Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2256/20.3T8VCT.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: DEFICIÊNCIA NA GRAVAÇÃO
DIRECTOR DE SERVIÇO
ISENÇÃO DE HORÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Nos termos do art. 155.º n.º 4 do CPC a deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, e não o sendo e decorrido tal prazo, o vício fica sanado (mesmo que possa impedir, eventualmente, a reapreciação da matéria de facto).
II – Se só estão em causa documentos que a própria parte remeteu aos autos, tendo necessariamente conhecimento dos mesmos, não tinha esta que ser notificada da junção aos autos de tais documentos, nem ocorrendo por isso qualquer violação do princípio do contraditório – cf. art. 427.º do CPC.
III – Estando provado que Da aplicação de gestão de Horários RISI da R. resulta que o Código e a descrição do horário do A. é “isento 24”, de tipo flexível, com início às 00,00 horas e termo às 23,59 horas, que As funções de Director do Serviço de Aprovisionamento, desempenhadas pelo autor, determinam a necessidade de estar sempre disponível e de prolongar o seu trabalho para além do limite máximo do período normal de trabalho, que a R. nunca impôs ao A. o cumprimento de um horário de entrada e saída previamente fixado e correspondente ao período de funcionamento da R., não estando igualmente sujeito aos limites máximos dos períodos normais de trabalho e que Durante todo o tempo em que o A. prestou a sua actividade para a R., muitas vezes trabalhou para além das 7 horas por dia e as 35 horas por semana, impõe-se concluir que o autor beneficia de isenção de horário na modalidade prevista no art. 219.º/1 a) do CT.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: Unidade Local de Saúde ...
Apelado: AA

I – RELATÓRIO

AA, com os demais sinais nos autos, intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Unidade Local de Saúde ..., também nos autos melhor identificada, pedindo que a R. seja condenada:

a) – a reconhecer o direito do A. ao pagamento do subsídio de isenção de horário de trabalho correspondente a 1 hora de trabalho suplementar por dia;
b) – a pagar-lhe a quantia de €78.636,08 acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, dos últimos cinco anos;
c) – a proceder aos respectivos pagamentos contributivos em falta junto da Segurança Social sobre aquele montante;
subsidiariamente, em caso de improcedência destes seus pedidos, pede que a R. seja condenada;
- no pagamento do trabalho suplementar e do respectivo descanso compensatório, pelo trabalho prestado ao serviço da R. desde 1/12/2003 até 31/7/2020, para além das 7 horas por dia e das 35 horas por semana, a liquidar em execução de sentença, acrescido de juros de mora, à taxa legal.

Alega para tanto, e em síntese, que é trabalhador da ré desde 06.05.1970, e que o regime de horário de trabalho estipulado, enquanto Chefe do Serviço de Contabilidade do Hospital ..., e até esta data, foi de isenção de horário de trabalho, sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Não obstante o supra vertido, o autor inicialmente não recebia qualquer quantia referente ao competente subsídio de isenção de horário de trabalho que lhe era devido, sendo que em 2009 a ré pagou ao autor, em cinco prestações mensais, a quantia total de
€18.837,37, a título de subsídio de isenção de horário de trabalho correspondente a 2 horas de trabalho suplementar por semana desde 01.12.2003 (data do início do contrato individual de trabalho que celebrou com a ré, apesar de exercer funções no Hospital ... desde 06.05.1970, à data com vínculo de emprego público, o qual transitou para o contrato individual de trabalho sub judice após a transformação da entidade administrativa em sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos), e a partir do mês de Julho de 2009, inclusive, até à presente data, a ré paga, a título de subsídio de isenção do horário de trabalho correspondente a duas horas de trabalho suplementar por semana, a quantia mensal de €256,10, mas o autor tem direito ao subsídio correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia.

Tendo-se realizado audiência de partes, malogrou-se, nessa sede, a conciliação entre elas.

Notificada para o efeito, a ré apresentou contestação, deduzindo a excepção da incompetência em razão da matéria, defendendo que a competência para dirimir o litígio pertence aos tribunais administrativos e, embora aceitando parte dos factos constantes da p.i., v.g. os reportados à existência da invocada relação laboral, impugna grande parte da matéria de facto alegada pelo autor, apresentando a sua própria versão e pugnando pela improcedência da acção.

O autor apresentou resposta em que, no fundamental, pugna pela improcedência da excepção deduzida pela ré e reafirma a posição já vertida no articulado inicial.

Em sede de despacho saneador julgou-se improcedente a excepção da incompetência material.

