Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6188/21.0T8BRG.G1
Relator: ALCIDES RODRIGUES
Descritores: INVENTÁRIO
HABILITAÇÃO DOS SUCESSORES
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Declarada a suspensão da instância por óbito de um interessado no inventário passa a recair sobre os interessados sobrevivos ou sobre os sucessores do falecido o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como decorre dos arts. 276º, n.º 1, al. a) e art. 351º, 3º, n.º 1, e 5º, todos do CPC.
II. No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual.
III. A negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1, do C. P. Civil, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente).
IV. Se a parte não promove o incidente de habilitação de sucessores e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que aponte no sentido de que a inacção se deve a causas estranhas à vontade da parte, tal é suficiente para caracterizar a sua negligência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA instaurou, em 08/02/2017, no Cartório Notarial do Dr. BB, sito em ..., processo especial de inventário para cessação de comunhão hereditária e partilha de bens por óbito de CC e de DD, falecidos, respetivamente, a ../../2013 e ../../2004.
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A cabeça de casal prestou declarações (fls. 50 a 53) e, ulteriormente, juntou a relação de bens (fls. 58 e ss.).
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A interessada EE apresentou reclamação à relação de bens (fls. 103 e ss.)
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A 06/10/2021, a interessada AA requereu a remessa do processo de inventário para o Juízo Local Cível de Braga do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, o que foi determinado por despacho da Sr.ª Notária, de 4/11/2021 (cfr. fls. 273, 278 e 279).
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Os autos foram remetidos ao Juízo Local Cível de Braga a 12/11/2021 (cfr. fls. 285).
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Após realização de algumas diligências probatórias, foi designada data para inquirição de testemunhas (cfr. fls. 312).
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Na data designada para a inquirição das testemunhas, a 22/11/2022, as partes manifestaram a possibilidade de celebrar um acordo, desde que a Banco 1... esclarecesse determinadas questões, pelo que ficaram de transmitir ao Tribunal a viabilidade do dito acordo após os ditos esclarecimentos (cfr. fls. 313).
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A 27/02/2023, as partes informaram que perspectivam a celebração de um acordo no âmbito do presente processo e requereram a suspensão da instância por 30 dias, o que foi deferido por despacho de 28/02/2023 (fls. 319 e 320).
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A ../../2023, a interessada EE comunicou o falecimento do seu marido (fls. 321 v.º e ss.).
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Por despacho de 24/04/2023, foi declarada suspensa a instância nos termos do disposto nos arts. 269.º, n.º 1, al. a), 270.º, n.º 1 e 276.º, n.º 1, al. a), todos do Código de Processo Civil, em virtude de ter sido comprovado o falecimento do interessado FF (fls. 324).
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Tal despacho foi notificado aos interessados, na pessoa dos seus mandatários, por comunicação eletrónica enviada em 24/04/2023 (ref.ªs ...98 e ...95).
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Datado de 13-11-2023, o Tribunal “a quo” proferiu o seguinte despacho (cfr. fls. 325):
«Os presentes autos encontram-se suspensos, a aguardar impulso processual das partes, desde 24/04/2023, após se ter comprovado o óbito de um dos interessados.
Desde essa data não existem quaisquer atos praticados no processo.
O art. 281º, n.º 1 do NCPC vem dispor que se “(…) considera deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar o impulso processual há mais de seis meses” (cfr. art. 281º, n.º 1 do NCPC).
A deserção, assim prevista, é causa da extinção da instância (art. 277º al. c) do NCPC).
No caso dos autos, o processo encontra-se a aguardar impulso processual das partes há mais de seis meses, sem que estas tenham impulsionado o seu regular andamento.
Assim, e nos termos do disposto no art. 281º do NCPC, declaro deserta a presente instância.
Custas pelos interessados, na proporção dos quinhões.
Valor da ação: € 455.125,04
Notifique.
 (…)».
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Os interessados arguiram a nulidade do despacho que declarou deserta a instância, o que foi indeferido por despacho de 22/11/2023 (cfr. fls. 326 a 329).
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Inconformados com aquela decisão de 13-11-2023, dela interpuseram recurso a cabeça de casal e marido (cfr. fls. 330 a 333), formulando, no final das respectivas alegações, as seguintes conclusões (que se reproduzem):

«1. O presente recurso tem como objecto o despacho que, sem audição das partes, ou qualquer apreciação sobre a negligência das mesmas, declarou deserta a instância.
2. Absolutamente omissa, na sua fundamentação, quanto aos factos que justificam a imputação de negligência a qualquer das partes, a decisão é uma autêntica decisão surpresa já que,
3. na ausência de elementos que justifiquem a qualificação da actuação das partes como negligente, deveria o Tribunal tê-las notificado para se pronunciar sobre a falta de impulso - e a sua justificação – com a expressa advertência das consequências do disposto no art. 281º do CPC,
4. o que não foi feito.
5. Não se encontram verificados os pressupostos previstos no art. 281º do CPC.
6. E essa falta dos pressupostos é evidente do próprio despacho que não dedica uma única frase a justificar a negligência das partes, sendo absolutamente omisso quanto à fundamentação da decisão.
