Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3721/12.1TBVCT.G1
Relator: FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: ACTO MÉDICO
OBRIGAÇÃO DE MEIOS
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/01/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) Tem-se vindo a entender que a responsabilidade civil decorrente da defeituosa prestação de serviços médicos se pode assumir como um concurso de responsabilidade civil contratual – incumprimento ou cumprimento defeituoso de um contrato de prestação de serviços médico-paciente – e de responsabilidade civil extracontratual, fundada na violação dos direitos subjetivos da paciente à integridade física e moral, ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação;
2) Admite-se o cúmulo das duas responsabilidades, podendo o lesado escolher a que mais lhe convém ou aproveitar de cada regime as soluções mais vantajosas para os seus interesses;
3) A obrigação do médico, no âmbito da sua relação contratual, direta ou indireta, com o doente traduz-se numa obrigação de meios e não de resultado;
4) Todos os pressupostos da responsabilidade civil, à exceção do atinente à culpa, em face da presunção de culpa a que alude o artigo 799º do Código Civil, é ao credor que incumbe o ónus de alegação e prova, designadamente e também o da ilicitude do não cumprimento;
5) Não se provando a ilicitude da conduta dos réus, tanto basta para que se não verifique a chamada perda de chance.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) AA veio intentar ação com processo comum, na forma ordinária contra:
1. Hospital Particular de ..., Lda,
2. BB, médico,
3. CC, mais bem identificada como CC, médica,
4. J..., Lda, e,
5. DD, mais bem identificado como DD, médico radiologista,
onde conclui pedindo que a ação seja julgada provada e procedente e consequentemente,
Serem os réus condenados solidariamente a indemnizar a autora pela quantia de €551.546,34, acrescida de juros de mora desde a citação, até integral pagamento;
Para tanto alega, em síntese, ter existido omissão, relativamente a si, de cuidados médicos no diagnóstico e subsequente tratamento, omissão essa que decorreu dos 2º e 3º réus que, assistindo a autora durante o internamento na 1ª ré, constatando as suas queixas e os exames que indiciavam a presença de patologia inflamatória/infeciosa na coluna dorsal, não procederam como lhes era exigível, para o diagnóstico e tratamento da inflamação na zona dorsal, mais concretamente a deteção e tratamento tempestivo da “discite dorsal” que a afetava.
Entende, assim, que no caso ocorreu cumprimento defeituoso da prestação da 1ª e 4ª rés que não prestaram à autora os serviços a que estava obrigada, serviços esses que eram os adequados a evitar os danos sofridos.
Os 2º, 3º e 5º réus, individualmente, omitindo o seu dever de zelo médico a que estavam obrigados, são solidariamente responsáveis pelos danos que advieram à autora do seu comportamento profissional, procedendo com ligeireza no zelo médico que lhes era exigível. São por isso responsáveis pela atuação omissiva ilícita e culposa que foi direta e adequadamente determinante para a verificação dos danos que a autora sofreu, ao não diagnosticar e tratar em tempo útil a mesma, com violação grave e irreversível do direito desta à integridade física, tutelado pelo art.º 70º nº 1 do Código Civil.
Em consequência da atuação dos réus a autora ficou paraplégica, tendo sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais, que liquidou em €551.546,34, sendo:
a) €250.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos e a sofrer até ao fim da vida;
b) €100.000,00 do dano biológico emergente da sua IPG de 80 pontos;
c) €15.000,00 do dano estético;
d) €36.546,34 de despesas médicas, hospitalares, lares, ajudas técnicas, consultas, deslocações e medicamentos;
e) Despesas futuras com médicos, hospitalares, lares, ajudas técnicas, consultas, deslocações e medicamentos.
*
Pelos réus Hospital Particular de ..., Lda, BB e CC foi apresentada contestação e deduzida a intervenção principal provocada das seguradoras A..., Companhia de Seguros, SA e L..., Companhia de Seguros, SA, onde concluem entendendo que:

- Deve a presente ação ser julgada não provada e improcedente, com todas as legais consequências.
- De qualquer modo ainda que, por absurdo – que não se concede – assim não acontecesse, sempre deveria ser substancialmente reduzido o montante indemnizatório pedido pela autora.
Por outro lado, deve ser admitido, julgado procedente e provado o presente incidente de intervenção principal provocada das seguradoras:
- “A...”, Companhia de Seguros, S.A., com sede na Rua ..., ... Porto;
- L..., Companhia de Seguros, S. A., com sede na Rua ..., ... ...;
para nos presentes autos ocuparem posição coincidente e paralela à dos contestantes e com elas, prossigam seus termos até final, seguindo-se o disposto nos artigos 326º, do Código de Processo Civil.
Para tanto impugnam os factos alegados pela autora, entendendo que, ainda que alguma omissão responsabilizasse os contestantes - o que não sucedeu e não se concede - não existe certeza do dano (a paraplegia) como resultado causal adequado da conduta dos contestantes.
*
O réu DD apresentou contestação onde conclui entendendo que deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada, com todas as legais consequências.
Por outro lado, deve ser admitido, julgado procedente por provado o incidente de intervenção principal provocada da A..., Companhia de Seguros, SA com sede na Rua ..., Porto, nos presentes autos.
Para tanto o réu impugnou os factos alegados pela autora e alega que nenhuma responsabilidade pode ser atribuída ao réu pelo dano verificado.
*
Por sua vez a ré J..., Lda, apresentou contestação onde conclui entendendo que deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada, com todas as legais consequências.
Entende ainda que deve ser admitido, julgado procedente por provado o incidente de intervenção principal provocada da A... com sede no Largo ..., ... em ..., para intervir nos presentes autos.
A ré apresentou contestação onde impugna os factos alegados pela autora, entendendo que nenhuma responsabilidade pode ser atribuída à ré.
*
A autora deduziu réplica onde conclui entendendo que devem improceder as exceções invocadas, admitir-se a ampliação da causa de pedir admitir-se a retificação dos lapsos de escrita referidos, seguindo-se os ulteriores trâmites legais.
*
Por despacho de fls. 480 foi admitida a intervenção acessória das companhias de seguro L..., A... e A... que apresentaram, respetivamente, os articulados de fls. 489 e segs, 508 e segs e 527 e segs.
*
A autora AA, a fls. 679 e segs, deduziu articulado superveniente e ampliação do pedido em €19.183,47 relativos a despesas com mais consultas e ajudas técnicas até 15/10/2014.
Na audiência prévia realizada em 26/3/2015, ampliou ainda a autora o pedido em mais €5.138,54 de despesas médicas e com ajudas técnicas entretanto despendidas, elevando o valor do pedido nessa rubrica para €60.868,35.
*
Foi elaborado despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
*
Em .../.../2019 ocorreu o falecimento da autora tendo-se julgado habilitados como herdeiros da autora AA, EE, FF, GG e HH.
*
A fls. 1565 e segs, os autores habilitados vieram apresentar requerimento de redução do pedido para a quantia de €194.339,53 acrescida de juros de mora, sem prejuízo da redução dos valores recebidos da ADSE nos anos de 2012 a 2019, cujo montante os autores não lograram obter da ADSE à data da redução.

A redução do valor para €194.339,53 compreende os seguintes itens:
a) €75.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos e a sofrer até ao fim da vida;
b) €50.000,00 Dano biológico emergente da sua IPG de 80 pontos;
c) €15.000,00 dano estético;
d) €54.339,53 de despesas médicas, hospitalares lares ajudas técnicas, consultas, deslocações e medicamentos até à data do falecimento e que resulta do montante de €60.868,35 deduzido das comparticipações da ADSE nos anos de 2009 (€340,94), 2010 (€1.231,29) e 2011 (€4.956,59), num total de €6.568,82;
*
Procedeu-se a julgamento e foi proferida sentença que decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolver os réus dos pedidos.
*
B) Inconformados com a sentença proferida, vieram os autores EE, FF, GG e HH interpor recurso (fls. 1615 e segs.), o qual foi admitido como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo (fls. 1759).
*
C) Nas alegações de recurso dos apelantes EE, FF, GG e HH, são formuladas as seguintes conclusões:
1) Nestas ações assiste ao Tribunal considerar, na própria avaliação da prova, as naturais dificuldades da sua realização e de, nessas circunstâncias, julgar suficiente uma prova que, noutra situação, não seria suficiente para a prova do facto, não se exigindo a prova de uma absoluta certeza, que uma atuação médica de outra natureza teria logrado evitar ou atenuar o resultado danoso verificado;
2) Deve ser alterada decisão quanto à matéria de facto no que respeita ao ponto 2.1 dos factos não provados, acrescentando-o aos factos provados com fundamento desde logo no depoimento do réu Dr. BB, passagem de 01:00:50.09 a 01:01:15.17, os registos clínicos de fls. 62 e 64 no registo pelos 2º e 3ª réus das queixas da constatação do seu reflexo no posicionamento da doente e na alegada atuação terapêutica, os registos do diário clínico de fls. 71 a 74, registos de enfermagem de fls. 81 a 105, onde estão exaustivamente documentadas e acima discriminadas em transcrição os inúmeros registos que espelham a frequência das queixas e os registos de terapêutica de fls.107 e 109 com as prescrições das injeções de “TRAMAL” ainda que não completos como veremos adiante;
3) A este respeito ainda o depoimento do autor/habilitado EE, depoimento prestado na sessão de dia .../.../2021, marido da autora e que tendo acompanhado a falecida mulher em permanência descreve nas passagens de 00:07:56.11 a 00:10:07.06, de 00:10:20.08 a 00:12:23.01 e de 00:18:29.28 a 00:20:11.13 acima transcritas, as persistência e agravamento queixas de dor que motivaram o internamento, a forma como eram debeladas com injeções sem o estudo da causa e a diferença entre o estado à entrada e o estado à data da alta;
4) Por isso, deve o facto em causa ser aditado aos factos assentes com um retificação restritiva quanto ao “Durante o internamento no 2 réu, a autora apresentou-se várias vezes queixosa das costas com irradiação para a zona abdominal, referindo as enfermeiras pelo menos por duas vezes a especifica “zona dorsal” posicionando-se no leito em posição antiálgica de decúbito dorsal ou decúbito lateral direito, sendo medicada com "TRAMADOL" sempre que tinha dores, o que ocorreu pelo menos em 8 dias do internamento”.
5) Deve o concreto ponto de facto nº 2.2 dado como “não provado” ser removido do elenco dos factos “não provados”, e ser um novo aditado aos factos provados com a seguinte redação: “Devido às dores e sofrimento de que se queixava, deixou de se alimentar convenientemente muitas vezes não comendo, ou comendo pouco, pelo que, nos meses de novembro e .../.../2009 perdeu 17 Kgs de peso”;
6) A alteração funda-se nos seguintes meios de prova não valorados devidamente pela Mmª Juiz a quo, desde logo, ofício de Unidade de Saúde ..., ref Citius ...43 de 23/9/2016 - registos Hospital ... – “após cirurgia evoluiu nos últimos 2 meses com dores ósseas…refere perda de 17kgs no período”, complementado com os registos clínicos de fls. 83, 84, 88, 89, 91, 92, 93 e 94 com sistemáticas referências a “falta de apetite”, apenas se referindo que se alimentou “bem” a fls. 95 a 98 de 13/12 a 16/12, compatibilizado com o depoimento do autor EE, prestado na sessão de dia 28/5/2021, acima referido, passagem de 00:20:23.20 a 00:21:10.12;
7) Deve ser alterado para “provado”, o facto alegado em 12º da PI e levado ao ponto 2.4 dos factos não provados com fundamento desde logo na abundante prova documental nesse sentido Além das referências supra à posição de decúbito lateral e queixas de dores nas costas (lombar e dorsal), fls.84, 87, 88, 90, 91, 96 e 97, indica-se agora nos mesmos registos a referência à astenia quase permanente da A. – “pálida e asténica” (fls.83 - 4/12), “asténica” (4-5/12/2009), “asténica e ansiosa” (fls.84 - 5/12/2009), “aparentemente debilitada, pálida” (fls.87 - 7/12/2009) fls. 90 “permanece no leito grande parte do turno” (fls. 90 - 9/12/2009), “permaneceu em repouso no leito” (fls.91 - 9/12/2009), “doente colaborante, asténica” (fls.91 - 10/12/2009), “asténica” (fls.92 - 11/12/2009), “doente calma, pouco colaborante, asténica” (fls.94 - 12/12/2009); “doente consciente, orientada, calma e colaborante, asténica” (fls.94 – 12-13/12/2009); “mantém asténia” (fls.95 – 13-14/12/2009); “mantém astenia, palidez e algo de desequilíbrio na marcha” (fls.96 – 14/12/2009); “mantém tendência hipotensiva” (fls.98 – 16/12/2009); “doente asténica e com desorientação (perda de desequilíbrio na marcha. auxiliada” (fls.98 – 16/12/2009); tendência hipotensiva” (fls.99 –16/12/2009); “tendência hipotensiva” (fls.99 –17/12/2009); “doente consciente, orientada, com palidez mucocutânea e asténica com algias ligeiras na região dorsal” (fls.100 – 17-18/12/2009); “palidez mucocutânea e asténica” (fls.101 – 18/12/2009); “palidez mucocutânea e asténica” (fls.102 – 19/12/2009); “astenia, palidez e desequilíbrio na marcha” (fls.102 – 20/12/2009); “palidez mucocutânea e astenia” (fls.104 – 22/12/2009);
8) Esta prova documental, é corroborada com o depoimento do autor EE, prestado na sessão de dia 28/5/2021, passagem de 00:16:08.22 a 00:20:11.13, na qual com razão de ciência de quem sempre acompanhou o internamento confirma a factualidade espelhada na documentação clínica acima referida;
9) Deve ser alterado para “provado”, o facto alegado em 14º da PI e levado ao ponto 2.5 dos factos não provados com fundamento na apreciação conjugada do diário clínico a fls. 73 que inicia logo no dia 6/12 “refere novas dores lombares/abdominais” o que determina o pedido de RMN Lombar, com os registos de enfermagem de fls.86, no mesmo dia, “dores abdominais com irradiação para a região lombar, foi-lhe administrado tramal” e após o exame de RMN “sobe pós-exame complementar com algias lombares, dado tramal s/c. Ag”
10) Este facto além dos registos supra, é ainda confirmado no depoimento do 2º réu BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020 acima já referido passagem de 01:25:55.21 a 01:26:00.26 acima transcrita.
11) Devem ser alterados para “provados” os factos constantes dos pontos 2.6, 2.7 e 2.8 da sentença, tratando-se de factos encadeados entre si, e em que os meios de prova que justificam a alteração serem os mesmos, desde logo, o depoimento do autor EE, depoimento prestado na sessão de dia 28/5/2021, passagem de 00:50:24.23 a 00:54:16.00, que descreve a indicação nesse sentido colhida junto do neurocirurgião Dr. II, depoimento prestado na sessão de dia 29/6/2021, com início pelas 14:08:22 horas e términus pelas 15:29:18 horas que depois no depoimento se remeteu ao silêncio do esquecimento;
12) Além disso, os exames de fls. 123, 126, 129, 130, 131 e 132, exames e relatórios da RMN lombar de 7/12/2009, e TACs de 3/12/2009, 11/12/2009 e 21/12/2009, exames sem informação clínica e com a alusão a fls. 123 de que se procuravam metástases ósseas, o que justificava a atenção especial para qualquer “anomalia”, e o Parecer do CML de 23/5/2018 – refª CITIUS de 19/6/2018 – fls.1449 e segs, nas resposta aos primeiros quesitos de 1º a 3º quanto à exigência de informação clinica (que não existia), 20º, 24º e 25º a respeito do dever do radiologista em relatar e estudar tudo que seja “anormal”, 29º onde reconhecem anomalias nas vertebras dorsais ainda que não sendo “evidente” a patologia discite em D10-D11, deveriam ser mandado repetir o exame de forma mais focalizada;
13) A este respeito ainda o - Parecer do Professor Dr. JJ a pedido do ... – junto com o requerimento refª CITIUS nº ...27 de 28/4/2014 – Fls. 605 a 607 que, também ele detetou as referidas “anomalias” que no seu entender eram “passiveis de serem interpretadas como tradutoras de espondilodiscite”, recursos probatórios bastantes para que estes factos destes três pontos, transitem para os factos provados;
14) Devem ser alterados para “provados” os factos 2.9, 2.10, 2.11, 2.12 e 2.13 dos factos dados como “não provados”, com fundamento desde logo na prova documental de onde se retiram as referências aí vertidas dos marcadores analíticos, de fls. 111 a 116 as análises do dia 3/12/2009 em colheita efetuada nessa data e deles se retiram os valores alegados no ponto 2.10; de fls. 117 a 118 as análises pedidas no dia 9/12/2009 e deles se retiram os valores elevadíssimos e muito acima dos limites de referência em marcadores de inflamação e infeção (velocidade de sedimentação 1ª hora – 89mm (quando o máximo de referencia é 15), Proteína “c” reativa – 111,2 mg/l (quando o máximo de referencia é 5.0); a fls. 119 com hemograma a revelar anomalia na fórmula leucocitária – 10,37 e de fls. 120 a 118 as análises do dia 17/12/2009 das quais se retiram os valores ainda elevadíssimos e muito acima dos limites de referência em marcadores de inflamação e infeção (velocidade de sedimentação 1ª hora – 62mm (quando o máximo de referência é 15) Proteína “c” reativa – 49,6 mg/l (quando o máximo de referencia é 5.0);
15) E se essa prova documental se acrescentar que desde o dia .../.../2009 até à alta do internamento no dia 22/12/2009, a AA esteve permanentemente medicada de 8/8 horas com antibiótico de largo espectro “IMIPNEM” (também designado “TIENAN”) – cfr. fls. 70, 108 e 110 – o que permite a conclusão que o processo infecioso resistia ao antibiótico mesmo ao fim de 10 dias;
16) Por fim e ainda a respeito destes pontos de facto e da interpretação que neles se faz dos valores em causa, depoimento do réu Dr. BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020, passagem de 01:15:39.20 a 01:19:32.24 de 01:19:05.21 a 01:19:32.24, e depoimento da testemunha Dr. KK, depoimento prestado na sessão de dia 29/6/2021, passagem de 00:10:00.24 a 00:11:40.02 e depoimento do Prof. Dr. JJ, depoimento prestado na sessão de 25/11/2020, passagem de 01:42:57.17 a 01:45:40.13;
17) Devem ser alterados para “provados” os factos 2.14 e 2.15 dos factos dados como “não provados”, com fundamento desde logo no depoimento do autor EE, prestado na sessão de dia 28/5/2021, acima referido, passagem de 00:23:26.23 a 00:24:55.00 da gravação, depoimento nesta parte confirmado pelo Dr. BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020, passagem de 01:20:28.09 a 01:21:41.02);
18) Devem ser alterados para “provados” os factos alegados em 33º e 34º da PI e remetidos aos pontos 2.17 e 2.18 dos dados como não provados, este último com a redação com que foi alegado na PI e suja parte a carregado nosso foi suprimida na sentença com fundamento, desde logo, no depoimento confessório a tal respeito do réu Dr. BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020, passagem de 01:23:31.08 a 01:25:24.15, dele se retirando que os 1º, 2º e 3º réus tinham possibilidades de levar a cabo o exame em causa cuja eficiência o próprio reconhece para a deteção de metástases, e bem assim para a deteção atempada da espondilodiscite;
19) Ademais, uma das suspeitas do internamento era uma eventual recidiva do problema oncológico pulmonar a que a autora tinha sido operada em outubro, preocupação bem expressa no relatório da RMN lombar de fls.123, o que revela não só a recomendação da realização do exame, como, a concretizar-se, a deteção atempada da infeção, permitindo o seu tratamento;
20) Devem ser alterados para “provados” os factos 2.19 e 2.21 dos factos dados como “não provados” já que, do dia 11/12/2009 a 20/12/2009, após 15 dias ininterruptos de antibiótico, a referência ao “pequeno foco de consolidação” desaparece na TAC de 20/12/2009 (fls.131) e a conclusão é de que a Senhora D. AA tinha tido melhoria estando tratada e tendo alta quando na realidade não estava, da razão principal do internamento – as dores por estudar e detetar a causa, com frequentes referências às costas o que se extrai de fls. 62, 64, 73, 108 e 110;
21) Como já vimos acima nos pontos B.3 e B.4) - pontos de facto não provados 2.4 e 2.5 da sentença – foi até no final do internamento – entre os dias 14 e 20 de dezembro, que surgem nos registos de enfermagem (fls. 96 a 102) sucessivas indicações de queixas de dor da autora quer generalizadas, quer especificadas pela primeira vez na zona “dorsal” ou dorsalgias (fls. 98 e 100), e bem assim as menções a perdas de equilíbrio na marcha, sugerindo compromisso neurológico (fls.96 – 14/12/2009; fls.98 –16/12/2009 e fls.102 – 20/12/2009), sem que fosse efetuado qualquer exame pelas especialidades de ortopedia, neurologia, sem que fossem efetuados os exames de hemoculturas pedidos em todo o internamento e, sobretudo, sem que fosse estudada imagiologicamente a coluna dorsal, onde se repetiram queixas localizadas com precisão nos dias 16 e 17 de dezembro (fls. 98 e 100);
22) A respeito ainda destes dois pontos de facto, não valorou convenientemente a Mmª Juiz a quo, e quanto à caracterização e tempo de evolução da doença, os documentos de fls. 148 e 151 – registo clínico do Hospital ... com o diagnóstico de espondilodiscite D10-D11 na sequência de paraplegia em 9 de janeiro de 2010, os documentos de fls. 134 a 139 – estudo de ... sobre o tempo de evolução da doença entre 75 a 90 dias e o Parecer do Professor Dr. JJ a pedido do ... – junto com o requerimento refª CITIUS nº ...27 de 28/4/2014 – Fls. 605 a 607 onde confirma que durante o internamento a patologia estava presente na paciente e em evolução, a qual os réus não lograram fazer o diagnostico atempado, indicando mesmo que foi ali que foi omitido o estudo imagiológico decisivo para o diagnóstico atempado da infeção, complementado com o depoimento em audiência desta testemunha prestado na sessão de 25/11/2020 nas passagens de 00:55:05.28 a 00:55:37.15 e de 00:51:33.28 a 00:51:48.27, esta última onde descreve os sintomas da doença que estavam comprovados nos registos clínicos de fls. 71 a 105;
23) Por fim, e ainda a respeito destes pontos de facto o depoimento confessório do 2º réu Dr. BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020 - Passagem de 01:59:27.16 a 02:00:10.20 - a reconhecer a presença da patologia de discite na coluna da autora durante o período de internamento e como até refere que esteve perto de a diagnosticar o que só não aconteceu …” porque a imagem não chegou lá”;
24) Este depoimento de parte, Dr. BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020 absolutamente esclarecedor porque prestado na primeira pessoa pelo médico que dirigiu e acompanhou o internamento da autora foi merecedor de um incompreensível silêncio pela Mmª Juiz a quo – que nem sequer o refere na fundamentação - não podendo deixar de ser apreciado pelos Senhores Desembargadores de forma a suprir essa incompreensível omissão da primeira instância;
25) Ainda nestes dois pontos de facto, afigura-se não valorizou a Mmª Juiz a quo o depoimento da testemunha Dr. KK, depoimento prestado na sessão de dia 29/6/2021, passagem de 00:08:56.26 a 00:10:16.01, médico especialista que avaliou a autora e tendo acesso à documentação clinica explicou de forma esclarecida o tempo de evolução da doença e a certeza da sua presença no internamento, quer pelos marcadores da infeção com que foi dada alta e o curto período de 15 dias entre a alta e a constatação da paraplegia (estado final da doença);
26) Em contraposição, valorou a Mmª Juiz a quo, salvo devido respeito desmerecidamente, o parecer do Conselho Médico Legal, no relatório inicial de fls. 1449 e segs e aditamentos de esclarecimentos de fls. 1493 e segs e 1511 e segs quando este além de estar elaborado com erros elementares de facto condicionantes das suas conclusões, foi sendo corporativamente ajustado perante a evidenciação desses erros, apresentando conclusões (não ter elementos para concluir pela presença da discite no internamento) quando é o próprio segundo réu, como vimos, que o admite;
27) No relatório inicial de fls. 1449 e segs depois de responder na resposta ao quesito 16 que a região dorsal deve ser explorada na presença de queixas dolorosas na região dorsal, responde no quesito 23º, contra todas as evidências, que não existiam elementos para concluir pela presença da espondilodiscite durante o internamento, o que, já vimos, contraria a confissão do 2º réu médico assistente, o parecer e depoimento do Prof. JJ acima referidos;
28) O parecer reflete e exprime a postura evasiva do seu autor com a especialidade de neurologia Prof. Dr. LL, do Conselho Médico Legal, esclarecimentos prestados na sessão do dia 22/10/2020, na passagem de Passagem de 01:06:59.13 a 01:09:27.21 onde foge à questão do tempo de evolução da doença que conduz concludentemente em sentido contrário, como o afirmaram sem qualquer hesitação as testemunhas Dr. KK, Professor Dr. JJ e o próprio 2º réu BB;
29) Este perito/conselheiro no mesmo depoimento, confrontado com a absoluta ausência de sintomas de pneumonia, acaba mesmo por o colocar em causa na passagem de 01:03:49.28 a 01:05:25.24, tornando incongruente o seu parecer quando referia que teriam atuado bem os réus acertando no diagnóstico;
30) E, deixa reforçada essa incongruência quando constata a deterioração da condição clínica da paciente, nas queixas de “dores” e perdas de equilíbrio registadas de 16/12 a 20/12 e que motivam que ela tenha que ser medicada com injeções de “Tramal” até na noite anterior à alta, quando estava há mais de 10 dias com antibiótico que, segundo o mesmo debelara a infeção respiratória e urinária;
31) Quanto ao segmento da atenuação na dor com a aplicação do "TRAMADOL" e contida com a prescrição de antibiótico "TIENAM" desde o dia .../.../2009 até ao dia da alta, 22/12/2009, os meios de prova são documentais - registo da prescrição clínica de fls. 105 a 110 e registos de enfermagem de fls. 87 a 103 – complementado com o depoimento do réu Dr. BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020 passagem de 01:00:50.09 a 01:01:15.17, que no conjunto impõem a alteração do decidido quanto a estes dois pontos de facto – 2.19 e 2.21 que devem ser alterados para “provados”;
32) Deve ser alterada a decisão quanto à matéria de facto no que respeita aos pontos 2.20 e 2.22 dos factos não provados, desde logo pela reapreciação do parecer do Conselho Médico Legal acima já referido e complementado pelos esclarecimentos dos peritos que, como referimos detalhadamente padece de falta de rigor (erros de facto determinantes) e de evidente incoerência;
33) Erros de facto desde logo quando referem na resposta aos quesitos 1), 2) e 3) formulados pelo réu DD que a apreciação da correção de um exame de imagem defende da delimitação da zona a explorar e da suspeita clínica constantes da prescrição, e se constata do processo clínico junto de fls. 60 a 133 a ausência das requisições ou prescrições clínicas, e consequentemente a omissão em todos os relatórios da informação clinica da requisição – cfr. fls. 123, 129, 130 e 131 – salientando-se a incongruência da conclusão da correção dos relatórios desprovidos desse elemento essencial – segundo os próprios peritos – para a apreciação da sua adequação;
34) Outro erro de facto foi cometido no relatório inicial na resposta ao quesito 10 onde é negada a existência de queixas na zona dorsal quando esta afirmação está comprovadamente errada e contrariada pelos nos registos de enfermagem onde estão documentadas queixas dolorosas, especificadamente, na zona DORSAL, no dia 16/12/2009 pelas 6h a fls. 98 (“queixas a nível da região lombar e dorsal”) e de novo, na noite de 17 para 18/12/2009 logo ao início do turno onde apenas é especificamente referida uma zona anatómica: “queixas álgicas ligeiras na região dorsal” – fls.100.
