Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
52601/22.0YIPRT.G1
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: EMPREITADA
EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/27/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo tribunal de 1ª instância terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito indicar de forma cirúrgica partes isoladas da prova produzida que aparentemente sustentam a sua posição, mas que foram fundadamente descredibilizadas na decisão recorrida.
II - A excepção de não cumprimento prevista no art.º 428º, nº 1, do CC pode ter lugar em situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual.
III - Porém, para que a mesma possa operar, terá que haver proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção, o que é exigido pelos ditames da boa fé.
IV - Esta excepção também se aplica aos casos em que sejam diferentes os prazos para o cumprimento das prestações, mas a sua invocação apenas é permitida ao contraente que esteja obrigado a cumprir em segundo lugar, o qual não entra em mora enquanto a sua contraprestação não for realizada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

EMP01..., Lda,
instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, inicialmente com base em requerimento de injunção contra
EMP02..., Lda,
pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 77.445,32, acrescida de juros de mora à taxa legal comercial (contabilizados desde a data do vencimento da última das facturas), que ascendiam à data da propositura da acção a € 608,95, bem como de juros vincendos até efectivo e integral pagamento e indemnização por custos de cobrança no valor de € 40,00.
Alegou, para tanto e em síntese, ter celebrado com a ré um contrato de empreitada através do qual se vinculou a fornecer e instalar diversos equipamentos no restaurante que a ré iria explorar e que realizados os trabalhos, a ré não lhe pagou parte do preço.
Devidamente citada para o efeito, a ré contestou, invocando a excepção de não cumprimento, dizendo que não procedeu ao pagamento do preço uma vez que diversos dos bens fornecidos e instalados pela autora não estão em conformidade com o orçamentado e apresentam defeitos.
Notificada, a autora respondeu, impugnando os defeitos invocados e alegando que a ré não cumpriu os prazos de pagamento e a caducidade da denúncia de tais defeitos.
Mais requereu que a ré fosse condenada como litigante de má fé.
Foi dispensada a realização da audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
No decurso da acção, a ré procedeu ao pagamento da quantia de € 9.816,23 [cfr. requerimento datado de 2.01.2024]. 
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença, tendo a ré sido condenada a pagar à autora a quantia de € 72.081,67, acrescida de juros comerciais, vencidos e vincendos, a contar de 2.01.2023 até integral e efectivo pagamento, bem como a quantia de € 40,00 e as custas do processo e absolveu a ré do pedido de condenação como litigante de má fé.

Inconformada, veio a ré recorrer da sentença, tendo concluído as suas alegações nos seguintes termos:
“Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou a ação parcialmente procedente, e em consequência, condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 72.081,67, acrescida de juros comerciais, vencidos e vincendos, a contar de 02/01/2023 até integral e efetivo pagamento e condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de € 40,00.

