Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES | ||
Descritores: | PROPRIEDADE HORIZONTAL ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS DELIBERAÇÕES NULIDADE INEFICÁCIA PARTES COMUNS DO PRÉDIO ENCARGOS DE CONSERVAÇÃO E FRUIÇÃO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 04/24/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO CÍVEL | ||
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Sumário: | (i) O denominado standard da prova funciona, essencialmente, como uma orientação para o juiz na produção e valoração de cada elemento de prova em ordem à formação da sua convicção sobre a matéria de facto controvertida. (ii) Face ao disposto no art. 414 do Código de Processo Civil, ficando o juiz no estado de dúvida sobre a correspondência de uma afirmação de facto com a verdade ontológica, deve considerá-la como não provada, ainda que o grau de probabilidade de ela ser verdadeira seja superior ao de ser falsa. (iii) A alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. (iv) Sendo negócios jurídicos, as deliberações da assembleia de condóminos estão sujeitas às regras do direito comum aplicáveis àqueles, com as especialidades que resultam das normas que especificamente regulam a propriedade horizontal, como é o caso da do n.º 1 do art. 1433 do Código Civil. (v) A aplicação do regime estabelecido nesta norma, que prevê como sanção a anulabilidade, é limitada às deliberações que: padeçam de um vício de conteúdo que, porém, não contenda com o núcleo intangível da ordem jurídica, representado pela trilogia lei imperativa, ordem pública e bons costumes; padeçam de um vício de procedimento. (vi) Fora do seu âmbito ficam, portanto, as deliberações cujo conteúdo ofenda aquele núcleo, as quais devem considerar-se nulas, nos termos gerais, e, como tal, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado. (vii) No art. 1421 do Código Civil, o legislador diferencia entre partes necessariamente comuns (n.º 1) e partes presuntivamente comuns (n.º 2) do edifício, estabelecendo que a enumeração destas é meramente exemplificativa. (viii) As primeiras são aquelas que constituem a estrutura do edifício (paredes-mestras, alicerces, solo) ou a sua cobertura (telhado e certos terraços), bem como aquelas que permitem a circulação, a comunicação ou a ligação espacial entre as várias frações, entre estas e as partes comuns ou as saídas para o exterior (entradas, vestíbulos, escadas e corredores) e ainda as instalações gerais (de água, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações), que estão funcionalmente afetadas não apenas ao uso das partes próprias, mas também ao uso comum. (ix) É o que sucede, de um modo geral, com as estruturas físicas de distribuição – e recolha, no caso do saneamento ou dos resíduos – existentes no edifício, designadamente as canalizações, os cabos elétricos, as condutas de gás, o aquecimento central ou as antenas de televisão. (x) As referidas estruturas físicas apenas são comuns, porém, nas suas partes que estão ao serviço da pluralidade dos condóminos; já são privadas nas suas partes que, mesmo quando atravessem partes comuns, servem exclusivamente uma fração, da qual passam a ser elementos integrantes. (xi) À luz deste critério, é parte comum do edifício o equipamento de ar condicionado que, num primeiro momento, produz a água fria, num segundo a bombeia e, num terceiro, a distribui pelas oito unidades de tratamento de ar das zonas comuns e pelos aparelhos ventilo-convetores das diferentes frações. (xii) No que tange à repartição com as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como às despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, o legislador estabeleceu, como regra, o critério da proporcionalidade entre a contribuição dos condóminos para as referidas despesas e o valor das respetivas frações. (xiii) Esse critério pode ser afastado, tanto no que tange às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, no título constitutivo ou numa sua modificação, como no que tange às despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, estas mediante disposição do regulamento do condomínio, “aprovada, sem oposição, por uma maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio” (art. 1424/2 do Código Civil), tendo, assim, natureza supletiva. (xiv) É configurável uma situação de exercício em desequilíbrio do direito ao voto por parte do condómino titular da maior parte do capital investido, geradora da anulabilidade da deliberação com base nele formada, quando ao mesmo tenha presidido o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo dos demais condóminos ou o propósito tão-só de prejudicar estes. | ||
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Decisão Texto Integral: | I. 1). EMP01..., SA, intentou ação declarativa, sob a forma comum, contra Condomínio do Prédio sito na Quinta ..., denominado ..., pedindo que, na procedência: (i) Sejam “declaradas nulas e de nenhum efeito as Deliberações de aprovação dos orçamentos para o ano de 2022 e para o ano de 2023, respetivamente tomadas no âmbito do ponto 1 da Assembleia de Condóminos do Réu de 18 de novembro de 2021 e ponto 1 da Ordem de Trabalhos da Assembleia de Condóminos do Réu de 20 de dezembro de 2022, e em consequência”, (ii) Seja o “Réu condenado na restituição à Autora de todos os valores por si liquidados ou que o venham a ser por referência aos anos de 2022 e de 2023 decorrentes da conservação e fruição dos sistemas de climatização, descontados dos montantes estritamente atinentes a encargos decorrentes de partes comuns, a apurar nos termos supra, acrescidos de juros de mora, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento”; Caso assim não se entenda, (iii) Seja “declarada nula ou, caso assim não se entenda, (…) anulada[,] e, em qualquer dos casos, de nenhum efeito[,] a Deliberação de aprovação dos orçamentos para o ano de 2023 tomada no âmbito do ponto 1 da Ordem de Trabalhos da Assembleia de Condóminos da Ré de 20 de dezembro de 2022 (…)”; (iv) Seja “o Réu condenado na restituição à Autora de todos os valores por si liquidados ou que o venham a ser por referência ao ano de 2023 decorrentes da conservação e fruição dos sistemas de climatização, descontados dos montantes estritamente atinentes a encargos decorrentes de partes comuns, a apurar nos termos supra, acrescidos de juros de mora, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento”; E em qualquer dos casos, (v) Seja “o Réu condenado a implementar procedimentos de medição dos consumos advenientes dos sistemas de climatização autonomizada por áreas comuns e por cada uma das concretas frações autónomas”; e (vi) Seja “o Réu condenado no pagamento à Autora das custas e despesas incorridas com a presente ação, incluindo procuradoria e demais legal.” Alegou, em síntese, que: é proprietária da fração autónoma identificada pela letra ... do prédio urbano constituído em propriedade horizontal denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP sob o n.º ...37 e descrito na matriz sob o art. ...29, cujo condomínio é administrado pela sociedade EMP02..., Lda.; na assembleia de condóminos realizada no dia 21 de novembro de 2022, tendo como objeto a apresentação, discussão e aprovação dos orçamentos de 2023 de despesas comuns, reparações e melhorias e investimentos, interpelou a administração do condomínio sobre o sistema de climatização do edifício, o que levou a uma suspensão da assembleia até ao dia 20 de dezembro de 2022; no período intermédio, a administração do condomínio remeteu aos condóminos vários elementos relativos ao funcionamento do sistema de climatização; em face desses elementos, concluiu que o sistema de climatização do edifício serve quer as partes comuns quer as frações autónomas, com exceção daquela de que é proprietária; os consumos são objeto de medição total, por equipamento, e não de medição autonomizada por áreas comuns e por cada uma das concretas frações autónomas; na proposta de orçamento para 2023 eram-lhe imputados, em função do valor da fração de que é proprietária, os custos decorrentes da conservação do sistema de climatização e os consumos daí decorrentes, em ambos os casos no que respeita às áreas comuns e às várias frações autónomas que dele beneficiam; assim já tinha sucedido em todos os orçamentos anteriores, desde a abertura do centro comercial, designadamente no de 2022, aprovado por deliberação de 18 de novembro de 2021, quanto às rúbricas “eletricidade” (em despesas comuns), no montante de € 353 294,00, “HVAC general repairs”, no montante de € 16 630,00, “Central HVAC switchboard upgrade”, no montante de € 28 662,00; em conformidade, pediu à administração do condomínio que apresentasse, até ao final de março de 2023, nova metodologia que assegurasse a medição dos consumos do sistema de climatização autonomizada por áreas comuns e pelas concretas frações, revendo a proposta de orçamento para 2023 e corrigindo o orçamento de 2022; no dia 20 de dezembro de 2022, foi retomada a assembleia de condóminos, na qual foi aprovada, por maioria, com o voto desfavorável da Autora, a aprovação da proposta de orçamento para 2023, tal como inicialmente apresentada, ou seja, prevendo a contribuição da Autora, quanto às rúbricas “eletricidade”, no valor de € 863 815,00, e “HVAC general repairs”, no valor de € 100 700,00, em função da permilagem da fração autónoma de que é proprietária; a referida maioria foi composta pelo voto favorável da única proprietária das demais frações autónomas, a sociedade EMP03..., detentora de uma permilagem de 700,63, e que assim é quem mais aproveita do sistema de climatização; ainda nessa assembleia, a Autora reiterou a sua proposta de medições do sistema de climatização e consequente repartição dos encargos, o que a administração do condomínio disse não ser possível. Prosseguiu dizendo, sob a epígrafe “Do Direito: Da invalidade e ineficácia das deliberações (ou deliberação caso assim não se entenda) sub judice”, que: os sistemas de climatização, na medida em que integram frações autónomas, não podem ser considerados partes comuns do edifício, pelo que os encargos e despesas, quer referentes à conservação (i. é, o investimento), quer à fruição (i. é, os consumos), nessa parte, não podem ser imputados conjuntamente aos condóminos, em conformidade com o disposto nos arts. 1405/1, 1424/1 e 1430/1 do Código Civil; tal é afirmado pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pelo Regulamento do Condomínio, dos quais resulta que os sistemas de climatização não integram, no que tange às frações autónomas, as partes comuns do edifício; ainda que se entendesse no sentido contrário, sempre seria de considerar que em parte estão ao serviço exclusivo das frações autónomas; assim, as referidas deliberações são nulas e de nenhum efeito por contrariarem o disposto nos arts. 1405/1, 1418, 1421, 1424 e 1430/1 do Código Civil, que apenas permitem a repartição das despesas relativas às partes comuns que não estejam destinadas ao uso exclusivo de determinados condóminos; são ainda nulas por, ao deliberarem sobre despesas que não são originadas por partes comuns, extravasam a esfera de competência da assembleia de condóminos; sem prejuízo, tais deliberações, tendo sido aprovadas apenas com o voto do condómino proprietário das demais frações, que beneficia, em exclusivo, do sistema de climatização das áreas privadas, conformam um abuso do direito na modalidade do desequilíbrio no exercício de posições jurídicas, sendo, também por essa razão, nulas; em qualquer caso, a deliberação de 20 de dezembro de 2023 sempre será, pelas indicadas razões, anulável. Citado, o Réu, representado pela administradora do condomínio, contestou dizendo, também em síntese, que: a construção e conceção do projeto do edifício foi levada a cabo pela sociedade EMP04..., SA, a qual, no dia 30 de dezembro de 2003, celebrou com a Autora o contrato-promessa de compra e venda da fração de que esta é atualmente proprietária; nesse contrato-promessa ficou expressamente previsto que o funcionamento do futuro condomínio seria regido através de um regulamento e que a quota-parte da Autora para as despesas comuns seria calculada com base na aplicação de um coeficiente de ponderação de 0,6, para assegurar uma mais justa e equilibrada repartição; esse coeficiente, apesar de não constar do regulamento do condomínio, tem vindo a ser aplicado desde sempre, pelo que a Autora vem participando nas despesas comuns em 15,81% e não em 29,94%, como resultaria da permilagem da fração de que é proprietária; para além disso, a Autora não participa nas despesas de marketing e promoção do centro comercial; por esta razão, a Autora nunca levantou qualquer questão quanto à repartição das despesas com a conservação e a fruição do sistema de ar condicionado, apesar de sempre ter estado ciente do modo de funcionamento deste; apenas o fez na assembleia convocada para a aprovação do orçamento para o ano de 2023 em resultado da política de não investimento em ações de melhoria e modernização do centro comercial e em reação ao aumento exponencial dos custos de energia provocado pelo contexto pós-pandémico e pelo conflito armado que opõe a Rússia à Ucrânia; O HVAC serve todo o condomínio, pelo que é considerado, pelo Regulamento, um equipamento comum; esse sistema obedece a um princípio de produção centralizada; a sua função é o arrefecimento da água que, por sua vez, é bombeada para um circuito que a distribui pelos aparelhos de HVAC (ventilo-convetores) das diferentes frações e pelas 8 unidades de tratamento de ar (UTA’s) das zonas comuns de forma a ser gerado ar condicionado para estas; já o condicionamento de ar nas várias frações é realizado por sistemas de ar condicionado próprios de cada uma delas, cujos custos são suportados pelos respetivos lojistas; assim, não é possível calcular os custos associados aos consumos energéticos do sistema HVAC com cada uma das frações autónomas e partes comuns do centro comercial, pelo que o objeto da ação é impossível; com a previsão do referido coeficiente de ponderação, foi afastado o regime supletivo dos arts. 1405/1 e 1424/1 e 3 do Código Civil; uma vez que o sistema de HVAC não serve exclusivamente algum dos condóminos, não tem aplicação o disposto no art. 1424/3 do mesmo diploma; as despesas comuns com consumos energéticos incluídas na rúbrica “eletricidade” não dizem apenas respeito ao funcionamento dos sistemas de HVAC, antes incluindo outras despesas. Acrescentou, sob a epígrafe “Do Direito”, que: ao arguir a nulidade de uma deliberação que aprovou, como sucede com a de 18 de novembro de 2021, a Autora atua em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium; entender que a EMP03..., ao votar favoravelmente as deliberações, atuou em abuso do direito, seria o mesmo que retirar-lhe o direito de voto. Concluiu que a ação deve improceder. Realizou-se a audiência prévia, em que a Autora pugnou pela improcedência das exceções de impossibilidade do objeto da ação e de abuso do direito invocadas pela Ré dizendo, em síntese, que o referido coeficiente de ponderação foi considerado única e exclusivamente pelo facto de o hipermercado ser a loja âncora do centro comercial e necessitar de grandes áreas de apoio comercial, ao que acrescentou que desenvolve atividades de promoção e marketing próprias, de que beneficia, de forma integral, todo o espaço comercial. De seguida, foi proferido despacho a: afirmar, de forma tabular, a verificação dos pressupostos processuais; delimitar o objeto do litígio [“Validade/invalidade da deliberação da assembleia de condóminos de aprovação dos orçamentos para os anos de 2022 e 2023 de 18 de novembro de 2021 e de 20 de dezembro de 2022.”] e enunciar os temas da prova [“1. Medida em que a autora beneficia do sistema de climatização instalado no “..., .... Valores pagos pela autora referentes nos anos de 2022 e 2023 decorrente da utilização e fruição do sistema de climatização por outras frações que não a sua. / 3. Quais os procedimentos a adotar pela ré para a medição dos consumos de dos sistemas de climatização por áreas comuns e por cada uma das frações autónomas.”]. Após a audiência final, onde foram ouvidas as testemunhas arroladas pelas partes, foi proferida sentença a julgar a ação improcedente e a absolver o Réu dos pedidos formulados pela Autora. *** 2). Inconformada, a Autora (daqui em diante, Recorrente) interpôs o presente recurso, através de requerimento composto por alegações e conclusões, estas do seguinte teor (transcrição):“(…) 5.º Não pode, pois, a ora Recorrente conformar-se com a decisão em crise, em qualquer dos enunciados segmentos, pois, com o devido respeito, que muito é, não fez a mesma correta aplicação do Direito, mormente no que respeita à interpretação do conceito de partes e despesas comuns (considerada a concreta fruição que se discute in casu) e, nesse conspecto, à natureza das aqui despesas em causa e que nessas deliberações se enseja imputar ao orçamento comum do Condomínio, sendo ademais reveladora de uma incompreensão das circunstâncias do caso concreto e que permite a subsistência de uma patente injustiça material. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: MODIFICAÇÃO DO ELENCO DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS, POR ADITAMENTO À MATÉRIA DE FACTO PROVADA 6.º Entende a Recorrente que o Tribunal a quo, mais do que dar como não provado o facto alegado pelo Condomínio Réu e correspondente à al. e) dos Factos Não Provados, deveria ter dado como provado a alegação da EMP01..., de que a existência do fator de ponderação se prende somente, por um lado, com o papel âncora que é desempenhado pelo hipermercado na dinâmica do Centro Comercial e, por outro lado, pela necessidade de grandes áreas de apoio comercial (que reduz, de forma significativa, a denominada “área de venda”, contrariamente ao que acontece nas demais lojas) – como, aliás, a própria Decisão a quo anota, na Fundamentação –, 7.º Donde inelutavelmente se deve concluir que o fator de ponderação (que impõe uma contribuição da Autora e Recorrente distinta da que resultaria da aplicação da permilagem) nenhuma relação tem com o concreto modo de funcionamento do sistema de climatização ou tampouco com o facto de do mesmo não aproveitar a fração da Autora. 8.º Doutra parte, entende a Recorrente que o Tribunal a quo deveria também ter dado como provado o facto de a EMP01... desenvolver atividades de promoção de marketing próprios, suportados por si e de que beneficia todo o Centro Comercial. 9.º As razões justificantes do fator de ponderação, no sentido de que o mesmo nada tem que ver com a participação da EMP01... em determinadas despesas no orçamento comum e de que não beneficia, como ocorre com os consumos do sistema de climatização pelas frações autónomas, e o facto de a EMP01... desenvolver atividades de promoção e marketing próprios, foram expressamente confirmados na Audiência de Julgamento, desde logo, visto que: (i) O facto de que o fator de ponderação nada tem que ver com a participação da EMP01... em determinadas despesas no orçamento comum e de que não beneficia, como ocorre com os consumos do sistema de climatização pelas frações autónomas, foi expressamente confirmado na Audiência de Julgamento desde logo pelo Senhor Dr. AA, Responsável de Desenvolvimento e Património da EMP01... – cf. minutos 00:34:58 a 00:39:47 e minutos 00:56:37 a 00:57:30 do registo de gravação efetuado na sessão da Audiência de Julgamento de 15.01.2024, com a duração total de 1 hora 30 minutos e 38 segundos; (ii) O facto de a EMP01... desenvolver atividades de marketing e comunicação próprios, com benefício para todo o Centro Comercial (razão pela qual a EMP01... não participa na rubrica condominial atinente a marketing), foi também confirmado pela mesma testemunha AA – cf. minutos 00:42:07 a 00:43:25 do registo de gravação efetuado na sessão da Audiência de Julgamento de 15.01.2024, com a duração total de 1 hora 30 minutos e 38 segundos; (iii) Também BB, gestor e coordenador na EMP02..., sociedade administradora do Condomínio, confirmou que a existência do fator de ponderação se justificava pela área de venda mais reduzida do hipermercado – cf. minutos 00:53:11 a 00:56:23 e 00:58:12 a 00:58:49 do registo de gravação efetuado na sessão da Audiência de Julgamento de 23.01.2024, com a duração total de 1 hora 24 minutos e 12 segundos; (iv) Os dois pontos supra, referentes ao fator de ponderação e às atividades de promoção e marketing próprios da EMP01..., foram igualmente confirmados por CC, Diretor de Expansão do grupo EMP01... – cf. minutos 00:32:18 a 00:39:30 do registo de gravação efetuado na sessão da Audiência de Julgamento de 15.01.2024, com a duração total de 1 hora 25 minutos e 37 segundos. 