Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1639/22.9T9BRG.G1
Relator: ANABELA VARIZO MARTINS
Descritores: DESPACHO DE PRONÚNCIA
REJEIÇÃO
OMISSÃO DE ELEMENTO SUBJECTIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- Havendo instrução, ao Tribunal de Julgamento não é lícito pronunciar-se sobre a eventual insuficiência fáctica do despacho de pronúncia.
II- Ao Tribunal de Julgamento não é consentido proferir, em relação a processo com despacho de pronúncia, despacho semelhante ao que proferiria nos termos do artigo 311.º nº 2 do Código de Processo Penal perante uma acusação insuficiente, mesmo que entenda que faltem factos.
III- Mesmo que se aceite que a falta de factos tendentes a demonstrar o elemento subjectivo do crime, em qualquer uma das suas facetas (intelectual, volitivo e emocional), não possa ser sanado, em sede de julgamento, com recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do CPP, nem mesmo com recurso ao contemplado no artigo 359.º do CPP, tal como firmado no AUJ do STJ n.º 1/2015, a lei não consente que o Tribunal de Julgamento antecipe o seu juízo de absolvição, nem lhe permite tomar posição antecipada relativamente aos elementos fácticos constantes do despacho de pronúncia.
IV- Só com a realização de audiência de julgamento é que o Tribunal a quo poderia tomar posição acerca da falta do elemento emocional do dolo (falta de consciência da ilicitude, ou seja, de que a sua conduta era proibida e punida por lei) e, nesse caso, se assim o entendesse, absolver o arguido mediante sentença proferida nos termos do artigo 374.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

 I.RELATÓRIO

I.1. Nos autos de processo comum singular nº 1639/22....., que corre termos no Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., no dia 11-10-2023, foi proferido despacho em que se decidiu absolver o arguido relativamente ao crime de denúncia caluniosa, p. p. no artigo 365º, n.º 1, do C. Penal

I.2. Inconformado com este despacho, dele recorreu o asssitente, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões e petitório que a seguir se transcrevem:
“I. No seguimento do processo-crime em epígrafe mencionado, foi o Assistente, aqui Recorrente, notificado do Despacho proferido nos presentes autos,
II. Despacho esse que, irrazoável e inopinadamente, decidiu não realizar Audiência de Discussão e Julgamento, e dessa forma inusitada, absolveu o Arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um Crime de Denúncia Caluniosa, p. e p. pelo Artigo 365.º n.º 1 do Código Penal, pelo qual vinha pronunciado,
III. Sucede, porém, que o aqui Recorrente, de modo algum se pode conformar, quer por razões adjetivas, quer por razões substanciais, com o Despacho então proferido,
IV. Porquanto o mesmo vai ao total arrepio do Direito, da Lei e da Justiça,
V. Motivo pelo qual, vem interpor, aqui e agora, o presente Recurso.
VI. Na verdade, o Despacho recorrido alimenta-se, pura e simplesmente, de uma requintada e inútil complicação de conceitos e teorias não apenas supérfluas, mas também demasiadamente rebuscadas.
VII. E quando, como assim sucede com o Despacho recorrido, o valor dogmático faz questão de inventar a sua própria complexidade e dela se alimenta, o julgador olvida por completo a realidade da vida e profere uma decisão totalmente injusta e deliberadamente dissociada da realidade da vida.
VIII. Como refere, eloquentemente, o Doutor Paulo Ferreira Da Cunha, Professor e Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça, - in Tratado de (In) Justiça, pág. 83 - “A Justiça na sua essência, na sua veste substantiva e na sua veste adjetiva ou processual, exige uma ética de prudência, moderação e comedimento.” (Sublinhado nosso)
IX. E quando essa se ultrapassa, como o fez o Arguido, com a sua dolosa conduta, tem de intervir-se em sede criminal,
X. Como entendeu, e muito bem, a Meritíssima Juíza de Instrução Criminal ao proferir Despacho de Pronúncia, para julgamento, em processo comum, e com intervenção de Tribunal Singular, o Arguido AA pelos factos descritos na Decisão Instrutória, mediantes os quais incorre o Arguido na prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de denúncia caluniosa, previsto e punido pelo Artigo 365.º n.º 1 do Código Penal.