Ora, no entender da Recorrente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, uma vez que:
a) face à prova produzida nos autos, o Tribunal a quo errou ao dar como provados os factos 7), 8), 9), 10), 19), 20), 24), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 35), 36) e 37) da matéria de facto dada como provada;
b) não ficou provado que a Recorrente tenha aceitado as propostas e soluções apresentadas pela Recorrida, ou seja, que tenha aceitado receber equipamentos com medidas, funções, marcas, fabricos e qualidades diferentes do que tinha sido acordado e adjudicado;
c) ficou provado que a Recorrida entregou vários bens à Recorrente que, para além de não corresponderem aos adjudicados e orçamentados, não serviam as suas necessidades;
d) ficou comprovado que a Recorrente, ao longo de todo o projeto e obra, foi recebendo vários equipamentos que não correspondiam aos orçamentados e adjudicados, por não corresponderem à marca, dimensões e funções acordadas e constantes do orçamento (o que se comprova mediante confrontação do orçamento adjudicado com a fatura final);
e) em momento algum, ficou provado que o Sr. AA concordou ou acordou em receber equipamentos distintos dos orçamentados e adjudicados;
f) ficou provado que certos equipamentos entregues pela Recorrida eram tão desadequados que obrigaram a Recorrente a comprar os equipamentos pretendidos a outra empresa;
g) não se pode estranhar que a Recorrente tenha aceitado trabalhar com os equipamentos fornecidos até a Recorrida corrigir a situação por si criada;
h) o Tribunal a quo ignorou o facto da Recorrente ter efetuado um investimento avultado para a abertura do novo restaurante e que necessitava de entrar imediatamente em funcionamento para evitar prejuízos;
i) a Recorrente agiu de boa-fé e confiou na palavra da Recorrida, que, desde o início, disse ser capaz de entregar todos os equipamentos solicitados e adjudicados, e, mais tarde, substituir os equipamentos e/ou corrigir/reduzir o preço cobrado pela entrega de equipamentos desconformes ou distintos dos adjudicados;
j) no caso do armário para vinhos, estamos perante uma situação em que a Recorrente contratou a entrega de um equipamento distinto do que foi entregue;
k) o armário orçamentado corresponde a um armário para vinhos, feito à medida do espaço, com prateleiras em madeira e três portas.;
l) nunca foi acordada a entrega de um armário com prateleiras em INOX e com a altura que foi entregue;
m) deveria ter sido dado como provado que a Recorrente solicitou uma vitrine para vinhos, com prateleiras em madeira e três portas, sendo que a vitrine seria feita à medida (do chão até ao teto), e foi-lhe entregue um armário com prateleiras em inox e que não tinha a altura desejada;
n) o Tribunal a quo errou ao dar como provado o facto 24) da matéria dada como provada, dado que o defeito apresentado pela fritadeira foi consequência da sua montagem deficiente e não da movimentação inapropriada;
o) o Tribunal a quo também errou ao dar como provado o facto 28), quanto ao apanha fumos, dado que a sua decisão contraria o próprio relatório pericial e o próprio facto 25 da matéria assente;
p) a perícia confirmou defeitos no Apanha Fumos;
q) o Tribunal a quo também não deveria ter dado como provados os factos 29) e 30) da matéria de facto dada como provada;
r) confrontando o orçamento com a fatura é possível verificar que o equipamento encomendado não foi entregue, tendo sido entregue um equipamento que se destina a outro tipo de restaurante, por exemplo, uma pizzaria;
s) a bancada ventilada que foi entregue pela Recorrida não corresponde à bancada que foi encomendada pela Recorrente;
t) o equipamento entregue pela Recorrida não satisfaz as necessidades de utilização da Recorrente, tanto que, perante a recusa da Recorrida em entregar o equipamento que era devido, a Recorrente não teve outra hipótese senão a de efetuar a compra do referido equipamento a outra empresa, tendo a referida bancada ficado desligada e armazenada no restaurante;
u) o Tribunal a quo também não podia ter dado como provados os factos 31) e 32) da matéria de facto dada como provada, referentes ao balcão em inox;
v) a Recorrente nunca acordou alterar os 2 balcões em inox orçamentados e adjudicados, para um único balcão com outras medidas;
w) o Tribunal a quo também não deveria ter dado como provados os factos 33), 35) e 36) da matéria de facto dada como provada, referentes à vitrine para sobremesas;
x) o Tribunal a quo mostrou-se alheio ao relatório pericial, ao orçamento adjudicado e aos depoimentos das testemunhas;
y) o Tribunal a quo errou ao não comparar o orçamento adjudicado com a fatura final emitida (dos bens e equipamentos efetivamente entregues), para confirmar se efetivamente os bens ou equipamentos entregues tinham sido os adjudicados;
z) o Tribunal a quo deveria ter considerado o facto da Recorrente ter a vitrine de sobremesas desligada e desativada em armazém;
aa) a vitrine adjudicada e orçamentada era uma vitrine de fabrico italiano, da marca ..., e a vitrine entregue, para além de não ser de inox e da marca italiana ..., não tinha as dimensões solicitadas e não produzia frio suficiente para conservar as sobremesas;
bb) ficou provado que a Recorrente solicitou uma vitrine de sobremesas da marca ..., em inox;
cc) ficou demonstrado que a Recorrida entregou um equipamento com característica distintas das solicitadas, quer quanto à marca, quer quanto ao material, quer quanto às dimensões;
dd) o Tribunal a quo também não podia ter dado como provado o facto 37) da matéria de facto dada como provada, referente ao armário ou vitrine para carnes;
ee) a Recorrente nunca solicitou a entrega de uma vitrine de conservação de carnes;
ff) ficou provado que a Recorrente encomendou uma vitrine de maturação de carnes, isto é, um equipamento com uma funcionalidade completamente distinta, igual à que a Recorrente tem no ...;
gg) o próprio perito não poderia ter sido mais claro ao afirmar que aquele equipamento não era o solicitado pela Recorrente;
hh) deveria ter sido dado como provado que a Recorrida entregou um armário de conservação de carnes que não cumpria a funcionalidade pretendida, nem tinha a marca e dimensões solicitadas (o que se comprova mediante confrontação do orçamento adjudicado com a fatura final);
ii) o Tribunal a quo também errou ao dar como não provados os factos constantes das alíneas a), b), c), e), h), i), j) e k) da matéria dada como não provada;
jj) os factos constantes das alíneas a), b), c), e), h), i), j) e k) da matéria dada como não provada deveriam ter sido dados como provados;
kk) ficou provado que, desde o início dos trabalhos e logo no momento da entrada dos equipamentos em obra, a Recorrente foi sempre encontrando e comunicando diversos problemas e defeitos não só na execução dos trabalhos como também nos próprios equipamentos que estavam a ser entregues e instalados no restaurante;
ll) ficou comprovado que as reclamações foram levadas a cabo pelo representante da Recorrente na obra, o senhor AA que, desde o momento da entrada na obra, foi alertando para todas as anomalias e desconformidades verificadas;
mm) ficou demonstrado que, aquando da instalação e contagem dos equipamentos, foi detetado pela Recorrente que alguns bens eram distintos dos bens orçamentados e adjudicados, sendo que a Recorrida insistiu na sua instalação alegando que iria fazer o devido acerto na fatura final, o que nunca veio a suceder;
nn) se provou que desde o momento da entrada dos equipamentos na obra que a Recorrente reclamou e comunicou os defeitos à Recorrida;
oo) se comprovou que a Recorrente fez, pelo menos, 6 (seis) comunicações e reclamações por escrito à Recorrida, desde logo, as 3 efetuadas em 15 de Abril de 2022, as 04h30, as 16h47, e as 05h09, a reclamação efetuada em 18/04, a reclamação apresentada em 26/04, bem como ainda a reclamação efetuada em 06/10, para além de todas as outras efetuadas presencialmente ou por telefone (Docs. 5, 6 e 9 da oposição à injunção pi e Doc. 1 do requerimento probatório de 20/02/2023);
pp) se demonstrou que as reclamações foram recebidas e confirmadas pela própria Recorrida que, inclusivamente, fez várias visitas para verificar os problemas, desconformidades e defeitos reclamados, e chegou mesmo a enviar, em 18/04/2022, para a Recorrente um relatório onde identifica os vários pontos reclamados;
qq) o Tribunal a quo errou ao não dar como provada a alínea h) dos factos não provados, dado ter ficado provado estar em falta uma prateleira da estufa;
rr) ficou provado que a serra de ossos não tinha potência suficiente e, por esse, motivo estava desativada em armazém;
ss) ficou demonstrado que a Recorrida não forneceu os 2 balcões em inox solicitados pela Recorrente, tendo vindo a entregar 1 único balcão, com medidas e características diferentes das adjudicadas;