7. Mais, as partes nunca foram ouvidas, nunca foram advertidas das consequências da omissão do impulso, sendo absolutamente surpreendidas com uma decisão surpresa, que não é prática comum na Comarca.
8. A prolação do despacho em crise sem audição das partes é absolutamente contrária aos princípios da cooperação processual, da celeridade processual, do contraditório e do aproveitamento dos actos.
9. O despacho que antecede padece, portanto, da nulidade prevista no art. 615º/1 al. b) do CPC, e, ainda, da nulidade prevista no art. 195º/1 do mesmo Diploma, o que expressamente se invoca.
10. Resulta, ainda, de um ostensivo erro de julgamento, já que assenta no pressuposto errado de que as partes actuaram com negligência o que, in casu, não se verifica.
11. O despacho sob censura violou, entre outras, as normais previstas nos arts. 281º, 2º, 6º, 7º e 607º do CPC.
TERMOS EM QUE:
Devem ser reconhecidas as nulidades invocadas e ser o despacho em crise revogado e substituído por acórdão que ordene a notificação das partes para os efeitos do disposto no art. 281º do CPC, com o que se fará a acostumada
JUSTIÇA!».
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. fls. 334).
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Foram colhidos os vistos legais.
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II. Delimitação do objeto do recurso             

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, as questões que se colocam à apreciação deste Tribunal consistem em saber se o despacho que declarou a extinção da instância por deserção deve ser anulado, por falta de advertência às partes quanto aos efeitos da suspensão da instância e por preterição do contraditório prévio, bem como se deve ser revogado por inverificação dos pressupostos da deserção da instância, nos termos do disposto nos arts. 277º, al. c) e 281º, n.º 1, do CPC.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

As incidências fáctico-processuais a considerar para a decisão do presente recurso são as descritas no relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos).
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V. Fundamentação de direito         
              
A deserção da instância é uma das causas de extinção da instância (art. 277º, al. c), do CPC), traduzindo-se numa forma extintiva da relação jurídico-processual sem qualquer pronunciamento sobre o mérito da causa[1]

Sob a epígrafe “Deserção da instância e dos recursos”, prescreve o art. 281º do CPC:
«1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
2 - O recurso considera-se deserto quando, por negligência do recorrente, esteja a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
3 - Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses.
 4 - A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator.
5 - No processo de execução, considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses».
Na vigência do Código de Processo Civil, na redação anterior à introduzida pelo Dec. Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, o regime relativo à interrupção e deserção da instância era o seguinte:
- “A instância interrompe-se, quando o processo estiver parado durante mais de um ano por negligência das partes em promover os seus termos ou os de algum incidente do qual dependa o seu andamento” (art. 285º);
- “Cessa a interrupção, se o autor requerer algum acto do processo ou do incidente de que depende o andamento dele, sem prejuízo do disposto na lei civil quanto à caducidade dos direitos” (art. 286º);
- “Considera-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando esteja interrompida durante dois anos” (art. 291º, n.º 1).
No âmbito desse pretérito regime, a inércia das partes sobre quem recaía o ónus processual de impulsionar o processo apenas produzia efeitos depois de ultrapassado um ano, ao que se seguia a prolação de decisão judicial a declarar a interrupção da instância por negligência das partes em promover os seus termos (cfr. art. 285º), iniciando-se, a partir de então, um novo prazo de dois anos, findo o qual operava, sem mais, a extinção da instância por deserção (cfr. art. 291, n.º 1).
Deste modo, se, por um lado, a deserção da instância pressupunha a prévia interrupção durante um período de dois anos, constituindo a interrupção da instância requisito antecedente da deserção, por outro lado, a deserção da instância operava ope legis, isto é, ocorria automaticamente verificada que fosse a inatividade das partes durante o referido lapso de tempo, dispensando qualquer decisão judicial[2] [3].
Diversamente, com o novo Código de Processo Civil, além de ter encurtado para seis meses o prazo, até aí de dois anos, que a parte dispunha para impulsionar os autos sem que fosse extinta a instância por deserção, eliminou também a figura da interrupção da instância, “passando-se, de imediato da mera situação de inércia, com ou sem suspensão da instância, para a extinção da instância, desde que a inércia seja imputável à parte sobre quem recai o ónus de promoção da actividade processual[4]; daí que se entenda estarmos perante um regime mais severo para “sancionar a negligência das partes em promover o andamento do processo, colimando logo com a deserção e consequente extinção da instância [art.º 277º, c)] aquela falta de impulso processual[5].
E, no regime actual, a deserção da instância deixou de ser de funcionamento automático pelo decurso do prazo, carecendo, nos termos do n.º 4 do art. 281º do CPC, de ser julgada (declarada ou decretada) por despacho do juiz (ou do relator) – demandando uma decisão judicial e um juízo acerca da existência de negligência da parte –, produzindo-se, pois, o seu reconhecimento ope judicis, e não ope legis, ao contrário do que acontecia no sistema anterior no qual, como acima ficou dito, a instância ficava deserta independentemente de qualquer decisão judicial[6] [7].   