10.º Em boa verdade, não faria o mínimo sentido, de acordo com regras de experiência, que, por forma a compensar a Autora por despesas futuras decorrentes do sistema de climatização, que são incertas e de valor variável, as Partes determinassem, aquando da constituição da propriedade horizontal ou posteriormente, conferir à fração da Autora uma contribuição inferior e pré-determinada nas despesas comuns. 11.º De resto, estando a utilização do sistema de climatização do Centro Comercial na mera disponibilidade da EMP01... (como o Réu não coloca em que causa, e também ficou patente nos depoimentos prestados pelas testemunhas na Audiência de Julgamento), bem se vê que nenhuma correlação tem essa (não) utilização com a existência do fator de ponderação (ou o seu concreto percentual), já que, mesmo que a EMP01... usufruísse do sistema de climatização na sua fração (como poderia), o fator de ponderação permaneceria inalterado. 12.º A existência do fator de ponderação justifica-se, apenas, pois, pelo papel âncora que é desempenhado pelo hipermercado e pela mais reduzida “área de venda” de que beneficia e pelo facto de a EMP01... desenvolver atividades de promoção e marketing próprios, suportados por si e de que beneficia todo o Centro Comercial, emergentes dos pontos 16, 17 e 19 do requerimento de resposta à matéria de exceção (e tendo por contraponto a alegação vertida, em sentido contrário, inter alia, nos artigos 19.º, 20.º, 64.º e 76.º da Contestação do Réu). 13.º Assim, e por terem relevância para a boa decisão da causa, deverão ser acrescentados aos factos provados dois novos factos, a saber: “A existência do fator de ponderação decorre única e exclusivamente do papel âncora que é desempenhado pelo hipermercado na dinâmica do Centro Comercial, bem como da necessidade de grandes áreas de apoio comercial (que reduz, de forma mais significativa do que nas demais lojas, a denominada “área de venda”);” “O hipermercado, no caso a aqui Autora, desenvolve atividades de promoção e marketing próprios, suportados integralmente por esta, de que beneficia, de forma integral, todo o espaço comercial.” DA INVALIDADE E INEFICÁCIA DAS DELIBERAÇÕES (OU DELIBERAÇÃO, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA) SUB JUDICE 14.º O entendimento lavrado pelo Tribunal a quo, de que as despesas em causa são de natureza comum e que a sua repartição está em consonância com a Lei e com o Regulamento de Condomínio, radica, com todo o devido respeito, numa leitura e aplicação desconforme às normas legais ou contratuais disciplinadoras da propriedade horizontal, mostrando-se ademais totalmente desfasada dos contornos concretos que o presente caso convoca, e que a mens legislatoris não pretendeu. 15.º Não se discute, ou em momento algum a EMP01... colocou em causa, que os sistemas de climatização existentes no Centro Comercial são uma parte comum do Condomínio. Porém, 16.º Não é admissível que venham sendo e continuem a ser imputadas ao orçamento comum despesas que derivam dos consumos realizados em cada uma das concretas frações autónomas (e que o Condomínio não controla, nem tem como controlar), ao invés de serem implementadas medições autonomizadas dos consumos do sistema de climatização (que são possíveis), que apartem o que é comum do que é de cada fração (da responsabilidade de cada um dos proprietários e porventura repercutida nos lojistas, na relação entre ambos). 17.º É inequívoco, conjuntamente do preceituado no artigo 1405.º, n.º 1, da leitura a contrario sensu do artigo 1424.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Civil e da letra e da subjacente mens legislatoris do n.º 3 (e n.ºs 4 a 6) do mesmo artigo, todos do Cód. Civil, por um lado, que os encargos que não sejam necessários e decorrentes da conservação e fruição de partes comuns do edifício ou do pagamento de serviços de interesse comum não deverão ser suportados conjuntamente pelos condóminos, e, por outro lado, que as despesas relativas a partes comuns que beneficiem ou de que se sirvam exclusivamente alguns condóminos ficam a cargo desses condóminos. 18.º Também no tocante aos serviços de interesse comum (e na medida em que o sejam), o seu pagamento é suportado pelos condóminos em proporção do valor das suas frações ou, por disposição do regulamento do condomínio, em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição (em consonância, respetivamente, com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1424.º do Cód. Civil). Expressão, quanto a todos, da máxima do ubi commoda ibi incommoda. 19.º Quer a Lei quer o Regulamento de Condomínio quando referem “partes comuns” ou “despesas comuns” (que das primeiras derivam) não pretendem aí abarcar toda e qualquer utilização ou toda e qualquer despesa, mas apenas as de natureza comum, de fruição ou interesse do conjunto dos condóminos. 20.º Assim, na parte e na medida em que do mesmo beneficiam as frações autónomas de concretos condóminos (ou seja, para lá do que é passível de ser considerado domínio “comum”), já não se está verdadeiramente perante uma qualquer utilização ou fruição dos sistemas de climatização enquanto “parte comum” ou de qualquer serviço de interesse comum, pelo que, contrariamente ao que acontece nos orçamentos aprovados pelas Deliberações em apreço, os decorrentes encargos e despesas, quer referentes à conservação (i.e., o investimento), quer à fruição (i.e., os consumos), na parte em que não dão cobertura a partes comuns, não podem, como é de apodítica clareza, ser imputados conjuntamente aos condóminos, mormente em consonância com o previsto nos artigos 1405.º, n.º 1, 1424.º, n.º 1 e 1430.º, n.º 1 do Cód. Civil. 21.º Tal é confirmado, como não poderia deixar de ser, pelo título constitutivo da propriedade horizontal e pelo Regulamento de Condomínio (cf. Documento n.º 5 junto à Petição Inicial e artigos 3.º, 6.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e d) e 10.º, n.º 2 do Documento n.º 6 junto à Petição Inicial e artigo 1418.º do Cód. Civil), em que os sistemas de climatização não integram, desde logo na parte concernente às frações autónomas, as partes comuns do Condomínio. 22.º Sem embargo, ainda que se entendesse que a utilização do sistema de climatização integra, de forma indivisível, para efeitos de aplicação do regime aplicável, o conceito de partes comuns – no que não se concede –, certo é que, também por aqui, não poderiam as despesas estritamente atinentes às frações autónomas deixar de ser imputadas, nessa medida, aos condóminos que beneficiam de forma exclusiva desse sistema nas sua frações, em particular nos termos do disposto no artigo 1424.º, n.º 3 do Cód. Civil, bem como, ademais, em conformidade com o previsto no Regulamento de Condomínio, designadamente no seu artigo 6.º. 23.º É errado e falacioso o argumento que a final se esgrime na Sentença a quo a respeito da existência do fator de ponderação e da suposta “repartição mais justa”, desde logo porque as despesas em causa não são comuns (mas despesas de cada uma das frações autónomas!). 24.º Sem embargo, e além disso, o fator de ponderação não visa (como aqui parece pretender a Sentença a quo) “compensar” a EMP01... por permitir (que não permite) imputar ao orçamento comum despesas que não têm natureza comum, justificando-se tão-somente, como melhor se expôs no ponto II.1. supra, pelo papel âncora que é desempenhado pelo hipermercado na dinâmica do Centro Comercial e pela necessidade de grandes áreas de apoio comercial (que reduz, de forma significativa, a denominada “área de venda”, contrariamente ao que acontece nas demais lojas), como de resto a Sentença a quo também salienta… 25.º Doutra parte, também não pode merecer acolhimento o argumento lavrado na Decisão a quo no sentido de que “as deliberações tomadas em de sede assembleia de condóminos não definem os critérios de divisão das despesas orçamentadas”, sendo “o regulamento que estabelece os critérios de divisão das despesas comuns”, já que, como se disse supra, as normas do Regulamento de Condomínio, ao estabelecerem, entre o mais, a repartição das despesas comuns, não pretendem (ou tampouco poderiam) fazer aí incluir despesas ou custos que não têm natureza comum. 26.º Pelo que deveria o Tribunal a quo, só por aqui, por errada (e ilegal) imputação de encargos aos condóminos (in casu, à EMP01...) e vício de conteúdo das Deliberações, ter conhecido e declarado a nulidade das Deliberações sub judice e, em consequência, julgado procedentes os pedidos formulados pela Autora. 27.º Ao decidir de forma diversa, fez o Tribunal a quo, neste tocante, errada interpretação e aplicação do Direito aos factos em presença, em especial do disposto no artigos 1405.º, n.º 1, 1418.º, 1421.º e 1424.º do Cód. Civil e, bem assim, dos artigos 3.º, 6.º e 10.º do Regulamento de Condomínio. 28.º Acresce que, ao determinar ou permitir uma imputação ao orçamento do Condomínio de despesas que não têm, em si, natureza comum, as Deliberações sub judice exorbitam a esfera de competência da Assembleia de Condóminos, sendo, também por aqui, nulas e de nenhum efeito. 29.º Ao decidir de forma diversa, fez o Tribunal a quo, também nesta parte, errada interpretação e aplicação do Direito aos factos em presença, em especial do disposto no artigos 1405.º, n.º 1, 1418.º, 1421.º, 1424.º e 1430.º, n.º 1 do Cód. Civil e, bem assim, dos artigos 3.º e 6.º do Regulamento de Condomínio. 30.º As Deliberações sub judice são ainda nulas e de nenhum efeito, por verificação de abuso do direito, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 334.º do Cód. Civil, na medida em que é o (único) voto (abusivo) da comproprietária que permite manter um estado de coisas, do seu exclusivo interesse (porquanto beneficia, ao contrário da Recorrente, do sistema de climatização nas áreas privadas), que, além de violador da Lei e do Regulamento de Condomínio, consubstancia um desequilíbrio objetivo e infundado das posições das comproprietárias. 31.º Mal andou, assim, ao decidir diversamente o Tribunal a quo, em manifesta violação do disposto nos no artigos 334.º, 1405.º, n.º 1, 1418.º, 1421.º e 1424.º do Cód. Civil e, bem assim, dos artigos 3.º, 6.º e 10.º do Regulamento de Condomínio. Em face de todo o exposto, 32.º Deve ser revogada a Sentença a quo e, em consequência, ser conhecida e declarada a nulidade das Deliberações sub judice, nos termos propugnados supra, e ser o Réu e Recorrido condenado a implementar procedimentos de medição dos consumos advenientes dos sistemas de climatização autonomizada por áreas comuns e por cada uma das concretas frações autónomas, 33.º E, ainda, nos termos do previsto no artigo 289.º do Cód. Civil, ser o Réu e Recorrido condenado na restituição à EMP01... de todos os valores por si liquidados ou que o venham a ser por referência aos anos de 2022 e de 2023 decorrentes da conservação e fruição dos sistemas de climatização, descontados dos montantes estritamente atinentes a encargos decorrentes de partes comuns (a apurar em função dos consumos reais que se venham a verificar no primeiro trimestre após a implementação de medição autonomizada ou dos consumos estimados em função da proporção das áreas comuns e das concretas frações autónomas), acrescidos de juros de mora, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. DA NULIDADE OU ANULABILIDADE DA DELIBERAÇÃO SUB JUDICE 34.º Ainda que não se entendesse pela nulidade das Deliberações sub judice, nos termos expostos supra – no que não se concede, e a mero benefício de raciocínio se equaciona –, então sempre seria a Deliberação referente ao orçamento de 2023 nula, nos termos supra, ou, caso assim não se entenda, anulável, nos termos do disposto nos artigos 1405.º, n.º 1, 1418.º, 1424.º, 1430.º, n.º 1 e 1433.º, n.º 1 do Cód. Civil e nos artigos 3.º e 6.º do Regulamento de Condomínio, que, para todos os efeitos, se deixa arguida. 35.º Donde deve ser revogada a Sentença a quo e, em consequência, ser conhecida e declarada a nulidade das Deliberações sub judice, nos termos propugnados supra, e ser o Réu e Recorrido condenado a implementar procedimentos de medição dos consumos advenientes dos sistemas de climatização autonomizada por áreas comuns e por cada uma das concretas frações autónomas, 36.º E, ainda, nos termos do previsto no artigo 289.º do Cód. Civil, condenado na restituição à EMP01... de todos os valores por si liquidados ou que o venham a ser por referência ao ano de 2023 decorrentes da conservação e fruição dos sistemas de climatização, descontados dos montantes estritamente atinentes a encargos decorrentes de partes comuns (a apurar em função dos consumos reais que se venham a verificar no primeiro trimestre após a implementação de medição autonomizada ou dos consumos estimados em função da proporção das áreas comuns e das concretas frações autónomas), acrescidos de juros de mora, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.” Pediu que, na procedência do recurso, seja revogada a decisão recorrida, substituindo-se a mesma por outra que julgue a ação procedente nos termos do petitório constante da petição inicial. *** 3). O Réu (daqui em diante, Recorrido) respondeu, pugnando pela improcedência do recurso.*** 4). O recurso foi admitido como apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.*** 5). Realizou-se a conferência, previamente à qual foram colhidos os vistos dos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.*** II.As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, do CPC). Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação. Ressalvam-se, em qualquer caso, as questões do conhecimento oficioso, que devem ser apreciadas, ainda que sobre as mesmas não tenha recaído anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo Recorrente ou pelo Recorrido, quando o processo contenha os elementos necessários para esse efeito e desde que tenha sido previamente observado o contraditório, para que sejam evitadas decisões-surpresa (art. 3.º/3 do CPC). Tendo isto presente, as questões que se colocam no presente recurso podem ser sintetizadas nos seguintes termos, seguindo a ordem lógica do seu conhecimento: 1.ª Erro no julgamento da matéria de facto, por não terem sido considerados como provados os seguintes enunciados: “A existência do fator de ponderação decorre única e exclusivamente do papel âncora que é desempenhado pelo hipermercado na dinâmica do Centro Comercial, bem como da necessidade de grandes áreas de apoio comercial (que reduz, de forma mais significativa do que nas demais lojas, a denominada “área de venda”)”; e “O hipermercado, no caso a aqui Autora, desenvolve atividades de promoção e marketing próprios, suportados integralmente por esta, de que beneficia, de forma integral, todo o espaço comercial”; 2.ª Erro sobre a matéria de direito, mais concretamente no que tange à aplicação e interpretação do disposto nos arts. 1405/1, 1421, 1418, 1424, 1430/1 e 1433/1 do Código Civil quanto aos seguintes aspetos: natureza comum do sistema de climatização do edifício; repartição entre os condóminos das despesas decorrentes do seu uso e manutenção; legitimidade da assembleia de condóminos para deliberar sobre essa matéria; natureza abusiva das deliberações tomadas por decorrerem de um desequilíbrio no exercício do direito de voto do condómino titular das frações com maior permilagem. *** III.1) Antes de prosseguirmos com o conhecimento das questões enunciadas, respigamos a fundamentação de facto da sentença recorrida. Assim, foram considerados como factos provados os seguintes enunciados, que reordenamos de acordo de acordo com a sequência lógica e cronológica que é conforme à realidade histórica que é suposto ser retratada[1]: (1) 2. Por escritura pública de constituição da propriedade horizontal datada de 30/07/2005, foi sujeito ao regime de propriedade horizontal o prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37 e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...59 da freguesia, concelho e distrito .... (2) 9. Desde outubro de 2004 que o edifício denominado ... se encontra instalado no prédio descrito em 2. (3) 1. A autora é uma sociedade que se dedica às atividades de comércio é industria de géneros alimentícios e não alimentícios e de todo o tipo de artigo compreendidos no ramo de hipermercados e supermercados. (4) 21. Em 30 de dezembro de 2003, a sociedade “EMP04..., SA” - que concebeu e construiu o projeto do hoje ... – celebrou com a autora um contrato promessa de compra e venda de uma fração destinada à instalação de um hipermercado. (5) 22. No referido contrato promessa (cláusula 14.9) ficou estabelecido que “a quota parte de participação nas despesas comuns do Centro Comercial ..., estabelece-se aplicando à quota de compropriedade nas partes comuns do condomínio um índice de ponderação em função da área da fração que assegura uma mais justa e equilibrada repartição das despesas e que será a que resulta da aplicação à sua referida quota de compropriedade de um coeficiente de ponderação de 0,6”. (6) 23. A escritura pública de compra e venda foi outorgada a 30 de junho de 2005. (7) 3. A autora é titular do direito de propriedade sobre a fração autónoma ... que integra o prédio urbano, constituído no regime de propriedade horizontal, denominado ..., sito no Lugar ..., freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...37 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...59 da freguesia, concelho e distrito .... (8) 20. A EMP01... é titular da fração ... desde a sua construção. (9) 4. A “EMP03..., SA” é proprietária das frações ..., ... e ... a ... do edifício descrito em 2. (10) 5. É administradora do condomínio a sociedade “EMP02..., Lda.” desde ../../2016. (11) 34. O Regulamento de Condomínio considera como partes comuns “as instalações gerais de água, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes, ainda que destinadas ao uso de qualquer fração” – art. 3º, n.º1, al. d). (12) 35. Quanto aos encargos de funcionamento e fruição “as despesas de natureza condominial serão suportadas pelos condóminos na proporção das respetivas permilagens” sendo que “constituem despesas de natureza condominal as de conservação, manutenção e reparação das partes comuns não exploradas comercialmente e prestação de serviços conexos” – art. 6º, n.ºs 1, e 2, al. a). (13) 36. O Regulamento de Utilização e Funcionamento do Centro Comercial considera como partes comuns “as instalações gerais de água, eletricidade, esgotos, ar condicionado, gás, som, deteção e combate de incêndio, de instrução, telecomunicações e bocas de incêndio.” – art. 2º, n.º1, al. d). (14) 37. Mais determina que são consideradas despesas comuns “as despesas relativas a manutenção, reparação e reposição das redes de distribuição (incluindo os transformadores) de qualquer serviço do Centro Comercial de utilização comum tais como água, esgotos, eletricidade, força motriz, telefones e telecomunicações, etc.” - art. 7º, n.