Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
669/17.7T8VNF-A.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: LIVRANÇA
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1- Para apurar da prescrição do direito cambiário ínsito em letra ou livrança entregues em branco, há que recorrer ao disposto no artigo 70º da LULL, que estipula não só o seu prazo, mas também a data do início do seu cômputo, a qual consiste na data que foi aposta nesse título cambiário como sendo a do vencimento.

2- O regime dos títulos cambiários, onde impera a tutela da aparência e da confiança, bem como a sua inserção no direito comercial que dá maior importância à celeridade, levam a que se tenham estipulado prazos mais curtos de prescrição para a obrigação cartular, comparativamente com os que são estipulados para as obrigações comuns, mas também que se dê mais relevância à sua literalidade.

3- Não basta o mero decurso de um longo período de tempo entre o momento em que um crédito é exigível e aquele em que é exigido pelo credor para que se possa desde logo concluir pelo abuso do direito, seja na perspetiva do venire contra factum proprium (tendo em atenção que a omissão se pode ainda considerar como um comportamento do agente), seja na da suppressio (focada diretamente no não exercício do direito).

4- Não há razões para, na suppressio, em que está em causa a omissão do credor em exercer o seu direito em determinado período, sem exceder aquele que as normas da prescrição entendem ser ainda admissível, prescindir das demais circunstâncias exigíveis para que o venire contra factum proprium opere: que a justificação da confiança esteja relacionada com o credor (que lhe seja imputável ou, pelo menos, que seja fundada em factos que lhe não são alheios ou que deles deva ter conhecimento) e que tenha ocorrido um investimento de confiança por parte do devedor ou pelo menos, um prejuízo que, não fosse a passividade do credor, aquele não sofreria.

5- Porque o nosso Código de Processo Civil apenas permite que, na falta de acordo, a causa de pedir seja alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor (cf. artigo 265º nº 1), não se admite que o embargante invoque em sede de alegações de recurso novas exceções ao direito dado à execução que não sejam de conhecimento oficioso e, logo, que estas sejam apreciadas no recurso.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - Relatório

Apelante e embargante (de executada): (…), residente em Av (…) ...
Apelado e embargado: (..) com sede na Av. (…) Lisboa
autos de: (apelação em) oposição à execução por embargos

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que foi lhe foi movida pelo ora Recorrido, a Recorrente apresentou oposição à execução mediante embargos, peticionando a extinção da execução.

Invocou, em síntese, a ineptidão do requerimento executivo, a falta de legitimidade de portador da livrança, o pagamento da quantia mutuada, pelo que não houve incumprimento do contrato de mútuo e logo o preenchimento abusivo do título e ainda o abuso do direito na data da oposição da data do vencimento, 11 anos após o invocado incumprimento e, por fim, a falta de apresentação da livrança a pagamento. Mais invocou que reuniu por duas vezes com o BANCO ..., na sequência do recebimento de carta relativa a este mútuo, pelo seu ex-marido, em fevereiro de 2006, com a menção da existência da responsabilidade vencida e não paga.
O exequente apresentou contestação defendendo a justeza da execução.
Tiveram lugar a audiência prévia e a final.
Foi proferida sentença, na qual se decidiu reduzir a obrigação exequenda de forma a excluir da obrigação exequenda a parte relativa “aos juros de mora, os quais apenas serão devidos após a citação da embargante/executada e a partir desta, calculados às taxas legais em vigor, e até efetivo e integral pagamento.”

É desta decisão que a Recorrente interpõe recurso, apresentando as seguintes

conclusões:

1. Vem o presente recurso da sentença final que julgou parcialmente procedente a oposição à execução, por embargos, deduzida pela embargante/recorrente contra o embargado/recorrido e em consequência:
“a) declara-se inexigível o valor respeitante ao reforço da facilidade de crédito a que se refere o escrito particular, denominado ‘Crédito em Conta Corrente Sem Caução Curto Prazo’, datado de 04 de Novembro de 2002; e
b) declara-se inexigível a obrigação exequenda relativa aos juros de mora, os quais apenas serão devidos após a citação da embargante/executada e a partir desta, calculados às taxas legais em vigor, e até efetivo e integral pagamento”.
2. Após a crise de 2014 que tomou conta do BANCO ... e que culminou na sua resolução, o seu sucessor - agora recorrido – com o fito de proceder ao maior elevado número de encaixe de activos possível, agiu em manifesto desrespeito pela segurança jurídica, transpondo os limites da boa-fé.
3. A recorrente (juntamento com o seu então marido), na sequência da celebração de um crédito junto do recorrido entregou a este uma livrança, em branco, datada de 13 de Novembro de 2000.
4. A recorrente incumbiu o seu então marido (co-executado nos presentes autos) de cumprir com o pagamento das prestações, entregando-lhe para o efeito o valor das prestações.
5. Confiou que nada devia ao recorrido até que foi confrontada com os presentes autos.
6. O recorrido aguardou 12 (doze anos) desde a alegada data do alegado incumprimento até propor a presente ação, nunca tendo tomado qualquer diligência para proceder à cobrança da, alegada, dívida.
7. Dá-se por integralmente reproduzidos os factos dados como provados e que resultam das fls 4 e ss da sentença proferida pelo Tribunal.
8. São três os pilares da presente alegação de recurso:
- Prescrição;
- Inexigibilidade;
- Abuso de Direito;
9. No que diz respeito à Prescrição resulta da matéria de facto dada como provada que a data do alegado incumprimento se situa entre 04/11/2002 e 11/11/2005 e a data em que foram instaurados os presentes autos é 23/01/2017.
10. Existe um hiato temporal de 12 anos entre as duas datas.
11. O início da contagem do prazo da prescrição tem de ser contado a partir da data em que o recorrido estava em condições de acionar a garantia e que, no caso, será a data do alegado incumprimento. Sendo certo que só não o fez por inércia exclusivamente a si imputável.
12. Diz o art. 306º, nº 1 CC: “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…)”.
13. Nesse mesmo sentido, em situação similar, se pronunciou o Ac. TCA de 06/08/2018, processo nº 1179/17.8BELSB in www.dgsi.pt.
14. O recorrido não pode contornar as regras da prescrição fixando arbitrariamente uma data de vencimento da livrança.
15. Atendendo ao prazo prescricional de 3 anos previsto pelo art. 70º da LULL é forçoso concluir que o prazo para o recorrido exercer o seu direito já estava manifestamente ultrapassado.
16. Quanto à Inexigibilidade cumpre salientar que o obrigado poderá ser demandado judicialmente para cumprir com a sua obrigação se e quando a obrigação for exigível, considerando-se como tal a dívida cujo pagamento pode ser exigido em juízo.
17. In casu, o contrato que deu causa à emissão do título cambiário que serve de título nos presentes autos foi gerador de obrigações com prazo certo e, por outro, liquidáveis em prestações.
18. Diz o art 781º CC "Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas".
19. Pelo que o recorrido teria de interpelar a recorrente, resolvendo o contrato e interpelando-a para pagamento da quantia vencida. Não o tendo feito, conforme resulta do facto provado nº 20, 22 e 24 a quantia peticionada não se encontra vencida e, por conseguinte, é inexigível.
20. Também no que diz respeito ao título cambiário constante dos presentes autos resulta que o mesmo foi preenchido sem respeito por qualquer limite ou acordo entre recorrente e recorrido.
21. A livrança foi assinada em branco pela recorrente e preenchida posteriormente pelo recorrido sem a interpelação prévia da recorrente, que desconhecia os seus elementos essenciais e tão pouco foi consultada para o preenchimento naqueles moldes.
22. O direito ao preenchimento da livrança dependia do exercício do direito de resolução contratual consubstanciado numa interpelação escrita dirigida à recorrente que nunca ocorreu.
23. O recorrido não tinha/tem legitimidade para preencher o título cambiário em crise, com a consequente inexigibilidade da obrigação em crise.
24. Quanto ao Abuso de Direito cumpre esclarecer que o preenchimento da livrança que consubstancia título executivo nos autos dos quais se recorre, foi, com devido respeito por opinião distinta, abusivo.
25. Com a consequente invalidade do negócio cambiário, por não terem sido ajustadas entre as partes a fixação do montante da livrança, que não é devido, nem justificado, e as condições relativas ao conteúdo o tempo do vencimento.
26. Ficou demonstrado, à saciedade, em primeira instância, que desde 2005 o recorrido não praticou qualquer comportamento que demonstrasse intenção do exercício do direito cambiário e que deste modo afastasse o carácter de abuso de direito traduzido pelo referido preenchimento.
27. O recorrido, ao deixar decorrer cerca de 12 anos desde a data do alegado incumprimento até lançar mão da via judicial para proceder à cobrança do título de crédito em crise criou a confiança, na recorrente de que esse direito não seria feito valer, até pelo decurso de prazo tão longo a intenção de não merecer esse direito cambiário, prevalencendo-se assim de desvantagem desleal, violadora da boa fé e do princípio da confiança.
28. O facto de, só após 12 anos ter dado entrada dos presentes autos executivos, é prova manifesta de uma actuação doutrinalmente denominada “venire contra factum proprium”, doutrina esta analisada pelo STJ no Acórdão proferido em 09/07/98, processo 97A925 (disponível in www.dgsi.pt), ainda actual no que refere à doutrina referida.
29. O recorrido não procedeu à cobrança do título cambiário após o incumprimento (alegado) da recorrente, nem sequer interpelou a recorrente para o efeito, tendo criado a confiança na recorrente de que esse crédito não existia ou que, a existir, jamais seria exercido.
30. Ora, o princípio do Estado do Direito consagrado no art. 2º da CRP postula uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica, o que implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas expectativas juridicamente criadas.
31. Choca o bom senso e o sentimento elementar de justiça permitir que, passados 12 anos (sem qualquer interpelação) venha o recorrente reclamar o pagamento de um valor que a recorrida confiava não ser devido.
32. O recorrente aguardou 12 anos para, abusivamente, apor uma data de vencimento que lhe conviesse para dar início aos presentes autos!
33. Com a sua inércia, que resulta da matéria de facto dada como provada, o recorrido criou na pessoa da recorrente a forte convicção de que nenhuma responsabilidade tinha.
34. A conduta do recorrido é violadora da boa-fé e do princípio da confiança que deve estar subjacente a todos os negócios jurídicos.
35. Verificando-se uma situação de abuso de direito, cfr 334º CC, tendo em conta que a actuação do recorrido configura “venire contra factum proprio”.
36. Seguindo-se de perto o Ac. TRP de 11/08/2018, processo nº 4288/12.6TBPRD-C.P1 no que diz respeito à figura do abuso de direito.
37. Pelo que, atendendo ao exposto, se verifica, inequivocamente, que o recorrido agiu com manifesto abuso de direito, devendo ser os embargos deduzidos totalmente provados e consequentemente procedentes, com a declaração de extinção dos autos executivos em crise.

