Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6685/22.0T8BRG.G1
Relator: RAQUEL BATISTA TAVARES
Descritores: ACIDENTE
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO
PRECLUSÃO
TERCEIRA PESSOA
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/15/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O lesado não tem legitimidade para pedir, numa ação por si interposta, indemnização pelos danos sofridos (perda de salários) pela mulher para lhe prestar assistência na sequência de acidente de viação.
II - O caso julgado visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, venha a contrariar na decisão posterior o sentido de decisão anterior, pretendendo assim obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas.
III - Porque as ações indemnizatórias decorrentes de acidente de viação têm uma causa de pedir complexa integrada pela culpa/risco e pelos danos, inexiste identidade de causa de pedir e de pedido entre duas ações sobre o mesmo acidente em que os prejuízos alegados e peticionados não são coincidentes.
IV - O lesado não se encontra obrigado a peticionar na primeira ação todos os danos decorrentes do acidente de viação de que foi vítima, pois sobre o autor não incide nenhum ónus de concentração de todas as causas de pedir na ação que proponha, e se o não fizer não preclude o direito de o poder fazer em ação posterior.
V - O que não pode é peticionar em ambas as ações, a anterior (transitada em julgado) e a posterior, indemnização pelos mesmos danos, sob pena de se concluir pela repetição da mesma causa e pela verificação da exceção do caso julgado, impeditiva de nova decisão de mérito.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, com domicílio na Rua ..., freguesia ..., ..., intentou a presente ação declarativa de processo comum contra A... LIMITED - SUCURSAL PORTUGAL, com sede em Avenida ..., ..., Edifício ..., ..., pedindo a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos agravados acrescidos ao Autor no valor de €285.600,00, no valor de €180.000,00 em relação à sua mulher/Companheira pelo permanente acompanhamento a que o Autor está sujeito e no valor de €35.600,00 pelos danos não patrimoniais.
Para tanto, alegou em síntese que no dia 30 de abril de 2012, pelas 13.30 horas, no ..., ocorreu um acidente viação no qual foram intervenientes o veículo de marca ... com a matrícula ..-..-SM, conduzido pelo Autor e o veículo de marca ... de matrícula FR...., na sequência do qual sofreu ferimentos graves.
Mais alega que o Autor e a Ré foram já partes no Processo n.º 3513/17...., onde se discutiu o ressarcimento dos danos provocados pelo mesmo acidente de viação e no qual ficou reconhecido o direito do Autor ao ressarcimento pelos danos provocados, tendo sido proferido Acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães que, alterando a sentença recorrida, decidiu condenar a Ré a pagar ao Autor €275.820,00, deduzida dos montantes pagos a título de reparação provisória, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal sobre a diferença, desde a citação, até efetivo e integral pagamento e na quantia de €55.000,00, mantendo integralmente o remanescente da sentença recorrida. Isto é, a condenação da Ré a pagar ao Autor as quantias, a liquidar futuramente, correspondentes aos seguintes custos que o Autor venha efetivamente a ter com: o tratamento farmacológico da dor no joelho da perna direita, com analgesia em SOS, dentro do primeiro patamar da escala analgésica da OMS, com o limite máximo de €20,00 por ano; a realização de artroplâstica total, no joelho direito, compreendendo todos os encargos associados, como internamento, reabilitação, medicação e outras da mesma resultantes e o Tratamento flsiátrico de manutenção do membro inferior direito.
Pretende agora o Autor com a presente ação ver atualizado o montante indemnizatório, com fundamento no agravamento das lesões e sequelas sofridas em consequência do acidente de viação, com base em factos que alega serem supervenientes.
Alega que desde a data do referido acórdão (08/04/2021), mas em bom rigor, desde a data fixada como consolidação dos danos, 30/06/2013, ao presente, o grau de incapacidade permanente para o trabalho do Autor agravou-se significativamente, assim como as suas condições de vida.
Que foi sujeito a nova avaliação médica, atestada pelo certificado médico datado de 19/05/2022, documento com a indicação de IPP superior a 66% e uma incapacidade permanente de 100% para o trabalho, e pelo documento de manutenção da baixa médica até 03/01/2023, datado de 20/06/2022, emitidos pelo Dr. BB do Hospital ..., ..., bem como o Relatório de Avaliação do Dano Corporal datado de 26/03/2022, emitido pelo médico Dr. CC.
A Ré apresentou contestação, invocando a exceção de ilegitimidade pois o Autor peticiona a quantia de €180.000,00 em virtude de a sua mulher estar também constrangida a trabalhar por ter de o apoiar e acompanhar, a qual não é parte na presente ação e nem sendo o Autor o titular do direito no qual se arroga; a exceção de caso julgado uma vez que a presente ação mais não é do que a repetição da ação que correu termos sob o número de processo 3513/17.1T8GMR, já transitada em julgado e a exceção de prescrição.
Exercendo o direito ao contraditório, pronunciou-se o Autor no sentido de não se verificarem as referidas exceções, por não estarem preenchidos os seus pressupostos.
Foi proferido despacho saneador que julgou procedente a exceção dilatória de ilegitimidade e absolveu a Ré da instância quanto ao pedido formulado sob a alínea b) da petição inicial (condenação da Ré no pagamento da quantia de €180.000,00 “em relação à sua mulher/Companheira pelo permanente acompanhamento a que o Autor está sujeito”); e que julgou também procedente a exceção de caso julgado material absolvendo a Ré da instância quanto aos pedidos formulados nas alíneas a) e c) da petição inicial (condenação da Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos agravados acrescidos ao Autor no valor de €285.600,00 e pelos danos não patrimoniais, no valor de €35.600,00).
Inconformado veio o Autor interpor recurso apresentando as seguintes conclusões:
“I. Em despacho saneador proferido sob a referência CITIUS ...34, que apreciou o mérito da causa decidiu-se absolver a Ré da instância no que tange ao pedido de condenação formulado sob a alínea b) e sob as alíneas a) e c) da petição inicial.
II. Da ilegitimidade Ativa - A decisão recorrida considerou existir ilegitimidade ativa quanto ao pedido formulado sob a linea b), porquanto considerar que estamos no âmbito da perda de rendimentos do terceiro que presta assistência ao lesado mediato e que, como ta!, o dano patrimonial é sofrido por terceiro.
III. É outrem, que não o Autor, o sujeito ativo do direito substantivo que se pretende valer. No caso vertente, a companheira do Autor. Não tendo sido demandada, decidiu-se pela procedência da referida exceção.
IV. O Autor não concorda com a procedência da exceção e já anteriormente, na resposta às exceções deduzidas pela Ré na contestação para Ilegitimidade ativa quanto ao pedido sob a alínea b), nos seus artigos 22.º e ss referiu que é ele o sujeito ativo do direito substantivo que se pretende fazer valer.
V. O dano patrimonial reflete-se na esfera patrimonial do Autor. A necessidade de ajudas de terceiros, sempre é essencial e permanente face ao estado de saúde do Autor.
VI. Independentemente da pessoa que presta essa ajuda permanente e essencial, sempre é o Autor que terá de suportar os custos inerentes à ajuda. É um dano patrimonial que se reflete na sua pessoa. E o pedido assim configurado, foi jeito com base na necessidade aluai do autor.
VII. Aliás, se fosse pedido, tão só, uma indemnização por danos patrimoniais futuros em relação à necessidade de ajuda permanente e essencial de terceiro não especificado, sustentado numa causa de pedir que assentasse nos custos que seriam necessários e expectáveis ao longo da vida do Autor, sempre teria de ser admitido o mesmo pedido.
VIII. Tendo sido demandado o Autor e, coincidindo como titular do objeto em causa, sempre é de julgar a exceção de ilegitimidade para o pedido formulado sob a alínea b), como improcedente. revogando a sentença proferida neste segmento.
IX. Do caso julgado material - No despacho saneador partiu-se do pressuposto de que a propositura da ação 3513/17.1T8GMR, era impeditiva de o autor, em nova ação, pedir o que ora pediu e decidiu-se pela procedência desta exceção dilatória.
X. Não concorda o Autor com a procedência da referida exceção. Desde logo, foi intentado pelo Autor incidente de revisão de incapacidade, a correr por apenso, B, aos autos do processo 3513/17.1T8GMR, no dia 6 de outubro de 2022.
XI. Por despacho liminar proferido no dia 20 de outubro de 2022, foi indeferida a pretensão do Autor. No entanto, naquele aresto referiu-se que: " ... só por via de nova ação declarativa poderá o lesado alegar e demonstrar a ocorrência de circunstâncias supervenientes determinantes do agravamento da incapacidade fixada por sentença / acórdão transitada/o em julgado, proferido em processo declarativo comum (cfr. artigos 588º n.º 1 parte final e 619º n.º 1 e n.º 1 a contrario, ambos do CPC)."
XII. Aquela decisão orientou o Autor para a presente demanda, pois que, existiu um agravamento da incapacidade fixada na sentença e, apenas pelo presente, é possível salvaguardar os interesses do autor que naquela outra decisão não foram salvaguardados, sendo que tal, como lá se refere, só é viável, se invocadas circunstâncias supervenientes que o demonstrem.