º1, al. b). (15) 38. Quanto à repartição de tais despesas o Regulamento de Utilização e Funcionamento do Centro Comercial determina que “todas as despesas comuns de cada ano civil anual serão repartidas entre os diversos proprietários ou lojistas na proporção de uma área ponderada, tendo por base a primeira repartição de despesas do Centro Comercial, salvo exceções contratadas. A quota parte de comparticipação nas despesas comuns do Centro Comercial do titular da fração ... estabelece-se aplicando à quota da compropriedade nas partes comuns do edifico um índice de ponderação em função da área de cada fração que assegura uma mais justa e equilibrada repartição das despesas e que será a que resulta da aplicação à sua referida quota de compropriedade de um coeficiente de ponderação de 0.6.” – cf. art. 8º. (16) 24. Atendendo às permilagens das frações e considerando em relação à EMP01... um coeficiente de ponderação de 0,6 a atual percentagem de comparticipação dos condóminos nas despesas comuns é de 84,19% para a ‘EMP03...” e de 15,81% para a autora. (17) 25. O fator de ponderação tem vindo a ser aplicado desde o inicio do funcionamento do condomínio. (18) 26. Sem a aplicação do coeficiente de ponderação a EMP01... participaria nas despesas comuns com uma percentagem de 29,94%. (19) 10. O sistema de climatização do ..., ou seja, a produção de ar frio, é centralizada, sendo distribuída a partir do coletor de ida que é comum para o mall e para as lojas. (20) 28. O condicionamento de ar nas lojas do Centro Comercial é realizado por sistemas de ar condicionado próprios de cada uma das frações, sendo o custo energético do seu funcionamento suportado por cada um dos lojistas. (21) 29. Os sistemas de ar condicionado instalados em cada uma das lojas e nas zonas comuns, necessitam de água fria para conseguir gerar o ar condicionado, sendo a água fria que é distribuída pelos equipamentos centrais de climatização e refrigeração do Centro Comercial. (22) 30. O que sucede desde a abertura do Centro Comercial ao público. (23) 31. O HVAC (Heating, ventilation and air conditioning) do Centro Comercial é composto por três refrigeradores a ar e bancos de gelo (que se encontram desativados), tendo como função arrefecer a água que, por sua vez, é bombeada para um circuito que a distribui pelos aparelhos ventilo-convetores das diferentes frações e pelas 8 unidades de tratamento de ar (UTA) das zonas comuns. (24) 32. Os consumos gerados dizem respeito por um lado à produção da água gelada e por outro ao bombeamento dessa água para as várias UTAs e aparelhos de HVAC das frações. (25) 33. O atual sistema de HVAC do Centro Comercial não permite fazer a medição individualizada do consumo de energia despendido com a refrigeração da água necessária para cada uma das frações que compõem o Centro Comercial por comparação com a energia consumida para a refrigeração das zonas comuns. (26) 11. O sistema de climatização instalado no edifício serve por um lado as partes comuns e por outro as frações autónomas do prédio afetas à atividade comercial, com exceção da fração que pertence à autora. (27) 12. Os consumos incorridos com a climatização do edifício estavam a ser objeto de medição total por equipamento e não de medição autonomizada por áreas comuns e cada uma das frações autónomas. (28) 13. Estando a ser imputados à autora, na proporção do valor da sua fração a integralidade dos custos decorrentes da conservação do sistema de climatização e também dos consumos dai decorrentes, sempre no que respeita às partes comuns e às áreas privativas. (29) 14. O sistema de climatização não beneficia a fração autónoma da autora, que, como tal, apenas beneficia do mesmo no que respeita às partes comuns. (30) 6. Por carta datada de 25 de outubro de 2022 a autora tomou conhecimento da convocatória para a Assembleia de Condóminos do Edifício... em que se insere a fração da autora, a ter lugar no dia 21 de novembro de 2022, sendo a seguinte a ordem de trabalhos: - Apresentação, discussão, e aprovação dos orçamentos de 2023 de despesas comuns, reparações e melhorias (OPEX) e Investimentos (CAPEX); - Outros assuntos de interesse geral. (31) 7. No dia 21 de novembro de 2022 reuniu a Assembleia de Condóminos, em que foram levados à discussão os assuntos que compunham a ordem de trabalhos, e solicitou a autora à Administradora vários esclarecimentos sobre o sistema de climatização. (32) 8. Os condóminos presentes deliberaram postergar a votação do orçamento para 2022 para nova Assembleia de Condóminos, a realizar em 20 de dezembro de 2023. (33) 9. A EMP02..., a pedido da autora remeteu aos condóminos um conjunto de elementos referentes ao funcionamento do sistema de climatização no Centro Comercial. (34) 15. A autora votou contra a deliberação do orçamento de 2023 especificamente quanto às rúbricas “eletricidade” no valor de 863.815,00 € e “HVAC general repairs” no montante de 100.700;00 €, que foi aprovada com o voto de “EMP03...”, proprietária das demais frações e com uma permilagem de 700,63. (35) 16. A deliberação de 18 de novembro de 2021 aprovou por unanimidade, incluindo o voto favorável da autora, o orçamento para o ano de 2022, estando incluído o sistema de climatização centralizado no item da eletricidade. (36) 17. A proprietária das demais frações, que votou favoravelmente à aprovação do orçamento em dezembro 2022 beneficia em exclusivo do sistema de climatização das áreas privadas. (37) 18. É possível proceder-se a medições autonomizadas dos consumos referentes às áreas comuns e aos consumos das frações autónomas que beneficiam do sistema de HVAC quer por medição real quer por medição estimada. (38) 27. A EMP01... não participa nas despesas de marketing e promoção do Centro Comercial. *** 2). De seguida, o Tribunal de 1.ª instância considerou como factos não provados, “designadamente”, os seguintes enunciados:a) Apenas com os documentos disponibilizados pela EMP02... referidos em 7 a autora tomou conhecimento do funcionamento do sistema de climatização do Edifício.... b) E inferiu que, ao longo dos anos, lhe vinham sendo imputados encargos com consumos do sistema de climatização estritamente advenientes da sua fruição nas demais frações autónomas. c) O que desconhecia até ao momento. d) Não é possível calcular os custos associados aos custos energéticos do sistema HVAC com cada uma das frações autónomas e partes comuns do Centro Comercial. e) A comparticipação pela EMP01... nas despesas comuns do Centro Comercial resulta de um acordo feito com a EMP01..., antes da abertura ao público do Centro Comercial, nos termos do qual participa em determinadas despesas das partes comuns, como as despesas de funcionamento e manutenção do sistema HVAC, sendo aplicado um coeficiente de ponderação de 0,6.” *** 3). Finalmente, o Tribunal de 1.ª instância fundamentou a decisão da matéria de facto nos seguintes termos:“Para dar como provada e não provada a matéria de facto nos termos enunciados teve-se desde logo em consideração as posições que as partes assumiram nos seus articulados, sendo que, em abono da verdade, inexistem grandes discrepâncias quanto à factualidade essencial. Tal factualidade encontra-se ainda respaldada pelos documentos que estão nos autos, designadamente: - a certidão do registo comercial da autora; - a certidão predial urbana e as certidões matriciais das frações; - escrituras de constituição da propriedade horizontal e regulamento de condomínio; - ata n.º ... da Assembleia de Condóminos datada de ../../2016 em que a “EMP02..., Lda.” foi nomeada Administradora do Condomínio...; - Regulamento de Funcionamento e Utilização do Centro Comercial; - convocatória da autora para a Assembleia de Condóminos agendada para o dia 21 de novembro de 2022, datada de 25 de outubro de 2022, da qual consta a ordem de trabalhos; - elementos referentes ao sistema de climatização do Centro Comercial disponibilizados pela ré à autora; - ata n.º ...9 da assembleia de condóminos do ... datada de 18 de novembro de 2021 em que foi aprovado, com o voto favorável da autora, o orçamento para o ano de 2022; - ata n.º ...1 da assembleia de condóminos do ... datada de 21 de novembro de 2022 em que manifestou discordância a autora quanto à estratégia seguida pelo condomínio em relação aos custos da energia, designadamente pela opção de uma tarifa variável. Mais se pronunciou em relação ao sistema de climatização centralizado e a constatação que se encontrava a ser imputada nas despesas comuns a energia despendida pelas frações autónomas que não dispõem de climatização autónoma e em que a administração do condomínio refere que não é possível fazer uma mediação separada das áreas comuns e de cada uma das frações; - ata n.º ...2 da assembleia de condóminos do ... datada de 20 de dezembro de 2022 em que a autora referiu manter a posição anteriormente assumida no que toca aos custos da eletricidade, e designadamente na imputação aos condóminos de despesas das frações, tendo votado contra a aprovação do orçamento, mas discordando apenas no que respeita à rubrica da eletricidade. Em sede de audiência de discussão e julgamento foi inquirida a testemunha DD responsável da “EMP01...” pelo desenvolvimento e património desde 2018. No entanto, encontra-se vinculado à autora há 26 anos. Referiu ter estado presente nas assembleias de condóminos em que foram tomadas as deliberações que estão em causa nestes autos. Esclareceu que a climatização da fração da autora é feita com equipamentos próprios. Também os cinemas instalados no Centro Comercial, assim como algumas lojas com uma área maior têm sistemas próprios. A restante área (partes comuns e frações) são servidas e beneficiam da produção centralizada do edifício. A testemunha referiu ter ideia que desde o inicio do funcionamento do Centro Comercial que o sistema de climatização se mantém o mesmo. Não obstante ter conhecimento do modo de funcionamento do sistema de climatização afirma que apenas na assembleia de 21 de novembro de 2022 obteve a informação que inexistia qualquer separação dos custos entre o gasto de climatização da parte comum e das frações autónomas, estando a ser imputados nas despesas comuns o custo de climatização das lojas. Apresentaram uma proposta de medição dos consumos. Acrescentou que noutro centro comercial em que existe a mesma administração de condomínio foi feita uma proposta de divisão do consumo por estimativa, o que foi aceite. Afirma apenas estar em causa dos custos de energia no que se refere aos consumos das frações não questionando a autora a sua contribuição para todas as despesas que servem as partes comuns. O peso da climatização no total da energia ascende a cerca de 60%, incluindo as áreas comuns e as lojas, existindo formas de fazer essa estimativa. Também existem formas de fazer uma medição real através da instalação de contadores [de] entalpia nas tubagens que vão dar às lojas e às áreas comuns, o que requer, necessariamente, algum investimento. Quando questionada acerca do fator de ponderação de 0,6 de que beneficia a EMP01... no que toca à sua comparticipação para as despesas comuns afirmou que tal nada tem que ver com a assunção de despesas das frações pela autora, mas sim com a circunstância de revestir a natureza de “loja âncora” no sentido de atrair clientela para o Centro Comercial, e também devido à circunstância, de a fração da autora, pela sua natureza de hipermercado, necessitar de ocupar uma área muito maior do que aquele que funciona ao público. Exemplificou que para ter uma área de 5.000 m2 comercial exige 10.000 m2 de espaço. Quanto à exclusão da EMP01... nas despesas de promoção e marketing do Centro Comercial explicou que tal se deve ao facto de ter promoção e marketings próprios que também beneficia o Centro Comercial. A testemunha CC, diretor de expansão da EMP01..., tem a seu cargo quer a abertura de lojas quer a gestão dos condomínios dos centros comerciais em que estejam inseridas, cargo que ocupa desde 2003. Desde 96 que era gerente de expansão na zona norte, sendo funcionário da empresa desde 1982. Referiu ser conhecedor do modo de funcionamento do sistema de climatização do ..., sendo uma produção centralizada para as partes e comuns e para as frações que não disponham de sistemas próprios de climatização (sendo que a EMP01... dispõe desse sistema). Afirmou ainda que sempre presumiu que os custos que eram imputados à EMP01... no que se refere à climatização era apenas o referente ao consumo feito pelas áreas comuns, sendo que, há cerca de um ano, constataram que não era assim, e que as medições eram feitas como consumos totais. Muito embora conhecesse o sistema de climatização, sabendo que existia uma produção centralizada, a EMP01... nunca assumiu o pagamento dos custos de climatização das restantes frações. Quando tomaram conhecimento de como os custos estavam a ser imputados pediram ao condomínio que os consumos fossem calculados autonomamente. Estão em causa apenas os custos de consumo e não o de manutenção e investimento, que servem as partes comuns. A forma de fazer a medição autónoma para os consumos passados seria através de estimativa e para os futuros com a instalação de contadores para o efeito. Segundo a testemunha existem vários centros comerciais que não obstante a climatização centralizada a medição é feita separadamente entre as partes comuns e entre as frações designadamente com recurso a estimativa. No que toca ao fator de ponderação de 0.6 de que beneficia a EMP01... tal corresponde a um benefício dado às lojas âncora, como são os hipermercados, e que faz com que contribuam para as despesas comuns com um valor inferior ao que lhes corresponderia nos termos da sua permilagem. Tal encontra-se relacionado quer com a circunstância de mais de 1/3 da área da loja não ser área comercial útil. Este facto de ponderação existe em todas as lojas da EMP01... quer naquelas em que é proprietária da fração quer nas em que é arrendatária. O mesmo sucede com outras lojas do centro comercial. Em relação a outras rúbricas do orçamento em que não participam, tal deve-se ao facto de assumirem, como referiu, a natureza de loja âncora e disporem de serviços próprios, designadamente de promoção e marketing, que também acabam por beneficia as restantes lojas. Propuseram ao condomínio, a contabilização dos consumos por estimativa. Acresce que, no piso em que se encontra o hipermercado inexiste climatização das áreas comuns. A testemunha EE, engenheiro técnico da área da climatização, que prestou serviços de projetista para a autora na loja de Coimbra (...), e por isso mesmo conhecedor do modo de funcionamento dos sistemas de climatização dos centros comerciais. Apesar de não ter tido intervenção direta no sistema de climatização do ..., dos elementos que analisou e do que constatou esclareceu que é um sistema de climatização standard, sendo a produção centralizada de frio feita através de equipamento para o efeito e o aquecimento de água através de caldeiras. A distribuição da energia de água quente e fria é centralizada beneficiando quer as zonas comuns quer as frações que se encontram ligadas àquele. Mais referiu que o sistema centralizado não implica uma contagem dos consumos comum, sendo possível fazer quer a medição real quer uma medição estimada através de um cálculo de kw/m2 por área das lojas e do mall. Apurar os consumos reais através de contadores é possível sendo, no entanto, uma instalação cara e que leva algum tempo a implementar. Por sua vez a testemunha FF, engenheiro mecânico, no âmbito de uma empresa de climatização, e com 27 anos de experiência de climatização de centros comerciais. Confirmou que os sistemas de climatização do ... é um sistema centralizado tendo o hipermercado um sistema autónomo. Para fazer a medição autónoma dos consumos, terão de ser instalados contadores de entalpia. A testemunha GG, engenheiro eletrónico, trabalha na EMP02... desde agosto de 2015. No âmbito da sua atividade faz a coordenação de todos os equipamentos dos centros comerciais. Está presente nas reuniões de condomínio. Lembra-se de ter surgido a questão da separação dos custos. Ficou surpreendido com a posição da autora uma vez que esta, tinha conhecimento que inexistiam no centro comercial contadores de entalpia. Confirmou a existência de um centro comercial – Centro Comercial ... – em que realizaram a divisão de custos por estimativa. BB, desde 2016 que trabalha na EMP02... sendo que, desde 2017, exerce funções na gestão do .... Tem um portefólio de cinco centros comerciais de ... para cima, tendo proprietários distintos. Desde novembro de 2017 que participa nas reuniões de condomínio. A EMP02... – entidade gestora do condomínio – não concorda com a proposta apresentada pela EMP01.... A EMP01... beneficia da isenção de participação em algumas das despesas comuns, designadamente em tudo o que esteja relacionado com a promoção e marketing do centro comercial. Referiu que nos restantes centros comerciais de que tem a gestão inexiste qualquer repartição deste tipo de custos. Apenas na assembleia de condóminos no ano de 2022 é que a EMP01... referiu não saber que existia uma produção centralizada do sistema de climatização. Ora, segundo a testemunha, o sistema funciona assim desde a construção do centro comercial pelo que seria praticamente impossível a autora não ter conhecimento do seu modo de funcionamento. Também mencionou a realização de uma vistoria energética no ano de 2016, de que a autora teve conhecimento e que refere expressamente o consumo das frações e a imputação do seu custo nas partes comuns. Deu a conhecer que no custo global da energia do centro comercial a climatização tem um peso de 45%, sendo desse valor 30% respeitam às zonas comuns e 70% às zonas privativas. Também, segundo a área das frações a EMP01... tem uma permilagem de 30%, sendo que, a sua medida de contribuição das despesas comuns, atenta a aplicação do fator de ponderação é de 15%. Este fator de ponderação de 0.6 não consta do regulamento de condomínio, sendo, no entanto, aplicado desde o início do funcionamento do centro comercial. Consta do clausulado do contrato promessa – cláusula 14.9. No seu entendimento o facto de ponderação resulta de um conjunto de fatores, incluindo as despesas das partes comuns, de forma a ser mais equilibrada a sua repartição. O outro condómino apenas aceita a divisão de custos mediante uma revisão global de todo o sistema de contribuições e contrapartidas pela EMP01..., designadamente do fator de ponderação. Já a testemunha HH, diretor do centro comercial, desde ../../2022. Já tinha sido anteriormente, entre 2008 e 2012, diretor do mesmo centro comercial com uma outra entidade. Compete-lhe fazer a gestão de todo o centro comercial. Está presente nas reuniões de condomínio. Estava presente em novembro de 2022 na reunião de condomínio em que foi levantada a questão da produção centralizada e dos custos. No âmbito da discussão do orçamento para a energia a EMP01... manifestou surpresa porque a produção da energia destinada ao sistema de climatização era centralizada. Ora, não pode deixar de manifestar estranheza em relação a tal facto atendendo à circunstância de o sistema sempre ter funcionado desse modo desde a implementação do centro comercial tendo, além do mais a EMP01... tido conhecimento dos relatórios/auditorias de energia. Referiu ainda que a EMP01... ficou de fazer uma proposta sendo surpreendido com a instauração dessa ação. No mesmo sentido depôs a testemunha II, diretor de centros comerciais, financeiro da EMP02..., e que desde julho de 2018 a agosto de 2022 foi diretor do .... Sempre teve conhecimento do funcionamento do sistema HVAC. A EMP01... nunca questionou esse funcionamento. Ficou surpreendido com a questão da divisão de custos tanto tempo após a entrada em funcionamento do cento comercial. Tem conhecimento da existência do fator de ponderação, sempre tendo sido utilizado para uma gestão e repartição mais equilibrada das despesas comuns. Do conjunto da prova existente e produzida nos autos, ficou o Tribunal demonstrado, até porque nenhuma das partes o pôs em causa, que o sistema de produção da climatização do ... é centralizado, ou seja, serve toda a área comum e também as frações que não dispõem de sistema de climatização autónomo próprio como é o caso da EMP01.... Mais se demonstrou que, em sede de custos com tal sistema de climatização têm sido, desde sempre os mesmos imputados nas despesas comuns, incluindo o consumo que é feito por cada uma das frações, ou seja, consumos que não são destinados às partes comuns. Em relação ao alegado desconhecimento pela autora do modo de funcionamento do sistema de climatização do Centro Comercial, sempre é de considerar que tal equipamento se encontra instalado desde o ano de 2004, funcionando sempre da mesma maneira, ou seja, produção centralizada. Acresce que, no ano de 2016 foi realizada uma auditoria energética em maio e junho de 2016, sendo o relatório datado de 24 de novembro de 2016, e que foi comunicado à autora, sendo que, das suas conclusões resulta que os investimentos previstos identificam que o sistema de ar condicionado serve as lojas do Centro Comercial. Designadamente, imputa parte significativa do consumo do sistema de HVAC às necessidades de arrefecimento das lojas. Note-se que a EMP01... votou favoravelmente e participou nas despesas previstas no Plano de Eficiência Energética de 2017 elaborado na sequência da referida auditoria energética em que constam as despesas referentes ao HVAC. Mais se refere que os valores envolvidos no que se refere à rúbrica da eletricidade, deveriam pelo menos, levar a autora a ponderar ou a existência de um consumo energético excessivo ou que estariam a ser considerados os consumos de cada uma das frações que não dispõem de sistema individual de climatização. Aliás, sendo a autora titular de outras frações autónomas em centros comercial, não passaria por certo desapercebido o montante que se acredita ser maior da despesa da rúbrica de eletricidade do .... A autora, ainda assim, aprovou todos os orçamentos até ao ano de 2022. Deste modo, ficou o Tribunal convencido que a autora conhecia o modo como funciona o sistema de climatização. Em relação à repartição das despesas, afigura-se que, tendo em consideração o relatório energético elaborado no ano de 2016, os valores envolvidos, a equipa da EMP01... que participa e intervém nas reuniões de condomínio, o modo como analisam as propostas de orçamento, é de concluir que tinham, ou pelo menos deviam ter conhecimento da forma como as despesas se encontravam a ser repartidas. Note-se que a climatização das partes provadas (lojas) tem um peso muito grande na fatura da climatização – cerca de 70%. No que tange ao fator de ponderação, a sua existência é inequívoca, que gera uma redução substancial da medida da contribuição da autora para as despesas comuns também, sendo que, no entanto, não se apurou se a sua implantação já foi tendo em vista a imputação de despesas próprias das frações aos condóminos. Por fim, é também unânime que é possível fazer uma medição autonomizada dos consumos das partes comuns e das frações quer através do recurso a estimativa (valores aproximados) quer através da colocação de contadores de entalpia que permitem apurar os consumos reais.” *** IV.1).1. Como se constata, a Recorrente impugna a decisão da matéria de facto por nela não terem sido incluídos, como factos provados, dois enunciados por si alegados na resposta às exceções invocadas na contestação, a saber: “A existência do fator de ponderação [0,6] decorre única e exclusivamente do papel âncora que é desempenhado pelo hipermercado na dinâmica do Centro Comercial, bem como da necessidade de grandes áreas de apoio comercial (que reduz, de forma mais significativa do que nas demais lojas, a denominada “área de venda”)”; e “O hipermercado, no caso a aqui Autora, desenvolve atividades de promoção e marketing próprios, suportados integralmente por esta, de que beneficia, de forma integral, todo o espaço comercial.” Estes enunciados assumem relevância na medida em que demonstram, de acordo com a tese da Recorrente, que o coeficiente de ponderação que recai sobre a parte da Recorrente nas despesas com as partes comuns do edifício não visa um equilíbrio entre a posição dela e a do condómino titular de maior permilagem, não servindo, assim, como razão para afastar o alegado conteúdo abusivo das deliberações impugnadas. Como resulta do penúltimo § da fundamentação da decisão da matéria de facto, conjugado com o facto não provado da alínea e), o Tribunal a quo considerou que, à luz da prova produzida, não era possível formar uma convicção positiva sobre se a previsão daquele fator de ponderação teve na sua génese alguma das razões alegadas, de forma divergente, pelas partes. *** 1).2. Sobre a modificabilidade da decisão de facto pela Relação, discorre-se, no Acórdão desta Relação e Secção de 9.11.2023 (2984/22.9T8GMR.G1), relatado pela Juíza Desembargadora Maria João Pinto de Matos, nos termos que, data venia, aqui respigamos:“Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a “Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insuscetível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo diploma). Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspetos não respeita apenas às provas a produzir em juízo. Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs 351.º e 393.º, ambos do CC). Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados). (…) Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art.º 662.º, do CPC, que a “Relação deve ainda, mesmo oficiosamente”: “Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento” (al. a); “Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova” (al. b)”. “O atual art.º 662.º representa uma clara evolução [face ao art.º 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis. (…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua atuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos fatores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227). É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efetiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.). (…) Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto ”nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência”, mas, tão-somente, “detetar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excecionais erros de julgamento” (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios. Com efeito, e desta feita, “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para delimitar o objeto do recurso”, conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo). Lê-se, assim, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando “seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”. Precisa-se ainda que, quando “os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados”, acresce àquele ónus do recorrente, “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado). Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art.º 640.º citado), “vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente”, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto “decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes”, “impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo). Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efetividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo). Por outras palavras, se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar “um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respetiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido” por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1). Com efeito, “livre apreciação da prova” não corresponde a ”arbitrária apreciação da prova”. Deste modo, o Juiz deverá objetivar e exteriorizar o modo como a sua convicção se formou, impondo-se a “identificação precisa dos meios probatórios concretos em que se alicerçou a convicção do Julgador”, e ainda “a menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 655). “É assim que o juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, pág. 325). “Destarte, o Tribunal ao expressar a sua convicção, deve indicar os fundamentos suficientes que a determinaram, para que através das regras da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento dos factos provados e não provados, permitindo aferir das razões que motivaram o julgador a concluir num sentido ou noutro (provado, não provado, provado apenas…, provado com o esclarecimento de que…), de modo a possibilitar a reapreciação da respetiva decisão da matéria de facto pelo Tribunal de 2ª Instância” (Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 591, com bold apócrifo). Dir-se-á mesmo que, este esforço exigido ao Juiz de fundamentação e de análise crítica da prova produzida “exerce a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo Tribunal Superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da justiça, inerente ao ato jurisdicional” (José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, setembro de 2013, pág. 281). É, pois, irrecusável e imperativo que, “tal como se impõe que o tribunal faça a análise crítica das provas (de todas as que se tenham revelado decisivas)… também o Recorrente ao enunciar os concreto meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia”, não bastando nomeadamente para o efeito “reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos” (Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, 2013, pág. 595, com bold apócrifo). Compreende-se que assim seja, isto é, que a “censura quanto à forma de formação da convicção do Tribunal não” possa “assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objetivos que se apontam na motivação ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria uma inversão da posição dos personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar, pela convicção dos que esperam a decisão” (Ac. do TC n.º 198/2004, de 24 de março de 2004, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, reproduzindo Ac. da RC, sem outra identificação). De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes). Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte” (Ana Luísa Geraldes, “Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto”, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609). No sentido de que havendo dúvidas no controlo da matéria de facto pela Relação, deve valer o princípio in dubio pro iudicato, pode ver-se também RE 11.01.2024 (129/21.7T8SLV.E1), relatado por Tomé de Carvalho, com anotação favorável de Miguel Teixeira de Sousa (“Jurisprudência 2024 (13): Matéria de facto; recurso; controlo pela Relação”, disponível em https://blogippc.blogspot.com/), que adjetiva a orientação como pragmática e realista. *** 1).3. Assim definidos os termos de apreciação do recurso sobre a matéria de facto, tendo o Recorrente observado o disposto no art. 640/1 do CPC, vejamos a resposta a dar à questão, começando por dizer, em jeito de enquadramento, que os tribunais não lidam só com realidades inequívocas ou que não suscitam controvérsia. De ordinário, lidam com a dúvida e com realidades esbatidas e discutidas. E é aqui que intervêm a sensibilidade, a experiência e o bom senso do julgador. Como, a propósito, se pode ler em RG 7.12.2023 (573/20.1T8VCH.G1), do presente Relator: Ademais, nas situações mais comuns, não existem testemunhas presenciais nem outros meios que permitam uma prova direta, minuciosa e irrefutável do facto; há, assim, que recorrer a prova indireta, através de outros factos (ditos secundários, instrumentais ou probatórios), estes suscetíveis de prova direta, que permitam sustentar juízos de inferência. A este propósito, Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Madrid: Trotta, 2005, p. 266, ensina que “[o] grau de apoio que a hipótese sobre o facto pode receber dessa prova depende, então, de dois tipos de fatores: o grau de aceitabilidade que a prova confere à afirmação da existência do facto secundário e o grau de aceitabilidade da inferência que se baseia na premissa constituída por aquela afirmação.” Sobre o primeiro fator, as questões que se colocam são as mesmas que surgem no âmbito da prova direta: a atendibilidade e credibilidade da prova sobre o facto secundário. Já o segundo depende essencialmente, no dizer de Michele Taruffo (idem), “da natureza da regra de inferência que se adote para derivar conclusões aptas a representar elementos de confirmação da hipótese sobre o facto principal a partir das afirmações do facto secundário. Assim, o grau de aceitabilidade da prova não equivale ao grau de confirmação daquela hipótese, nem o contrário; o problema principal é precisamente a fundamentação das inferências desde o facto provado ao facto afirmado na hipótese que se tenta confirmar.” Por outro lado, sabemos que o nosso sistema processual é enformado pelo princípio da prova livre, nos termos do qual o tribunal aprecia livremente os meios de prova e é livre na atribuição do grau do valor probatório de cada um deles. Isto não significa o arbítrio, posto que a apreciação da prova está sempre vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório. Por outras palavras – as de Paulo Saragoça da Matta (“A Livre Apreciação da Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos fundamentais, Coimbra: Almedina, 2004, p. 254) –, “a liberdade concedida ao julgador (…) não visa criar um poder arbitrário e incontrolável, mas antes um poder que na sua essência, estrutura e exercício se terá de configurar como um dever, justificado e comunicacional.” Para que o exercício de tal poder seja justificado e comunicacional é pressuposto que todo o caminho da prova, desde a sua admissão ou decisão de recolha até à sua valoração, seja suscetível de autocontrolo por parte do julgador e de controlo por parte da comunidade, incluindo os próprios sujeitos prejudicados com a atividade probatória em questão. É esta necessidade que explica o disposto no já citado art. 607/4 do CPC que, por imposição constitucional (art. 205/1 da CRP), diz que “[n]a fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.” (…) Perante o referido princípio da livre apreciação da prova, o tribunal tem liberdade para, em cada caso, considerar suficiente a prova produzida ou para considerar que a mesma é afinal insuficiente e exigir outro meio de prova de maior valor probatório no sentido de ficar convencido da verdade do facto em discussão. Coloca-se então uma outra questão: a do standard ou padrão de prova, a qual, por sua vez, está relacionada com a questão do ónus da prova ou da determinação do conceito de dúvida relevante para operar a consequência desse ónus. Sobre esta última, temos como assente que as regras sobre o ónus da prova são regras de decisão e não regras de distribuição propriamente ditas. Tanto assim é que o princípio da aquisição processual (art. 413 do CPC), associado ao princípio do inquisitório em matéria de prova (art. 411/3 do CPC), podem levar a que os factos essenciais constitutivos da causa de pedir ou de uma exceção resultem provados ainda que a parte onerada não consiga produzir prova apta para esse efeito. A propósito, Luís Filipe Pires de Sousa, Direito Probatório Material Comentado, 2.ª ed., Coimbra: Almedina, 2021, p. 15. Dito de outra forma, ter o ónus da prova significa, sobretudo, determinar qual é a parte que suporta a falta de prova de determinado facto e não tanto saber qual é a parte que está onerada com a prova desse mesmo facto. Sem prejuízo, sempre notamos que, conforme ensinam João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, I, Lisboa: AAFDL, 2022, pp. 487-488), tendencialmente há coincidência entre a parte que suporta o ónus da prova e aquela que tem a iniciativa da prova que, assim, tentará, naturalmente, afastar o risco da falta de prova. Na perspetiva inversa, a contraparte sentir-se-á legitimada a uma inação probatória até à prova do facto pela parte onerada. Assim, escrevem estes autores, “o ónus subjetivo implica o ónus objetivo, e vice-versa.” Neste sentido, o art. 346 do Código Civil e o art. 414 do CPC estabelecem que, na dúvida, o juiz decida contra a parte onerada com a prova. É aqui que surge a questão do standard da prova que, no dizer de Luís Filipe Pires de Sousa (Direito Probatório cit., pp. 55-56), “consiste numa regra que indica o nível mínimo de corroboração de uma hipótese para que esta possa considerar-se provada, ou seja, possa ser aceite como verdadeira.” De acordo com Jordi Ferrer Beltrán (“La decisión probatória”, AAVV, Jordi Ferrer Beltrán (coord.), Manual de Razonamiento Probatorio, Ciudad de Mexico: Suprema Corte de Justicia de la Nación, 2022, pp. 397-458, disponível em https://bibliotecadigital.scjn.gob.mx/ [18.11.2023)), os standards de prova são regras que determinam o nível de suficiência probatória para que uma hipótese possa ser considerada provada (ou suficientemente corroborada) para fins de uma decisão sobre os factos. Ao realizarem essa determinação, cumprem três funções da máxima importância no marco do processo de decisão probatória: 1) aportam os critérios imprescindíveis para a justificação da própria decisão, no que diz respeito à suficiência probatória; 2) servem de garantia para as partes, pois permitem que tomem as suas próprias decisões sobre a estratégia probatória e controlem a correção da decisão sobre os factos; 3) distribuem o risco de erro entre as partes. Não existe entre nós norma que se pronuncie diretamente sobre esta questão. Afastadas as teorias baseadas no cálculo matemático de probabilidades, mais concretamente no Teorema de Bayes, há quem entenda que, em processo civil, opera o standard da probabilidade prevalecente ou “mais provável que não.” Este standard consubstancia-se, segundo Luís Pires de Sousa (Direito Probatório cit., p. 61), em duas regras fundamentais: “(i) Entre as várias hipóteses de facto deve preferir-se e considerar-se como verdadeira aquela que conte com um grau de confirmação relativamente maior face às demais; (ii) Deve preferir-se aquela hipótese que seja “mais provável que não”, ou seja, aquela hipótese que é mais provável que seja verdadeira do que seja falsa.” Este critério, salienta o autor, não se reporta à probabilidade como frequência estatística, mas sim como grau de confirmação lógica que um enunciado obtém a partir das provas disponíveis. Por outro lado, leva a que, perante provas contraditórias de um mesmo facto (rectius, afirmação de facto), o julgador deva sopesar as probabilidades das diferentes versões para eleger o enunciado que pareça ser relativamente “mais provável”, tendo em conta os meios de prova disponíveis. Dito de outra forma, “deve escolher-se a hipótese que receba apoio relativamente maior dos elementos de prova conjuntamente disponíveis.” O autor ressalva que “pode acontecer que todas as versões dos factos tenham um nível baixo de apoio probatório e, nesse contexto, escolher a relativamente mais provável pode não ser suficiente para considerar essa versão como verdadeira.” Assim, “para que um enunciado sobre os factos possa ser escolhido como a versão relativamente melhor, é necessário que, além de ser mais provável que as demais versões, tal enunciado em si mesmo seja mais provável que a sua negação. Ou seja, é necessário que a versão positiva de um facto seja em si mesma mais provável que a versão negativa simétrica.” Michele Taruffo (La Prueba cit., pp. 266-267 e 277-278) propõe uma metodologia de confirmação do grau de probabilidade das hipóteses sobre o facto em que cada prova concreta é valorável numa escala de 0 a 1 (grau particular de confirmação). Por sua vez, a representação da valoração do conjunto da probabilidade da hipótese deve fazer-se numa escala de valores 0 → ∞, sem limite máximo (grau global de confirmação). As duas escalas combinam-se para determinar a probabilidade do facto. Os números são aqui uma forma de expressar relações lógicas e não supõem medidas quantitativas de nada. Um grau de confirmação da hipótese superior a 0,50 deve considerar-se como o limite mínimo abaixo do qual não é razoável aceitar a hipótese como aceitável. Uma só prova clara e segura pode ultrapassar esse limite mínimo, podendo igualmente ser racional aceitar a hipótese confirmada por várias provas ditas indiretas convergentes, por exemplo. O mesmo autor nota (La Prueba cit., p. 302) que podem existir contextos em que é sensato aplicar a probabilidade lógica prevalecente no seu estado puro, o que equivale a dizer, sem que se exija que a hipótese dotada de grau de probabilidade comparativamente mais alto seja também aceitável segundo o critério que opera quando está em jogo uma só hipótese (≥ 0,51). A aplicação do critério no seu estado puro poderá ser pertinente em casos em que não se exija a demonstração da aceitabilidade plena da hipótese, bastando algum elemento de confirmação suscetível de atribuir um mínimo de credibilidade a tal hipótese. Temos dúvidas que esta solução seja compatível com o ordenamento jurídico português, em especial com a regra do non liquet consagrada no art. 414 do CPC, como salienta Miguel Teixeira de Sousa (“Standard probatório. Probabilidade prevalecente. Jurisprudência 2019 (100)” e “Por que razão a “probabilidade prevalecente” não é uma medida da prova aceitável no ordenamento probatório português”, disponíveis no Blog do IPCC [19.11.2023). Com efeito, ficando o juiz com dúvida sobre a verdade de um facto, deve julgá-lo como não provado, ainda que entenda que a probabilidade de ele ser verdadeiro é superior a 0,50, o que não sucede se for aplicado o referido critério. De acordo com ele, a referida probabilidade terá como consequência a prova do facto, ainda que subsista um espaço não despiciendo de dúvida, o que equivale à anulação da referida regra do non liquet. Ainda segundo Miguel Teixeira de Sousa, o referido critério é igualmente “incompatível com a contraprova, que é um meio de impugnação da prova que se destina a tornar o facto provado duvidoso (art. 346 do Código Civil); se o standard da prova começa em mais de 0,50, isso significa que pode verificar-se uma dúvida sobre a verdade do facto até 0,49; disto resulta necessariamente que: (i) Se a contraprova é suficiente para impugnar uma prova bastante, então não é coerente admitir uma medida da prova que deixa até 0,49 de dúvida sobre a verdade do facto; se a contraparte provar que há uma dúvida até 0,49 sobre a verdade do facto, a prova bastante fica impugnada, pelo que, ao contrário do que resulta da medida da probabilidade prevalecente, o facto não pode ser considerado provado; (ii) Se, em contrapartida, a medida da prova admite uma dúvida até 0,49, então a contraprova (que se destina precisamente, não a tornar o facto não provado, mas a apenas torná-lo duvidoso) não tem nenhuma possibilidade de aplicação.” Finalmente, “é incoerente com o disposto no art. 368/ 1 do CPC; este preceito determina que, para o decretamento de uma providência cautelar, não é necessária a prova do direito acautelado, mas, em todo o caso, é necessária a prova da probabilidade séria desse direito; a aceitação do critério da probabilidade prevalecente teria como consequência absolutamente surpreendente que a medida da prova seria mais exigente na tutela cautelar ("probabilidade séria") do que na tutela definitiva (probabilidade prevalecente).” No fundo, face ao disposto no art. 414 do CPC, podemos concluir que o legislador português é especialmente exigente quanto ao grau de convicção que é necessário alcançar para que uma afirmação de facto seja considerada como provada, assumindo que é preferível o erro do juiz dar como não provado o que é verdadeiro em detrimento do erro de dar como provado o que é falso, a que conduziria o standard da probabilidade prevalecente. A propósito, colocando esta opção ao nível da política-legislativa, cf. Marina Gascón Abellán, “Sobre la possibilidade de formular estândares de prueba objetivos”, Doxa. Cuadernos de Filosofía del Derecho, n.