tt) ficou comprovado que a Recorrente enviou e-mail à Recorrida, no dia 26/04/2022, alegando que o fornecimento dos fogões da marca ... não foram os contratados, pedindo a sua devolução e dedução no preço final;
uu) se provou que a Recorrente encomendou e adjudicou dois fogões com 4 queimadores, sem forne, com armário incorporado da marca ..., contudo, a Recorrida entregou equipamentos separados, com uma sabe superior com 4 queimadores, separados do armário;
vv) perante os factos provados nos autos, a Recorrente tinha o direito de recusar o cumprimento da sua prestação, por força da excepção de não cumprimento prevista no artigo 428.º do C.C;
ww) ficou demonstrado que as comunicações e reclamações dos defeitos e desconformidades existiram e foram efetuadas verbalmente e por escrito, o que foi confirmado, não só pelo representante legal da A. em sede de depoimento ou declarações de parte, pela testemunha da A. BB, pessoa responsável por toda a correspondência da A., bem como ainda pelas testemunhas da R.;
xx) através do relatório pericial e da prova testemunhal, ficou provado que grande parte das reclamações efetuadas tinham efetivamente fundamento e razão de ser;
yy) ficou provado, quanto ao armário de bebidas refrigerado para vinhos, que foi instalado um armário que não corresponde ao armário orçamentado e solicitado pela R, conforme resulta da própria fatura da Recorrida;
zz) bem como que foi adjudicado um armário com prateleiras em madeira e até o teto, conforme medidas acordadas, e não foi isso que foi entregue;
aaa) ficou demonstrado, quanto ao expositor vertical em vidro para sobremesas, que foi solicitado pela Recorrente uma vitrine específica para sobremesas, em inox e da marca ...” e que foi entregue outra vitrine, de outra marca e com outras medidas, que inclusivamente tinha problemas de refrigeração e conservação;
bbb) ficou comprovado, quanto ao armário de refrigeração para carnes, que o equipamento fornecido e faturado não foi o orçamentado e solicitado, bem como que a marca e as dimensões foram outras;
ccc) se provou que a Recorrente tinha solicitado um armário para carnes maturadas e não foi isso que foi entregue;
ddd) se demonstrou, quanto à POS 11 – Bancada ventilada com frio a distância/6 gavetas, que não foi fornecida a bancada orçamentada e adjudicada, com as medidas e gavetas standard 1/1 solicitadas, mas sim outra com medidas mais curtas e da marca ..., conforme resulta da própria fatura da Recorrida;
eee) se comprovou, quanto às POS 3 e POS 4 – Balcões em inox, que foram adjudicados 2 balcões com determinadas medidas e preços e que foi entregue apenas um balcão com outras dimensões e um preço superior a qualquer um dos balções orçamentados, conforme resulta da própria fatura da Recorrida;
fff) ficou provado que foram solicitados e adjudicados dois fogões com 4 queimadores, com armário incorporado da marca ...”, no entanto, foram entregues os equipamentos com armários separados, conforme resulta da própria fatura da Recorrida;
ggg) ficou demonstrado, quanto à serra ossos, que o equipamento estava desativado por não ter potência suficiente para serrar quando está em utilização, tornando-se perigoso;
hhh) se provou, quanto à fritadeira, que um dos quatro suportes da fritadeira encontra-se partido e empenado, deixando de ser utilizável, o que se deveu à má colocação e instalação por parte da Recorrida;
iii) se demonstrou, quanto ao Apanha Fumos, que o mesmo não foi corretamente instalado o que levou à avaria ou anomalia, como referiu o perito;
jjj) se comprovou, quanto às caleiras antiderrapantes, que estas foram mal instaladas pela Recorrida, o que origina o seu deslocamento e insegurança, como confirmou o perito;
kkk) ficou provado, quanto à gaveta para o pó do café, que foi mal instalada pela Recorrida, apresentando uma resistência substancial no fecho e abertura, como referiu o perito;
lll) ficou demonstrado, quanto à estufa, que esta, desde o início, tem em falta uma prateleira no meio e a mesma não tem as dimensões adjudicadas, conforme se verifica pela própria fatura da requerida;
mmm) ficou ainda comprovado, através da peritagem, que os valores faturados muitas vezes não foram os valores orçamentados, alguns valores estão acima dos valores orçamentados e outros são diferentes precisamente porque os equipamentos que acabariam por ser instalados não são os equipamentos que tinham sido orçamentados, são equipamentos distintos, de outra marca, modelo e medidas, conforme facilmente se verifica pela confrontação entre o orçamento adjudicado e a fatura emitida pela Recorrida;
nnn) se provou que a Recorrente pediu à Recorrida que os equipamentos fossem, na sua maioria, iguais aos que existiam no Restaurante ... no ..., Madeira, conforme fotografias apresentadas à data dos factos;
ooo) se comprovou que o Sr. AA é um empresário com mais de 45 anos na área da restauração e sabia precisamente o que estava a pedir;
ppp) a Recorrente não pode ser obrigada a pagar bens e equipamentos defeituosos ou desconformes com o solicitado e adjudicado, designadamente, quanto ao modelo, à marca, às medidas ou tamanho;
qqq) a Recorrente apenas podia ser obrigada a pagar alguma quantia após a reparação e/ou substituição dos equipamentos defeituosos ou desconformes por parte da Recorrida, ou mediante a redução do preço correspondente ao valor dos bens desconformes ou defeituosos;
rrr) a Recorrente, tal como qualquer consumidor ou adquirente de bens, não é obrigada a pagar ou a ficar com bens que não pediu ou encomendou;
sss) a Recorrente tem o direito a recusar pagar o bem desconforme ao solicitado e a devolvê-lo;
ttt) a Recorrente tem o direito a que sejam reparados os bens ou equipamentos mal instalados;
uuu) a Recorrente tem o direito à substituição dos bens ou à redução do preço, em tudo o que a Recorrida tenha falhado;
vvv) a Recorrente adjudicou bens e equipamentos de marcas, materiais e dimensões especificas;
www) ficou provado que a Recorrente efetuou o pagamento dos 40% na adjudicação e antes da entrada em obra;
xxx) no momento da entrada em obra haviam duas obrigações simultâneas a cumprir, do lado do dono de obra a obrigação de pagar o preço devido e do lado do empreiteiro a obrigação de iniciar a entrada em obra, cumprindo com o acordado previamente no orçamento adjudicado;
yyy) não foi a Recorrente (dona de obra) que incumpriu em primeiro lugar o contrato;
zzz) ficou provado que foi a Recorrida quem incumpriu em primeiro lugar o contrato, quando entrou em obra com equipamentos que não foram encomendados e adjudicados;
aaaa) não basta entrar na obra e entregar quaisquer equipamentos;
bbbb) a Recorrida incumpriu o contrato desde o início, fazendo com que a Recorrente ficasse com receio de não receber os equipamentos encomendados e adjudicados;
cccc) ficou demonstrado que a Recorrida tinha consciência de que estava a entregar alguns equipamentos que não satisfaziam as necessidades e exigências da Recorrida, tanto é que referiu várias vezes ao senhor AA que “iriam resolver as coisas”;
dddd) os defeitos e desconformidades existentes não são de pouca importância ou relevância;
eeee) se atentarmos ao valor de cada um dos bens desconformes ou defeituosos que consta do orçamento, verificamos que esses bens e equipamentos têm valor elevado, superior a € 30.000,00;
ffff) a questão não é a de saber se são ou não pouco ou muito relevantes em toda a obra, mas sim se existem ou não bens defeituosos ou desconformes e qual o valor dos mesmos, de forma a que sejam substituídos ou devolvidos mediante devido acerto de contas (redução do preço devido);
gggg) o Tribunal a quo errou no seu julgamento, mediante uma apreciação e valoração inapropriada e incorreta dos factos e do Direito aqui aplicáveis, valoração essa que, no entender da mesma, deveria ter conduzido a uma decisão diversa da encontrada, designadamente, condenando-se a Recorrente no pagamento do preço devido, com dedução do valor dos bens ou equipamentos entregues com defeitos ou desconformes ao adjudicado, nos termos e com os fundamentos atrás indicados, assim se fazendo a tão acostumada JUSTIÇA!!!”.
A recorrida não apresentou contra-alegações.
Colhidos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o acima exposto e o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:

a) do erro no julgamento da matéria de facto; e
b) consequentemente, do erro na aplicação do direito, designadamente, por se verificarem os pressupostos da excepção de não cumprimento.
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto
O Tribunal recorrido considerou provados e não provados os seguintes factos (encontrando-se assinalada a negrito a factualidade impugnada):