O regime da deserção da instância vale igualmente se a falta de impulso se verificar num incidente com efeito suspensivo da tramitação do processo principal (n.º 3 do art. 281º do CPC).
Por conseguinte, no atual quadro normativo, a deserção da instância depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos:
a) a omissão de impulso processual há mais de seis meses (pressuposto de natureza objetiva); e
b) ser essa omissão devida à negligência da parte a quem cabia esse impulso (pressuposto de natureza subjetiva).
A conduta negligente conducente à deserção da instância, na explicitação de Paulo Ramos de Faria[8], consubstancia-se na omissão não subtraída à vontade da parte, isto é, que não resulta de facto de terceiro (estranho à parte) ou de força maior que impede o demandante de praticar o ato. A deserção da instância prescinde de um juízo de culpa (censura) sobre a conduta do demandante. Assim, ainda que não se censure o autor por, antes de praticar o ato em falta, passar largos meses tentando chegar a acordo com o réu, tal comportamento será de qualificar como negligente, para os efeitos que nos ocupam. Do exposto resulta que negligente significa aqui imputável à parte (causalmente imputável), e não a terceiro – como a uma conservatória que se atrasa na entrega de uma certidão – ou ao tribunal. Deste modo, a assunção pelo demandante de uma conduta omissiva que, necessariamente, não permite o andamento do processo, estando a prática do ato omitido apenas dependente da sua vontade, é suficiente para caracterizar a sua negligência. Tal conduta omissiva e negligente da parte onerada com o impulso processual só cessará com a prática do ato que, utilmente, estimule a instância ou com a superveniência de uma circunstância que subtraia à vontade da parte a possibilidade da sua prática.
A apreciação da negligência ou do grau de diligência revelado pela parte deve, pois, ser feita em face dos dados conferidos pelo processo. Assim, sempre que o impulso processual dependa da parte, esta tem o ónus e o interesse em informar o tribunal acerca da existência de algum obstáculo e, se for o caso, solicitar a concessão de alguma dilação[9]
É o que ocorre, por exemplo, nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes (art. 269º, n.º 1, al. a), do CPC).
Preceitua o art. 270º, n.º 1, do CPC que junto ao processo documento que prove o falecimento de qualquer das partes, suspende-se imediatamente a instância, salvo se já tiver começado a audiência de discussão oral ou se o processo já estiver inscrito em tabela para julgamento. Neste caso a instância só se suspende depois de proferida a sentença ou o acórdão.
Quando a suspensão da instância ocorre por virtude de falecimento de uma das partes, ela cessa quando for notificada a decisão que considere habilitado o sucessor da pessoa falecida (art. 276º, n.º 1, al. a). do CPC).
Com a notificação ao mandatário constituído de que, por motivo do óbito da parte, a instância ficaria suspensa, e não sendo a habilitação de iniciativa oficiosa, passou a recair sobre os restantes interessados sobrevivos ou sobre os respetivos sucessores do falecido o ónus de requererem a sua habilitação (art. 351º, n.º 1, do CPC), , sendo que o decurso do prazo de 6 meses a partir daquela notificação sem que tenha sido requerida a habilitação ou apresentada alguma razão que impedisse ou dificultasse o exercício desse ónus determinará a verificação de uma situação de inércia imputável à parte, com efeitos na extinção da instância, por deserção, nos termos do art. 281º, n.ºs 1 e 3, do CPC[10].
Tratava-se de um ónus processual, já que do seu exercício dependia a definição dos sucessores do interessado falecido para ocuparem a posição processual deste na instância, por um lado, e, por outro, o prosseguimento da instância na acção principal dependia da prolação da sentença de habilitação dos mesmos sucessores, nos termos do art. 276.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Tal vicissitude processual radica no princípio da auto-responsabilidade das partes, na medida em que lhes incumba o impulso processual subsequente, aferível à luz do dever de gestão processual prescrito no art. 6.º, n.º 1, do CPC, em função do ónus de impulso especialmente imposto por lei às partes, cumprindo, por sua vez, ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação[11]
A deserção da instância extingue somente a instância. O "direito de ação fica intacto, a não ser que, em consequência do efeito da interrupção da instância (voltar a correr o prazo para a proposição da ação ou o prazo de prescrição), algum destes prazos esteja findo"[12].
Por último, e para terminar esta abordagem teórica, importa realçar que a decisão que declara a deserção da instância não tem efeito constitutivo, mas meramente declarativo[13]: declara a instância extinta por força do decurso de um prazo. Dito por outras palavras, a decisão declara uma extinção que lhe é prévia, verificados os respectivos pressupostos[14].
De modo que, em razão desse efeito de simples apreciação, “após a ocorrência da deserção (inércia de seis meses e um dia) e antes de ser ela judicialmente reconhecida, os atos putativamente processuais praticados, de forma espontânea, pela parte anteriormente relapsa são potencialmente desprovidos do seu efeito jurídico processual típico, sendo inidóneos a precludir a declaração da deserção[15].
Exposto o enquadramento jurídico do instituto da deserção da instância vejamos, agora, se, no caso concreto, o processo se encontrava parado, há mais de seis meses, por inércia da cabeça de casal ou demais interessados na observância do ónus de impulso processual.