35) Outro erro de facto que inquina o “parecer” surge quando este refere que só houve queixas dolorosas durante o internamento nos dias 3, 4, 6 e 8 o que dá nota de uma desatenção inaceitável dos Senhores Peritos/Conselheiros perante os registos acima transcritos de fls. 92, 95, 97, 98, 100, 101, 102, 104, o relato de queixas de dor da autora AA entre os dias 11/12/2009 e 21/12/2009 com, pelo menos, 11 registos de queixas álgicas da paciente, todas elas posteriores ao dia 8 de dezembro e com a particularidade de revelarem que quanto mais evoluía o internamento, apesar de sujeita a antibiótico desde o dia .../.../2009, o quadro doloroso da autora aumentava (este erro é reiterado na resposta ao quesito 11 dos esclarecimentos de fls. 1493 e segs);
36) Ainda outro erro de desatenção factual e que inquina as conclusões do parecer está na resposta dada na resposta dada ao quesito 12, onde é referido que “apenas” foi usado “Tramal no combate à dor nos dias 5, 6, 7, 15 e 16, quando se constata do “registo de terapêutica” constante de fls. 109, que os Senhores Peritos/Conselheiros omitem a aplicação de TRAMAL registada no dia 21/12/2009, precisamente no dia imediatamente anterior à manhã da alta, em que era suposto a autora estar curada e sem dores…;
37) De igual modo omitem que, além “desses” ainda no dia 11/12/2009 também ocorrera aplicação do mesmo potente antiálgico como o espelham os registos de enfermagem de fls. 92, tornando incorreto o emprego do advérbio “apenas” usado pelos peritos/conselheiros;
38) Não obstante, perante as evidencias o Senhor Perito Prof. Dr. LL acaba por reconhecer a prematuridade da alta por falta de estudo do quadro doloroso persistente e perda de autonomia da paciente, quando o signatário passa a ser interrompido na instância por uma mandatária de uma das outras partes, com o consentimento da Mmª Juiz a quo que em sintonia com a mesma sugerem ao seu perito que o mesmo estaria a ser induzido em erro, numa cena nunca vista pelo signatário e que, felizmente, a gravação bem espelha.
39) São meios de prova que suportam a alteração reclamada nestes pontos, os documentos de fls. 64, 100, 101, 103, 104, com as queixas descritas nos factos, a dose de “Tramal” na véspera da alta (fls. 109) sendo que seja dada alta sem a prescrição de medicação para a dor e infeção persistentes (fls. 133) a par do depoimento do réu Dr. BB, prestado na sessão de 24/6/2020, passagem de 01:52:00.11 a 01:52:05.29 a respeito da persistência das queixas dolorosas da autora na alta, e depoimento do Professor JJ, com depoimento prestado na sessão de 24/6/2020 [Passagem de 00:40:54.00 a 00:43:29.29];
40) E mesmo o depoimento do Professor Dr. LL, pese embora o que já se disse relativamente ao seu parecer, mesmo num turbulento e perturbado interrogatório acaba por reconhecer que a alta dada à autora foi precoce e merecia ser protelada para estudar a subsistência das queixas e os deficits de equilíbrio - sessão do dia 22/10/2020 e passagens de 01:11:31.11 a 01:23:42.03 e de 01:39:09.27 a 01:46:13.12;
41) Ainda com relevância no sentido da comprovação dos factos em causa o Parecer Médico Legal junto a fls. 1573 da autoria da Prof. Dr. MM, especialista em Medicina Legal que na posse de todos os elementos documentais dos autos (tal como os Peritos/Conselheiros), não tem dúvidas em concluir que foi dada alta à Srª. D. AA sem que estivessem estudadas e explicadas as queixas de dor concretizadas na coluna dorsal onde se desenvolvia a discite, como causa da dor e das alterações analíticas de fls. 120 e 122 reveladoras da persistência de processo infecioso e inflamatório em curso, parecer que a Mmª Juiz a quo desconsiderou, indevidamente, sem que se compreenda porquê estando ele em consonância com elementos objetivos dos autos;
42) Por último os registos de fls 86 a 103 no que respeita à indicação persistente para a realização de exames de hemoculturas desde 6/12/2009 a 20/12/2009 exame que permitiria identificar o agente patogénico e ficou por efetuar – neste sentido e em complemento o depoimento Dr. BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020, passagem 01:07:53.09 a 01:10:00.02 que reconhece a omissão e a possibilidade de o fazer, mesmo sem pico febril;
43) Deve ser alterada a decisão quanto à matéria de facto no que respeita aos pontos 2.23 e 2.24 dos factos não provados, correspondentes aos factos alegados em 46º e 47º da PI, com fundamento no depoimento do autor EE, depoimento prestado na sessão de dia 28/5/2021, acima referido - passagem de 00:39:34.10 a 01:52:14.16 - neste campo não contrariado por outro meio de prova, conjugados com os documentos de fls. 105 manhã do dia 22/12/2009 em que teve alta e aí podemos ver que a autora teve que ser “auxiliada nos cuidados de higiene no w/c”, a fls. 109 dos autos registo da administração do “Tramal” no dia 21/12 (véspera da alta) e depoimento do Dr. BB, passagem de 01:52:00.11 a 01:52:14.16;
44) Deve ser alterada para “provado” a decisão proferida quanto ao ponto 2.25 dos factos dados como “não provados” com base na reapreciação conjugada dos meios de prova dos pontos anteriores - análise critica do parecer da consulta técnico-científica de fls. 1449 e segs, Registos clínicos de fls. 60 a 133, depoimento do R. Dr. BB, prestado na sessão de 24/6/2020 [Passagem de 01:52:00.11 a 01:52:05.29 e em especial as passagens de 01:42:31.08 a 01:42:32.28 e de 01:48:24.05 a 01:48:36.21 (confissão), parecer do Professor NN e segs e depoimento do mesmo prestado na sessão de 24/6/2020, Passagem de 00:40:54.00 a 00:43:29.29 e Passagem de 00:43:40.18 a 00:46:00.17, Depoimento de Prof. Dr. LL, do Conselho Médico Legal, esclarecimentos prestados na sessão do dia 22/10/2020, Passagem de 01:11:31.11 a 01:23:42.03 e de 01:39:09.27 a 01:46:13.12,] Parecer Médico Legal junto a fls.1573 da autoria da Prof.ª Dr.ª MM, Registos clínicos de fls.86 a 103 (quanto à ausência de colheita para hemoculturas), Depoimento do réu Dr. BB, Passagem de 01:07:53.09 a 01:10:00.01;
45) Daí se retira a conclusão desde logo que a autora nesse internamento tinha a infeção instalada e em evolução na sua coluna dorsal, responsável pelo quadro de queixas dolorosas nas costas e zona abdominal, bem como, pelos marcadores de infeção/inflamação, e que foi dada alta à autora com subsistência de sintomas e sem serem efetuadas as prestações clínicas que permitiriam o diagnóstico e tratamento da espondilodiscite;
46) Deve ainda ser alterada a decisão proferida quanto ao ponto 2.31 dos factos provados com fundamento na reapreciação conjugada dos registos de fls. 105, 120 a 122 (registos das análises ao sangue da autora de 17/12/2009) dos quais resultam elevados os marcadores de infeção e inflamação (Leucócitos, velocidade de sedimentação e Proteína “C” reativa), e fls. 133 com a prescrição medicamentosa dada pelo 2º réu à autora no momento da alta, que nada tem para combater o processo infecioso e inflamatório subsistente como o mesmo reconhece o 2º réu Dr. BB, depoimento prestado na sessão de 24/6/2020 - passagem de 01:32:02.22 a 01:36:32.04;
47) Deve ainda ser alterada a decisão proferia quanto ao ponto 1.10 dos factos provados, fixado com restrição em relação à verdade dos factos para “1.10 – Foi igualmente medicada com Tramadol que é um analgésico nos dias 5, 6, 7, 8, 11, 15 (por mal-estar abdominal) 16 e 21 de dezembro” com fundamento na apreciação conjugada de fls. 106 a 110 (registo da terapêutica), registos de enfermagem de fls. 74, 92 e 107 de onde consta a administração do fármaco em causa e datas respetivas;
48) Por último, deve ainda ser alterada a decisão quanto aos factos provados com o aditamento de mais um facto com a redação “A espondilodiscite” é uma patologia de inflamação dos discos vertebrais de evolução prolongada e sintomatologia de dor na zona da coluna afetada e quando situada na zona dorsal ou lombar, irradia para os membros inferiores e para a zona abdominal e dura em média cerca de 70 dias de evolução”, emergente da alegação do art.º 42º e parte final do 44º da PI, não impugnados e confirmado por documento não impugnado, por documento de fls. 134 a 140, por depoimento do réu Dr. BB, Passagem de 01:41:46.23 a 01:41:58.20, e depoimento da testemunha Dr. KK, depoimento prestado na sessão de dia 29/6/2021, passagem de 00:08:56.26 a 00:09:24.28;
49) Da conjugação da factualidade provada em 1.82, 1.83, 1.5, 1.6, 1.84, 1.85, 1.86, 1.87 e 1.8, resulta evidente a configuração da relação jurídica entre a autora e a 1ª e 4ª réus como um contrato de prestação de serviços médico-hospitalares na pessoa da autora tendo por finalidade ajustada a prática dos atos e exames necessários ao diagnóstico e, subsequente tratamento da falecida AA à patologia responsável pelas queixas e mal-estar que motivaram o internamento.
50) No caso em apreço, e em concreto, como resulta provado, a obrigação assumida pelas 1ª e 4ª réus foi a de prestar “os cuidados médicos necessários para debelar as dores de que padecia e que motivaram o internamento” (cfr.1.84), contendo assim na prestação a obtenção de um resultado duplo – obtenção de diagnóstico e tratar debelando as dores;
51) Estamos perante um verdadeiro “contrato total”, em que a 1ª ré e a 4ª ré assumem direta e globalmente a obrigação de prestação de atos médicos conjuntos e complementares com a de internamento hospitalar e os 2º, 3º, e 5º réus, enquanto auxiliares na prestação contratual complexa assumida em conjugação pelas 1ª e 4ª réus, fazem refletir naquela, as consequências da sua atuação, ao abrigo do disposto no art.º 800º do CCiv.
52) A autora tinha sido submetida a cirurgia pulmonar oncológica no mês de outubro e o quadro sintomático da autora que determinou o internamento caracterizava-se essencialmente por dores, desde logo situada ao nível das costas com irradiação para a zona do abdómen e membros inferiores onde apresentava falta de força;
53) Foi, precisamente para estudo e estabelecimento de diagnóstico da causa das dores que a falecida AA foi internada durante 20 dias no Hospital dos réus com a finalidade de lhe serem debeladas as dores;
54) Os réus não cumpriram e de forma integral, a obrigação de levarem a cabo todos os atos adequados à referida finalidade contratual de diagnosticar e debelar a causa das dores que, no caso era uma espôndilo-discite em evolução na coluna dorsal baixa, tendo-o feito, de forma defeituosa;
55) Após ter estado 20 dias internada no hospital da 1ª ré, foi dada alta à AA sem lhe ser diagnosticada a causa das dores com que entrou e saiu, sem medicação para as dores e nem nenhum tratamento para uma suspeita clinica das referidas dores, vindo a ser assistida e internada no Hospital ..., com o mesmo quadro doloroso com que estivera no Hospital da 1ª ré, acabando por ficar paraplégica na sequência da destruição parcial dos corpos vertebrais de D10-D11 num quadro de espondilodiscite dorsal avançado (cfr. factos provados nº 1.7, 1.20, 1.21, 1.24 da sentença)
56) Apesar de comprovadas queixas de dor especificamente localizadas na coluna dorsal não foi, nem requerido, nem sugerido, nem realizado exame de imagem RMN ou TAC direcionados a esse segmento da coluna, onde veio a ser diagnosticada, tardia e tragicamente, a espondilodiscite que vitimou a falecida AA;
57) E as leges artis impunham que havendo queixas nesse segmento, deviam ser estudadas imagiologicamente, como de resto acontecera no início do internamento, aquando de queixas lombares, com a realização de RMN lombar, o que obrigava os aos 2º e 3º réus, ainda que atuando no interesse e por conta da 1ª ré, como médicos e responsáveis pelo internamento, a mandar efetuar os exames de RMN dorsal;
58) Tendo-se demonstrado que os exames de RMN de 7/12/2009 e TACs torácicas de 3/12/2009, 11/12/2009 e 21/12/2009 revelam já anomalias de imagem nas últimas vértebras dorsais, e que não foram relatadas nos relatórios dos exames 123, 129, 130 e 131, verifica-se que os 4º e 5º réus não cumpriram o dever de registar a anomalia insinuada nas vértebras dorsais baixas, ainda que referindo a necessidade de um estudo mais direcionado para o seu estudo e caraterização patológica;
59) Perante as queixas à entrada do internamento, caracterizadas como dores nas costas e zona abdominal, foi ainda omitido no internamento a sujeição da examinada por médico da especialidade de Ortopedia ou Neurologia, a realização de exame de cintilografia óssea – que adequado atentos os antecedentes oncológicos da autora, revelaria com facilidade a espondilodiscite, como foi dada alta sem que fossem realizados os exames de hemocultura, mencionados desde o início do internamento, e que eram adequados a identificas o agente patológico da infeção e o antibiótico a que fosse sensível para ser usado em tratamento;
60) Resulta dos factos provados que à falecida autora foi dada alta pelos 1º e 2º réus quando a mesma continuava a apresentar o quadro de dor nas costas não estudado e tratado apenas com injeções de “Tramal”, quadro que se mantinha na noite anterior à alta e que motivou nova injeção de “Tramal”, acabando a mesma por sair de cadeira de rodas em estado pior do que entrara, 20 dias antes;
61) Sendo incontornável concluir pelo cumprimento defeituoso da prestação contratual que os réus assumiram perante a autora de diagnosticar e tratar a causa das dores, o que traduz ilicitude contratual e legal atenta a violação do direito à saúde e bem-estar da autora, sendo a responsabilidade dos réus solidária;
62) Situando-se o caso no âmbito da responsabilidade médico-hospitalar privada, de natureza contratual, presume-se a culpa do devedor, neste caso dos réus nos termos do disposto no art. 799º do CCiv;
63) Culpa essa, não obstante demonstrada e evidenciada na factualidade provada e que se espera na procedência da apelação a respeito da mesma, já que é bem evidente a omissão de atos de diagnostico recomendáveis e adequados à deteção da discite em evolução;
64) Da omissão de atos de diagnóstico e precocidade da alta da primitiva autora do internamento no Hospital dos réus, resultou como consequência adequada a evolução não diagnosticada de uma espondilodiscite dorsal baixa que culminou na paraplegia daquela no dia 7 de janeiro de 2010, pelo que, ainda que se considere que não se pode ter a certeza absoluta que os atos omitidos permitissem o diagnóstico e cura atempada, sempre se afigura ressarcível o prejuízo da “perda de chance” de cura que a omissão retirou à falecida;
65) Tendo sido várias as omissões na prestação de cuidados e protagonizadas pelos vários réus que, conjugadas conferem uma sólida consistência da imputação do dano à “perda de chance” acima descrita, não sendo possível aferir qual das omissões assume maior relevância e, do mesmo modo, qual dos réus contribuiu mais para os danos verificados, são todos solidariamente responsáveis pelos danos em causa causado à falecida autora;
66) Em face da evolução da espôndilo-discite dorsal não diagnosticada e tratada para a situação de paraplegia, sobrevieram à falecida AA vários e graves danos patrimoniais e não patrimoniais que resultaram provados e que justificam a indemnização global já reduzida e ajustada ao falecimento, entretanto da primitiva autora ao montante de €194.339,53;
67) Violou, a decisão recorrida, o disposto nos arts. 70º, 342º, 344º, 406º, 483º, 486º, 490º, 496º, 497º, 563º, 798º, 799º, 800º e 1154º do CCiv. art. 31º do Código Deontológico dos Médicos e 414º e 607º nºs 4 e 5 do CPCiv.
