Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1712/16.2YIPRT.G1
Relator: CONCEIÇÃO BUCHO
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS NO PER
EFEITOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário(da relatora):

I - A não reclamação de crédito no PER nos termos do artigo 17º-D, nº 2 do CIRE, não tem os efeitos preclusivos. Não tendo efeito preclusivo, haverá que permitir ao credor o recurso a tribunal a fim de ver reconhecido o seu direito.

II Assim, as acções que versem sobre créditos litigiosos que não foram objecto de reconhecimento no PER estão excluídas da extinção imposta pelo n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE.

III- deste modo em relação àqueles credores cuja qualidade não foi reconhecida naquele processo de revitalização, ou em que se discuta o quantum dos respectivos créditos, não poderão os mesmos ficar privados da acção declarativa, sob pena de ficarem numa situação previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano.

IV - Mesmo que esta interpretação não procedesse, sempre a desaplicação da lei se imporia em caso que tal, isto por violação do art. 20º da Constituição da República Portuguesa”.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – (…) Lda., Rua (…) Barcelos, instaurou a presente injunção contra (…) S.A., Rua da (…) Barcelos, pedindo a notificação desta última para lhe pagar a quantia global de € 101.750,09 (Capital: € 94.085,00 e Juros de mora: € 7.665,09).
Por despacho de 27-06-2016 foi ordenada a apensação a este autos da injunção nº 1715/16.7YIPRT, na qual a aqui requerente pediu também a notificação da aqui requerida para lhe pagar a quantia global de € 82.147,62 (Capital: € 79.330,10 e Juros de mora: € 2.817,52).

Em ambos os processos a requerida deduziu reconvenção.

Porém, da informação junta ao processo em 02-10-2018 resulta que a foi já aprovado e homologado, por decisão transitada em julgado, plano de recuperação da Autora, no âmbito do Processo Especial de Revitalização nº 1798/18.5T8VNF do Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão – Juiz 3, deste Tribunal.

Foi então proferida decisão nos seguintes termos:

“…Ora, a extinção da presente acção não resulta de improcedência ou de absolvição da Ré da instância, mas antes da norma especial citada. Daí que a apreciação do pedido reconvencional deduzido pela Ré não possa efectuar-se no âmbito dos presentes autos, que assim não poderá prosseguir por não ter suporte legal na previsão do citado nº 6 do art. 266º do C.P.C..
Acresce, ainda, que o próprio art. 17º-E nº 1 do CIRE prevê a extinção global da acção.
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art. 17º-E nº 1 do CIRE, decide-se julgar extinta a instância (da acção e da reconvenção), abrangendo naturalmente o objecto de ambas as acções apensas”.