TERMOS em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que dê provimento total aos embargos deduzidos pela embargante/recorrente, com a consequente extinção dos autos executivos em crise, assim se fazendo a devida
JUSTIÇA!

O embargado respondeu, com as seguintes

conclusões:

1. Por douta Sentença proferida em 1ª instância, o Tribunal a quo considerou a Oposição à Execução deduzida pela Recorrente parcialmente procedente
2. A douta Sentença proferida em 1.ª instância julgou, por outro lado, totalmente improcedente a Oposição à Penhora deduzida, mas o recurso apresentando não diz respeito a essa decisão.
3. Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a decisão vertida na douta Sentença em crise, na parte mencionada em 1., não merece qualquer censura.
4. Nela foram corretamente valoradas e apreciadas as provas produzidas e trazidas ao processo, assim como foi feita uma correta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, no respeito, além disso, dos mais elementares princípios de Direito.
5. Atendendo a todos os factos considerados provados na 1.ª instância e, inclusive, aos não provados e, além disso, a toda a fundamentação jurídica constante da douta Sentença em crise, resulta claro que a decisão proferida não merece reparo.
6. O Recorrido vem, contudo, responder ao Recurso, refutando todas as razões aduzidas para serem novamente apreciadas as seguintes questões de Direito: prescrição do direito, inexigibilidade da obrigação e abuso de direito.
7. A Recorrente pugna pela prescrição do crédito do Recorrido, o qual já estaria alegadamente prescrito à altura da instauração da presente execução.
8. O Recorrido apresentou como título executivo à presente execução instaurada a 23/1/2017, uma livrança subscrita pela Recorrente com data de vencimento em 20/1/2017.
9. À livrança aplica-se o prazo prescricional especial previsto no art. 70.º LULL, ex vi do art. 77.º, em derrogação do prazo ordinário previsto no art. 309.º CC..
10. A contagem do prazo de 3 anos previsto para a prescrição das livranças, inicia-se a partir da sua data vencimento, ou seja, da data aposta na livrança como “época do pagamento” (art. 75.º, ponto 3 da LULL).
11. In casu, verifica-se que o Recorrido intentou a ação executiva, vindo exigir judicialmente da Recorrente o crédito a que tinha direito, dentro daquele prazo.
12. A afirmação invocada pela Recorrente de que, neste caso, “o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido …”, nos termos do art. 306.º, n.º 1 do Código Civil (CC) não procede.
13. Não pode, pois, a Recorrente vir invocar o art. 70.º da LULL, que estabelece um prazo de prescrição mais curto do que o ordinário, mas, logo a seguir, como lhe convém, alegar que esta começa a correr nos termos gerais, isto é, “quando o direito puder ser exercido…”, denegando por completo a restante letra daquele artigo.
14. Só quando a livrança é preenchida e, por isso, adquire eficácia, é que pode o seu portador exercer o direito de que dela emerge.
15. Não esqueçamos, a este respeito, a natureza dos títulos de créditos enquanto documentos que incorporam em si o direito, literal e autónomo, a uma prestação pecuniária.
16. Pelo que o incumprimento pela Recorrente das obrigações assumidas no Contrato celebrado em 13/11/2000 é uma condição necessária do preenchimento da livrança, mas não determinante.
17. Além disso, a alegação de que o Recorrido estava obrigado a preencher a livrança na data do incumprimento das obrigações assumidas pela Recorrente, não encontra apoio na convenção de preenchimento constante do Contrato celebrado a 13/11/2000.
18. A douta Sentença julgou, por isso, bem ao não considerar que o direito de ação do Recorrido se encontrava prescrito à altura da instauração da presente execução.

DA INEXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO

19. A Recorrente vem, no recurso que apresentou, alegar que, mesmo que se não considere o direito do Recorrido prescrito, a obrigação exequenda seria inexigível.
20. Alegadamente por o preenchimento da referida livrança não ter sido precedido da efetiva receção da comunicação de resolução do Contrato e da interpelação prévia para o pagamento da quantia titulada na livrança.
21. Foram dirigidas à Recorrente, assim como ao ex-marido, três cartas relativamente ao incumprimento do Contrato, à resolução do mesmo e ao preenchimento, por conseguinte, da livrança.
22. Acontece que tais cartas não chegaram ao conhecimento efetivo da Recorrente.
23. Sendo que não foi convencionada no Contrato qualquer morada para a correspondência com o Recorrido.
24. Motivo pelo qual não se pode acometer por completo ao Recorrido a culpa por tal facto.
25. Tanto assim é que, como foi considerado provado, a Recorrente teve conhecimento de tais factos – do incumprimento e resolução do Contrato e da dívida dela decorrente – não só através do seu ex- marido, mas também junto de um dos balcões do Recorrido.
26. A interpelação sempre decorreria judicialmente da citação feita para a presente execução.
27. Tal não afeta ou é passível de afetar, de modo algum, a existência ou exigibilidade da livrança.
28. O que se compreende uma vez que a Recorrente se encontra no âmbito das relações imediatas, não podendo, em consequência, ser tal invocado ou oponível ao Recorrido para efeitos de perda dos seus direitos.
29. A não apresentação prévia a pagamento não implica, como pretende a Recorrente, que a livrança tenha sido preenchida em desrespeito do pacto de preenchimento.
30. Nem, por outro lado, se relaciona com a legitimidade do Recorrido para a preencher, da qual não se duvida nem poderá duvidar.
31. Pois não só o Recorrido é o seu legítimo portador, dono e beneficiário, mas também atendendo a que a Recorrente, juntamente com o ex- marido, autorizou o Recorrido a preencher a livrança.
32. Tal terá como consequência considerarem-se vencidos juros de mora somente a partir deste momento (e não da última carta enviada).
33. A douta Sentença julgou, por isso, bem ao considerar serem devidos pela Recorrente juros moratórios apenas a partir de 27/2/2017, altura em que ocorreu a sua citação.

DO ABUSO DE DIREITO

34. A Recorrente alega, por fim, que o preenchimento da referida livrança assim como a instauração da posterior execução pelo Recorrido foram abusivos.
35. Sustentando esta tese no facto de não terem sido ajustadas ab initio as condições relativas ao tempo de vencimento, assim como ao montante da livrança e, além disso, de alegadamente o Recorrido não ter tido a “inenção” de exercer o seu direito cambiário.
36. Quanto ao primeiro argumento, as “livranças em branco” são admissíveis nos termos do art. 76.º da LULL, aceitando-se correntemente que as livranças não sejam prontamente preenchidas com a “época do pagamento” e a “promessa pura e simples de pagar uma quantia determinada” (art. 75.º da LULL) aquando da sua emissão.
37. Contudo, aquando da emissão da livrança, são acordados os termos do preenchimento desses elementos, naquilo que consubstancia o pacto de preenchimento
38. No Contrato celebrado a 13/11/2000, a Recorrente e o ex-marido autorizaram o preenchimento da referida livrança no momento achado pelo Recorrido como oportuno para tal, sempre pressupondo o incumprimento definitivo desse Contrato.
39. O montante titulado na livrança (€ 20.532,02) diz respeito a tudo o que é devido por conta do Contrato, nos termos do Contrato celebrado e do já informado à Recorrente prévia e através da presente execução.
40. O facto de ter mediado tempo entre o incumprimento definitivo e o preenchimento da livrança não pode ter criado na Recorrente a convicção de que o Recorrido não iria acionar a sua garantia.
41. Com efeito, a referida livrança foi precisamente emitida com vista a, mais tarde, se necessário, poder ser preenchida e executada.
42. O Recorrido não deixará nunca, ainda que sempre com respeito pelas regras da prescrição, de tentar cobrar o seu crédito.
43. O Recorrido fez uso do seu direito cambiário, instaurando a presente execução quando ainda estava legitimado para tal, quer por se ainda se encontrar em tempo para isso quer por ter cumprido o acordo no pacto de preenchimento.
44. Diferente seria se, por mero exemplo académico, o Recorrido tivesse adotado uma conduta positiva no sentido de criar a confiança e aparência na Recorrente, pelos atos que realizou com esse intuito, de que não iria cobrar o seu crédito.
45. Nesse caso, estaríamos sim em face de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
46. Contudo, tal não sucedeu e do não exercício do direito pelo Recorrido, se pode jamais tirar essa conclusão.
47. A douta Sentença julgou, por isso, bem ao não considerar abusivo o preenchimento da referida livrança e a instauração da presente execução pelo Recorrido.”

II - Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas são de conhecimento oficioso ou se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao alegado nas conclusões das alegações, importa apurar, por ordem lógica (conhecendo primeiro as questões que prejudicam as seguintes):

A – da prescrição do direito, pelo decurso do prazo prescricional de 3 anos previsto pelo artigo 70º da LULL, decidindo qual é a data do início do computo desse prazo prescricional;
B– da cognoscibilidade da questão da inexigibilidade da obrigação subjacente, por não ter tido lugar a declaração escrita de resolução do contrato, visto ser questão não suscitada na petição inicial de embargos e caso esta exceção possa aqui ser apreciada, se a mesma é procedente;
C – da inexigibilidade da obrigação, fundada na falta de interpelação.
D– do abuso do direito: se o exequente incorreu em abuso do Direito no preenchimento da livrança e na exigência da obrigação, atento o decurso de longo período de tempo decorrido desde o momento em que a mesma era exigível.

III - Fundamentação de Facto

A matéria de facto provada e não provada vem fixada da seguinte forma na sentença sob apelação:

A -Factos provados

1. No âmbito do processo de execução com o nº 669/17.7T8VNF – de que os presentes autos constituem apenso –, o embargado/exequente “Banco” reclama do executado M. C. e da embargante/executada Maria o pagamento do crédito exequendo, no valor global de €20.535,02 (vinte mil, quinhentos e trinta e cinco euros e dois cêntimos), sem prejuízo dos juros moratórios (entretanto já vencidos e vincendos), e respetivo imposto de selo, até efetivo e integral pagamento.
2. O embargado/exequente fundou a execução referida em 1. no facto de ser legítimo portador de um escrito, denominado «livrança», datado de 13 de Novembro de 2000, através do qual os aludidos M. C. e Maria prometeram pagar ao “BANCO ... – Banco ..., S. A.” – a si ou à sua ordem –, aos 20 de Janeiro de 2017, a quantia de €20.535,02 (vinte mil, quinhentos e trinta e cinco euros e dois cêntimos).
3. Subjacente à «livrança» referida em 2. está um escrito particular, denominado ‘Crédito em Conta Corrente Sem Caução Curto Prazo’, com o nº 0541000272018, com data de 13 de Novembro de 2000.
4. No escrito referido em 3. consta, além do mais, que:
(…) No seguimento das conversações que tivemos o prazer de manter com V. Exas., comunicamos ter este Banco aceite conceder-lhes um empréstimo, sob a forma de facilidade de crédito, destinado a reforço de tesouraria, nas seguintes condições:
1. MONTANTE Esc. 2.000.000$00 (Dois Milhões de Escudos).
2. FORMA Este empréstimo revestirá a forma de uma conta aberta em nome de V. Exas. junto do nosso Balcão de ..., denominada “Crédito em Conta Corrente Sem Caução Curto Prazo”. O extracto da conta emergente do empréstimo será documento bastante para a prova da dívida e da sua movimentação.
3. PRAZO 90 dias, prorrogável por igual período de tempo, salvo se qualquer das partes solicitar, por escrito, a sua denúncia, com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo do prazo fixado.
4. MODO DE FUNCIONAMENTO A movimentação a débito será feita única e exclusivamente por transferências a ordenar por V. Exas. para crédito da vossa conta de depósitos à ordem, junto daquele nosso balcão. A movimentação a débito e a crédito apenas será admitida em tranches mínimas de Esc. 500.000$00. Para o efeito, as transferências poderão ser ordenadas por carta, fax ou qualquer outra forma escrita.
5. TAXA DE JURO 5.1 A taxa de juro a aplicar será revista trimestralmente e corresponderá à Lisbor (3 Meses) do 1.º dia útil do início de cada período da contagem de juros, acrescida de 6 pontos percentuais. 5.2 Nesta data, e de acordo com as actuais condições de mercado, a taxa de juros anual nominal é de 11.2241%, correspondendo a uma taxa de juro anual efectiva (TAE) de 11.7077%, calculada nos termos do Decreto-Lei nº 220/94, de 23 de Agosto.
6. CONTAGEM DE JUROS (…)
7. COMISSÃO DE IMOBILIZAÇÃO (…)
8. JUROS MORATÓRIOS 8.1 No caso do não pagamento de capital e/ou juros incidirá, sobre o respetivo montante e durante o tempo em que tal situação de incumprimento se verificar, a taxa de juro moratória (juros remuneratórios acrescidos da sobretaxa legal). 8.2 No caso de incumprimento, o Banco reserva-se ao direito de resolver o presente contrato e exigir o imediato pagamento de todos os montantes em dívida.
9. GARANTIAS 9.1 Carta Contrato 9.2 Nesta data, para garantia e segurança do cumprimento das obrigações assumidas ao abrigo do presente contrato, à data do seu termo inicial ou das suas prorrogações compreendendo o saldo que for devido, comissões, juros contratuais e de mora e outros encargos, V. Exas. entregam ao Banco ..., S. A., uma livrança por vós subscrita, livrança essa cujo montante e data de vencimento se encontram em branco para que o Banco os fixe, completando assim o preenchimento deste título de crédito no momento em que achar conveniente e proceder ao seu desconto, o que fica desde já expressa e inequivocamente autorizado.
10. ENCARGOS FISCAIS E OUTRAS DESPESAS Correrão por conta de V. Exas. o pagamento de todos os eventuais encargos fiscais, em particular o imposto do selo, devidos por força da celebração do presente contrato, bem como eventuais honorários de advogados ou taxas judiciais, devidos em resultado do seu incumprimento. O acordo a todo o clausulado referido nesta Carta Contrato decorre da devolução do duplicado anexo, devidamente subscrito, datado e assinado por V. Exas., antecedido da expressão “DAMOS O NOSSO ACORDO”. (…)
5. No escrito referido em 3., após a cláusula 10.ª, consta aposta a seguinte expressão manuscrita: “Damos o nosso Acordo 13/11/2000”.
6. Após essa expressão consta aposto o nome, sob a forma de assinatura, do executado M. C. e da embargante/executada.
7. A assinatura referida em 6. foi realizada pelo punho da aludida Maria.
8. Para caução do integral pagamento das responsabilidades emergentes do escrito particular referido em 3., e em observância da sua cláusula 9.ª – 9.2, o executado e a embargante/executada subscreveram a «livrança» referida em 2., com os respectivos campos em branco, designadamente, a data do vencimento e o valor.
9. Na sequência do escrito referido em 3., as partes aí intervenientes realizaram um outro escrito, denominado ‘Crédito em Conta Corrente Sem Caução Curto Prazo’, com data de 11 de Novembro de 2001.
10. No escrito de 11 de Novembro de 2001, referido em 9., consta, entre o mais, que:
(…) No seguimento das conversações que tivemos o prazer de manter com V. Exas., e em aditamento à nossa carta de 13/11/2000, comunicamos ter este Banco aceite prorrogar a facilidade de crédito concedida a V. Exas., de Esc. 2.000.000.00, procedendo à alteração das seguintes cláusulas:
5. TAXA DE JURO 5.1 A taxa de juro a aplicar será revista trimestralmente e corresponderá à Lisbor 3 (Meses) do 1.º dia útil do início de cada período da contagem de juros, acrescida de 5.5 pontos percentuais, com arredondamento para 1/4% superior.
5.2 Nas actuais condições de mercado, a taxa de juro anual nominal será 9%, correspondendo a uma taxa de juro anual efectiva (TAE) DE 9.3098, calculada nos termos do Decreto-Lei nº 220/94, de 23 de Agosto.
7. COMISSÃO DE IMOBILIZAÇÃO
(…) Mantêm-se inalteráveis as restantes condições contratuais, constantes da nossa correspondência anterior. Agradecemos a devolução do duplicado anexo, datado e assinado por V. Exas., antecedido da expressão “DAMOS O NOSSO ACORDO” (…)
11. No escrito datado de 11 de Novembro de 2001, referido em 9., consta aposta a seguinte expressão manuscrita: “Damos o nosso Acordo 17/11/2001”.
12. Após essa expressão consta aposto o nome, sob a forma de assinatura, do executado M. C. e da embargante/executada.
13. A assinatura referida em 12. foi realizada pelo punho da mencionada Maria.
14. No seguimento do escrito datado de 11 de Novembro de 2001, referido em 9., foi celebrado um outro escrito, denominado ‘Crédito em Conta Corrente Sem Caução Curto Prazo’, com data de 04 de Novembro de 2002.
15. No escrito de 04 de Novembro de 2002, referido em 14., consta, além do mais, que:
(…) No seguimento das conversações que tivemos o prazer de manter com V. Exa., e em aditamento à nossas cartas de 13/11/2000 e 11/11/2001, comunicamos ter este Banco aceite prorrogar e reforçar em 24.04€ a facilidade de crédito concedida a V. Exas. de 9.975,96€, procedendo à alteração das seguintes cláusulas: 1. MONTANTE 10.000,00€ (Dez mil euros) 4. MODO DE FUNCIONAMENTO A movimentação a débito será feita única e exclusivamente por transferências a ordenar por V. Exa. para crédito da vossa conta de depósitos à ordem, junto daquele nosso balcão. A movimentação a débito e a crédito apenas será admitida em tranches mínimas de 2.500,00€ Para o efeito, as transferências poderão ser ordenadas por carta, telex ou qualquer outra forma escrita. 5. TAXA DE JURO 5.1 A taxa de juro a aplicar será revista trimestralmente e corresponderá à Euribor (90 dias) do 1º dia útil do início de cada período da contagem de juros, acrescida de 6 pontos percentuais, com arredondamento para 1/4% superior. 5.2 Nas actuais condições de mercado, a taxa de juro anual nominal será 9.5758%, calculada nos termos do Decreto-Lei nº 220/94, de 23 de Agosto. Mantêm-se inalteráveis as restantes condições contratuais, constantes da nossa correspondência anterior. Agradecemos a devolução do duplicado anexo, datado e assinado por V. Exas., antecedido da expressão “DAMOS O NOSSO ACORDO” (…)
16. No escrito datado de 04 de Novembro de 2002, referido em 14., consta aposta a seguinte expressão manuscrita: “Damos o nosso Acordo”.
17. Após essa expressão consta aposto o nome, sob a forma de assinatura, do executado M. C. e da embargante/executada.
18. A assinatura referida em 17. não foi realizada pelo punho da aludida Maria.
19. Em data que, em concreto, não foi possível situar, mas posterior ao escrito de 04 de Novembro de 2002, referido em 14., e anterior a 11 de Novembro de 2005, o executado e a embargante/executada deixaram de cumprir com as obrigações assumidas junto do embargado/exequente no escrito particular datado de 13 de Novembro de 2000, referido em 3.
20. Em consequência do referido em 19., o identificado “Banco ... – Banco ..., S. A.”, no dia 11 de Novembro de 2005, remeteu uma carta registada, com aviso de receção, à embargante/executada Maria, subordinada ao assunto ‘Vencimento antecipado de contrato de abertura de crédito. Juros moratórios’, que não foi por esta rececionada.
21. Na missiva referida em 20. informava-se, além do mais, que: (…) Serve a presente para, nos termos do disposto cláusula com a epígrafe “Vencimento Antecipado” do contrato de abertura de crédito em conta corrente disponibilizado em conta de depósitos à ordem celebrado com V. Exa(s). com data de 13/11/2000, pelo montante inicial dois milhões de escudos e no montante actual de nove mil euros, lhe comunicar o vencimento antecipado das obrigações de V. Exa. com fundamento em incumprimento de acordo com o assunto em epígrafe (clausula 8.2). Mais se informa que a presente declaração produzirá os seus efeitos 3 dias após a data acima exposta, dispondo V. Exa., de 5 dias úteis para liquidar a quantia devida nesta data, no montante total de nove mil euros (…).
22. No dia 08 de Fevereiro de 2006, o mencionado “BANCO ... – Banco ..., S. A.” (“DAERC – Serviço Recuperação de Crédito”) remeteu uma carta ao executado e uma outra carta à embargante/executada, subordinada ao assunto ‘V. /Responsabilidade vencida e não paga. – Facilidade em Conta Corrente Caucionada com o n.º 541/00027/2018 no valor de € 9 000,00 com livrança em caução subscrita por V. Exa. e por M. C.’, que não foi rececionada pela aludida Maria.
23. Nas missivas referidas em 22. informava-se, entre o mais, que: (…) Pela presente, vem este Banco informar V. Exa. de que por não ter sido regularizada a responsabilidade supra, em que são intervenientes, foi a mesma transferida para o Serviço de Recuperação de Crédito, (situação de pré-Contencioso) com vista ao seu reembolso, bem como dos respetivos juros de mora e demais encargos, pela via negocial ou, em alternativa, através do recurso aos Tribunais. Crentes, contudo, de que V. Exas. conhecerão os inconvenientes do recurso à via judicial, terão alguma proposta a apresentar-nos que normalize imediatamente a situação. Na perspetiva de que tal aconteça, manteremos o assunto pendente durante os próximos DEZ DIAS findos os quais, caso não surja a proposta referida no parágrafo anterior, presumiremos que não estarão interessados em estudar extrajudicialmente connosco uma plataforma de solução, pelo que entregaremos o caso aos nossos Advogados a fim de sermos reembolsados pela via judicial (…).
24. No dia 28 de Dezembro de 2016, a “GNB – Recuperação de crédito, Grupo Novo Banco” remeteu uma carta à embargante/executada, subordinada ao assunto ‘Preenchimento de Livrança do Contrato Crédito – Conta Corrente Nº 541000272018 Processo nº 005012857’, que não foi por esta rececionada.
25. Na missiva referida em 24. informava-se, além do mais, que: (…) Vimos por este meio confirmar que o contrato acima referido, do qual V. Exa. é Titular, encontra-se já em fase de Contencioso. Deste modo foi o mesmo denunciado pelo que, e de acordo com as cláusulas contratuais, é agora exigido o pagamento da totalidade do valor do contrato, incluindo o montante dos valores em atraso e o montante do capital em dívida até ao final do prazo do contrato, acrescido das despesas extrajudiciais incorridas. Informamos ainda que, igualmente ao abrigo do clausulado contratual, foi efetuado o Preenchimento da Livrança de Caução, entregue para o efeito por V. Exa., com o montante de 20.535,02 EUROS. Este valor encontra-se a pagamento nos nossos serviços (…) até 20-Jan-2017 (data de vencimento da livrança). O valor em dívida refere-se às seguintes parcelas vencidas: Capital – 9.000,00 EUR; Juros devidos desde 23-Abr-2005, à taxa de 10,250% - 10.993,13 EUR; Imposto do Selo s/ Juros – 439,73 EUR; Selagem da livrança – 102,16 EUR; Total da Livrança a pagar – 20.535,02 EUR (…).
26. A embargante/executada Maria divorciou-se do executado M. C. no ano de 2005.
27. O embargado/exequente “Banco” não apresentou a pagamento, junto da embargante/executada, a «livrança» referida em 2.