Terminam entendendo dever ser concedido provimento à presente apelação, alterando-se a decisão recorrida nos pontos da matéria de facto acima impugnados, e revogando-se a sentença, julgar a ação procedente, por provada, condenando-se os réus, solidariamente, no pedido formulado no total de €194.339,53 a reduzir em liquidação ulterior dos valores recebidos da ADSE nos anos de 2012 a 2019.
*
D) Pelo apelado DD foi apresentada resposta onde conclui:

1. Não deverão ser considerados/alterados para “provados” os factos constantes dos pontos 2.6, 2.7 e 2.8 da douta sentença, porquanto as declarações prestadas pelo autor EE foram completamente refutadas pelo Dr. OO, no seu depoimento prestado na sessão do dia 26-06-2021, e registado no Habilus Media Studio, com início pelas 14.08.22 horas e término pelas 15.29.18 horas.
2. A inexistência de informação clínica, ou seja, a suspeita/queixa que se pretende investigar não tem relevância para o caso, porquanto não consta da matéria constante da base instrutória. Atente-se no depoimento prestado pelo Dr. J..., na sessão do dia 22/10/2020, pelas 10:47:17 horas e término pelas 11:46:19 horas.
3. Os peritos confirmaram que é fundamental uma requisição prévia (cumprindo o protocolo), pedida por um médico de medicina interna ou de outra especialidade, a qual deve sempre conter indicações precisas sobre o que deve ser examinado pelo médico radiologista (quesitos 1, 2 e 3 do parecer datado de 23 de maio de 2018, de fls. 1449 e seguintes),
4. Que o exame radiológico (TAC, RX, RM) deve ser feito apenas à zona anatómica pretendida e prescrita pelo médico prescritor, porquanto tal pedido se baseia na integração da história clínica do doente (quesitos 5 e 6 do suprarreferido parecer).
5. Das respostas dadas aos quesitos 20, 24 e 25 só se pode concluir que, se existissem alterações visíveis em toda a anatomia incluída no estudo, as mesmas deveriam ser reportadas; consequentemente, se não estavam visíveis no estudo, não seriam reportadas.
6. A resposta ao quesito 25, foi objeto de um esclarecimento, parecer pericial IMLC datado de 12 de dezembro de 2018, onde se afirma: “a fórmula escrita utilizada “não é possível concluir sobre evidente patologia das vertebras dorsais” “deve-se ao facto do exame em causa, sendo uma TAC torácica, apenas permitir detetar, a existirem, alterações muito grosseiras das vertebras dorsais uma vez que o exame não se dirige a esta área anatómica. A frase pode ser substituída sem prejuízo por “não se observam, na TAC torácica, anomalias das vértebras dorsais.”
7. A resposta ao quesito 25 está intrinsecamente ligada aos quesitos B-15 e C-15 do parecer de 28 de maio de 2018, que confirmam que a discite dorsal não era diagnosticável na RM de 3 e 7 de .../.../2009, nem era possível detetar evidências de anomalias na D11 e D12,
8. Confirma que o seguimento vertebral (dorsal) não era objeto do exame (e, como tal, não possuía um estudo dirigido às vertebras D10 e D11), razão pela qual não existiam anomalias de sinal na área contígua que fossem passíveis de observar no plano sagital (vértebra D12) e onde não existiam sinais.
9. O parecer do Prof. Dr. JJ, a pedido da ..., e o seu depoimento, na sessão do dia 25/11/2020, com início às 10:44:33 e término às 12:38:12, apenas permite concluir que aquele possui conhecimentos científicos e experiência que lhe permitiriam enquadrar e afirmar que as anomalias eram passíveis de ser interpretadas como tradutoras de espondilodiscite.
10. Devem ser mantidos como não provados os factos constantes dos pontos 2.6, 2.7 e 2.8 da douta sentença.
11. Não houve qualquer cumprimento defeituoso da prestação do apelado, porquanto ficou cabalmente demonstrado que não existiu qualquer desconformidade objetiva entre os atos realizados e os que seriam devidos, de acordo com os conhecimentos técnicos/médicos naquela data.
12. A atuação do apelado teve o profissionalismo e o padrão de diligência exigível a um bom profissional da sua categoria e especialidade, perante aqueles factos e naquela altura.
13. Não houve qualquer violação das legis artis por parte do apelado.
14. A sentença apelada não violou o disposto nos artigos 70º, 342º, 344º, 406º, 483º, 486º, 490º, 496º, 497º, 563º, 798º, 799º, 800º e 1154º do CC nem tão pouco o artigo 31º do Código de Deontologia dos Médicos nem os artigos 414º e 607º, nºs 4 e 5 do CPC.
15. Deve, assim, confirmar-se in totum a sentença apelada.
*
E) A apelada A... - Companhia de Seguros, SA, apresentou alegações onde formula as seguintes conclusões:
1. Os apelantes, indicam discordar da decisão da matéria de facto, concretizando os meios de prova que, no seu entender, implicariam a alteração do decidido como sendo, essencialmente, o depoimento de parte do autor EE e do réu BB, os depoimentos das testemunhas KK e JJ.
2. Para além de assentarem a alteração do julgamento de facto na audição da prova gravada, os recorrentes também fundamentam o pretendido em prova documental e na prova pericial, que identificam concretamente.
3. Concluem pelo errado julgamento de facto, pretendendo que sejam julgados como provados os factos que a sentença descreve como não provados nos pontos 2.1, 2.2, 2.4 a 2.15, inclusive, 2.17 a 2.25, inclusive e 2.31.
4. Ao longo da motivação manifesta-se também a intenção de ver alterado o julgamento de facto quanto ao ponto 1.10 da matéria julgada assente.
5. E, a final, considera-se relevante matéria alegada na douta petição inicial nos artigos 42º e 44º, que se defende deve ser aditada aos factos provados
6. Não pode proceder a pretensão dos recorrentes, nem resulta da respetiva motivação existir qualquer erro de julgamento que imponha à Relação censurar o julgamento de facto proferido em primeira instância.
7. O Juízo Central Cível ... fez uma cuidada análise da prova produzida, traduzido num julgamento rigoroso e devidamente fundamentado.
8. A alteração da matéria de facto só deve ser efetuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente
improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Vol I, pág. 609).
9. Não há, pois, motivo para concluir que, no julgamento da questão de facto, o Sr. Juiz de Direito incorreu, num error in iudicando por erro na valoração das provas, por nessa apreciação ter violado regras da ciência, da lógica ou da experiência, o mesmo é dizer, que a convicção do tribunal a quo sobre a realidade – ou a falta dela – dos factos não foi alcançada com o uso da prudência, i. e., da faculdade de decidir da forma correta (artigo 607º nº 5 do Código de Processo Civil).
10. À semelhança da doutrina perfilhada no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26 de janeiro de 2016, processo nº 562/14.5TJPRT.P1, sendo relator Luís Filipe Cravo, entendemos que «(…) quando há impugnação da matéria de facto e ao tribunal de recurso é impetrada uma decisão à luz do disposto no artigo 662º do Código de Processo Civil, a “Fundamentação/Motivação” do tribunal a quo vai ser o objeto precípuo da atenção do tribunal de recurso, pois que o labor deste se orienta para a deteção de qualquer “erro de julgamento” naquela decisão da matéria de facto, em termos da apreciação e valoração da prova produzida (não podendo obviamente limitar-se à análise da coerência e racionalidade da decisão de facto operada pelo tribunal a quo).
11. Sendo certo que, “não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento” – acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17 de abril de 2012, processo nº 1483/09.9TBMTMR.C1 apud Acórdão da Relação do Porto que estamos a acompanhar.
12. Razão pela qual sempre se impõe a improcedência do recurso da matéria de facto e consequentemente a confirmação da sentença proferida em primeira instância.
13. Os recorrentes instauraram a presente ação peticionando a condenação dos apelados no pagamento de indemnização, imputando aos réus responsabilidade por  não terem atempadamente diagnosticado uma patologia de inflamação dos discos vertebrais: “espondilodiscite”.
14. Alegam que esta omissão de diagnóstico foi a causa da paraplegia que se veio a instalar de forma irreversível na malograda AA.
15. Contrariamente ao defendido nas doutas alegações, não se impunha o estudo imagiológico da coluna dorsal, nem o estudo clínico por outras especialidades, tão pouco se omitiu a realização de qualquer outro exame, nomeadamente, cintilografia óssea ou exames de hemocultura ou ainda a averiguação de outras causas para as dores que justificaram o internamento.
16. Aos médicos não é imputável qualquer omissão ilícita que fosse a causa da falta de diagnóstico da discite que culminou com a paraplegia.
17. A perfeição do instituto da responsabilidade pressupõe a prática de um facto humano e material – comissão por via de ação ou omissão -; que esse facto se revele e planteie como contrário à ordem jurídica; que se exponha como reprovável e censurável, no plano de imputação subjetiva a um determinado sujeito; que esse facto seja imputável a um sujeito determinado; que o resultado produzido por esse facto produza uma modificação, material-objetiva ou moral-subjetiva, na esfera jurídica do sujeito que sofre os efeitos da ação ou da omissão, e que seja possível imputar o facto ao resultado danoso ocasionado.
18. Para que se configure o dever de indemnizar, com base na responsabilidade civil, deverá, portanto, ser possível conexionar a conduta do agente ao dano provocado por essa conduta, ou seja, deve existir um nexo de causalidade entre o dano sofrido pela vítima e a conduta do agente.
19. O primeiro dos pressupostos de que a lei faz derivar a obrigação de indemnizar, com base na responsabilidade civil, é a realização de um facto - ação ou conduta humana, que se traduz na modificação de um estado de coisas existente antes da ação – por alguém que está adstrito, por imposição legal ou convencional, a observar determinadas regras de comportamento, e a fazê-lo utilizando cuidados e regras técnicas e de perícia correspondentes à tarefa a realizar. Trata-se, assim, de um ato humano, comissivo ou omissivo - a comissão vem a ser a prática de um ato que se deveria efetivar, e a omissão, a não-observância de um dever de agir ou da prática de um certo ato que deveria realizar-se -, de natureza voluntária e que deve, ou pode ser, objetivamente imputável, a uma determinada pessoa. Esse facto, pela sua feição ilícita, ou licita, deve ter atuado e agido por forma a causar na esfera do lesado um prejuízo. Esta lesão de um direito de outrem ou de um interesse particular protegido por disposição legal, quando resultante da ação de um agente lesante, desencadeia a obrigação de indemnizar, a cargo do autor da lesão.
20. Para além da ocorrência do facto (humano) dominável e controlável, nos casos em que o pedido de reparação deriva da responsabilidade civil por factos ilícitos, torna-se imprescindível que o agente tenha agido com culpa, isto é, que o comportamento ou conduta assumida ou omitida possa ser censurável à luz do feixe de valorações ético-jurídicas prevalentes. Vale por dizer que age com culpa aquele que colocado perante uma situação concreta e especifica atua de modo a vulnerar o direito de outrem ou interesses que a lei quis proteger.
21. Não basta que a vítima sofra dano, é preciso que esta lesão passe a existir a partir do ato do agressor para que haja o dever de reparação. É imprescindível o estabelecimento entre o ato omissivo ou comissivo do agente e o dano de tal forma que o ato do agente seja considerado como causa do dano.
22. No que concerne à situação objeto de apreciação nos presentes autos, aos recorrentes assistirá o direito à indemnização mediante a prova de que os danos foram causados pela falta de cumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação.
23. No caso concreto, de acordo com o alegado, o dano traduz-se na paraplegia por falta de diagnóstico atempado da espondilodiscite.
24. Mas é preciso que o facto do não cumprimento (ação ou omissão) se revista de ilicitude, a qual, no domínio da responsabilidade contratual, se traduz numa relação de desconformidade entre o comportamento devido, que seria necessário para a realização da prestação devida, e o comportamento tido pelo agente (artigo 762º do Código Civil).
25. Os autos versam a questão da responsabilidade civil pela prática de ato médico, entendido o conceito como ato executado por um profissional de saúde que consiste numa avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição e execução de medidas terapêuticas.
26. Com efeito, o facto de a autora, mediante pagamento de um preço, ter solicitado ao réu HOSPITAL o internamento hospitalar com vista a debelar o mal-estar e queixas de dor que apresentava, exprime vinculação contratual.
27. Considerando a obrigação do médico uma obrigação de meios, sobre ele recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, e, portanto, sem culpa, se se quiser eximir à sua responsabilidade decorrente de incumprimento.
28. Tal pressupõe que se demonstre, previamente, o incumprimento ou cumprimento defeituoso.
29. O doente terá assim que demonstrar o erro médico que pode resultar de uma observação descuidada do paciente, de um diagnóstico errado ou da prestação de cuidados técnicos desadequados, respondendo o médico por violação de um contrato de prestação de serviços (artº 1154º do CC).
30. É ao paciente lesado por uma intervenção médica que incumbe a alegação e prova do facto, dos danos, do nexo de causalidade entre facto e danos e da ilicitude na atuação dos profissionais de saúde, competindo a estes, em sede de responsabilidade contratual, ilidir a presunção de culpa que sobre eles            impende, conforme opinião doutrinal e jurisprudencialmente maioritária, nos termos infra expostos.
31. No que concerne à distinção entre ilicitude e culpa, a ilicitude traduz um juízo de censura externo, por contraposição à culpa, entendida como um juízo de censura interno, significando que poderia e deveria ter havido uma atuação distinta por parte do agente.
32. Face ao quadro legal vigente, dever-se-á considerar que o objeto da prestação médica não é a cura, mas antes o tratamento, que deve ser procurado de acordo com as leges artis decorrentes do estado da ciência num determinado momento histórico, devendo o médico ter uma atuação de acordo com os parâmetros de um profissional prudente, atualizado e intelectualmente competente.
33. Constatando-se que na TAC de 3/12/2009 ou na RM de 7/12/2009 não eram visíveis nem as mesmas evidenciavam anomalias das vertebras D10 e D11 e que estas não permitiam o diagnóstico de espondilodiscite e que o quadro infecioso apresentado pela doente teve resposta positiva à terapêutica, não está demonstrada a ilicitude do comportamento dos clínicos.
34. Significando que os médicos não podem ser responsabilizados civilmente com base em incumprimento contratual ou cumprimento contratual defeituoso.
35. Para a procedência da ação impunha-se a demonstração de algum comportamento que objetivamente considerado se mostrasse contrário ao Direito, com desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado.
36. Cabendo ao credor demonstrar a verificação deste pressuposto.
37. Na opinião da ora recorrente, da matéria assente não se consegue descortinar o que os médicos fizeram e não deveriam ter feito ou o que não fizeram e deveriam ter feito.
38. Não é suficiente a alegação e prova do dano, isto é, da não obtenção de um dado resultado. É necessário provar a desconformidade objetiva entre os atos praticados pelo médico e os que lhe são exigíveis, atendendo à situação concreta do paciente. No campo da medicina, essa desconformidade objetiva que é a ilicitude, afere-se pela violação das leges artis. Significa, portanto, que a ilicitude na atuação do médico traduz-se no comportamento que aquele tenha tomado que contrarie as guide lines e standards de atuação clínicos, atendendo à situação concreta.
39. Ocorre que, no caso sub judice, não de demonstrou qualquer comportamento adotado pelos médicos que traduza um desvio desse comportamento diligente.
40. Não resulta da matéria de facto provada nenhum comportamento que os médicos devessem ter tomado em obediência às boas práticas médicas atendendo ao caso concreto. O que vale dizer que não existe facto ilícito gerador do dever de indemnizar.
41. No que concerne à culpa, esta consubstancia-se no juízo subjetivo de reprovação do comportamento adotado. Quer-se dizer que o comportamento do médico que contrarie as leges artis deverá ser alvo de um juízo de censura, seja pela sua vontade no resultado (dolo), seja pela falta de competência manifestada na assunção de tal comportamento (negligência).
42. Tal como resulta da douta sentença em recurso não ficaram provados factos necessários para se concluir pela violação por parte dos réus de um padrão de conduta de um bom profissional, da categoria e especialidade dos mesmos, perante as mesmas circunstâncias e o mesmo tempo histórico.
43. Impõe-se concluir que não está demonstrada a ilicitude, isto é, o comportamento objetivo adotado pelos médicos que, por contrariar as boas práticas médicas, deu lugar à omissão do devido diagnóstico.
44. Não estando preenchido o requisito da ilicitude impõe-se a confirmação da douta sentença que julgou a presente ação improcedente e absolveu os réus do pedido.
Termina entendendo que deve ser negado provimento ao presente recurso de apelação, com todas as consequências legais.
*
F) Pela apelada J..., Lda, foi apresentada resposta onde conclui nos termos seguintes:
1. Por douta sentença proferida a fls… e seguintes, foi o pedido formulado pelos autores julgado totalmente improcedente por não provado e, em consequência, absolvendo-se os réus do pedido.
2. Inconformados com a mesma, interpuseram os apelantes o presente recurso.
3. Ora, salvo sempre o devido respeito, os recorrentes não têm razão e a sentença recorrida não merece qualquer reparo, parece-nos impugnável, a prova produzida é a correta, o mesmo se dizendo do direito aplicável devendo assim ser confirmada pelos Venerando Desembargadores.
4. É evidente o esforço incansável dos recorrentes no sentido de descredibilizar quer a prova que decorreu durante as longas sessões de julgamento, quer ainda das peritagens que foram efetuadas, pondo tudo em causa, mas salvo o devido respeito e a nosso ver sem qualquer consistência digna de merecimento.
5. Uma coisa foi o que se passou nas sessões de julgamento e da prova pericial produzida, outra coisa bastante diferente é o que os recorrentes pretendiam ver dado como provado.
6. Os apelantes socorrem-se do parecer do CML de Coimbra, e a prova documental de fls. 105, 120 a 122, 133 e 605 a 606, para que seja alterada a matéria de facto anteriormente descrita (2.6 a 2.8 e 2.19), mas ingloriamente, já que:
7. Na resposta ao quesito (A.25), concluem os      senhores Peritos/Conselheiros, que a TAC de 31/12/2009 ou a RM de 7/12/2009 não eram visíveis nem as mesmas evidenciavam anomalias das vertebras D10 e D11, e não permitiam o diagnóstico da espondilodiscite.
8. E dos esclarecimentos dos Senhores peritos fls. 1493 e segs. em resposta ao quesito 3º da autora, sobre se a causa da sua paraplegia foi consequência da evolução não diagnosticada de uma espondilodiscite dorsal, limitam-se a responder que esta espondilodiscite dorsal foi a causa da paraplegia.
9. Concluem ainda os senhores Peritos a fls 1494 1495, resposta ao quesito 25 do réu DD “inexistência de elementos que pudessem habilitar o radiologista a afirmar o diagnóstico de espondilodiscite em qualquer dos exames examinados”.
10. E, a fls. 1512“não há nos registos sinais sugestivos de espondilodiscite dorsal…”.
11. De tudo isto decorre não existirem dados suficientes para que se possa concluir que na TAC de 3/12/2009 e na RM de 7/12/2009 efetuadas à autora D. AA, se pudesse concluir pela existência de uma espondilodiscite em curso.
12. Assim como, confirmam que, o exame radiológico (TAC, RX, RM) deve ser feito apenas à zona anatómica pretendida e prescrita pelo médico prescritor, porquanto, aquele pedido baseia-se na integração da história clínica (quesitos 5 e 6 do suprarreferido parecer).
13. E, concluem que o relatório do exame efetuado à coluna lombar estava correto (quesito 19 do suprarreferido parecer).
14. É inexistente qualquer negação ou resposta cuidadosa e conservadora dos peritos aos quesitos 20 e 24, porquanto, das suas respostas só se pode concluir que, se existissem alterações visíveis, em toda a anatomia incluída no estudo deveriam ser reportadas. Se não estão incluídas no estudo, não são reportadas.
15. Concluída esta demostração de factos, não restam dúvidas de que a Meritíssima Juíza “a quo “ao decidir os pontos 2.6, 2.7 e 2.8 como não provados, teve em devida atenção os pareceres elaborados pelos senhores peritos do IMLC, aos diversos esclarecimentos prestados a pedido dos apelantes e ainda nos esclarecimentos prestados em sede de audiência.
16. O Prof Dr JJ possui conhecimentos científicos e experiência que lhe permitiriam enquadrar e dizer que as “anomalias “eram “passiveis de ser interpretadas como tradutoras de espondilodiscite “. Nada mais.
17. Assim como, resulta que não houve qualquer cumprimento defeituoso da prestação dos médicos ao serviço da aqui apelada, porquanto, ficou cabalmente demonstrado que não houve qualquer desconformidade objetiva entre os atos realizados e os que seriam devidos de acordo com os conhecimentos técnicos/médicos naquela data.