«A - Dos factos provados
1) A Requerente dedica-se, designadamente ao fabrico, comércio, importação, exportação, montagem, reparação e colocação em obra de mobiliário metálico e de estruturas metálicas, ainda ao comércio, importação e exportação de máquinas e equipamentos de refrigeração, climatização e de electrodomésticos, bem assim a instalação de equipamentos para indústria de hotelaria.
2) Sabendo de tal actividade a Requerida, que se dedica nomeadamente à exploração de restaurantes e no exercício daquela sua actividade económica, adjudicou à autora o orçamento, de 7/2/2022, cujo teor, de f. 82-89, aqui se dá por reproduzido.
3) Nessa sequência, a autora forneceu diversos equipamentos e emitiu as facturas n.ºs ...2 de 7/4/2022 e 2022/74 de 14/4/2022, enviando-as à ré, com vencimento na data da emissão e no valor de €5.794,53 e €111.650,79, respectivamente, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
4) Este acordo teve por fim a instalação dos referidos bens em Restaurante ..." que a Requerida pretendia abrir e abriu em ....
5) Ficou acordado com a adjudicação da proposta da Requerente o pagamento de 40% do valor na adjudicação, 40% com entrada em obra e 20% a final.
6) A ré apenas pagou a quantia de €40.000,00, sendo que na pendência da acção pagou o valor €9.816,23, designadamente a 2-1-2023.
7) A Ré, ao longo do processo, foi indicando pretensões e a Autora sugerindo propostas, soluções, pelo que durante esse período foram feitas alterações ao longo de todo o projecto e obra, sendo que todos os equipamentos foram falados e acordados, assim como as soluções.
8) Todos os bens orçamentados foram aplicados, sendo que consta uma diferença no valor orçamentado e facturado (valor orçamentado 22.300,00€ e Valor facturado 20.797,00€).
9) E com a sua entrega os mesmos foram instalados e posteriormente usados.
10) A autora fez à ré pedido de pagamento no dia 14/4/2022.
11) Em abril de 2022, as partes acordaram em cancelar a encomenda de um frytop e de um forno conventor.
12) A Requerida entregou um cheque pré-datado à Requerente, no valor de €50.000,00, o qual não foi pago por indicação da ré.
13) No dia 15 de abril de 2022, a Requerida enviou email à Requerente dando conta que a obra não estava totalmente concluída por parte da Requerida.
14) Ainda no mesmo dia, a Requerida voltou a enviar novo email solicitando à Requerente que fosse feita uma vistoria à obra antes da sua entrega, por ambas as partes, pois alegava existirem desconformidades entre os equipamentos encomendados e os equipamentos entregues.
15) No dia 18 de abril de 2022, a Requerente enviou email à Requerida com um relatório de obra e relatório sobre as reclamações apresentadas, declinando todos os pontos apontados pela Requerida.
16) No dia 21/04/2022, o Mandatário da Requerente interpelou a Requerida para pagamento da quantia de €77.445,32.
17) No dia 26/04/2022, a Mandatária da Requerida respondeu ao email alegando defeitos e vícios.
18) Na vitrine de vinhos as prateleiras são de inox, sendo que este equipamento funciona correctamente.
19) As prateleiras em madeira do expositor de vinhos maduros eram referentes ao modelo anterior que, entretanto, foi acordado ser substituído.
20) Em relação à altura deste equipamento, a mesma foi adaptada ao local por razões técnicas e aceites pela Ré.
21) A gaveta pó de café na acção de fechar ou abrir apresenta uma resistência substancial, devido a deficiências na elaboração/montagem da mesma, sendo que pela análise realizada tal será resolvido com a simples afinação da gaveta.
22) As caleiras anti derrapantes apresentam uma folga excessiva no seu encaixe no canal de drenagem, o que origina o seu deslocamento e consequente insegurança para o utilizador quando caminha sobre o mesmo.
23) Para além do referido verifica-se ainda uma deficiência na sua concepção, uma vez que não tem aplicado o rebordo delimitador das grelhas o que reduz significativamente a sua resistência e aumenta igualmente o risco de lesões corporais (cortes) aos utilizadores que caminham sobre as referidas grelhas em caso destas se desencaixarem.
24) Na fritadeira verifica-se que o pé de suporte trás esquerdo apresenta um ligeiro empeno na zona de fixação do suporte de apoio do armário, sendo que tal é consequência de movimentação (inapropriada) do armário da fritadeira e não de qualquer defeito de fabrico.
25) No equipamento Apanha fumos verifica-se acumulação/derrame de gordura, com gotejamento, em zona diametralmente oposta à localização dos sangradores do equipamento, sendo que tal tem origem nas seguintes situações: Derrame da gordura através das juntas de solda entre paineis; Exaustor desalinhado em relação aos fogões.
26) O correcto funcionamento deve permitir que a gordura extraída fique retida no interior do exaustor e eliminada (limpeza do equipamento) através dos orifícios (sangradores) apropriados para a operação e “in casu” aplicados no equipamento.
27) Esta situação situa-se em local diametralmente oposto à localização dos sangradores.
28) Esta situação resulta de erro de construção prévia do murete que divide o espaço abaixo do exaustor, nomeadamente pela diferença entre o projetado e o executado daquele, importando, assim, que o centro da exaustão não esteja centrado com a linha de queima.
29) Quanto à Bancada ventilada com frio a distância/6 gavetas/extra cuba, torneira misturadora e tabuleiros, este equipamento foi, igualmente e de acordo com a Ré, sujeito a rectificação, pois foi explicado que a medidas dos coutainer´s GN 1/1 (530 x 325 mm), não seriam possíveis, uma vez que não caberiam nessa medida de bancada, pelo que foi fabricada uma medida especial de tabuleiros.
30) Em obra foi discutido com o cliente uma nova solução tendo a bancada ficado maior.
31) Relativamente ao balcão em inox, de duas peças passou a ser apenas um balcão único e inteiro, tudo de acordo com a vontade do cliente.
32) Durante a montagem do mesmo a 31/03/2022 a Ré, após ver o balcão no sítio considerou que deveria ficar maior, pedindo à equipa da Autora que o deslocasse da parede.
33) A marca da vitrine para as sobremesas foi apresentada pela Autora e que a Ré, a posteriori e em obra, porque afinal não a iria encostar a uma parede pretendeu que todas as frentes fossem em vidro.
34) A que fora orçamentada tinha as costas fechadas em aço.
35) Nessa sequência, a Autora teve de recorrer a um outro modelo de outro fornecedor para que fosse toda em vidro.
36) Este armário está a funcionar, é em inox e está de acordo com o solicitado tanto que foi usado no restaurante da Ré.
37) A vitrine de conservação para carnes funciona correctamente.
38) O equipamento Serra ossos tem potência suficiente para executar as suas funcionalidades: corte de peixe e carnes (com osso) congelados.
Dos factos não provados
a) Desde o início da execução dos trabalhos da Requerente, a Requerida foi sempre encontrando e comunicando diversos problemas e defeitos não só na execução dos trabalhos, mas nos próprios equipamentos que estavam a ser entregues e instalados no restaurante.
b) O que foi levando a que o responsável pela obra e representante da Requerida, o Sr. AA, fosse alertando a Requerente para as anomalias verificadas e para as desconformidades entre os equipamentos solicitados e os equipamentos que estavam a ser entregues.
c) Aquando da instalação e montagem dos equipamentos foi detectado pela R. que alguns bens eram diferentes do orçamentado, sendo que a A. insistiu na sua instalação alegando que iria fazer o devido acerto na factura final.
d) A autora facturou equipamentos em duplicado.
e) A autora ficou vinculada em fornecer uma vitrine para maturar carnes, além de que o equipamento que foi fornecido apresenta maus acabamentos e os vidros estão constantemente a embaciar.
f) O sistema banho maria com estufa está a fazer curto-circuito, não sendo possível a sua utilização.
g) As câmaras Frigorífica e Congeladora criam gelo nas portas, por dentro e por fora, há uma constante falta de gás que acaba por descongelar os produtos alimentares armazenados e, por consequência, apodrecem, estragando-se os produtos.
h) Na montagem do equipamento estufa foi verificado que faltava uma prateleira no meio, o que foi reportado de imediato à A.
i) O equipamento serra ossos não tem potência suficiente para serrar pois quando está em utilização, a fita de serrar está constantemente a “saltar”, tornando o equipamento perigoso de utilizar
j) O balcão em inox está com maus acabamentos.
k) A ré acordou no fornecimento de dois fogões com 4 queimadores, sem forne, com armário incorporado da marca ...”, mas a autora entregou, sem acordo da ré, equipamentos separados, com uma sabe superior com 4 queimadores, separados do armário, além de que o objectivo seria que a base superior fosse incorporada no armário “...”, o que torna a cozinha disfuncional.»
*
3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Do erro de julgamento na decisão de facto
Conforme decorre do acima exposto, a recorrente começa as suas alegações de recurso por invocar que o tribunal recorrido errou ao dar como provados os factos 7), 8), 9), 10), 19), 20), 24), 28), 29), 30), 31), 32), 33), 35), 36) e 37) da matéria de facto dada como provada [cfr. conclusão a) e seguintes], como também errou ao dar como não provados os factos constantes das alíneas a), b), c), e), h), i), j) e k) da matéria dada como não provada [cfr. conclusão ii) e seguintes].
Vejamos.
A impugnação da decisão sobre a matéria de facto está expressamente consagrada e regulada no código de processo civil actualmente vigente, nomeadamente nos seus art.ºs 640º e 662º.
O art.º 662º, nº 1, do NCPC, preceitua que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por sua vez, o art.º 640º, nº 1, do mesmo compêndio legal, dispõe que o recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa da recorrida, e c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes, conforme preceitua a al. a), do nº 2, do mesmo artigo.
As normas destes art.ºs 640º e 662º concretizam o papel que o legislador pretendeu atribuir aos tribunais de segunda instância no âmbito da reapreciação da matéria de facto, assumindo-a como uma função normal da Relação, por contraste com a excepcionalidade que, no passado, a caracterizava, mas rejeitando soluções maximalistas que a transformassem numa repetição do julgamento, rejeitando igualmente a possibilidade de interposição de recursos genéricos e de manifestações inconsequentes de inconformismo sobre a matéria de facto.
Assim se compreendem os ónus impostos ao recorrente que pretenda impugnar a decisão sobre a matéria de facto, previstos no nº 1, do art.º 640º, do NCPC, cujas exigências devem ser interpretadas à luz do aludido papel.
Isto posto, no caso vertente, desde já se adianta, que se nos afigura que se mostram cumpridos os requisitos mínimos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no art.º 640º do NCPC, excepto no que diz respeito ao ponto 10. do elenco dos factos provados e al. i) do elenco dos factos não provados.
Com efeito, lidas as alegações de recurso, constatamos que, certamente só por mero lapso, a recorrente indicou ponto 10 do elenco dos factos como tendo sido incorrectamente julgado (juntamente com os demais), já que na motivação do recurso nada refere ou aduz relativamente à matéria de facto nele descrita, não tendo, pois, sequer identificado quaisquer meios de prova que implicassem decisão diversa quanto à mesma.
Quanto à al. i) dos factos não provados, a recorrente omitiu também por completo qualquer referência aos concretos meios de prova que supostamente deveriam ter conduzido o tribunal recorrido a decidir de forma diferente.
E, por assim ser, nada mais resta senão rejeitar a (putativa) impugnação da matéria de facto quanto aos referidos item 10. do elenco dos factos provados e al. i) dos factos não provados.
Quanto aos demais itens da matéria de facto impugnados, tendo a recorrente, nas conclusões recursórias, especificado os concretos pontos de facto que impugna, indicando também aí a decisão que, no seu entender, deve sobre eles ser proferida, enquanto que no corpo das alegações especifica os meios de prova convocados e indica as passagens das gravações dos depoimentos em foco, têm-se por preenchidos os requisitos formais do ónus de impugnação exigidos pelo art.º 640º, nºs 1 e 2, al. a), do NCPC.
Isto ainda que, no nosso entender, a recorrente não tenha procedido a uma apreciação verdadeiramente crítica da motivação levada a cabo pelo tribunal a quo, como se impunha, antes se tendo praticamente limitado a dizer quais, na sua óptica, os pontos de facto devem ser alterados em consequência dos meios de prova que indica.
Na verdade, cremos que cabe ao recorrente “rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinge o patamar da probabilidade prevalecente.” (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, vol. I, p. 770), mas também advogamos que tal insuficiência de fundamentos ou argumentos deverá ser avaliada a propósito do mérito ou demérito da sua pretensão recursiva.
Na verdade, aderindo ao entendimento defendido no ac. STJ de 19.02.2015 (relatado no processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1 e acessível in www.dgsi.pt), afigura-se-nos que “a insuficiência ou mediocridade da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação.”.
Neste mesmo sentido, podemos ver ainda o ac. do STJ de 9.02.2021, processo nº 26069/18.3T8PRT.P1.S1 e o ac. desta Relação de Guimarães de 2.11.2017, processo nº 501/12.8TBCBC.G1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
Assim - sendo de admitir a impugnação da matéria de facto nos termos ora expostos -, a Relação pode e deve reapreciar a prova que se lhe afigurar pertinente para decidir da concreta pretensão recursória e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova (excepto, como é evidente, se se tratar de uma situação que contenda com a apreciação de prova vinculada).
Com efeito, tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º a 396º do CC e 607º, nos 4 e 5 e ainda 466º, nº 3 (quanto às declarações de parte) do NCPC], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis.