Prosseguindo os autos, veio a realizar-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Julgar a presente acção procedente, condenando a R. a pagar ao A. a quantia de €78.636,08, a título de diferenças na retribuição especifica por isenção de horário de trabalho, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, nos termos supra expostos.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“A) O presente recurso reporta-se à intempestiva decisão proferida pelo Tribunal a quo, em 12 de janeiro de 2022, prolatada (à data) na pendência de um recurso ainda não decidido;
B) Tem ainda como objecto o presente recurso  o facto de, durante o depoimento da testemunha Dr. BB e na sua instância, o Mm.° julgador a quo decidiu indeferir o requerimento para junção de dois documentos com que a testemunha se fez acompanhar e nos quais estribou o respetivo depoimento,
C) E mais obstou à leitura dos mesmos e/ou das meras conclusões nos autos pela própria testemunha, tudo em manifesto detrimento da descoberta da verdade material e processualmente relevantes para o conhecimento e correto julgamento da questão controvertida nos autos, em termos colocados em crise novamente e também através do presente recurso.
D) Nesta medida, constitui objeto do presente recurso, na medida do possível e do estado processual atual a sentença visivelmente imperfeita e prolatada a destempo nos autos, com a ref.s ...29, onde se decide pela procedência da acção e pela condenação da R.- Recorrente, nos termos nos autos;
E) A impugnação da sentença e a acta de discussão e julgamento nos autos implicam e remetem quase integralmente para as gravações alegadamente constantes do sistema digital H@bilus Media Studio,
F) Os referidos registos encontram-se com irregularidades e anomalias, sendo por vezes inaudível o seu conteúdo designadamente nas partes em que o Mm.° juiz faz uso da palavra e que a testemunha BB depõe (ficheiro 20210622095853_1562052_2871832.mp3), Presidente do Conselho de Administração da Recorrente (desde 2005 a 2010).
G) À luz do disposto, conjugadamente, nos art.°s 9.° do Dec. Lei n.° 39/95, 195.°, n.° 1, 196.°, parte final, e 662.°, n.° 2, al.§ c), estes do NCPC, atenta a filosofia que subjaz a este último edifício normativo (o qual veio optar pela prevalência de soluções de justiça material) as anomalias na gravação das provas devem considerar-se consubstanciar irregularidade especial, a que se deve aplicar um regime de igual modo especial e particularmente expedito e oficioso, que se impõe à luz do manifesto interesse de ordem pública que visa alcançar-se com a gravação da audiência;
H) Impõe-se assim, com a devida vénia, que o Venerando Tribunal da Relação ordene o que já solicitamos antes: a repetição de produção das provas e matéria que se encontre impercetível, sempre que isso se revele, no seu entendimento, e após audição da gravação, essencial ao apuramento da verdade, e de molde a poder formar a sua autónoma convicção conforme aqui vai expressamente invocado;
I) Nulidade processual (aqui, uma invalidade secundária) que deve necessariamente ser conhecida pelo Tribunal da Relação, quer oficiosamente, quer como na forma presente, por invocação da Recorrente.
J) Dúvidas não existem de que - pela relevância daquelas provas registadas em gravação inaudível e, bem assim, pelo facto de o teor e fundamentação da decisão de indeferimento serem também inaudíveis -, e o conhecimento e apreciação pelo Tribunal (a quo e da Relação) é e será essencial ao apuramento da verdade material.
K) Não podendo a Recorrente e o Venerando Tribunal de Recurso aceder ao que foi afirmado e, logicamente percorrer o caminho do decidido em primeira instância, por forma a poder exercer plenamente a sua função de reapreciação da prova e decisão (duplo grau de jurisdição),
L) Conclui-se que perante a inaudibilidade manifesta decorrente de deficiências da gravação da prova e das decisões recorridas, ao abrigo conjugadamente do disposto nos mencionados art.°s 9.° do DLei n.° 39/95, 195.°, n.° 1, 196.°, in fine, e 662.°, n.°s 2, al.ª c), e 3, al.ª b), estes do NCPC, e terá de determinar-se oficiosamente a repetição da prova (testemunhal, de depoimento de parte, ou outra) que se mostrar inaudível, bem como das decisões nos autos, tudo de molde a suprir a(s) impercetibilidade(s) existente(s), anulando-se, em conformidade, o julgamento, bem como qualquer sentença (nesta data, a final e ainda não proferida),
M) O que se requereu e requer expressa e novamente, sob pena também de violação expressa do disposto no artigo 604.° e da correta ordenação sistémica dos actos em sede de diligência de discussão e julgamento, sempre com um escopo destinado a garantir a tutela jurisdicional efectiva, o princípio da igualdade das partes, e a concretização do contraditório como um corolário de processo de partes, todos estes em concretização do princípio constitucional supremo de um efectivo acesso à Justiça, e direito a um julgamento imparcial, equitativo e efetivo.
N) Prosseguindo, acresce que em face da forma como o depoimento testemunhal da testemunha BB foi prestado e da matéria probatória que (i) legitimamente levou para suporte, e o mandatário requereu fosse admitida nos autos, e (ii) que ainda que impedido de juntar se prontificou a ler de viva voz integrando no seu depoimento mas foi liminarmente rejeitado pelo Tribunal e expurgado da sentença e do iter cognoscitivo e fundamentação da decisão recorrida, tinha o Tribunal o dever de pelo menos ordenar a produção de prova necessária a esclarecer a verdade material decorrente desse depoimento (conforme decorre das gravações audio, designadamente da gravação n.° 20210622095853_1562052_2871832, a partir do min: 15:00, e independentemente do grau de audibilidade total e/ou parcial),
O) A testemunha fez (i) direta alusão e (ii) socorreu-se de dois documentos, pareceres jurídicos de suporte às decisões do Conselho de Administração da Recorrente à data, e não constantes da documentação junta pelo A. nos autos,
P) Tudo documentos cujo teor e existência integram relevo direto para a materialidade nos autos e para a demonstração da real expectativa do Recorrido, ou falta dela, que seguramente os não desconhecia, mas não juntou com a sua p.i., conforme lhe competia;
Q) Na sequência deste depoimento testemunhal, o mandatário da Recorrente constatou a relevância dos referidos documentos, e requereu a admissão nos autos dos documentos em questão, por constituírem factos novos de relevo para a materialidade controvertida, e que não constam do articulado inicial nem dos autos à data, logo impossíveis de conhecer em momento anterior ao da prestação do depoimento, tudo rejeitado pelo eficiente Mm.° julgador a quo (conforme consta do recurso imediatamente interposto nos autos);
R) O que não mereceu qualquer acolhimento pelo Tribunal a quo, à margem da legalidade substantiva e formal.
S) Acresce ainda - conforme detalhamos no corpo das alegações do depoimento da testemunha CC (17.15 em diante) -, que o Tribunal a quo decidiu sem receber e disponibilizar às Partes elementos documentais de prova remetidos pelos serviços da Recorrente!!!
T) Ou seja: existem documentos requeridos juntar pelo Tribunal e essenciais ao correto julgamento da causa que nunca chegaram ao conhecimento deste, e/ou das Partes para os analisarem e se pronunciarem.
U) Ora, é assim claro e evidente que foram e são, desde logo, eliminados e subtraídos às Partes novos factos da ponderação e fundamentação decisória e impedido o acesso aos autos de elementos sobre os quais ninguém pôde contraditar,
V) Elementos de prova essenciais sendo brutalmente negada a plenitude do princípio da igualdade e contraditório, com prejuízo para a verdade material e um processo justo e equitativo que assiste à Recorrente.
W) Não pode ser esta ser limitada e condicionada no seu direito à prova e à completa análise da mesma, traves mestras do processo, e direito estruturante da relação jurídica processual, que entronca com o princípio da tutela jurisdicional efetiva e com as condições de acesso ao direito e à justiça, tutelados no artigo 20.° da Constituição, e em face do disposto no artigo 411.° do CPC, nos termos do qual se atribui ao juiz uma iniciativa probatória genérica, e um dever de apreciação amplos, ditando o artigo 413.° do CPC que o Tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo da impugnação contrária a que haja lugar.
X) Por todo o exposto, a douta sentença recorrida padece assim de nulidade(s), como consequência de uma (várias) nulidade(s) processual(is) consubstanciada(s) sobretudo na violação do princípio do contraditório (artigos 3.° n.° 3 e 195° n.° 1 do CPC), pois com efeito, a decisão na sua forma final e esclarecida violou também o chamado princípio da proibição das decisões-surpresa, corolário daquele princípio do contraditório, de acordo com a interpretação que deste último é feita pela doutrina e pela jurisprudência.
Y) Viola ainda a sentença recorrida a legalidade por, à data da respetiva prolação, ignorar o recurso interposto nos autos, e os elementos de prova adicionais, requeridos mas nunca recebidos ou analisados pelas partes, logo desconhecidos (cfr. depoimento da testemunha CC, 17.15 em diante).
Z) O princípio da legalidade, contraditório e concentração da defesa, só pode ocorrer e ter-se por cumprido em face de toda a matéria trazida e discutida nos autos, aperfeiçoada, ou não, e a questão controvertida em toda a sua extensão apenas pode ver o exercício do contraditório esgotado na versão pós-aperfeiçoamento.
AA) O direito ao contraditório e igualdade das partes previsto nos termos dos artigos 3.° e 4.° do CPC são princípios legais e de raíz constitucional que não podem ser postergados, tendo mesmo sido exercidos atempadamente nos autos, e recorríveis nos termos do disposto no n.° 3 do artigo 644.° do CPC, como presentemente levamos a cabo,
BB) Devendo também por este motivo ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que decida em sentido contrário, designadamente pela nulidade com os fundamentos que antecedem, fazendo-se dessa forma inteira, e sã, Justiça que há tão longo tempo vem sendo negada à Recorrente.
CC) Violado o princípio do direito a um processo equitativo, previsto no n.° 4 do artigo 20.° da Constituição, e no artigo 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, contrariando o artigo 341.° do Código Civil, e a demonstração da realidade dos factos imprescindível à realização da verdade material, tal não pode senão redundar de imediato numa declaração de nulidade da sentença recorrida, impondo-se desde logo por este motivo que a decisão recorrida seja imediata e totalmente revogada e seja reposta Justiça nos autos, o que desde já se requer.
DD) Prosseguindo novamente, agora sobre a matéria de facto temos que na Sentença ora colocada em crise a mesma não está conforme à prova produzida (provada e não provada, e fundamentação de facto), conforme vai detalhado no corpo das presentes alegações, e com a devida identificação dos segmentos dos depoimentos e requisitos. Vejamos em detalhe:
EE) Das gravações do depoimento da testemunha Dr. BB, Presidente do Conselho de Administração da Recorrente à data dos factos nos autos, e nas duas partes após indeferimento do requerimento de junção dos documentos aos autos resulta claramente que (primeira parte do depoimento Dr. BB - 20210622095853_1562052_2871832.mp3 -, com indicação numérica dos minutos e segundos da gravação), não poder legitimamente e com respaldo na mais essencial legalidade considerar-se como provados os pontos 4, 5, 6 e 8, conforme constam da sentença recorrida,
FF) Uma vez que foi feito saber ao Tribunal que (i) a Recorrente não pagou inicialmente porque teve dúvidas, e (ii) solicitou não um mas vários pareceres e esclarecimentos à mesma sociedade de advogados que o Tribunal não quis conhecer documentalmente ou em síntese, e esta produziu-os tendo todos sido homologados pelo CA à data!
GG) O mesmo tendo sido afirmado em depoimento pela testemunha DD (ficheiro 20210622103814_1562052_2871832.mp3), que (i) confirmou ao Tribunal na sua capacidade ser o elemento de ligação com a instituição e a sociedade de advogados que elaborou os pareceres (3.58) homologados pelo CA, e que (ii) (05.10) o Recorrido não lhe tenha feito a si quaisquer reclamações.
HH) Também não pode de forma alguma concordar-se com da parte em que o Tribunal afirma ter estribado a sua convicção "... relativamente aos pontos 15), 16) e 17) - dos depoimentos claros, seguros espontâneos de: (...) de realçar que a própria testemunha da R. BB, presidente do C.A. da R. até 2010, confirmou que o A., como todos os outros directores de serviços, tinham isenção de horário, no sentido de não estarem sujeitos a horário ou limites máximos por dia ou semana. ...", uma vez que não é esse o sentido que se retira do depoimento da testemunha (1.46 em diante da segunda parte do esclarecimento).
II) Da mesma forma, acresce que do depoimento da testemunha CC (ficheiro 20210428154100_1562052_2871832.mp3) conforme acima se arguiu decorre que (03.03 em diante) até no dia da diligência de discussão e julgamento - em instância da mandatária do Recorrido -, que ainda não tinham chegado ao Tribunal e aos autos elementos requeridos em prazo curto que não foram sequer conhecidos das partes e/ou permitida a sua vista e ou pronúncia, já que o arquivo está em ...!
JJ) Tudo isto, absolutamente considerado normal pelo Mm.° julgador a quo na sua posição superiormente imperturbável e em aplicação de impecável Justiça, mas que não passará no crivo dos Venerandos Desembargadores, que reporão a ordem a todo este caos processual e sentença desastrosa.
KK) Como pode - pergunta-se - o Mm.° julgador a quo reconhecer a verdade do depoimento ".claro, seguro e espontâneo de BB, que era presidente do Conselho de Administração da R. naquela data...", e decidir como decidiu sabendo que foram vários os pareceres e esclarecimentos pelo mesmo depoimento - supostamente claro, seguro e espontâneo desta testemunha - e concluir que esta ".confirmou aquele pedido de parecer, bem como as razões que o determinaram." quando a testemunha afirmou claramente que foram todos os pareceres e esclarecimentos que foram produzidos, homologou e levaram à posição da instituição nos autos?!
LL) Mais: a testemunha CC, responsável dos RH da Recorrente, no ficheiro 20210428154100_1562052_2871832.mp3, a (13.29) pronuncia-se pela flexibilidade de horário do Recorrido, sobre a carga horária de 35 horas, os registos biométricos e folha de ponto (14.17), não confirmando a alegada disponibilidade integral do Recorrido (15.05).
MM) Mais esclarecendo que os registos apontados como prova irrefutável (16.30) afinal reflectem apenas o que se carrega, e que os RH fazem o registo meramente para pagar às pessoas (17.15), sendo que esse sistema será utilizado meramente para meter faltas, e licenças.
NN) E que não se retira a leitura que está a ser feita desses registos, que resultaria clara dos documentos - leia-se, os requeridos e que a essa data ainda não chegaram aos autos, e que até hoje não foram vistos pelas partes -.
OO) O que nos leva necessariamente a discordar e disputar nesta medida - e leitura do próprio responsável dos serviços de RH e pela produção dos documentos - os factos dados como provados n.°s 13, 14, 15, 16 e 17, a par da documentação que foi enviada pela Recorrente, não foi recebida nos autos e/ou dada a conhecer às Partes...!