18. Atuação do médico DD, que estava ao serviço da aqui apelada, teve o profissionalismo e o padrão de diligência exigível a um bom profissional da sua categoria e especialidade, perante aqueles factos e naquela altura.
19. Logo, não houve qualquer violação das legis artis por parte do referido profissional.
20. Nem lhe pode ser imputável qualquer omissão ilícita ou qualquer tipo de falta na realização dos exames de TAC e RMN efetuados.
21. Não havendo por parte dos médicos qualquer omissão ilícita ou violação da legis artis por parte destes profissionais e como bem refere a Meritíssima Juíza “a quo” “não ficaram provados factos necessários para se concluir pela violação por parte dos RR de um padrão de conduta de um bom profissional da categoria e especialidade dos mesmos, perante as mesmas circunstâncias factuais e o mesmo tempo histórico.
22. Devendo manter-se na integra a douta sentença proferida pela Meritíssima Juíza “a quo.”
*
G) Por sua vez os apelados Hospital Particular de ..., Lda, BB e CC, apresentaram resposta, onde concluem entendendo que deve ser negado provimento ao recurso de apelação e confirmada a douta sentença recorrida.
*
H) Foram colhidos os vistos legais.
I) As questões a decidir no recurso são as de saber:
1) Se deve ser alterada a decisão da matéria de facto;
2) Se estão preenchidos os requisitos necessários para que a autora seja indemnizada pelos réus;
3) Se se verifica perda de chance.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Resultou apurada a seguinte matéria de facto:

1. FACTOS PROVADOS

1.1. A autora, por lhe ter sido diagnosticado um tumor no pulmão esquerdo, foi submetida a uma intervenção cirúrgica em .../.../2009, no Hospital ... no Porto, para lobectomia superior esquerda para tratamento de um tumor carcinoide atípico (doc...., fls. 59).
1.2. Devido a complicação de pós-operatório, pela existência de um derrame pleural multisseptado, foi reoperada em 22/10/2009 para resolução do mesmo, vindo a ter alta hospitalar no dia 28/10/2009, recolhendo ao seu domicílio (doc...., fls. 59).
1.3. Recuperou em casa ficando bem nos primeiros dias, mas acabando por se vir a queixar de dores, primeiro na zona torácica e pescoço e mais tarde, já em final de novembro, na zona das costas.
1.4. Conduzida por duas vezes ao Hospital ..., foi medicada e enviada ao domicílio.
1.5. Porque o seu mal-estar e queixas de dor foram aumentando, em 3/12/2009 foi conduzida ao Hospital da 1ª ré onde após ser examinada, ficou internada, obrigando-se a pagar o respetivo custo.
1.6. Foi por proposta da 3ª ré que a autora aceitou o internamento no 1º réu.
1.7. Apresentava queixas de dores generalizadas a nível lombar, anca alta, hemotórax esquerdo e abdómen, nas costas com irradiação para a zona abdominal apresentando náuseas e perda de apetite e falta de força nas pernas (doc...., fls. 60).
1.8. Aí permaneceu internada, sujeita à observação e tratamento médico e enfermagem prestados pela 1ª ré e melhor descritos no doc. ... de fls. 60 e ss, cujo teor se dá aqui por reproduzido, até 22/12/2009 data em que lhe foi dada alta.
1.9. Durante o internamento, por duas vezes apresentou febre, sendo medicada com paracetamol para baixar a temperatura.
1.10. Foi igualmente medicada com Tramadol, que é um analgésico, nos dias 5, 6, 7, 15 (por mal-estar abdominal) e 16.
1.11. A 1ª ré, e em particular o 2º réu não providenciaram que a autora fosse examinada por um ortopedista às dores que manifestou na zona da coluna.
1.12. Em 7/12/2009 foi submetida a exame de RMN (Ressonância Magnética) à coluna lombar, cujo relatório, elaborado pelos 4º e 5º réus não alude ao segmento de D10-D11, por tal exame não ser dirigido à região dorsal e ter incidido apenas na zona lombar – doc. ... de fls. 123.
1.13. Este exame de RMN não consta do relatório do seu internamento entregue à autora após o final do mesmo (doc...., fls. 127 e segs)
1.14. Além disso, durante o internamento, a autora foi submetida a 3 exames de TAC torácico, em 3/12/2009, 11/12/2009 e 21/12/2009 (docs. ..., ... e ..., fls. 129, 130 e 131).
1.15. Durante o internamento no Hospital da 1ª ré a autora teve 2 episódios de febre acima dos 37º de temperatura, que foi sendo debelada com mediação antipirética, como “paracetamol”.
1.16. Foi ainda determinado que se procedesse a hemocultura em pico febril, exame que acabou por não ser efetuado.
1.17. Durante o internamento foi efetuada ecografia abdominal, eletrocardiograma, ecocardiograma e colonoscopia total sem revelarem qualquer anomalia.
1.18. O tratamento das queixas álgicas da autora ao nível das costas foi efetuado com a prescrição de “TRAMAL” (Tramadol).
1.19. Em todo o período de internamento na 1ª ré não foi efetuado exame de cintilografia óssea e igualmente não foi determinada a sua avaliação por neurologia.
1.20. Em 22/12/2009 foi-lhe dada alta para o domicílio com plano de medicação de diuréticos (“Lasix” e “Aldactone”), laxantes (“Leite de Magnésio”) e remédios para a hipertensão (“Concor 5” e “Triatec 1.25”) e “Paracetamol” para as dores em SOS (doc. ...0, fls. 133).
1.21. Em 5/1/2010, a autora foi conduzida ao Hospital ..., em V..., e aí foi recebida com queixas de “dores articulares e ósseas generalizadas, mais focalizadas na zona da coluna lombar e virilhas, tristeza, insónia, desperança, relacionadas com medo da morte e queixas gástricas perda ponderal de 17 kgs desde Outubro – vigil.orientada. Sem ideação suicida. Sem atividade alucinatória delirante” (doc....2 de fls. 142)
1.22. Examinada em OBS, em 6/1/2010, “referiu dores a nível dorso-lombar dta” -(doc....2, fls. 143), debeladas com “TRAMAL”
1.23. No dia 13 de janeiro de 2010, naquele Hospital ..., ao ser auxiliada na deambulação por uma auxiliar que a amparava quando se deslocava ao w/c, perdeu a força sobre as pernas e caiu sobre esta, com dores lancinantes a par da perda de sensibilidade e capacidade motora dos membros inferiores.
1.24. Observada por ortopedia foi submetida a TAC dorso-lombar que revelou “Lesão lítica centrada no disco D10-D11, com destruição parcial destes corpos vertebrais e extensão aos tecidos moles paravertebrais e intra-canelar. A hipótese de diagnóstico mais provável é a de uma espondilodiscite.”(cfr. relatório de fls. 146, docs. ...14)
1.25. A autora foi ainda conduzida ao Hospital ... em ... para ser examinada.
1.26. Do registo clínico constou “RMN com espondilodiscite dorsal baixa (ver relatório anexo). Do ponto de vista cirúrgico e devido ao tempo existente de paraplegia, não tem indicação para tratamento.”, concluindo que “não beneficia com tratamento cirúrgico urgente” (doc15 fls. 168 e 169 e doc. 16 de fls. 170 e segs)
1.27. Assim, foi de novo transferida para o Hospital ... onde deu entrada em 14/1/2010 com o diagnóstico de paraplegia decorrente de “espondilodiscite dorsal baixa” (doc....4, fls. 154 e vº), mantendo-se medicada para as dores.
1.28. Não se conformando com o estado de saúde da esposa, o marido da autora solicitou os exames imagiológicos e deslocou-se ao Porto consultando o médico neurocirurgião Dr. II, o qual logo se mostrou apreensivo com o estado de saúde da autora, indicando o Dr. PP do Hospital ... no Porto para observação da autora.
1.29. Na sequência, após a subscrição de um termo de responsabilidade, a autora saiu do Hospital ... e foi transportada de ambulância para o Hospital ..., no Porto, a expensas e por iniciativa da mesma.
1.30. Aí, no dia 22/1/2010 deu entrada com queixas de “dorsalgia” sendo encaminhada para ortopedia com a seguinte “história da doença: discite dorsal; paraplegia flácida estabelecida desde 4 de janeiro” – doc....7, fls. 171.
1.31. Em 30/1/2010 foi operada pelo Dr. PP que levou a cabo “tratamento cirúrgico da discite com quadro de paraplégica estabelecido desde janeiro de 2010 … tratamento de foco persistente da discite – descompressão posterior com laminectomia D10-D11, FVP D7-D9 e D12-L1 + limpeza de foco de discite e preenchimento com enxerto” – doc....8, fls. 172.
1.32. Em 25/2/2010 a autora teve alta do internamento no Hospital ..., sendo transferida para o Serviço de Ortopedia do Hospital de ..., onde permaneceu internada até 17/3/2010 (doc....9, fls. 173 e segs).
1.33. Confirmando-se ainda pela colheita de pus e exame bacteriológico respetivo que a causa da discite era infeciosa por ação do staphilococcus aureus, como consta dos registos clínicos da entrada de volta no Hospital ... a 25/2/2010 (doc. ...9).
1.34. Dada a impossibilidade da sua deslocação para o domicílio por ainda carecer de cuidados, nessa data foi transportada de ambulância para a Unidade de Cuidados Continuados do Hospital da Santa Casa de Misericórdia dos ... até 30/6/2010, onde permaneceu em recuperação com tratamentos de medicina física e reabilitação.
1.35. Em consequência da discite de que foi afetada, a autora ficou definitiva e irreversivelmente a padecer de paraplegia completa com alteração dos esfíncteres.
1.36. Estado sequelar que foi confirmado em 29/9/2010 pela Junta médica da DGS - conforme relatório de fls. 199 (doc. ...0), que lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 80%, de acordo com o previsto no capítulo III, 5.2.1.2, alínea b) da Tabela de Incapacidades aprovada pelo DL 352/2007, de 23/10.
1.37. Até ficar paraplégica, e para além da doença oncológica de que ficou curada, a autora não tinha qualquer problema de saúde, não tinha qualquer defeito físico ou limitação.
1.38. Era uma pessoa alegre, com prazer pela vida, tinha-se reformado para em conjunto com o marido e filho, viver a sua velhice de forma tranquila e junto da família.
1.39. A autora era uma pessoa dinâmica que gostava de passear, de fazer caminhadas junto à praia e no campo, de viajar ao fim de semana e nas férias, de ir ao cinema e estar com amigos.
1.40. Além disso, ocupava a sua vida diária a fazer a lida doméstica, cozinhando, fazendo a limpeza e assumo do lar, tratando das roupas, razão pela qual apesar de viverem sem dificuldades económicas (quer ela, quer o autor estavam já reformados) não tinha qualquer empregada doméstica ou sequer mulher-a-dias.
1.41. Dedicava ainda o seu tempo a cuidar do seu filho HH que, apesar de ter 40 anos de idade, sofre de esquizofrenia paranoide carecendo permanentemente do seu acompanhamento, cuidado e vigilância.
1.42. Devido a ter ficado paraplégica, a autora viu confinado o seu dia-a-dia a manter-se acamada ou sentada numa poltrona, tendo de ser movimentada mesmo nesse caso, com a ajuda de um terceiro.
1.43. Qualquer deslocação ao longo da sua casa ou para fora dela, designadamente, para receber assistência médica, tem de ser feita com recurso a uma cadeira de rodas.
1.44. Qualquer deslocação no exterior de mais de 1 Km tem de ser feita em ambulância.
1.45. Perdeu, assim, por completo, a capacidade de se deslocar autonomamente.
1.46. Ficou absoluta e definitivamente incapaz de realizar qualquer trabalho, seja profissional, seja doméstico, passando os seus dias a ler e ver televisão, sem a menor alegria de vida.
1.47. Depende do auxílio permanente de terceira pessoa até ao fim da sua vida, para poder comer, para se lavar, para fazer a sua higiene, para se movimentar, para deslocar para fora da cama, para fazer as suas necessidades.
1.48. Por via da paraplegia, a autora terá para sempre de viver algaliada, acompanhada de um saco pendurado para receber a urina, bem como de usar fraldas descartáveis, pois, não tem qualquer controle dos esfíncteres.
1.49. Não tem capacidade motora nem sensitiva abaixo da sua zona dorsal.
1.50. Carece de aplicação de gel “Microlax” ou similar para fazer funcionar o intestino, pois, não consegue defecar por si própria.
1.51. Deixou de poder fazer qualquer trabalho ou tarefa doméstica, de poder passear, de poder ir ao cinema, de poder conviver com amigos e familiares.
1.52. Deixou de poder cuidar e tomar conta do filho HH.
1.53. Nunca mais vai poder andar, correr, dançar.
1.54. Nunca mais vai poder ter vida sexual.
1.55. Vive angustiada com o facto de tanto ela como o filho do casal estarem agora dependentes inteiramente da sobrevivência do seu marido cuja falta, antes de cada um deles, os deixaria numa situação de desproteção e de impossibilidade de sobrevivência.
1.56. Após a cirurgia efetuada no Hospital ... recuperou das dores de que padecia e voltou a poder sentar-se.
1.57. Porém, ainda hoje e até ao fim da sua vida, sofre e sofrerá dores na zona dorsal junto ao extremo onde ficou com as vértebras destruídas ao nível de D10-D11.
1.58. E, ainda hoje e até ao fim da sua vida, sofre e sofrerá aguda dor psíquica permanente por se sentir uma inválida, sem poder tirar qualquer felicidade ou alegria da sua existência.
1.59. A autora sofreu um défice funcional temporário total entre as datas de 13/1/2010 e 16/3/2010.
1.60. Sofreu um quantum doloris de grau 6 numa escala de 7 graus.
1.61. Ficou a padecer devido à paraplegia de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 75 pontos.
1.62. Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 7 numa escala de 7 graus.
1.63. Ficou a padecer de uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 5 numa escala de 7 graus.
1.64. Ficou a padecer de uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 7 numa escala de 7 graus.
1.65. Ficou dependente de ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares, ajudas técnicas, adaptação do domicílio, local de trabalho ou veículo e ajuda de terceira pessoa.
1.66. A autora nasceu a .../.../1943, tendo por isso 66 anos em .../.../2009 (doc. ...1, fls. 200).
1.67. Em consequência da paraplegia de que ficou afetada, a autora teve de suportar múltiplas despesas.
1.68. Subsequentemente à cirurgia efetuada no Hospital ..., teve a autora de ser internada na Unidade de Cuidados Continuados da Misericórdia de ... de 17/3/2010 a 30/6/2010 cujo custo importou em €2.055,90 (docs. ...3 a ...7).
1.69. Teve de adquirir uma cama elétrica articulada com grades, colchão anti-escaras e cadeira de casa-de-banho, despesas que importaram em €989,50 e uma cadeira de rodas no valor de €2.300,00, tudo no valor de €3.289,50 (docs. ...8 a ...0).
1.70. Foi necessário efetuar obras de adaptação da casa-de-banho de substituição da porta de folha por uma de correr, remoção do lavatório e da base do chuveiro para mobilização da cadeira de rodas de banho, cujo custo importou em €300,00.
1.71. Em deslocações de ambulância de e para casa, aos hospitais, do Porto (...) de ..., a clínicas médicas para análises e tratamentos a autora entre janeiro de 2010 e 2012 a quantia de €3.144,50 (docs. ...1 a ...8).
1.72. Em face do quadro de paraplegia de que ficou irreversivelmente afetada, a autora tem necessidade de tratamentos de fisioterapia no domicílio em média de 12 sessões por mês, concretamente de “cinesioterapia, massagem manual, técnicas especiais cinesioterapia, mobilização articular passiva e treino em atividade” (docs. ...9 a ...2).
1.73. Até à data da instauração da presente ação, teve a autora de gastar em despesas com fisioterapia, a quantia total até à data de €9.570,00 (€2.190,00 em 2010, €3.960,00 em 2011, €3.420,00 em 2012 (docs. ...3 a ...6).
1.74. Em serviços de higiene diária no domicílio, despendeu até à data da instauração da presente ação, a quantia de €12.700,00 (à razão de €420,00/mês desde junho de 2010 até à data).
1.75. Em sacos para urina, luvas, fraldas, cuecas e resguardos, vem gastando uma média mensal de €51,16 que, desde junho de 2010 até à data da instauração da presente ação, importou já na quantia de €1.483,64 (docs. ...7 a ...1).
1.76. Em consultas médicas particulares, teve de despender até à data da instauração da presente ação a quantia de €290,00 (docs. ...2 a ...5).
1.77. Em internamentos hospitalares, taxa moderadora, exames clínicos desde janeiro de 2010, teve ainda de despender até à data da instauração da presente ação a quantia de €681,43 (docs. ...6 a ...07).
1.78. E, desde que ficou paraplégica e por causa disso, têm de lhe ser administrados, diariamente os seguintes medicamentos: “Lyrica” 75mg (€43,01/mês), “Lioresal” 25mg(€12.58/mês), “diazepam”, (10mg, €1,64/mês), “Microlax” (€8,96/mês), Fisioem/Gel €13,95/mês), Creme “ATL” €22/mês) e Benuron €2,39/mês) o que importa a despesa mensal de €104,53(docs. ...07 a ...10) desde junho de 2010 até à data da instauração da ação, perfazendo um total de €3.031,37  (docs. ...08 a ...11).
1.79. Entre a data da propositura da ação e 15/10/2014, em consequência do seu estado de paraplegia a autora teve de suportar as seguintes despesas:
- €2.555,00 em despesas com fisioterapia;
- €120,00 em despesa com cama articulada;
- €565,49 em despesas com sacos de urina, algálias e higiene;
- €2.357,32 em despesas com medicamentos e pomadas;
- €1.072,66 em despesas com consultas e exames;
- €1.113,00 em despesas com consultas e exames;
- €11.400,00 despesas com lares,
num total de €19.183,47 – cf. docs. fls. 682 a 872
1.80. Desde 16/10/2012 até 26/3/2015 em consequência do seu estado de paraplegia a autora teve de suportar as seguintes despesas:
- €600,00 em despesas com fisioterapia;
- €106,49 despesas com fraldas, algálias e outros equipamentos terapêuticos;
- €195,06 em despesas com medicamentos, cremes e pomadas;
- €14,99 despesas de consultas e tratamentos;
- €222,00 em ambulâncias;
- €4.000,00 alojamento em Lares.
Num total de €5.138,54 – cf. docs. de fls. 898 a 930.
1.81. A autora obteve as seguintes comparticipações da ADSE para as despesas médicas, hospitalares, lares, ajudas técnicas, consultas, deslocações e medicamentos nos anos de 2009: €340,94; no ano de 2010: €1.231,29; em 2011 €4.956,59; e bem assim nos anos de 2012 a 2019 em montante não concretamente apurado – docs. de fls. 1567 a 1572.
1.82. O 1º réu é uma sociedade comercial que explora um estabelecimento privado de saúde designado “Hospital Particular de ...” no qual presta serviços de consulta médica e internamento hospitalar.
1.83. O 4ª réu é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços médicos de imagiologia médica, contra pagamento, dispondo de acordo com a 1ª ré através do qual, os pacientes do Hospital ali fazem os exames imagiológicos que depois são cobrados, diretamente pela 4ª ré aos clientes.
1.84. A autora celebrou com a 1ª ré um contrato de prestação de serviços, concretamente, de internamento hospitalar e assistência médica, através do qual pretendia, mediante pagamento, ser assistida com os cuidados médicos necessários para debelar as dores de que padecia e que motivaram o internamento.
1.85. Assim pagou por tal contrato de internamento, com os exames e serviços médicos incluídos, um total de €3.080.01 (doc. ...13 a ...19) com vista a ser debeladas as dores de que padecia e que motivaram o internamento.
1.86. Para isso aceitou sujeitar-se à realização de exames e tratamentos que fossem havidos como adequados a debelar o sofrimento em que se encontrava.
1.87. Como pagou à 4ª ré o preço dos serviços de imagiologia que com a mesma contratou, por indicação e intermédio da 1ª ré.
1.88. Entre os meses de novembro e .../.../2009 a autora perdeu 17 kgs de peso.
*
2. FACTOS NÃO PROVADOS

2.1. Ao longo de todo o internamento no 1º réu, a autora apresentou-se queixosa das costas, posicionando-se no leito em posição anti-álgica de decúbito dorsal ou decúbito lateral direito, sendo continuadamente medicada com “TRAMADOL”.
2.2. Devido às dores e sofrimento de que se queixava, deixou de se alimentar convenientemente, muitas vezes não comendo ou comendo pouco.
2.3. Não obstante as sistemáticas queixas apresentadas aos 2º e 3º réus que a examinaram durante o internamento, apenas lhe era ministrada medicação analgésica e sedativa forte para as dores, concretamente, o “Tramadol”.
2.4. De tal modo que a autora se apresentava quase sempre prostrada, asténica e quase sempre deitada no leito na posição suprarreferida queixando-se recorrentemente das dores nas costas na zona dorsal e lombar.
2.5. A autora aquando da realização da RMN de 7/12/2009 apresentava as fortes queixas quando não estava sob o efeito do “Tramal”.
2.6. E tal exame, ainda que de forma pouco nítida, evidenciava anomalia ao nível das últimas vértebras dorsais que uma análise atenta, a par das queixas da autora, impunham que se fizesse o estudo da zona dorsal.
2.7. Nos exames de TAC’s referidos em 1.13. dos factos provados, nas imagens são visíveis alterações nas mesmas vertebras dorsais não relatadas.