XI. Assim, e face a tal dolosa atuação do Arguido, que se encontra deviamente narrada nos factos descritos na Decisão Instrutória que se consideram suficientemente indiciados, impunha-se decisão diversa,
XII. Isto é, despacho que recebesse o douto Despacho de pronúncia proferido por S/Excelência Meritíssimo Juiz de Instrução, e procedesse à marcação da Audiência de Discussão e Julgamento,
XIII. Como mais do que razoável, e imperativo, era de inteira justiça,
XIV. Senão vejamos:
XV. A necessidade de interposição do presente recurso surge na sequência do Despacho proferido pelo Tribunal de Primeira Instância, que infundada e inopinadamente, para além de entender ser inócua e revelar-se um ato inútil, a audiência de discussão e Julgamento,
XVI. Decidiu absolver o Arguido AA da prática, em autoria material e na forma consumada, de um Crime de Denúncia Caluniosa, p. e p. pelo Artigo 365.º n.º 1 do Código Penal, pelo qual vinha pronunciado.
XVII. Sucede, porém, que em bom abono da verdade, e da justiça, a qual deve imperar em situações como a presente, não se consegue, de forma alguma, compreender a linha de raciocínio adotada pelo Julgador para extrair a conclusão que extraiu,
XVIII. Aliás, face a toda a prova quer carreada em sede de inquérito, quer produzida em sede de debate instrutória, no âmbito da instrução requerida pelo Assistente,
XIX. Não se entende como o Tribunal a Quo, de forma súbita e sem razão aparente, absolve o Arguido do crime pelo qual vinha devidamente pronunciado,
XX. Uma vez que deveria ser realizada Audiência de Discussão e Julgamento e, posteriormente, ser condenado pela prática, em autoria material, e sob a forma consumada, de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo Artigo 365.º n.º 1 do Código Penal,
XXI. Uma vez que, resulta claro, a todas as luzes, de toda a prova carreada e produzida em sede de instrução, que o Arguido, com a conduta descrita, agiu de forma livre, voluntária e conscientes, com o doloso e manifesto propósito concretizado de lesar a honra e consideração do aqui Recorrente,
XXII. Sabendo ele, perfeitamente, que a sua conduta era ilícita e criminalmente punida.
XXIII. Já que, resulta claro, dos autos do processo n.º 592/19...., que o Arguido tinha absoluta e esclarecida consciência da falsidade dos factos por si denunciados naquele processo.
XXIV. E por força de tudo isso, jamais o Tribunal a Quo, poderia, como fez, dispensar a realização da Audiência de Discussão e Julgamento, e muito menos absolver o Arguido da prática do crime pelo qual vinha pronunciado,
XXV. Até porque colide frontalmente com o Despacho de Pronúncia proferido por sua excelência, Meritíssima Juíza de Instrução,
XXVI. A qual, após analisar toda a prova do Inquérito e ordenando a produção de toda a prova invocada e arrolada pelo Assistente,
XXVII. De forma acertada, ponderada e justa, concluiu não só pela existência de indícios da prática do crime por parte do Arguido,
XXVIII. Mas também pelo preenchimento, inequívoco e inquestionável, do elemento subjetivo do ilícito em causa nos autos, e, em particular, pelo preenchimento do dolo,
XXIX. E profere o referido Despacho de Pronúncia após o Exmo. Sr. Procurador da República, em sede de Debate Instrutório, ter pugnado pela pronúncia do Arguido,
XXX. Afirmando, perentoriamente, e sem margem para qualquer dúvida, que se verificava, como se verifica, o preenchimento do elemento subjetivo do tipo de crime de denuncia caluniosa,
XXXI. Porquanto, quer da prova documental, quer da prova testemunhal, resulta claro e a todas as luzes, que o Arguido tinha conhecimento da ilicitude da sua conduta,
XXXII. Melhor, afirmando, perentoriamente, que o Arguido sabia, plenamente, que os factos relatados na queixa-crime por si apresentados nos autos do processo n.º 592/19...., eram falsos e como tal, desprovidos de fundamentação e que não correspondiam à verdade.
XXXIII. E tal factualidade era e é de tal forma evidente, que sua excelência, Meritíssimo Juiz de Instrução, proferiu Despacho de Pronúncia,
XXXIV. Que aqui se da por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
XXXV. O Arguido tinha pleno conhecimento de que os factos que participou em 27 de Julho de 2019 não correspondiam à verdade e, como tal, eram falsos,
XXXVI. O Arguido apresentou a Queixa-Crime com uma descrição factual falsa, totalmente adversa da realidade da qual ele tinha pleno conhecimento real e concreto,
XXXVII. Sabendo, igual e perfeitamente, que estava a denunciar factos que não correspondiam à verdade, e dessa falsa imputação tinha plena consciência,
XXXVIII. Pois estava a denunciar factos suscetíveis de integrarem, em abstrato, a prática de um crime de abuso de confiança, com plena intenção de instaurar uma queixa sobre uma descrição factual que sabia não corresponder a verdade.