XIII. E, certo é que, na Petição Inicial se referiu, nos seus artigos 19.º e ss, em suma que: "um agravamento do estado clínico do sinistrado ... grau de incapacidade agravado, desde logo porque o dano é significativamente superior àquele que tinha sido calculado e servido de base à primitiva condenação; O autor fot sujeito a nova avaliação médica - cujos documentos se juntam e se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos - atestada pelo certificado médico datado de 19/05/2022, documento com a indicação de IPP superior a 66%, e uma incapacidade permanente de 100% para o trabalho, e pelo documento de manutenção da baixa médica até 03/01/2023, datado de 20/06/2022; ... São objetivamente supervenientes por historicamente ocorridos depois do momento considerado para efeitos de condenação. "
XIV. O Autor alegou factos supervenientes, como ainda, juntou documentos que infirmem o agravamento do dano biológico, em pontos concretos. Por si só, essa alegação e demonstração de que se agravou o dano biológico, é capaz de suportar o argumento de que não pode ocorrer a procedência da exceção do caso julgado.
XV. A avaliação médica junta aos autos com a petição inicial, foi realizada no ano de 2022, depois do fecho da discussão da ação n.º 3513/17.1 T8GMR. o relatório médico de 2022, trazendo novos elementos, com rigor e certeza cientifica, permitem demonstrar que o dano biológico do Autor se agravou.
XVI. De resto, o agravamento não foi pedido nem alegado como alegado na ação 3513/17.1T8GMR. Para aquela alegação e pedido, o Autor sustentou-se nos elementos documentais que possuía até ao término da discussão, ocorrida em 2020. Pelo presente, alega e pede com base num novo facto, de 2022, que não foi tido em conta na determinação da indemnização arbitrada ao Autor.
XVII. Não só o dano presente foi avaliado em função de um índice de incapacidade permanente anteriormente determinado e inferior ao que consta na avaliação médica de 2022, como os danos presentes que previsivelmente sofreriam agravamento no futuro, foram avaliados nesse pressuposto, como dano futuro.
XVIII. O dano agravado não tinha sido indemnizado na ação pretérita. Conforme consta da fundamentação do Acórdão da Relação da Guimarães no processo 3513/17.1T8GMR: "Assim, considerando, por um lado, a idade do autor (39 anos) à data da consolidação das lesões (pois até então será ressarcido pelo Défice Funcional Temporário), os seus rendimentos (€ 15,700 anuais), a natureza das lesões sofridas e suas sequelas (31 pontos), que o impede de exercer a sua profissão habitual de motorista, podendo exercer outra atividade da área da sua preparação técnica e profissional, entende-se ser equitativamente justa e adequada a indemnização de € 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil euros), pelos danos futuros. "
XIX. Pelo que, sempre terá de ser pelo presente apreciada a pretensão do Autor. Neste sentido aponta o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 869/06, de 16 de maio de 2006. Não sendo os danos futuros determináveis nos termos que o foram na decisão pretérita, por existência de novos factos, deve a fixação da indemnização ser apreciada pelo presente.
 XX. Ademais, entre aquela decisão e a presente demanda, resulta alegado e documentalmente sustentado que, o autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente total para o exercício de qualquer profissão que antes. era parcial e só se refletia na sua atividade de motorista. Esta nova alegação refuta o que ficou determinado na decisão anterior e é motivo, mais do que suficiente, para ser apreciada a presente demanda.
XXI. Por outro lado, resultando que existiu um agravamento das lesões entre a data fixada para a consolidação dos danos na ação pretérita, 20.06.2013 e a data de encerramento da discussão, 21. J 0.2020 que não foi "exaurido" é também, motivo suficiente para obstar ao prosseguimento da exceção de caso material.
XXII. Para a determinação da indemnização lá arbitrada. não se teve em consideração esse agravamento. E, não se tendo tido em conta e resultando agora alegado e provado esse agravamento, pelo presente tem de ser apreciada a pretensão do Autor.
XXIII. Por fim, o facto de existir uma nova avaliação médica que refere um agravamento da situação clínica do Autor, infirma o argumento de que os danos-prejuízo são diversos dos anteriormente alegados.
XXIV. Nomeadamente, os danos temporários e permanentes que sustentaram o arbitramento da indemnização anteriormente determinada e que agora se agravaram. Motivo suplementar que demonstra que a exceção de caso julgado invocada pela Ré não pode ser julgada procedente.
XXV. Face a todo supra exposto, deve o presente recurso ser admitido, procedente e em consequência revogar-se integralmente a decisão proferida no saneador/sentença, nomeadamente, julgando improcedentes as exceções deduzidas pela Ré”.
Pugna o Autor pela procedência do recurso e, em consequência, pela revogação da decisão recorrida, julgando-se improcedentes as exceções deduzidas pela Ré.
A Ré apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção da decisão recorrida.
Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do Código de Processo Civil, de ora em diante designado apenas por CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, são as seguintes:

1 - Saber se se verifica a exceção de ilegitimidade ativa relativamente ao pedido formulado na alínea b) da petição inicial;
2 - Saber se se verifica a exceção de caso julgado material relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a) e c) da petição inicial.
***
III. FUNDAMENTAÇÃO

As questões que se colocam no presente recurso, tal como delimitado, são a de determinar se se verifica a exceção de ilegitimidade ativa relativamente ao pedido formulado na alínea b) da petição inicial e a exceção de caso julgado relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a) e c) da petição inicial
As incidências fáctico-processuais a considerar, com interesse para a decisão, são as descritas no relatório supra e ainda os seguintes factos:

1) Na ação declarativa com processo comum que correu termos sob o n.º 3513/17.1T8GMR, no Juízo Central Cível ... – Juiz ..., intentada pelo aqui Autor DD contra a aqui Ré A... Limited – Sucursal Portugal, aquele peticionou: a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias de: €450.000,00, por perda de capacidade de ganho, €251.000,00 por danos futuros previsíveis e já determináveis, €125.000,00, por danos não patrimoniais e a condenação em quantia a liquidar em execução de sentença, a título de danos futuros não determináveis correspondente a despesas com intervenções cirúrgicas, internamentos e inerentes exames, ajudas técnicas, determinados pela evolução da situação clínica do Autor e necessárias para curar as lesões deste; em qualquer dos casos, deduzido do montante que vier a ser pago no procedimento cautelar de arbitramento.
2) Para o efeito, o Autor alegou na ação identificada no número anterior (com relevo à decisão da exceção em apreciação), que os montantes peticionados correspondem aos danos de natureza patrimonial e não patrimonial, sofridos em consequência de acidente de viação ocorrido no dia 30 de abril de 2012, pelas 13.30 horas, no ..., causado por culpa exclusiva de condutor do veículo seguro.
3) Foi proferida sentença em 14/11/2020 que, julgando a ação parcialmente procedente condenou a Ré a pagar ao Autor:
“1. A quantia de € 175.820,00 (cento e setenta a cinco mil, oitocentos e vinte euros), deduzida dos montantes pagos pela Ré a título de reparação provisória, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal sobre a diferença, desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
2. A quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros), acrescida de juros, contados à taxa legal desde a presente data, até efetivo e integral pagamento;
3. As quantias, a liquidar futuramente, correspondentes aos seguintes custos que o Autor venha efetivamente a ter com:
i. O tratamento farmacológico da dor no joelho da perna direita, com analgesia em SOS, dentro do primeiro patamar da escala analgésica da OMS, com o limite máximo de € 20,00 (vinte euros) por ano;
ii. A realização de artroplástica total, no joelho direito, compreendendo todos os encargos associados, como internamento, reabilitação, medicação e outras da mesma resultantes;
iii. Tratamento fisiátrico de manutenção do membro inferior direito”.