Fazendo ainda [vide, Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, em anotação ao art.º 662º do NCPC, p. 328 e seguintes e que aqui seguimos de perto]:
- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide art.º 349º do CC), sem prejuízo do disposto no art.º 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;
- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no art.º 607º, nº 4, última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objecto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);
- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no art.º 607º, nº 4 do NCPC (norma que define as regras de elaboração da sentença), ex vi art.º 663º do NCPC (norma que define as regras de elaboração do acórdão e que para o disposto nos art.ºs 607º a 612º do NCPC remete, na parte aplicável).

Não podemos deixar de evidenciar, porém, que é o juiz da 1ª instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação. Deste modo, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto, devendo, pois, prevalecer, em caso contrário, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova [cfr. ac. da RG de 2.11.2017, já acima citado].
Neste mesmo sentido salienta Ana Luísa Geraldes [in, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609] que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”.
Isto posto, passaremos então a apreciar os motivos da discordância da recorrente quanto à decisão da matéria de facto.
a. quanto aos pontos 7 a 9 dos factos provados e als. a) a c) dos factos não provados
“7) A Ré, ao longo do processo, foi indicando pretensões e a Autora sugerindo propostas, soluções, pelo que durante esse período foram feitas alterações ao longo de todo o projecto e obra, sendo que todos os equipamentos foram falados e acordados, assim como as soluções.
8) Todos os bens orçamentados foram aplicados, sendo que consta uma diferença no valor orçamentado e facturado (valor orçamentado 22.300,00€ e Valor facturado 20.797,00€).
9) E com a sua entrega os mesmos foram instalados e posteriormente usados.”
“a) Desde o início da execução dos trabalhos da Requerente, a Requerida foi sempre encontrando e comunicando diversos problemas e defeitos não só na execução dos trabalhos, mas nos próprios equipamentos que estavam a ser entregues e instalados no restaurante.
b) O que foi levando a que o responsável pela obra e representante da Requerida, o Sr. AA, fosse alertando a Requerente para as anomalias verificadas e para as desconformidades entre os equipamentos solicitados e os equipamentos que estavam a ser entregues.
c) Aquando da instalação e montagem dos equipamentos foi detectado pela R. que alguns bens eram diferentes do orçamentado, sendo que a A. insistiu na sua instalação alegando que iria fazer o devido acerto na factura final.”.
A recorrente insurge-se contra a decisão da matéria de facto nesta parte, defendendo que a factualidade descrita nas als. a) a c) devia ter sido considerada provada e a dos pontos 7 a 9 não provada. 
Os transcritos pontos da matéria de facto impugnada correspondem, no essencial, às questões de facto controvertidas nos presentes autos, pretendendo a recorrente que sejam validados os depoimentos prestados pelas testemunhas CC (proprietário de uma empresa especializada em equipamentos hoteleiros e que prestou serviços à recorrente em data posterior à dos factos ora em questão) e AA (pai do sócio gerente da ré e responsável pela exploração do restaurante da ré, tendo conduzido todo o processo negocial com a autora e acompanhado a instalação dos equipamentos em causa), e julgada demonstrada a sua versão relativamente à factualidade em apreciação.      
Vejamos, então.
Ora, ao contrário do que parece defender a recorrente, analisando a motivação exposta pelo tribunal a quo verificamos que na apreciação da prova produzida em audiência, equacionou a documentação junta aos autos, que reputou essencial, no confronto com a prova pericial e testemunhal e fê-lo de forma crítica e fundamentada, esclarecendo a forma como formou a sua convicção e especificando os fundamentos decisivos para a formação da mesma.
Em contraponto, verifica-se que a posição da recorrente apenas se traduz no propósito de pretender fazer prevalecer a sua própria convicção, ademais com base em meios de prova que o tribunal a quo justificadamente descredibilizou, nada dizendo quanto à prova na qual o tribunal recorrido efectivamente alicerçou a sua convicção. Ora, o tribunal recorrido não tendo deixado de analisar os depoimentos das ditas testemunhas entendeu que os mesmos não mereciam suficiente credibilidade em confronto, quer com o depoimento prestado pela testemunha BB (director geral da autora e responsável pela obra em causa), quer com a prova documental e as conclusões constantes do relatório pericial (e respectivos esclarecimentos escritos).
Assim, e como já adiantamos supra, é patente que a recorrente não fez qualquer esforço argumentativo para contrariar, pelo menos, de forma eficaz a convicção exarada pelo tribunal recorrido quanto à referida matéria de facto.
Ora, “o recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo terá de apresentar razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados, já antes ouvidos pelo julgador sindicado e ponderados na sua decisão recorrida (art. 640º do C.P.C.).” (cfr., mais uma vez o ac. da RG de 2.11.2017 supra citado).
De todo o modo, sempre se dirá que, no que se refere à testemunha CC, uma vez que este não interveio no processo negocial, nem assistiu à instalação dos equipamentos, é manifesto que o seu depoimento carece de relevância e não tem a virtualidade de, por si só, infirmar o testemunho prestado por BB, tanto mais que – perscrutada por nós toda a prova gravada – podemos constatar que o depoimento deste último se mostrou “peremptório, seguro e consistente”, talqualmente o tribunal recorrido o qualificou, e que esta testemunha “descreveu com pormenor o acordo entre as partes e como os trabalhos se foram desenrolando e as alterações, absolutamente normais, no âmbito de uma empreitada como esta.”.
Por outro lado, não sendo de descurar, obviamente, as declarações prestadas pela testemunha AA, responsável pelo estabelecimento comercial onde foram instalados os equipamentos contratualizados com a autora/recorrida, dada a sua intervenção directa na negociação inicial do contrato e acompanhamento da instalação dos equipamentos, não podemos deixar de assinalar que esta testemunha se revelou notoriamente interessada no desfecho do presente litígio, constatando-se que, muitas vezes, a versão por si apresentada se mostrou incongruente com a demais prova produzida e contrária à experiência comum e à normalidade das coisas, como também e bem enfatizou o tribunal recorrido na motivação da decisão de facto.
Por isso, não podemos deixar de acompanhar o escrutínio efectuado pelo tribunal recorrido à prova testemunhal, valorizando os depoimentos das testemunhas que se mostraram suportados e consentâneos com os elementos de prova objectivos que constam do processo, designadamente os que constam da prova documental - destacando-se os registos fotográficos de alguns dos equipamentos a ser efectivamente utilizados pela apelante, o orçamento e as condições escritas ajustadas entre as partes (que se encontram devidamente rubricados e assinados pelos representantes de ambas as partes e que foram oferecidos nos autos com o requerimento de 10.01.2023) e as várias comunicações electrónicas trocadas entre as partes - e do relatório pericial (cujas conclusões também se encontram devidamente suportadas e complementadas com registos fotográficos dos equipamentos reclamados), e retirando credibilidade ao depoimento da testemunha AA, cuja versão dos factos em grande parte se revelou incompatível com os mesmos.
Acresce que, e ao contrário do que também veio defender a recorrente, do conjunto da prova produzida – e mesmo do depoimento das testemunhas por si arroladas – resultou inequívoco que todos os equipamentos fornecidos e instalados pela autora foram utilizados pela ré no exercício da sua actividade, circunstância que inculca a ideia de que as alterações introduzidas ao inicialmente orçamentado obteve a expressa concordância da ré.
Veja-se que, como resulta da comparação entre o orçamento final aprovado pela ré/recorrente e as facturas emitidas pela autora/recorrida e do próprio relatório pericial existem algumas diferenças entre os valores orçamentados e os valores facturados, sendo que, no cômputo global, o valor facturado é inferior ao orçamentado, o que reforça a convicção de que foram sendo realizados alguns ajustes em obra em benefício e com o acordo da ré.
Com efeito, como já referimos, foram colhidos nestes autos e no processo apenso de procedimento cautelar de arresto (que igualmente consultamos) abundantes registos fotográficos dos equipamentos instalados pela autora no restaurante explorado pela ré, em vários momentos – designadamente, poucos dias após a sua instalação (cfr. documento 6 junto com a oposição), aquando da reunião ali realizada entre as partes no início do mês de Maio de 2022 (cfr. resposta apresentada pela autora); aquando da concretização do arresto requerido pela autora, em 24.11.2023 (cfr. o respectivo auto junto aquele processo apenso) e aquando da visita do perito ao local já no decurso do ano de 2024 (cfr. relatórios periciais juntos aos autos).
Os referidos registos fotográficos permitem-nos aferir com bastante nitidez as características dos referidos equipamentos, sendo ainda possível percepcionar e visualizar que todos os equipamentos fornecidos foram instalados e colocados a funcionar (como igualmente asseverou a testemunha DD), tendo a ré utilizado os mesmos no exercício da sua actividade.
Note-se ainda que da análise da prova documental e das comunicações trocadas entre as partes ressuma evidente que a ré, ora apelante, apenas apresentou reclamações escritas à autora após esta ter emitido as facturas reclamadas e lhe ter enviado um documento denominado de “comunicado” a pedir o pagamento dos valores em falta, datado de 14.04.2022 (cfr. documentos 4 a 9 juntos com a oposição e documento apresentado com a resposta da autora), sendo que dessas comunicações ressalta ainda que a ré, inicialmente, reclamou que a obra não estava concluída e que pretendia devolver determinados equipamentos e só perante a oposição da autora a tal pretensão, é que a demandada remeteu à autora uma comunicação electrónica, que embora esteja subscrita por advogada, apenas indicava – para além de determinadas discrepâncias entre o orçamentado e o fornecido ou valores reclamados - a existência de defeitos sem minimamente os concretizar (cfr. documento nº 9 junto com a oposição).
Imperioso é ainda realçar que, da prova documental e testemunhal produzida, resultou cristalino que, desde o início da execução do contrato, a ré não procedeu ao pagamento pontual do preço da obra, nos termos acordados com a ré, sendo que aquando da interposição da presente acção nem sequer tinha procedido ao pagamento integral da 1ª tranche e que correspondia a 40% do valor orçamentado (equivalente a cerca de € 44.660,00), e que segundo o estipulado devia ter sido logo liquidada com a adjudicação da obra, pelo que não faz sentido que, perante tal incumprimento, a autora insistisse com a ré para aceitar a entrega dos equipamentos, com a promessa de um desconto posterior.        
E, retornando às declarações da testemunha AA não será despiciendo fazer notar que esta testemunha admitiu expressamente a utilização dos equipamentos, tendo ainda concedido que apenas dois deles – a vitrine de sobremesas e o “serra ossos” - foram entretanto retirados do restaurante e guardados no respectivo armazém, por alegadamente terem constatado que os mesmos não funcionavam devidamente, constatação essa que naturalmente implica que a ré os tivesse previamente usado (sendo certo que as deficiências apontadas nem sequer vieram a ser confirmadas pela prova pericial realizada nos autos, como melhor veremos adiante).
Saliente-se ainda que a testemunha AA confirmou que as facturas cujo pagamento é reclamado nos autos foram lançadas na contabilidade da ré, não tendo logrado apresentar qualquer explicação para o facto de incongruentemente ter sido enviada à autora uma comunicação electrónica datada de 18.04.2022 a informar que a ré iria devolver as facturas (cfr. documento 7 junto com a oposição).
Deste modo, da análise das declarações prestadas pelas testemunhas CC e AA em audiência, designadamente no confronto com os demais meios de prova, concluímos que as mesmas não podem ser tidas em consideração nos termos por pretendidos pela recorrente.
E, assim sendo, não vislumbramos qualquer fundamento para alterar a redacção conferida aos pontos 7 a 9 do elenco dos factos provados e, consequentemente, à factualidade dada como não provada nas als. a) a c).

b. quanto aos pontos 19 e 20 do elenco dos factos provados
 “19) As prateleiras em madeira do expositor de vinhos maduros eram referentes ao modelo anterior que, entretanto, foi acordado ser substituído.
20) Em relação à altura deste equipamento, a mesma foi adaptada ao local por razões técnicas e aceites pela Ré.”.
Entende a recorrente que, quanto a estes pontos, deveria ter sido dado como provado que:
“- a recorrente solicitou uma vitrine para vinhos, com prateleiras em madeira e três portas, sendo que a vitrine seria feita à medida (do chão até ao teto), e foi-lhe entregue um armário com prateleiras em inox e que não tinha a altura desejada;
- nunca foi acordado um armário com prateleiras em inox e com a altura entregue.”.
E mais uma vez, neste segmento recursório, faz apenas apelo ao relatado pelas testemunhas CC e AA a tal propósito, depoimentos estes que, porém, pelos motivos já acima expostos e que nos escusamos de repetir, não se revelam suficientemente credíveis e consistentes para contrariar a demais prova produzida, nomeadamente, o depoimento prestado pela testemunha BB - que explicou com detalhe e de forma circunstanciada e rica de pormenores o que foi negociado entre as partes relativamente ao armário dos vinhos - e o teor do relatório pericial do qual resulta que a altura do armário fornecido (bem como o preço facturado), corresponde aquilo que foi orçamentado.
Na verdade, e com o devido respeito, a recorrente funda novamente a sua objecção quanto à decisão da matéria de facto em fragmentos da prova, fazendo uma leitura enviesada, com o propósito claro de fazer prevalecer a sua versão àquela que foi apurada, pondo em causa, sem fundamentos minimamente suficientes a convicção formada pelo tribunal a quo, que como já dito, se mostra justificada e é coerente e lógica.
Improcede, pois, a impugnação deduzida nesta parte.

c. quanto ao ponto 24 do elenco dos factos provados
“24) Na fritadeira verifica-se que o pé de suporte trás esquerdo apresenta um ligeiro empeno na zona de fixação do suporte de apoio do armário, sendo que tal é consequência de movimentação (inapropriada) do armário da fritadeira e não de qualquer defeito de fabrico.”
Defende a recorrente quanto a este ponto que o tribunal recorrido deveria ter dado como provado que o empeno verificado é consequência da sua montagem deficiente e não da movimentação inapropriada, transcrevendo uma breve parte do depoimento da testemunha CC, onde esta testemunha afirma que o pé da fritadeira se encontra partido por ter sido colocado sem qualquer cuidado por parte dos instaladores.
Ora, basta analisar o teor do relatório pericial e a fotografia do equipamento que suporta a resposta do perito ao respectivo quesito 7º para concluir pela falta de razão da apelante. Com efeito, do exame ao referido equipamento o perito concluiu que o pé de suporte trás esquerdo apresenta apenas um ligeiro empeno ( não que estivesse partido ) na zona de fixação de apoio do armário e que a anomalia verificada é consequência da movimentação inapropriada do armário da fritadeira.  
Por conseguinte, julga-se também improcedente neste ponto o recurso interposto.