PP) Já quanto ao facto dado como provado sob o n.° 18, o Tribunal a quo aparentemente esqueceu-se de nos revelar onde estribou a sua convicção, o que nos leva a colocar este facto dado como provado também em crise, com efeitos na integralidade da sentença e da sua fundamentação (ou falta dela);
QQ) Face ao atual CPC ordenado aplicar supletivamente pelo CPT, a atividade de instrução não se pode limitar aos factos alegados pelas partes, podendo dela serem extraídos factos instrumentais, segundo o disposto na alínea a), do n.° 2 do artigo 5.° do CPC e ainda factos complementares e concretizadores daqueles que hajam sido alegados pelas partes,
RR) Como decorreu claramente do teor e forma do depoimento da testemunha Dr. BB, interventor direto nos factos à data, e da matéria situada dentro das balizas da causa de pedir e da matéria que emana dos articulados, ainda que os documentos não hajam sido juntos,
SS) E do depoimento do Sr. CC, que claramente refere que existem elementos documentais requeridos a caminho do Tribunal, e absoluta e inacreditavelmente ignorados pelo Mm.° julgador a quo.
TT) Note-se, Venerandos Desembargadores, que foi opção voluntária do julgador a quo (i) prescindir da realização da audiência preliminar nos autos, (ii) extrair as conclusões erradas dos depoimentos e prova nos autos, e (iii) retirar da disponibilidade e contraditório das Partes o conhecimento de documentos requeridos, e outros por si requeridos remeter aos autos.
UU) Nos autos, sem tema de prova, tem necessariamente que se admitir o racional do tema da prova na máxima amplitude e abrangência, pelo que ao não o reconhecer, comete o Tribunal a quo uma grave ilegalidade e inconstitucionalidade.
VV) A produção dos meios de prova nos autos não só pode - como deve -, incidir não apenas sobre os factos essenciais que, directa e nuclearmente se reportem ao objecto do processo (tanto na perspectiva da acção, como na da defesa), mas também sobre outros que, embora mediata ou indirectamente relacionados, são necessários ou instrumentais para a prova daqueles primeiros e para o apuramento da verdade material,
WW) Devendo concluir-se que, quer relativamente ao condicionamento do depoimento da testemunha BB, da desconsideração de elementos de prova em trânsito conforme declara a testemunha CC e da errada subsunção dos factos ao Direito pelo menos nos segmentos que vimos de evidenciar e impugnar, o juíz a quo violou gravemente o princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva na vertente do direito à produção de prova, diretamente relevante (por acção e/ou omissão) para com a forma que o Recorrido voluntariamente escolheu para conformar o seu articulado inicial.
XX) A relação funcional indicada no artigo 341.° do Código Civil, em que as provas têm por função a prova da realidade dos factos; e o da tempestividade de um documento apresentado com a audiência de julgamento em curso implica a prova de que a apresentação anterior não foi possível ou de que a apresentação se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior), é de linear evidência que ambos estão preenchidos in casu: o depoimento que afirma factos novos para ambas as partes, inexistentes nos articulados e por conseguinte impossíveis de antever, prever ou antecipar, consubstanciados em dois documentos oficiais nos quais a testemunha Dr. BB estribou o seu depoimento e que consigo levava em sede de audiência, e documentos que o juiz podia e devia conhecer, nos termos da parte final do n° 3 do art. 423° do NCPC.
YY) Ao não tê-lo feito, e tendo inclusiva e posteriormente obstado a que a testemunha reproduzisse nos autos - e no âmbito do seu depoimento -, ao menos as conclusões dos referidos documentos, lesou gravemente os interesses da Recorrente e a administração da Boa Justiça nos Tribunais,
ZZ) Requerendo-se que através do presente recurso venham os Venerandos Desembargadores proferir Douta decisão superior que revogue a decisão anterior e a substitua por outra que (i) ordene a anulação do julgamento, na parte afetada, e (ii) ordene ainda a junção dos documentos a que se refere a decisão recorrida, com vista ao suprimento dos vícios existentes, fazendo Boa e Sã Justiça!
AAA) A sentença recorrida padece ainda de nulidade por manifesta contradição lógica entre a prova e a fundamentação de facto, uma vez que a sentença recorrida dá também por certo aquilo que é incerto: a matéria e sentido da produção de prova que identificamos, uma vez que o que se retira destes depoimentos, dos documentos nos autos, da matéria dada como provada e dos documentos ainda por analisar pelas partes nos autos é uma notória contradição lógica e insanável entre (i) a prova produzida, os depoimentos nos autos e os documentos requeridos e fornecidos aos autos que ainda se desconhecem, designadamente o depoimento das testemunhas BB, CC, DD conforme detalhe supra; e (ii) a fundamentação de facto (e falta dela, quanto ao facto provado n.° 18), bem como (iii) ainda o sentido e a invocada fundamentação da sentença recorrida, quando condena e ordena a Recorrente.
BBB) Sendo a prova e a fundamentação, em sede de sentença, uma manifestação lógica e coerente do poder jurisdicional, tem que concluir-se que, apesar de distinta, esta deve concorrer logicamente ou manter a coerência relativamente ao resultado final - a decisão, e a sua inserção no ordenamento jurídico e em decisões anteriores conexas.
CCC) Quando isso não acontece - como nos autos, manifestamente -, não pode deixar de ver-se aí, como se infere, uma contradição intrínseca entre fundamentos e decisão, designadamente na parte em que na sentença e na matéria provada se ignora ostensiva e deliberadamente a existência de vários pareceres homologados, e restantes pontos de matéria de facto por nós impugnados, o que merece a cominação prevista nos termos do disposto no artigo 615° n.° 2 alínea c) do CPC, a nulidade.
DDD) Aquilo que nesta sede é necessário avaliar, como se entendeu com toda a pertinência no Acórdão do STJ de 30 de maio de 1989, BMJ 387, págs. 456 e segs. - pág. 458 , é se “a decisão constante do aresto decorre natural e coerentemente da respectiva fundamentação”, incluindo-se na fundamentação, obviamente, os seus dois momentos - fundamentação de facto e de direito, imperativo de coerência que nos autos não acontece, nem se verifica.
EEE) Para além dos factos dados como provados nos autos, o Tribunal permite-se abster-se de receber e considerar matéria documental requerida e fornecida pela Recorrente (depoimento de CC, minuto 17.15 em diante), sem que possa existir qualquer apreciação e/ou contraditório das partes, bem como a existência de diversos pareceres e esclarecimentos (depoimento da testemunha BB, primeira parte, minuto 13.18 em diante) habilmente não suscitados na p.i., mas que o Tribunal entende que a Recorrente devia ter conhecimento...!?
FFF) Com o perdão de V.as Ex.as, Venerandos Desembargadores, como pode o Mm.º juiz a quo considerar desta forma quando o contexto claro e inequívoco é de uma série de contratos celebrados há mais de uma década, com uma instituição que tem mais de 3000 trabalhadores, e abster-se de conhecer algo que a testemunha e responsável à data recuperou e se prontificou a levar ao conhecimento do Tribunal?!?
GGG)  Decidindo como decidiu, o Tribunal a quo altera, por acção e omissão a matéria de facto e classifica as circunstâncias e contexto de forma totalmente carecente de enquadramento fáctico e legal, substantivo e/ou processual, contra depoimentos e elementos de prova em trânsito, estando-lhe absolutamente vedado assim proceder.
HHH)  As considerações de direito, a fundamentação e a respectiva decisão recorrida neste sentido são nos presentes autos completamente inadmissíveis e à margem das disposições legais aplicáveis, atendendo à materialidade constante dos autos e à posição da Recorrente, impondo-se a correcção por revogação, de imediato, da decisão recorrida, e consequente nulidade da mesma.
III) Ao decidir como decidiu o douto Tribunal a quo errou claramente na aplicação do Direito e ultrapassou completamente todas as regras relativas ao âmbito e aos poderes de cognição, bem como os limites dos poderes jurisdicionais ao seu dispor, e incorre em nulidade por excesso de pronúncia - por ter considerado matéria impertinente para o caso em apreço – bem como prejudicou ainda irremediavelmente o silogismo judiciário que deverá estar subjacente a toda e qualquer decisão jurisdicional coerente e válida;
JJJ) A nulidade prevista no artigo 615° n.° 2 alínea c) do CPC ocorre quando o Tribunal apresenta fundamentos que logicamente levariam o tribunal a decidir de forma diferente - cfr. neste sentido os Acórdãos do STA (3a subsecção) de 20 de outubro de 2004, proc. 1939/03; do STJ de 9 de dezembro de 2004, proc. 4b4041; da Relação de Lisboa de 16 de novembro de 2003, proc. 3253/2003-4; da Relação do Porto de 15 de outubro de 2004, proc. 434478, todos em www.dgsi.pt , como aliás os demais arestos indicados sem referência à fonte.
KKK) Trata-se, no fundo, de uma exigência de que a decisão final não siga no sentido oposto ou mesmo num sentido diferente daquele para que aponta a fundamentação - assim, por exemplo, o Acórdão do TCA Sul de 30 de novembro de 2004, proc. 7161/02 (www.dgsi.pt), o que obviamente sucede nos autos, conforme vimos de detalhar.
LLL) O Tribunal a quo ultrapassa barreiras formais legalmente previstas para decidir num determinado sentido, como ignora matéria provada pelos depoimentos valorando-a em sentido contrário e outra expressamente requerida pelo Tribunal, mas não recebida até à data da audiência de discussão e julgamento, furtando-a da apreciação das Partes.
MMM) Em termos muito claros, e salvo o muito respeito devido ao Tribunal a quo: este decidiu como se fosse possível ignorar por completo os elementos de prova nos autos, em benefício do Recorrido, afectando claramente o sentido da sentença recorrida e gravemente a posição da Recorrente, que teve dúvidas e requereu por várias vezes a apreciação da questão e homologando uma atuação a final, conforme se constata de toda a prova nos autos, pelo que tem necessariamente, também com este fundamento, que proceder a presente nulidade, que expressamente ora se invoca e requer.
NNN) Finalmente, acresce que a decisão recorrida erra - também e como não poderia deixar de ser -, na aplicação do Direito, decidindo em contravenção do disposto no artigo 218.° do Código do Trabalho, e uma vez que é claro (i) inexistir qualquer menção específica no contrato relativa a um putativo acordo de prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, e (ii) negando o que a prova demonstrou em contrário: a indicação de limites máximos de tempo de trabalho semanal, e a concessão de benefícios ao trabalhador que - salvo se este fosse dotado de um dom de ubiquidade -, não se compadecem com o estatuto, ratio e instituto jurídico de isenção de horário de trabalho, levam necessariamente à conclusão que o requisito principal previsto no n.° 1 do artigo 218.° do C.T não se encontra cumprido, estando em falta um formalismo para invocação do direito: a existência de acordo escrito e expresso entre a entidade patronal e o trabalhador, estando isso sim consagrada contratualmente e a contrario senso a impossibilidade de tal estatuto de isenção ser alguma vez atribuído ao Recorrido.
OOO) As Partes, ao celebrarem o contrato em 2003, fizeram-no longo tempo antes da CCT, e definiram clara e contratualmente o seu relacionamento na matéria, optando pela não atribuição de um regime de isenção ao Recorrido, sendo inexigíveis as quantias putativamente apuradas e entregues ao Recorrido sob esse regime e benefício legalmente inexistente e impossível.
PPP) A sentença em crise nem sequer reflecte que a invocação de quaisquer benefícios remuneratórios a título de isenção de horário não constitui uma situação estável e eternizável, sempre carecendo de comprovação de exercício de funções efectivas compatíveis e ao longo do tempo com esse benefício, sob pena de manifesto abuso de direito, prova que nem sequer foi feita nos autos;
QQQ) Para que fosse possível existir um acordo de isenção de horário de trabalho, as Partes deviam ter previsto essa hipótese, por escrito, no contrato de trabalho, como aliás foi política adotada pela R.-Unidade Local de Saúde ... noutros vínculos laborais estabelecidos com outros profissionais; no caso do Recorrido fizeram-no expressamente e em sentido contrário; mesmo que se pudesse admitir que o Recorrido tinha direito a qualquer pagamento de isenção de horário de trabalho, nunca seria devido o pagamento de trabalho suplementar - contrariamente ao que este peticionou subsidiariamente -, tendo sido pagas todas as quantias putativamente devidas até à data; a Recorrente-Unidade Local de Saúde ... se enquadra na administração indireta do Estado e como tal, tendo em consideração o regime regra correspondente aos exercícios de funções dirigentes, a compensação por isenção no horário de trabalho sempre já estaria incluída na remuneração fixada por cargos de chefia!
RRR) A Recorrente sustenta que todas as alegações dos montantes devidos ao Recorrido a título de isenção de horário de trabalho decorrem de falta de fundamentação e de enquadramento legal e jurisprudencial, e a terem sido efetuadas, no máximo seriam as acordadas e academicamente devidas, e nada mais.
SSS) Pelo que também aqui e atentos os elementos probatórios nos autos andou mal a sentença recorrida, devendo ser substituída por outra prolatada pelos Venerandos Desembargadores em sentido contrário e de onde se retira a Sã e Boa Justiça!
TTT) Sem prejuízo do Douto Suprimento dos Venerandos Desembargadores, ao decidir como decidiu, violou novamente a douta sentença recorrida pelo menos o disposto nos artigos 3.°, n.° 3; 4.°, 5.°; 195.° e ss.; 581.°; 604.°; 607.°; 608.°; 615.°; 620.°; 621.°; e 644.°do Código de Processo Civil, na redacção actual (CPC) ex vi a remissão operada pelo CPT, o artigo 218.° do CT e ainda os princípios constitucionais previstos nos artigos 13.°, 20.°, 204.° e 205.° da Constituição da República Portuguesa, e impõe liminarmente um pesado ónus, e uma tremenda injustiça à Recorrente.
UUU)  Sobre os efeitos suspensivos, tem-se que se os mesmos não forem decretados no presente recurso, é certo que o Recorrido executará a caução prestada pela Recorrente, apossando-se desse montante e putativamente afetando-o para prejuízo desta, e dos utentes da área de influência que serve.
VVV) Face à condição económico-financeira da Recorrente, largamente fragilizada nos anos de pandemia e como é público e notório (referências no corpo das alegações), permanece manifestamente deficitária e em grande esforço, e tal circunstância contribuirá para a dificuldade na sua gestão, e com evidente prejuízo de todos os colaboradores, funcionários e utentes, sendo assim manifestamente considerável o prejuízo que resulte da fixação de outros efeitos que não os suspensivos do presente recurso.
WWW) Alegada e comprovada pela Recorrente a manifesta inexistência de fundamento legal e fáctico para provimento da presente acção na forma da sentença recorrida, considerando a natureza e dificuldades demonstradas nos autos, a Recorrente mais requer sejam atribuídos efeitos suspensivos nos autos, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 647.° do CPC, sem obrigação de prestação de caução nos autos, até prolação de Acórdão definitivo e transitado em julgado.
XXX) Caso assim se não entenda, mais se requer seja a Recorrente atempadamente notificada para prestar a caução em qualquer um dos termos legalmente admissíveis e possíveis.”