Provou-se, também, que:

28. A execução dos autos principais foi instaurada no dia 23 de Janeiro de 2017.
29. No dia 15 de Fevereiro de 2017 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Proceda à citação do(a)(s) executado(a)(s) para, no prazo de 20 dias, pagar(em) ou opôr(em)-se à execução (cfr. art.726º, nº6, do Cód. Proc. Civil).”.
30. A embargante/executada foi citada na própria pessoa no dia 27 de Fevereiro de 2017.
31. No dia 13 de Junho de 2017 procedeu-se à penhora do seguinte imóvel: fracção autónoma, designada pelas letras ‘BH’, afecta a comércio, sita na Avenida …, Urbanização …, da freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo …, da freguesia de ... e descrita na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o .../19990322.
32. No auto de penhora atinente a esse imóvel consta indicado que tem o valor de €53.517,65 (cinquenta e três mil, quinhentos e dezassete euros e sessenta e cinco cêntimos). 33. A oposição à penhora e à execução, mediante embargos, do presente apenso, foi deduzida no dia 24 de Agosto de 2017.
34. Na sequência dos embargos de executado deduzidos, foi proferido despacho no dia 17 de Setembro de 2018 que decidiu não suspender a execução.
35. Na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão consta descrita, sob o .../19990322 – BJ, a fracção autónoma, designada pelas letras ‘BJ’, sita na freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Famalicão.
36. Essa fração foi adquirida pela embargante/executada Maria na partilha subsequente ao divórcio com o executado M. C..
37. Sobre tal fracção foram constituídas 2 (duas) hipotecas voluntárias, a favor do “Banco …, S. A.” para garantia do capital de €60.580,20 (sessenta mil, quinhentos e oitenta euros e vinte cêntimos) e de €80.000,00 (oitenta mil euros), respetivamente, ascendendo o montante máximo assegurado a €79.341,68 (setenta e nove mil, trezentos e quarenta e um euros e sessenta e oito cêntimos) e a €104.512,00 (cento e quatro mil, quinhentos e doze euros), respetivamente, conforme apresentações nºs 70 e 71, respetivamente, de 12 de Setembro de 2006.
38. Na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão consta descrito sob o nº …/20150417, o prédio urbano, sito no Lugar do …, da freguesia de ..., do concelho de Vila Nova de Famalicão, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 2….
39. Esse prédio foi adquirido pela embargante/executada a J. C. e M. M., por doação com subsequente partilha em vida.
40. O prédio referido em 38. encontra-se onerado com um usufruto a favor dos mencionados J. C. e M. M..
41. Na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão consta descrito sob o nº …/19990517, o prédio urbano, sito na freguesia e concelho de Vila do Conde, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….
*
B- Factos Não Provados:

Não se provaram outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente:

a) que a embargante/executada Maria fosse dona de outros bens cujo valor patrimonial se aproxima do valor do crédito exequendo, designadamente, o prédio referido sob o nº 41, dos factos provados;
b) que o valor patrimonial desse prédio ascendesse à quantia de €32.570,00 (trinta e dois mil, quinhentos e setenta euros);
c) que o executado M. C. se encontrasse há anos ausente em parte incerta;
d) que a embargante/executada, em Dezembro de 2002, pagasse a última prestação respeitante ao escrito particular referido sob o nº 3, da factualidade assente;
e) que a embargante/executada, na sequência do mencionado em d), nada ficasse a dever ao, então, “BANCO ... – Banco ..., S. A.”;
f) que devido à relação de confiança existente entre esta instituição bancária, em concreto, o balcão de ... e a embargante/executada, a identificada Maria, ingenuamente, não insistisse pela devolução (ou inutilização na sua presença) da «livrança» referida sob o nº 2, da factualidade provada;
g) que o executado, em finais de 2002, se dirigisse à embargante/executada e colhesse a sua assinatura num documento com o timbre do “BANCO ... – Banco ..., S. A.”, alegando que se destinava a pedir o recibo da liquidação do empréstimo a que respeita o escrito particular referido sob o nº 3, dos factos provados;
h) que a embargante/executada nunca abrisse, nem movimentasse a conta-corrente caucionada a que se alude nas missivas referidas sob o nº 22, da factualidade assente;
i) que na sequência dessas cartas, o “BANCO ... – Banco ..., S. A.” se recusasse prestar esclarecimentos à embargante/executada, designadamente, sobre a origem da dívida;
j) que os negócios da embargante/executada e do executado cessassem antes de 2005;
k) que a data referida sob o nº 19, da factualidade provada, correspondesse ao dia 23 de Abril (de 2005);
l) que seguidamente ao preenchimento da «livrança» referida sob o nº 2, dos factos provados, o embargado/exequente inteirasse a embargante/executada do sucedido, quer verbalmente, quer por escrito;
m) que na sequência do mencionado em l), aquela Maria nunca se insurgisse, só o tendo feito com a oposição do presente apenso;
n) quaisquer outros factos para além dos descritos em sede de factualidade provada, que com os mesmos estejam em contradição ou que revelem interesse para a decisão a proferir.