d. quanto ao ponto 28 do elenco dos factos provados
“28) Esta situação resulta de erro de construção prévia do murete que divide o espaço abaixo do exaustor, nomeadamente pela diferença entre o projetado e o executado daquele, importando, assim, que o centro da exaustão não esteja centrado com a linha de queima.”.
Argumenta a apelante que a decisão do tribunal recorrido quanto a este ponto contraria o próprio relatório pericial e a factualidade constante do ponto 25 dos factos provados.
Contudo, é igualmente patente a falta de razão da recorrente neste segmento recursivo.
Com efeito, e salvo melhor opinião, a factualidade descrita no ponto 28 do elenco dos factos provados não contradiz, antes complementa a factualidade descrita no ponto 25, explicando a que se deveu o desalinhamento do centro da exaustão descrito no referido item 25.
Depois, ao contrário do referido pela recorrente, a decisão do tribunal recorrido encontra-se em perfeita consonância com o teor dos esclarecimentos escritos prestados pelo perito, datados de 24.10.2024, e juntos aos autos a 11.11.2024 e que não mereceram qualquer reclamação das partes, nomeadamente, da recorrente.
Deste modo, não se vislumbra qualquer razão para alterar a decisão da matéria de facto neste ponto.

e. quanto aos pontos 29 a 32 do elenco dos factos provados e als. j) e k) do elenco dos factos não provados
“29) Quanto à Bancada ventilada com frio a distância/6 gavetas/extra cuba, torneira misturadora e tabuleiros, este equipamento foi, igualmente e de acordo com a Ré, sujeito a rectificação, pois foi explicado que a medidas dos coutainer´s GN 1/1 (530 x 325 mm), não seriam possíveis, uma vez que não caberiam nessa medida de bancada, pelo que foi fabricada uma medida especial de tabuleiros.
30) Em obra foi discutido com o cliente uma nova solução tendo a bancada ficado maior.
31) Relativamente ao balcão em inox, de duas peças passou a ser apenas um balcão único e inteiro, tudo de acordo com a vontade do cliente.
32) Durante a montagem do mesmo a 31/03/2022 a Ré, após ver o balcão no sítio considerou que deveria ficar maior, pedindo à equipa da Autora que o deslocasse da parede.”
“j) O balcão em inox está com maus acabamentos.
k) A ré acordou no fornecimento de dois fogões com 4 queimadores, sem forne, com armário incorporado da marca ...”, mas a autora entregou, sem acordo da ré, equipamentos separados, com uma sabe superior com 4 queimadores, separados do armário, além de que o objectivo seria que a base superior fosse incorporada no armário “...”, o que torna a cozinha disfuncional.”
Neste particular, veio a recorrente mais uma vez afirmar que os equipamentos encomendados não foram entregues e que não acordou quaisquer alterações com a ré, fazendo novamente apenas apelo ao teor do orçamento e aos depoimentos prestados pelas testemunhas CC e AA, não levando em consideração toda a demais prova produzida e que já acima escrutinamos quanto às alterações acordadas entre as partes e à utilização dada pela ré aos equipamentos fornecidos.
Ou seja, também aqui se constata que a recorrente está a pretender sobrepor a sua convicção à do tribunal a quo, usando fragmentos da prova, descurando a prova produzida na sua globalidade e, logo, fazendo uma interpretação enviesada, que não merece acolhimento.
Improcede, assim, mais esta parte da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

f. quanto aos pontos 33, 35 e 36 do elenco dos factos provados
“33) A marca da vitrine para as sobremesas foi apresentada pela Autora e que a Ré, a posteriori e em obra, porque afinal não a iria encostar a uma parede pretendeu que todas as frentes fossem em vidro.
35) Nessa sequência, a Autora teve de recorrer a um outro modelo de outro fornecedor para que fosse toda em vidro.
36) Este armário está a funcionar, é em inox e está de acordo com o solicitado tanto que foi usado no restaurante da Ré.”
No que concerne a esta factualidade, veio a recorrente advogar que o tribunal recorrido se mostrou alheio ao relatório pericial do qual resulta que tal equipamento se encontra em armazém, ao orçamento adjudicado e aos depoimentos das testemunhas CC e AA que afirmaram que, de acordo com o orçamento, ficou acordado o fornecimento e instalação de um equipamento distinto.
Ora, salvo o devido respeito, as objecções levantadas pela recorrente à decisão do tribunal quanto a esta matéria também não podem merecer o nosso acolhimento. Na verdade, e relativamente ao armário das sobremesas, a testemunha BB esclareceu de forma exaustiva o acordado entre as partes e que as razões que motivaram a alteração de tal equipamento (e que se mostram espelhadas na factualidade dada como provada), tendo sido facturado o equipamento efectivamente fornecido e por um valor substancialmente inferior.
Refira-se ainda que, quer dos registos fotográficos colhidos nos autos (vide, articulado resposta da autora), quer do próprio depoimento das testemunhas AA e EE (funcionária do restaurante) resultou que tal equipamento esteve em funcionamento.
É certo que as referidas testemunhas afirmaram que o dito equipamento foi retirado do estabelecimento porque alegadamente não servia o propósito de refrigerar/conservar sobremesas e quando o perito se deslocou ao estabelecimento para a realização da perícia o mesmo se encontrava no armazém.
Todavia, as referidas testemunhas não concretizaram quando tal retirada terá sucedido (ou seja, quanto tempo esteve o mesmo a trabalhar) e o perito nas suas conclusões referiu que o equipamento, apesar de estar armazenado, servia o referido propósito de refrigerar/conservar sobremesas, acrescentando apenas que não podia verificar da eficácia de tal equipamento, desde logo porquanto tal eficácia varia consoante os vários tipos de sobremesas nele colocadas.    
De todo o modo, reitera-se que para se poder concluir pelo julgamento errado de um facto não basta indicar de forma cirúrgica, partes isoladas da prova produzida que aparentam sustentar a pretensão do recorrente; a prova tem de ser analisada na sua globalidade e de forma crítica. É necessário que as declarações prestadas pelas testemunhas ou pelas partes, bem como o conteúdo dos documentos sejam efectivamente contextualizados, circunstanciados e analisados no confronto entre si e dos demais meios de prova, desde logo para aferir a sua credibilidade e a sua relevância ou alcance probatório.
E foi a essa análise global, crítica e fundamentada, a que procedeu o tribunal a quo, não se vislumbrando existir razões fundadas para alterar a decisão da matéria de facto nesta parte

g. quanto ao ponto 37 do elenco dos factos provados e al. e) do elenco dos factos não provados
“37) A vitrine de conservação para carnes funciona correctamente.
e) A autora ficou vinculada em fornecer uma vitrine para maturar carnes, além de que o equipamento que foi fornecido apresenta maus acabamentos e os vidros estão constantemente a embaciar.”
Afirma a recorrente que, quer da prova pericial, quer do depoimento das testemunhas CC e AA resultou que a vitrine de conservação de carnes não foi o equipamento solicitado pela requerente.
Ora, salvo o devido respeito, a recorrente não faz mais uma vez, neste particular, uma leitura rigorosa de toda a prova produzida.
Veja-se que, ao contrário do afirmado pelas ditas testemunhas, o equipamento em causa - fornecido e instalado pela autora – coincide quanto às características com o que consta do orçamento, o qual prevê expressamente o fornecimento de um equipamento de conservação de carnes e não de maturação de carnes.
Depois, segundo a peritagem, tal equipamento não só se encontrava em funcionamento à data em que a mesma foi realizada, como não apresentava qualquer problema de laboração.
Acresce que o valor facturado foi também é o que consta do orçamento (verificando-se apenas uma ligeira diferença de medidas entre o equipamento facturado e o orçamentado).
Deste modo, e face ao que já dissemos supra e para o qual aqui remetemos a fim de evitar mais repetições, os depoimentos das testemunhas CC e AA revelam-se insuficientes para alterar a decisão de facto nos termos pretendidos pela recorrente.        
Por conseguinte, improcede igualmente este segmento recursório.

h. quanto à al. h) dos factos não provados
“h) Na montagem do equipamento estufa foi verificado que faltava uma prateleira no meio, o que foi reportado de imediato à A.”
Relativamente à decisão proferida na al. h) dos factos dados como não provados, a recorrente limitou-se a dizer o seguinte “considera que, face à prova documental e testemunhal junta aos autos (orçamento), o Tribunal a quo também deveria ter considerado esse facto como provado, dado estar em falta uma prateleira da estufa”.
Para além da recorrente não concretizar qual a prova testemunhal a que se refere (não cumprindo nesse conspecto os ónus de impugnação previstos no art.º 640º, nºs 1 e 2, al. a), do NCPC), a objecção por si levantada por referência à prova documental concretamente indicada, não pode, como é evidente, conduzir à alteração da decisão da matéria de facto. O facto de se verificar estar em falta uma prateleira prevista no orçamento não implica necessariamente que tal falta foi verificada na montagem do equipamento e que tal circunstância foi de imediato reportada à autora.
Assim, nada há a alterar na decisão quanto a esta factualidade.
Ante todo o exposto, mantem-se inalterada a decisão da matéria de facto, improcedendo integralmente o recurso nesta parte.         
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3.2. Do erro na decisão de mérito da acção