O recorrido apresentou contra-alegações, concluindo pela improcedência do recurso, pois, e em suma, entende que quer a matéria de facto foi bem julgada quer a aplicação do Direito aos factos está correcta.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e - após, acedendo a convite nesse sentido (único convite no âmbito deste recurso, diga-se, considerando o teor da “informação prévia” consignada pela recorrente no requerimento em que apresentou as conclusões aperfeiçoadas), a recorrente ter aperfeiçoado as conclusões, pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.

Tal parecer mereceu resposta, discordante, da recorrente.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

QUESTÃO PRÉVIA:
INADMISSIBILIDADE DO RECURSO/CASO JULGADO:

A recorrente vem novamente – já o fez no recurso, que subiu em separado (sob o n.º 2256/20....) e se encontra definitivamente decidido – recorrer do despacho proferido pelo Tribunal a quo, e que indeferiu a requerida junção aos autos de dois documentos com que a testemunha [Dr. BB] se fez acompanhar e nos quais estribou o respetivo depoimento (cf. conclusões A) a D) e N) a R do recurso).
Porém, como se disse, tal despacho foi – como, aliás, teria de ser, sob pena de extemporaneidade – objecto de recurso autónomo que subiu em separado, tendo sido proferido acórdão que transitou em julgado.
Ocorre assim caso julgado formal (art. 620.º/1 do CPC), pelo que não se admite o recurso na parte que tem por objecto aquele despacho de não admissão aos autos dos ditos dois documentos.