Inconformada a autora interpôs recurso, cujas alegações terminam com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida no âmbito dos presentes autos (ref.ª Citius n.º 160975085) que, ao abrigo do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, julgou extinta a instância (da acção e da reconvenção), abrangendo o objecto de ambas as acções apensas.
2. Crê-se, com o devido respeito, que no concreto caso da presente demanda se julgou mal e que o Tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação da norma do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, porquanto estão excluídos do seu âmbito da aplicação a extinção das acções que versem sobre créditos litigiosos que não foram objecto de reconhecimento e carecem de definição jurisdicional, como é manifestamente o caso da presente demanda, decisão essa que inclusivamente contraria a posição perfilhada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nomeadamente no seu Acórdão de 18/09/2018, no âmbito do processo n.º 190/13.2TBVNC.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt, mas que aqui se junta nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
3. Ora, tal como resulta manifesto dos autos, no âmbito da presente demanda, a sociedade Autora peticiona o reconhecimento de um crédito, que foi objecto de contestação pela Ré, pelo que estamos, assim, perante um crédito que deve ser, como efectivamente é, qualificado como litigioso, cfr. artigo 579.º, n.º 3 do Cód. Civil: “Diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado
em juízo contencioso…”, cuja actuação está dependente de definição jurisdicional.
4. Sucede que, tal como resulta manifesto dos presentes autos e, nomeadamente do plano de revitalização que se encontra junto aos mesmos (aprovado no âmbito do processo n.º 1798/18.5T8VNF em que é devedora a aqui Ré), o devedor (aqui Ré) não reconhece o crédito da Autora cujo reconhecimento é peticionado no âmbito da presente demanda, o qual não foi por si sequer relacionado e/ou indicado no processo especial de revitalização (sendo que desses autos resulta mesmo expresso o não reconhecimento do crédito da Autora) e, por conseguinte, a sociedade Autora não está incluída e/ou contemplada nesse mesmo plano, não sendo sequer parte nesse processo judicial.
5. Sendo que, não estando a Autora contemplada no plano de revitalização da aqui Ré (como efectivamente não está) e pugnando-se pela extinção da presente acção judicial – o que jamais se aceita e apenas se concebe por mera hipótese académica – à sociedade Autora é denegado o seu direito fundamental de acesso ao direito e aos Tribunais para o reconhecimento do seu direito de crédito – pedido esse que formula no âmbito da presente demanda – porquanto fica privada de submeter a sua causa à apreciação de um Tribunal.
6. Vale dizer que, pôr-se fim à acção em que se discute ou define um crédito inviabiliza o direito (processual) da Recorrente de ver o seu direito (substantivo) judicialmente reconhecido, o que se traduz numa denegação de justiça, violadora do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
7. A Recorrente considera que no thema decidendum deverá ser feita uma interpretação da norma do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE que permita uma solução equilibrada e adequada à protecção de todos os intervenientes, promovendo uma relação de paridade e evitando sacrifícios perversos para o autor de uma acção declarativa a quem assiste o direito à pronúncia substantiva quanto às pretensões que visam ser reconhecidas em juízo, e o que não sucedeu na sentença recorrida.
8. No caso sub judice, a admitir-se a aplicação do normativo legal do artigo 17.º-E, n.º 1, do CIRE nos termos em que são defendidos pela douta decisão apelada, com declaração da extinção da presente acção, constituirá clamorosa ofensa ao direito, pois não permite à Apelante o recurso ao tribunal para efeitos de tutela judicial relativamente a um crédito litigioso que carece de definição judicial, nem para efeitos de reconhecimento do direito que a devedora, aqui Ré, não relacionou nem reconheceu no âmbito do processo especial de revitalização.
9. A Apelante entende que os presentes autos não são subsumíveis à previsão da norma do art.º 17°-E, n.º 1 do CIRE porquanto dela não decorre que sejam abarcadas pelo regime da extinção da instância as acções em que se discutem créditos que continuam carecidos de definição jurisdicional, como é o caso da presente demanda.
10. Aliás, a parte final do n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE abre uma excepção à extinção das acções para cobrança de dívida por força da aprovação e homologação de um plano de recuperação, admitindo que o próprio plano preveja a sua continuação.
11. E essa possibilidade de o plano prever o prosseguimento das acções declarativas suspensas, aqui se incluindo os incidentes de liquidação e os embargos de executado, está concebido como forma de permitir a liquidação dos créditos ilíquidos e o reconhecimento dos créditos litigiosos, nos casos em que aquela liquidação ou este reconhecimento não tenham sido acordados na fase das negociações.
12. Vale dizer que aquele prosseguimento foi pensado para os créditos que necessitam de ulterior definição jurisdicional, como é o caso do crédito da Autora cujo reconhecimento é peticionado no âmbito da presente demanda.
13. Pelo que estão, assim, excluídos do âmbito da aplicação da norma do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, a extinção das acções que versem sobre créditos litigiosos que não foram objecto de reconhecimento e carecem de definição jurisdicional, como é manifestamente o caso da presente demanda.
14. Sobre isto, diz-nos Artur Dionísio Oliveira (in Os efeitos processuais do PER e os créditos litigiosos, III Congresso do Direito da Insolvência, pp. 123 e seguintes): “…A leitura que fazemos da parte final do artigo 17.º-E do CIRE, conjugada com as finalidades próprias do PER, permite concluir com segurança que o legislador efectivamente não pretendeu incluir na extinção das acções por força da homologação do plano de recuperação aquelas onde se discutem créditos que continuam a necessitar de definição jurisdicional para que possam ser satisfeitos, ainda que em obediência àquele plano. (…)
15. E no mesmo sentido vai Catarina Serra (in Lições de Direito da Insolvência, pp. 390 e 391):
“…Pôr-se fim à acção em que se discute ou define um crédito inviabiliza o direito (processual) do sujeito de ver o seu direito (substantivo) judicialmente reconhecido, o que se traduz numa denegação de justiça, violadora do princípio da tutela jurisdicional efectiva. Pressupondo que o legislador não desejou este resultado, a solução mais razoável é reconhecer-se que existe aqui uma lacuna oculta (não obstante haver uma regra aplicável à hipótese, ela não se ajusta, porque não atende à sua especificidade) e proceder-se á redução teleológica da norma do art.
17.º-E, n.º 1 (…). “…Por redução teleológica, deverá excluir-se do âmbito de aplicação do art. 17.º-E, n.º 1, na parte respeitante ao efeito extintivo, as situações em que os créditos continuam a necessitar de definição jurisdicional, designadamente os créditos que, não tendo sido reconhecidos, permaneçam litigiosos ou ilíquidos no momento da homologação do plano de recuperação.
16. Assim sendo, em conformidade com tais abordagens doutrinárias e o defendido pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão citado em 2) supra, é de concluir que, por redução teleológica, deverá excluir-se do âmbito de aplicação do artigo 17.º-E, n.º 1, na parte respeitante ao efeito extintivo, as situações em que os créditos que, não tendo sido reconhecidos, permaneçam litigiosos e careçam de definição jurisdicional, como é manifestamente o caso da presente demanda.
17. Estamos perante o caso em que a ora Recorrente não foi indicada (quiçá intencionalmente, veja-se que concorda nos autos com a extinção da instância e não reconhece qualquer crédito à Autora) pela devedora como sendo credora, do mesmo passo que a pretensa credora também não interveio sponte sua no PER, nomeadamente reclamando o suposto crédito.
18. Não tendo o plano regulado sobre o suposto crédito da ora Recorrente, como efectivamente sucede in casu, mantém-se este litigioso e terá a controvérsia subjacente que ser apreciada jurisdicionalmente.
19. Sem prescindir e para o caso de assim se não entender – o que jamais se aceita e apenas se concebe por mera hipótese de raciocínio – a desaplicação do artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE sempre se imporia, como efectivamente se impõe, por violação do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
20. A sentença recorrida fez, assim, no caso dos autos, errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 17.º-E, n.º 1 do CIRE, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.