2.8. No TAC de 3/12/2009, tal como na RMN de 7/12/2009, evidenciam-se já anomalias ao nível das vertebras D10-D11, não obstante as queixas dorsais recorrentes da autora.
2.9. Acresce ainda que, dos exames de hematologia efetuados resultou evidente que a autora vivia um processo inflamatório e infecioso arrastado, patente nos marcadores leucocitários, da Proteína C/R e da velocidade de sedimentação cujos registos se acham inclusos no doc. ... junto com a p.i.
2.10. Na colheita de 3/12/2009 acusava 13.6 x10E3/ul de Leucócitos e 78,9% de neutrófilos, com registo de 94mm na velocidade de sedimentação na 1ª hora, marcadores que evidenciavam processo inflamatório agudo em curso (doc....).
2.11. Na de 17/12/2009 acusava ainda 10.8 x10E3/ul de Leucócitos e 64,6% de neutrófilos, com registo de 62mm na velocidade de sedimentação na 1ª hora, marcadores que ainda insinuam a presença de inflamação (doc....).
2.12. Também em ambos casos, o marcador da “Proteína C Reativa” se achava alterado para 205,7mg/l em 3/12/2009 e 49.6 mg/l em 17/12/2009, quando os valores normais se situam em menos de 5,0mg/l (doc....).
2.13. Este marcador, conjugado com os demais, insinuava que além de processo inflamatório, se evidenciava a presença de infeção.
2.14. O marido da autora assistindo ao desespero desta em sofrimento, identificando sempre nas costas a origem das fortes dores de que padecia, insistia com os 2º e 3º réus que não identificaram a origem de tais dores.
2.15. Por várias vezes, o 2º réu a insistência do marido da autora quanto às dores nas costas e falta de força nas pernas, respondeu que se tratava de “mimo” por parte da autora.
2.16. Em todo o período de internamento, não tendo a autora tido febre elevada, não tendo incapacidade respiratória, estava afastado o quadro de pneumonia ou qualquer outra infeção no aparelho respiratório.
2.17. Pelo que, perante as queixas ósseas subsequentes a cirurgia de extirpação de um tumor no pulmão esquerdo em outubro de 2009, na ausência de infeção respiratória, afigurava-se recomendável que aquando o internamento no 1º réu fosse efetuado exame de cintilografia óssea em 3 fases para despistar eventual metastização para a zona da coluna dorso-lombar.
2.18. Com a vantagem de tal exame, ser adequado a, desde logo revelar a “discite” que se veio a instalar na sua coluna vertebral.
2.19. A autora tinha em evolução uma patologia de “discite”, inflamação discal entre D10 e D11 que foi sendo atenuada na dor com a aplicação do “TRAMADOL” e contida com a prescrição de antibiótico “TIENAM” desde o dia .../.../2009 até ao dia da alta, 22/12/2009.
2.20. Em 22/12/2009, foi dada à autora alta para o domicílio com plano de medicação e com diagnostico final de “Pneumonia direita.ICC?” pese embora mantivesse queixas de dores intensas nas costas.
2.21. Nessa data 22/12/2009, estava a autora a desenvolver já uma discite ao nível e D10-D11.
2.22. E, não obstante a autora apresentasse sintomas de tal patologia -“espondilodiscite”, a mesma foi ignorada pelos 1º a 3º réus que lhe deram alta do Hospital da 1ª réus sem serem debeladas as dores nas costas que motivaram o internamento.
2.23. Teve a autora de abandonar o Hospital mediante o recurso de uma cadeira de rodas até à viatura que a transportou para casa onde ficou acamada sujeita à medicação prescrita.
2.24. Remetida ao leito em casa com medicação paliativa, assim se manteve em sofrimento até ao dia 5/1/2010.
2.25. Foi em consequência da falta do atempado diagnóstico e tratamento por parte dos aqui réus e da evolução da referida patologia de discite que a autora ficou paraplégica.
2.26. O médico neurocirurgião Dr. II esclareceu que a patologia de Discite da mulher do autor já estava presente e era diagnosticável no Hospital da 1ª ré porque a RMN de 7/12/2009, da autoria dos 4º e 5º réus, analisada com atenção já indiciava a alteração anormal por inflamação discal nas vértebras D10 a D11.
2.27. A patologia de Discite de que a autora era portadora, estava em evolução subsequentemente à alta da cirurgia torácica e seria simples de debelar com a medicação antibiótica adequada, ou ainda, se necessário fosse, com recurso a cirurgia de descompressão da zona afetada antes de atingir a evolução grave que apresentava em 13/1/2010, pelo que sempre se teria evitado que ficasse paraplégica.
2.28. Mais recomendou que, não obstante a doença irreversível instalada era premente submeter a autora a uma cirurgia para descompressão do abcesso e fixação da coluna na zona afetada, mostrando-se incrédulo com o facto de ter sido referido à autora que não havia nada a fazer.
2.29. Esclareceu ainda o Dr. II que, se a autora não fosse operada para fixação da coluna iria ficar irremediavelmente imobilizada numa cama, atrofiando a coluna “até ficar como um caracol”, revelando-se incrédulo e apreensivo dizendo “como esta senhora tem sofrido…”.
2.30. No decurso dos exames realizados pelos 4º e 5º réus, era-lhes exigível, em face dos registos das últimas vertebras dorsais, e em particular dos cortes axiais da zona nos TACs, que fosse levado a cabo ou prolongada a área de incidência da RMN para o trajeto dorsal da coluna (docs. ...20 a ...24).
2.31. Acabou por ser dada alta à autora em 22/12/2009 sem medicação para a inflamação ou infeção, pese embora aquelas estivessem presentes nas análises clínicas.
2.32. O 5º réu, na apreciação e ao relatar os exames imagiológicos acima referidos RMN Lombar de 7/12/2009 e TAC Tórax de 3, 11 e 21 de dezembro, verificando tais alterações nas últimas vértebras lombares, ignorou-as, não lhes fazendo referência no relatório, nem determinando que a RMN se estendesse à zona dorsal.
*
B) O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
*
C) O recurso visa a reapreciação da decisão da matéria de facto e da matéria propriamente jurídica.
*
I. Relativamente à reapreciação da matéria de facto, os apelantes entendem que o ponto 2.1 dos factos não provados deverá ser considerado como provado, com a seguinte formulação:
 “Durante o internamento no 2º réu, a autora apresentou-se várias vezes queixosa das costas com irradiação para a zona abdominal, referindo as enfermeiras pelo menos por duas vezes a especifica “zona dorsal” posicionando-se no leito em posição anti-álgica de decúbito dorsal ou decúbito lateral direito, sendo medicada com "TRAMADOL" sempre que tinha dores, o que ocorreu pelo menos em 8 dias do internamento”.
Para tanto sustentam-se no depoimento do réu Dr. BB, cujo breve excerto indica, no depoimento do autor EE, bem como os registos clínicos, juntos aos autos, que identificam.
II. Quanto ao ponto 2.2 dos factos não provados, entendem os apelantes que deverá ser dado como provado, baseando-se nas declarações de parte do autor EE, bem como nos registos clínicos que identificam, constantes dos autos.
III. No que se refere ao ponto 2.4 dos factos não provados, entendem os apelantes que deverá ser considerado como provado, fundando-se nas declarações de parte do autor EE, cujos excertos transcrevem, bem como nos registos processuais que referem.
IV. Respeitante ao ponto 2.5, entendem os apelantes que deverá ser considerado como provado, baseando-se no depoimento do réu Dr. BB relativo a um excerto que transcreve, bem como nos elementos documentais que indica.
V. Relativamente aos factos não provados 2.6, 2.7 e 2.8 dos factos não provados, entendem que deverão ser dados como provados, sustentando-se nas declarações do autor EE, cujo depoimento transcrevem, bem como no depoimento do Dr. OO que referem ter-se remetido ao silêncio e, ainda, na prova documental que referenciam, na Prova Pericial (Parecer Médico-Legal) e no Parecer do Professor Dr. JJ.
VI. Referente aos pontos 2.9, 2.10, 2.11, 2.12 e 2.13 dos factos não provados, entendem os apelantes que deverão ser dados como provados, justificando tal entendimento com a prova emergente do depoimento do réu Dr. BB, do Dr. KK e do Prof. Dr. JJ, bem como dos documentos que indicam.
VII. Entendem ainda os apelantes que os pontos 2.14 e 2.15 dos factos não provados deverão ser dados como provados, tendo em conta as declarações do autor EE e o depoimento do réu Dr. BB.
VIII. Relativamente aos pontos 2.17 e 2.18 dos factos não provados, entendem que os mesmos deverão ser considerados como provados atendendo ao depoimento do réu Dr. BB.
IX. Quanto aos pontos 2.19 e 2.21, entendem os apelantes que os mesmos devem ser dados como provados, baseando-se nos documentos juntos aos autos, que especificam, bem como nos depoimentos do Professor Dr. JJ, do réu Dr. BB, do Dr. KK e do Professor Dr. LL.
X. Entendem ainda os apelantes que os pontos 2.20 e 2.22, dos factos não provados, devem ser dados como provados, sustentando-se nos documentos juntos ao processo que especificam, bem como nos depoimentos do réu Dr. BB, do Professor Dr. JJ e do Professor Dr. LL.
XI. Sustentam ainda os apelantes que os pontos 2.23 e 2.24 dos factos não provados deverão ser considerados como provados, atendendo às declarações do autor EE e ao depoimento do réu Dr. BB, bem como aos documentos constantes dos autos que especificam.
XII. Os apelantes entendem que o ponto 2.25 dos facos não provados deverá ser considerado como provado, atendendo aos documentos referenciados nos autos e aos depoimentos do réu Dr. BB, do Professor Dr. JJ e do Professor Dr. LL.
XIII. No que se refere ao ponto 2.31 dos factos não provados, sustentam dever ser considerado como provado e quanto ao ponto 1.20 dos factos provados, entendem dever ser eliminado o segmento onde se refere “paracetamol para as dores em SOS” de acordo com os registos clínicos juntos aos autos, que especifica e atendendo ao depoimento do réu Dr. BB.
XIV. Quanto ao facto constante do ponto 1.10 dos factos provados, entendem que deve ser alterado este ponto dos factos provados para “1.10. Foi igualmente medicada com Tramadol que é um analgésico nos dias 5, 6, 7, 8, 11, 15 (por mal-estar abdominal) 16 e 21 de dezembro” tendo em conta os registos constantes dos autos, que indicam.
XV. Entendem, por fim, que deverá ser aditado ao elenco dos factos provados a matéria que consta dos pontos 42º e 44º da PI, com a seguinte formulação: “A espondilodiscite” é uma patologia de inflamação dos discos vertebrais de evolução prolongada e sintomatologia de dor na zona da coluna afetada e quando situada na zona dorsal ou lombar, irradia para os membros inferiores e para a zona abdominal e dura em média cerca de 70 dias de evolução”, baseando-se, para tanto, na documentação constante dos autos que referem, bem como nos depoimentos do réu Dr. BB e da testemunha Dr. KK.
*
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (artigo 341º do Código Civil), sendo a força probatória dos depoimentos das testemunhas apreciada livremente pelo tribunal (artigo 396º Código Civil) segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artigo 607º nº 5 NCPC).
Conforme refere o Professor Antunes Varela, com os Drs. Miguel Bezerra e Sampaio da Nóvoa, no Manual de Processo Civil, 2ª edição, a páginas 609, “diz-se testemunha a pessoa que, não sendo parte na ação, nem seu representante, é chamada a narrar as suas perceções sobre factos passados que interessam ao julgamento da causa… a testemunha … é chamada a referir as suas perceções de factos passados (o que viu, o que ouviu, o que sentiu, o que observou).”
E importa ainda ter em conta, como se diz no acórdão do Tribunal desta Relação de Guimarães de 29/09/2016, relatado pela Desembargadora Ana Cristina Duarte, publicado no site www.dgsi.pt que “os poderes de reapreciação da matéria de facto pela Relação estão circunscritos à reapreciação dos concretos meios probatórios invocados, dispondo, contudo, a mesma, da possibilidade de valorar de forma diversa da 1ª instância, os meios de prova sujeitos à sua livre apreciação, como é o caso dos depoimentos testemunhais e documentos.
Assim, “a Relação desfruta não apenas do poder dever de aferir da razoabilidade da convicção dos juízes da 1ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, nos casos flagrantes ou notórios de desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão de facto proferida pela 1ª instância, mas também (e sobretudo) de um poder dever de formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova…” – cfr. J.P. Remédio Marques, in “Um breve olhar sobre o duplo grau de jurisdição em matéria de facto”, Cadernos de Direito Privado, 01, dezembro de 2010.
Trata-se do proclamado ‘segundo grau de jurisdição’, que trouxe um reforço dos poderes da Relação, com o objetivo de permitir uma efetiva sindicância do julgamento da matéria de facto – veja-se António Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil”, Novo Regime, 3.ª edição, pág. 309.
Assim, a Relação aprecia livremente as provas, de acordo com o princípio constante do nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção.
Claro que é impossível esquecer que a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, o que se traduz no facto de a 1ª instância estar efetivamente mais bem posicionada para a valoração da prova testemunhal.
Na reapreciação dos depoimentos gravados, a Relação tem apenas uma imediação mitigada, pois a gravação não transmite todos os pormenores que são captáveis pelo julgador e que vão contribuir para a formação da sua convicção.
“Como a experiência o demonstra frequentemente, tanto ou mais importante que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reações perante as objeções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, sendo que a mera gravação dos depoimentos não permite o mesmo grau de perceção das referidas reações que, porventura, influenciaram o juiz de 1.ª instância.
Na verdade, existem aspetos comportamentais ou reações dos depoentes que apenas são percecionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores” – Abrantes Geraldes, in obra citada, pág. 316 e 317.”
Há que dizer, a propósito da reapreciação da prova que a avaliação dos meios de prova produzidos tem de ser feita a partir de uma perspetiva crítica, global e objetiva.
E, por isso, de pouco adiantará procurar alterar a decisão da matéria de facto, ignorando completamente o conjunto da prova produzida, as razões apresentadas na fundamentação da decisão recorrida, justificando a pretendida alteração da matéria de facto, de acordo com uma perspetiva subjetiva, mediante uma apreciação da prova unilateral e parcial da mesma.
 Os depoimentos das testemunhas deverão, em regra, ser resultado de conhecimento direto dos factos, isto é, deverão traduzir o que a testemunha viu, o que ouviu, o que sentiu, o que observou, diretamente e não o que lhe disseram que viram, o que lhe disseram que ouviram, o que lhe disseram que sentiram, ou o que lhe disseram que observaram.
Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 10/12/2010, disponível na base de Dados do Ministério da Justiça, no endereço www.dgsi.pt “a apreciação das provas resolve-se, assim, em formação de juízos, em elaboração de raciocínios, juízos e raciocínios estes que surgem no espírito do julgador, como diz o Prof. Alberto dos Reis, “...segundo as aquisições que a experiência tenha acumulado na mentalidade do juiz segundo os processos psicológicos que presidem ao exercício da atividade intelectual e, portanto, segundo as máximas de experiência e as regras da lógica...”
A prova não visa, adverte o Prof. Antunes Varela, “...a certeza absoluta, (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) ...”, mas tão só, “...de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto.”
A certeza a que conduz a prova suficiente é, assim, uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
Conforme se escreveu no Acórdão do STJ de 07/06/2005, relativamente à apreciação da prova, “quer seja na 1ª instância, quer seja na Relação, a questão é sempre de valoração das provas produzidas em audiência ou em documentos de livre apreciação.
Vigoram, em ambos os casos, para os julgadores desses tribunais, as mesmas regras e os mesmos princípios, dos quais avulta o da livre apreciação da prova ou sistema da prova livre (...) consagrado no artigo 655º nº 1 do Código de Processo Civil (atual 607º nº 5 NCPC).
Significa isto que a prova há-de ser sempre apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formulação de juízos e raciocínios que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções refletidas na decisão dos pontos de facto sob avaliação.”
Um dos princípios que devem presidir ao julgamento é o da livre apreciação da prova, impondo-se ao juiz que decida de acordo com a sua prudente convicção acerca de cada facto, mas, quando a lei imponha para a existência ou prova do facto jurídico qualquer formalidade especial, não pode esta ser dispensada (artigo 655º do Código de Processo Civil – artigo 607º nº 5 NCPC).
Segundo este princípio, o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas (Professor Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, página 384).
*
Para procedermos à reavaliação da decisão da matéria de facto, importa atentar na motivação da decisão sobre a mesma, constante da sentença, onde se refere o que segue.
“O Tribunal alicerçou a sua convicção quanto aos factos provados e não provados na análise conjugada e crítica de toda a prova produzida.
3.1. Assim, e com referência aos factos alegados em que se alicerçou a responsabilidade pretendida assacar aos réus, considerou-se desde logo o parecer da Consulta Técnico-Científica constante de fls. 1449 e segs e esclarecimentos respetivos subsequentes de fls. 1493 e segs e de fls. 1511 e segs e, por último, os prestados em sede de audiência de julgamento pelos respetivos relatores: Prof. Doutor LL e Prof. Doutor QQ.
Assim, no relatório da consulta técnico-científica de fls. 1450, após resumo do historial clínico da doente (fls. 1450 e 1451), em resposta aos quesitos apresentados, os citados Professores/Peritos - Conselheiros concluem que na TAC de 3/12/2009 ou a RM de 7/12/2009 não eram visíveis nem as mesmas evidenciavam anomalias das vértebras D10 e D11 e não permitiam o diagnóstico da espondilodiscite (cfr. respostas aos quesitos 25º e 29º de fls. 1453, 36º de fls. 1454, 12º e 14º de fls. 15º de fls. 1455, 10º de fls. 1456, 15º, 21º e 22º  de fls. 1457, 21º de fls 1457). Já na resposta ao quesito 23º de fls. 1458 observam não possuírem elementos que permitam afirmar que a espondilodiscite estivesse presente durante o internamento no hospital da 1ª ré.
Nos esclarecimentos dos mesmos Srs. Peritos-Conselheiros fls. 1493 e segs, na resposta ao quesito 3º da então autora, entretanto falecida, sobre se a causa da sua paraplegia foi a evolução não diagnosticada de uma espondilodiscite dorsal, apenas respondem que esta espondilodiscite dorsal foi a causa daquela paraplegia.
Dos esclarecimentos ao quesito 25º do corréu DD (fls. 1453) constante de fls. ..., pontos 3, 4, 5 e 6 conclui-se “pela inexistência de elementos que pudessem habilitar o radiologista a afirmar o diagnóstico de espondilodiscite em qualquer dos exames analisados”.
Dos esclarecimentos de fls. 1496 e 1497 à resposta suprarreferida ao quesito 23º da autora resulta a manutenção da resposta dada: não possuírem elementos que permitam afirmar que a espondilodiscite estivesse presente durante o internamento no hospital da 1ª ré.
Dos esclarecimentos prestados a fls. 1512 e segs resulta que do historial clínico da doente e dos registos médicos:
- “não há nos registos sinais sugestivos de espondilodiscite dorsal, mas sim de um quadro clínico de patologia respiratória infeciosa que foi diagnosticada e medicada”;
- o registo das seguintes queixas dolorosas:
- dor na zona dorsal – registo de enfermagem de 16/12/2009
- 17 e 18/12/2009 “queixas álgicas ligeiras na região dorsal”
- 18 e 19/12/2009 “queixas álgicas generalizadas”
- 19 e 20 /12/2009 “queixas álgicas sobre o flanco direito”
“não são específicas ou relevantes como sinal / sintoma sugestivo da patologia dorsal em causa”;
- o quadro infecioso apresentado pela doente e a sua resposta à terapêutica eram compatíveis com as queixas da doente, não se justificando a realização de RMN dorsal.
- e, finalmente, ao quesito sobre se “Era ou não era para um médico competente, zeloso e atento a discite um diagnóstico possível ou mesmo provável?” responderam os Srs. Peritos – Conselheiros:
“A discite dorsal seria um diagnóstico possível no contexto de um quadro inflamatório com dores dorsais sem outra explicação. No entanto o quadro clínico durante todo o internamento de 4 a 22/12/2009 não apontava para a existência de patologia dorsal, mas sim para o diagnóstico de patologia infeciosa respiratória, aliás confirmado pelos exames complementares, sendo um diagnóstico correto e adequado nesta doente. A ausência de hemoculturas positivas não invalida este diagnóstico de patologia infeciosa respiratória.”
Em sede de esclarecimentos em julgamento, o Sr. Perito - Conselheiro QQ (especialista em radiologia) reiterou que após análise e estudo de toda a informação clínica que esteve na base da requisição da Consulta, exames e imagens do estudo torácico, chegou à conclusão de que não existiam alterações que necessitavam de ser reportadas pelo radiologista em ordem a sugerir um exame mais específico apto a detetar a espondilodiscite. Reiterou que os exames efetuados não revelavam alterações suficientes, antes sim alterações inespecíficas, que permitissem ao radiologista fazer aquele diagnóstico, nem sequer sugerir um exame mais específico, reiterando as respostas dadas aos quesitos 24º a 38º - fls. 1453 e 1454.
Dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito Conselheiro Prof. LL resultou a reafirmação de que, analisada toda a informação clínica, registos e exames relativos à doente, não existem dados objetivos para se poder afirmar que a doente tinha espondilodiscite no internamento no Hospital Particular de ..., reiterando a resposta ao quesito 23º de fls. 1458, e salientando que mesmo a existirem dados trata-se de uma doença rara, de difícil diagnóstico. E sempre que confrontado várias vezes com a informação clínica da doente constante dos autos respondeu que “apenas com esses dados, por falta de elementos era impossível para mim colocar a espondilodiscite”, informando que se trata de doença que pode evoluir sem dor ou com dor ligeira, é de difícil diagnóstico e que os colegas do Hospital Privado ... não tinham dados suficientes para concluir pela sua presença na doente em causa. De resto, esclareceu que lida a informação e os registos clínicos não pode concluir ter ocorrido agravamento na evolução clínica da doente durante o internamento.  
3.2. Relevante foi o depoimento da testemunha Dr. JJ, autor do parecer de fls. 605 e segs, que igualmente foi tido em consideração pelo Tribunal, e que lhe foi pedido pela Inspeção-Geral da Saúde, nos termos constante de fls. 595 a 604. Esclareceu que para elaborar o seu parecer, e como refere no ponto 2, al. b), só teve acesso a um CD contendo apenas imagens da RMN da coluna lombar de 7/12/2009 e as análises clínicas ao sangue, não tendo tido acesso aos registos clínicos dos hospitais, tendo-se baseado para elaborar o parecer no resumo feito pelo Inspetor no pedido de parecer de fls. 595 e segs  Instado a justificar a afirmação que logo fez no ponto 1 do seu parecer: “A espondilodiscite é uma doença infeciosa grave, de diagnóstico difícil, contudo na situação clínica em causa podia e devia ter sido diagnosticada mais cedo.” Explicou esclarecidamente, de forma objetiva o seguinte:
- com o “devia” quis afirmar que se a doente em causa tivesse sido observada no serviço onde foi operada ao pulmão, provavelmente a espondilodiscite seria identificada; mais referindo que deve ser o serviço de origem a avaliar essa complicação, os que tiveram competência para fazer a cirurgia torácica (ocorrida no Hospital ...), declarando manter a 1ª parte da al. b) do ponto 1 do seu parecer, esclarecendo que a segunda parte dessa al. b) foi obtida do pedido de parecer que lhe foi feita.
- com o “podia” quis significar que no caso em apreço tudo indica que a espondilodiscite teve origem na cirurgia ao pulmão a que a doente foi submetida, uma vez que se trata de uma infeção da coluna que pode surgir como complicação da operação, ou seja, por ter sido operada.
Explicou que a afirmação “de que deveria ter sido realizada RMN dorsal” (fls. 606) não deve ser tirada do seu enquadramento, querendo significar que “eu faria isso porque sou da área desse conhecimento”, sendo que a medicina interna tem pouca experiência na espondilodiscite na sequência de cirurgia torácica.
Quanto à al. c) do ponto 1 do seu parecer (fls. 605) referiu que o diagnóstico perante o quadro clínico da doente em causa não era fácil (“esta discite é de difícil diagnóstico”), nomeadamente pela especialidade de medicina interna que não está habituada ou não tem experiência em lidar com pós-operatórios de cirurgias torácicas, considerando que o corréu Dr. BB “foi diligente, tentou ajudar a paciente”, entendendo no entanto que o quadro clínico da doente deveria ter sido avaliado por outras especialidades como ortopedia e/ou reumatologia, para além do que teria sido desejável e possível que quer o Hospital ..., quer o Hospital ... tivessem contactado o cirurgião da operação torácica. Sucedendo que como infra se verá existiu contacto entre o 2º réu e referido cirurgião, para além deste último ter consultado em pós-operatório a autora em data posterior à data da alta no 1º réu.
Afirmou que “eu detetaria a espondilodiscite porque sou ligado à área, tenho um conhecimento privilegiado e avançado sobre o assunto; o caso da doente em apreço não era fácil”, concluindo o seu depoimento com a seguinte consideração quanto à atuação dos demandados: “acho que aqui não houve negligência ou erro grosseiro, houve uma falta de experiência de arte”. 
3.3. Em face do teor deste depoimento, o Tribunal teve de considerar o depoimento da testemunha Dr. RR, médico cirurgião cardiotorácico que operou a autora falecida ao tumor carcinoide atípico no pulmão em .../.../2009. Esclareceu que trabalhou no Hospital ... até 2018, e que ao ser convocado como testemunha consultou os seus registos clínicos sobre a autora referiu que após aquela primeira operação, a paciente foi reoperada em 22/10/2009 por ter um derrame, obtendo alta em 28/10/2009 e teve as seguintes consultas pós-operatório no Hospital ... nas seguintes datas:
- 10/11/2009,
- 17/11/2009,
- 25/11/2009, todas elas com a médica Dra. SS, e
- .../.../2009, tendo sido esta testemunha quem fez esta consulta à paciente.
Notando-se que esta última consulta de .../.../2009 ocorre após o internamento da autora falecida no demandado Hospital Particular de ... (Hospital Privado ...), já que teve alta neste último em 22/12/2009.
Referiu a testemunha Dr. RR que nesta consulta a paciente apresentou-se sem queixas do foro respiratório, sendo que as únicas queixas que apresentou remetiam para uma astenia muito marcada e dores ósseas generalizadas o que explica devido à cirurgia que sofreu uma vez que a operação ao pulmão na altura era muito dolorosa, sendo que por isso não considera tais queixas dolorosas anormais, tanto mais no caso desta paciente em apreço que não realizou terapia pós-operatória e como esteve de cama essas dores podem prolongar-se. Recorda-se que nesta consulta a doente verbalizou que tinha estado internada no Hospital Particular de ..., contudo não era portadora de qualquer documento nesse sentido, lembrando-se o depoente que entrou em contacto com o demandado Dr. BB, nada referindo em concreto sobre o conteúdo deste contacto.
Sendo que a fls. 92 dos autos (nas notas de enfermagem do Hospital Privado ...) em 10/12/2009 “tem contacto do Dr. RR anexado ao processo para o Dr. BB”.
Esclareceu nada saber da espondilodiscite que afetou a paciente.
3.4. Outra das testemunhas cujo depoimento foi considerado foi o do Dr. PP, médico ortopedista que participou no tratamento da espondilodiscite da autora quando entrou no Hospital ... em 22/1/2010. Deste depoimento, isento e objetivo retirou-se em síntese o seguinte relativamente à situação da autora falecida:
- referiu que recebeu a paciente já com o diagnóstico de espondilodiscite dorsal feito e que a mesma já tinha um quadro de paraplegia instalado;
- após exposição que lhe foi feita e considerações tecidas sobre o quadro clínico da autora, referiu que em causa está um quadro clínico complexo e que daí seja muito difícil diagnosticar a espondilodiscite;
- a espondilodiscite é relativamente frequente, mas tem um tempo de diagnóstico largo, ou seja: “não é colocada logo à entrada”, sendo um processo arrastado de diagnóstico, existindo um período de 90 (noventa dias) entre o processo inicial até ao diagnóstico;
- e foi esse o caso da doente em questão: não foi um processo infecioso agudo mas arrastado e lento.  
3.5. Do depoimento da testemunha Dr. II não resultou informação relevante para o caso dos autos, referindo não se lembrar do caso da autora, nem possuindo registos clínicos sobre a paciente, salientando que não interveio no âmbito de uma consulta, mas a título informal num contacto que não terá durado mais do que meia hora, sendo que “as minhas opiniões valem do ponto de vista humano e não do ponto de vista clínico, porquanto se limitou a ajudar a encaminhar a paciente num quadro de pós-operatório e que tinha vários problemas do ponto de vista clínico, tendo para o efeito contactado o Dr. PP do Hospital ....  
3.6. Atentou-se no relatório pericial de avaliação do dano corporal realizado pelo INML, constante de fls. 1432 e segs dos autos, esclarecimentos de fls. 1447 requeridos a fls. 1442 vº e 1443, e os prestados em sede de audiência de julgamento pela Sra. Perita Dra. TT. Em síntese, manteve a Sra. Perita tudo quanto se encontra vertido no relatório, respostas aos quesitos de fls. 589 e segs e posteriores esclarecimentos, realçando-se as conclusões de fls. 1441 e respostas aos quesitos a fls. 1441 e vº.
Quanto ao relatório de fls. 931 e segs e depoimento do seu autor Dr. KK, médico ortopedista, considera-se que as suas conclusões e afirmações resultam de uma leitura a posteriori dos factos ocorridos, numa altura em que o diagnóstico da discite que afetou a autora já estava estabelecido, limitando-se a analisar elementos/documentos clínicos que, segundo o mesmo, lhe foram fornecidos pelo marido da autora, não os identificando, bem como admitindo que não viu quaisquer imagens de RMN ou TAC. Pelo que se considerou este depoimento com conhecimento de ciência insuficiente ou deficiente para os factos afirmados e concluídos por esta testemunha, não tendo sido tomados em consideração tais meios de prova. O mesmo sucedendo com o parecer de fls. 1573 e segs que pelo seu próprio teor, com abordagem genérica, incompleta e deficientemente fundamentado quanto à complexa situação da A., desconhecendo-se a que processo teve acesso, não assume relevância probatória suficiente para arredar os meios probatórios supra indicados e descritos no qual se fundou a convicção do Tribunal para os factos provados e não provados.
3.7. Quanto às consequências e danos patrimoniais e não patrimoniais sofridas pela autora, em especial após consolidação médico legal das lesões sofridas com a espondilodiscite o Tribunal fundou a sua convicção na prova documental junta aos autos A. quanto às despesas, oportunamente referida ao lado dos respetivo facto considerado provado por tal meio de prova e bem assim nas declarações do marido da autora, no depoimento da testemunha UU, fisioterapeuta, que prestou serviços da profissão à autora no domicílio desta, durante cerca de três anos, confirmando os recibos de fls. 238 e segs; VV, amiga da autora e que  visitou várias vezes, descrevendo em particular o estado anímico da autora após a paraplegia de que ficou a padecer; WW, prestadora de cuidados à A. entre 2010 e 2013, confirmando o seu vencimento mensal de €400,00 (cf. fls. 936).”
*
Passemos, então, à reapreciação da decisão da matéria de facto, com uma observação prévia relativamente à questão suscitada pelo apelado DD, relativamente ao “documento” junto pelos apelantes, constante do corpo das alegações, a fls. 120, consistente numa gravura da coluna vertebral humana, em três perspetivas, legendada, que se nos afigura ser legalmente inadmissível, por força do disposto no artigo 651º NCPC, não obstante não se apresentar em documento (folha) autónoma(o), mas inserido nas próprias alegações, sendo certo que se apresenta como uma reprodução de uma publicação cuja autoria não se mostra identificada, não obstante pudessem os apelantes, se nisso tivessem interesse, identificar endereços na internet que dispusessem de uma gravura para onde se pudessem remeter os leitores das alegações para aí serem consultadas, sem violarem a lei, mas optaram, antes por reproduzir tal documento nas alegações, o que, como se referiu, não é legalmente admissível e, como tal, não se admite.
*
I. Entendem os apelantes que o ponto 2.1 dos factos não provados deverá ser considerado como provado, com a seguinte formulação:
“Durante o internamento no 2º réu, a autora apresentou-se várias vezes queixosa das costas com irradiação para a zona abdominal, referindo as enfermeiras pelo menos por duas vezes a especifica “zona dorsal” posicionando-se no leito em posição anti-álgica de decúbito dorsal ou decúbito lateral direito, sendo medicada com "TRAMADOL" sempre que tinha dores, o que ocorreu pelo menos em 8 dias do internamento”.
O ponto 2.1 dos factos não provados refere que “Ao longo de todo o internamento no 1º réu, a autora apresentou-se queixosa das costas, posicionando-se no leito em posição anti-álgica de decúbito dorsal ou decúbito lateral direito, sendo continuadamente medicada com “TRAMADOL”.
Antes de mais importa notar que existe um lapso na formulação proposta pelos apelantes, uma vez que a primitiva autora esteve internada no 1º réu, que é um hospital e não no 2º réu, que é uma pessoa física.
De qualquer forma, importa notar que consta do ponto 1.7 dos factos provados que a primitiva autora “Apresentava queixas de dores generalizadas a nível lombar, anca alta, hemotórax esquerdo e abdómen, nas costas com irradiação para a zona abdominal apresentando náuseas e perda de apetite e falta de força nas pernas (doc. ..., fls. 60)” resultando ainda do ponto 1.10 dos fatos provados que durante o internamento foi medicada com Tramadol, não resultando da prova produzida elementos que, pela sua relevância, justifiquem a pretendida alteração, pelo que se manterá a formulação do ponto 2.1 dos factos não provados. 
II. Quanto ao ponto 2.2 dos factos não provados, entendem os apelantes que deverá ser dado como provado, importando notar que no ponto 1.21 dos factos provados já consta como provado que “Em 5/1/2010, a autora foi conduzida ao Hospital ..., em V..., e aí foi recebida com queixas de “dores articulares e ósseas generalizadas, mais focalizadas na zona da coluna lombar e virilhas, tristeza, insónia, desperança, relacionadas com medo da morte e queixas gástricas perda ponderal de 17 kgs desde Outubro – vigil.orientada. Sem ideação suicida. Sem atividade alucinatória delirante” (doc. ... de fls. 142)”, matéria esta que se encontra documentada, o que não se coaduna com a pretensão dos apelantes que, assim, terá de improceder, mantendo-se a formulação do ponto em questão.
III. No que se refere ao ponto 2.4 dos factos não provados, já resultam provadas no ponto 1.7, já referido, as queixas dolorosas da primitiva autora, bem como a falta de força, que é o significado de astenia, não se justificando a pretendida alteração que, assim, se indefere, mantendo-se a formulação do ponto 2.4 dos factos não provados.
IV. Respeitante ao ponto 2.5, entendem os apelantes que deverá ser considerado como provado.
No ponto em questão consta que «A autora aquando da realização da RMN de 7/12/2009 apresentava as fortes queixas quando não estava sob o efeito do “Tramal”», contudo, o que resultou provado é o que consta dos pontos 1.3, 1.5, 1.7, 1.10, 1.18, 1.21, 1.22, 1.23, pelo que improcede a pretensão dos apelantes, mantendo-se a formulação do ponto 2.5 dos factos não provados.
V. Relativamente aos factos não provados 2.6, 2.7 e 2.8, entendem que deverão ser dados como provados.
Relativamente a estes pontos da matéria de facto, importa ter em consideração a motivação da decisão da matéria de facto da sentença constante dos pontos 3.1 a 3.5, atrás reproduzidos e que, por brevidade, nos dispensamos de aqui, mais uma vez, repetir, considerando que se mostra profusa e fundadamente sustentada nas razões e meios de prova que indica, de acordo com uma perspetiva imediata, no sentido de apreciação direta da prova, perante si produzida, crítica, global e objetiva, que não se mostra validamente posta em crise e que, como tal, se manterá a formulação dos pontos em questão.
VI. Referente aos pontos 2.9, 2.10, 2.11, 2.12 e 2.13 dos factos não provados, entendem os apelantes que deverão ser dados como provados, no entanto, pelos mesmos precisos motivos que fundamentam a decisão no antecedente item V, terá de se manter a formulação dos pontos em questão, improcedendo a pretensão dos apelantes.
VII. Entendem ainda os apelantes que os pontos 2.14 e 2.15 dos factos não provados deverão ser dados como provados, porém, dos elementos de prova que indicam, não resulta provada a materialidade em questão, motivo pelo qual se manterá a formulação dos referidos pontos, atenta a conformidade da decisão, com a prova produzida.
VIII. Relativamente aos pontos 2.17 e 2.18 dos factos não provados, entendem que os mesmos deverão ser considerados como provados, atendendo ao depoimento do réu Dr. BB, no entanto se se atentar no excerto indicado pelos apelantes, chega-se à conclusão de que a matéria de facto em questão foi corretamente decidida e, como tal deverá manter-se, improcedendo a pretensão dos apelantes.
IX. Quanto aos pontos 2.19 e 2.21, entendem os apelantes que os mesmos devem ser dados como provados, mas remetemos para a fundamentação acima referida no item V, motivo pelo qual improcede a pretensão dos apelantes e se manterá a formulação dos pontos em questão.
X. Entendem ainda os apelantes que os pontos 2.20 e 2.22, dos factos não provados, devem ser dados como provados, mas não existe fundamento para a alteração da decisão de facto quanto aos pontos em questão, conforme resulta da motivação constante do item V, para a qual se remete.
De qualquer forma, não deixa de se referir que na data da alta não há registo que a primitiva autora tivesse dores.
Pelo exposto, manter-se-á a formulação dos pontos em questão, improcedendo a pretensão dos apelantes.
XI. Sustentam ainda os apelantes que os pontos 2.23 e 2.24 dos factos não provados deverão ser considerados como provados.
A única referência existente quanto à saída da primitiva autora do hospital em cadeira de rodas é dada pelo autor, marido desta, que é uma parte interessada no desfecho da ação e que não se mostra corroborado por qualquer outro meio de prova, motivo pelo qual se manterá a formulação dos pontos de facto da matéria em questão, assim improcedendo a pretensão dos apelantes.
Não deixa, porém de se notar que tal circunstância se mostra irrelevante para o desfecho da ação, dado que não constitui elemento significativo para a demonstração de factos essenciais para a satisfação da pretensão jurídica dos apelantes. 
XII. Os apelantes entendem que o ponto 2.25 dos factos não provados deverá ser considerado como provado, mas não existem elementos relevantes suficientemente indiciadores de tal factualidade, pelo contrário, dos elementos disponíveis, não é possível afirmar pela verificação da factualidade descrita, conforme resulta da motivação referenciada no item V, atentos os meios de prova relevantes e decisivos tidos em conta para a apreciação da matéria de facto, aí descritos, motivo pelo qual improcede a pretensão da alteração do ponto em questão, mantendo-se a respetiva formulação.
XIII. No que se refere ao ponto 2.31 dos factos não provados, sustentam dever ser considerado como provado e quanto ao ponto 1.20 dos factos provados, entendem dever ser eliminado o segmento onde se refere “paracetamol para as dores em SOS”.
Importa notar que no ponto 1.20 dos factos provados já resulta quais os medicamentos que lhe foram receitados, por ocasião da alta, tornando-se inútil qualquer referência aos medicamentos que o não foram, sendo certo que o réu, Dr. BB afirmou expressamente que foi prescrito por si um antibiótico [00:01:11,30>], tendo a primitiva autora saído do Hospital melhorada da infeção, motivo pelo qual se manterá a formulação do ponto 2.31.
Quanto à pretendida alteração do ponto 1.20 dos factos provados, têm razão os apelantes, dado que a fls. 133 dos autos consta do diário clínico os medicamentos que terão sido receitados à primitiva autora e entre eles não consta o Paracetamol, motivo pelo qual o ponto em questão passará a ter a seguinte formulação:
1.20. Em 22/12/2009 foi-lhe dada alta para o domicílio com plano de medicação de diuréticos (“Lasix” e “Aldactone”), laxantes (“Leite de Magnésio”) e remédios para a hipertensão (“Concor 5” e “Triatec 1.25”) (doc. ...0, fls. 133).
XIV. Quanto ao facto constante do ponto 1.10 dos factos provados, entendem que deve ser alterado este ponto dos factos provados para “1.10. Foi igualmente medicada com Tramadol que é um analgésico nos dias 5, 6, 7, 8, 11, 15 (por mal-estar abdominal) 16 e 21 de dezembro” tendo em conta os registos constantes dos autos.
Os apelantes têm razão apenas na parte em que deve ser aditado o dia 21, mas já não relativamente ao dia 8, conforme resulta dos documentos de fls. 106 a 110, que constitui o registo de terapêutica, executado por enfermeiros ou auxiliares, enquanto o registo constante de fls. 74 é o diário clínico prescrito pelo médico responsável, pelo que não constando a sua administração no registo de terapêutica, não se pode considerar que tenha sido administrado no dia 8.
Assim sendo, o ponto 1.10 dos factos provados, passará a ter a seguinte formulação:
“1.10. Foi igualmente medicada com Tramadol, que é um analgésico, nos dias 5, 6, 7, 15 (por mal-estar abdominal), 16 e 21.”
XV. Entendem, por fim, que deverá ser aditado ao elenco dos factos provados a matéria que consta dos pontos 42º e 44º da PI, com a seguinte formulação: “A espondilodiscite” é uma patologia de inflamação dos discos vertebrais de evolução prolongada e sintomatologia de dor na zona da coluna afetada e quando situada na zona dorsal ou lombar, irradia para os membros inferiores e para a zona abdominal e dura em média cerca de 70 dias de evolução”, baseando-se, para tanto, na documentação constante dos autos que referem, bem como nos depoimentos do réu Dr. BB e da testemunha Dr. KK.
Importa este propósito notar que embora os apelantes afirmem não descortinar que tal alegação tenha sido impugnada pelos réus a verdade é que foi, como resulta da contestação junta a fls. 338 e segs, mais propriamente a fls. 359, no artigo 114º onde expressamente se impugna a matéria constante do artigo 44º da PI, na contestação de fls. 384 e segs, a fls. 393, artigo 59º e na contestação de fls. 405 e segs, a páginas 414, artigo 55º.
Assim sendo importa notar que a matéria que não se acha impugnada se refere à que consta do artigo 42º da PI, ou seja, que “A espondilodiscite” é uma patologia de inflamação dos discos vertebrais de evolução prolongada e sintomatologia de dor na zona da coluna afetada e quando situada na zona dorsal ou lombar, irradia para os membros inferiores e para a zona abdominal.”