4) Na sentença foram julgados provados os seguintes factos:
“1. No dia 30 de abril de 2012, pelas 13:30 horas, no ..., ocorreu um acidente viação no qual foram intervenientes o veículo de marca ... com a matrícula ..-..-SM, conduzido pelo Autor e o veículo de marca ... de matrícula FR.... (artigo 1º da p.i.);
2. O acidente mencionado no facto provado anterior, ocorreu quando o condutor do FR, de nacionalidade ..., travou repentinamente ao avistar o SM e, não tendo conseguido imobilizar-se, foi embater na traseira deste (artigo 2º da p.i.);
3. Em consequência do embate mencionado no número anterior, o SM foi projetado contra o poste de cimento que se encontrava à sua frente (artigo 3º da p.i.);
4. Na ocasião do embate, o condutor do veículo ... apresentava uma taxa de alcoolemia no sangue superior à permitida pela lei do local onde ocorreu o acidente (artigo 5º da p.i.);
5. Em consequência do acidente, o Autor sofreu ferimentos que determinaram o seu internamento no Hospital ...” (artigo 7º da p.i.);
6. Em consequência do acidente, o Autor sofreu: fratura das 9ª, 10ª, 11ª e 12ª costelas do lado esquerdo, sem complicações; fratura da apófise transversa de L3, sem complicações; fratura cominutiva da epífise tibial proximal do membro inferior direito; edema articular do joelho (artigos 8º, 9º e 12º da p.i.);
7. O Autor foi operado passados cinco dias à fratura do membro inferior direito com colocação de fixadores externos no joelho direito, alvo de tratamento à coluna vertebral e outros, tendo ficado internado naquele hospital durante cinco semanas (artigos 10º, 11º, 13º e 14º da p.i.);
8. Depois foi transferido para uma clínica, na ..., para realização de tratamentos fisiátricos prolongados durante 5 semanas (artigo 15º da p.i.);
9. Regressado a Portugal, o Autor manteve tratamentos fisiátricos, no Hospital ... e no Hospital ... (artigos 16º e 17º da p.i.);
10. As lesões sofridas pelo Autor em consequência do acidente de viação descrito nos presentes autos estabilizaram em 30.06.2013 (artigo 18º da p.i.);
11. Em consequência das lesões sofridas no acidente, o Autor ficou a padecer das seguintes sequelas definitivas: Membro inferior direito: manchas hiperpigmentadas dispersas que prejudicam a visualização das cicatrizes cirúrgicas, pouco percetíveis; extensão completa, flexão apenas até 40º; mobilidade passiva do tornozelo preservada com défice de força na dorsiflexão e flexão plantar. Membro inferior esquerdo: joelho avolumado e com queixas à mobilização, algum défice de efetuando flexão até aos 110º, e extensão completa (artigos 22º, 41º a 52º, 55º, 56º, 57º, 61º, 62º, 84º a 86º, 100º, 101º, 104º a 110º, 220º e 242º da p.i. e 42º a 44º da contestação);
12. Em consequência das lesões sofridas no acidente o Autor apresenta as seguintes queixas: 1. A nível funcional: a) Postura, deslocamentos e transferências: caminha com duas canadianas, ocasionalmente com uma, mas tem medo de cair, não consegue saltar, não consegue correr, tem muita dificuldade em subir e descer escadas; b) Fenómenos dolorosos: gonalgia direita, de agravamento com os esforços. 2. A nível situacional: a) Atos da vida diária: autónomo para as atividades da vida diária. Conduz automóvel ligeiro em pequenos trajetos. b) Vida profissional ou de formação: nunca mais retomou a sua atividade profissional de motorista por não conseguir subir e descer do camião, nem acondicionar carga (artigos 22º, 41º a 52º, 55º, 56º, 57º, 61º, 62º, 84º a 86º, 100º, 101º, 104º a 110º, 220º e 242º da p.i. e 42º a 44º da contestação);
13. Em consequência do acidente o Autor: a) sofreu um Défice Funcional Temporário Total de 68 dias; b) sofreu um período de Défice Funcional Temporário Parcial de 359 dias; c) sofreu um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total de 427 dias; d) sofreu um quantum doloris de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; e) sofre de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 31 pontos, impeditivo do exercício da atividade profissional habitual de motorista, compatível com o exercício de outras profissões da área da sua preparação técnica e profissional; f) sofre Dano Estético Permanente de grau 3, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; g) sofre de Repercussão Permanente na Atividade Sexual de grau 1, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7; h) carece das seguintes ajudas permanentes: medicamentosas; tratamentos médicos regulares; e ajudas técnicas (artigos 22º, 41º a 52º, 55º, 56º, 57º, 61º, 62º, 84º a 86º, 100º, 101º, 104º a 110º, 220º e 242º da p.i. e 42º a 44º da contestação);
14. Devido ao acidente, o Autor padece de artrose grave do joelho direito, com colapso dos pratos tibiais (artigo 22º da p.i.);
15. Devido às lesões sofridas no acidente o Autor terá de colocar uma prótese, com realização de uma artroplástica total, no joelho direito (artigo 20º, 23º e 56º da p.i.);
16. O Autor carece de tratamento fisiátrico de manutenção e intervenção cirúrgica de colocação de prótese do joelho (artigo 21º da p.i.);
17. O Autor foi e continua a ser submetido a exames médicos, tratamentos e reabilitação (artigo 54º da p.i.);
18. O Autor necessita de tratamento fisiátrico de manutenção para não agravar o seu estado, e de tratamento farmacológico da dor, com analgesia em SOS, dentro do primeiro patamar da escala analgésica da OMS (artigos 73º e 75º da p.i.);
19. Devido às sequelas resultantes do acidente, o Autor necessita de duas canadianas como auxiliares da sua marcha que ficou dificultada e circunscrita a pequenos trajetos (artigos 23º a 25º da p.i.);
20. Devido às sequelas resultantes do acidente, o Autor não pode ajoelhar-se nem baixar-se (artigo 28º da p.i.);
21. Em consequência das dores das lesões sofridas no acidente, o Autor viu prejudicada a qualidade do seu sono, sentindo-se mais cansado (artigo 30º da p.i.);
22. Devido às sequelas do acidente, o Autor tem dificuldades acrescidas em calçar-se e tomar banho sozinho, beneficiando para o efeito de ajuda de outra pessoa, prestada pela companheira ou pelos filhos (artigos 31º, 32º e 72º da p.i.);
23. Por perda de mobilidade grave e dor do joelho direito, o Autor viu dificultada a manutenção de relações íntimas com a companheira (artigo 34º da p.i.);
24. Devido ao acidente, o Autor apresenta hoje problemas no joelho do membro inferior esquerdo (artigo 39º da p.i.);
25. O Autor tem dificuldade de circulação sanguínea nos membros inferiores, agravada pelas sequelas decorrentes do acidente (artigo 55º da p.i.);
26. À data do acidente, o Autor não padecia de deficiência ou limitação física (artigo 88º da p.i.);
27. À data do acidente, o Autor dispunha de força física e anímica (artigo 89º da p.i.);
28. Era comunicativo e sociável, entre familiares e amigos (artigo 90º da p.i.);
29. Era membro dos escuteiros (artigo 91º da p.i.);
30. O A. trabalhava desde 30 de março de 2010, desempenhando todo o tipo de funções, incluindo de motorista de veículos pesados de mercadorias, na empresa “Transportes R..., Unipessoal Ld.ª” de que era gerente (artigos 92º e 124º da p.i.) (cfr. certidão permanente do registo comercial  n.º ...44);
31. À data do acidente, o Autor auferia uma retribuição mensal líquida de € 750,00, 14 vezes por ano, acrescida de subsídios de alimentação de aproximadamente € 100,00, 11 meses por ano (artigo 125º da p.i.);
32. À data do acidente, a empresa do Autor produziu, no ano anterior ao acidente, resultado líquido de aproximadamente € 4.100,00 (artigos 183º e 211º da p.i.);
33. Devido às lesões e sequelas resultantes do acidente, o A. deixou de auferir rendimentos do trabalho e dividendos da sua empresa de transportes, tendo entrado em incumprimento com as prestações de contrato de empréstimo bancário (artigos 117º e 123º da p.i.);
34. Devido às lesões sofridas no acidente, o Autor nunca mais poderá retomar a atividade de motorista de viaturas pesadas (artigo 40º da p.i.);
35. Devido às sequelas resultantes do acidente, o Autor não mais conseguirá exercer atividades profissionais que impliquem força ou os movimentos de baixar-se ou levantar-se (artigo 84º da p.i.);
36. O Autor sente incerteza quanto à evolução da mobilidade do membro inferior direito (artigos 37º e 39º da p.i.);
37. O Autor mantém estado persistente de tristeza e de revolta interiores, por sentir que a sua vida, pessoa, familiar e profissional, nunca mais será igual ao que era antes do acidente (artigo 36º da p.i.);
38. O Autor sentiu-se desgostoso enquanto esteve internado e sente atualmente desgosto pela perda de liberdade de não poder caminhar sem ajudas, nem poder brincar, como antes fazia, com a sua mulher e com os seus filhos (artigo 97º da p.i.);
39. Depois do acidente, o Autor passou a sentir-se revoltado, desanimado, com alterações de humor, envergonhado e complexado perante outras pessoas, tendo dificuldade em aceitar a situação decorrente das sequelas que o afetam (artigos 93º, 94º e 99º da p.i.);
40. Até à data da propositura da ação, o Autor: deslocou-se a consultas no Hospital, algumas das quais na ...; realizou um programa de fisioterapia na C..., Ld.ª, na ... (artigos 63º e 65º da p.i.);
41. O Autor ainda se desloca a estabelecimentos de saúde para consultas e tratamentos (artigo 66º da p.i.);
42. Cada caixa de Fenoxilbenzamina 10 mg com 90 cápsulas importa em € 104,40; cada caixa de Ditropan 5 mg com 60 unidades importa em € 6,58; cada embalagem de Juzo Meia Meia para um mês custa € 3,06; e cada embalagem de Vibrocil para um mês custa € 6,40 (artigo 76º da p.i.);
43. Com a ajuda de familiares, o Autor vem suportando, desde o acidente, despesas com medicamentos, médicos e deslocações para consultas e tratamentos (artigos 67º a 69º da p.i.);
44. Para tratamento das lesões sofridas no acidente, o Autor pagou € 7.404,00 de despesas de fisioterapia (artigo 122º da p.i.).
45. Para tratamento das lesões sofridas no acidente, o Autor pagou € 50,00 no Hospital ... (artigo 122º da p.i.).
46. O Autor nasceu no dia .../.../1973 (certidão de assento de nascimento junta a fls. 187 dos autos).
47. Por contrato de seguro, válido e eficaz à data do acidente, celebrado com a ..., titulado pela apólice n.º ..., foi transferida para esta responsabilidade civil por danos provocados a terceiros, emergente da circulação do veículo com a matrícula ... FR.....
48. A Ré assumiu a responsabilidade do seu segurado no acidente (artigo 115º da p.i.).
49. A Ré pagou, por conta do acidente, o valor do veículo do Autor e despesas, consultas e intervenções ocorridas na clínica e no hospital ... (artigo 112º da p.i.).