Para tanto partiremos da análise da decisão recorrida, datada de 13-11-2023, a qual assenta, fundamentalmente, nos seguintes pressupostos:
- Os presentes autos de inventário encontravam-se suspensos, por despacho de 24/04/2023, a aguardar impulso processual das partes – há mais de seis meses, portanto –, após se ter comprovado o óbito de um dos interessados (no caso, do interessado FF);
- Desde essa data não foram praticados quaisquer atos no processo, nada mais foi dito pelas partes, nem nenhum requerimento foi apresentado;
- Consequentemente, ultrapassado que foi o prazo de seis meses, nos termos do disposto no art. 281º, n.º 1, do CPC, a instância foi declarada deserta.
Antecipando desde já à nossa resposta, e cientes da divergência jurisprudencial sobre a questão em apreço, estamos inteiramente de acordo com o entendimento defendido na decisão recorrida, que, a nosso ver, escrupulosamente respeitou o quadro legal.
Justificando.
Uma vez decretada a suspensão da instância, com fundamento no falecimento de um dos interessados no inventário, o prosseguimento dos autos estava dependente da respetiva habilitação de sucessores da pessoa falecida (art. 276º, n.º 1, al. a) do CPC) – habilitação essa que tinha que ser promovida, não pelo tribunal, mas por qualquer das partes sobrevivas ou qualquer sucessor (art. 351º, n.º 1, do CPC), e particularmente pela cabeça de casal/inventariante, com interesse ou principal responsável no prosseguimento da ação (especial) de inventário (conforme esta, na pessoa do seu mandatário, não podia deixar de saber).
O Tribunal “a quo”, que nada tinha a ordenar, apenas tinha que aguardar que a habilitação fosse requerida.
Recaindo sobre a cabeça de casal/inventariante e/ou demais interessados o ónus de promover a habilitação de herdeiros, no caso de se depararem com algum obstáculo, competia-lhes disso vir a dar conhecimento ao tribunal, requerendo o que se mostrasse necessário, designadamente a concessão de novo prazo (o que, no caso, não ocorreu).
Aliás, os recorrentes não deixam de reconhecer que “as partes poderiam – e deveriam – ter informado o Tribunal das diligências em curso para efectivação do incidente de habilitação de herdeiros”.
Com efeito, se as partes se encontravam em negociações ou se tinham dificuldades de obter elementos tendentes à celebração da escritura de habilitação de herdeiros tinham que ter exposto esse facto nos autos, já que não atendíveis ocorrências extraprocessuais não invocadas.
Não o fazendo – como assertivamente refere o Mm.º Juiz “a quo” no despacho datado de 22/11/2023 –, é de todo irrelevante ou inócuo virem  «agora alegar que estiveram em negociações, pois nunca prestaram essa informação nos autos.
Pelo que, o despacho proferido em 13/11/2023, limitou-se a especificar que, devido à inércia das partes, a instância era declarada deserta. O referido despacho especifica os fundamentos que justificam a decisão. Fá-lo de forma concisa, é certo, uma vez que a questão não levantava qualquer dúvida».
Como referem A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís F. Pires de Sousa[16], a conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia processual imputável à parte, verificando-se quando “esteja em causa um ato ou atividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores”.
No mesmo sentido, veja-se (sem cariz exaustivo) os seguintes acórdãos do STJ[17] (todos disponíveis in  www.dgsi.pt., salvo menção em contrário):
- de 20/09/2016 (relator José Rainho):
“I. Limitando-se a Autora a fazer juntar ao processo uma certidão de habilitação notarial dos herdeiros de réu falecido, nada promovendo em termos de incidente de habilitação de sucessores, não cumpre o ónus de impulso processual necessário a fazer cessar a suspensão da instância que havia sido declarada.
II. Não competia ao tribunal providenciar oficiosamente, com base em tal certidão, pela habilitação judicial dos sucessores.
III. Não constituindo a dita junção qualquer requerimento inicial, não podia o tribunal convidar ao seu aperfeiçoamento.
IV. Deixando a Autora de impulsionar o processo, por mais de seis meses, através da dedução do processo incidental de habilitação de sucessores, nem tendo apresentado dentro desse período de tempo qualquer razão impeditiva da não promoção, estamos perante uma omissão de impulso a qualificar necessária e automaticamente como negligente, e que implica a deserção da instância.
V. A negligência a que se refere o nº 1 do art. 281º do CPC não é uma negligência que tenha de ser aferida para além dos elementos que o processo revela, pelo contrário trata-se da negligência ali objetiva e imediatamente espelhada (negligência processual ou aparente).
VI. Tal negligência só deixa de estar constituída quando a parte onerada tenha mostrado atempadamente estar impossibilitada de dar impulso ao processo.
VII. Inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes no contexto da deserção da instância com vista a aquilatar da negligência da parte a quem cabe o ónus do impulso processual.”
- de 14/12/2016 (relator Salazar Casanova):
“I - Suspensa a instância por óbito do autor e decorrido o prazo de seis meses em que o processo se encontra a aguardar impulso processual, o Tribunal deve proferir despacho a julgar deserta a instância (artigo 281.º do CPC/2013), não impondo a lei que o Tribunal, antes de proferir a decisão, ouça as partes ou qualquer dos sucessores tendo em vista determinar as razões da sua inércia.”