Quanto à matéria que consta do artigo 44º da PI “e dura em média cerca de 70 dias de evolução”, não tem correspondência com o conteúdo do artigo científico em que se baseia (fls. 134-139 dos autos), dado que na PI se refere apenas o que antecede e o artigo científico refere-se apenas à duração média de internamento (fls. 134), à duração média da dor até ao diagnóstico (fls. 136 e 138) e à duração do tratamento conservador (fls. 139), não resultando, igualmente, dos depoimentos prestados.
Assim sendo, apenas se deverá dar como provada a matéria que consta do artigo 42º da PI, improcedendo a que consta do artigo 44º da mesma peça, aditando-se o seguinte ponto à matéria de facto provada:
“1.89. A espondilodiscite” é uma patologia de inflamação dos discos vertebrais de evolução prolongada e sintomatologia de dor na zona da coluna afetada e quando situada na zona dorsal ou lombar, irradia para os membros inferiores e para a zona abdominal.”
*
Assim sendo, é a seguinte a matéria de facto apurada:

1. FACTOS PROVADOS

1.1. A autora, por lhe ter sido diagnosticado um tumor no pulmão esquerdo, foi submetida a uma intervenção cirúrgica em .../.../2009, no Hospital ... no Porto, para lobectomia superior esquerda para tratamento de um tumor carcinoide atípico (doc...., fls. 59).
1.2. Devido a complicação de pós-operatório, pela existência de um derrame pleural multisseptado, foi reoperada em 22/10/2009 para resolução do mesmo, vindo a ter alta hospitalar no dia 28/10/2009, recolhendo ao seu domicílio (doc...., fls. 59).
1.3. Recuperou em casa ficando bem nos primeiros dias, mas acabando por se vir a queixar de dores, primeiro na zona torácica e pescoço e mais tarde, já em final de novembro, na zona das costas.
1.4. Conduzida por duas vezes ao Hospital ..., foi medicada e enviada ao domicílio.
1.5. Porque o seu mal-estar e queixas de dor foram aumentando, em 3/12/2009 foi conduzida ao Hospital da 1ª ré onde após ser examinada, ficou internada, obrigando-se a pagar o respetivo custo.
1.6. Foi por proposta da 3ª ré que a autora aceitou o internamento no 1º réu.
1.7. Apresentava queixas de dores generalizadas a nível lombar, anca alta, hemotórax esquerdo e abdómen, nas costas com irradiação para a zona abdominal apresentando náuseas e perda de apetite e falta de força nas pernas (doc...., fls. 60).
1.8. Aí permaneceu internada, sujeita à observação e tratamento médico e enfermagem prestados pela 1ª ré e melhor descritos no doc. ... de fls. 60 e ss, cujo teor se dá aqui por reproduzido, até 22/12/2009 data em que lhe foi dada alta.
1.9. Durante o internamento, por duas vezes apresentou febre, sendo medicada com paracetamol para baixar a temperatura.
1.10. Foi igualmente medicada com Tramadol, que é um analgésico, nos dias 5, 6, 7, 15 (por mal-estar abdominal), 16 e 21.
1.11. A 1ª ré, e em particular o 2º réu não providenciaram que a autora fosse examinada por um ortopedista às dores que manifestou na zona da coluna.
1.12. Em 7/12/2009 foi submetida a exame de RMN (Ressonância Magnética) à coluna lombar, cujo relatório, elaborado pelos 4º e 5º réus não alude ao segmento de D10-D11, por tal exame não ser dirigido à região dorsal e ter incidido apenas na zona lombar – doc. ... de fls. 123.
1.13. Este exame de RMN não consta do relatório do seu internamento entregue à autora após o final do mesmo (doc...., fls. 127 e segs)
1.14. Além disso, durante o internamento, a autora foi submetida a 3 exames de TAC torácico, em 3/12/2009, 11/12/2009 e 21/12/2009 (docs. ..., ... e ..., fls. 129, 130 e 131).
1.15. Durante o internamento no Hospital da 1ª ré a autora teve 2 episódios de febre acima dos 37º de temperatura, que foi sendo debelada com mediação antipirética, como “paracetamol”.
1.16. Foi ainda determinado que se procedesse a hemocultura em pico febril, exame que acabou por não ser efetuado.
1.17. Durante o internamento foi efetuada ecografia abdominal, eletrocardiograma, ecocardiograma e colonoscopia total sem revelarem qualquer anomalia.
1.18. O tratamento das queixas álgicas da autora ao nível das costas foi efetuado com a prescrição de “TRAMAL” (Tramadol).
1.19. Em todo o período de internamento na 1ª ré não foi efetuado exame de cintilografia óssea e igualmente não foi determinada a sua avaliação por neurologia.
1.20. Em 22/12/2009 foi-lhe dada alta para o domicílio com plano de medicação de diuréticos (“Lasix” e “Aldactone”), laxantes (“Leite de Magnésio”) e remédios para a hipertensão (“Concor 5” e “Triatec 1.25”) (doc. ...0, fls. 133).
1.21. Em 5/1/2010, a autora foi conduzida ao Hospital ..., em V..., e aí foi recebida com queixas de “dores articulares e ósseas generalizadas, mais focalizadas na zona da coluna lombar e virilhas, tristeza, insónia, desperança, relacionadas com medo da morte e queixas gástricas perda ponderal de 17 kgs desde Outubro – vigil.orientada. Sem ideação suicida. Sem atividade alucinatória delirante” (doc....2 de fls. 142)
1.22. Examinada em OBS, em 6/1/2010, “referiu dores a nível dorso-lombar dta” -(doc....2, fls. 143), debeladas com “TRAMAL”
1.23. No dia 13 de janeiro de 2010, naquele Hospital ..., ao ser auxiliada na deambulação por uma auxiliar que a amparava quando se deslocava ao wc, perdeu a força sobre as pernas e caiu sobre esta, com dores lancinantes a par da perda de sensibilidade e capacidade motora dos membros inferiores.
1.24. Observada por ortopedia foi submetida a TAC dorso-lombar que revelou “Lesão lítica centrada no disco D10-D11, com destruição parcial destes corpos vertebrais e extensão aos tecidos moles paravertebrais e intra-canelar. A hipótese de diagnóstico mais provável é a de uma espondilodiscite.”(cfr. relatório de fls. 146, docs. ...14)
1.25. A autora foi ainda conduzida ao Hospital ... em ... para ser examinada.
1.26. Do registo clínico constou “RMN com espondilodiscite dorsal baixa (ver relatório anexo). Do ponto de vista cirúrgico e devido ao tempo existente de paraplegia, não tem indicação para tratamento.”, concluindo que “não beneficia com tratamento cirúrgico urgente” (doc15 fls. 168 e 169 e doc. 16 de fls. 170 e segs)
1.27. Assim, foi de novo transferida para o Hospital ... onde deu entrada em 14/1/2010 com o diagnóstico de paraplegia decorrente de “espondilodiscite dorsal baixa” (doc....4, fls. 154 e vº), mantendo-se medicada para as dores.
1.28. Não se conformando com o estado de saúde da esposa, o marido da autora solicitou os exames imagiológicos e deslocou-se ao Porto consultando o médico neurocirurgião Dr. II, o qual logo se mostrou apreensivo com o estado de saúde da autora, indicando o Dr. PP do Hospital ... no Porto para observação da autora.
1.29. Na sequência, após a subscrição de um termo de responsabilidade, a autora saiu do Hospital ... e foi transportada de ambulância para o Hospital ..., no Porto, a expensas e por iniciativa da mesma.
1.30. Aí, no dia 22/1/2010 deu entrada com queixas de “dorsalgia” sendo encaminhada para ortopedia com a seguinte “história da doença: discite dorsal; paraplegia flácida estabelecida desde 4 de janeiro” – doc....7, fls. 171.
1.31. Em 30/1/2010 foi operada pelo Dr. PP que levou a cabo “tratamento cirúrgico da discite com quadro de paraplégica estabelecido desde janeiro de 2010 … tratamento de foco persistente da discite – descompressão posterior com laminectomia D10-D11, FVP D7-D9 e D12-L1 + limpeza de foco de discite e preenchimento com enxerto” – doc....8, fls. 172.
1.32. Em 25/2/2010 a autora teve alta do internamento no Hospital ..., sendo transferida para o Serviço de Ortopedia do Hospital de ..., onde permaneceu internada até 17/3/2010 (doc....9, fls. 173 e segs).
1.33. Confirmando-se ainda pela colheita de pus e exame bacteriológico respetivo que a causa da discite era infeciosa por ação do staphilococcus aureus, como consta dos registos clínicos da entrada de volta no Hospital ... a 25/2/2010 (doc. ...9).
1.34. Dada a impossibilidade da sua deslocação para o domicílio por ainda carecer de cuidados, nessa data foi transportada de ambulância para a Unidade de Cuidados Continuados do Hospital da Santa Casa de Misericórdia dos ... até 30/6/2010, onde permaneceu em recuperação com tratamentos de medicina física e reabilitação.
1.35. Em consequência da discite de que foi afetada, a autora ficou definitiva e irreversivelmente a padecer de paraplegia completa com alteração dos esfíncteres.
1.36. Estado sequelar que foi confirmado em 29/9/2010 pela Junta médica da DGS - conforme relatório de fls. 199 (doc. ...0), que lhe atribuiu uma incapacidade permanente global de 80%, de acordo com o previsto no capítulo III, 5.2.1.2, alínea b) da Tabela de Incapacidades aprovada pelo DL 352/2007, de 23/10.
1.37. Até ficar paraplégica, e para além da doença oncológica de que ficou curada, a autora não tinha qualquer problema de saúde, não tinha qualquer defeito físico ou limitação.
1.38. Era uma pessoa alegre, com prazer pela vida, tinha-se reformado para em conjunto com o marido e filho, viver a sua velhice de forma tranquila e junto da família.
1.39. A autora era uma pessoa dinâmica que gostava de passear, de fazer caminhadas junto à praia e no campo, de viajar ao fim de semana e nas férias, de ir ao cinema e estar com amigos.
1.40. Além disso, ocupava a sua vida diária a fazer a lida doméstica, cozinhando, fazendo a limpeza e assumo do lar, tratando das roupas, razão pela qual apesar de viverem sem dificuldades económicas (quer ela, quer o autor estavam já reformados) não tinha qualquer empregada doméstica ou sequer mulher-a-dias.
1.41. Dedicava ainda o seu tempo a cuidar do seu filho HH que, apesar de ter 40 anos de idade, sofre de esquizofrenia paranoide carecendo permanentemente do seu acompanhamento, cuidado e vigilância.
1.42. Devido a ter ficado paraplégica, a autora viu confinado o seu dia-a-dia a manter-se acamada ou sentada numa poltrona, tendo de ser movimentada mesmo nesse caso, com a ajuda de um terceiro.
1.43. Qualquer deslocação ao longo da sua casa ou para fora dela, designadamente, para receber assistência médica, tem de ser feita com recurso a uma cadeira de rodas.
1.44. Qualquer deslocação no exterior de mais de 1 Km tem de ser feita em ambulância.
1.45. Perdeu, assim, por completo, a capacidade de se deslocar autonomamente.
1.46. Ficou absoluta e definitivamente incapaz de realizar qualquer trabalho, seja profissional, seja doméstico, passando os seus dias a ler e ver televisão, sem a menor alegria de vida.
1.47. Depende do auxílio permanente de terceira pessoa até ao fim da sua vida, para poder comer, para se lavar, para fazer a sua higiene, para se movimentar, para deslocar para fora da cama, para fazer as suas necessidades.
1.48. Por via da paraplegia, a autora terá para sempre de viver algaliada, acompanhada de um saco pendurado para receber a urina, bem como de usar fraldas descartáveis, pois, não tem qualquer controle dos esfíncteres.
1.49. Não tem capacidade motora nem sensitiva abaixo da sua zona dorsal.
1.50. Carece de aplicação de gel “Microlax” ou similar para fazer funcionar o intestino, pois, não consegue defecar por si própria.
1.51. Deixou de poder fazer qualquer trabalho ou tarefa doméstica, de poder passear, de poder ir ao cinema, de poder conviver com amigos e familiares.
1.52. Deixou de poder cuidar e tomar conta do filho HH.
1.53. Nunca mais vai poder andar, correr, dançar.
1.54. Nunca mais vai poder ter vida sexual.
1.55. Vive angustiada com o facto de tanto ela como o filho do casal estarem agora dependentes inteiramente da sobrevivência do seu marido cuja falta, antes de cada um deles, os deixaria numa situação de desproteção e de impossibilidade de sobrevivência.
1.56. Após a cirurgia efetuada no Hospital ... recuperou das dores de que padecia e voltou a poder sentar-se.
1.57. Porém, ainda hoje e até ao fim da sua vida, sofre e sofrerá dores na zona dorsal junto ao extremo onde ficou com as vértebras destruídas ao nível de D10-D11.
1.58. E, ainda hoje e até ao fim da sua vida, sofre e sofrerá aguda dor psíquica permanente por se sentir uma inválida, sem poder tirar qualquer felicidade ou alegria da sua existência.
1.59. A autora sofreu um défice funcional temporário total entre as datas de 13/1/2010 e 16/3/2010.
1.60. Sofreu um quantum doloris de grau 6 numa escala de 7 graus.
1.61. Ficou a padecer devido à paraplegia de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 75 pontos.
1.62. Ficou a padecer de um dano estético permanente de grau 7 numa escala de 7 graus.
1.63. Ficou a padecer de uma repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 5 numa escala de 7 graus.
1.64. Ficou a padecer de uma repercussão permanente na atividade sexual de grau 7 numa escala de 7 graus.
1.65. Ficou dependente de ajudas técnicas permanentes: ajudas medicamentosas, tratamentos médicos regulares, ajudas técnicas, adaptação do domicílio, local de trabalho ou veículo e ajuda de terceira pessoa.
1.66. A autora nasceu a .../.../1943, tendo por isso 66 anos em .../.../2009 (doc. ...1, fls. 200).
1.67. Em consequência da paraplegia de que ficou afetada, a autora teve de suportar múltiplas despesas.
1.68. Subsequentemente à cirurgia efetuada no Hospital ..., teve a autora de ser internada na Unidade de Cuidados Continuados da Misericórdia de ... de 17/3/2010 a 30/6/2010 cujo custo importou em €2.055,90 (docs. ...3 a ...7).
1.69. Teve de adquirir uma cama elétrica articulada com grades, colchão anti-escaras e cadeira de casa-de-banho, despesas que importaram em €989,50 e uma cadeira de rodas no valor de €2.300,00, tudo no valor de €3.289,50 (docs. ...8 a ...0).
1.70. Foi necessário efetuar obras de adaptação da casa-de-banho de substituição da porta de folha por uma de correr, remoção do lavatório e da base do chuveiro para mobilização da cadeira de rodas de banho, cujo custo importou em €300,00.
1.71. Em deslocações de ambulância de e para casa, aos hospitais, do Porto (...) de ..., a clínicas médicas para análises e tratamentos a autora entre janeiro de 2010 e 2012 a quantia de €3.144,50 (docs. ...1 a ...8).
1.72. Em face do quadro de paraplegia de que ficou irreversivelmente afetada, a autora tem necessidade de tratamentos de fisioterapia no domicílio em média de 12 sessões por mês, concretamente de “cinesioterapia, massagem manual, técnicas especiais cinesioterapia, mobilização articular passiva e treino em atividade” (docs. ...9 a ...2).
1.73. Até à data da instauração da presente ação, teve a autora de gastar em despesas com fisioterapia, a quantia total até à data de €9.570,00 (€2.190,00 em 2010, €3.960,00 em 2011, €3.420,00 em 2012 (docs. ...3 a ...6).
1.74. Em serviços de higiene diária no domicílio, despendeu até à data da instauração da presente ação, a quantia de €12.700,00 (à razão de €420,00/mês desde junho de 2010 até à data).
1.75. Em sacos para urina, luvas, fraldas, cuecas e resguardos, vem gastando uma média mensal de €51,16 que, desde junho de 2010 até à data da instauração da presente ação, importou já na quantia de €1.483,64 (docs. ...7 a ...1).
1.76. Em consultas médicas particulares, teve de despender até à data da instauração da presente ação a quantia de €290,00 (docs. ...2 a ...5).
1.77. Em internamentos hospitalares, taxa moderadora, exames clínicos desde janeiro de 2010, teve ainda de despender até à data da instauração da presente ação a quantia de €681,43 (docs. ...6 a ...07).
1.78. E, desde que ficou paraplégica e por causa disso, têm de lhe ser administrados, diariamente os seguintes medicamentos: “Lyrica” 75mg (€43,01/mês), “Lioresal” 25mg(€12.58/mês), “diazepam”, (10mg, €1,64/mês), “Microlax” (€8,96/mês), Fisioem/Gel €13,95/mês), Creme “ATL” €22/mês) e Benuron €2,39/mês) o que importa a despesa mensal de €104,53(docs. ...07 a ...10) desde junho de 2010 até à data da instauração da ação, perfazendo um total de €3.031,37  (docs. ...08 a ...11).
1.79. Entre a data da propositura da ação e 15/10/2014, em consequência do seu estado de paraplegia a autora teve de suportar as seguintes despesas:
- €2.555,00 em despesas com fisioterapia;
- €120,00 em despesa com cama articulada;
- €565,49 em despesas com sacos de urina, algálias e higiene;
- €2.357,32 em despesas com medicamentos e pomadas;
- €1.072,66 em despesas com consultas e exames;
- €1.113,00 em despesas com consultas e exames;
- €11.400,00 despesas com lares,
num total de €19.183,47 – cf. docs. fls. 682 a 872
1.80. Desde 16/10/2012 até 26/3/2015 em consequência do seu estado de paraplegia a autora teve de suportar as seguintes despesas:
- €600,00 em despesas com fisioterapia;
- €106,49 despesas com fraldas, algálias e outros equipamentos terapêuticos;
- €195,06 em despesas com medicamentos, cremes e pomadas;
- €14,99 despesas de consultas e tratamentos;
- €222,00 em ambulâncias;
- €4.000,00 alojamento em Lares.
Num total de €5.138,54 – cf. docs. de fls. 898 a 930.
1.81. A autora obteve as seguintes comparticipações da ADSE para as despesas médicas, hospitalares, lares, ajudas técnicas, consultas, deslocações e medicamentos nos anos de 2009: €340,94; no ano de 2010: €1.231,29; em 2011 €4.956,59; e bem assim nos anos de 2012 a 2019 em montante não concretamente apurado – docs. de fls. 1567 a 1572.
1.82. O 1º réu é uma sociedade comercial que explora um estabelecimento privado de saúde designado “Hospital Particular de ...” no qual presta serviços de consulta médica e internamento hospitalar.
1.83. O 4ª réu é uma sociedade comercial que se dedica à prestação de serviços médicos de imagiologia médica, contra pagamento, dispondo de acordo com a 1ª ré através do qual, os pacientes do Hospital ali fazem os exames imagiológicos que depois são cobrados, diretamente pela 4ª ré aos clientes.
1.84. A autora celebrou com a 1ª ré um contrato de prestação de serviços, concretamente, de internamento hospitalar e assistência médica, através do qual pretendia, mediante pagamento, ser assistida com os cuidados médicos necessários para debelar as dores de que padecia e que motivaram o internamento.
1.85. Assim pagou por tal contrato de internamento, com os exames e serviços médicos incluídos, um total de €3.080.01 (doc. ...13 a ...19) com vista a ser debeladas as dores de que padecia e que motivaram o internamento.
1.86. Para isso aceitou sujeitar-se à realização de exames e tratamentos que fossem havidos como adequados a debelar o sofrimento em que se encontrava.
1.87. Como pagou à 4ª ré o preço dos serviços de imagiologia que com a mesma contratou, por indicação e intermédio da 1ª ré.
1.88. Entre os meses de novembro e .../.../2009 a autora perdeu 17 kgs de peso.
1.89. A espondilodiscite” é uma patologia de inflamação dos discos vertebrais de evolução prolongada e sintomatologia de dor na zona da coluna afetada e quando situada na zona dorsal ou lombar, irradia para os membros inferiores e para a zona abdominal.
*
2. FACTOS NÃO PROVADOS

2.1. Ao longo de todo o internamento no 1º réu, a autora apresentou-se queixosa das costas, posicionando-se no leito em posição anti-álgica de decúbito dorsal ou decúbito lateral direito, sendo continuadamente medicada com “TRAMADOL”.
2.2. Devido às dores e sofrimento de que se queixava, deixou de se alimentar convenientemente, muitas vezes não comendo ou comendo pouco.
2.3. Não obstante as sistemáticas queixas apresentadas aos 2º e 3º réus que a examinaram durante o internamento, apenas lhe era ministrada medicação analgésica e sedativa forte para as dores, concretamente, o “Tramadol”.
2.4. De tal modo que a autora se apresentava quase sempre prostrada, asténica e quase sempre deitada no leito na posição suprarreferida queixando-se recorrentemente das dores nas costas na zona dorsal e lombar.
2.5. A autora aquando da realização da RMN de 7/12/2009 apresentava as fortes queixas quando não estava sob o efeito do “Tramal”.
2.6. E tal exame, ainda que de forma pouco nítida, evidenciava anomalia ao nível das últimas vértebras dorsais que uma análise atenta, a par das queixas da autora, impunham que se fizesse o estudo da zona dorsal.
2.7. Nos exames de TAC’s referidos em 1.13. dos factos provados, nas imagens são visíveis alterações nas mesmas vertebras dorsais não relatadas.
2.8. No TAC de 3/12/2009, tal como na RMN de 7/12/2009, evidenciam-se já anomalias ao nível das vertebras D10-D11, não obstante as queixas dorsais recorrentes da autora.