A recorrida apresentou contra-alegações nas quais pugna pela manutenção do decidido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II – É pelas conclusões do recurso que se refere e delimita o objecto do mesmo, ressalvadas aquelas questões que sejam do conhecimento oficioso – artigos 635º e 639º Código de Processo Civil -.

Como decorre dos autos a autora/apelante peticiona o reconhecimento de um crédito que a ré contesta, pelo que estamos perante um crédito litigioso.

No PER que foi instaurado e no qual é devedora a recorrida não foi reconhecido o alegado crédito da apelante, e o mesmo não foi relacionado nesse processo, assim como a apelante ( autora) não foi incluída no Plano.

O processo especial de revitalização é um processo com uma natureza híbrida, misto de negociação extrajudicial e aprovação judicialmente homologada. Destina-se a permitir ao devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas ainda susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes um acordo conducente à sua revitalização. É pois um processo negocial, tendente à obtenção de um acordo que conduza à revitalização do devedor que decorre, essencialmente, entre o devedor e os seus credores, com intervenção de um administrador judicial provisório nomeado pelo Tribunal.

O despacho de nomeação do administrador judicial provisório obsta à instauração de quaisquer acções propostas contra a empresa para cobrança de dívidas e suspende, quanto à empresa, não só as acções em curso com idêntica finalidade (artigo 17º - E, n.º 1 do CIRE) como também os processos de insolvência em que anteriormente haja sido requerida a insolvência da empresa (n.º 6 do citado artigo 17º).