II - Impendendo sobre as partes que sobreviveram ou qualquer dos sucessores o ónus do impulso processual, cumpre-lhes levar ao processo as circunstâncias que levam o Tribunal a considerar que ocorre situação justificativa de que não se considere verificada inércia negligente (…)»;
- Ac. do STJ de 22/02/2018 (relator Abrantes Geraldes):
“I. Com a notificação ao mandatário constituído pelo A. de que, por motivo do óbito do A., ficaria suspensa a instância, passou a recair sobre os respetivos sucessores o ónus de requererem a sua habilitação (art. 351º, nº 1, do CPC).
II. O decurso do prazo de 6 meses a partir daquela notificação sem que tenha sido requerida a habilitação ou apresentada alguma razão que impedisse ou dificultasse o exercício desse ónus tem como efeito a extinção da instância, por deserção, nos termos do art. 281º, nº 1, do CPC.
III. Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além do mais, recai sobre os sucessores (art. 351º, nº 1, do CPC), em face da clareza quer do início do prazo de 6 meses, quer das respetivas consequências, a declaração de extinção da instância por deserção em tais circunstâncias não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação.
IV. Não tendo sido requerida a habilitação, nem tendo sido indicado qualquer motivo que tivesse impedido ou dificultado o exercício desse ónus no prazo de 6 meses, é de considerar que a inércia é imputável aos sucessores do falecido A.”;
- de 20/04/2021 (relator Pedro de Lima Gonçalves):
«I. Do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil conclui-se que: é necessário que seja proferida decisão sobre a deserção (referindo-se o nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil a “simples despacho”), não ocorrendo, portanto, de forma automática.
II. Não basta o mero decurso do prazo de seis meses para que ocorra a deserção da instância, é necessário, também, apurar-se se o processo está parado por negligência das partes.
III. No que respeita à audição antes de ser proferida a decisão a julgar extinta a instância por deserção, não se encontra qualquer disposição legal que determina essa audição, nem a mesma decorre do princípio do contraditório ou do princípio da cooperação e do dever de gestão processual.
IV. A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes.
V. Não ocorre inconstitucionalidade por violação do princípio do processo equitativo, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva».
- de 02/06/2020 (relator Fernando Samões), proc. n.º 139/15.8T8FAF-A.G1.S1, in ECLI:PT:STJ:2020:139.15.8T8FAF.A.G1.S1:
“I - A deserção da instância, nos termos do art. 281.º, n.º 1, do CPC, depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um de natureza objectiva, que se traduz na demora superior a 6 meses no impulso processual legalmente necessário, e outro de natureza subjectiva, que consiste na inércia imputável a negligência das partes.
II - A parte deve promover o andamento do processo sempre que o prosseguimento da instância dependa de impulso seu decorrente de algum preceito legal ou quando, sem embargo da actuação da parte nesse sentido, recaia também sobre o tribunal o dever de cooperação exercendo o dever de gestão processual em conformidade com o disposto no art. 6.º do CPC.
III - Nos casos em que a suspensão da instância é motivada pelo falecimento de alguma das partes na pendência da acção, o impulso processual depende exclusivamente das partes ou dos sucessores dos falecidos, os quais têm o ónus de requerer a respectiva habilitação.
IV - O decurso do prazo de seis meses após a notificação do despacho que suspendeu a instância por óbito de alguma das partes sem que tenha sido requerida a habilitação ou apresentada alguma razão que impedisse ou dificultasse o exercício desse ónus, tem como efeito a extinção da instância, por deserção, independentemente de a instância também ter sido suspensa com outro fundamento.
V - Constituindo a habilitação de sucessores um ónus que, além destes, recai sobre a parte, em face da clareza do início do prazo de seis meses e das respectivas consequências, a declaração de extinção da instância por deserção não tinha que ser precedida de despacho a indicar tal cominação, inexistindo fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para prévia audição das partes com vista a aquilatar da sua negligência”;
- de 12/01/2021 (relator Acácio das Neves):
Decorridos mais de seis meses sobre a suspensão da instância, motivada pelo falecimento de uma das partes, e sem que tenha sido promovida a respetiva habilitação de herdeiros (ou requerido o que quer que fosse), impõe-se declarar a deserção da instância, nos termos do nº 1 do artigo 281º do CPC, sem necessidade da prévia audição das partes”.
- de 5/05/2022 (relatora Fátima Gomes):
 “I. Declarada a suspensão da instância por óbito de uma das partes passa a recair sobre a parte ou os sucessores da parte falecida, o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como decorre dos art. 276º/1 a) e art. 351º CPC e ainda, art. 3º/1 e art. 5º CPC.
II. Nestas circunstâncias não cumpre ao tribunal promover a audição da parte sobre a negligência, tendo em vista formular um juízo sobre a razão da inércia, por não resultar da lei a realização de tal diligência.
III. A negligência será avaliada em função dos elementos objetivos que resultarem do processo. Recai sobre a parte o ónus de informar o tribunal sobre algum obstáculo que possa surgir.