º 28, nov. de 2005, pp. 127-139, disponível em https://doi.org/10.14198/DOXA2005.28 [20.11.2023]. Afigura-se-nos, assim, que o importante nesta sede é que a prova produzida tenha a medida bastante para criar no juiz a convicção de que o facto em discussão corresponde à verdade ontológica. Cabe depois ao juiz deixar transparecer na fundamentação as razões que o levaram a concluir dessa forma. Nesta medida, o standard serve essencialmente como uma orientação para o juiz na produção e na valoração da prova, designadamente na atribuição de um peso específico a cada um dos elementos que a compõem, tudo em ordem à formação da sua convicção. Não é mais que um critério de acordo com o qual deve construir, de forma completa, a justificação da sua decisão sobre a matéria de facto, baseada na solidez epistemológica das provas e dos juízos inferenciais que é necessário fazer para chegar delas até à hipótese de facto. Como referido em RP 23.02.2023 (30/21.9T8PVZ.P1), relatado por Aristides Rodrigues de Almeida, esta é uma regra que “o julgador, com recurso ao bom senso e ao justo equilíbrio das coisas, há de definir e aplicar caso a caso, em função das exigências de justiça que o mesmo coloca, determinadas a partir de aspetos como o da acessibilidade dos meios de prova, da sua facilidade ou onerosidade, do posicionamento das partes em relação aos factos com expressão nos articulados, do relevo do facto na economia da ação.” Como se salienta no aresto acabado de citar, “a circunstância de um facto ser verosímil ou possível não significa que o mesmo seja verdadeiro, mas o contrário também é correto. A vida diz-nos que por vezes ocorrem factos que eram pouco verosímeis ou não ocorrem factos que além de possíveis eram perfeitamente verosímeis. No entanto, o normal é haver verosimilhança no processo causal gerador de um facto, pelo que a maior verosimilhança do facto torna-o mais provável e a menor verosimilhança menos provável. São as regras da experiência que o determinam. Daí que se possa afirmar a seguinte regra probatória não escrita: quanto mais inverosímil e improvável o facto é, à luz da inteligência que rege os comportamentos humanos e das leis das ciências exatas, normalmente reconduzidas às regras da experiência, mais ou melhor prova deve ser exigida." Nesta apreciação, há que considerar, quando estejam em causa ações humanas, “que as pessoas movem-se por interesses, motivações, objetivos, propósitos, emoções, impulsos. Estes são resultado do funcionamento do intelecto da pessoa enquanto animal dotado de razão, consciência, identidade pessoal. Nessa medida, perscrutar a realidade de um facto humano ou com intervenção humana é, antes de mais, averiguar a razão que subjaz a essa atuação, que lhe dá origem e a orienta, e, sobretudo, apurar se a mesma é compatível com o quadro de atuação de qualquer outra pessoa nas mesmas circunstâncias. Por isso, um dos elementos decisivos para a formação da convicção do julgador é a verosimilhança dos factos sobre os quais recai a controvérsia, ou seja, a pertinência lógica dos mesmos ao domínio dos acontecimentos humanos que por definição possuem motivações apreensíveis, são norteados pela inteligência humana (no sentido de serem comportamentos orientados para um fim compreensível e delineados por processos intelectualmente aptos, mesmo quando são comportamentos asnáticos) e estão de acordo com o que as regras da experiência nos ensinam ser expectável, corresponder ao devir normal.” Finalmente, há que dizer, a propósito da prova pessoal, que o processo de formação das memórias é frequentemente condicionado por fatores que as deturpam, ainda que não intencionalmente, podendo levar a relatos não conformes à realidade ontológica. Como se escreve no aresto, “[e]sta circunstância obriga o tribunal a libertar-se da mera literalidade das afirmações e centrar mais a atenção na análise e interpretação da lógica dos acontecimentos relatados, colocados no seu contexto concreto.” A este propósito, Luís Pires de Sousa (Prova Testemunhal, Coimbra: Almedina, 2016, pp. 9-10) explica que “a memória, mais do que um processo de replicação, constitui um processo reconstrutivo. A evocação dos factos não constitui uma reprodução da realidade, mas sim uma reconstrução a partir de informação incompleta que guardamos do ocorrido. (…) A reconstrução é levada a cabo preenchendo as lacunas da memória mediante inferências que resultam do conhecimento geral e de outros eventos, vividos pela testemunha ou dela conhecidos, bem como com reativação e reorganização de diversas informações de modo a criar uma evocação. Neste sentido, a memória constitui uma combinação contínua de informação proveniente do que se viu, de pensamentos, da imaginação, conversações e outras fontes (…)” *** 1).4.1. Isto posto, não havendo obstáculo ao conhecimento, vejamos se a impugnação da decisão da matéria de facto feita pela Recorrente merece provimento, analisando os dois enunciados em conjunto, uma vez que contendem ambos com a mesma questão.Para sustentar a sua tese, a Recorrente socorre-se dos testemunhos de AA, CC e BB, dizendo, em síntese, que dos mesmos é possível formar um juízo seguro quanto à causa por si indicada para a previsão do referido coeficiente de ponderação. O Recorrido, por seu turno, sustenta que dos depoimentos das duas últimas testemunhas resulta que o coeficiente de ponderação tem uma multiplicidade de causas e visa assegurar uma mais justa e equilibrada repartição das despesas comuns, tendo em conta a impossibilidade de, num edifício com as características do ..., o fazer de forma rigorosa. Sustenta ainda que os depoimentos das testemunhas HH, JJ e KK permitem reforçar tal juízo. *** 1).4.2. Procedemos à audição integral do registo áudio dos referidos testemunhos, todos eles prestados na audiência final (sessões de 15 e 23 de janeiro de 2024), e à sua compaginação com os documentos que infra serão indicados.a) A primeira testemunha (AA), responsável pelo desenvolvimento e património da Recorrente, disse, em síntese, que: trabalha para a Recorrente há mais de 26 anos, exercendo as suas funções atuais desde 2018; não participou na negociação do contrato pelo qual a Recorrente adquiriu a fração de que é proprietária, nem na do contrato-promessa que o antecedeu; a contribuição da Recorrente para as despesas do condomínio é feita com base na permilagem atribuída à fração de que é proprietária, sobre ela incidindo depois um coeficiente de ponderação de 0,6, que a diminui; no seu entender (“por aquilo que conheço”: 1:30:38 do registo áudio), a previsão desse fator foi, por um lado, um incentivo à instalação do hipermercado da Recorrente no centro comercial, no qual funciona como loja-âncora, e, por outro, uma forma de a compensar pelo facto de a sua fração ter uma parte considerável de espaço que não é destinada à venda, mas ao armazenamento de produtos e apoio aos colaboradores; esse coeficiente é aplicado em todos os centros comerciais onde a Recorrente é proprietária de frações; a Recorrente desenvolve ações de marketing próprias, as quais beneficiam todos os demais lojistas do centro comercial; b) A segunda testemunha (CC), diretor de expansão da Recorrente, disse, em síntese, que: faz o acompanhamento das lojas de que a Recorrente é proprietária, representando esta nas assembleias de condóminos; não participou nas negociações que levaram à aquisição da fração autónoma; o coeficiente de 0,6 é um benefício que é dado aos proprietários das lojas-âncora de modo a diminuir a sua participação nas despesas do condomínio; visa também um equilíbrio entre essa participação e a área comercial útil da fração; assim sucede em todos os centros comerciais em que a Recorrente está presente; a Recorrente desenvolve as suas próprias campanhas de marketing, que trazem benefícios a todo o centro comercial, o que também terá sido considerado na negociação do coeficiente de ponderação. c) A terceira testemunha (BB), coordenador de departamento da sociedade administradora do condomínio, disse que: a administração do condomínio aplicou sempre o coeficiente de ponderação de 0,6 sobre a permilagem para o cálculo da contribuição da Recorrente para as despesas comuns do edifício, com exceção das que estão relacionadas com o marketing do centro comercial, para as quais a Recorrente não contribui; o entendimento da administração é que esse coeficiente visa corrigir os inconvenientes que resultariam da impossibilidade de repartir vários custos comuns na exata proporção do benefício de cada condómino; estão em causa, para além dos custos comuns com eletricidade, também os custos com recursos humanos, sistema de deteção de incêndios, recolha e tratamento de resíduos; tal coeficiente tem, assim, na sua génese, várias razões. d) A quarta testemunha (HH), diretor do ... desde ../../2022, função que já havia exercido entre março de 2008 e setembro de 2012, disse, em síntese, que: entende que a aplicação do coeficiente de ponderação visa garantir uma repartição justa das despesas comuns, como sejam as da eletricidade e da gestão dos resíduos nas áreas comuns, evitando que a Recorrente, que tem sistemas de produção de água fria para os aparelhos de ar condicionado da sua fração e de recolha de resíduos, tenha uma duplicação dos seus custos. e) A quinta testemunha (JJ), que foi diretor do ... entre julho de 2018 e agosto de 2022, sendo atualmente diretor do ..., onde a Recorrente também é proprietária da fração onde tem instalado e em funcionamento um hipermercado, disse, em síntese, que: no centro comercial existe uma séria de “infraestruturas” centralizadas, como é o caso da produção de água fria para a climatização, sistemas de segurança, ventilação (desenfumagem) e gestão de resíduos, de que beneficiam quer as áreas comuns, quer as várias frações; o fator de ponderação é explicado pelo facto de a Recorrente ter, na sua fração, algumas dessas infraestruturas próprias, visando assim evitar uma “sobreposição” de custos. f) A sexta testemunha (KK), coordenador técnico da sociedade administradora do condomínio, disse, em síntese, que: a fração ... está inserida no edifício, sendo acedida por espaços comuns às demais frações; assim, a Recorrente beneficia do sistema centralizado de produção de água fria que é necessário ao condicionamento do ar nas áreas comuns. *** 1).5.1. Analisados estes testemunhos, constata-se não haver uma unanimidade quantos às razões que estiveram na génese do coeficiente de ponderação por via do qual a contribuição da Recorrente para as despesas comuns sofre uma redução de 40% relativamente ao que resultaria do seu cálculo apenas com base na permilagem da fração de que é proprietária.Se as duas primeiras testemunhas afirmaram, sem rebuço, que a previsão desse fator foi uma forma de o promotor do centro comercial captar o investimento da Recorrente, conseguindo, assim, beneficiar da presença de um hipermercado, e de a compensar pelo facto de a sua fração ter uma grande área ocupada por armazém, que naturalmente implica menos despesas, as restantes, não excluindo essa possibilidade, acrescentaram, grosso modo, também sem rebuço, que aquele fator incide sobre todas as despesas comuns, com exceção das relacionadas com marketing, e permite uma repartição das mesmas em termos que evitam o prejuízo que poderia advir para a Recorrente de apenas beneficiar de algumas delas nas zonas comuns e não (também) na sua fração. Nenhuma destas testemunhas participou ou esteve presente nas negociações que culminaram com a aquisição da fração autónoma propriedade da Recorrente, pelo que tudo aquilo que afirmaram não passa da sua própria leitura dos motivos que estiveram na base de uma previsão contratual, depois transposta para o Regulamento de Utilização e Funcionamento do Centro Comercial (cf. facto provado 38, segunda a numeração feita na sentença recorrida). Essa leitura é naturalmente influenciada pela perspetiva e enfoque que cada uma das testemunhas tem da questão sobre que recai o dissenso. Isto basta para evidenciar, à luz do critério de valoração da prova que expusemos, a insuficiência do que afirmaram para suportar uma convicção positiva quanto à tese da Recorrente. A isto acrescentamos que existem dois fatores que, a nosso ver, jogam contra a tese da Recorrente: por um lado, o próprio teor da cláusula constante do contrato-promessa celebrado entre o promotor do centro comercial e a Recorrente, onde se estabelece que o coeficiente de ponderação visa assegurar “uma mais justa e equilibrada repartição das despesas” (e não constituir um incentivo ao investimento feito pela promitente-compradora); a outro, a consideração de que essas despesas incluem, desde o início, todas as despesas comuns, incluindo as relacionadas com o funcionamento do sistema centralizado de ar condicionado, o que esteve necessariamente presente no espírito de quem negociou e no espírito de quem elaborou e aprovou o Regulamento de Utilização e Funcionamento do Centro Comercial. Reconhecemos, quanto a este último aspeto, que a Recorrente, afirma, desde a petição inicial, que só depois de lhe terem sido facultados os elementos que solicitou aquando da discussão da proposta de orçamento para 2023 chegou à conclusão de que o ar condicionado do edifício funcionava de forma centralizada. Simplesmente, com ressalva do devido respeito, entendemos que semelhante afirmação não faz qualquer sentido à luz das regras do id quod plerumque accidit quando se considere, a um tempo, que a Recorrente negociou o seu investimento quando o edifício ainda estava em construção, seguramente informando-se das características próprias deste, até porque se trata, reconhecidamente, de uma das maiores sociedades de retalho alimentar do País, dispondo de quadros qualificados, e, a outro, que ao longo de quase vinte anos conviveu com este modo de funcionamento do condomínio e de repartição das despesas. Isto para já não falarmos do facto de lhe ter sido comunicado, através do seu representante na assembleia de condóminos realizada a 17 de maio de 2017, o relatório da auditoria energética realizada em maio e junho de 2016, conforme resulta do documento 11 apresentado com a contestação. Em tal relatório é explicado de forma pormenorizada (fls. 26 a 41), o modo de funcionamento do sistema de ar condicionado. Assim, a impugnação da decisão da matéria de facto improcede quanto ao 1.º enunciado que a Recorrente pretende ver aditado como facto provado. *** 1).5.2. Quanto ao segundo enunciado, afigura-se inquestionável, face aos referidos testemunhos, que a Recorrente desenvolve atividades de promoção e marketing próprios, suportados integralmente por ela, o que, de resto, se afigura consentâneo com as regras da experiência comum. Já a afirmação de que tais atividades “beneficia[m], de forma integral, todo o espaço comercial” apresenta-se como vaga e conclusiva, sendo assim imprópria para constar da decisão da matéria de facto, atento o disposto no art. 607/4 do CPC. A propósito, remetemos, brevitatis causa, para RG 18.04.2024 (61840/22.2YIPRT.G1), José Carlos Pereira Duarte, e RG 6.03.2025 (5018/24....), Maria João Pinto de Matos. Nessa medida, a impugnação: Procede quanto à primeira parte do enunciado, que se adita ao rol dos factos provados, sob o n.º (40), com a seguinte redação: “A Autora desenvolve atividades de promoção e marketing próprios do hipermercado, suportando os respetivos custos”; Improcede quanto à segunda parte do enunciado. *** 2).1. Passamos para a resposta à 2.ª questão.O art. 1414 do Código Civil[2], ao dizer que as frações de que um edifício se compõe, em condições de constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários diversos em regime de propriedade horizontal, consagra uma derrogação ao princípio superficies solo cedit, nos termos do qual um edifício incorporado no solo só pode ser objecto de um único direito de domínio – direito que abrange toda a construção, o solo em que esta assenta e os terrenos que lhe servem de logradouro. Assim, Henrique Mesquita, “A propriedade horizontal no Código Civil Português”, Revista de Direito e Estudos Sociais, XXIII, p. 148;e Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, III, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 391; Aragão Seia, Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2001, pp. 11-12. Na propriedade horizontal, os titulares das várias frações ou unidades independentes – condóminos, na terminologia legal (art. 1420) – são ainda comproprietários das partes do edifício que constituem a sua estrutura comum ou estão afetadas ao serviço daquelas frações (art. 1421). As frações independentes fazem parte de um edifício, na aceção do art. 204/2, de estrutura unitária[3], o que necessariamente cria especiais relações de interdependência entre os condóminos, quer pelo que respeita às partes comuns do edifício, quer mesmo no que respeita às frações autónomas (cf. Henrique Mesquita, loc. cit., p. 84). O núcleo do instituto da propriedade horizontal é constituído por direitos privativos de domínio, a que estão associados, com função instrumental, mas de modo incindível e perene, direitos de compropriedade sobre as partes do prédio não abrangidas por uma relação exclusiva (Henrique Mesquita, loc. cit., pp, 146-147). Foi para distinguir as situações de propriedade horizontal das de simples contitularidade ou comunhão sobre coisa indivisa que o legislador recorreu ao conceito de condomínio. Como escreve Caio Mário da Silva Pereira (Condomínio e Incorporações, 4.