50. A Ré pagou ao Autor, a título de adiantamento de indemnização, os valores de: € 6.700,00; € 20.000,00; e, a partir de 28 de maio de 2017, a título de reparação provisória, o montante mensal de € 600,00, fixado na providência cautelar que correu termos com o n.º 38/17.... no Tribunal Judicial ..., apenso aos presentes autos, valor que se encontra penhorado (artigos 113º da p.i. e 38º da contestação)”.
      5) E foram julgados não provados (com relevo para a decisão) os seguintes factos:
“1. O Autor ainda não teve alta médica (artigo 18º da p.i.);
2. Devido ao acidente, o Autor apresenta: dores na anca direita, lombalgias e dores no tornozelo direito; arrefecimento constante da perna e pé direitos (artigos 26º e 27º da p.i.);
3. O Autor tem de dormir no sofá, separado da mulher (artigo 29º da p.i.);
4. A vida conjugal do Autor ressentiu-se do facto descrito no número anterior (artigo 33º da p.i.);
5. O Autor não tem vontade de manter relações íntimas com a companheira (artigo 34º da p.i.);
6. O Autor revive o acidente de forma dolorosa, com perturbação do sono (artigo 35º da p.i.);
7. Devido ao acidente, o Autor apresenta hoje problemas na coluna (artigo 39º da p.i.);
8. O Autor não tem controlo dos esfíncteres e tem perdas de urina (artigos 51º e 78º da p.i.);
9. O Autor tem de usar fraldas de dia e de noite (artigo 78º da p.i.);
10. De futuro, o Autor necessitará de usar ortóteses e botas ortopédicas (artigo 80º da p.i.);
11. O Autor é dependente da ajuda de terceiros nas atividades da vida diária, como higiene pessoal, vestir e calçar (artigos 53º, 71º e 213º da p.i.);
12. O Autor faz períodos de pé com ajuda técnica de Standing-frame para posição de pé, com ortóteses longas (artigo 58º da p.i.);
13. Devido à evolução da situação clínica do Autor, as ortóteses do tronco e dos membros inferiores tiveram de ser substituídas (artigo 59º da p.i.);
14. Além das ajudas técnicas aludidas no número anterior, foram prescritas ao Autor: almofada anti-escara; espirómetro, câmara expansora, cadeira de banho e tábua de transferências (artigo 60º da p.i.);
15. O Autor terá necessidade de acompanhamento futuro em consultas de neurocirurgia e de psiquiatria (artigo 70º da p.i.);
16. O Autor irá necessitar de tratamentos e/ou intervenções cirúrgicas para resolver complicações e escaras cutâneas (artigo 74º da p.i.);
17. Devido às lesões e sequelas decorrentes do acidente dos autos, o Autor toma diariamente um comprimido de: Vibrocil 0,25/2,5 mg/ml; Juzo Meia Meia Ag Iv Sil Curt 2002; Ditropan 5 mg; e Fenoxilbenzamina 10 mg (artigo 75º da p.i.);
18. O Autor terá agravamento futuro das sequelas decorrentes do acidente, o que se traduzirá num aumento da sua incapacidade permanente geral (artigo 85º da p.i.);
19. À data do acidente, o Autor andava de bicicleta e jogava a bola (artigo 91º da p.i.);
20. O Autor encontra-se impedido de ter uma vida íntima normal com a companheira, devido ao prejuízo sexual de que ficou afetado (artigo 95º da p.i.);
21. O Autor sente vergonha de não poder bastar-se na sua higiene pessoal (artigo 96º da p.i.);
22. À data do acidente, a companheira do A. era trabalhadora rural nas campanhas de agrícolas, auferindo nos meses de abril a outubro, € 120,00 euros por semana (artigo 126º da p.i.).
23. A companheira do Autor deixou de trabalhar e de obter qualquer rendimento para se dedicar aos cuidados do marido (artigos 127º e 214º da p.i.).
24. À data do acidente, o Autor auferia anualmente valor médio de € 15.000,00, a título de dividendos da sua empresa (artigos 183º e 211º da p.i.)”.
6)  Inconformados com a sentença Autor e Ré interpuseram recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães tendo sido proferido acórdão em 08/04/2021, transitado em julgado, que, julgando totalmente improcedente o recurso da Ré e parcialmente procedente o recurso do Autor, decidiu “alterar a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de €175.820,00, a qual se eleva para €275.820,00 (duzentos e sente e cinco mil oitocentos e vinte euros), deduzida dos montantes pagos pela Ré a título de reparação provisória, acrescida de juros vencidos e vincendos, contados à taxa legal sobre a diferença, desde a citação, até efetivo e integral pagamento;
· alterar a sentença recorrida, na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 35.000,00, elevando agora aquela quantia para € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).
- manter integralmente o remanescente da sentença recorrida”.
7) No acórdão foi ainda decidido não admitir a junção dos seguintes documentos: um documento intitulado de certificado médico datado de 05/02/2020, documento com a indicação de IPP de 66% datado de 30/10/2020 e documento de manutenção da baixa médica até 31/12/2021, datado de 30/10/2020, todos emitidos pelo Dr. BB do Hospital ..., ..., juntos após o encerramento da audiência de discussão e julgamento e a que o Autor fazia alusão nas suas alegações de recurso pedindo que fossem considerados para a modificação da decisão sobre a matéria de facto; um Relatório de Avaliação do Dano Corporal datado de 24/10/2020 junto pelo Autor com as alegações de recurso.
8) No acórdão referido 6) foi ainda julgada improcedente o recurso do Autor na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto.
9) Consta também do referido acórdão que o Autor especificava no recurso que “relativamente ao facto provado 10º, não deveria ter sido dado como provado que a 30.06.2013 as lesões sofridas pelo Autor estabilizaram, tanto mais que, ao dia de hoje ainda não se encontram estabilizadas, senão agravadas, motivo pelo qual ainda não foi alvo de intervenção cirúrgica ao joelho direito. Quanto ao facto 12º relativo aos atos da vida diária, deveria dar-se como provado que o Autor está dependente de terceiros para as atividades da vida diária. No que respeita ao facto provado 13º alínea c) (sofreu um período de Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total Profissional Total de 427 dias) e alínea e), primeira parte (sofre de défice funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 31 pontos), o Autor impugna-os por considerar que ainda não se consolidaram as lesões sofridas e que o último relatório médico que obteve lhe atribui uma IPP de 66%.”
10) Na presente ação o Autor demanda a Ré com fundamento no alegado “agravamento das lesões e sequelas sofridas” em consequência do acidente de viação referido em 2), ocorrido no dia 30 de abril de 2012, pretendendo ver “atualizado o montante indemnizatório” fixado na ação n.º 3513/17.1T8GMR.
11) O Autor na presente ação formula os seguintes pedidos:
“a) Condenar a Ré no pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil pelos danos agravados acrescidos ao Autor/Requerente, conforme artigo 68º fixada no valor de € 285.600,00 euros.
b) Mais o valor de € 180.000,00 euros conforme artigo 690 em relação à sua mulher/Companheira pelo permanente acompanhamento a que o Autor/Requerente está sujeito.
c) Pelos danos não patrimoniais, o valor de € 35.600,00 euros conforme artigo 72º, respetivamente”.
12)  Alega o Autor na petição inicial, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e como fundamento da sua pretensão (na parte que aqui releva) que:
 “4. A presente ação pretende agora ver atualizado o montante indemnizatório, de acordo e com fundamento no agravamento das lesões e sequelas sofridas em consequência do acidente de viação que sofreu, enquanto trabalhava, ou seja, com base em factos supervenientes.
(…)
6. O que se discute agora, é que as sequelas sofreram agravamentos notórios, pelo que os valores à data determinados se encontram no presente desajustados à realidade.
7. Desde a data da decisão de 08/04/2021, mas em bom rigor, desde a data fixada como consolidação dos danos, 30/06/2013, ao presente, o grau de incapacidade permanente para o trabalho do Autor/Requerente agravou-se significativamente, assim como as suas condições de vida.
8. Pelo que, o grau fixado pelos doutos tribunais merece nova avaliação, significando isso uma verdadeira revisão aos concretos pontos de determinação do dano atual, e, por conseguinte, o ajuste da indemnização em conformidade com a realidade presente.
(…)
16. Assim, requer-se a revisão dos pontos de incapacidade determinados e atribuídos ao Auto/Requerente, àquela data, por se verificar o agravamento das sequelas do acidente e da sua incapacidade permanente, requerendo a realização de perícia médica, para que a desvalorização que vier a ser apurada seja levada em devida conta, uma vez que se trata indiciariamente de uma incapacidade permanente e absoluta para o trabalho habitual.
17. O Autor/Requerente socorre-se da presente ação enquanto mecanismo processual adequado a viabilizar a reapreciação atualizada do estado de saúde atual do sinistrado, como consequência direta do acidente sofrido, sendo esse o concreto objeto de processo.
18. Fixando-se a IPP que afeta o Autor/Requerente em grau superior ao anteriormente existente e tendo recebido obrigatoriamente um capital de indemnização e compensação em função da incapacidade inferior e danos reduzidos comparativamente aos atualmente verificados, a modificação da capacidade de ganho e do seu estado de saúde gerai diretamente afetado pelo acidente, têm de conferir o direito ao ajuste dos valores indemnizatórios, desse modo, atribuindo-se-lhe um novo capital que faça jus às necessidades presentes e futuras.
19. Fazendo-se prova em que houve um agravamento do estado clínico do sinistrado, o tribunal deve ordenar a atribuição de novo montante a título de indemnização, pelos mesmos fundamentos que se sucedeu a anterior condenação, pelo grau de incapacidade agravado, desde logo porque o dano é significativamente superior àquele que tinha sido calculado e servido de base à primitiva condenação.