XXXIX. Além disso, ficou ainda provado, através dos meios de prova produzidos na instrução, que o Arguido, com a Queixa-Crime apresentada no dia 27 de Julho de 2019, que sabia relatar factos falsos, procurou denegrir e ofender a honra, o bom nome e a dignidade cívica do Assistente, ora Recorrente, seu irmão,
XL. Lançando sobre o próprio irmão a suspeita de ter praticado um facto típico e ilícito contra os próprios pais, tendo a plena consciência e perfeito conhecimento da censurabilidade da sua conduta.
XLI. Nessa conformidade, jamais poderia o Tribunal a Quo, como erradamente fez, concluir pelo não preenchimento do dolo quanto ao seu elemento intelectual,
XLII. E muito menos poderia retirar tal conclusão sem realizar a Audiência de Discussão e Julgamento,
XLIII. Com efeito, ao invés do que seria natural, expectável e imperioso, a Julgadora de 1.º Instância, de forma iniqua, apenas afirma que não se encontra preenchido o elemento subjetivo, o dolo, no seu elemento intelectual,
XLIV. Decidindo que, por força disso mostra-se inútil e despiciendo realizar a Audiência de Discussão e Julgamento como seria normal, razoável e expectável.
XLV. Não tendo, em momento algum, procedido ao exame critico das provas carreadas durante o inquérito e produzidas na instrução requerida pelo Assistente, ora Recorrente,
XLVI. Designadamente e em grave prejuízo do Recorrente, toda a prova testemunhal e documental constante dos autos.
XLVII. Assim, o Tribunal a Quo, na pessoa da Julgadora, olvidando que os Juristas carregam a cruz antropológica da decisão justa e prudente, como refere o Professor José Canotilho, com o Despacho recorrido, proferiu uma decisão que é um claro e inequívoco atentado à justiça material,
XLVIII. Proferindo, desse modo, um Despacho/Sentença a todos os títulos injusta, irreal e deliberadamente dissociada da realidade condizente com as regras da experiência comum e da normalidade da vida.
XLIX. Em bom rigor, como V/Exas., Venerando Juízes Desembargadores certamente decidirão, o Despacho recorrido deverá ser revogado, por encontrar-se manifestamente dissociado da real factualidade, do particular circunstancialismo, que envolve o caso “sub judice”,
L. Revelando-se também contraditória, por ofensiva de toda a lógica, de toda a lógica jurídica, de toda a lógica teleológica.
LI. A manter-se este Despacho/Sentença, o que jamais se concebe, abrir-se-á a porta para que se viole a lei que pretende assegurar o respeito pelos direitos dos visados em denúncias infundadas, feitas com consciência da falsidade e com intenção clara de instauração de procedimento.
LII. E assim o é porque não podem restar dúvidas quanto ao preenchimento do elemento subjetivo do tipo legal de crime em causa nos autos, mormente o preenchimento do dolo, quanto ao seu elemento intelectual.
LIII. E, portanto, nessa conformidade, V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, sufragando todo estes justos entendimentos revogarão o Despacho/Sentença recorrido,
LIV. No qual num geométrico e puro culto de formalismo a juíza de 1.ª Instância se desligou inteiramente da realidade da vida e do sentido desta decidindo em total violação do Direito e da Justiça o caso “sub judice”.
LV. Ou seja, esse Venerando Tribunal da Relação de Guimarães ao fazer, como se impõe, com autonomia o seu próprio juízo de valoração, se irá pautar, com toda a certeza, pela justiça material,
LVI. Não se pautando por uma avaliação supérflua da prova, mas sim por uma avaliação holística da mesma, contextualizada a prova documental e a prova testemunhal.
LVII. Decidirão pela revogação do mesmo, ordenando a realização da Audiência de Discussão e Julgamento, com o normal prosseguimento dos autos.
LVIII. E assim se impõe uma vez que do Despacho de Pronúncia, eloquentemente proferido por S/Excelência, Meritíssimo Juiz de Instrução, resulta que quanto ao elemento subjetivo, ressalta à evidência, não só dos depoimentos prestados pelas testemunhas, que o Arguido, desde ../../2018, muito antes de apresentar a Queixa-Crime, tinha cabal e perfeito conhecimento que o Assistente, ora Recorrente, passou a ser autorizado na conta bancaria titulada pelos pais e que, posteriormente, criou uma conta pessoal, com o propósito de gerir o dinheiro daqueles,
LIX. Tudo isto com o conhecimento e consentimento de todos os irmãos, em particular, do Arguido.
LX. Sabendo, de igual modo, que estava a denunciar factos que não correspondiam a verdade,
LXI. E, dessa falsa imputação, tinha plena consciência,
LXII. Pois estava a denunciar factos suscetíveis de integrarem, em abstrato, a prática de um crime de abuso de confiança, com a plena intenção de instaurar uma queixa crime sobre uma descrição factual que sabia não corresponder à verdade.