IV - Fundamentação de Direito

A - Da prescrição

A embargante invoca (apenas) a prescrição do direito cambiário (não do direito substantivo que lhe está subjacente, com prazo em regra mais longo), recorrendo para tanto ao artigo 70º da LULL.

Vejamos.

O título executivo dado à execução é uma livrança.
Esta constitui um título de crédito, beneficiando dos seus atributos típicos, como a abstração, a literalidade e a autonomia, contendo de característico a promessa pura e simples por uma pessoa de pagar a outra determinada quantia (artigo 75º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças - LULL).
Os princípios da literalidade, abstração, autonomia e independência que vigoram no regime a que se sujeitam os títulos de crédito, determinam que o direito cartular incorporado no título se define pelo que consta desse título, com autonomia em relação à relação jurídica que lhe subjaz, o que lhe deu enorme importância no âmbito do direito comercial e comércio internacional.
O regime dos títulos de crédito está regulado na Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças, estabelecida pela Convenção Internacional de Genebra assinada em 7 de Junho de 1930, aprovada em Portugal pelo Decreto-Lei n.º 23 721, de 29 de Março de 1934 e com doutrina vinculada para os estados contratantes.

Como salienta o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/05/2015, no processo 3070/11.2TBLRA-A.C1 (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada, mês/dia/ano): A Convenção não só nada estabeleceu quanto às causas de interrupção da prescrição das ações cambiárias, como explicitamente relegou para a legislação nacional de cada estado contratante a regulamentação de tal matéria e a faculdade de determinar as condições a que se subordina o respetivo conhecimento, pelo que, excetuando o que se refere à duração do tempo necessário para a prescrição, a lei cambiária não derroga as demais normas gerais de direito civil relativas a esse instituto.”

A prescrição tem como fundamento, genericamente, a ideia que a inércia do titular no exercício do seu direito permite que se lhe retire efetividade, visto que interessa ao Direito obter a paz social, impedindo a perpetuação de conflitos, que desta forma promove, ao definir um tempo limite, findo o qual o titular já não o pode exigir. Tem, em regra, como efeito direto a transformação da obrigação numa obrigação natural: atribui ao devedor a faculdade de recusar o respetivo cumprimento. Pode operar fazendo presumir o cumprimento (a prescrição presuntiva) ou só atribuindo ao devedor a possibilidade de recusar o cumprimento e de se opor ao exercício do direito (a prescrição extintiva), tudo como decorre dos artigos 298º, 304º, 312º, 318º a 322º e 323º a 326º do Código Civil.
As características dos títulos cambiários, que dão maior tutela aos princípios da aparência e confiança, bem como a exigência de maior celeridade que advém da sua inserção no direito comercial, levam a que se tenham estipulado prazos mais curtos de prescrição para a obrigação cartular, comparativamente com os que são estipulados para as obrigações comuns, mas também que se releve com mais premência a sua literalidade.
A LULL regula a prescrição da letra de câmbio nos artigos 70º e 71º.

Dispõe o artigo 70.º da LULL (aplicável à livrança ex vi artigo 78º deste diploma), no que toca aos prazos de prescrição, que todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.
É clara a letra da lei quanto ao momento a atender para a contagem do prazo: a data do vencimento da letra (ou da livrança).
Ora, como resulta da matéria de facto provada, a data de vencimento aposta na livrança foi de 20 de Janeiro de 2017, tendo a execução sido instaurada no dia 23 de Janeiro de 2017 e a citação da embargante ocorrido em 27 de Fevereiro de 2017. Assim, à data em que se interrompeu o prazo de prescrição (com a citação ou nos cinco dias subsequentes à da instauração da execução, nos termos do artigo 323º nºs 1 e 2 do Código Civil) não havia decorrido o prazo prescricional nos termos em que é estipulado nesta norma.
Pretende, no entanto, a embargante que o prazo se conte de outro momento: “da data em que a recorrente terá, alegadamente, entrado em incumprimento”, por ser então que o exequente entrou em condições para exercer o seu direito cambiário e não o fez, dando início à contagem do prazo prescricional.
Cita, em seu benefício, acórdão proferido no processo 1179/17.8BELSB, de 08/06/2018. No entanto da sua simples leitura verifica-se que o mesmo não se enquadra no âmbito da matéria aqui em discussão: aqui o problema centra-se na prescrição dos direitos cartulares constantes dos títulos cambiários, a que se refere a LULL, no referido acórdão a questão conectava-se com o prazo de prescrição ordinária das obrigações, de 20 anos e o campo das garantias bancárias.
É certo que não são desconhecidos acórdãos no sentido pugnado pela Recorrente, podendo-se mencionar, por recente, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 06/11/2019, no processo 5046/16.4T8CBR-A.C1, fundando-se no entendimento que a boa-fé determina que a livrança seja preenchida logo com a resolução do contrato incumprido, no seguimento de doutrina nesse sentido, salientando-se Carolina Cunha, no Manual de Letras e Livranças, Almedina, 2016, págs. 205-206, que “(…) não é correto afirmar que o credor tem a faculdade de indicar livremente a data de vencimento a apor no título: está vinculado, quanto a esse parâmetro como quanto aos outros, pelo que resulta do acordo de preenchimento. E se é verdade que não está propriamente obrigado a preencher o título no exato momento em que procede a resolução do contrato fundamental por incumprimento, a verdade é que impende sobre si o ónus de o fazer com alguma brevidade, sob pena de, decorridos (no máximo) três anos sobre esse instante perder definitivamente a possibilidade de exercitar o direito cambiário. Se persistir em preencher e/ou accionar o título para lá desse limite temporal, indicando uma data de vencimento posterior, incorre em preenchimento abusivo e culposo nos termos do art. 10.º da LU e, por referência à data de vencimento correta, o direito cambiário deve considerar-se prescrito.”

No entanto, entendemos, na senda, aliás, quanto à conclusão final, da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça (1), que não é possível confundir os comportamentos exigidos pelas regras da boa-fé (sendo que estas regras não serão tão estritas que retirem toda e qualquer flexibilidade ao exercício do direito, com a fixação de uma data rígida para o preenchimento) com o momento em que se começa a contar a prescrição. São figuras distintas, com diferentes objetivos, que não estão ligadas (a primeira tem em vista regras de conduta no exercício dos direitos, na justiça do caso concreto, a segunda aos efeitos do tempo no próprio direito, de modo quase mecanicista). Enfim, não é pelo recurso ao instituto da prescrição que é possível salvaguardar os princípios da boa-fé objetiva nas concretas relações jurídicas: para isso existe o instituto do abuso de direito, havendo que buscar os seus pressupostos no caso concreto para a sua aplicação. (2)
A embargante pretende beneficiar do prazo mais curto de prescrição estipulado para os direitos cartulares, apontando apenas e diretamente ao direito cartular.
Ora, estando em causa este direito, onde pontifica a literalidade e a abstração, não se lhe pode aplicar o regime construído para a obrigação material e subjacente, cujo prazo de prescrição, quer no que toca ao capital, quer no que toca aos próprios juros, é mais alargado. Aí, sim, fora do âmbito do direito cartular, é que será possível reportarmo-nos à génese da obrigação e ao momento em que a mesma podia ser exigida (momeadamente pelo preenchimento da livrança). Como tão bem se sintetiza no acórdão de 01/10/2019 proferido no processo 21800/16.4T8PRT-A.P1 (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano: “Os princípios da literalidade e da abstração que enformam o direito cartular e imprimem carácter aos direitos e obrigações cartulares conduzem a que esses direitos possuam as características que resultam do próprio título e dos dizeres do título, devendo ser exercidos em conformidade com elas.”

Assim, é claro que “enquanto a livrança não for preenchida e nela inserida a data de vencimento, não começa o prazo de prescrição da obrigação cambiária referido no artº 70º, ex vi do artº 77º, ambos da LULL, o qual conta-se a partir da data constante do título como sendo a do seu vencimento, porquanto só com a aposição do montante titulado e da data de vencimento é que a subscritora e seus avalistas passam a ser considerados como devedores perante o portador da livrança.” (3)
A questão do preenchimento abusivo da livrança ou do abuso do direito no preenchimento da mesma é já questão que não se relaciona com a prescrição do título cambiário enquanto tal, mas sim, na análise do direito subjacente, de que infra se tratará.