20. O novo montante indemnizatório deve ser orientado por princípios de justiça, equidade e proporcionalidade, tendo em conta os valores incontestáveis da dignidade humana, e calculado em função da diferença entre os valores da incapacidade anterior e a incapacidade atual do sinistrado.

-DOS DANOS AGRAVADOS-

21. O Autor/Requerente foi sujeito a nova avaliação médica - cujos documentos se juntam e se dão aqui por integralmente reproduzidos para todos os devidos e legais efeitos -atestada pelo certificado médico datado de 19/05/2022, documento com a indicação de IPP superior a 66% e uma incapacidade permanente de 100% para o trabalho, e pelo documento de manutenção da baixa médica até 03/01/2023, datado de 20/06/2022, emitidos pelo Dr. BB do Hospital ..., ..., e o Relatório de Avaliação do Dano Corporal datado de 26.03.2022, emitido pelo médico Dr. CC.
22. Estes relatórios médicos permitem ao Autor/Requerente tomar consciência e perceber, nos meses que antecedem à propositura da presente ação, que as sequelas que sofreu efetivamente se agravaram, com clara repercussão no seu dia-a-dia e no seu sofrimento.
23. Os documentos são atuais, recentes, incorporando uma atualização de relevo e importância para a atribuição de um montante de indemnização, proporcional ao grau atual de danos, a título de responsabilidade civil pelos prejuízos provocados, que se justifica pela justiça, já que a anterior condenação se havia baseado nos valores de défice e incapacidade física e psíquica apurados àquela data.
24. E que se agravaram.
25. São objetivamente supervenientes por historicamente ocorridos depois do momento considerado para efeitos de condenação, ainda que em sequência desse, e, subjetivamente, por serem apenas concretizados e conhecidos posteriormente àquele.
(…)
39. Mas os danos agravam-se, e o Autor/Requerente sofre cada vez mais com as sequelas do acidente, tanto físicas como psicólogas, tanto é que agora se considera efetivamente inapto não só para a sua profissão habitual, como para o desempenho de qualquer atividade profissional.
40. Uma vez que até em casa carece de ajuda de terceiros para se locomover, e está profundamente abalado.
41. O grau de incapacidade e o reflexo dos danos sofridos agravou-se significativamente, tendo sido objeto de avaliação superior à da considerada pelos peritos à data de julgamento no processo n.º 3513/17.1T8GMR, e considerada como assente nos factos provados da douta sentença.
42. Impõe-se agora proceder a uma nova avaliação do défice de incapacidade permanente para o trabalho, assim como da quantificação dos danos sofridos pelo sinistrado.
43. Uma vez recordada a fundamentação do douto Tribunal da Relação de Guimarães, o que se pretendeu indemnizar, mormente e, a título de danos patrimoniais, foi a impossibilidade de que o Autor/Requerente ficou de utilizar o seu corpo de forma plena e absoluta enquanto força de trabalho produtora de rendimento, recorrendo, e bem, ao princípio de equidade para determinar o montante de indemnização a fixar, cfr. o disposto no artigo 566.° n.º 3 do Cód. Civil.
(…)
48. As lesões traumáticas continuam a provocar deterioração funcional no Autor/Requerente, tendo havido alterações apreciáveis no seu grau de incapacidade física e motora.
49. Por conseguinte com implicações na sua incapacidade para o trabalho, a longo prazo.
50. Veja-se que o Autor/Requerente, certamente, jamais voltará a exercer qualquer atividade profissional e obter rendimentos durante o resto da sua vida, por culpa alheia.
51. E, ao mesmo tempo, carece de apoio permanente por parte dos seus familiares, porque ultrapassa a mera dificuldade de locomoção, que se veem também prejudicados com as sequelas do infeliz acidente.
52. A sua mulher deixou de trabalhar, para poder acompanhá-lo diariamente e ajudá-lo nas mais básicas tarefas pessoais do quotidiano.
53. Os atos da vida corrente o Autor/Requerente deixou de conseguir realizar autonomamente, ou, os que realiza, fá-lo empregando ainda um maior esforço do que o que antes se pressupunha.
54. Apelando-se aqui ao papel corretor e de adequação da ponderação judicial assente na equidade, perante a gravidade objetiva e subjetiva dos prejuízos sofridos, as circunstâncias específicas do facto e do agente e as variantes dinâmicas que escapam aos referidos cálculos objetivos.
55. Os valores são adaptados casuisticamente, nunca limitados por simples cálculos matemáticos.
56. Certo é que, se pelo princípio da equidade se decidiu reparar ao sinistrado, com 31 pontos de Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, impeditivo do exercício da atividade profissional habitual de motorista, mas considerando compatível com o exercício de outras profissões da área da sua preparação técnica e profissional, atribuindo-se¬-lhe, por isso, uma indemnização de € 250.000,00 euros.
57. Fará sentido que, revisto em valor similar ao indicado no Relatório de Avaliação de 2022 junto e já mencionado, em 46,98 pontos de défice IPP, e declarando-se inapto definitivamente para o trabalho, com atribuição de reforma por invalidez, seja, pelo mesmo princípio, ajustado o montante indemnizatório.
(…)
69. Além de, dever-se também considerar-se, como se considerou, o prejuízo familiar do agregado uma vez que a mulher do Autor/Requerente está também constrangida a trabalhar por ter de o apoiar e acompanhar, que se fixa, estimando um rendimento mensal de 750,00 € mensais, pelos vinte anos que poderia ainda obter rendimento, mas não terá, uma quantia não inferior a 180.00,00 €.
(…)
72. Aqui é também merecido o devido ajuste, atribuído um novo montante em conformidade, nunca inferior e 35.000,00 € por danos não patrimoniais, verificando-se pela revisão um aumento/agravamento do défice IPP, posto que naturalmente significará um decréscimo na qualidade de vida do Autor/Requerente, assim como dos familiares que com este coabitam.
(…)
85. Conclui-se, rogando ao douto Tribunal pela atribuição de nova indemnização pelos danos agravados, objetiva e subjetivamente supervenientes, provocados pelo acidente de viação responsabilidade do segurado da Ré, já dado como provado pelo Acórdão transitado em julgado no Processo D. o 3513/17.1 T8GMR - calculada com base no artigo 68°desta petição de valor € 285.600,00 euros de danos patrimoniais e ainda o valor de € 180.000,00 euros conforme descrito no artigo 690, pelos rendimentos que o Autor/Requerente e a sua mulher/companheira para acompanhar o Autor/Requerente deixará de auferir por completo até ao resto da sua vida profissional, e que receberiam, não tivesse sido o acidente, e conforme artigo 72º no valor de € 35.000,00 euros a título de danos não patrimoniais”.
***
3.1. Da exceção de ilegitimidade ativa

Em face do pedido formulado pelo Autor na alínea b), onde pretende a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €180.000,00, conforme artigo 69º da petição inicial, em relação à sua mulher/companheira pelo permanente acompanhamento a que o Autor está sujeito, veio a Ré arguir a exceção de ilegitimidade do Autor.
O tribunal a quo julgou procedente a exceção de ilegitimidade e absolveu a Ré desse pedido, entendendo que o dano que o Autor pretende ver ressarcido consiste na perda de rendimentos por parte do respetivo cônjuge, em razão de ter lhe prestar assistência, e que esse dano, assim configurado pelo Autor, foi sofrido por terceiro, lesado mediato.
É contra este entendimento que se insurge o Recorrente sustentando que é ele o sujeito ativo do direito substantivo que pretende fazer valer pois o dano patrimonial reflete-se na sua esfera patrimonial e a necessidade de ajudas de terceiros, é essencial e permanente, sendo o Autor, independentemente da pessoa que presta essa ajuda permanente e essencial, quem tem de suportar os custos inerentes à ajuda.
Entende que se trata de um dano patrimonial que se reflete na sua pessoa e o pedido assim configurado, foi feito com base na necessidade do Autor.
Vejamos então se lhe assiste razão.
A questão que aqui se coloca é a de saber se o Autor, lesado na sequência de acidente de viação, tem legitimidade para peticionar uma indemnização pelas perdas salariais da sua mulher/companheira que alegadamente deixou de poder trabalhar para lhe prestar assistência.
E a resposta, adiantamos desde já, terá de ser negativa: tal como consta da decisão recorrida o Autor carece de legitimidade para formular tal pedido.
De acordo com o disposto no artigo 30º do CPC, o autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar e o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer (n.º 1), exprimindo-se o interesse em demandar pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha (n.º 2), e, na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (n.º 3).
À legitimidade, enquanto pressuposto processual, interessa saber quem são os sujeitos da relação controvertida, tal como ela é configurada pelo autor e já não se essa relação efetivamente existe e quem são os seus sujeitos, pois que esta é já matéria reservada ao mérito da ação.
Assim, e em regra, a legitimidade é aferida pela forma como o autor configura ab initio a relação material controvertida, sendo este o critério normal de determinação da legitimidade, por referência à legitimidade singular e direta (v. Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1999, p. 46).
Deste modo, a legitimidade impõe que se considere parte legítima como autor quem tiver um interesse pessoal e direto em demandar, não bastando um interesse indireto, reflexo, conexo ou derivado.