LXIII. Ademais, resulta do Despacho de Pronuncia, que com a Queixa-Crime apresentada no dia 27 de Julho de 2019, e com o relato da factualidade ali explanada, que o Arguido sabia ser falsa,
LXIV. O mesmo procurou denegrir e ofender a honra, o bom nome e a dignidade cívica e moral do Assistente, o que logrou,
LXV. Lançando sobre este último a suspeita de ter praticado um facto típico e ilícito contra os seus pais, tendo a plena consciência e perfeito conhecimento da censurabilidade da sua conduta.
LXVI. Nessa conformidade, jamais pode o Recorrente conformar-se com o Despacho recorrido, através do qual o Tribunal a Quo considerou inútil a realização da Audiência de Discussão e julgamento,
LXVII. E, de forma incompreensível, absolveu o Arguido da pratica do crime pelo qual vinha pronunciado.
LXVIII. Tudo isto a significar, de modo claro e paradigmático, que se impõe a revogação do Despacho recorrido, ordenando-se a realização da Audiência de Discussão e Julgamento, como é de inteira justiça.
LXIX. Pois, tendo na devida consideração tudo o supra exposto, e sendo facto notório que não carece de alegação nem de prova, que resulta dos autos suficientemente indiciado que o Arguido agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela Lei Penal,
LXX. E que, por isso, dúvidas não restam que se encontram preenchidos todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime pelo qual vem pronunciado,
LXXI. V/Exas., Venerandos Juízes Desembargadores conforme certamente decidirão, revogarão o Despacho recorrido,
LXXII. Fazendo, só assim, a devida, habitual e sã Justiça Material!”

I.3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua procedência, formulando a final as seguintes conclusões (transcrição):
“1. Por despacho proferido nos presentes autos no dia 26 de Setembro de 2023, foi proferido despacho de pronúncia contra o arguido AA para julgamento em processo comum, perante Tribunal Singular, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime  de denúncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365º, nº 1, do Código Penal.
2. Sucede que, no dia 11 de Outubro de 2023nesse dia, a Mma. Juiz a quo entendeu que o dito despacho de pronúncia não contém a descrição de todos os factos no que concerne ao elemento subjectivo do ilícito, considerando não se poder concluir pela verificação do elemento subjectivo do tipo de crime de denúncia caluniosa, por não ser feita menção ao elemento intelectual do dolo.
3. Por esse motivo, considerou que o despacho de pronúncia descreve uma conduta atípica e, nessa sequência, absolveu o arguido da prática do mencionado ilícito criminal, não realizando a audiência de discussão e julgamento por reputar a mesma um acto inútil.
4. Com efeito, o Tribunal a quo considerou que a ausência da expressão “sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei”, ou outra, equivalente, se reporta a falta de elemento subjectivo, que determina, na sua visão, a impossibilidade de condenação.
5. Contudo, como resulta do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 1/2015, de 20 de Novembro de.2014, quanto ao dolo emocional essa descrição nem sempre carece de constar na acusação/pronúncia, indicando os casos dos crimes de homicídio, ofensas corporais, furto, injúrias. Dando como exemplo concreto o do Acórdão do STJ de 7.10.1992 relativo a um crime de homicídio onde, embora não constasse qualquer referência na matéria de facto ao conhecimento que o arguido teria ou não da proibição legal, foi considerado que “tendo o arguido agido livre e conscientemente com o intuito de tirar a vida ao filho, não podia deixar de desconhecer o desvalor da sua conduta”.
6. Concluindo-se depois que apenas no direito contraordenacional ou penal secundário ou quando se esteja perante novas incriminações não suficientemente solidificadas na comunidade é de exigir o “conhecimento da proibição legal” por parte do agente e consequentemente é obrigatória a narração na acusação desse elemento como forma de realização do dolo do tipo.
7. Plasmou-se em tal aresto, que “A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do CPP », aí se explicitando que “O conhecimento da proibição legal, que não é exatamente equivalente a “consciência da ilicitude” será de exigir em certos casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais e em que, portanto, o conhecimento dos elementos do tipo e a sua realização voluntária e consciente não é suficiente para orientar o agente de acordo com o desvalor comportado pelo tipo de ilícito.