IV. A declaração de deserção, nos termos do art. 281º/1 CPC, constitui uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo”.
- de 20/06/2023 (relatora Maria João Vaz Tomé):
“I - A deserção da instância não é automática, pressupondo antes um despacho do juiz que tem de apreciar se a ausência de impulso processual se deve à negligência das partes.
II - Tendo sido decretada a suspensão da instância por morte de uma das rés, nos termos dos arts. 269.º, n.º 1, al. a), e 270.º, n.º 1, resulta do art. 276.º, n.º 1, al. a), do CPC, que a suspensão em causa cessa com a notificação da decisão que considere habilitado o sucessor da parte entretanto falecida.
III - Por isso, se a autora não deduziu o incidente de habilitação dos sucessores daquela ré, enquanto parte interessada na cessação da suspensão da instância e no correspondente prosseguimento dos termos ulteriores da ação por si proposta, verifica-se o requisito objetivo (a conduta omissiva da autora durante o prazo de seis meses) da deserção da instância - art. 281.º, n.º 1, do CPC.
IV - No que respeita à questão do preenchimento do pressuposto subjetivo (a negligência da autora nessa conduta omissiva), importa levar em devida linha de conta que a conduta negligente conducente à deserção da instância consubstancia-se numa situação de inércia imputável à parte, ou seja, em que esteja em causa um acto ou actividade unicamente dependente da sua iniciativa, sendo o caso mais flagrante o da suspensão da instância por óbito de alguma das partes, a aguardar a habilitação dos sucessores.
V - Assim, a verificação da negligência da autora dispensa qualquer audição prévia da mesma quanto às eventuais motivações para a falta de impulso processual.
VI - A decisão judicial que declarou a deserção da instância não configura uma decisão surpresa, porquanto desde o momento em que teve conhecimento do despacho que determinou a suspensão da instância, a autora sabia - e não podia deixar de saber - que a verificação da sua inércia durante o período de seis meses conduziria à extinção da instância por deserção”.
- de 31/01/2023 (relator Jorge Dias):
 “I- Do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil conclui-se que é necessário que seja proferida decisão sobre a deserção (referindo-se o nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil a “simples despacho”), não ocorrendo, portanto, de forma automática.
II- Para apurar da ocorrência de negligência das partes, ao juiz compete analisar o comportamento processual das partes no âmbito do processo, isto é, se a parte (ou partes) demonstraram no processo as dificuldades em impulsionar os autos, as diligências necessárias para remover os eventuais obstáculos com que se tem deparado para afastar a causa que levou à suspensão, e, inclusive, solicitar o contributo do tribunal para que as razões impossibilitadoras do prosseguimento normal dos autos sejam afastadas ou se a parte (ou partes) se manteve numa inação total, desinteressando-se do prosseguimento normal dos autos.
III- A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar, pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes.
IV- A instância extingue-se por deserção quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, por negligência das partes”.
- de 7/12/2023 (relator Afonso Henrique):
“I – A deserção da instância exige que a falta de impulso processual decorra da negligência das partes e esta deve ser avaliada casuisticamente.
II – Neste caso, recaia sobre a A. o ónus de providenciar pela habilitação, tendo a sua conduta processual dado origem a uma injustificável paragem do processo susceptível de ser sancionada com a extinção da instância.
III – E o Tribunal não estava obrigado a adverti-la desse seu encargo, nem o devia fazer, à luz dos princípios da autoresponsabilização das partes e da imparcialidade do Juiz”.
A respeito da decisão recorrida ser “[a]bsolutamente omissa, na sua fundamentação, quanto aos factos que justificam a imputação de negligência a qualquer das partes”, constituindo “uma autêntica decisão surpresa” e de que, “na ausência de elementos que justifiquem a qualificação da actuação das partes como negligente, deveria o Tribunal tê-las notificado para se pronunciar sobre a falta de impulso - e a sua justificação – com a expressa advertência das consequências do disposto no art. 281º do CPC”, dir-se-á não se reconhecer razão aos argumentos indicados.
No tocante ao facto de, no despacho que suspendeu a instância, o Tribunal de primeira instância não ter advertido as partes para a cominação prevista no n.º 1 do art. 281° do CPC, importa não deixar de ter presente que as partes, através dos seus mandatários, devem conhecer as disposições legais e os efeitos decorrentes da sua aplicação, motivo pelo qual estão assessoradas em juízo, excepto se o legislador impuser ao juiz que realize uma determinada advertência específica de modo expresso – norma que os recorrentes não indicam ter sido violada[18].
Tendo sido notificado às partes, designadamente ao mandatário da cabeça de casal e ora recorrente, o despacho de suspensão da instância em virtude do falecimento de um interessado, não só se tornou bem claro ser, exclusivo, ónus da cabeça de casal – detendo também legitimidade activa qualquer interessado sobrevivo, bem como qualquer dos sucessores do falecido (art. 351º, n.º 1, do CPC) –, providenciar pela habilitação dos sucessores do interessado falecido como os mesmos não podiam deixar de saber, até porque estão representados por advogado, que, em face da decretada suspensão da instância com o dito fundamento, teriam que providenciar pela dita habilitação dentro do prazo de seis meses estabelecido no art. 281º, n.º 1, do CPC, a fim de impulsionar o andamento dos autos antes de decorrido este mesmo prazo, sem prejuízo de, justificadamente, alegar e provar que não foi possível fazê-lo sem culpa/negligência.