Mantendo-se inalterado o quadro factual julgado provado e não provado pelo tribunal a quo, importa agora apreciar se se deve manter a decisão jurídica da causa.
No que a este aspecto concerne, desde já se adianta que, em face da manutenção na íntegra da decisão da matéria de facto, terá a decisão de direito também que se manter, tanto mais que a alteração da decisão jurídica no sentido pretendido pela recorrente, mesmo na perspectiva desta, pressupunha a alteração da decisão de facto.
Senão, vejamos.
É pacífico que entre a autora e a ré foi celebrado um contrato de empreitada (o qual teve por objecto o fornecimento e instalação de equipamentos hoteleiros), o qual é legalmente definido como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço.” - cfr. art.º 1207º do CC.
Assim foi entendido na sentença recorrida e com esse entendimento se conformaram as partes.
Acresce, contudo, referir que a recorrente não tem a qualidade de consumidor como afirma nas suas conclusões de recurso, pois, não só se trata de uma sociedade comercial, como a obra contratada destinou-se ao exercício da sua actividade comercial (cfr., a este propósito o ac. da RP de 13.09.2022, processo nº 3746/18.3T8MTS.P1, disponível in www.dgsi.pt).
Como é sabido, o contrato de empreitada é um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual (cfr. Pedro Martinez, Contrato de Empreitada, 1994, p. 66 e 67).
É sinalagmático na medida em que dele emergem obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação, para o empreiteiro, de realizar uma obra e o dever que incide sobre o dono desta de pagar o preço; oneroso, porque o esforço económico é suportado pelas duas partes e há vantagens correlativas para ambas; comutativo, na medida em que as vantagens patrimoniais dele emergentes são conhecidas das partes no momento do ajuste; e consensual, pois a validade das declarações negociais depende do mero consenso.
Ao mesmo aplicam-se as regras especiais para ele definidas nos art.ºs 1207º a 1230º do CC e as normas gerais relativas aos contratos e às obrigações com elas compatíveis (cfr. Pedro Martinez, Cumprimento  Defeituoso em especial na compra e venda e na empreitada, 1994, p. 302).
Na execução da obra o empreiteiro deve executá-la em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato – cfr. art.º 1208º do CC.
O empreiteiro está, pois, adstrito a realizar uma obra, a obter certo resultado em conformidade com o convencionado e sem vícios. Em suma, o contrato deve ser cumprido pontualmente (art.º 406º do CC) e de boa fé (art.º 762º, nº 2 do CC) [cfr. Pedro Romano Martinez, in Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, Almedina, 2ª ed., p. 380).
A inexactidão do cumprimento tanto pode ser quantitativa (prestação parcial, a que se seguem os efeitos do não cumprimento em relação à parte da prestação não cumprida - mora ou incumprimento definitivo), como qualitativa (diversidade na prestação, deformidade, vício ou falta de qualidade da mesma; isto é, a inexecução da obrigação pode ocorrer não apenas quando o devedor nada faz para a executar, como ainda quando a realiza de forma deficitária ou mal executada [cfr. Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, Obra Dispersa, Vol. I, p. 168/169].
Com efeito, no âmbito da inexecução do contrato, além da mora e do incumprimento definitivo, destaca-se também a execução defeituosa do contrato, ou cumprimento defeituoso do contrato, na designação acolhida pelo art.º 799º, nº 1 do CC. Ou seja: o devedor executa materialmente a prestação, mas em desconformidade com o convencionado com a outra parte – “a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito” [vide, Antunes Varela, parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência, Ano XII, 1987, Tomo 4, p. 22 a 35].
Poder-se-á, assim, considerar que ocorre cumprimento defeituoso da obrigação quando a prestação efectuada não tem requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo obrigacional tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correcção e da boa fé, podendo o defeito ser quantitativo ou qualitativo [cfr. Baptista Machado, obra citada, p. 169].
O mesmo é dizer, “no cumprimento defeituoso, o devedor cumpre a obrigação que lhe estava imposta, mas não como lhe estava imposta, isto é, cumpre mas de forma defeituosa, com vícios ou deficiências” [cfr. Armando Braga, “Contrato de Compra e Venda”, p. 174].
Neste ponto impõe-se atentar no disposto no art.º 799º, nº 1 do CC, onde se diz que “incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua.”.
Assim, baseando-se a responsabilidade do empreiteiro na culpa, haverá que ter em consideração a presunção de negligência do devedor, contida no citado art.º 799º, nº 1, de tal forma que provado o defeito e a sua gravidade, prova que incumbe ao dono da obra (art.º 342º, nº 1 do CC), presume-se que o cumprimento defeituoso é imputável ao empreiteiro [cfr. Menezes Leitão, in Direito das Obrigações, vol. III, 5ª ed., p. 543 e Pedro Romano Martinez, ob. cit., p. 472].
Conforme escreve Cura Mariano [in, A Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, Almedina, 7ª ed., p. 70], “o estabelecimento desta presunção resulta do facto de, sendo a culpa, segundo as regras da experiência, normalmente inerente ao incumprimento contratual, deve competir ao devedor provar a verificação da situação anormal da ausência de culpa. Além disso, sendo o devedor quem controla e dirige a execução da prestação tem maior facilidade de conhecer e demonstrar as causas de verificação do incumprimento.”.
Por seu turno, Pires de Lima e Antunes Varela [in Código Civil Anotado”, vol. III, 3ª ed., p. 55] escrevem que “só o devedor está, por via de regra, em condições de fazer a prova das razões do seu comportamento em face do credor, bem como os motivos que o levaram a não efectuar a prestação a que estava vinculado.”.
Neste contexto, cabe concluir que ao dono da obra basta alegar e provar a existência do defeito, mesmo sem ter que provar a sua causa, ficando o empreiteiro com o ónus de alegar e provar que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua para afastar a responsabilidade [assim, ac. da RL de 23.11.2023, processo nº 25892/21.6T8LSB-A.L1 e ac. do STJ de 22.02.2022, processo nº 5688/17.0T8GMR.G1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt].
Ocorrendo defeitos, o dono da obra tem, em primeiro lugar, o direito de exigir a sua eliminação ou nova construção se não puderem ser suprimidos (art.º 1221º, nº 1, do CC). Caso isto não se concretize, pode pedir a redução do preço ou a resolução do contrato (art.º 1222º, do CC). Complementarmente, se ainda houver prejuízos, tem o direito de ser indemnizado nos termos gerais (art.º 1223º).
Está prevista também a impossibilidade de execução da obra, por causa não imputável a qualquer das partes (art.º 1227º, do CC), bem como a desistência da empreitada por parte do dono da obra (art.º 1229º, do CC).
Mas outras situações podem surgir e perturbar a vida do contrato, pelo que há necessidade de recorrer aos princípios gerais. Assim, se o devedor faltar culposamente ao cumprimento das obrigações, torna-se responsável pelo prejuízo que cause ao outro contraente. O direito de indemnização daqui resultante, varia consoante haja mora ou incumprimento definitivo, figuras distintas não só na sua natureza como nos seus efeitos. No caso de mora, que consiste numa dilação da prestação devida mas ainda possível, a obrigação do devedor traduz-se na reparação dos danos causados ao credor, resultantes da mora (art.º 804º, do CC). Por sua vez, o incumprimento implica, para o devedor, a responsabilidade pelos prejuízos causados pela inexecução; e faculta ao credor o direito de resolução (art.ºs 798º e 801º, do CC).
Nos casos em que se verifique um incumprimento definitivo da obrigação de eliminação dos defeitos por parte do empreiteiro (maxime, através de recusa), o dono da obra pode optar entre o direito à redução do preço ou à resolução do contrato, nos termos do citado art.º 1222º, podendo ainda efectuar a reparação da obra pelos seus próprios meios ou com recurso a terceiros, sendo o empreiteiro responsável pelo custo desses trabalhos [cfr. Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2ª edição, p. 146,3], de acordo com o princípio geral estabelecido no art.º 798º do CC.
Dito isto, importa reverter ao caso em apreço.
A ré/apelante foi demandada, enquanto dona da obra, pelo empreiteiro com vista a obter o pagamento da parte restante do preço convencionado para o contrato de empreitada entre eles celebrado.
Como vimos, um dos efeitos do contrato é a realização da obra e, no caso, a autora/recorrida demonstrou ter fornecido e instalado os equipamentos hoteleiros solicitados, à excepção de dois relativamente aos quais as partes acordaram em cancelar a encomenda.
Outro dos efeitos do aludido contrato é a obrigação de pagar o preço.
Segundo o convencionado este devia ser pago pela ré de forma fracionada e em três tranches (40% na adjudicação da obra, 40% na entrada da obra e 20% na conclusão da obra).
A ré recusa-se a pagar o valor reclamado pela autora/empreiteira, invocando a excepção de não cumprimento, por a obra apresentar defeitos que comunicou à autora.
Ora, a excepção de não cumprimento do contrato (exceptio non adimpleti contractus) encontra-se prevista no art.º 428º do CC, cujo nº 1 estabelece que, “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
Esta excepção tem sido qualificada uniformemente como excepção dilatória de direito material. É excepção de direito material, porque fundada em razões de direito substantivo; é dilatória, porque não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente.
Como escreveu Almeida e Costa, “analisa-se a «exceptio» na faculdade atribuída a qualquer das partes de um contrato bilateral, em que não haja prazos diferentes para a realização das prestações, de recusar a prestação a que se acha adstrita, enquanto a contraparte não efectuar o que lhe compete ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo” [Direito das Obrigações, 5ª edição, p. 290].
Ou como refere José João Abrantes [in, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Conceito e Fundamento, p. 127 e seguintes], “a excepção de contrato não cumprido tem por função obstar temporariamente ao exercício da pretensão do contraente que reclama a execução da obrigação de que é credor sem, por sua vez, cumprir a obrigação correspectiva a seu cargo ou sem, pelo menos, oferecer o cumprimento simultâneo”.
É pois uma causa justificativa de incumprimento das obrigações, que se traduz numa simples recusa provisória de cumprir a sua obrigação por parte de quem alega”.