Casos há, contudo, em que é a própria lei a identificar o detentor da legitimidade, como ocorre em certas relações com pluralidade de sujeitos ou nos casos de legitimidade extraordinária ou indireta; como observam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina Coimbra, 2018, p. 59) há situações há em que é a própria lei que identifica o detentor da legitimidade ativa ou passiva, como nos casos excecionais em que se concede o direito de ação a sujeitos que são titulares de um interesse indireto, como ocorre por exemplo na ação sub-rogatória (cfr. artigo 606º do Código Civil), ou com a atribuição de legitimidade indireta ao cabeça de casal e ao administrador do condomínio urbano.
In casu, o critério de determinação da legitimidade ativa deve ser baseado na forma como o Autor configurou na petição inicial a relação material controvertida.
Assim, analisados os factos alegados pelo Autor na presente ação concluímos que o mesmo se refere ao facto da sua mulher não trabalhar para o apoiar e acompanhar e não auferir os rendimentos do seu trabalho, pedindo expressamente o valor de €180.000,00, conforme artigo 69º da petição inicial, “em relação à sua mulher/Companheira pelo permanente acompanhamento a que o Autor está sujeito”.
Por isso, ao contrário do que pretende o Recorrente, não pode afirmar-se que é ele o sujeito ativo do direito substantivo que pretende fazer valer em face da necessidade de ajudas de terceiros de que necessitará de forma permanente.
E nem releva, sem mais, a afirmação de que, independentemente da pessoa que presta essa ajuda permanente, é o Autor quem tem de suportar os custos inerentes à mesma.
Na verdade, não pode concluir-se ser indiferente peticionar uma indemnização correspondente ao custo da ajuda de terceiros ou o valor da perda de remunerações que a mulher do lesado deixa de auferir para o acompanhar.
A questão aqui colocada não é a de saber se a mulher/Companheira do Autor pode exigir uma indemnização por lhe ter prestado (ou prestar) assistência em virtude das lesões e sequelas das mesmas que aquele sofreu na sequência do acidente e deixar de receber as remunerações do seu trabalho, mas se o Autor/lesado pode peticionar que a sua própria indemnização inclua um valor para compensar a perda das remunerações do trabalho pela Companheira que o acompanha e apoia, sendo certo que não é ele o titular do direito.
Neste aspeto importa salientar que no caso dos autos não há que demandar a aplicação das regras previstas para o casamento e para o regime de bens.
Veja-se que o Autor nada alega que permita concluir que é casado (não se podendo, por isso, falar no seu “cônjuge” conforme consta da decisão recorrida) e nem qualquer facto de onde decorra o regime de bens a aplicar; pelo contrário identifica-se como solteiro na petição inicial e indica na procuração junta aos autos (fls. 67) ter “relação matrimonial de União de Facto” com EE.
Ainda assim, dir-se-á que, mesmo que por força do regime de bens do casamento o rendimento do trabalho de um dos cônjuges possa ser bem comum, e não bem próprio do cônjuge que o aufere [cfr. artigo 1724º alínea a) do Código Civil], sempre esse rendimento seria um bem cuja administração caberia em exclusivo ao cônjuge que o aufere [cfr. artigo 1678º n.º 2 alínea a) do Código Civil], sendo este quem teria legitimidade para instaurar as ações a reclamar indemnização pela perda do mesmo.
Regressando à questão que aqui se coloca, importa salientar que no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos a regra é de que quem tem direito à indemnização pelos danos decorrentes do ato ilícito é o titular do direito violado ou do interesse protegido pela disposição legal violada (v. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª Edição, p. 591; no mesmo sentido Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª Edição, 2014, p. 607 afirma que a titularidade do direito à reparação cabe, em principio, à pessoa ou pessoas a quem pertence o direito interesse juridicamente protegido que a conduta ilícita violou).
Conforme decorre do artigo 483º n.º do Código Civil, na responsabilidade por factos ilícitos o princípio geral é de que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
Contudo, excecionalmente a lei admite que outras pessoas, além do ofendido, tenham direito a exigir indemnização ou que esta se alargue a terceiros só mediata e reflexamente afetados (v. Almeida Costa, Direito das Obrigações, ob. cit, p. 608).
Casos há em que a lei confere ao interesse de terceiro relevo suficiente para justificar a atribuição ao próprio terceiro de um direito de indemnização.
Mas, e diga-se desde já, todo o trabalho que se possa fazer no sentido de alargar os terceiros cujos interesses são dignos de tutela, designadamente aos terceiros que só reflexos ou indiretamente sejam prejudicados pelo ato ilícito, conduzirá sempre à atribuição de um direito de indemnização a esse terceiro, pois são os seus interesses que são tutelados (v. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 08/11/2012, Relator Aristides Rodrigues de Almeida, Processo n.º 6439/07.3TBMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, a lei indica no artigo 495º do Código Civil como terceiros com direito a indemnização, aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima (n.º 2) e ainda os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural (n.º 3).
Não se mostra, por isso, excluído do âmbito de aplicação desta norma o direito a indemnização de qualquer familiar que haja prestado a assistência ao lesado, ou da companheira, desde que haja uma relação de causalidade entre as lesões, o tratamento e a assistência prestada ao lesado (v. entre vários outros o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28/03/2019, Processo n.º 1120/12.4TBPTL.G1.S1, Relator Tomé Gomes, disponível em www.dgsi.pt).
Por esta via, a lei não afasta o direito da Companheira do Autor demandar a Ré para obter uma indemnização, e nem é essa a questão que se discute no presente recurso; o que a lei não confere é legitimidade ao Autor, vitima do acidente de viação, para formular o pedido de condenação da Ré no pagamento da indemnização a que tem direito um terceiro, concretamente a sua Companheira.
De facto, se o titular do direito de indemnização é o terceiro, e não o lesado, em princípio só a este assistirá, naturalmente, legitimidade para exercer em juízo tal direito.
Não está aqui em causa o direito de terceiro a ser indemnizado, mas apenas que deve ser esse terceiro a vir a juízo formular tal pedido por ser o titular do direito.
E nem se diga, conforme parece ser entendimento do Recorrente (v. artigos 69º e 70º da petição inicial) que, estando em causa rendimentos do agregado familiar, de que toda a família beneficia, é indiferente que seja o Autor ou a sua Companheira, a reclamar a perda de rendimentos do trabalho; na verdade, também careceria de legitimidade a sua Companheira para vir a juízo formular pedido de indemnização pela perda de rendimentos do Autor na sequência do acidente de viação.
Assim, não tendo o Autor legitimidade para peticionar uma indemnização pelas perdas salariais da sua Companheira que alegadamente deixou de poder trabalhar para lhe prestar assistência, e estando em causa uma exceção dilatória que tem como consequência a absolvição do réu da instância [cfr. artigos 278º n.º 1, alínea d), 576º n.ºs 1 e 2 e 577º alínea e), todos do CPC], não merece censura a decisão recorrida que absolveu a Ré da instância quanto ao pedido de condenação formulado sob a alínea b) da petição inicial.
Improcede, pois, nesta parte o recurso.
***
3.2. Da exceção de caso julgado

A Ré veio também invocar a exceção de caso julgado em face da decisão, transitada em julgado, proferida no processo n.º 3513/17.1T8GMR no qual o Autor deduziu pedido indemnizatório com base no mesmo acidente de viação em que baseia a sua pretensão indemnizatória nos presentes autos.
Pelo tribunal a quo foi julgada procedente a exceção de caso julgado material relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a) e c) por entender que a presente ação é uma repetição da que correu termos sob o n.º 3513/17.1T8GMR.
É contra este entendimento que se insurge o Recorrente salientando que na decisão recorrida se partiu do pressuposto de que a propositura da ação 3513/17.1T8GMR era impeditiva de o Autor, em nova ação, pedir o que ora pediu, com o que não concorda, invocando a decisão proferida no incidente de revisão de incapacidade, a correr por apenso, aos autos do processo 3513/17.1T8GMR onde foi liminarmente indeferida a sua pretensão por se considerar que só por via de nova ação declarativa poderia o lesado alegar e demonstrar a ocorrência de circunstâncias supervenientes determinantes do agravamento da incapacidade fixada por sentença/ acórdão transitada/o em julgado, proferido em processo declarativo comum.
Sustenta ainda que alegou factos supervenientes e juntou documentos que confirmam o agravamento do dano biológico o que, só por si, é capaz de suportar o argumento de que não pode ocorrer a procedência da exceção do caso julgado.
Mais alega que o dano agravado não tinha sido indemnizado na ação anterior e que o Autor ficou a padecer de uma incapacidade permanente total para o exercício de qualquer profissão que antes era parcial e só se refletia na sua atividade de motorista, o que refuta o que ficou determinado na decisão anterior e é motivo, mais do que suficiente, para ser apreciada a presente demanda.
Vejamos então se lhe assiste razão, adiantando desde já que a decisão recorrida não é merecedora da censura que lhe é dirigida pelo Recorrente, mostrando-se a questão da exceção de caso julgado aí tratada de forma correta.
Como é consabido, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decide do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º, conforme decorre expressamente do disposto no artigo 619º do CPC.
Por força do efeito de caso julgado material a definição dada à relação controvertida não pode ser alterada em qualquer nova ação; esse efeito é ditado “por razões de certeza ou segurança jurídica e de prestígio dos tribunais; a instabilidade jurídica seria verdadeiramente intolerável se não pudesse sequer confiar-se nos direitos que uma sentença reconheceu” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/02/2019, Processo n.º 4043/10.8TBVLG.P1.S1 Relator Pinto de Almeida, disponível em in www.dgsi.pt).