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, pp. 77-78), “não é preciso ser iniciado nas subtilezas de um acendrado tecnicismo jurídico, porém basta observação elementar do bom senso vulgar, para acentuar que cada condómino de um edifício coletivo guarda poder exclusivo sobre a sua unidade e sujeita-se à comunhão do terreno, dos alicerces, das paredes externas, do pórtico de entrada, das áreas de serviço, dos elevadores, daquilo, enfim, que se torna indispensável à coesão orgânica de um conjunto económico-jurídico.” E prossegue (ibidem) escrevendo que “vem logo à mente a necessidade de manter-se, a benefício da estrutura jurídica desse novo tipo de propriedade, a comunhão permanente e perpétua. Não será possível a conservação útil do complexo jurídico nem concebível a fruição da parte exclusiva de cada condómino sem a permanência do estado de comunhão. Em consequência, esta é obrigatoriamente duradoura, em contraposição à comunhão clássica, que a lei quer transitória.” O condomínio é, assim, no dizer de Henrique Mesquita (idem), a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários contitulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial sobre frações determinadas. No fundo, o direito de propriedade sobre a parte exclusiva é combinado com o direito de compropriedade sobre as partes comuns. Daí nasce um direito real complexo, no sentido de que combina figuras preexistentes de direitos reais. É, no entanto, diferente do mero somatório dos esquemas da propriedade e da compropriedade; contendo uma regulamentação própria do seu exercício, constitui a se um direito real. No dizer de Henrique Mesquita (Propriedade cit., p. 148), “embora os esquemas da propriedade e da compropriedade permitam explicar todo o regime da propriedade horizontal, esta figura é mais do que a mera justaposição daqueles dois direitos: trata-se de um direito real novo, de um novo tipo introduzido no direito das coisas. (…) É certo que, analisando este novo direito, de natureza complexa, nada encontramos nele que não possa enquadrar-se no conceito ou moldura dos direitos reais preexistentes à base dos quais se formou. Mas o estatuto destes direitos sofre, na propriedade horizontal, as adaptações impostas pelos especiais conflitos de interesses que foi necessário regular aqui. Não estamos perante uma aplicação pura e simples do regime da propriedade e da comunhão. Assim, o direito sobre as frações autónomas está sujeito a limites que não existem para a propriedade em geral (cf. o art. 1422/2) e pode mesmo ser afetado por uma deliberação maioritária (art. 1428). Quanto ao direito sobre as partes comuns, são muitas as inovações ou alterações que separaram o seu estatuto do da compropriedade em geral: basta referir o que consta dos arts. 1420/2 e 1423 e as diversas regras sobre administração (arts. 1430 e ss.). Sendo o direito sobre a fração autónoma a parte fundamental ou nuclear da propriedade horizontal (o direito sobre as partes comuns reveste natureza meramente instrumental), este novo instituto deverá ser visto como uma modalidade ou subespécie de domínio, do qual se diferencia não pela natureza do direito em si, mas tão-somente pelo grau de limitações a que está sujeito.” Ainda no sentido de que a propriedade horizontal é um direito real novo, vide Pires De Lima / Antunes Varela, Código…, p. 397; Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Lisboa: Quid Juris, 1996, p. 377; Menezes Cordeiro, Direitos Reais, reimpressão, Lisboa: Lex, 2003, pp. 638 – 639, Rui Vieira Miller, Propriedade Horizontal no Código Civil, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 1998, p. 59; Sandra Passinhas, A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Coimbra: Almedina, 2000, pp. 153-154. Diferentemente, para Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1981, p. 464, “[h]á nuclearmente uma propriedade, mas esta é especializada pelo facto de recair sobre parte da coisa e envolver acessoriamente uma comunhão sobre outras partes do prédio. Estas especialidades levam a que a lei tenha tido a necessidade de recortar um regime diferenciado. Isto é típico justamente das propriedades especiais, de que a propriedade horizontal nos oferece o melhor exemplo.” Ademais da regulação da figura, o legislador instituiu uma forma de organização do grupo constituído pelos condóminos, de modo a assegurar a formação de uma vontade própria e única e um sistema de gestão e funcionamento eficaz, sem, no entanto, chegar ao ponto de lhe atribuir personalidade jurídica. A negação da personalidade jurídica do condomínio, que não suscita dúvidas entre nós, assenta basicamente em dois argumentos: na falta de um reconhecimento expresso por parte do legislador; e na inexistência de um património separado. Ainda que o primeiro argumento não seja, per se, concludente, pois para se afirmar a personalidade jurídica basta um reconhecimento implícito da parte do legislador, o segundo é inatacável: o Código Civil não atribui ao condomínio qualquer direito de natureza patrimonial. As partes comuns pertencem aos condóminos em regime de compropriedade e, quanto aos fundos e aos créditos, a lei não contém nenhuma previsão expressa. A aparente perplexidade que resulta da existência de órgãos num ente sem personalidade jurídica tem sido explicada, por alguns autores, com recurso ao conceito de pessoa coletiva rudimentar, cuja origem remonta ao ensino de Paulo Cunha (Teoria Geral do Direito Civil, Resumo Desenvolvido das Lições Proferidas pelo Prof. Paulo Cunha, ano letivo 1971/72, Lisboa: Serviços Sociais da Universidade de Lisboa, pp. 240-241). Trata-se de realidades às quais a lei recusa a titularidade de direitos civis, admitindo-lhes, todavia, direitos processuais. Neste sentido, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral, III, Coimbra: Almedina, 2004, pp. 521 a 526, e Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, 2.ª ed., Cascais: Principia, 2007, p. 125. Assim, a administração das partes comuns do edifício compete à assembleia de condóminos e a um administrador (art. 1430/1 do Código Civil). A assembleia é um órgão colegial, composto por todos os condóminos, ao qual cabe deliberar acerca da administração das partes comuns do edifício. Entre as questões da sua competência contam-se, designadamente, a elaboração do regulamento do condomínio, quando este não conste do título constitutivo (arts. 1424/2 e 1429-A), a eleição e a exoneração do administrador (art. 1435/1), a autorização de divisão de frações (art. 1422-A/3), a apreciação de recursos interpostos por condóminos de atos do administrador (art. 1438), a autorização de obras que modifiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício (art. 1422/3) e, com relevo para a situação decidenda, a aprovação das contas e do orçamento das despesas relativas ao uso, à fruição e à conservação das partes comuns, elaborados pelo administrador (arts. 1431/1 e 1436, b)). Pelo processo colegial de formação da declaração coletiva opera-se não apenas uma mutação quantitativa correspondente à soma dos votos maioritários, mas uma real mutação qualitativa, que reconduz as vontades individuais à vontade do próprio grupo (cf. Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios, Coimbra: Almedina, 1993, p. 25). O administrador é o órgão executivo da administração das partes comuns do edifício e das deliberações da assembleia de condóminos, eleito e exonerado por ela (art. 1435/1 do Código Civil) tem como incumbência não só o desempenho das funções enumeradas no art. 1436, específicas do seu cargo, e noutras disposições legais, como as que lhe forem delegadas pela assembleia. *** 2).2. Como vimos, a vontade do condomínio é formada pelo conjunto dos condóminos, ficando condensada na deliberação, seja esta formada através da unanimidade dos votos ou apenas pela maioria deles. Com efeito, a deliberação tanto pode resultar de uma decisão alcançada por vontade unânime dos condóminos, como por vontade de uma maioria dos votos representativos do capital investido, consoante o que for determinado pela lei (art. 1432/3).Deste modo, pode dizer-se que a deliberação é um negócio jurídico plural, formado pela declaração de vontade dos condóminos, expressa através do seu voto, com vista à produção de certos efeitos sancionados pela ordem jurídica. É a ela que cabe a qualificação de negócio jurídico– e já não aos votos de que resulta. Estes constituem declarações de vontade dos condóminos, sendo, porém, duvidoso que constituam a se um negócio jurídico, visto que não são destinados à constituição, modificação ou extinção de relações jurídicas. *** 2).3.1. Sendo negócios jurídicos, as deliberações da assembleia de condóminos estão sujeitas às regras do direito comum aplicáveis àqueles, com as especialidades que resultam das normas que especificamente regulam a propriedade horizontal e o modo de funcionamento dos órgãos do condomínio.Mais concretamente, as deliberações podem sofrer das patologias próprias dos negócios jurídicos. Nas palavras de Carlos Ferreira de Almeida (“Invalidade, inexistência e ineficácia”, Católica Law Review, 1(2), pp. 9-33[4]), “[s]endo performativo, como é, o negócio jurídico, a sua essência – efeitos conformes ao significado – é afetada se tal conformidade não se verificar. A desconformidade resulta de algum elemento perturbador, intrínseco ou extrínseco, impeditivo da aplicação das regras constitutivas da eficácia. A ineficácia jurídica é o equivalente do insucesso (infelicity, unhappiness) na filosofia analítica.” Não quer isto dizer que o ato jurídico não produza quaisquer efeitos, mas apenas que não produz, no todo ou em parte, os efeitos que o caracterizam e distinguem. Neste sentido, a figura é compatível com a produção de outros efeitos derivados do próprio ato ou até com efeitos derivados da ineficácia do ato, como sucede com a obrigação de restituir que resulta de declaração de nulidade ou da anulação. Nesta perspetiva, conforme ensina a doutrina, a ineficácia (dita lato sensu) desdobra-se em três grandes categorias: invalidade, inexistência e ineficácia stricto sensu. A título de exemplo, para além do já citado Carlos Ferreira de Almeida, António Menezes Cordeiro (Direito Civil Português, I, Parte Geral, tomo I, Coimbra: Almedina, 1999, pp. 563 e 566-567), Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed., 6.ª reimpressão, Coimbra: Coimbra Editora, 1992, pp. 605-606). O critério distintivo entre estas categorias consiste em que, na invalidade, a ineficácia deriva do desvalor jurídico (ou vício) reportado a um elemento ou requisito intrínseco à estrutura ou à formação do ato, enquanto a ineficácia em sentido estrito resulta de um facto extrínseco ao ato e, por isso, não valorativo deste. Nesta medida, “a ineficácia stricto sensu não é uma sanção nem um efeito sancionatório; é apenas a consequência de conformidade com a autonomia privada ou de desconformidade não valorativa com certas regras legais” (Carlos Ferreira de Almeida (loc. cit., p. 26). As situações de mera ineficácia são diversas e heterogéneas, não havendo regras gerais que regulamentem a figura. Sem prejuízo, a doutrina distingue dentro dela a ineficácia autónoma (ou endógena) da ineficácia heterónoma (ou exógena). A primeira é aquela que tem como fonte uma cláusula negocial que se revela no conteúdo do próprio ato. É o que sucede com os negócios sob condição suspensiva se a condição se não verificar (art. 274 do Código Civil). Trata-se de uma ineficácia tendencialmente absoluta, no sentido de que afeta quaisquer pessoas – em primeiro lugar as partes, mas também os seus sucessores e terceiros. A segunda tem como fonte a lei. É geralmente subsequente e pode funcionar ipso iure (por exemplo, moratória legal) ou ser potestativa (por exemplo, resolução por incumprimento; revogação pelo doador do contrato de doação, nos termos dos arts. 970 a 979; revogação unilateral da declaração contratual do consumidor no âmbito do direito de arrependimento). Pode ser absoluta ou relativa. É absoluta, designadamente, em situações de falta de homologação ou autorização, de caducidade ex lege, como sanção por violação de um dever legal e por falta dos requisitos para inserção de cláusulas contratuais gerais em contratos singulares. É relativa se se verificar apenas em relação a certas pessoas, sejam terceiros, sejam as partes formais no ato jurídico. Assim, tem apenas efeitos entre as partes nas situações de exercício abusivo de um direito (art. 334). É limitada a terceiros, dizendo-se inoponibilidade, quando é originária, em consequência, por exemplo, da omissão de registo declarativo ou de notificação da cessão de crédito, do contrato ou do penhor (arts. 583/1, 424/2, e 681), da prática de atos de disposição pelo insolvente (art. 81/6 do CIRE) ou pelo titular de bens arrestados (art. 622/1); diz-se impugnabilidade, quando é superveniente, como sucede na impugnação pauliana (arts. 610 e ss.) ou na redução de liberalidades (arts. 2169 e ss.). *** 2).3.2. Uma leitura aligeirada do disposto no art. 1433/1, onde se diz que “[a]s deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado”, poderia sugerir que a anulabilidade é o único desvalor jurídico suscetível de atingir as deliberações viciadas. A parte final do n.º 2 do preceito, onde se prevê a possibilidade de convocação de uma assembleia para “revogação das deliberações inválidas ou ineficazes” permite, porém, sustentar a afirmação de que as deliberações da assembleia podem também ser afetadas pelo vício da nulidade, o que bem se compreende, pois, caso contrário, teríamos de admitir a possibilidade de perpetuação na ordem jurídica de deliberações contrárias a normas imperativas, à ordem pública ou aos bons costumes (cf. art. 280). Bastaria, para tanto, que nenhum dos condóminos as impugnasse no prazo legalmente fixado Este entendimento não suscita qualquer dúvida na doutrina. Assim, Pires de Lima / Antunes Varela (Código Civil Anotado cit., pp. 447-448) escrevem que no âmbito da norma do art. 1433/1 “não estão compreendidas, nem as deliberações que violem preceitos de natureza imperativa, nem as que tenham por objeto assuntos que exorbitam da esfera de competência da assembleia de condóminos.” E acrescentam que “[q]uando a assembleia infrinja normas de interesse e ordem pública (…), as deliberações tomadas devem considerar-se nulas, e como tais impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado, nos termos do art. 286.” Como exemplo de deliberações nulas, apresentam aquelas em que a assembleia autoriza a divisão entre os condóminos de alguma das partes do edifício que o n.º 1 do art. 1421 considera forçosamente comuns, aquelas em que a assembleia suprime, por maioria, o direito conferido pelo n.º 1 do art. 1428, as que eliminam a faculdade, atribuída pelo art. 1427 a qualquer condómino, de proceder a reparações indispensáveis e urgentes nas partes comuns do edifício, as que suprimem o recurso dos atos do administrador a que alude o art. 1438, as que dispensam o seguro do edifício contra o risco de incêndio, em contravenção ao que dispõe o art. 1429/1. No mesmo sentido, também Henrique Mesquita (A propriedade horizontal cit., pp. 140-142), Aragão Seia (Propriedade Horizontal cit., p. 177), Sandra Passinhas (A Assembleia cit., pp. 244-245), José Alberto Vieira (Direitos Reis, Coimbra: Coimbra Editora, 2008, pp. 736-737), Ana Filipa Morais Antunes / Rodrigo Moreira (“Art. 1433.º”, AAVV, Henrique Sousa Antunes (coord.), Comentário ao Código Civil. Direito das Coisas, Lisboa: UCE, 2021, pp. 500-501), Rui Pinto Duarte, “Art. 1433.º”, AAVV, Ana Prata (coord.), Código Civil Anotado, II, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2023, p. 300), Menezes Cordeiro (“Art. 1433.º”, AAVV, Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil Comentado, IV, Direito das Coisas, Coimbra: Almedina, 2024, p. 676). Na jurisprudência, STJ 31.01.2023 (763/18.7T8PVZ.P1.S1), Ricardo Costa, RC 11.11.2014 (2162/11.2TJCBR.C1), Maria Catarina Gonçalves, RL 14.11.2017 (19657/13.6YYLSB-A.L1-7), Higina Castelo, RG 13.12.2020 (392/18.5T8VPA.G1), Fernanda Proença Fernandes, e RP 10.10.2022 (1615/19.0T8STS.P2), Carlos Gil. Por outro lado, Pires de Lima / Antunes Varela (idem) sustentam também que as deliberações que exorbitem da competência da assembleia de condóminos (por exemplo, as que sujeitem ao regime das coisas comuns, sem o consentimento do respetivo titular, uma parte do prédio pertencente em propriedade exclusiva a um dos condóminos) são ineficazes em sentido estrito. Escrevem, em arrimo, que seria violento “obrigar o condómino afetado a propor em curto prazo, e sob pena de convalidação do ato, uma ação anulatória de uma deliberação tomada sobre assunto estranho à esfera de competência da assembleia” e acrescentam que a situação é análoga à da representação sem poderes (art. 268/1), posto que em qualquer uma delas faltam ao autor ou autores do comportamento negocial os poderes necessários para interferir na esfera jurídica de outrem. A lição é seguida por Henrique Mesquita (Propriedade horizontal cit., p. 141), Aragão Seia (Propriedade Horizontal cit., p. 178), Sandra Passinhas (A Assembleia cit., pp. 255-256) e Rui Pinto Duarte (loc. cit., pp. 300-301. Na jurisprudência, RC 14.11.2006 (3948/04.0TBAVR.C1), Artur Dias, RL 28.04.009 (11159/2008-1), Rui Vouga, RP 7.03.2016 (388/11.8TJPRT.P1), Manuel Domingos Fernandes, e RL 22.10.2019 (1945/18.7T8LSB.L1-7), Luís Pires de Sousa. De modo diferente, Henrique Sousa Antunes (Direitos Reais, Lisboa: UCE, 2017, p. 403) e José Alberto Vieira (Direitos Reais cit., p. 737) sustentam que tais deliberações, por violarem a norma do n.º 1 do art. 1305, devem ser sancionadas com a nulidade, no que são secundados por Ana Filipa Morais Antunes / Rodrigo Moreira (loc. cit., p. 501), que escrevem, de forma mais abrangente: “[c]om efeito, a competência da assembleia geral, enquanto órgão de administração, está tipificada na lei e tem por referencia as partes comuns do edifício (…). Por conseguinte, justifica-se reservar um valor jurídico mais gravoso para os casos de desrespeito por regras sobre competência e que desconsiderem a estrutura bicéfala administrativa imperativa.” Independentemente do entendimento que se possa ter quanto a este último problema, sempre podemos assentar que o regime do art. 1433/1 não preclude a aplicação de “outros valores jurídicos negativos (ainda que mais gravosos), nos casos de deliberações com um conteúdo manifestamente inidóneo ou com um causa-função ilícita. Neste sentido, devem considerar-se nulas e, como tal, impugnáveis a todo o tempo e por qualquer interessado (cf. art. 286 do CC), as deliberações contrárias ao núcleo intangível da ordem jurídica, representado pela trilogia lei imperativa, ordem pública e bons costumes” (Ana Filipa Morais Antunes / Rodrigo Moreira, loc. cit., p. 500). Daqui decorre que o âmbito de aplicação do n.º 1 do art. 1433 é limitado às deliberações cujo conteúdo ofenda normas jurídicas que não integrem aquele núcleo, como sejam as de natureza supletiva, às que sejam “contrárias a regulamentos anteriormente aprovados” e às que padeçam de irregularidades no seu iter formativo (v.g., na convocação dos condóminos ou no desrespeito pelo quórum necessário para a constituição da assembleia e para a tomada de deliberação). Neste sentido, na jurisprudência, RP 16.11.2010 (864/09.2TBPRG.P1), João Ramos Lopes, onde se escreve que “o regime traçado no art. 1433º do C.C. tem âmbito de aplicação circunscrito às deliberações anuláveis – ou seja, àquelas que são afetadas por vícios menores do processo deliberativo, que violam normas legais meramente supletivas, preceitos suscetíveis de serem derrogados por vontade unânime dos proprietários das frações ou infringem regulamentos anteriormente aprovados.” De igual modo, o já citado RP 7.03.2016 e o recente RP 25.11.2024 (3798/23.4T8GDM.P1), este relatado por Nuno Marcelo Freitas Araújo. *** 2).4. A luz deste enquadramento, compreende-se que a Recorrente pugne pela declaração de nulidade das deliberações impugnadas sustentando que elas incidiram sobre despesas com partes privadas ou, pelo menos, com partes que, sendo comuns, servem exclusivamente determinadas frações autónomas, assim contrariando as normas, que considera imperativas, dos arts. 1405/1, 1418, 1421, 1424, 1430/1.Quid inde? *** 2).4.1. Como facilmente se percebe, nas referidas deliberações está em causa a aprovação dos orçamentos de 2022 e 2023 e, mais especificamente, a verba das despesas com a manutenção e o consumo do sistema de ar condicionado, que a Recorrente sustenta apenas ser parte comum do edifício na medida em que serve as áreas comuns, sendo, em tudo o mais, parte privada das frações que dele beneficiam. Se bem percebemos o raciocínio, na tese da Recorrente, ao deliberar sobre as despesas de tal sistema em bloco, repercutindo-as sobre todos os condóminos, sem cindir as que são decorrentes do seu uso nas partes comuns, a assembleia, ademais de ter violado as normas que estabelecem quais são as partes comuns do edifício, extravasou as suas competências.Comecemos por ver se o dito sistema é parte comum do edifício. Como decorre de quanto já escrevemos, a summa divisio no regime da propriedade horizontal é feita entre partes próprias e partes comuns do edifício. A este propósito, diz o n.º 1 do art. 1421, na sua redação atual, introduzida pelo DL n.º 267/94, de 25.10, que “[s]ão comuns as seguintes partes do edifício: a) O solo, bem como os alicerces, colunas, pilares, paredes mestras e todas as partes restantes que constituem a estrutura do prédio; b) O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fração; c) As entradas, vestíbulos, escadas e corredores de uso ou passagem comum a dois ou mais condóminos; d) As instalações gerais de água, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes.” O n.º 2 do preceito acrescenta que “[p]resumem-se ainda comuns: a) Os pátios e jardins anexos ao edifício; b) Os ascensores; c) As dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro; d) As garagens e outros lugares de estacionamento; e) Em geral, as coisas que não sejam afetadas ao uso exclusivo de um dos condóminos.” Como se constata, o legislador diferencia entre partes necessariamente comuns (n.º 1) e partes presuntivamente comuns (n.