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enunciam-se então as questões que cumpre apreciar:
A) – INADMISSIBILIDADE DA PROVA POR DEFICIÊNCIA NO SISTEMA DE GRAVAÇÃO (conclusões E) a M));
B) – NULIDADE DA SENTENÇA (conclusões S) a CC) e AAA) a GGG));
C) – IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO (conclusões DD) a PP));
D) – ERRADA APLICAÇÃO DO DIREITO (conclusões HHH) a TTT)).

III – FUNDAMENTAÇÃO:

A – DA INADMISSIBILIDADE DA PROVA POR DEFICIÊNCIA NO SISTEMA DE GRAVAÇÃO/REPETIÇÃO DA PROVA:

A recorrente quer a repetição de produção de prova na parte em que a gravação se mostre imperceptível, alegando que tal sucede designadamente nas partes em que o Mm.° juiz faz uso da palavra e que a testemunha BB depõe.

Vejamos.
           
Tendo-se procedido à audição (através do sistema citius) de tal depoimento, temos de concluir que a gravação efectuada, quer do depoimento da testemunha quer das intervenções do Mm.º Juiz na interacção com a testemunha, são perfeitamente audíveis/perceptíveis (tendo em conta a inadmissibilidade do recurso no que tange ao despacho de indeferimento da junção de documentos acima referida, está aqui prejudicada a questão da – também – alegada inaudibilidade do teor e fundamentação de tal decisão de indeferimento).
Aliás, na motivação do recurso a recorrente, embora não faça propriamente uma transcrição do depoimento da testemunha BB, faz uma resenha ponto por ponto do mesmo, consignando o que, no seu dizer, “resulta claramente” do mesmo - cf. pág.s 18, 19 e 20 da fundamentação do recurso.

De qualquer forma, a pretensão da recorrente não poderia proceder.

Efectivamente, nos termos do art. 155.º n.º 4 do CPC a deficiência da gravação deve ser invocada no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada, e não o sendo e decorrido tal prazo, o vício fica sanado (mesmo que pudesse impedir, eventualmente, a reapreciação da matéria de facto)[1].
           
B – DA NULIDADE DA SENTENÇA:

Invoca a propósito a recorrente, e procurando sintetizar, que:
- O Tribunal decidiu sem receber e disponibilizar às partes elementos de prova remetidos pelos Serviços da recorrente, e “em trânsito para o Tribunal”;
- Violação do princípio do contraditório e violação do princípio da proibição das decisões surpresa.

O artigo 615.º do CPC, sob a epígrafe Causas de nulidade da sentença, estabelece:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”

Ora, começando pela primeira vertente da invocada nulidade - O Tribunal decidiu sem receber e disponibilizar às partes elementos de prova remetidos pelos Serviços da recorrente – não identifica a recorrente, em concreto, quais os elementos de prova/documentos em causa, remetendo implicitamente tal esclarecimento para o depoimento da testemunha CC.

Por outro lado, não se vê que a invocada situação se integre em qualquer das alíneas do n.º 1 do citado art. 615.º do CPC, sendo que, tal como se defendeu em Ac. do TRL de 07-11-2018[2] “I– A enumeração das nulidades referidas no artigo 615º do NCPC tem cariz absolutamente taxativo, sendo que as mesmas não admitem analogia nem interpretação extensiva.”

Quando muito, tratar-se-ia de uma nulidade processual que, por não ter sido oportunamente arguida, deveria considerar-se agora sanada – cf. art.s 195.º/1 e 199.º/1 do CPC.

De qualquer forma, entendemos que não ocorreu qualquer nulidade.
Como diz a própria recorrente, estão em causa documentos que a própria remeteu aos autos, tendo necessariamente conhecimento dos mesmos.
Não tinha, pois, que ser notificada da junção aos autos dos documentos – cf. art. 427.º do CPC[3].
E, de resto e quanto à parte contrária, ora recorrida, na resposta ao recurso diz ter sido notificado de todos os documentos.
E parece que efectivamente assim é.
Compulsados os autos, os últimos documentos a serem juntos ao processo (pela ré/recorrente), inseridos num DVD, foram “os registos biométricos desde abril de 2007” (sendo estes os documentos a que se parece também referir a testemunha CC no seu depoimento, que prestou em 28.4.2021, quando aludiu a “informação” que estaria para chegar ao processo), junção que ocorreu (conforme carimbo de entrada aposto no respectivo requerimento) em 24 de Maio de 2021, os quais terão sido notificados ao autor em 27 do mesmo mês, conforme Termo da mesma data.
Mais, a última sessão da audiência final – com, além do mais, alegações dos Exm.ºs Mandatários das partes -, ocorreu em 22 de Junho de 2021.

Não ocorre, pois, a apontada nulidade e com o dito fundamento.

Relativamente à alegada violação do princípio do contraditório e violação do princípio da proibição das decisões surpresa:
A recorrente estriba esta pretensa violação dos princípios do contraditória e da proibição das decisões surpresa na mesma invocada factualidade.

Ora não se alcança em que ponto ocorreu a invocada violação do princípio do contraditório nem no que consiste a decisão surpresa tida em vista pela recorrente.

Como se disse, a recorrente tinha conhecimento dos documentos em questão, que a própria juntou aos autos, tendo tido oportunidade de se pronunciar quer quanto à genuinidade dos documentos quer relativamente ao seu conteúdo.

Por outro lado, não se percebe que «decisão surpresa» proferiu o Tribunal.

Como se sintetizou em douto acórdão do STJ de 15/3/2018, “As decisões-surpresa são apenas aquelas que assentam em fundamentos que não foram anteriormente ponderados pelas partes, ou seja, aquelas em que se detecte uma total desvinculação da solução adoptada pelo tribunal relativamente ao alegado.”[4]

Não se descortina que a sentença proferida pela 1.ª instância enferme de tal patologia – com o que é que, como afirma, “objectiva e razoavelmente a Recorrente não podia contar”? ou de que questões fora do thema decidendum conheceu o Tribunal recorrido?  -, nem a recorrente identifica minimamente uma situação susceptível de aí se enquadrar.

Em suma, improcede a nulidade da sentença arguida pela recorrente.

C - Da impugnação da matéria de facto:

Uma primeira nota para referir que a recorrente alega que a atividade de instrução não se pode limitar aos factos alegados pelas partes, podendo dela serem extraídos factos instrumentais, segundo o disposto na alínea a), do n.° 2 do artigo 5.° do CPC e ainda factos complementares e concretizadores daqueles que hajam sido alegados pelas partes, parecendo pretender que foram violados tais normativos e violação essa consubstanciada em haver elementos documentais “requeridos e a caminho do Tribunal” que foram  ignorados pelo Mm.° julgador a quo e na não junção aos autos dos “dois documentos oficiais nos quais a testemunha Dr. BB estribou o seu depoimento e que consigo levava em sede de audiência, e documentos que o juiz podia e devia conhecer” – cf. conclusões QQ) e ss.
Ora, como também alega a recorrente, “as provas têm por função a prova da realidade dos factos”. Não são factos.
De resto, a recorrente não identifica qualquer facto, resultante da discussão da causa, e que devesse ser considerado pelo Tribunal recorrido nos termos que propugna.
Depois, se a recorrente entendia efectivamente que existiam factos não alegados, mas resultante da discussão da causa, que deviam ser tidos em consideração por interessarem à boa decisão da causa, deveria ter oportunamente requerido a sua inclusão ao Tribunal recorrido – cf. art. 72.º do CPC[5].

Uma outra nota para referir que a recorrente pretende que (conclusão AAA)) “A sentença recorrida padece ainda de nulidade por manifesta contradição lógica entre a prova e a fundamentação de facto, uma vez que a sentença recorrida dá também por certo aquilo que é incerto: a matéria e sentido da produção de prova que identificamos, uma vez que o que se retira destes depoimentos, dos documentos nos autos, da matéria dada como provada e dos documentos ainda por analisar pelas partes nos autos é uma notória contradição lógica e insanável entre (i) a prova produzida, os depoimentos nos autos e os documentos requeridos e fornecidos aos autos que ainda se desconhecem, designadamente o depoimento das testemunhas BB, CC, DD conforme detalhe supra; e (ii) a fundamentação de facto (e falta dela, quanto ao facto provado n.° 18), bem como (iii) ainda o sentido e a invocada fundamentação da sentença recorrida, quando condena e ordena a Recorrente.” (sublinhamos)
Ora, embora a recorrente apode como nulidade os vícios que alega, o certo é que não se trata – mesmo que tais vícios se verifiquem – de qualquer nulidade.
O que está em causa é a modificabilidade da matéria de facto, tal como prevê o art. 662.º do CPC, ou até, quanto ao último segmento da citada conclusão, a errada aplicação do Direito[6].