O caso julgado material visa garantir, fundamentalmente, o valor da segurança jurídica, destinando-se a evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objecto processual, venha a contrariar na decisão posterior o sentido de decisão anterior.
Manuel de Andrade define o caso julgado material como consistindo no facto de a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais, tendo por isso força obrigatória dentro e fora do processo e competindo às decisões que versem sobre o fundo da causa, que estatuam sobre a pretensão do autor ou definam a situação jurídica deduzida em juízo; o seu fundamento está “no prestígio dos Tribunais e na segurança ou certeza jurídicas” (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 306).
A lei distingue nos artigos 619º n.º 1 e 620º n.º 1 do CPC, entre o caso julgado material e o caso julgado formal, conforme a sua força se estenda ou não a outros processos diversos daqueles em que foram proferidos os despachos, as sentenças ou os acórdãos.
Também o caso julgado formal assenta no trânsito em julgado da decisão e pressupõe a repetição de qualquer questão, mas sobre a relação processual dentro do mesmo processo, restringindo-se os seus efeitos (ao contrário do caso julgado material) ao próprio processo.
De igual modo, com o caso julgado formal e com a força atribuída à decisão transitada em julgado, ainda que verse sobre a relação processual, se pretende evitar que a questão já decidida possa vir a ser validamente definida em moldes diferentes pelo mesmo tribunal (v. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, p. 309, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, p. 680 a 682 e 693, Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, p. 34).
O caso julgado pretende assim obstar a decisões concretamente incompatíveis, que não possam executar-se ambas sem detrimento de alguma delas.
O n.º 1 do artigo 580º do CPC esclarece ainda que o caso julgado (à semelhança da litispendência, mas esta pressupõe uma ação ainda em curso) pressupõe a repetição de uma causa e a causa repete-se, conforme preceitua o n.º 1 do artigo 581º, quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
A exceção de caso julgado não se confunde com a autoridade de caso julgado: pela excepção, visa-se o efeito negativo da admissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito; já a autoridade do caso julgado tem antes o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito. Este efeito positivo assenta numa relação de prejudicialidade: o objecto da primeira decisão constitui questão prejudicial na segunda acção, como pressuposto necessário da decisão de mérito que nesta há-de ser proferida (Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, 2.º Volume, p. 325).
Assim, enquanto a excepção do caso julgado torna necessário que se verifique a tríplice identidade (de sujeitos, de causa de pedir e do pedido), já a autoridade do caso julgado pode efectivamente funcionar independentemente da verificação da tríplice identidade referida, pressupondo, porém, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
Os efeitos do caso julgado material desdobram-se, por isso, em duas vertentes: o efeito negativo da inadmissibilidade duma 2ª acção ou a proibição de repetição (excepção do caso julgado) e o efeito positivo de decisão anteriormente proferida como pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito ou a proibição de contradição (autoridade do caso julgado) de forma a que o já decidido não pode ser contraditado ou apontado por alguma das partes em acção posterior.
No caso concreto interessa-nos a exceção do caso julgado, a qual torna necessário que se verifique a tríplice identidade: de sujeitos, de causa de pedir e do pedido.
Existe identidade de sujeitos sempre que existir identidade física ou nominal e ainda “quando as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” (Cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, ob. cit., p. 661).
Para a identidade de sujeitos a lei não exige sequer a presença das mesmas e concretas pessoas físicas ou jurídicas nas duas causas, mas que as partes sejam as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (cfr. artigo 581º, n.º 2 do CPC).
Como afirma Rui Pinto (“Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas
Provisórias”, Julgar Online, novembro de 2018, http://julgar.pt/wp-content/uploads/2018/11/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto) “para este efeito, não releva o estrito conceito formal de parte, mas, na verdade, um conceito material de parte. Este apura-se pelo âmbito de eficácia material do objeto processual e não pela estrita e literal titularidade da instância (…) pode ser gerada uma coincidência parcial entre sujeitos nos casos de litisconsórcio e coligação voluntários quanto àqueles que concretamente estiveram na causa: havendo duas ações litisconsorciais ou coligatórias que coincidam quanto a alguns dos litisconsortes ou coligados, há exceção de caso julgado quanto aos sujeitos coincidentes”.
Quanto à identidade de pedidos “afere-se pela circunstância de em ambas as acções se pretender o mesmo efeito prático-jurídico” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit., p. 661).
Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (n.º 3 do artigo 581º do CPC) sendo o pedido “o efeito jurídico que a parte ativa pretende obter pela decisão do tribunal e que ela retira materialmente da causa de pedir que invoca (…) Esse efeito jurídico tem por objeto certo e determinado bem jurídico a que se refere a causa de pedir. Em termos simples, o pedido tem por objeto imediato determinado efeito jurídico que se retira da causa de pedir e por objeto mediato o bem jurídico a que se refere a causa de pedir. Donde, há identidade de pedido quando em causas diferentes a parte ativa pretende uma sentença com idêntico efeito jurídico para um mesmo e determinado bem jurídico” (Rui Pinto, “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas Provisórias”, Julgar Online, novembro de 2018).
Conforme se afirma no Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 19/09/2019 (Relatora Conselheira Catarina Serra, disponível em www.dgsi.pt) “(…) a exigível identidade de pedidos não implica uma absoluta coincidência dos concretos pedidos, ou seja, não implica que o pedido feito na ação proposta em segundo lugar corresponda exactamente ao pedido feito na ação proposta em primeiro lugar. Para efeitos da excepção de caso julgado, não interessa, assim, que a extensão do pedido formulado e decidido na primeira acção seja maior do que o formulado na segunda; basta que possa considerar-se que o pedido formulado na segunda acção está contido, incluído ou englobado no pedido formulado e decidido na primeira. Numa palavra: a identidade de pedidos pode ser parcial (…)”.
Por último, a identidade de causas de pedir existe “quando as pretensões deduzidas nas ações derivam do mesmo facto jurídico, analisado à luz da substanciação consagrada no n.º 4 [do artigo 581.º]” (Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, ob. cit. p. 662).
O n.º 4 do artigo 581º do CPC dispõe que há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Podemos ainda salientar aqui que tendo presente que o objectivo do caso julgado é impedir a repetição de decisões “a exigível identidade de causas de pedir não implica uma absoluta coincidência das causas de pedir concretamente invocadas, sendo suficiente que os factos que integram o núcleo essencial das normas jurídicas que se pretendem aplicáveis na segunda acção já tenham sido invocados na acção anterior, ainda que a par de outros factos e em posição instrumental relativamente a eles” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2019 já citado).
De referir ainda que a determinação do âmbito objetivo do caso julgado pressupõe a interpretação prévia da sentença, a determinação exata do seu conteúdo, dos seus precisos termos e limites, relevando, nomeadamente, a leitura que a sentença faça sobre o objeto do processo, isto é, sobre os pedidos formulados pelo réu e pelo autor reconvinte: o caso julgado tem a extensão objetiva definida pelo pedido e pela causa de pedir, não sendo indiferente a interpretação que o próprio tribunal faça de um e de outra, sendo sobre a definição do objeto do processo assim feita que se forma o caso julgado (v. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 2.º, 2018 p. 754 e seguintes).
A aferição dos limites e eficácia do caso julgado postula, como já referido, a interpretação do conteúdo da sentença, com relevo para os fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à decisão que, como esta, devem considerar-se abrangidos por aquele (v. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/02/2019 já citado; ainda neste sentido o Acórdão desta Relação de 04/11/2021, Processo n.º 5229/19.5T8GMR.G1, Relatora Rosália Cunha, citando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2012, também disponível em www.dgsi.pt).
In casu, o Tribunal a quo julgou verificada, em concreto, a tríplice identidade exigida pela exceção do caso julgado e absolveu a Recorrida da instância quanto aos pedidos formulados em a) e c).
Tais pedidos são os seguintes:
“a) Condenar a Ré no pagamento de uma indemnização por responsabilidade civil pelos danos agravados acrescidos ao Autor/Requerente, conforme artigo 680 fixada no valor de € 285.600,00 euros.
(…)
c) Pelos danos não patrimoniais, o valor de € 35.600,00 euros conforme artigo 720, respetivamente”.
Tal como definido pelo próprio Recorrente na petição inicial, em causa na presente ação está, a atualização do montante indemnizatório que lhe foi já atribuído na ação anterior, por força do agravamento dos danos, pretendendo a revisão dos pontos de incapacidade por se verificar o agravamento da sua incapacidade permanente, e a reapreciação atualizada do seu estado de saúde.
Vejamos então.
No caso concreto não se suscitam quaisquer dúvidas sobre a identidade dos sujeitos: Autor e Ré são os mesmos na presente ação e na ação n.º 3513/17.1T8GMR.
Quanto ao pedido julgamos também não se suscitarem dúvidas sobre a sua identidade.
De facto, a identidade de pedidos não implica que o pedido feito na ação posterior corresponda exatamente ao pedido feito na primeira ação, mas que possa considerar-se que o pedido formulado na segunda ação está contido, incluído ou englobado no pedido formulado e decidido na primeira, que numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
Ora, em ambas as ações, e relativamente aos pedidos em causa, o Autor pretende obter o mesmo efeito jurídico: uma indemnização pelos danos futuros decorrentes do défice funcional permanente, que na presente ação alega ter-se agravado, e uma indemnização pelos danos não patrimoniais dai decorrentes.