º 2) do edifício, estabelecendo que a enumeração destas é meramente exemplificativa. As primeiras são aquelas que constituem a estrutura do edifício (paredes-mestras, alicerces, solo) ou a sua cobertura (telhado e certos terraços), bem como aquelas que permitem a circulação, a comunicação ou a ligação espacial entre as várias frações, entre estas e as partes comuns ou as saídas para o exterior (entradas, vestíbulos, escadas e corredores) e ainda as instalações gerais (de água, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações), que estão funcionalmente afetadas não apenas ao uso das partes próprias, mas também ao uso comum. Como escreve Sandra Passinhas (A Assembleia cit., pp. 27-28), “[t]emos, assim, uma afetação estrutural, uma afetação envolvente ou de cobertura, uma de comunicação e uma funcional.” São, no fundo, aquelas partes que desempenham uma função essencial em prol do interesse coletivo do condomínio, de tal modo que “nem o título constitutivo nem nenhum outro instrumento podem desanexá-las, entregando-as a algum dos condóminos ou excluindo qualquer deles da sua contitularidade” (Menezes Cordeiro, “Art. 1421.º”, AAVV, Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil Comentado, IV, Direito das Coisas, Coimbra: Almedina, 2024, p. 650). Também no sentido da imperatividade da natureza comum destas partes, Pires de Lima / Antunes Varela (Código cit., p. 419), Aragão Seia (Propriedade Horizontal cit., p. 65), Rui Vieira Miller (Propriedade Horizontal cit., p.57), Rui Pinto Duarte (loc. cit., p. 251) e Raúl Guichard (“Propriedade horizontal. Despesas com a conservação de um terraço intermédio”, Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, n.º 3 (2005), pp. 239-246[5]). As partes presuntivamente comuns são, por contraposição, aquelas que, não sendo essenciais à satisfação do interesse coletivo, podem proporcionar melhores condições de uso das frações. Esta diferença justifica a possibilidade de tais partes serem atribuídas, pelo título constitutivo, apenas a certo ou a certos condóminos. É o exemplo paradigmático das garagens que, presumindo-se comuns, muitas vezes são integradas, pelo título constitutivo, nas frações autónomas ou constituem elas mesmas frações autónomas. Isto levanta a questão de saber se estamos perante uma presunção ilidível por qualquer meio ou perante uma norma supletiva, aplicável quando o título constitutivo não disponha em sentido contrário. A nosso ver, a redação do preceito e a sua razão de ser aponta no sentido de a presunção poder ser ilidida por qualquer via e não apenas no título constitutivo, conforme sustentam Ana Taveira da Fonseca (“Art. 1421.º”, AAVV, Henrique Sousa Antunes (coord.), Comentário ao Código Civil. Direito das Coisas, Lisboa: UCE, 2021, pp. 450-451), Rui Pinto Duarte (loc. cit., p. 252) e Luís Menezes Leitão (Direitos Reais, 9.ª ed, Coimbra: Almedina, 2020, p. 319). De modo diverso, Sandra Passinhas (“Partes comuns na propriedade horizontal”, AAVV, Ab uno ad omnes, 75 anos da Coimbra Editora, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, pp. 641-660) escreve que “[a] afetação suscetível de vencer a presunção de comunhão prevista no n.º 2 do art. 1421 terá de ser uma afetação formal, a realizar no título constitutivo” e conclui (loc. cit., pp. 649-650) que “são comuns, além das indicadas no n.º 1 do art. 1421, todas as partes do edifício que não estejam especificadas no título constitutivo como sendo partes próprias. Uma simples afetação de facto nunca atribuirá a um condómino um direito de propriedade.” Sem prejuízo, entende que “[d]iferente da afetação da coisa, é a situação que, colocando-se num estádio temporal anterior, configura uma destinação objetiva. É a coisa que, pela sua estrutura objetiva, pela sua situação ou por alguma outra circunstância juridicamente relevante, se encontra destinada à fração autónoma”, do que dá como exemplo um jardim a que só se pode aceder pela sala do r/c. “Estas coisas que, não estando especificadas no título constitutivo, deveriam ser consideras comuns nos termos do art. 1421/2, não poderão, todavia, deixar de ser partes próprias. A destinação objetiva da coisa funciona como um elemento limitador do seu domínio. Uma coisa que pela sua destinação objetiva só possa servir um condómino não pode ser considerada comum.” *** 2).4.2. Entre as coisas imperativamente comuns contam-se, como vimos, as instalações gerais de água, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, comunicações e semelhantes. Como escreve Sandra Passinhas (A Assembleia cit., p. 37), “[a]s instalações gerais são elementos funcionais enquanto aptas para servir todos os condóminos.” É o que sucede, de um modo geral, com as estruturas físicas de distribuição – e recolha, no caso do saneamento ou dos resíduos – existentes no edifício, designadamente as canalizações, os cabos elétricos, as condutas de gás, o aquecimento central ou as antenas de televisão. Assim, foi já decidido que são partes comuns o tubo de água que recebe as águas residuais provenientes dos ramais de descarga que servem os 1º, 2º e 3º andares do edifício (RL 26.06.2003, 3046/2003-2, Maria José Mouro), a coluna de abastecimento de gás do edifício (RL 6.12.2012, 972/09.0TBCSC.L1-2, Ezagüy Martins), um posto de transformação de eletricidade cuja construção foi imposta, à data do licenciamento da construção, por forma a que o edifício fosse abastecido de eletricidade (RP 30.09.2014, 1388/09.3TBPVZ.P1, Rodrigues Pires), ou as caleiras do edifício (RP 4.05.2015, 2769/13.3TBMTS.P1, Soares de Oliveira). Já assim não sucede com as partes da instalação que não podem ser consideradas como centrais, como sejam as que entram na fração autónoma (Aragão Seia, Propriedade Horizontal cit., p. 76), “os ramais de derivação para cada fração autónoma” (Pires de Lima / Antunes Varela, Código cit., p. 422), “as condutas derivadas que, destacando-se da instalação central, entram nas frações autónomas e são propriedade exclusiva dos condóminos” (Sandra Passinhas, idem[6]) ou “as instalações ou ramais de derivação que sirvam somente uma das frações” (Ana Taveira da Fonseca, loc. cit., p. 448). Como se constata, há um elemento comum na exposição destes autores: as referidas estruturas físicas são comuns nas suas partes que estão ao serviço da pluralidade dos condóminos; já são privadas nas suas partes que, mesmo quando atravessem partes comuns, servem exclusivamente uma fração, da qual passam a ser elementos integrantes. Com base nisto, Tiago Oliveira Silva (A Propriedade Horizontal – Influência do Instituto nos Direitos e Obrigações do Titular da Fração, Tese de doutoramento, Universidade da Corunha, 2015, pp. 103-106[7]), propõe que “[n]aqueles serviços que dispõem necessariamente de um aparelho medidor, instalado no local por parte do fornecedor do serviço (vulgarmente conhecido como “contador”), o que acontece, por exemplo, com o fornecimento de água e eletricidade, será fácil considerar esse próprio contador, como primeiro elemento integrante da fração (ou pelo menos o local da instalação ao qual o contador se encontra materialmente ligado), podendo considerar-se que, desde a entrada no prédio até chegar ao contador, estamos perante um elemento necessariamente comum, e do contador para a frente, estamos perante elemento privativo da fração em que se integra com todas as consequências, em sede de decisão e responsabilidade.” O mesmo autor, depois de reconhecer que esta solução não basta para a caracterização da parte do ramal que dá acesso à entrega do serviço a uma fração antes do contador nem dá resposta às situações que não implicam a existência de um contador que sirva como elemento de fronteira, como acontece na ligação da antena exterior do prédio às tomadas das diferentes frações, que leva o sinal da televisão do prédio a todos os condóminos, propõem, como critério complementar, o da “potencial utilização.” Com base neste, sustenta que “só poderá ser considerado elemento privativo da fração, aquele que, em abstrato, seja insuscetível de utilização, ainda que posterior, por parte dos outros condóminos.” E acrescenta que “[n]ão seria proporcional, nem equilibrado, que num campo em que a própria lei estabelece o regime imperativo de comunhão, com as consequências inerentes a isso, com a potencialidade de maximização de utilidades futuras dos ramais, estabelecêssemos como critério decisivo para a integração na parte comum ou privativa a sua utilização atual.” *** 2).4.3. Feitas estas considerações, ficamos habilitados a decidir se o sistema de ar condicionado discutido na ação é uma parte comum do Edifício....Relembramos que a Recorrente alegou, na petição inicial, que o sistema de climatização do edifício, ao qual se referiu sempre no singular, serve quer as partes comuns, quer as frações autónomas, com exceção daquela de que é proprietária, sem o descrever de uma forma minuciosa. Como é bom de ver, esta alegação apresentava-se como insuficiente para permitir concluir se o dito sistema tem partes centrais, que servem as partes comuns e, eventualmente, frações autónomas, e partes não centrais, que servem apenas, individualmente, as frações autónomas. Aquilo que se apurou, na sequência da instrução a que houve lugar, foi que o sistema a que a Recorrente se refere é o que, num primeiro momento, produz a água fria, num segundo a bombeia e, num terceiro, a distribui pelas oito unidades de tratamento de ar das zonas comuns e pelos aparelhos ventilo-convetores das diferentes frações, com exceção daquela de que a Recorrente é proprietária. Não inclui estes aparelhos, que são, indiscutivelmente, partes privadas das frações onde estão colocados. A função desempenhada por esse sistema em benefício do interesse coletivo, designadamente nas partes comuns de que todos os condóminos beneficiam, permite-nos qualificar o mesmo como central e como uma parte comum do edifício e, assim, concluir que, ao deliberar sobre a forma de repartição das despesas com a sua conservação e fruição, aquando da aprovação dos orçamentos de 2022 e 2023, a assembleia de condóminos não excedeu a sua esfera de competência (arts. 1431/1), pelo que, ao contrário do sustentado, as deliberações impugnadas não infringem qualquer uma das normas contidas nos arts. 1405, 1418, 1421 e 1430. De acrescentar apenas que o Regulamento do Condomínio limita-se, no seu art. 3.º/1, d), a reproduzir, quanto ao sistema de ar condicionado, o que resulta da lei, pelo que nada interfere com a questão. Caso contrário, tal instrumento seria de desconsiderar, por infringir norma legal imperativa. *** 2).5.1. O que antecede serve-nos de mote para a questão da repartição das despesas com a manutenção do dito sistema de ar condicionado – por facilidade de exposição, utilizaremos esta designação para nos referirmos à realidade analisada no ponto anterior –, bem como das despesas geradas pelo consumo da eletricidade necessária ao seu funcionamento.O n.º 1 do art. 1424/1 do Código Civil, na sua atual redação, introduzida pela Lei n.º 8/2022, de 10.01, diz que “[s]alvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e relativas ao pagamento de serviços de interesse comum são da responsabilidade dos condóminos proprietários das frações no momento das respetivas deliberações, sendo por estes pagas em proporção do valor das suas frações.” Por comparação com a redação original da norma, a atual contém apenas o acrescento dos segmentos “proprietários” e “no momento das respetivas deliberações.” O primeiro apresenta-se como uma mera redundância, posto que “só os proprietários das frações são condóminos e condóminos são só os proprietários das frações” (Margarida Costa Andrade, “Despesas comuns – o novo regime das obrigações reais na propriedade horizontal, AAVV, Propriedade Horizontal – II Jornadas, Coimbra: Geslegal, 2024, pp. 87-110). O segundo mais não expressa que a intervenção do legislador na vexata quaestio da ambulatoriedade da responsabilidade pelas dívidas condominiais existentes à data da transmissão da fração autónoma, o que se conjuga com a norma do art. 1424-A, introduzida pela referida Lei n.º 8/2022, pelo que não assume qualquer relevo para o conhecimento do recurso. Assim, socorrendo-nos dos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência, diremos que a norma estabelece a obrigação dos condóminos, enquanto comproprietários, contribuírem para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como para o pagamento de serviços de interesse comum. Estamos perante uma obrigação propter rem ou obrigação real, uma vez que, tendo conteúdo positivo, onera o titular de um direito real pelo simples facto de o ser. Cf. Henrique Mesquita (Propriedade horizontal cit., p. 130). As primeiras despesas (despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns) são aquelas indispensáveis para que as partes comuns mantenham a adequada funcionalidade que lhes foi atribuída na conceção do edifício e proporcionem aos condóminos a possibilidade de usufruírem normalmente das suas potencialidades. Compreende-se, assim, que se escreva que “[t]anto podem tratar-se de pequenas despesas de manutenção ordinária, como de despesas impostas por qualquer evento que tenha provocado danos extensos nas coisas a reparar (avaria grave nos ascensores ou na instalação elétrica; destruições causadas por tempestades, tremores de terra, acontecimentos bélicos, etc.)” (Pires de Lima / Antunes Varela, Código Cit., p. 431) ou que “[o] seu montante será variável e depende do desgaste dos materiais ou de danos provocados por avarias, como, por exemplo, o cabo do elevador que se parte, a parabólica coletiva que se avaria por efeito de uma trovoada, a torneira da água para lavagem das partes comuns que se avaria, etc.” (Aragão Seia, Propriedade Horizontal cit., p. 121). As segundas (despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum) são aquelas que “têm a ver com a limpeza, a estética, a portaria, a segurança, a conservação dos jardins, e semelhantes, que contribuam para o bem-estar dos condóminos e lhes tornem a vida aprazível no condomínio” (Aragão Seia, Propriedade Horizontal cit., p. 120). Discute-se, em face do teor literal da parte inicial da norma (“[s]alvo disposição em contrário”), se a regra de repartição estabelecida só pode ser afastada quando a lei o estabelece ou se os condóminos podem estabelecer um critério distintivo de conservação das despesas de conservação e fruição no título constitutivo. A propósito, José Alberto Vieira (Direitos Reais cit., p. 731), Rui Pinto Duarte (Curso de Direitos Reais, 2.ª ed., Cascais: Principia, 2007, p. 116) e Ana Taveira da Fonseca (“Art. 1424.º”, AAVV, Henrique Sousa Antunes (coord.), Comentário ao Código Civil. Direito das Coisas, Lisboa: UCE, 2021, p. 461). A nosso ver, se tivermos em consideração que no título constitutivo, ou numa sua modificação (cf. Aragão Seia, Propriedade Horizontal cit., p. 121), pode ser fixado o valor relativo das frações, então também é de admitir a possibilidade de se estabelecer que esse valor não servirá de base de cálculo para a repartição das despesas, tal como sustenta Ana Taveira da Fonseca (idem). É isto, cremos, que explica que já tenha sido julgado (STJ 12.11.2009, 5242/06.2TVLSB.S1, Hélder Roque) que atua em abuso do direito o proprietário de um edifício que, quando constitui a propriedade horizontal, isenta as frações de que se manterá proprietário do pagamento das despesas do condomínio, sobrecarregando com elas os futuros proprietários das demais frações. O negócio jurídico (unilateral) de constituição da propriedade horizontal será, nessa parte, nulo nos termos do art. 280/1. Não produzindo quaisquer efeitos, ficará aberto o caminho para a aplicação do regime supletivo do n.º 1 do art. 1424. Também no sentido de que o critério de repartição das despesas do n.º 1 pode ser afastado no título constitutivo, na doutrina, Pires de Lima / Antunes Varela, Código cit., p. 431, Henrique Mesquita, Propriedade Horizontal cit., pp. 129-130, nota 119. Na jurisprudência, com exaustiva fundamentação, RG 24.10.2019 (1037/17.6T8VCT.G1), relatado pela Juíza Desembargadora Lígia Venade, aqui 2.ª Adjunta. Com o DL n.º 267/94, de 25.10, o legislador introduziu uma modificação no sentido de facilitar o afastamento da regra de repartição das despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum. Com efeito, por força do art. 1.º do referido diploma, o n.º 2 do art. 1424 passou a dizer que “[a]s despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum podem, mediante disposição do regulamento de condomínio, aprovada sem oposição por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio, ficar a cargo dos condóminos em partes iguais ou em proporção à respetiva fruição, desde que devidamente especificadas e justificados os critérios que determinam a sua imputação.” Com a lei n.º 8/2022, de 10.01, foi dado mais um passo no referido sentido, alterando-se a redação da norma do n.º 1 do art. 1424 no que tange à maioria necessária para a aprovação da disposição do condomínio derrogadora da regra geral, passando, assim, a bastar uma maioria composta pelos “condóminos que representem a maioria do valor total do prédio.”[8] Não suscita qualquer dúvida que esta nova redação, abstraindo do facto que deu origem à relação de condomínio, tem aplicação às situações jurídicas preexistentes à sua entrada em vigor, por força da norma geral de direito transitório material consagrada na 2.ª parte do n.º 2 do art. 12. *** 2).5.2. Do exposto resulta que o legislador estabeleceu, como regra, o critério da proporcionalidade (Pires de Lima / Antunes Varela, Código cit., pp. 431-432) entre a contribuição dos condóminos para as referidas despesas e o valor das respetivas frações, afastando-se, assim, da regra especial consagrada no 2.º § do art. 1123 do Codice Civile[9], quanto às partes comuns do prédio destinadas a servir os condóminos em medida diferente, a qual, estabelecendo uma repartição proporcional ao uso que cada condómino possa fazer da coisa, dá relevo ao critério da utilidade (idem, ibidem).De acordo com a lição dos citados autores, “[e]mbora mais justo, o critério ei cui interest presta-se às maiores dificuldades de aplicação prática, por nem sempre ser fácil determinar a intensidade relativa do uso que cada condómino possa fazer dessas coisas comuns (dependente do número de familiares de cada ocupante – condómino, arrendatário ou subarrendatário –, do número de visitas ou clientes de cada um deles, da frequência com que entrem ou saiam de casa, da altura a que a fração se situe em relação ao r/c, etc.). O que conta para a nossa lei é a destinação objetiva das coisas comuns – é o uso que cada condómino pode fazer dessas coisas, medido em princípio pelo valor relativo da sua fração, e não o uso que efetivamente faça delas. A responsabilidade pelas despesas de conservação subsistirá mesmo em relação àqueles condóminos que, podendo fazê-lo, não utilizem (por si só ou por intermédio de outrem) as respetivas frações e se não sirvam, por conseguinte, das partes comuns do prédio.” A intenção do legislador foi “poupar o julgador ao emaranhado de dificuldades” que poderiam advir da consagração de um critério diferente. No mesmo sentido, António Menezes Cordeiro (“Art. 1424.º”, AAVV, Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil Comentado, IV, Direito das Coisas, Coimbra: Almedina, 2024, p. 659) escreve que “[e]sta lógica poderá não parecer justa: o condómino do vigésimo andar paga, pelos elevadores, tanto quanto o do primeiro andar. Mas não há outra saída: o condómino do vigésimo andar pode declarar que só usa a escada.” Como vimos, o critério legal pode ser afastado, tanto no que tange às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, no título constitutivo ou numa sua modificação – necessariamente por unanimidade dos condóminos: art. 1419/1 –, como no que tange às despesas relativas ao pagamento de serviços de interesse comum, estas mediante disposição do regulamento do condomínio, “aprovada, sem oposição, por uma maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio.” E pode ser afastado, designadamente, no sentido de estabelecer a repartição de tais despesas de acordo da utilidade, seja em abstrato, seja em concreto. *** 2).5.3. A rigidez do critério legal sempre foi, porém, mitigada pelo legislador.Assim, na versão original do Código, o legislador estabeleceu, no n.º 3, que nas despesas com ascensores apenas participam os condóminos cujas frações por eles possam ser servidas. Depois, com o DL n.º 267/94, mantendo aquela previsão, que passou para o n.º 4 do preceito, estabeleceu, no novo n.º 3, que “[a]s despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.” Com a Lei n.º 32/2012, de 14.08, aditou um novo n.º (5), no qual estabeleceu que “[n]as despesas relativas às rampas de acesso e às plataformas elevatórias, quando colocadas nos termos do n.º 3 do artigo seguinte, só participam os condóminos que tiverem procedido à referida colocação.” Finalmente, com a Lei n.º 8/2022, alterou a redação do n.