concluída e em fase de reclamação), ainda assim não consideramos, contrariamente ao que foi defendido no despacho recorrido, que se mostre altamente inconveniente a suspensão da instância, no estado em que a causa se encontra – mesmo considerando que a procedência da ação prejudicial se apresenta como meramente eventual (de resto, como todas as ações judicias).
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Aliás, da redação do nº1 art.º 272º do CPC resulta evidente que a regra é a da suspensão da instância, caso se verifique alguma das situações elencadas naquele número, ou seja, quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta, ou quando ocorrer outro motivo justificado. Apenas não será de decretar a suspensão, se se verificar alguma das situações excecionais elencadas no nº2 do preceito, ou seja, se houver fundadas razões para crer que a ação prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão, ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
As vantagens da suspensão, sobretudo em caso de prejudicialidade, são óbvias.
Como referia o Prof. José Alberto dos Reis (“Comentário ao Código de Processo Civil”, vol. 3.º, 1946, Coimbra Editora, pág. 206, Autor também citado na decisão recorrida), a razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos, sendo uma causa prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda (ensinamentos seguidos, entre outros, no Ac. RE de 10.11.2022, no Ac. da RP de 18.12.2018, e no Ac. desta RG de 15.6.2022, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
E como se decidiu no Ac. RP, proferido no processo 1494/2002 (Relator Des. Caimoto Jácome), “O poder vinculado (ver Ac. STJ, BMJ 410/656) facultado pelo art.º 279.º do CPC, de sobrestar na decisão, visa a economia e a coerência de julgados, ou seja, evitar que a mesma questão possa vir a ser objecto de decisões desencontradas ou incoerentes.”
Ou seja, o prosseguimento simultâneo de ambas as ações comporta o risco de se vir a verificar uma incompatibilidade de fundo entre as decisões a proferir nas mesmas, sendo certo também que o efeito útil da lide desaparece.
Claro que, como se decidiu no citado Ac. desta RG de 15.6.2022, “A suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial (…) tem como reverso, o que a contrabalança, a necessidade de evitar processos demorados e logo pouco eficazes, pretendendo-se obter uma justiça tempestiva. Pesam, pois, também, critérios de utilidade e conveniência processual, tendo em vista a melhor composição do litígio, ponderando-se se os inconvenientes processuais que a suspensão de instância produzir são superados pelos objetivos que se cumprem com tal suspensão…”.
Comentando o regime da Suspensão da Instância (em anotação ao art.º 272º do CPC), escrevem também Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Sousa (CPC anotado, vol I, Almedina, 2018, pag. 314 e 315), o seguinte: “A suspensão da instância fora dos casos referidos nos preceitos anteriores constitui uma vicissitude que, face aos efeitos que projecta, deve ser interpretada com moderação. Assim acontece quando o motivo para a suspensão for centrado na pendência de uma causa prejudicial (…). A razão de ser da suspensão, por pendência de causa prejudicial, é a economia e a coerência de julgamentos…”
E acrescentam: “…Ainda que esses dois requisitos se verifiquem, o juiz deve negar a suspensão fundada na prejudicialidade quando (…) o estado da causa tornar gravemente inconveniente a suspensão. É que não pode ignorar-se que a suspensão obsta a que a instância prossiga naturalmente, o que pode revelar-se gravoso para os interesses que o autor procurou acautelar. Daí que, nessas situações, cumpra apreciar na ação todas as questões que tenham sido suscitadas…”
Também no citado Ac. RE de 10.11.2022 se ponderou o seguinte: “…Subjacente à suspensão da instância por prejudicialidade estão considerações de racionalidade processual, pois se a decisão de uma das ações retira a razão de ser à outra, então não faz sentido desenvolver atividade jurisdicional na ação que resultará prejudicada por tal decisão. O legislador preveniu, contudo, duas situações em que essa racionalidade se deve ter por sacrificada: se houver fundadas razões para crer que a causa prejudicial foi intentada unicamente para se obter a suspensão da instância ou, se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens da mesma…”.
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Resulta assim do exposto que, como bem se fez notar na decisão recorrida, a declaração de suspensão da instância – ainda que se constate existir uma relação de prejudicialidade com outra ação pendente –, não é automática, havendo que ponderar, na decisão a proferir, todas as condicionantes envolventes das duas ações.
Analisando, no entanto, o caso dos autos, verificamos que na causa prejudicial se discute a questão da nulidade da partilha extrajudicial por simulação, e de cuja resolução depende a própria legitimidade material ou substantiva do Autor (e também do Réu), porquanto regressado o bem à indivisão hereditária, nenhum deles é titular de qualquer direito sobre o mesmo. Assim sendo, e aderindo às considerações do recorrente, a não suspensão da presente instância cria o risco de, por efeito dessa decisão, se tutelar uma pretensão que, na procedência da causa prejudicial, significará para a ordem jurídica o reconhecer nessa ação um direito a quem a mesma ordem jurídica, na causa prejudicial, reconhece nunca ter sido titular de tal direito.
Impõe-se assim concluir que o prosseguimento simultâneo de ambas as ações comporta o risco de se vir a verificar uma incompatibilidade de fundo entre as decisões a proferir em ambas as ações.
Procedem assim, as conclusões das alegações do recorrente.
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DECISÃO:

Por todo o exposto, julga-se procedente a Apelação e revoga-se a decisão recorrida, determinando-se a suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação nº 1426/23.7T8VCT do Juiz ..., do Juízo Central Cível ....
Custas da Apelação pela recorrida – art.º 527º nº1 e 2 do CPC.
Notifique e D.N.
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Sumário do Acórdão:

I- A razão de ser da suspensão da Instância por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos entre duas ações pendentes que apresentem entre si uma especial conexão.
II- A suspensão da instância com fundamento na pendência de causa prejudicial tem em vista a obtenção de decisões mais uniformes, com valor na segurança e certezas jurídicas, bem como na economia de meios e no prestígio dos tribunais.
III- Constatada (no despacho recorrido) a existência da prejudicialidade de uma causa instaurada pelo requerido contra o requerente, a suspensão só não deverá ser decretada se ocorrer alguma das situações excecionais previstas no nº 2 do art.º 272º, sendo uma delas o estado tão adiantado dos autos que os prejuízos da suspensão superem as vantagens da mesma.
IV- Não se verificam tais prejuízos, se as vicissitudes ocorridas na causa dependente - com a realização da prova pericial requerida -, fizerem prever uma delonga e um custo acrescido da ação, podendo as partes até beneficiar com a suspensão até que seja proferida decisão na causa prejudicial.
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Guimarães, 14.3.2024.