O exercício da excepção não extingue o direito de crédito de que é titular o outro contraente. Apenas o neutraliza ou, melhor, apenas o paralisa temporariamente”.
A excepção mostra-se assim como um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição”.
Traduz-se esse direito em que o excipiens poderá legitimamente recusar a sua prestação, sem com isso incorrer em mora”.
Deste modo, o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento da prestação nem enjeita o dever de a cumprir, pretendendo, com a sua invocação, somente o efeito dilatório de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito.
Neste caso, a recusa do cumprimento é lícita, o que impede a aplicação do regime da mora (art.º 804º e seguintes, do CC) e, naturalmente, o do incumprimento definitivo (art.º 808º, do CC), mesmo que tenha havido interpelação da outra parte. Se as duas obrigações forem puras, a excepção de não cumprimento é, assim, sempre invocável, nem sequer podendo ser afastada mediante a prestação de garantias (art.º 428º, nº 2, do CC).
O mesmo regime se aplica aos casos em que houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, podendo recorrer à excepção de não cumprimento o contraente que estiver obrigado a cumprir em segundo lugar.
Assim, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes, desde que o seja pelo contraente cuja prestação deva ser feita depois da do outro contraente, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro [cfr. ac. RC de 21.02.2018, processo nº 131004/16.4YIPRT.C1 e ac. do STJ de 22.01.2013, processo nº 4871/07.1TBBRG.G1.S1, ambos disponíveis in www.dgsi,pt.].
Esclarecendo melhor: “Tendo havido, porém, estipulação de prazos certos diferentes para o cumprimento das prestações, um dos contraentes obriga-se a cumprir em primeiro lugar, o que implica uma renúncia da sua parte à excepção de não cumprimento do contrato e a consequente constituição em mora pelo decurso do prazo [artigo 805.º, n.º 2, alínea a)]. Apesar da redacção do artigo 428.º, n.º 1, naturalmente que nesta hipótese o contraente que esteja obrigado a cumprir em segundo lugar continua a poder usar da excepção de não cumprimento, não entrando em mora se não realizar a sua prestação enquanto a contraprestação não for realizada. A limitação constante da parte inicial do artigo 428.º, n.º 1, aplica-se, por isso, apenas ao contraente que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, continuando a ser admissível para o outro o recurso à excepção de não cumprimento” [cfr. Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Volume II, p. 263].
Neste mesmo sentido, ensinam Pires de Lima e Antunes Varela que, “mesmo estando o cumprimento das obrigações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá ser sempre invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro” [in, Código Civil Anotado, Volume I, 4ª edição, p. 405].
Esta excepção também se aplica às situações de cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial da prestação contratual, assumindo-se, então, como exceptio non rite adimpleti contractus [vide, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações, Parte Especial, Contratos, p 440], podendo, consequentemente, o contraente recusar a prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada. Neste caso, estamos perante uma verdadeira excepção em sentido técnico, correspondendo a um meio de defesa que tende para a execução plena do contrato e não para a sua destruição – a prestação devida não é negada em termos definitivos, ficando, apenas, suspensa, no que diverge da resolução por incumprimento [cfr. ac. do STJ de 6.09.2016, processo nº 6514/12.2TCLRS.L1.S1 2248/2008-2, in www.dgsi.pt].
Nestes casos, como alerta Almeida Costa, há que ter presente o princípio da boa fé no cumprimento dos contratos, consagrado no art.º 762º, nº 2, do CC e a possibilidade do recurso ao abuso do direito, nos termos do art.º 334º, do mesmo diploma legal donde “resulta a exigência de uma apreciação da gravidade da falta, que não pode mostrar-se insignificante, bem como se impõe a regra da adequação ou proporcionalidade entre a ofensa do direito do excipiente e o exercício da excepção” [cfr. Direito das Obrigações, 5ª edição, p. 290/291].
Assim, são pressupostos do exercício da aludida excepção: a existência de um contrato bilateral; o não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação ou o seu cumprimento defeituoso; e não contrariedade à boa-fé [cfr. José João Abrantes, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, edição de 1986, p. 39 e seguintes].
Para além disso, o excipiens tem não só de denunciar os defeitos ou o inexacto cumprimento, como ainda exigir a eliminação dos defeitos denunciados ou o integral cumprimento, ou então a substituição da prestação, a realização de nova prestação, a redução do preço ou o pagamento de uma indemnização pelos chamados danos circa rem [cfr. Romano Martinez, “Cumprimento Defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada”, p. 328 e Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 2004, p. 126].
E, como decorre do que já se deixou dito, para que a excepção possa operar, terá que haver proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção, o que é exigido pelos ditames da boa fé (art.º 762º, nº 2, do CC), que postula, nos contratos bilaterais, o respeito pela ideia da preservação do equilíbrio entre as obrigações sinalagmáticas; esse equilíbrio de prestações é inerente ao sinalagma de tal modo que, se não se puder estabelecer esse nexo de correspectividade, é inoperante a invocação da excepção [cfr. ac. da RL de 24.09.2024, processo nº 6150/23.8T8SNT-A.L1-7, consultável in www.dgsi.pt].
Como bem sublinha José João Abrantes [ob. citada, p. 110/111 e 118] o devedor, em regra, apenas poderá recusar a sua prestação na parte proporcional ao incumprimento do outro contraente. Daí que, existindo uma prestação incompleta ou defeituosa do empreiteiro, o dono da obra só pode recusar a parte do preço correspondente à parte da obra não executada ou executada defeituosamente.
Deste modo, “dir-se-á, em resumo, que a invocação da excepção de não cumprimento supõe a existência de uma tripla relação entre o incumprimento do outro contraente e a recusa de cumprir por parte do devedor/excipiens: relação de sucessão, de causalidade e de proporcionalidade entre uma e outra.
Segundo a dita relação de sucessão, não poderá recusar a sua prestação, invocando a exceptio, o contraente que se encontre, ele próprio, numa situação de incumprimento/mora; a recusa de cumprir do excipiens deve ser posterior à inexecução da obrigação da contraparte, deve seguir-se-lhe e não precedê-la.
Por sua vez, segundo aquela relação de causalidade, a exceptio supõe a existência de um nexo de causalidade ou de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação pelo excipiens, ou seja, a exceptio deve ser alegada tendo em vista compelir à execução da obrigação o outro contraente; se o comportamento objectivamente manifestado pelo excipiens indicia não ser esse efectivamente o motivo da sua recusa em prestar, a dita excepção será ilegítima.
Finalmente, por força do princípio da equivalência ou proporcionalidade, a recusa do excipiens deve ser equivalente ou proporcionada à inexecução da contraparte que reclama o cumprimento, de modo que, se a falta desta for de leve importância no contexto da utilidade económica da prestação, o recurso à exceptio poderá também ser ilegítima.” (cfr. ac. da RP de 18.06.2024, processo nº 56365/22.9YIPRT.P1, acessível in www.dgsi.pt).
Ora, no caso dos autos, e como assinalado na decisão recorrida, resultou provado que a recorrida cumpriu defeituosamente o contrato de forma muito residual, o que sempre inviabilizaria o recurso à excepção, por contrária à boa fé e à regra da proporcionalidade, que jamais permitiriam recusar o pagamento da obra realizada sem defeitos.
Na verdade, é flagrante a desproporção entre a desvalorização da obra causada pelos defeitos referenciados nos pontos 21 (gaveta do pó de café a necessitar de afinação) e 22 (caleiras antiderrapantes com folga excessiva e sem aplicação do rebordo delimitador), do elenco dos factos provados, de impacto muito reduzido na sua globalidade, e o valor que a ré/apelante se recusou a pagar (superior a € 70.000,00).
Ademais, tendo ficado demonstrado que estava acordado entre as partes o cumprimento fraccionado das prestações devidas e que a ré não observou, desde o início do contrato, o acordado quanto ao pagamento do preço em prestações, é manifesto que, também por essa via, lhe estava vedado invocar a dita excepção (vide, quanto a esta temática, o ac. da RC de 26.09.2017, processo nº 849/04.5TBCNT.C3, acessível in www.dgsi.pt).
Note-se que a ré estava obrigada a liquidar o valor de 40% do preço logo que a obra foi adjudicada. Ou seja, estava obrigada a cumprir, ainda que parcialmente, a obrigação de pagamento do preço ainda antes da autora estar obrigada a iniciar a execução da obra, e não o fez, entrando em incumprimento/mora antes da autora iniciar a execução da sua prestação e, consequentemente, antes de verificado o cumprimento defeituoso do contrato por parte da autora. O incumprimento da ora recorrente precedeu o incumprimento da recorrida.
Ou seja, atentos estes factos, afigura-se-nos que não se mostra justificada a invocação da excepção de não cumprimento pela ré [mostrando-se antes justificada a atitude da autora ao suspender a realização de quaisquer outros trabalhos, atenta a mora da ré no pagamento das parcelas do preço devidas (art.º 428º do CC) – cfr. e-mails da autora datados do dia 18.04.2022 e de 21.04.2022 aludidos nos pontos 15 e 16 do elenco dos factos provados].
Por isso, não há dúvidas de que não se verificam os pressupostos da excepção de não cumprimento invocada pela ré/apelante para recusar o pagamento imediato do resto do preço da obra que contrataram com a autora/apelada, como também concluiu o tribunal da 1ª instância.
Improcede, pois, a pretensão recursória da ré também nesta parte.
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Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação quer quanto à decisão de facto, quer quanto à decisão de direito, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante.
As custas do recurso são, pois, da responsabilidade da recorrente (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7 do NCPC):
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
As custas do presente recurso são da responsabilidade da recorrente.
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Guimarães, 27.11.2025
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1ª Adjunto: Juíza Desembargadora: Dr. Ana Cristina Duarte
2ª Adjunto: Juíza Desembargadora: Dr. Maria Luísa Duarte Ramos