Ora, no caso dos autos, o que resulta é que, desde a notificação do supra referido despacho judicial aos interessados, na pessoa dos seus mandatários, efectuada através do Citius, enviada em 24/04/2023, decorreu o prazo legal máximo de seis meses sem que a cabeça de casal ou qualquer outro interessado com legitimidade tivesse tomado qualquer iniciativa processual ou invocado qualquer motivo justificativo da sua inércia processual, pelo que não poderemos deixar de considerar que tal inação é imputável, em exclusivo, às partes, em especial à cabeça de casal.
Foi precisamente com base neste fundamento que o tribunal de 1ª instância, através de despacho proferido em 13-11-2023, julgou deserta a instância ao abrigo do disposto no art. 281º, n.º 1, do CPC.
Não deixa, contudo, de ser controversa, tal como, aliás, evidencia o presente recurso, a questão de saber se o tribunal, antes de julgar deserta a instância, devia ter promovido a audição da parte omissa, no caso a cabeça de casal e demais interessados sobreviventes, por forma a avaliar se a falta de impulso processual foi devida a negligência sua, pelo que importa tomar posição sobre a mesma.
Mas, a este respeito diremos, perfilhando-se o entendimento seguido no Acórdão do STJ de 14.12.2016 (relator Salazar Casanova) in www.dgsi.pt., não se justificar interpretação corretiva do art. 281º, n.º 1, do CPC no sentido de impor a audição das partes, decorrido o prazo de seis meses  a antes de ser proferida decisão a julgar deserta a instância.
Desde logo porque, tal como se afirma neste acórdão, «o aludido preceito legal não prescreve que a decisão a considerar deserta a instância seja proferida, notificando-se previamente as partes para se pronunciarem sobre se estão efectivamente verificados os pressupostos que a determinam».
Depois, porque «não se vê que este entendimento não seja razoável ou desproporcionado ou que o prazo não seja suficientemente amplo para viabilizar aos interessados o conhecimento de que os autos estão suspensos para poderem levar ao tribunal o conhecimento de situações que justifiquem manter-se a suspensão da instância para além do referido prazo» e porque «se a lei aqui não cuidou de impor a prévia audição das partes foi porque considerou que a fixação peremptória da deserção da instância nos termos assinalados a impor, no caso de inércia, a prolação de decisão leva a que esta não possa considerar-se inesperada ou surpreendente».
E ainda porque «o princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal, no âmbito de um incidente inominado que não está previsto na lei, convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram».      
De igual modo e sufragando-se a orientação seguida no Acórdão do STJ de 20.09.2016 (relator José Rainho), in  www.dgsi.pt., importa realçar que a negligência de que fala o citado art. 281º, n.º 1, do CPC «é necessariamente a negligência retratada ou espelhada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente)», pelo que, «se a parte não promove o andamento do processo e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que inculque a ideia de que a inacção se deve a causas estranhas à vontade da parte, está apoditicamente constituída uma situação de desinteresse, logo de negligência». 
Quando não se suscitem dúvidas sobre a necessidade de impulso processual ou sobre as consequências da sua inércia, a deserção da instância deve ser declarada a partir da mera observância dos elementos conferidos pelos autos[19].
Conforme supra referido, resultando da matéria de facto provada que, no caso vertente, a cabeça de casal e os demais interessados deixaram decorrer o prazo legal máximo de seis meses estipulado no art. 281º, n.º 1, do CPC sem ter providenciado pela proposição do incidente de habilitação de sucessores e sem ter levado ao conhecimento do Tribunal nenhum elemento que permitisse ao juiz do processo contrariar esta situação de negligência aparente espelhada no processo, nomeadamente de alegadas diligências extra-processuais em curso para a propositura do incidente de habilitação, dúvidas não restam que ao Tribunal impunha-se declarar o efeito cominatório resultante do incumprimento do ónus especial de impulso processual que sobre eles recaía e que, no caso, consiste na deserção da instância.
Conclui-se, assim, que o despacho recorrido de deserção da instância não constitui qualquer decisão surpresa, nem carecia de prévia audição das partes antes de ser prolatado, não enfermando de qualquer nulidade, porquanto decorreu o prazo de seis meses sem que os interessados, por negligência, tivessem promovido a habilitação dos sucessores do interessados falecido, bem sabendo que a instância se encontrava suspensa com fundamento no falecimento do interessado FF, verificando-se os pressupostos previstos no n.º 1 do citado art. 281.º para a deserção da instância.
A decisão recorrida merece, assim, plena confirmação, improcedendo as conclusões dos apelantes.
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As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade dos recorrentes, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
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Síntese conclusiva (art. 663º, n.º 7, do CPC):

I. Declarada a suspensão da instância por óbito de um interessado no inventário passa a recair sobre os interessados sobrevivos ou sobre os sucessores do falecido o ónus de promover a habilitação dos sucessores, como decorre dos arts. 276º, n.º 1, al. a) e art. 351º, 3º, n.º 1, e 5º, todos do CPC.