Improcede, pois, o recurso nesta vertente.
*
.B- Da cognoscibilidade da inexigibilidade da obrigação por falta de resolução contratual e consequente violação do pacto de preenchimento.

A Recorrente afirma agora, relacionando-o ainda com a inexigibilidade da obrigação, que o preenchimento da livrança dependia do exercício do direito de resolução contratual consubstanciado numa interpelação escrita à Recorrente, a qual não ocorreu. Traz, no seu recurso, questão que não havia sido aflorada na sua petição de embargos, nem em qualquer um dos articulados dos autos.

Visto que nos encontramos no âmbito das relações imediatas, é possível analisar a relação subjacente e a violação do pacto de preenchimento, mas tão só e na medida em que foram colocados em causa pela embargante na sua petição de embargos.

Nessa petição, a Recorrente invocou que a livrança foi abusivamente preenchida, quer porque a embargante já havia pago a quantia mutuada (o que se não provou), quer porque foi preenchida já muito tardiamente, mais de onze anos depois da dívida se ter vencido. Estas questões não se confundem com a agora levantada, de falta de vencimento da dívida, por ainda se não ter resolvido o contrato de mútuo.

Com efeito, nesse articulado, a ora Recorrente alegou ter tido conhecimento da carta de fevereiro de 2006, mencionada no ponto 22 da matéria de facto provada remetida ao co-obrigado e aceita o vencimento da dívida (caso não a tivesse pago), reportando-o a data anterior ao seu divórcio, não pondo quaisquer entraves ao preenchimento da livrança senão em função do longo período de tempo decorrido entre a constituição da obrigação e a data aposta na livrança.
E nessa sequência também o embargado não se pronunciou expressamente na contestação sobre a resolução (ou não renovação) do contrato de mútuo por documento escrito (a que se refere também a missiva dirigida à embargante de 28 de dezembro de 2016, por esta não rececionada, afirmando que o mesmo fora denunciado), limitando-se a impugnar as posições expressas naquele articulado.
A oposição à execução por meios de embargos à execução (que já tiveram o nome de embargos de executado) constitui uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado, incidental em relação à execução, correndo por apenso à mesma, valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir.
A causa de pedir consiste nos fundamentos de que se faz proceder o efeito pretendido, traduzida em factos concretos, mas correlacionados com a sua significação normativa.
Tem-se entendido que a falta de dedução de uma ação incidental à execução para discussão do crédito exigido na execução não traz qualquer preclusão para o executado (4).
Sendo ainda claro, face ao disposto no artigo 732º nº 5 do Código de Processo Civil que se o executado escolher deduzir oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito, a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, há que concluir que essa decisão obriga o embargante (de executado) a concentrar na defesa que apresente todos os meios que lhe eram disponíveis (5). Enfim, o executado é livre de apresentar os embargos à execução; se o não fizer, pode mais tarde defender-se, invocando o enriquecimento ilegítimo do exequente com os fundamentos que entenda, mas não pode, quando decida apresentar embargos à execução, face à finalidade que lhes é dada, sendo como que uma contra-ação à execução, como se uma contestação fosse, desvirtuar a sua função, não concentrando na petição de embargos todos os meios de defesa que detenha contra o invocado direito de crédito.

Assim, também na “oposição à execução o embargante tem o ónus de concentrar na sua petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado (isto é, que podem justificar a concreta exceção deduzida). A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados nessa petição”, como se escreveu no já citado acórdão do processo 751/16.8T8LSB.L2.S1. Entendemos ser este o caminho a seguir, por fazer jus à natureza como que híbrida dos embargos (tem a função de uma oposição ao exercício de um direito, mas são uma ação) e ao princípio da segurança na definição do direito que está subjacente à força legal que é dada à sentença dos embargos.

Mas mesmo que assim se não entendesse, permitindo-se a invocação de novas exceções ao direito de crédito invocado em nova ação declarativa, sempre por via da obrigação imposta aos demandantes trazida pelo disposto no artigo 552º nº 1 alínea d) do Código de Processo Civil, correlativo do princípio do dispositivo, de que o artigo 5º nº 1 do Código de Processo Civil é afloramento (“Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”), essencial para o efetivo exercício do contraditório e da responsabilidade das partes, de “Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação”, estaria a embargante inibida de, nesta fase, trazer esta nova razões de facto e de direito que fundamentaria a sua pretensão, logrando que fosse conhecido facto que não invocou (o contrato de crédito não ter sido resolvido ou não ter sido objeto de declaração de não renovação) e no qual não estribou a sua oposição ao título.

Com efeito, o nosso Código de Processo Civil, que deu maior primazia à estabilidade do objeto da instância, apenas permitindo, na falta de acordo, que a causa de pedir seja alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor (cf. artigo 265º nº 1), não admite que venham a ser conhecidos novas causas de pedir em sede de recurso (exceto se forem de conhecimento oficioso), que não haviam sido apresentadas em sede de articulados.

Na medida em que a oposição à execução é o meio idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção, o termo do prazo para a sua dedução faz precludir o direito de os invocar no processo executivo, a exemplo do que acontece no processo declarativo. A preclusão do direito de invocar outras exceções opera no âmbito do processo executivo, sendo inadmissível a posterior dedução de nova oposição, salvo quando ocorra fundamento superveniente (art. 728º-2)” cf acórdão de 10/16/2018 no processo 158/14.1TBCBR.C1.

É jurisprudência praticamente unânime que “no âmbito de uma livrança emitida em branco, incumbe aos obrigados cartulares, no domínio das suas relações imediatas com o portador daquela, alegar e provar a violação do respetivo pacto de preenchimento, como decorre do disposto no art. 10º, a contrario sensu, aplicável ex vi do art. 77º ambos da LULL e do art. 378º do CC” (6)

O abuso do preenchimento constitui exceção de direito material; esta tem que ser invocada pelo embargante mediante a alegação de factos que caracterizem uma desconformidade entre o pacto e o que ficou a constar do título. (7)

Ora, não tendo a embargante na sua petição afirmado que era pressuposto do válido preenchimento da livrança a denúncia do contrato de mutuo e que este não tinha sido denunciado, antes afirmando que havia já pago todos os montantes que lhe haviam sido mutuados, tendo direito à devolução do título (que apenas por ingenuidade em 2006 não exigiu), não pode agora, pretender com factos contraditórios ao que ali sustentou – que o contrato se mantém em vigor – afastar a exequibilidade da obrigação.
Os impedimentos que colocou à exigência do crédito e ao preenchimento da livrança em função do longo período de tempo decorrido entre a constituição da obrigação e a data aposta na livrança serão, pois, infra tratados em sede de abuso de direito.
Com efeito, não é invocada qualquer menção no pacto de preenchimento que traga limite temporal ao recurso à livrança, nem no pacto escrito resulta tal ideia, sequer implicitamente, uma vez que recorre à expressão “uma livrança por vós subscrita, livrança essa cujo montante e data de vencimento se encontram em branco para que o Banco os fixe, completando assim o preenchimento deste título de crédito no momento em que achar conveniente e proceder ao seu desconto, o que fica desde já expressa e inequivocamente autorizado”.
Assim, não é possível dar procedência ao recurso com base na falta de declaração de não renovação do contrato.

.C- Da inexigibilidade da obrigação por falta de interpelação da Recorrente

- A recorrente, invocando não ter recebido as missivas enviadas pelo banco ao executado em novembro de 2005 e em fevereiro de 2006 e não lhe ter sido apresentada a livrança a pagamento, vem pugnar pela inexigibilidade da obrigação exequenda, por não ter sido interpelada para o pagamento da quantia vencida.
Por força do disposto no artigo 713º do Código de Processo Civil a execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo.

Como defende José Lebre de Freitas, (Direito Processual Civil II, ação executiva, 2ª ed, Vega, pag 39), não há que confundir exigibilidade com vencimento, nem com mora do devedor.
A obrigação pura, cujo devedor ainda não foi interpelado não está vencida e, no entanto, é exigível (C.Civ., artigos 777-1 e 885-1).Por outro lado, pode a obrigação ser exigível e estar vencida e, no entanto, não haver mora do devedor: basta que tenha ocorrido mora do credor….”
Assim, esclarece que a obrigação é exigível quando se encontra vencida ou quando o seu vencimento depende de simples interpelação do devedor (quando é pura), concluindo que não é exigível quando, não tendo ocorrido o seu vencimento, este não depende de mera interpelação, enumerando os seguintes casos: (1) uma obrigação com prazo certo que ainda não ocorreu, (2) uma obrigação cujo prazo é incerto e a fixar pelo tribunal, (3) uma obrigação sujeita a condição suspensiva que ainda não se verificou; (4) uma obrigação cujo credor não satisfez a sua contraprestação.

No presente caso importa verificar se o exequente podia exigir o pagamento da quantia exequenda na data da instauração da execução, porquanto, como se viu, a mera falta de interpelação não é por si, sem mais, elemento imposto pela lei para se concluir pela exigibilidade da obrigação.