º 3, nele dispondo agora que “[a]s despesas relativas às partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem.” Com esta redação não foi introduzida qualquer novidade. Como se constata, o legislador limitou-se a eliminar a referência específica aos lanços de escadas, que não mereciam tratamento especial, e a aperfeiçoar a norma de modo a nela consagrar apenas a regra segundo o qual, sem prejuízo de uma determinada parte do edifício pertencer ao conjunto de condóminos, as despesas a ela relativas ficam a cargo do condómino que dela exclusivamente se sirva. Assim, Margarida Costa Andrade (loc. cit., p. 264). Para efeitos de aplicação desta norma – que, ao contrário das dos números 1 e 2, se apresenta como imperativa, conforme, de resto, foi entendido nos citados RL 14.11.2017 e RG 24.10.2019, assim se acautelando, como em ambos se pode ler, “o interesses de condóminos que, quando minoritários, poderiam doutro modo ver-se na contingência de ter de suportar despesas para as quais nada contribuem e das quais não podem sequer tirar proveito” – não releva o uso efetivo pelos condóminos, mas a afetação objetiva da parte comum à fração. Será o caso do terraço de cobertura ou do lanço de escadas que serve uma única fração, cujas despesas (v.g., de limpeza) serão suportadas apenas pelo proprietário desta. Já assim não será, porém, se esse mesmo lanço de escadas der também acesso à cobertura do edifício, permitindo, assim, que todos os condóminos acedam por ele a esta parte (imperativamente) comum. Ainda a propósito deste desvio ao critério do n.º 1, importa ainda dizer que o legislador não estabelece se estão exclusivamente em causa os gastos inerentes à fruição destas partes comuns ou se o critério também se aplica às despesas de conservação que beneficiam todos os condóminos. Com recurso a Ana Taveira da Fonseca (loc. cit., p. 462), diremos que “se a despesa de conservação beneficiar todos os condóminos, não pode deixar de se aplicar o critério estabelecido no n.º 1 da disposição em análise, mesmo que o uso dessa parte esteja atribuído a só um deles.” Este tem sido o entendimento maioritariamente seguida na jurisprudência a propósito das despesas com a conservação e reparação dos terraços de cobertura cujo uso se encontra afetado a um dos condóminos. A título de exemplo, RG 9.04.2015 (4649/11.8TBBRG.G1), Ana Cristina Duarte, e RP 10.07.2019 (25518/17.2T8PRT.P1), Manuel Domingos Fernandes. Na doutrina, vide também António Menezes Cordeiro (loc. cit., p. 659) e Raúl Guichard (loc. cit., p. 244). *** 2).5.4. Como vimos no ponto 2).4., o sistema de ar condicionado em discussão constitui uma parte imperativamente comum do edifício, que é usada em benefício de todos os condóminos, Recorrente incluída, na medida em que o fornece água fria às oito unidades de tratamento de ar das zonas comuns. Não estamos, portanto, perante uma parte comum que sirva exclusivamente algum dos condóminos, pelo que a situação está fora do âmbito de aplicação do n.º 3 do art. 1424.Reconhecemos que o condómino titular das demais frações do edifício beneficia dele em maior medida que a Recorrente. Isto não basta, porém, para que a aplicação da norma seja possível. Daqui uma primeira conclusão: as deliberações impugnadas não infringem a referida norma – que, como vimos, tem natureza imperativa –, pelo que é de excluir a sua nulidade com este fundamento, nessa medida improcedendo o recurso. Por outro lado, sendo as despesas em questão enquadráveis no n.º 1 do art. 1424, chegamos a uma segunda conclusão: as referidas deliberações poderão, quando muito, ser anuláveis com fundamento na violação de tais normas (de natureza supletiva). Esta singela consideração coloca, desde logo – e sem prejuízo do que vamos tratar no ponto 2).6. –, a salvo a deliberação de 18 de novembro de 2021, relativa ao orçamento de 2022, posto que em relação a ela apenas foi pedida a declaração de nulidade (e não, também, a sua anulabilidade, vício que, como é sabido, não é do conhecimento oficioso). Finalmente, centrando a atenção na deliberação de 20 de dezembro de 2022, alcançamos uma terceira conclusão: tal deliberação, ao não fazer uma repartição das despesas com a manutenção do sistema e com os consumos de eletricidade gerados pelo seu funcionamento de acordo com um critério proporcional ao uso que cada um dos condóminos faz dele, não infringe (rectius, nunca poderia infringir) o previsto na norma do n.º 1, nem na norma do n.º 2, do art. 1424. Note-se que não tratamos aqui de apreciar a deliberação em qualquer outra dimensão, designadamente no que tange ao que possa resultar da aplicação às despesas necessárias à conservação e fruição do fator de ponderação de 0,6, que não está previsto no título constitutivo da propriedade horizontal, nem sequer no art. 6.º/1 do Regulamento do Condomínio, que se limita a replicar o critério do n.º 1 do art. 1424, mas apenas no Regulamento de Utilização e Funcionamento do Centro Comercial, questão que, obviamente, extravasa o objeto da ação. Uma nota final para dizer que não se percebe o alcance da referência, feita na conclusão 31, ao art. 10.º do Regulamento do Condomínio, o qual versa sobre obras nas partes comuns, pelo que a sua aplicação não é convocada no caso vertente. *** 2).6.1. Vejamos agora se as deliberações impugnadas são nulas, conforme sustenta a Recorrente, com fundamento no abuso do direito (de voto) por parte do condómino titular da maioria do capital investido. De acordo com a tese da Recorrente, o referido condómino, o único que beneficia do sistema de climatização das áreas privadas, votou favoravelmente as deliberações, o que bastou para a sua aprovação, com o propósito de obter uma diminuição dos seus custos com prejuízo para a Recorrente, havendo, assim, um desequilíbrio no exercício da posição jurídica em que se encontra (de titular da maioria do capital investido). Desde logo, importa dizer que, em rigor, na sequência do que escrevemos e como bem se nota na sentença recorrida – cuidadosamente fundamentada –, as deliberações não versam sobre a repartição das despesas – estas decorrem, a um tempo, da lei e, a outro, da disposição do Regulamento de Utilização e Funcionamento do Centro Comercial ... que prevê a aplicação de um coeficiente de 0,6 sobre a parte que, de acordo com a permilagem, caberia à recorrente –, mas apenas sobre o seu montante total. Esta singela precisão demonstra a fragilidade da tese da Recorrente. Por outro lado, de acordo com a lição de António Menezes Cordeiro (“Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas, ROA, 65 (2005), II, pp. 327-386[10]), o desequilíbrio no exercício das posições jurídicas constitui um tipo extenso e residual de atuações contrárias à boa fé, que comporta essencialmente três subtipos: o exercício danoso inútil; o dolo agit qui petit quod statim redditurus est; e a desproporção grave entre o benefício do titular exercente e o sacrifício por ele imposto a outrem. Em todas estas hipóteses, conforme ensina o autor, “podemos considerar que o titular, exercendo embora um direito formal, fá-lo em moldes que atentam contra vetores fundamentais do sistema, com relevo para a materialidade subjacente.” Numa obra mais recente (“Art. 334.º”, AAVV, António Menezes Cordeiro (coord.), Código Civil Comentado, I, Parte Geral, Coimbra: Almedina, 2020, pp. 940-941), o autor acrescenta que a figura do desequilíbrio no exercício das posições jurídicas pressupõe “[a] desproporção entre a vantagem auferida pelo titular do direito e o sacrifício por ele imposto a outrem.” Depois de reafirmar a sua natureza residual, escreve que são abrangidos os antigos atos emulativos, o desencadear de poderes-sanção por faltas insignificantes, a atuação puramente desequilibrada e o exercício jurídico-subjetivo sem atentar a situações especiais relevadas pelo Direito.” Este apoio doutrinário permite-nos estabelecer uma aproximação, neste domínio, entre as deliberações das assembleias de condóminos e as deliberações sociais. Sobre estas, diz o art. 58/1, b), do CSC) que são anuláveis as que “[s]ejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir, através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos.” Deste modo, as deliberações sociais abusivas podem ser de duas espécies: as apropriadas para satisfazer o propósito de alcançar vantagens especiais em prejuízo da sociedade ou de sócios; e as apropriadas para satisfazer o propósito tão-só de prejudicar a sociedade ou sócios. Às primeiras podemos chamar de deliberações abusivas propriamente ditas e às segundas deliberações abusivas emulativas. Em conformidade, pode ler-se em RG 22.02.2025 (3333/24.7T8VNF.G1), do presente Relator, também com a intervenção, como 1.º Adjunto, do Juiz Desembargador José Carlos Pereira Duarte: “Conforme explica J. M. Coutinho de Abreu (“art. 58”, AAVV, J. M. Coutinho de Abreu (Coord.), Código das Sociedades Comerciais em Comentário cit., p. 713), “as deliberações de uma e outra espécie têm pontos em comum, tanto ao nível dos pressupostos subjetivos (o propósito de um ou mais votantes), como dos pressupostos objetivos (a deliberação há de ser objetivamente apropriada ou apta para satisfazer o propósito). Distinguem-se na medida em que nas deliberações da primeira espécie o propósito relevante é o de alcançar vantagens especiais; nas da segunda (as ditas abusivas emulativas), o propósito relevante é o de causar prejuízos. É certo que as primeiras não dispensam o prejuízo, conforme resulta do segmento “em prejuízo da sociedade ou de outros sócios”. Trata-se, porém, como adverte o autor, “de dano resultante da consecução de vantagens especiais; entre aquele e esta existe imediata ou mediata conexão causal.” Já o prejuízo visado nas deliberações abusivas emulativas é indiferente às eventuais não desvantagens, vantagens ou desvantagens dos votantes com propósito emulativo ou de terceiros. Isto permite concluir que “o propósito exigido nas deliberações da primeira espécie limita-se à consecução de vantagens especiais – não sendo necessário que abarque o prejuízo; e o propósito exigido nas deliberações abusivas emulativas limita-se à inflição de prejuízo.” Em qualquer das duas modalidades, o dito propósito mais não é que uma forma de expressar o dolo de um ou mais votantes. Vale por dizer se exige a verificação deste elemento subjetivo e atual (não virtual), que deve ser provado por quem se apresente a impugnar a deliberação. Assim, J. M. Coutinho de Abreu (loc. cit., pp. 714-715). Não tem, porém, de ser um dolo direto. Basta um dolo necessário ou mesmo um dolo eventual. Por outro lado, as vantagens especiais referidas a propósito da primeira espécie são, na lição de J. M. Coutinho de Abreu (loc. cit., p. 713) “(i) proveitos patrimoniais (ao menos indiretamente) por deliberação concedidos, possibilitados ou admitidos a sócios e/ou não sócios, mas não a todos os que se encontram perante a sociedade em situação semelhante à dos beneficiados, (ii) bem como os proveitos que, quando não haja sujeitos em situação semelhante à daqueles, não seriam (ou não deviam ser) concedidos, possibilitados ou admitidos a quem hipoteticamente ocupasse posição equiparável.” Na sequência, apresenta os seguintes exemplos de deliberações enquadráveis no primeiro grupo de casos: “delibera-se por maioria dissolver a sociedade, a fim de os sócios maioritários continuarem – em nova sociedade, sem os minoritários – a exploração da sólida empresa da sociedade dissolvida; delibera-se trespassar estabelecimento da sociedade a A por 100 000, quando B (sócio) oferecia 110 000.” E apresenta os seguintes exemplos de deliberações enquadráveis no segundo grupo de casos: “fixa-se a remuneração de sócio único-gerente em 50 000, quando, atendendo à natureza das funções, à situação da sociedade e à prática em sociedades similares, o valor razoável não superaria 10 000; delibera-se autorizar a compra de terreno (único) confinante com o da sede social, pertencente a um sócio, por 150 000, mas que não vale mais do que 100 000. O prejuízo ou dano relevante (consequência da vantagem especial assegurada pela deliberação, ou da medida estabelecida pela deliberação emulativa) é sofrido pela sociedade ou outros sócios – sócios outros que não os votantes com os assinalados propósitos.” Na jurisprudência, escreve-se: Em STJ 19.05.2015 (477/03.2TBVNO.C3.S1, Fonseca Ramos) que a “deliberação social abusiva exprime um ato disfuncional, porquanto não visa acautelar os direitos da sociedade mas, ao invés, é estranha a essa finalidade, do ponto em que apenas almeja satisfazer o propósito do sócio ou sócios que assim, através do voto, colhem para si, ou para terceiros, vantagens que prejudicam a sociedade ou outros sócios”, formulação que é repetida em RG 29.06.2017 (4863/16.0T8VNF.G1, Conceição Bucho); e Em RL 08.03.2023 (17579/20.3T8LSB.L1-1, Amélia Sofia Rebelo) que “a vantagem especial prevista pela al. b) do nº 1 do art. 58º do CSC (…) haverá de traduzir-se num qualquer proveito ou benefício anómalo, estranho ou tido por irrazoável aos interesses da sociedade, e que só existe por efeito da utilização do direito de voto inerente à qualidade de sócio para obter a satisfação de interesses extra sociais dos sócios maioritários ou de terceiros por estes pretendido beneficiar.” […] Isto evidencia que a causa da deliberação abusiva é a vontade individual do sócio, expressa através do respetivo voto, com o propósito de conseguir “vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes” – portanto, sempre na prossecução de um propósito egoístico, extra-societário – ou até mesmo contra-societário –, pelo que, para além do mais, poderá haver uma violação do dever de lealdade. Este dever de lealdade, apesar de não estar expressamente consagrado em qualquer norma legal, resulta de um “conjunto dos valores básicos do sistema que, em cada situação concreta, devam ser respeitados pelos diversos intervenientes”, acabando por corresponder, de alguma forma, à ideia da boa fé que está patente no direito cível. Assim, STJ 1.04.2014 (8717/06.0TBVFR.P1.S1, Fonseca Ramos). Com mais desenvolvimento, STJ 18.04.2023 (9333/21.1T8SNT.L1.S1, António Barateiro Martins), onde se escreve que “[r]econhece-se hoje que os poderes dos sócios na sociedade se encontram vinculados a deveres de lealdade, deveres estes que impõem que os sócios não atuem de modo incompatível com o interesse social ou com interesses de outros sócios relacionados com a sociedade. Deveres de lealdade que têm um conteúdo negativo nuclear (a proibição de causar danos, intensificada face ao princípio geral do neminem laedere), mas que em certas situações também podem adquirir uma dimensão positiva, traduzida numa obrigação de prosseguir o fim social. Deveres de lealdade que acabam assim por comprimir o princípio da liberdade de voto, obrigando o sócio a não apresentar determinada proposta ou a votar favoravelmente determinada medida; e que levam também a que se fale mesmo numa exigência de “justificação material” para certas deliberações sociais que intervenham nos direitos das minorias.” E acrescenta-se, citando Ana Perestrelo de Oliveira, que “(…) é possível formular um princípio geral de sujeição das deliberações sociais a um controlo material de conformidade com os deveres de lealdade da maioria (e, eventualmente, das minorias, máxime nos casos em que estas surjam como minorias de bloqueio). A necessidade de uma justificação material tendo a lealdade como referência será, em especial e por natureza, reclamada perante conflitos de interesses entre maioria e minoria e, com particular frequência, quando a medida em discussão possa provocar uma intervenção na posição dos sócios minoritários e, em geral, sempre que a distribuição de poder na sociedade seja alterada. Nestas hipóteses, exige-se que o sacrifício dos interesses das minorias seja objetivamente justificado e necessário: do princípio da lealdade resultará, pois, um princípio de proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade, stricto sensu) que evitará o prejuízo arbitrário dos sócios. (…)” 2).6.2. Aproveitando o que antecede, podemos afirmar, a um tempo, que não resultou provada a intenção do condómino maioritário obter um benefício especial em prejuízo da Recorrente nem a de pura e simplesmente causar dano a esta e, a outro, que o beneficia obtido por aquele – à semelhante, de resto, do que sucedeu nos anos anteriores a 2021, sempre com o acordo da Recorrente – está mitigado pela aplicação do referido coeficiente de 0,6. De qualquer modo, estando em causa custos que se exprimem em valores pecuniários, para que se pudesse concluir por um manifesto desequilíbrio no exercício da posição jurídica da proprietária das restantes frações seria necessário que estivesse demonstrado o valor dos custos de funcionamento do sistema imputáveis às partes comuns e a parte imputável às restantes frações autónomas. Seria apenas por comparação entre o que comparticiparia nos custos de funcionamento do sistema imputáveis às partes comuns e o que comparticipa hoje que se poderia concluir ou não haver um manifesto desequilíbrio. Sem necessidade de outras considerações, também este fundamento aduzido para sustentar a nulidade das deliberações não tem, com o devido respeito, razão de ser. *** 3). Perante o que antecede, temos de concluir que a sentença recorrida fez uma apreciação correta das questões jurídicas colocadas à sua apreciação, não merecendo a censura que lhe foi dirigida pela Recorrente.Respondida negativamente a 3.ª questão elencada, concluímos que o recurso deve improceder in totum, com a consequente condenação da Recorrente no pagamento das custas respetivas: art. 527/1 e 2 do CPC. *** V.Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em (i) julgar o presente recurso improcedente e (ii) confirmar a sentença recorrida. Custas pela Recorrente. Notifique. * Guimarães, 24 de abril de 2025 Os Juízes Desembargadores, Relator: Gonçalo Oliveira Magalhães 1.ª Adjunta: Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade 2.º Adjunto: José Carlos Pereira Duarte [1] Inter alia, RG 10.07.2023 (4607/21.4T8VNF-A.G1), relatado pela Desembargadora Maria João Pinto de Matos, disponível, como os demais indicados sem menção expressa de local de publicação, em www.dgsi.pt. No dizer de António Abrantes Geraldes, “A sentença cível”, disponível em Publicações - Supremo Tribunal de Justiça (stj.pt), pp. 10-11, “na enunciação dos factos apurados o juiz deve observar uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da ação. Por isso, é inadmissível (…) que se opte pela enunciação desordenada de factos, uns extraídos da petição, outros da contestação ou da réplica, sem qualquer coerência interna.” [2] Pertencem ao Código Civil as disposições legais que daqui em diante forem citadas sem menção expressa da sua proveniência. [3] O processo de licenciamento dos edifícios destinados a propriedade horizontal e a técnica registal, associados à existência de partes comuns, fazem com que se entenda que o edifício composto de várias frações autónomas constitui um único imóvel. Sobre a questão, vide Oliveira Ascensão, Direito Civil – Teoria Geral, I, Coimbra: Coimbra Editora, 1987, p. 444; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, II, Coimbra: Almedina, 2000, pp. 129-130. [4] https://doi.org/10.34632/catolicalawreview.2017.1980. [5] Propriedade Horizontal: Despesas com a Conservação de um “Terraço Intermédio” | Journal of Business and Legal Sciences / Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas. [6] Há um evidente lapso de escrita na exposição da autora: depois de distinguir entre as partes “imperativamente ou necessariamente comuns” e as “partes presumidamente comuns”, refere-se à norma da alínea d) do n.º 1 do art. 1421, que trata das primeiras, escrevendo que “a presunção da comunhão vale só”, tratando-as assim como partes presumivelmente comuns. [7] A Propriedade horizontal : a influência do instituto nos direitos e obrigações do titular da fração [8] Como adverte Margarida Costa Andrade (“Art. 1424.º”, AAVV, Ana Prata (coord.), Código Civil Anotado, II, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2023, p. 264), a expressão pode “dar aso a interpretações que se distanciem muito daquilo que terá querido o legislador consagrar, ou seja, uma dupla maioria (per capita e real), de modo a que não baste que o maior número de condóminos queira alterar a regra que se encontra no n.º 1, sendo imperativo que essa maioria represente metade + 1 do valor total do prédio.” [9] “Se si tratta di cose destinate a servire i condomini in misura diversa, le spese sono ripartite in proporzione dell'uso che ciascuno può farne.” [10] António Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspetivas * - Ordem dos Advogados. |