Efectivamente decorre do citado artigo que : 1 - A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

Tem-se discutido a questão de saber se as acções declarativas estão abrangidas na expressão “acções para cobrança de dívidas” e se sim, tratando-se de um crédito litigioso e não tendo sido reconhecido no PER e contemplado no plano de recuperação que foi aprovado e homologado, mesmo assim deveriam as acções em causa ser extintas,

Há quem entenda que quer as acções declarativas quer as acções executivas (execuções para pagamento de quantia certa) estão aí incluídas e há quem entenda que não.

E há quem entenda que no confronto entre o regime da insolvência, no artigo 17º, n.º 1 –E estão apenas abrangidas as acções executivas e diligências executivas, nomeadamente providências cautelares de natureza executiva.

E isto porque na acção declarativa de condenação ou de simples apreciação o autor visa, sempre, a verificação de um crédito que posteriormente possa ser cobrado em sede de acção executiva.

Quanto a esta questão a doutrina está dividida. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis consideram que a “expressão acções para cobrança de dívidas a que se refere o artigo 17.º-E, n.º 1, abrange apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos no artigo 867.º ou 869.º do Código de Processo Civil) e os procedimentos cautelares antecipatórios das acções que deveriam ser suspensas ao abrigo do citado normativo legal. Encontram-se excluídas, pois, do âmbito de aplicação do nº 1 do artigo 17.º-E, as acções declarativas, as acções executivas para entrega de coisa certa, as acções executivas para prestação de facto e a generalidade dos procedimentos cautelares”,

Já na jurisprudência, é amplamente dominante o entendimento de que a expressão “acções para cobranças de dívidas” abrange qualquer acção judicial – declarativa ou executiva – destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante da actividade económica do devedor e que, por isso, contenda com o seu património – cfr. neste sentido o Ac. do STJ, publicado em www.dgsi, entre muitos.

No caso dos autos, os créditos peticionados na presente acção não foram reclamados nem reconhecidos no PER.

O crédito da autora/apelante é sem dúvida um crédito litigioso.
Sendo o PER um processo especial de cariz concursal não faz sentido impedir a propositura de uma acção declarativa, até porque a verificação de créditos no PER só tem efeito no âmbito do PER (caso julgado formal) .

Com efeito, como referem Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis ( O Processo Especial de Revitalização, pág. 51), as reclamações de créditos no PER apenas têm como objectivo, por um lado, legitimar a intervenção do credor no PER, e por outro calcular o quórum deliberativo e maioria previstos no n.º 3 do artigo 17-E.

Como escrevem os referidos autores “o PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude de créditos . A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do n.º 2 do artigo 96º do Código de Processo Civil não constitui caso julgado fora do respectivo processo”.

No mesmo sentido se pronunciam Carvalho Fernandes e João Labareda , in Código da Insolvência e Recuperação de Empresa Anotado, 2ª ed. Pág. 159, a propósito do artigo 17º-E.

Resulta do exposto que quanto aos créditos que existem, porque se venceram até à data da nomeação dos credores provisórios são os únicos que, porque existentes àquela data, podem ser reclamados no âmbito do PER, mas que essa reclamação apenas se destina a determinar o quórum deliberativo quanto à medida a aprovar no âmbito dos autos de revitalização pelo que, o facto de o credor não reclamar aqueles créditos no âmbito do PER, não obsta que aquele venha a instaurar acção com vista ao reconhecimento desses créditos.

Como resulta do plano de revitalização (aprovado no âmbito do processo n.º 1798/18.5T8VNF) o mesmo não reconhece o crédito da Autora que é peticionado no âmbito destas acções e o mesmo não foi por si sequer relacionado e/ou indicado no processo especial de revitalização (sendo que desses autos resulta mesmo expresso o não reconhecimento do crédito da Autora) e, por conseguinte, a sociedade autora não está incluída e/ou contemplada nesse mesmo plano.