II. No contexto da deserção da instância, inexiste fundamento legal, nomeadamente à luz do princípio do contraditório, para a prévia audição das partes com vista a aquilatar da negligência da parte sobre quem recai o ónus do impulso processual.
III. A negligência a que se refere o art. 281º, n.º 1, do C. P. Civil, é a negligência retratada objectivamente no processo (negligência processual ou aparente).
IV. Se a parte não promove o incidente de habilitação de sucessores e nenhuma justificação apresenta, e se nada existe no processo que aponte no sentido de que a inacção se deve a causas estranhas à vontade da parte, tal é suficiente para caracterizar a sua negligência.
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VI. - DECISÃO

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo dos recorrentes (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 11 de abril de 2024

Alcides Rodrigues (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Alexandra Rolim (2ª adjunta)


[1] Cfr. Ac. do STJ de 3/05/2018 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
[2] Cfr. Ac. do STJ de 8/03/2018 (relatora Maria Rosa Oliveira Tching), in www.dgsi.pt.
[3] O juiz só teria necessidade de declarar que a instância se extinguiu se, porventura, depois da deserção alguma das partes requeresse algum termo do processo; nesse caso, indeferiria o requerimento - cfr. Ary de Almeida Elias da Costa, Fernando Carlos Ramalho da Silva Costa, João A. Gomes Figueiredo de Sousa, Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 3º vol., Almedina, 1974, p. 597.
[4] Cfr. o citado Ac. do STJ de 8/03/2018 (relatora Maria Rosa Oliveira Tching), in www.dgsi.pt., que cita o Ac. do STJ de 25/02/2018 (revista nº 473/14.44T88CR.L1.S2, relatado por Abrantes Geraldes), não publicado.
[5] Cfr. Ac. da RP de 2/02/2015 (relator Manuel Domingos Fernandes) e Ac. da RC de 17/05/2016 (relator Fonte Ramos), disponíveis in www.dgsi.pt.
[6] Cfr. Ac. da RL de 26/02/2015 (relatora Ondina Carmo Alves), in www.dgsi.pt.
[7] Contudo, no âmbito do processo executivo, a deserção da instância opera automaticamente – independentemente, portanto, de qualquer decisão judicial que a declare (n.º 5 do art. 281º do CPC) –, se bem que ela não se basta com a mera circunstância de o processo estar parado ou não apresentar qualquer movimento processual durante mais de seis meses; para que tal deserção se tenha por verificada, será ainda necessário que essa circunstância se deva a uma falta de impulso processual que possa ser imputada a negligência das partes - cfr. Acs. da RC de 20/09/2016 (relator Fonte Ramos), de 14/06/2016 (relatora Maria Catarina Gonçalves) e de 4/04/2017 (relator Luís Filipe Cravo), todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[8] Cfr. O Julgamento da Deserção da Instância Declarativa, Breve Roteiro Jurisprudencial, p. 6, in http://julgar.pt/wp-content/uploads/2015/04/O-JULGAMENTO-DA-DESERÇÃO-DA-INSTÂNCIA-DECLARATIVA-JULGAR.pdf.
[9] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I - Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, p. 330.
[10] Cfr. Acs. do STJ de 22/02/2018 (relator Abrantes Geraldes), de 5/07/2018 (relator Abrantes Geraldes) e de 20/09/2016 (relator José Rainho), in www.dgsi.pt.
[11] Cfr. Ac. do STJ de 3/05/2018 (relator Manuel Tomé Soares Gomes), in www.dgsi.pt.
[12] Cfr. Código do Processo Civil Anotado, Alberto dos Reis, Vol I, 3ª ed., 1982, p. 399.
[13] Cfr., neste sentido, Ramos de Faria, estudo citado, pp. 13/14; Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. I, 2ª ed., Almedina, p. 617; Ac. da RL de 20.12.2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa) e Ac. da RP de 4/02/2019 (relatora Fernanda Almeida), in www.dgsi.pt.; em sentido contrário, propugnando pelo alcance constitutivo da sentença de deserção, Ac. da RG de 30/04/2015 (relator Estelita Mendonça) e o Ac. da RC de 17/05/2016 (relator Fonte Ramos), disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] Cfr. Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, Almedina, p. 431.
[15] Cfr. Ac. da RL de 20.12.2016 (relator Luís Filipe Pires de Sousa), in www.dgsi.pt. e Ramos de Faria, estudo citado, p. 15.
[16] Cfr., obra citada, p. 329.
[17] Restringindo a enunciação jurisprudencial a situações que apresentam paralelismo fáctico com a que nos é agora trazida em recurso: falecimento de parte; suspensão da instância por despacho; decurso de mais de 6 meses sem junção de habilitação de herdeiros; despacho de deserção da instância, sem prévia audição das partes.
[18] Cfr. Ac. do STJ de 5/05/2022 (relatora Fátima Gomes), in www.dgsi.pt.
[19] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, obra citada, p. 330.