Desta forma, embora não seja totalmente pacífico, tem sido entendimento generalizado que o princípio traduzido no artigo 610º nº 2 alínea b) do Código de Processo Civil (anterior 662º, nº 2, alínea b)) se mantém no âmbito do processo executivo. (8)

Assim, se a obrigação já era devida no momento em que foi instaurada a execução, mas a sua exigibilidade apenas estava dependente da simples interpelação da devedora, não é a omissão dessa interpelação que impede a execução, podendo a mesma apenas ter consequências na condenação da exequente no pagamento das custas da execução, caso a devedora prontamente tivesse pago após a citação.
Por outro lado, também não releva o facto de não ter sido peticionado à embargante o pagamento do montante constante da livrança após a sua emissão.
A consequência da falta de apresentação a pagamento no prazo devido, que a lei impõe ao portador, é a da perda dos seus direitos contra os obrigados de regresso, mas esta caducidade não opera perante o aceitante ou, o que é o mesmo, face ao disposto no artigo 78º da LULL, perante o subscritor da livrança, como determina o artigo 53º deste diploma: (“Depois de expirados os prazos fixados: - para a apresentação de uma letra à vista ou a certo termo de vista; - para se fazer o protesto por falta de pagamento; - para a apresentação a pagamento no caso da cláusula «sem despesas»; o portador perdeu os seus direitos de ação contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros co-obrigados, à excepção do aceitante.”

Assim, mesmo que a livrança não tenha sido apresentada a pagamento, tal falta em nada afeta a exequibilidade do título quando apresentado contra o subscritor da livrança ou o aceitante da letra, como é jurisprudência e doutrina ao que se sabe totalmente pacíficas e de que se cita a título de exemplo o seguinte sumário constante do acórdão proferido em 10/20/2009, no processo 119/05.1TBMTJ-A.L1-7: “I – A apresentação a pagamento é um conceito jurídico que, em termos factuais, se exprime pela exibição do título perante o devedor principal na data em que deve ser pago e pela reclamação do seu pagamento no dia do seu vencimento ou nos dois dias úteis seguintes. II – A decisão que considerou como facto assente não ter havido apresentação do título a pagamento tem de ser considerada como não escrita, nos termos impostos pelo art. 646º, nº 4 do CPC.III – A falta de apresentação do título a pagamento não importa, entre o subscritor da livrança e aquele a quem é feita a promessa de pagamento nela inserta, a perda dos direitos deste sobre aquele por se estar no âmbito das relações imediatas.”

Carece, assim de procedência a invocação da inexigibilidade da obrigação exequenda, por falta de interpelação para o pagamento da quantia vencida.
*
D - Do abuso do Direito

Entende a Recorrente que o exequente agiu em abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium, ao preencher a livrança, porquanto, sendo desta portador desde 13 de novembro de 2000 e fixando-se o incumprimento em data não posterior a 11 de novembro de 2005, a Recorrente não recebeu nenhuma das missivas interpelatórias que lhe foram enviadas e o título não lhe foi apresentado a pagamento, tendo deixado correr 12 anos desde a data do alegado incumprimento até à cobrança judicial do título, criando-lhe a confiança que tal direito não seria feito valer, aumentando em muito o montante dos juros devidos.
Há, pois, que verificar se se podem considerar preenchidos os requisitos deste instituto, verificado que já foi que o pacto de preenchimento, no seu sentido literal, não foi violado.

Decorre do artigo 334º do Código Civil a sujeição do exercício de um direito aos “limites impostos pela boa-fé, pelos bons costume ou pelo fim social ou económico desse direito”, exigindo-se, em regra, que o abuso seja manifesto, “clamorosamente ofensivo da justiça”.

Pretende-se evitar que o titular do direito exceda manifestamente as fronteiras que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitimam a concessão desse poder, mesmo que o seu comportamento as respeite formalmente.

É também norma chamar á colação o Prof. Baptista Machado, in “Obra dispersa”, vol I, págs. 415 a 418, “o efeito jurídico próprio do instituto só se desencadeia quando se verificam três pressupostos:

1. Uma situação objetiva de confiança; uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura;
2. Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, tome disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada;
3. Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá proteção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico”.

Em termos genéricos pode dizer-se que existe abuso do direito sempre que o seu exercício se revela injusto num determinado caso concreto, atentas as circunstâncias ou particularidades da situação.
Mas este instituto só opera em casos excecionais, visto que ocorre aquando do exercício de um direito.
Dentro das classificações que a doutrina tem procedido relativamente aos tipos de comportamentos em que se revela esta figura do abuso do direito, realça-se nesta sede, por mais pertinentes, o exceptio doli, em que se encontra um comportamento fraudulento do titular do direito como fonte do mesmo; o venire contra factum proprium, em que, através da prática de atos contraditórios, se frustam as expectativas da contraparte, a qual legitimamente e razoavelmente confiou em comportamentos do titular do direito; a inalegabilidade, que consiste em impedir que uma pessoa se prevaleça da nulidade de um negócio jurídico causada por vício de forma, a supressio que se traduz no não exercício do direito durante um lapso de tempo de tal forma longo e em tais circunstâncias que crie na contraparte a representação de que esse direito não mais será exercido e o exercício em desequilíbrio, quando a vantagem dele resultante para o titular é mínima e desproporcionada face ao sacrifício de outrem.
Tem sido aceite que o abuso do direito na vertente do “venire contra factum proprium” apenas opera se se descobrir que a pessoa impedida de exercer o seu direito teve um comportamento ofensivo do nosso sentido ético-jurídico, clamorosamente oposto aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica e nas relações entre as partes e que o lesado efetuou, por causa dessa manifestação, um investimento de confiança, fundado na expectativa lícita ou legítima, de que tal exercício não ocorreria.

O abuso de direito na sua vertente de “venire contra factum proprium”, pressupõe que aquele em quem se confiou viole, com a sua conduta, os princípios da boa fé e da confiança em que aquele que se sente lesado assentou a sua expectativa relativamente ao comportamento alheio.”, como tão explicitamente se disse escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/19/2017, no processo 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1, o qual, em situação com paralelismos face à presente, concluiu, no seu sumário, que “O preenchimento de uma livrança, entregue em branco ao credor quanto ao montante e data de vencimento, decorridos mais de doze anos sobre a data da constituição da obrigação e mais de sete anos sobre a declaração de insolvência da sociedade subscritora da livrança, e a instauração da ação executiva contra a avalista desta sociedade, só por si, não consubstanciam fundamento bastante para o reconhecimento do abuso de direito previsto no artigo 334º do Código Civil, na modalidade de "venire contra factum proprium".

Da mesma forma exige-se também como regra “um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma conduta na base ao factum proprium, de tal modo que a destruição dessa actividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara”. (9)
Embora a Recorrente remeta para a figura do venire contra factum proprium é patente que a vertente do instituto do abuso do direito que aqui melhor se adaptaria é a suppressio, a qual “abrange manifestações típicas de “abuso do direito” nas quais uma posição jurídica que não tenha sido exercida, em certas circunstâncias e por certo lapso de tempo, não mais possa sê-lo por, de outro modo, se contrariar a boa-fé.” (10)
“Esta outra variante do abuso de direito funda-se na tutela da confiança e na boa-fé. O que a distingue do venire contra factum proprium é a ausência de factum (conduta anterior), bastando o decurso de um período de tempo significativo susceptível de criar à contraparte a fundada expectativa de que o direito não mais será exercido. Assim, o comportamento reiteradamente omissivo da parte que poderia exercer o direito, seguido, ao fim de largo tempo, de um acto comissivo com que a contraparte legitimamente já não contava, constitui abuso de direito na modalidade da supressio.” (11)
A penalização da inércia por parte do titular do direito em exercê-la, por determinado período de tempo já se encontra efetivada pela prescrição, com prazos certos e seguros, que permitem que se considere que o devedor, em situações que não goze de partilhares contornos, saiba que enquanto não decorrer esse período de tempo não pode contar com a extinção ou paralisação do direito apenas por força do decurso do tempo sem ter sido impelido a pagar e que o credor conte com esse período para poder decidir se deve ou não exercitar o direito. Assim, pretendendo-se com a suppressio tutelar a crença do devedor no sentido em que o direito não seria exercido, há que exigir razões objetivas suplementares que justifiquem tal confiança, não podendo bastar-nos com o simples decurso do tempo.

Por outro lado, para que se possa impedir o titular da posição jurídica favorável de exercer o seu poder, pelo decurso do tempo, fora do instituto da prescrição ou caducidade, legalmente estipuladas, há que encontrar uma consequência que justifique essa inibição, a qual se tem que traduzir numa ofensa grave não querida pelo direito na esfera jurídica da parte passiva. Por fim, para que as circunstâncias que justificam a confiança do obrigado no não exercício do poder pelo seu beneficiário possam ser opostas a este último, impedindo-o de o gozar, as mesmas não lhe podem ser totalmente estranhas, (mesmo que não lhe sejam imputáveis, impõe-se que delas, pelo menos, tenha ou deva ter conhecimento).

Não há razões para, na suppressio (que se baseia numa conduta omissiva menos grave em regra que as condutas ativas), em que está em causa a omissão do credor em exercer o seu direito em determinado período, sem exceder aquele que as normas da prescrição entendem ser ainda admissível, prescindir das demais circunstâncias exigíveis para que opere o abuso do direito na vertente do venire contra factum proprium, por gerais a todo o instituto: que a justificação da confiança seja imputável ao credor (ou pelo menos fundada em factos que lhe não são alheios ou que deles deva ter conhecimento) e que tenha ocorrido um investimento de confiança ou pelo menos, um prejuízo que, não fosse a passividade do credor, o devedor não teria. (12)

Temos, assim, por claro, que não basta o mero decurso de um longo período de tempo entre o momento em que um crédito é exigível e aquele em que é exigido pelo credor para que se possa desde logo concluir pelo abuso do direito, seja na perspetiva do venire contra factum proprium (tendo em atenção que a omissão se pode ainda considerar como um comportamento do agente), seja na da suppressio (focada diretamente no não exercício do direito). “O simples decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é suscetível de, sem mais, criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.”, como se explicou no citado Acórdão proferido no processo 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1.