E quanto à causa de pedir?
A primeira nota a salientar é que nas ações de responsabilidade civil emergente de acidente de viação estamos perante uma causa de pedir é complexa ao pressuporem a existência de um facto humano voluntário, ilícito e culposo, que seja produtor de um dano e que entre este e aquele ocorra uma relação de causalidade adequada; a causa de pedir é integrada não só pelo acidente e pela culpa (ou pelo risco), mas também pelos prejuízos, alegados e peticionados.
Nestas ações, em que a causa de pedir é complexa, o mesmo acontecimento histórico pode permitir a existência de mais do que uma ação, entre os mesmos sujeitos, sem que ocorra uma situação de litispendência ou de caso julgado, desde que a causa de pedir e o pedido não sejam coincidentes.
Entendemos, por isso, que, integrando os danos a causa de pedir nestas ações, se não houver coincidência entre os prejuízos alegados e peticionados numa e noutra ação, não existirá a referida tríplice identidade, e não se verificará a exceção do caso julgado.
Por outro lado, a propositura de ação anterior não é impeditiva, por si só e em abstrato, do lesado em nova ação, baseada no mesmo acidente de viação, pedir danos que não tinha peticionado na ação anterior.
O lesado não se encontra obrigado a peticionar na primeira ação todos os danos decorrentes do acidente de viação de que foi vítima, e se o não fizer não preclude o direito de o poder fazer em ação posterior; o que não pode é peticionar em ambas as ações, a anterior e a posterior, indemnização pelos mesmos danos, sob pena de se concluir pela repetição da mesma causa e pela verificação do caso julgado ou da litispendência, consoante tenha já sido ou não proferida sentença transitada em julgado.
 Esta posição é acompanhada por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa (ob. cit. p. 668), que afirmam também que as ações indemnizatórias decorrentes de acidente de viação têm uma causa de pedir complexa integrada pela culpa/risco e pelos danos, inexistindo, por isso, identidade de causa de pedir e de pedido entre duas ações  sobre o mesmo acidente em que os prejuízos alegados e peticionados não são coincidentes, concluindo ainda que, contrariamente ao que ocorre com o réu que deve concentrar todos os meios de defesa na contestação, “[s]obre o autor não incide nenhum ónus de concentração de todas as causas de pedir na ação que proponha” (também neste sentido o Acórdão desta Relação de 04/11/2021, já citado; v. ainda Miguel Teixeira de Sousa, in Preclusão e Caso Julgado, disponível em https://blogippc.blogspot.pt ).
É neste sentido também o entendimento vertido na decisão recorrida onde se conclui que a norma do artigo 566º n.º 2 do Código Civil não obsta a que “os danos que sobrevenham ao momento temporal ali definido sejam exigidos numa nova ação, arrimada no mesmo facto gerador da responsabilidade, pois só assim se respeita a função compensatória da obrigação de indemnizar, consagrada no art. 562, e os princípios que dela se extraem: o princípio da reparação total e o princípio da proibição do enriquecimento que apontam, no dizer de Maria de Lurdes Pereira, Direito da Responsabilidade Civil cit., p. 60, “para a relevância de todas as alterações ou, numa formulação negativa, para a inexistência de um limite temporal do cômputo do dano indemnizável. A solução mantém-se ainda que tais danos, que no referente temporal da indemnização fixada na ação pretérita, ainda não eram presentes, fossem previsíveis, uma vez que sobre o lesado não recai qualquer ónus de pedir a indemnização por danos futuros, ainda que previsíveis. Apenas lhe assiste a faculdade de o fazer.”
Por conseguinte, o que importa determinar é se o Recorrente na ação n.º 3513/17.1T8GMR invocou e peticionou indemnização por todos os danos que sofreu decorrentes do acidente de viação de que foi vítima no dia 30 de abril de 2012, no ..., se não o fez e os vem agora peticionar na presente ação, ou se, pelo contrario, vem pedir uma indemnização relativamente aos mesmos danos.
Ora, na ação n.º 3513/17.1T8GMR, conforme já referimos o Autor peticionou uma indemnização pelos danos futuros decorrentes do défice funcional permanente e uma indemnização pelos danos não patrimoniais, e nesta ação peticiona, de igual modo, uma indemnização pelo dano decorrente do défice funcional permanente que alega ter-se agravado, e uma indemnização pelos danos não patrimoniais.
Não obstante o Autor invocar um agravamento dos danos, a verdade é que está em causa o mesmo dano futuro (previsível) invocado e ressarcido na ação anterior, cuja decisão transitou em julgado após prolação do Acórdão proferido por esta Relação, conferindo à decisão ali proferida o efeito preclusivo do caso julgado material.
Por outro lado, ainda que o Recorrente invoque que estão em causa factos supervenientes demonstrativos de que se agravou o dano biológico, a verdade é que logo na petição inicial alegou, ainda que com alguma ambiguidade como se salienta na decisão recorrida, que o agravamento já se verificava “em bom rigor desde a data fixada como consolidação dos danos, 30/06/2013”, pelo que, conforme afirma o tribunal a quo, “na data do encerramento da discussão na ação n.º 3513/17.1T8GMR (21 de outubro de 2020), aquela agravamento, ainda que porventura não exaurido, já tinha passado do estádio da previsibilidade para o da certeza”, nem sequer estando em causa, pelo menos nessa parte, factos supervenientes.
Acresce dizer, não obstante o Recorrente o omitir, que na ação n.º 3513/17.1T8GMR, já invocara o agravamento no futuro das sequelas decorrentes do acidente que se iriam traduzir num aumento da sua incapacidade permanente geral, o que não logrou provar (veja-se o ponto 18 dos factos aí julgados não provados).
Na referida ação o Recorrente pugnou, e foi objeto do recurso por si interposto, pelo facto de não ser dado como provado que as lesões sofridas pelo Autor estabilizaram em 30/06/2013, não se encontrando sequer estabilizadas, mas agravadas, e de ser dado como provado que está dependente de terceiros para as atividades da vida diária, que as lesões não se consolidaram e que o último relatório médico lhe atribuía uma IPP de 66%.
Ora, no acórdão proferido por esta Relação foi julgado improcedente o recurso do Autor na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto.
Tendo por base a necessária interpretação do conteúdo do acórdão proferido, incluindo os fundamentos que aí se apresentem como pressupostos da decisão temos de concluir que a decisão proferida por esta Relação na ação n.º 3513/17.1T8GMR e que alterou, elevando, os valores indemnizatórios a título de dano patrimonial futuro e danos não patrimoniais, teve por base os factos tal como fixados em 1ª Instância, ou seja, que as lesões haviam já estabilizado em 30/06/2013 e que não ficara provado que as sequelas tivessem agravamento no futuro e nem que fosse ter um aumento da sua incapacidade, o que também já estivera pressuposto na sentença aí proferida.
Conforme já referimos, o Autor não logrou demonstrar na primeira ação que intentou contra a aqui Ré, o agravamento no futuro das sequelas decorrentes do acidente que aí alegara e nem que se iriam traduzir num aumento da sua incapacidade permanente geral.
Permitir que o Autor em nova ação viesse peticionar outra vez uma indemnização pelo mesmo dano, cujo agravamento futuro e aumento da incapacidade não provou na primeira ação, seria, e permita-se-nos a expressão popular, “deixar entrar pela janela aquilo que não se quis deixar entrar pela porta”, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual no que toca aos danos em causa.
A este propósito escreve João António Álvaro Dias (Dano Corporal – Quadro Epistemológico e Aspetos Ressarcitórios, Coleção Teses, Almedina, 2001, p. 330-331, que: “Tudo isto boas razões para se dar como adquirido e certeiro que não é legítima a invocação pura e simples da regra do n.º 2 do art. 567 do Código Civil para, a pretexto duma qualquer interpretação extensiva ou integração analógica, sustentar a apreciação e reparação de novos danos corporais, por via do agravamento, em ação já julgada e transitada. E o mesmo se diga da entidade pagadora (lesante ou seguradora) que não pode invocar a melhoria da vítima, após a fixação da incapacidade permanente, para obter o reembolso em proporção maior ou menor da quantia e capital que haja pago.”
É, pois, acertada a conclusão constante da decisão recorrida de que “os factos que agora se pretendem trazer à discussão – os que evidenciam o agravamento presente dos danos-prejuízo – já foram, afinal, discutidos na ação pretérita. E foram numa dupla dimensão temporal: por um lado, enquanto danos presentes; por outro, enquanto danos que, sendo presentes, previsivelmente sofreriam agravamento no futuro”.
De todo o exposto decorre que deve concluir-se pela verificação da exceção do caso julgado, impeditiva de nova decisão de mérito e determinativa da absolvição da instância relativamente aos pedidos formulados nas alíneas a) e c).
A exceção de caso julgado é uma das exceções dilatórias expressamente elencadas no artigo 577º do CPC, concretamente na alínea i), que obsta a que o tribunal conheça do mérito e dá lugar à absolvição da instância (artigo 576º n.º 2 do CPC), pelo que não merece censura o Tribunal a quo ao ter julgado procedente a excepção de caso julgado e absolvido a Ré da instância.
Improcede, por isso, também nesta parte o recurso.
As custas são da responsabilidade do Recorrente em face do seu decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 15 de junho de 2023
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares (Relatora)
Alexandra Rolim Mendes (1ª Adjunta)
Ana Cristina Duarte (2ª Adjunta)