Vejamos então.

A recorrente impugna os factos considerados provados sob os números: 4, 5, 6 e 8; 13, 14 (sendo que os pontos 13 e 14 contêm a mesma matéria), 15, 16, e 17; e 18.

Estabelece o artigo 662.º n.º 1 do CPC[7], sob a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Dispõe, por seu lado, o artigo 640.º do CPC, cuja epígrafe é Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.” (sublinhamos)

Decorre com clareza das normas citadas que ao recorrente cumpre discriminar os pontos de facto que a seu ver foram incorrectamente julgados, especificar os meios probatórios que impunham, relativamente aos concretos pontos da matéria de facto impugnados, decisão diversa da recorrida, sendo que se se tratar de declarações/depoimentos gravados, incumbe ao recorrente indicar com precisão as passagens da gravação em que funda o recurso - sem prejuízo de poder, aí querendo,   proceder à transcrição   dos excertos das gravações que considere relevantes -, impondo-se-lhe ainda  que explicite a decisão que, no seu entender, deveria ter sido dada a cada um dos pontos de facto por si impugnados.

Mas, tal como se refere em recente acórdão do STJ, também no presente caso “O recorrente impugnou, com efeito, em bloco (ou, melhor, em dois blocos[1]) uma extensa série de factos, limitando-se a oferecer em conjunto os meios de prova, a esmo e sem concretizar em relação a cada um dos concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados os concretos meios probatórios que impunham, em seu entender, decisão diversa da recorrida. Mas esse é um ónus que a lei lhe impõe (artigo 640.º, n.º 1 do CPC) e fá-lo quer para tornar mais fácil o contraditório, quer para facilitar a tarefa do Tribunal.”[8]
           
Efectivamente, no caso presente, a recorrente não cumpriu minimamente o ónus de, com referência a cada um dos pontos de facto que entende terem sido incorrectamente decididos, especificar os meios probatórios que impunham decisão diversa da tomada pelo Tribunal recorrido.
A recorrente recorre a partes dos depoimentos a que alude para, referindo-se indistintamente aqueles conjuntos de factos (4, 5, 6 e 8/ 13, 14, 15, 16, e 17), concluir que daqueles excertos que vai indicando dos depoimentos e do conteúdo dos documentos a que faz referência resulta que não podem ser considerados provados todos os pontos de facto em questão nos termos em que o foram.
Ora, este tecer de considerações genéricas, em que a recorrente se empenha em expressar a sua discordância sobre a valoração que foi feita da prova mas sem se preocupar minimamente em autonomizar a concreta prova que, em conexão com determinado ponto de facto, impõe uma decisão diversa daquela que proferiu o Tribunal a quo, é manifestamente insuficiente para os efeitos pretendidos.
Mais ainda, a recorrente não diz – não o diz expressamente, nem implicitamente, pelo menos de forma minimamente clara (e não o diz nas conclusões nem na fundamentação) – a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (por ex., a pág. 20 da fundamentação do recurso alega a recorrente que “…não pode legitimamente e com respaldo na mais essencial legalidade considerar-se como provados os pontos 4, 5, 6 e 8, conforme constam da sentença recorrida…”, mas não adianta o que deveria o Tribunal considerar então, relativamente a cada um daqueles pontos, provado e/ou não provado).
Com efeito, limita-se aqui a recorrente - tanto nas alegações de recurso, como nas conclusões, repete-se -, a manifestar a sua discordância quanto à matéria de facto que o Tribunal recorrido deu como provada em tais pontos, mas não diz em concreto que decisão deveria ser proferida em substituição, sendo certo que também não pugna por que se considerem tais factos simplesmente como não provados in totum.
Daqui decorre que por incumprimento dos ónus que recaem sobre o recorrente, deve ser rejeitada a impugnação da matéria de facto.
A recorrente alega ainda, quanto ao ponto 18 da matéria de facto provada, que “o Tribunal a quo aparentemente esqueceu-se de nos revelar onde estribou a sua convicção”.
Efectivamente, na motivação dos factos provados constante da decisão recorrida não está feita expressa referência a esse número da matéria de facto.

No parecer que emitiu a Exm.ª Procuradora Geral – Adjunta sustenta a propósito que “parece existir um lapso ao não o incluir na motivação dos pontos 15, 16 e 17, porque com os mesmos relacionados e prova produzida”.     

Afigura-se-nos também que na motivação da matéria de facto não foi feita referência ao número 18 dos factos provados por mero lapso.

Com efeito, consignou o Mm.º Juiz a quo na motivação da decisão de facto: “- quanto aos pontos 15), 16) e 17) – dos depoimentos claros, seguros espontâneos de: EE, presidente do C.A. da R. quando o A. foi admitido, o qual explicou de forma peremptória que o A. já desempenhava a sua actividade com isenção de horário; que foi contratado como Director de Aprovisionamento nas mesmas condições, as quais eram indispensáveis ao exercício daquele cargo (adiantando mesmo que era esse o significado da expressão constante do contrato “com o regime inerente à categoria para que foi contratado”); e que o A. sempre cumpriu, trabalhando muitas vezes fora de qualquer horário, sempre que era necessário; do depoimento da já referida FF, que produziu depoimento no mesmo exacto sentido da testemunha anterior; o mesmo aconteceu com os depoimentos de CC, director de recursos humanos da R., e GG, que foi director de serviço da R.; de realçar que a própria testemunha da R. BB, presidente do C.A. da R. até 2010, confirmou que o A., como todos os outros directores de serviços, tinham isenção de horário, no sentido de não estarem sujeitos a horário ou limites máximos por dia ou semana.”

Ora, a matéria de facto em causa nesses pontos (15, 16, 17 e 18) contende toda ela com a questão da isenção de horário, e em particular, embora com diferente redacção, o ponto 16 dos factos provados quando diz que As funções de Director do Serviço de Aprovisionamento determinam a necessidade de estar sempre disponível e de prolongar o seu trabalho para além do limite máximo do período normal de trabalho e o último segmento do ponto 17 dos factos provados - não estando [o recorrido] igualmente sujeito aos limites máximos dos períodos normais de trabalho – correspondem em substância ao afirmado no ponto 18 - Durante todo o tempo em que o A. prestou a sua actividade para a R., muitas vezes trabalhou para além das 7 horas por dia e as 35 horas por semana.
Em ambos os casos se diz que o autor/recorrido prestou trabalho para além dos períodos normais de trabalho diário e semanal que no caso são, respectivamente, 7 horas por dia e as 35 horas por semana.
 
Assim sendo, necessariamente que a motivação que serve para formar a convicção quanto aqueles segmentos dos números 16 e 17 servem para convencer quanto à veracidade da matéria constante do n.º 18 dos factos provados.
Daí que se afigure manifesto que só por lapso não foram as provas mencionadas no citado excerto da motivação reportadas como determinantes para formar a convicção do Tribunal também quanto à matéria do ponto 18 dos factos provados.

Aqui chegados, e porque procedemos à integral audição dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte prestadas pelo legal representante da ré, consigna-se que, de qualquer forma, inexiste fundamento para alterar a decisão quanto à matéria de facto, corroborando-se a apreciação da prova feita pelo Tribunal recorrido, sublinhando-se, em abono da motivação exposta pelo Mm.º Juiz a quo, designadamente na parte acima citada, que a testemunha EE mostrou estar bem por dentro da factualidade em questão, pois para além das razões já aduzidas nessa motivação, foi anteriormente ao período em que foi Presidente do CA da ré durante muitos anos Administrador Delegado e posteriormente ao exercício desse cargo de Presidente, isto é, após 2005, foi ocupar o cargo de Director Hospitalar na ré, na Gestão de Doentes, tendo ademais subscrito, em representação da ré, o contrato de trabalho de trabalho celebrado entre esta e o autor e que foi junto aos autos, sendo que a testemunha FF, que apesar de sobrinha do autor por afinidade depôs por forma calma e consistente, mostrou igualmente estar bem inteirada da matéria em causa, pois é actualmente Directora do Serviço de Aprovisionamento, tendo substituído o autor nessas funções, mas já antes, e desde 2011, trabalhava nesse Serviço.