Também Menezes Cordeiro (13) expressa um conjunto de condições que justificam a aplicação desta figura:

“— um não-exercício prolongado;
— uma situação de confiança, daí derivada;
— uma justificação para essa confiança;
— um investimento de confiança;
— a imputação da confiança ao não-exercente.

O quantum do não-exercício será determinado pelas circunstâncias do caso: o necessário para convencer um homem normal, colocado na posição do real, de que não mais haveria exercício. A justificação será reforçada por todas as demais circunstâncias ambientais capazes de conformar essa convicção, legitimando-a.”

Quanto ao investimento da confiança, pode entender-se que este ainda pode ser encontrado quando, analisada a situação, se verifica que o atraso no exercício desse direito causa ao devedor prejuízos que este não sofreria se o direito fosse exercido sem a delonga e que justificariam o seu cumprimento imediato, caso o mesmo não tivesse sérias razões para crer, face às circunstâncias, que o credor não o viria a exercer posteriormente.

Vejamos, se no presente caso se conseguem encontrar tais circunstâncias:

- Em novembro de 2000 a Recorrente e o seu então marido subscreveram uma livrança em branco para garantia de um mútuo concedido pela entidade bancária, que foi denominado “crédito em conta corrente sem caução curto prazo”, destinado a reforço de tesouraria, no valor de dois milhões de escudos, acordando que o extrato da conta emergente do empréstimo seria documento bastante para a prova da dívida e fixando como prazo 90, prorrogáveis por igual tempo, salvo se qualquer das partes solicitar a sua denúncia por escrito com a antecedência de 30 dias em relação ao termo do prazo, acordando na taxa e juros.
-Este acordo foi prorrogado em 11 de novembro de 2001, mediante subscrição de documento subscrito pela Recorrente e o executado, com alteração da taxa de juros.
- Em 4 de novembro de 2002 o banco declarou aceitar a prorrogar e reforçar em 24,04 € a facilidade de crédito, tendo sido aposto por outrem que não pela executada assinatura nesse documento sob a menção “damos o nosso acordo”.
- O incumprimento vencido imputado pelo exequente ocorreu após esta data, perfazendo o capital em dívida 9.000,00 €.
-Em 11 de novembro de 2005 o Banco enviou carta registada com aviso de receção comunicando à embargante o vencimento antecipado das obrigações, mas que esta não recebeu e em 2006 o banco remeteu cartas ao executado e à embargante, exigindo o pagamento, por cartas que esta também não rececionou (mas tendo conhecimento da remetida ao co-executado).
- A livrança foi preenchida pelo exequente, apondo-lhe a data de vencimento de 20 de janeiro de 2017 e pelo montante de 20.535,02 € e apresentada à execução no dia 23 desse mês.
Sem maiores pormenores factuais, que se não alegaram nem demonstraram, não pode considerar-se que o facto de ter sido apresentado ao mutuante documento para alteração das condições da prorrogação do mútuo que a embargante não assinou (de 2002) é razão objetiva suplementar que justifica a confiança da executada no não exercício da livrança, porquanto se não provou que a embargante havia pago o que fora creditado no âmbito da prorrogação que assinou (os termos constantes dos escritos de 2000 e 2001). Isto é, nada permite que se considere que a embargante não beneficiou do montante creditado e logo não pode considerar-se esse facto para que se considere que esta confiava que não devia ser responsabilizada por esse pagamento. A confiança da Recorrente de que aquela quantia não lhe seria exigida não se funda em qualquer razão séria e objetivada, nem as circunstâncias do caso apoiam tal crença.

Quanto às consequências gravemente ofensivas para a Recorrente, decorrentes da omissão do exercício do direito por tão longo tempo, apenas se podiam encontrar no avolumar dos juros, pelo que não se vê que se pudesse impedir ao exequente o exercício do direito a exigir o capital, com esse fundamento.

Não se pode afirmar que a Recorrente não conhecia a dívida (e que tal era do conhecimento do credor, pelo que não se pode afirmar que este tinha o dever de a advertir da existência deste crédito). Assim, mesmo quanto aos juros, considerando que a lei consagra prazo mais curto para a sua prescrição, (a que a embargante não recorreu, nada aflorando quanto á prescrição do direito substantivo, a que tinha acesso, por estarmos sempre dentro das relações imediatas), também não se vê qualquer excesso na sua exigência, nomeadamente por não haver elementos para considerar o seu valor desmedido face ao “preço do dinheiro”.
Enfim, as circunstâncias do caso não indiciam qualquer violação pelo credor exequente dos princípios da boa-fé e da confiança que enformam a relação jurídica que o une à embargante e justificaram, quer a celebração do contrato de mútuo, quer a entrega da livrança em branco, pelo que também neste aspeto há que sufragar a sentença recorrida.

V - Decisão:

Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente, e em consequência mantém-se a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Guimarães, 26 de setembro de 2019

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes



1. cfr realçando tal uniformidade o acórdão o Supremo Tribunal de Justiça de 07/04/2019, no processo 4762/16.5T8CBR-A.C1.S1.
2. Também criticando a acoplação do termo a quo da prescrição com a data da exigência da obrigação subjacente cf acórdão de 1025/18.5T8PRT.P1 de 01/07/2019: “ainda que seja discutível a opção legislativa, em particular do ponto de vista do obrigado cambiário que fica sujeito ao direito potestativo do portador de preencher o título em branco, certo é que, de facto, de iure constituto não mostra consagrada essa limitação temporal. Por outro lado, em nosso ver, e para o que ora releva, a emissão de um título em branco (cujo vencimento virá a ocorrer em momento posterior e não determinado à partida) não é equiparável à emissão de um título completo quanto aos seus elementos essenciais, nomeadamente quanto à data do seu vencimento.”
3. , como se escreveu o Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido em 10/19/2017, no processo 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1).
4. cf, entre muitos outros, os acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça de 04/04/2017, no processo 1329/15.9T8VCT.G1.S1, do Tribunal da Relação de Guimarães de 10/06/2016, no processo 998/15.4TBRG.G1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/24/2015, no processo 253-14.7YXLSB.L1-2, do Tribunal da Relação de Coimbra de 01/21/2014 no processo 1117/09.1T2AVR.C1, e do Tribunal da Relação do Porto de 02/06/2007 no processo 0720269.
5. Esta posição não é pacífica. Neste sentido o recente acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 03/19/2019, no processo 751/16.8T8LSB.L2.S1, mas contra, do mesmo tribunal, o proferido em 02/16/2012, no processo 286/07.0TVLSB.L1.S1 e de 04/04/2017 no processo 1329/15.9T8VCT.G1.S1. citando em seu apoio “Lebre de Freitas, ob. cit., p. 191; Lebre de Freitas, Cadernos de Direito Privado, nº 26, p. 43; Carlos Soares, Themis, nº 7, pp. 241 a 259; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de fevereiro de 2012, processo nº 286/07.0TVLSB.L1.S1, relator Serra Batista, disponível em www.dgsi.pt; acórdão da Relação do Porto de 13 de março de 2014, processo nº 2997/11.6TBMTS.P1, relator Pedro Martins”www.dgsi.pt
6. cf., entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça proferidos no processo 653/14.2TBGMR-B.G1.S2, datado de 12/06/2018 e no processo 779/14.2TBEVR-B.E1.S1, datado de 09/28/2017.
7. cf, entre outros, a título exemplificativo também da pacificidade desta posição, os acórdão de 01/20/2011 no processo 1847/08.5TBBRR-A.L1-6 e o acórdão de 02/20/2019 no processo 8656/17.9T8CBR-A.C1.
8. A titulo exemplificativo, na jurisprudência atual e na doutrina, cf acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09/28/2017, no processo 779/14.2TBEVR-B.E1.S1 “O requisito de exigibilidade da obrigação exequenda, prescrito no art. 713.º do CPC, reveste a natureza de um pressuposto processual inerente à chamada exequibilidade intrínseca daquela obrigação e contempla as obrigações sujeitas a condição suspensiva ou as obrigações sinalagmáticas dependentes de uma prestação do credor ou de terceiro, como se alcança do disposto no art. 715.º, n.º 1, do Código. VIII - Nem tão pouco a falta de interpelação para efeitos de vencimento da obrigação exequenda se inclui naquela categoria de inexigibilidade, já que fica suprida pela citação do executado, conforme decorre dos arts. 805.º, n.º 1, do CC e 610.º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil”, Artur Anselmo de Castro, a ac executiva singular, comum e especial, 3ª ed, Coimbra editora, 1977, p. 59, Castro Mendes. Direito Processual Civil II, pag.83, Jose Lebres de Freitas, Direito Processual Civil II, 2ª ed, Veja, p.39.
9. Embora Menezes Cordeiro in Ordem dos Advogados - Artigos Doutrinais - António Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, p. 11, ainda esclareça que “que os requisitos descritos se articulam entre si nos termos de um sistema móvel, ou seja, não há entre eles uma hierarquia rígida e sendo a falta de algum deles suprível pela intensidade especial que assumam os restantes”,
10. Menezes Cordeiro, obra cit, p.8.
11. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/05/2018 no processo 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1.
12. não exigindo tal investimento de confiança, cf o citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/05/2018, no processo 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1
13. Menezes Cordeiro, obra cit, p. 9