E por isso, a apelante defende que o caso dos autos não é subsumível à previsão da norma do art.º 17°-E, n.º 1 do CIRE porquanto dela não decorre que sejam abarcadas pelo regime da extinção da instância as acções em que se discutem créditos que continuam carecidos de definição jurisdicional.

Tendo em consideração o que acima se referiu em relação à natureza do plano as acções para cobrança de dívidas contra o devedor extinguem-se logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação, sendo que essa extinção apenas poderá respeitar àqueles créditos que foram reclamados e reconhecidos no plano de revitalização para efeitos dos pagamentos previstos no plano de recuperação.

Em relação àqueles credores cuja qualidade não foi reconhecida naquele processo de revitalização, ou seja o credor cuja dívida é controvertida não poderá ficar privado da acção declarativa na qual reclama o reconhecimento da existência do seu crédito.

A parte final do n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE abre uma excepção à extinção das acções para cobrança de dívida por força da aprovação e homologação de um plano de recuperação, admitindo que o próprio plano preveja a sua continuação.

Com efeito, a possibilidade de o plano prever o prosseguimento das acções declarativas suspensas, onde se incluem os incidentes de liquidação e os embargos de executado, tem como objectivo permitir a liquidação dos créditos ilíquidos e o reconhecimento dos créditos litigiosos, nos casos em que aquela liquidação ou este reconhecimento não tenham sido acordados na fase das negociações.

Concordando e aderindo à argumentação expendida no Ac. do STJ de 18/09/2018, disponível em www.dgsi.pt temos que concluir (e passamos a citar) “que a devida interpretação da lei vai no sentido de que as acções que versem sobre créditos litigiosos que não foram objecto de reconhecimento (com eventual modificação) no PER estão excluídas da extinção imposta pelo n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE. Mesmo que esta interpretação não procedesse, sempre a desaplicação da lei se imporia em caso que tal, isto por violação do art. 20º da Constituição da República Portuguesa”.

Assim, em relação àqueles credores cuja qualidade não foi reconhecida naquele processo de revitalização, ou em que se discuta o quantum dos respectivos créditos, porque esse alegado crédito ou respectiva extensão não foi reconhecido para efeito dos pagamentos previstos no plano de recuperação e porque os credores que não subscreveram o plano aprovado nos termos do PER não poderão os mesmos ficar privados da acção declarativa, sob pena de ficarem numa situação previsivelmente menos favorável do que a que interviria na ausência de qualquer plano (art. 216º, n.º 1 , al. a) ex vi do artigo 17º-F, n.º 5 do CIRE) o que manifestamente aconteceria, caso aqueles não pudessem fazer valer a sua qualidade de credores.

Também e como se decidiu no Acórdão desta Relação de 21 de Abril de 2016, disponível em www.dgsi.pt), “A não reclamação de crédito no PER nos termos do artigo 17º-D, nº 2 do CIRE, não tem os efeitos preclusivos, permitindo ao credor o recurso a tribunal a fim de ver reconhecido o seu direito.

Deste modo em relação às acções dos presentes autos em que a devedora não indicou a apelante como credora, nem esta reclamou o seu crédito, nem tendo este sido reconhecido no plano, o mesmo (crédito) mantém-se litigioso e deve ser apreciado jurisdicionalmente, pois que o credor cuja dívida é controvertida não poderá ficar privado da acção declarativa na qual reclama o reconhecimento da existência do seu crédito, posto que só esta lhe permitirá ver reconhecida a sua condição de credor, pois de outro modo como se refere no Ac. citado desta Relação, “admitir a extinção da instância nos termos do artigo 17º-F, nº 1 parte final, de outras acções que não as executivas, implicaria que os créditos litigiosos em causa ficariam sem protecção, o que viola as mais elementares regras e princípios do Estado de Direito. “

Devem assim prosseguir os autos.
**
III – Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da acção.
Custas pela recorrida.
Guimarães, 19 de Junho de 2019.

Conceição Cruz Bucho
Maria Luísa Ramos
António Júlio Sobrinho