D – DA ERRADA APLICAÇÃO DO DIREITO:

Os factos relevantes para a decisão da causa são, pois, os que assim constam da decisão recorrida:
“Factos provados
1 – No dia 28 de Novembro de 2003, o A. foi admitido ao serviço da R. para, sob as suas ordens, direcção e fiscalização exercer funções inerentes à categoria profissional de Director de Serviços da Área de Aprovisionamento, mediante a subscrição do documento nº. ... junto com a petição inicial (e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
2 – O A. já exercia funções no Hospital ... desde 6/5/1970, com vínculo de emprego público, desempenhando a actividade de Chefe do Serviço de Contabilidade.
3 – Auferia a retribuição mensal base de €3.064,36, acrescida de despesas de representação no montante de €320,57, de €4,77/dia de subsídio de alimentação e de subsídio de isenção de horário de trabalho na quantia de €256,10.
4 – A R. não pagava inicialmente ao A. qualquer montante a título de subsídio por isenção de horário de trabalho.
5 – Em 2008, a R. solicitou um parecer jurídico a um gabinete de advogados por ter dúvidas se o A. e outros seus funcionários em situação similar teriam ou não direito a auferir aquele subsídio.
6 – Por aquela sociedade de advogados foi então produzido o parecer que constitui o documento nº. ... junto com a p.i. (e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
7 – O A. foi notificado desse parecer e pronunciou-se nos termos do documento nº. ... junto com a p.i. (e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
8 – O referido parecer foi devidamente homologado pelo então presidente do Conselho de Administração da R.
9 – Nesta sequência, a R. pagou ao A., em cinco prestações mensais, a quantia total de €18.837,37, a título de retroactivos do subsídio de isenção de horário de trabalho, correspondente a 2 horas de trabalho suplementar por semana, desde 1/12/2003.
10 – E, a partir de Julho de 2009, inclusive, a R. passou a pagar ao A. a quantia mensal de €256,10 a título de subsídio de isenção de horário de trabalho, correspondente a 2 horas de trabalho suplementar por semana.
11 – Na sequência dos pagamentos referidos em 9) e 10), o A. enviou à R. a missiva que constitui o documento nº. ... junto com a p.i. (que aqui se dá por integralmente reproduzido).
12 – A questão suscitada pelo A. deu origem à troca de missivas e elaboração de pareceres que constituem os documentos ... a ...1 juntos com p.i. (e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).
13 – Na R. estava afixado o horário que constitui o documento nº. ...4 junto com a p.i. (e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
14 – Na R. estava afixado o horário que constitui o documento nº. ...4 junto com a p.i. (e que aqui se dá por integralmente reproduzido).
15 – Da aplicação de gestão de Horários RISI da R. resulta que o Código e a descrição do horário do A. é “isento 24”, de tipo flexível, com início às 00,00 horas e termo às 23,59 horas.
16 – As funções de Director do Serviço de Aprovisionamento determinam a necessidade de estar sempre disponível e de prolongar o seu trabalho para além do limite máximo do período normal de trabalho, sendo que o trabalho é prestado quer na sede da R. quer em reuniões no exterior.
17 – Desde 6/5/1970, enquanto Chefe do Serviço de Contabilidade, e até à presente data, enquanto Director de Serviços da Área de Aprovisionamento, a R. nunca impôs ao A. o cumprimento de um horário de entrada e saída previamente fixado e correspondente ao período de funcionamento da R., não estando igualmente sujeito aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
18 – Durante todo o tempo em que o A. prestou a sua actividade para a R., muitas vezes trabalhou para além das 7 horas por dia e as 35 horas por semana.

Contendendo com a questão supra enunciada, na decisão recorrida discorreu-se nos termos seguintes:

“No Código de Trabalho de 2003 (diploma legal aplicável atento o período temporal invocado pelo A.), dispunha o artº. 177, para o que aqui nos interessa:
“1 – Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:
a) Exercício de cargos de administração, direcção, de confiança, de fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos;”
E acrescentava depois o artº. 178:
“1 – Nos termos do que for acordado, a isenção de horário pode compreender as seguintes modalidades:
a) Não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho;
b) Possibilidade de alargamento da prestação a um determinado número de horas, por dia ou por semana;
c) Observância dos períodos normais de trabalho acordados.”
O actual Código do Trabalho mantém, na essência, aquela redacção (artºs. 218 e 219).
Pois bem, o A. vem defender que sempre exerceu as suas funções para a R. numa situação de isenção de horário de trabalho, mas que a R. só lhe pagava, a esse título, o correspondente a duas horas de trabalho suplementar por semana, quando lhe era devida uma retribuição específica correspondente a uma hora de trabalho suplementar por dia.
O que nos obriga, antes de mais, a verificar se o A. exerceu efectivamente a sua actividade laboral para a R. numa situação de isenção de horário de trabalho, pois que, na sua douta contestação, a R. nega essa realidade.
Adiante-se, antes de mais, que esta posição da R. – negação da existência de uma situação de isenção de horário de trabalho – suscita alguma perplexidade, na medida em que, pelo menos desde 2009 e com efeitos retroactivos ao início da relação laboral, a R. expressamente reconheceu esta situação, pagando ao A. a correspondente retribuição específica.
E não o fez de ânimo leve.
Na realidade, como tinha dúvidas no que a esta matéria se refere, solicitou previamente um parecer jurídico a um gabinete de advogados e, após a sua análise, homologou esse parecer, que era no sentido de que o A. exercia a sua actividade com isenção de horário de trabalho e tinha direito a ser remunerado por tal.
Sublinhe-se este ponto: este parecer foi homologado pelo presidente do Conselho de Administração da R., ou seja, tornou-se numa decisão do seu órgão representativo máximo, e como tal foi comunicada ao A., tendo sido naturalmente cumprida até ao fim da relação laboral deste.
Se bem se entende a posição assumida pela R. no seu articulado, esta vem agora defender que aquela decisão por si tomada em 2009 estaria viciada por um erro na formação da vontade, ou dito de forma mais clara, o parecer jurídico em que se fundamentava teria feito uma errada interpretação da lei e uma incorrecta aplicação desta à factualidade em causa.
Curiosamente, porém, não pede a correspondente anulação da decisão assim tomada, a qual, para este efeito, constitui uma declaração negocial. Pede, isso sim, que o A. restitua o que lhe foi pago ao longo de toda a relação a título de retribuição por isenção de horário de trabalho, mas também aqui sem verdadeiramente formular um pedido reconvencional.
Ora, parece-nos que, tratando-se, como se tratou, de uma declaração produzida no âmbito de um contrato de trabalho, comunicada ao trabalhador e por este evidentemente aceite nesta parte (a discordância por este manifestada era tão só quanto ao montante retributivo e não quanto à situação de isenção de horário de trabalho), a R. só poderia pôr em causa a validade daquela declaração se expressamente pedisse a sua anulação, nos termos do artº. 247 do C. Civil.
Não o tendo feito, o reconhecimento da isenção de horário por si efectuado em 2009, com efeitos retroactivos a Dezembro de 2003, tem plena validade e eficácia. Acresce que, bem lido o muito extenso e douto articulado da R., o único fundamento por esta invocado para considerar que não existe uma situação de isenção de horário é a ausência de um documento escrito no qual essa isenção tenha sido estabelecida.
E não há dúvida que a lei exigia, como ainda hoje exige, esta formalidade, ao prescrever que o trabalhador só pode ser isento de horário de trabalho por acordo escrito.
Este acordo escrito pode ficar a constar do contrato de trabalho ou vir a ser formalizado posteriormente, através de uma adenda ou qualquer outro documento escrito que consubstancie a criação de uma situação de isenção.
Mas também nos parece claro que, quer do contrato de trabalho quer do eventual documento posterior, não é necessário que fique a constar a exacta expressão que se encontra na lei – isenção de horário -, bastando que as partes façam menção à forma como a prestação laboral vai ser efectuada e esta se enquadre na previsão legal.
 Ora, assim sendo, é defensável, como faz o A. na sua douta petição inicial, considerar que esta isenção foi estabelecida no próprio contrato de trabalho.
Com efeito, lê-se aí na cláusula 7ª:
“O segundo contratante compromete-se a prestar 35 horas de trabalho semanal ao primeiro contratante, com o regime de trabalho inerente à categoria profissional para que foi contratado” (sublinhado nosso). Tendo o A. sido contratado como Director de Serviços de Aprovisionamento, funções que exigem estar sempre disponível e de prolongar o seu trabalho para além do limite máximo do período normal de trabalho, aquela referência a regime inerente à categoria profissional para que foi contratado só pode querer significar “regime de isenção de horário de trabalho”. Isto é, a R. e o A. acordaram naquele contrato que este prestaria, pelo menos, 35 horas de trabalho por semana, num regime de isenção de horário.
Quer isto dizer que a formalidade a que se refere a R. foi cumprida no próprio contrato.
Mas mesmo que assim se não entendesse, certo é que o acordo de vontades nesse sentido veio a ser formalizado em 2009, com efeitos retroactivos, pela comunicação escrita ao A. da decisão do Conselho de Administração e pela aceitação dele nesta parte, tal como supra se faz referência.
Vamos, todavia, supor que não ocorria qualquer formalização por escrito da vontade das partes de estabelecer um regime de isenção de horário.
Certo é que o A. sempre desempenhou a sua actividade de acordo com uma situação de isenção – ver os pontos 16 e 17 da matéria de facto provada.
E a R. não só aceitou esta realidade, como a implementou, tal como resulta do horário que estava afixado e da própria aplicação informática de gestão de horários da R. (pontos 13 e 14 da matéria de facto provada); mas sobretudo resulta do facto de nunca ter exigido ao A. o cumprimento de um horário de entrada e saída, não cumprindo igualmente os limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Quer isto dizer que, durante todo o tempo em que subsistiu a relação laboral, vigorou quanto ao A. um regime de isenção.
A esta isenção de facto apenas faltaria a sua formalização por escrito. E quais as consequências do não cumprimento desta formalidade legal?
A isenção de horário de trabalho, por não constar de acordo escrito, seria nula.
Só que esta nulidade não teria como corolário a negação do direito do A. a receber a correspondente retribuição específica e muito menos, como defende a R., que o trabalhador teria agora que devolver o que lhe foi pago a esse título.
Como decorre do disposto no artº. 122 do C. Trabalho, a nulidade total ou parcial dos elementos constitutivos do contrato de trabalho determina que ele produz efeitos como válido em relação ao tempo em que foi executado.
O que significa, no caso que agora se aprecia, que a isenção de horário a que o A. estava sujeito, mesmo que fosse considerada nula por falta de forma, sempre produziria os seus efeitos como válida durante todo o período de tempo em que aquela situação ocorreu de facto, isto é, durante todo o período em que durou a relação laboral.”