2.9. Acresce ainda que, dos exames de hematologia efetuados resultou evidente que a autora vivia um processo inflamatório e infecioso arrastado, patente nos marcadores leucocitários, da Proteína C/R e da velocidade de sedimentação cujos registos se acham inclusos no doc. ... junto com a p.i.
2.10. Na colheita de 3/12/2009 acusava 13.6 x10E3/ul de Leucócitos e 78,9% de neutrófilos, com registo de 94mm na velocidade de sedimentação na 1ª hora, marcadores que evidenciavam processo inflamatório agudo em curso (doc....).
2.11. Na de 17/12/2009 acusava ainda 10.8 x10E3/ul de Leucócitos e 64,6% de neutrófilos, com registo de 62mm na velocidade de sedimentação na 1ª hora, marcadores que ainda insinuam a presença de inflamação (doc....).
2.12. Também em ambos casos, o marcador da “Proteína C Reativa” se achava alterado para 205,7mg/l em 3/12/2009 e 49.6 mg/l em 17/12/2009, quando os valores normais se situam em menos de 5,0mg/l (doc....).
2.13. Este marcador, conjugado com os demais, insinuava que além de processo inflamatório, se evidenciava a presença de infeção.
2.14. O marido da autora assistindo ao desespero desta em sofrimento, identificando sempre nas costas a origem das fortes dores de que padecia, insistia com os 2º e 3º réus que não identificaram a origem de tais dores.
2.15. Por várias vezes, o 2º réu a insistência do marido da autora quanto às dores nas costas e falta de força nas pernas, respondeu que se tratava de “mimo” por parte da autora.
2.16. Em todo o período de internamento, não tendo a autora tido febre elevada, não tendo incapacidade respiratória, estava afastado o quadro de pneumonia ou qualquer outra infeção no aparelho respiratório.
2.17. Pelo que, perante as queixas ósseas subsequentes a cirurgia de extirpação de um tumor no pulmão esquerdo em outubro de 2009, na ausência de infeção respiratória, afigurava-se recomendável que aquando o internamento no 1º réu fosse efetuado exame de cintilografia óssea em 3 fases para despistar eventual metastização para a zona da coluna dorso-lombar.
2.18. Com a vantagem de tal exame, ser adequado a, desde logo revelar a “discite” que se veio a instalar na sua coluna vertebral.
2.19. A autora tinha em evolução uma patologia de “discite”, inflamação discal entre D10 e D11 que foi sendo atenuada na dor com a aplicação do “TRAMADOL” e contida com a prescrição de antibiótico “TIENAM” desde o dia .../.../2009 até ao dia da alta, 22/12/2009.
2.20. Em 22/12/2009, foi dada à autora alta para o domicílio com plano de medicação e com diagnostico final de “Pneumonia direita.ICC?” pese embora mantivesse queixas de dores intensas nas costas.
2.21. Nessa data 22/12/2009, estava a autora a desenvolver já uma discite ao nível e D10-D11.
2.22. E, não obstante a autora apresentasse sintomas de tal patologia -“espondilodiscite”, a mesma foi ignorada pelos 1º a 3º réus que lhe deram alta do Hospital da 1ª réus sem serem debeladas as dores nas costas que motivaram o internamento.
2.23. Teve a autora de abandonar o Hospital mediante o recurso de uma cadeira de rodas até à viatura que a transportou para casa onde ficou acamada sujeita à medicação prescrita.
2.24. Remetida ao leito em casa com medicação paliativa, assim se manteve em sofrimento até ao dia 5/1/2010.
2.25. Foi em consequência da falta do atempado diagnóstico e tratamento por parte dos aqui réus e da evolução da referida patologia de discite que a autora ficou paraplégica.
2.26. O médico neurocirurgião Dr. II esclareceu que a patologia de Discite da mulher do autor já estava presente e era diagnosticável no Hospital da 1ª ré porque a RMN de 7/12/2009, da autoria dos 4º e 5º réus, analisada com atenção já indiciava a alteração anormal por inflamação discal nas vértebras D10 a D11.
2.27. A patologia de Discite de que a autora era portadora, estava em evolução subsequentemente à alta da cirurgia torácica e seria simples de debelar com a medicação antibiótica adequada, ou ainda, se necessário fosse, com recurso a cirurgia de descompressão da zona afetada antes de atingir a evolução grave que apresentava em 13/1/2010, pelo que sempre se teria evitado que ficasse paraplégica.
2.28. Mais recomendou que, não obstante a doença irreversível instalada era premente submeter a autora a uma cirurgia para descompressão do abcesso e fixação da coluna na zona afetada, mostrando-se incrédulo com o facto de ter sido referido à autora que não havia nada a fazer.
2.29. Esclareceu ainda o Dr. II que, se a autora não fosse operada para fixação da coluna iria ficar irremediavelmente imobilizada numa cama, atrofiando a coluna “até ficar como um caracol”, revelando-se incrédulo e apreensivo dizendo “como esta senhora tem sofrido…”.
2.30. No decurso dos exames realizados pelos 4º e 5º réus, era-lhes exigível, em face dos registos das últimas vertebras dorsais, e em particular dos cortes axiais da zona nos TACs, que fosse levado a cabo ou prolongada a área de incidência da RMN para o trajeto dorsal da coluna (docs. ...20 a ...24).
2.31. Acabou por ser dada alta à autora em 22/12/2009 sem medicação para a inflamação ou infeção, pese embora aquelas estivessem presentes nas análises clínicas.
2.32. O 5º réu, na apreciação e ao relatar os exames imagiológicos acima referidos RMN Lombar de 7/12/2009 e TAC Tórax de 3, 11 e 21 de dezembro, verificando tais alterações nas últimas vértebras lombares, ignorou-as, não lhes fazendo referência no relatório, nem determinando que a RMN se estendesse à zona dorsal.
*
D) Apreciando a matéria propriamente de direito dir-se-á que entre a primitiva autora e o 1º réu foi acordada a prestação de serviços médicos a prestar por este àquela (artigo 1154º do Código Civil).
Tem-se vindo a entender que a responsabilidade civil decorrente da defeituosa prestação de serviços médicos se pode assumir, como se refere no Acórdão do STJ de 02/06/2015, no processo 1263/06.3TVPRT.P1.S1, relatado pela Conselheira Maria Clara Sottomayor in www.dgsi.pt, como “um concurso de responsabilidade civil contratual – incumprimento ou cumprimento defeituoso de um contrato de prestação de serviços médico-paciente – e de responsabilidade civil extracontratual, fundada na violação dos direitos subjetivos da paciente à integridade física e moral, ao livre desenvolvimento da personalidade e à autodeterminação (arts 25º, nº 1 e 26º, nº 1 da CRP e 70º, nº 1 do CC).
A distinção entre a responsabilidade civil contratual e a extracontratual, relacionada com a dicotomia direito relativo/direito absoluto, tem vindo a ser questionada pela doutrina, que salienta as analogias e aproximações crescentes entre as duas modalidades de responsabilidade civil e o surgimento de tipos de responsabilidade civil autónomos em relação a esta dualidade tradicional como a responsabilidade pela confiança. Admite-se o cúmulo das duas responsabilidades, podendo o lesado escolher a que mais lhe convém ou aproveitar de cada regime as soluções mais vantajosas para os seus interesses [Cf. Figueiredo Dias/Sinde Monteiro, «Responsabilidade médica em Portugal», BMJ n.º 332, 1984, pp. 39-40; Pinto Monteiro, Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 430-431; Mota Pinto, Cessão da posição contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 411. Na jurisprudência, cf. TRL 11-09-2007, processo n.º 1360/2007-7, STJ 19-06-2001, processo 01A1008 e 07-10-2010, processo n.º 1364/05.5TBBCL.G1]. Em regra, como a responsabilidade contratual é mais favorável ao lesado, a jurisprudência aplica o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual, solução mais ajustada aos interesses do lesado e a mais conforme ao princípio geral da autonomia privada [Cf. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 551-552]. Foi esta a solução defendida pelo acórdão deste Supremo Tribunal, de 22-09-2011, relatado pelo Conselheiro Bettencourt de Faria, processo nº 674/2001.PL.S1, onde se afirma que “estando em causa direitos absolutos, como de integridade básica, põe-se a questão de saber se não concorrem na negligência médica a responsabilidade contratual e a extracontratual. (…) [e]xiste, por isso, um concurso aparente de normas, que deve ser resolvido pela prevalência da responsabilidade contratual, por ser a mais adequada para a defesa dos interesses do lesado.” [No mesmo sentido, TRL 11-09-2012, processo n.º 2488/03.9]
Importa notar que a obrigação do médico, no âmbito da sua relação contratual, direta ou indireta, com o doente se traduz numa obrigação de meios e não de resultado, dado que conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 29/06/2017, no processo 4386-07.8TVLSB.L1-6, relatado pelo Desembargador António Santos in https://jurisprudencia.pt/acordao/67267/ “em regra o médico não se obriga a curar o doente - apenas se compromete a proporcionar-lhe cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais -, a obrigação do réu médico consubstancia tão só uma mera obrigação de meios, que não de resultado. (Cfr. v.g. J. C. Moutinho de Almeida, in "A Responsabilidade do Médico e o seu Seguro, in "Scientia Jurídica", Tomo XXI, 16/117, pág. 337, e J.A. Esperança Pina, in A Responsabilidade dos Médicos, 3ª Edição, Lidel, pág.114/115)
Ou seja, in casu, e no âmbito do vínculo contratual estabelecido entre apelante/paciente e apelado/médico, obrigou-se o último, como devedor, tão só “a desenvolver, prudente e diligentemente certa atividade para a obtenção de um determinado efeito, mas sem assegurar que o mesmo se produza, e em contraposição com a obrigação de resultado, que se verifica quando se conclua da lei ou do negócio jurídico que o devedor está vinculado a obter um certo efeito útil“ (Cfr. Prof. Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, Almedina, 9ª edição, pág. 971).
Isto dito, e como é reconhecido pela generalidade da doutrina, em sede de não cumprimento, incumprimento ou inadimplemento de uma obrigação, e no tocante ao critério baseado no efeito ou estado de facto que pode o mesmo desencadear, é “norma” distinguir-se o inadimplemento definitivo [também designado por inadimplemento propriamente dito ou impossibilidade definitiva], do simples retardamento no cumprimento [mora solvendi ou mora accipiendi], ou do cumprimento imperfeito e/ou defeituoso. (Cfr. Mário Júlio de Almeida Costa, ibidem, págs. 754 e segs., e João de Matos Antunes Varela, in Direito das Obrigações, Almedina, 3ª edição, Vol. II, págs. 62 e segs.)
De igual modo, pacífico é outrossim que, em sede de responsabilidade civil contratual (tal como, de resto, também na extracontratual), a obrigação que da mesma emerge pressupõe, enquanto factos constitutivos, a prova da verificação dos seguintes pressupostos: a) a existência de um facto objetivo (ação ou omissão); b) a sua ilicitude; c) a culpa; d) o dano/prejuízo e [e)] o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
Todos os referidos pressupostos, à exceção do atinente à culpa [em face da presunção de culpa a que alude o artº 799º, do CC], é ao credor que incumbe o ónus de alegação e prova, designadamente e também o da ilicitude do não cumprimento (Cfr. Prof. João de Matos Antunes Varela, ibidem, pág. 97), e o qual, no âmbito da responsabilidade obrigacional, corresponderá no essencial a uma relação de desconformidade entre a prestação debitória devida e o comportamento observado.
Ou seja, em sede de relacionamento obrigacional entre paciente/doente e médico, não está assim o primeiro, na qualidade de “lesado”, dispensado de alegar a factualidade integrante e caracterizadora da ação ou omissão médica, beneficiando tão só da presunção de culpa a que alude o artº 799º, do CC, isto é, do ónus que incide sobre o médico de provar que agiu com diligência ou de acordo com as leges artis, que o mesmo é dizer, que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua.
O acabado de explanar/concluir integra entendimento que, além de defendido pela generalidade da doutrina especializada (Cfr. v.g. Álvaro Rodrigues, in “Reflexões em torno da responsabilidade civil dos médicos“, Direito e Justiça, Revista da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, Volume XIV, 2000, Tomo 3, pág. 182, e J. C. Moutinho de Almeida, ibidem, pág. 337), é também aquele que, o nosso mais Alto Tribunal, tem vindo a seguir/perfilhar, recordando-se de entre vários v.g. o douto Ac. de 15-12-2011 (34) , e no qual se concluiu designadamente que (SIC):
III- Se é inquestionável que a execução de um contrato de prestação de serviços médicos pode implicar para o médico uma obrigação de meios ou uma obrigação de resultado, o corrente na prática é o ato médico envolver da parte do médico, enquanto prestador de serviços que apelam à sua diligência e ciência profissionais, a assunção de obrigação de meios. Em regra, o médico a só isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis e os seus conhecimentos pessoais, somente se vincula a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar.
(…)
VI - Sempre que se trate de uma mera obrigação de meios, que não de uma obrigação de resultado, incumbe ao doente o ónus de provar a falta de diligência do médico.
VII - Tem o paciente/lesado de provar o defeito de cumprimento, porque o não cumprimento da obrigação do médico assume, por via de regra, a forma de cumprimento defeituoso, e depois tem ainda de demonstrar que o médico não praticou todos os atos normalmente tidos por necessários para alcançar a finalidade desejada.
VIII - Feita essa prova, então, funciona a presunção de culpa, que o médico pode ilidir demonstrando que agiu corretamente, provando que a desconformidade não se deveu a culpa sua por ter utilizado as técnicas e regras de arte adequadas ou por não ter podido empregar os meios adequados.
IX - Em termos gerais, ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual, ter o médico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstâncias concretas do caso, o médico devia e podia ter atuado de modo diferente.
Já mais recentemente, também o STJ, em Ac. de 26-04-2016 - acima já citado (35) - , e alinhando por semelhante interpretação [em consonância de resto com o disposto no artº 8º, nº 3, do CCivil], veio mais uma vez pronunciar-se nos seguintes termos (sic):
“ (…) considerando-se a obrigação do médico uma obrigação de meios, sobre ele recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, e portanto sem culpa, se se quiser eximir à sua responsabilidade decorrente de incumprimento, o que pressupõe que se demonstre que, previamente ao funcionamento da presunção, tenha havido e ficado provado o incumprimento.
A responsabilidade no âmbito do contrato de prestação de serviços depende da prova duma situação que traduza incumprimento ou cumprimento defeituoso da obrigação. E, tratando-se, como é o caso, de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção.
Na sua maioria, os contratos de prestação de serviços médicos integram, como se referiu, uma obrigação de meios, não implicando, assim, a não obtenção do resultado final visado com os tratamentos e intervenções, a inadimplência contratual, cabendo por isso ao paciente provar a falta de diligência do médico, a falta de utilização de meios adequados de harmonia com as leges artis, o defeito do cumprimento, ou que o médico não praticou todos os atos normalmente considerados necessários para alcançar a finalidade desejada: é essa falta que integra erro médico e constitui incumprimento ou cumprimento defeituoso. E só depois dessa prova funcionará, no domínio da responsabilidade contratual, a dita presunção de culpa.”
Em conclusão, porque a obrigação do médico perante o doente não é uma obrigação de resultado - caso em que, “ a simples constatação de que certa finalidade não foi alcançada (prova do incumprimento) faz presumir a censurabilidade ético-jurídica da conduta do devedor (podendo este, todavia, provar o contrário) - , mas de meios, “caberá ao credor/doente fazer a demonstração em juízo de que a conduta do devedor/médico não foi conforme com as regras de atuação suscetíveis de, em abstrato, virem a propiciar a produção do resultado almejado”. (Cfr. Acs. de 7/3/2017 [in Proc. nº 6669/11.3TBVNG.S1, sendo Relator o Exmº Cons. Gabriel Catarino] e de 26/4/2016 [in Proc. nº 6844/03.4TBCSC.L1.S1, sendo Relator o Exmº Cons. SILVA SALAZAR], ambos in www.dgsi.pt)
Dito de uma outra forma [cfr. Carla Gonçalves (In Responsabilidade Civil Médica; Um Problema para Além Da Culpa, Coimbra Editora,2008, pág. 29)], perante, portanto, uma intervenção médica que não produza o resultado terapêutico esperado/desejado, o paciente não poderá exigir um compensação pelos prejuízos sofridos, a não ser que, o êxito pretendido se tenha frustrado “por força de um comportamento negligente ou, mesmo, doloso” caso em que tem já o lesado a possibilidade de pleitear um ressarcimento.
Os apelantes, depois de reconhecerem que a obrigação em questão é uma obrigação de meios vêm alegar que os réus não cumpriram a prestação a que se obrigaram ou, pelo menos cumpriram-na de forma deficiente e incompleta, contribuindo decisivamente para o desfecho da paraplegia que a vitimou.
E referem, nomeadamente, que a obrigação assumida pelas 1ª e 4ª rés foi a de prestar os cuidados médicos necessários para debelar as dores de que padecia e que motivaram o internamento, referindo-se à matéria dada como provada em 1.84, onde consta que a autora celebrou com a 1ª ré um contrato de prestação de serviços, concretamente, de internamento hospitalar e assistência médica, através do qual pretendia, mediante pagamento, ser assistida com os cuidados médicos necessários para debelar as dores de que padecia e que motivaram o internamento.
E já se vê que uma coisa é o acordo que foi celebrado e outro o que a autora entende que foi celebrado, dado que não se pode confundir a intenção com a finalização, a obrigação de meios, com a obrigação de resultado, uma vez que o que está em causa não é a obtenção de um resultado mas, antes, conforme acima se referiu, relativamente ao médico e ao hospital, que utilizem a sua diligência e ciência profissionais, a assunção de obrigação de meios, dado que em regra, o médico só a isto se obriga, apenas se compromete a proporcionar cuidados conforme as leges artis, os seus conhecimentos pessoais e profissionais, somente se vinculando a prestar assistência mediante uma série de cuidados ou tratamentos normalmente exigíveis com o intuito de curar, caso seja possível, dado que, infelizmente, há situações em que tal cura não é possível e nada é possível fazer, para além, por vezes, da aplicação de cuidados paliativos. 
E tratando-se, como é o caso, de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção.
Ora, em face da matéria de facto apurada, que não daquela que os apelantes entendiam que se devia dar como provada, desiderato que não foi alcançado, não é possível pretender que os réus devam ser responsabilizados, uma vez que não resultam provados quer a alegada ilicitude da conduta dos réus, quer o nexo de causalidade entre o facto e o dano, elementos estes que pressupunham a prova de factos que permitissem considerar que os mesmos se encontravam preenchidos.
Com efeito, os apelantes partem do pressuposto da alteração dos factos provados que propugnavam, mas que não ocorreu, para a partir daí, sustentarem a verificação da responsabilidade civil dos réus, que carece de fundamento legal, atenta a matéria de facto provada.
Com efeito, não se provou que os réus ou algum deles, de acordo com os seus conhecimentos pessoais e profissionais, tenham violado as legis artis, de acordo com os atuais conhecimentos científicos, isto é, que não tenham adotado a conduta profissional que seria exigível a qualquer outro médico, naquelas concretas situações e condições, que tenham negligenciado os tratamentos exigíveis, de que tivessem conhecimento ou que resultassem dos elementos clínicos disponíveis, ou de que devessem dispor, o que afasta o requisito da ilicitude.
Mais do que isto, pretender a responsabilização dos réus, seria permitir a sua responsabilização objetiva, que a lei não prevê, nem permite. 
De qualquer forma convém recordar que a patologia de que a primitiva autora padeceu - espondilodiscite - para além de ser “uma causa rara de lesões medulares de causa não traumática”, “com um diagnóstico quase sempre tardio” conforme se refere no estudo médico junto aos autos (fls. 134), situação que foi confirmada pelos depoimentos médicos prestados nos autos. 
Vieram ainda os apelantes invocar a perda de chance da cura.
Armando Braga em “A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual”, pág. 125, apud Acórdão do STJ de 06/12/2018, no processo 456/14.4TVLSB.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins, in www.dgsi.pt, escreve sobre este conceito o seguinte:
“O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente.
Este dano consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade atual e não futura.
Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela.
A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade.
O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado.
O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida.
É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.”
Há que ter em atenção que para a análise do grau de probabilidade da obtenção da vantagem perdida se impõe a alegação e prova da existência de tal probabilidade, cujo ónus da prova pertencia à autora, nos termos do disposto no artigo 342º nº 1 Código Civil, segundo o qual, àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 18/04/2023, no processo 852/14.7TBVRL.G1.S1, in www.dgsi.pt “A figura da perda de chance processual traduz-se numa situação de desvantagem patrimonial que se consubstancia na privação da oportunidade de o lesado obter um resultado favorável em processo judicial, o qual é causalmente imputável à conduta ilícita do profissional por si escolhido (e que desempenha essa atividade no seu interesse), concretizando-se na falta de atenção, zelo ou diligência no exercício técnico das respetivas funções profissionais que impede o sucesso (integral ou parcial) da lide.”
Tendo em conta que se não provou a ilicitude da conduta dos réus, tanto basta para que se não verifique a chamada perda de chance.
Não resulta, assim, violada qualquer das normas legais invocadas pelos apelantes.
Por todo o exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se a douta sentença recorrida.
 Face ao decaimento total da pretensão dos apelantes, sobre os mesmos recai o encargo de suportar o pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
*
*
III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
*
Guimarães, 01/06/2023

  Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares
2º Adjunto: Desembargador Afonso Cabral de Andrade