Concordamos com esta argumentação jurídica.
           
O artigo 219.º do actual CT (como se diz na fundamentação jurídica da decisão recorrida, semelhante ao que dispunha o art. 178.º do CT/2003, estando o n.º 1 deste artigo aí citado) dispõe:
“Modalidades e efeitos de isenção de horário de trabalho
1 – As partes podem acordar numa das seguintes modalidades de isenção de horário de trabalho:
a) Não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho;
b) Possibilidade de determinado aumento do período normal de trabalho, por dia ou por semana;
c) Observância do período normal de trabalho acordado.
2 – Na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior.
(…)”

Face à matéria de facto provada, particularmente nos pontos 17 e 18, não podem subsistir dúvidas de que o autor tinha isenção de horário, na modalidade de não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho.

Com efeito, “Na modalidade regulada na alínea a) do n.º 1 do artigo 219.º do Código do Trabalho, não está em causa a abertura à definição de um período normal de trabalho sem observância dos limites constantes do artigo 203.º. Pretende-se, isso sim, admitir a inexistência de uma pré-progamação rígida da jornada diária e semanal de trabalho, que pode envolver a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho contratado e, bem assim, em ultrapassagem dos limites consignados no artigo 203.º. Persiste, no entanto, o período normal de trabalho acordado como parâmetro do sinalagma construído pelas partes, como regra, a que acresce a possibilidade genérica de prestação – ainda assim, eventual – de mais trabalho, sem sujeição a uma pré-determinação rígida.”[9] (o sublinhado é nosso)

Como também consta do ponto 16 dos factos provados, as funções de Director do Serviço de Aprovisionamento – desempenhadas pelo autor/recorrido - determinam a necessidade de estar sempre disponível e de prolongar o seu trabalho para além do limite máximo do período normal de trabalho, donde, não se trata aqui de uma mera dispensa de horário de trabalho ou, estando este fixado, do seu cumprimento, em que o trabalhador gere o seu tempo de trabalho como quer; no caso em análise o trabalhador/recorrido não ganhou liberdade na gestão do seu tempo de trabalho, antes perdeu, pois teve de estar disponível para trabalhar além dos períodos normais de trabalho, diário e semanal.

De resto, nos termos do supra citado n.º do art. 219.º do CT (cujo n.º 2 do art. 178.º do CT”003 tinha idêntica redacção - Na falta de estipulação das partes o regime de isenção de horário segue o disposto na alínea a) do número anterior), mesmo que não se tivesse provado factos que inequivocamente demonstram que a isenção de horário praticada pelo autor era a prevista na al. a) do n.º 1 dos citados artigos (178.º do CT/2003 e 219.º do CT/2009), a modalidade a considerar seria igualmente essa.

E mesmo que se defenda que o acordo de isenção de horário não foi reduzido a escrito (como impõe o art. 218.º/1 do CT, e anteriormente já impunha o art. 217.º/1 do CT/2003, tratando-se de uma formalidade ad substantiam), isso, como esclarece a decisão recorrida, não tem qualquer reflexo prático na decisão. O acordo de isenção de horário enquanto praticado produz efeitos como se válido fosse (art. 115.º/1 do CT/2003 e 122.º/1 do actual CT).

MÁ – FÉ:
O recorrido veio, na resposta ao recurso, solicitar a condenação da recorrente como litigante de má-fé.
A recorrente já se pronunciou, negando que venha agindo no processo com má - fé.
Ora, e analisados os autos, revemo-nos no que a propósito da mesma questão entendeu a 1.ª instância: parece-nos que a posição que a recorrente persiste em defender, negando a existência de um regime de isenção e em particular na modalidade invocada pelo autor, “constituiu apenas a opção por uma tese de direito, que não se pode considerar totalmente desajustada ou temerária. Não se vislumbra, assim, a existência de má-fé.”
Também quanto à impugnação da matéria de facto, trata-se do exercício de um direito processual e, embora não tenha obtido êxito, tal não passa de uma contingência normal do recurso, não fornecendo o processo elementos, muitos menos seguros, para se poder concluir que a recorrente, com dolo ou negligência grave, procurou “impedir a descoberta da verdade” – cf. art. 542.º do CPC.

IV - DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 11 de Maio de 2023

Francisco Sousa Pereira (relator)
Antero Veiga
Vera Maria Sottomayor


[1] Cf. neste sentido e a título de exemplo, Ac. TRE de 12-04-2018, Proc. 1004/16.7T8STR.E1, Albertina Pedroso, www.dgsi.pt e António Santos Abrantes Geraldes, Ob. Citada pág. 167.
[2] Proc. 158/16.7T8SRQ.L2-4, Leopoldo Soares, www.dgsi.pt
[3] Cf. neste sentido, José Lebre de Freita e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 4.ª Ed., anotações aos art.s 427.º e 439.º do CPC, a fls 245 e 258.
[4] Proc. 2057/11.0TVLSB.L1.S2, www.dgsi.pt
[5] Como se defendeu em Ac. desta RG de 16-02-2023, Proc. 3741/21.5T8MTS.G1, Maria Leonor Barroso, www.dgsi.pt :
“No processo laboral, a ampliação da matéria de facto resultante da consideração pelo juiz na sentença de factos essenciais, complementares ou concretizadores pressupõe o prévio cumprimento do contraditório, o qual tem de ser declarado e expresso. Devendo as próprias partes requer o aditamento ou o juiz oficiosamente dar-lhe conhecimento da possibilidade de ampliação, a fim delas se puderem pronunciar.”
No mesmo sentido, Ac. RE de 15-04-2021, Proc. 570/20.7T8EVR.E1, Moisés Silva, www.dgsi.pt:
Sumário: (…) ii) os factos instrumentais e os que sejam complemento ou concretização do que as partes tenham alegado têm que resultar da instrução da causa e sobre eles as partes têm que ter tido a possibilidade de se pronunciar e oferecer prova, não podendo o tribunal da Relação apreciá-los se não tiverem sido alegados e se não tiverem sido trazidos à discussão durante a audiência de julgamento nos termos referidos, constituindo, nesta hipótese, questão nova.”
[6] Cf, neste sentido, Ac. RP de 28-11-2022, Proc. 5534/20.8T8MTS.P1, Paula Leal de Carvalho, www.dgsi.pt, em cujo Sumário se escreveu:             “I - As nulidades de sentença a que se reporta o art. 615º, nº 1, do CPC/2013 não se cofundem com: erros de julgamento, sejam eles da decisão da matéria de facto ou de direito, que se prendem com a própria decisão de mérito (seja em sede do julgamento da matéria de facto, seja do julgamento em matéria de direito); com falta de pronúncia, dando-a como provada ou não provada, sobre determinada matéria de facto que haja sido alegada pelas partes, situação esta que está sujeita ao regime previsto no art. 662º, nº 2, al. c), do mesmo; falta de motivação da decisão da matéria de facto, sendo que sobre a eventual falta de fundamentação de algum ponto da decisão da matéria de facto rege o art. 662º, nº 2, al. d), do CPC. (…)”
[7] Artigo este, como os restantes do CPC que vão mencionar-se, aplicáveis por força do disposto no n.º 1 do artigo 87.º do CPT.
[8] Ac. STJ de 21.09.2022, Proc.  1996/18.1T8LRA.C1.S1, Relator Júlio Gomes, in www.dgsi.pt.
[9] António Nunes de Carvalho, Isenção de Horário de Trabalho, Alguns Problemas, Estudos APODIT 4, Tempo de Trabalho e Tempos de Não Trabalho, Reimpressão, Pág. 196.