A necessidade de tal exigência faz-se sentir sobretudo a nível do direito contra-ordenacional, do direito penal secundário, relativamente a certas incriminações de menor relevância axiológica, mas também a nível de algumas incriminações do direito penal de justiça, principalmente no que toca à proteção de bens jurídicos cuja consciência se não encontra ainda suficientemente solidificada na comunidade social. Então, faz sentido exigir o conhecimento da proibição como forma de realização do dolo do tipo (…). Na generalidade dos casos, porém, o sentido ou significado da ilicitude do facto promana da realização pelo agente da factualidade típica, agindo com o dolo requerido pelo tipo. Na verdade, em crimes como o de homicídio, ofensa à integridade física, furto, injúrias, pôr a questão de saber se o agente, que atuou conscientemente, representando todas as circunstâncias do facto, e querendo, mesmo assim, a sua realização, atuou ou não com conhecimento da proibição legal, se sabia que matar, agredir fisicamente uma pessoa, subtrair coisa alheia para dela se apropriar, ofender a honra de alguém, era proibido legalmente, seria o mesmo que questionar se ele efetivamente vivia neste mundo ou se não seria uma extraterrestre acabado de aterrar neste planeta, como no filme de Steven Spielberg”.
8. Ora, a situação dos autos é, claramente, um caso em que o próprio Acórdão de Fixação de Jurisprudência reconhece que o conhecimento da ilicitude provém da realização do próprio facto, dada a relevância axiológica do acto ser significativa e estar enraizada nas práticas sociais, sendo desnecessária a prova do conhecimento da proibição para se saber que o acto é ilícito.
9. Ainda que no despacho de pronúncia não se faça menção ao elemento emocional do dolo, do mesmo constam os elementos intelectual e volitivo.
10. Atendendo ao crime imputado ao arguido, entende-se que a locução “o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei” não constitui facto que deva ser autonomamente narrado na acusação, uma vez que estamos perante um crime do direito penal clássico.
11. Nestes casos, a consciência de o agente ter agido bem sabendo tratar-se a sua conduta proibida por lei decorre do preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos do ilícito típico (dolo do tipo: elemento intelectual e volitivo).
12. Factos que urge apurar em sede de audiência de discussão e julgamento.
13. Nesta senda, urge concluir que os factos descritos no despacho de pronúncia em questão preenchem os elementos objectivos e subjectivos do crime de denúncia caluniosa, impondo-se a realização de audiência de discussão e julgamento a fim de comprovar judicialmente se o arguido incorreu na prática do sobredito ilícito criminal.
14. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 9 de Janeiro de 2017, proferido no âmbito do Processo nº 207/14.3T9VNF.G1, disponível in www.dgsi.pt.
15. Por outro lado, existe ainda uma corrente jurisprudencial que entende que a consciência da ilicitude não é sequer elemento integrante do elemento subjectivo do tipo penal, relevando apenas em termos de culpa, nos termos do artigo 17.º do Código Penal.
16. Veja-se, a propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 26 de Junho de 2018, proferido no âmbito do Processo nº 8001/15.8TDLSB.E1.
17. E o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 19 de Dezembro de 2019, proferido no âmbito do Processo nº 219/18.8GCCSLV.E1,
18. E o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13 de Junho de 2018, proferido no âmbito do Processo nº 333/16.4T9VFR.P2.
19. E o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 12 de Março de 2019, proferido no âmbito do Processo nº 251/15.3GESTB.E1, todos disponível in www.dgsi.pt
20. Pelo que, face à divergência dos Tribunais superiores, deveria a Mma. Juiz a quo ter optado pela realização da audiência de discussão e julgamento viabilizando o prosseguimento dos termos do processo, a fim de aferir da matéria de facto dada como provada e não provada e permitir ulterior debate sobre a vertente jurídica da causa.
21. Acresce que, o Tribunal a quo ao absolver o arguido do crime de denúncia caluniosa apenas por não constar a expressão sacramental “o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei” não atendeu ao princípio da proporcionalidade que exige que a gravidade da sanção utilizada reflita a gravidade intrínseca de cada vício – cf. João Correia, Contributo para a Análise da Inexistência e das Nulidades processuais penais, 1999, p. 177.
22. Na esteira do que foi defendido no último aresto referido, “o artigo 358º do CPP, interpretado à luz da regra ou princípio da conservação dos atos processuais inválidos, deve ser visto como meio processual de suprir a omissão verificada na acusação em processo que, não obstante o vício, prosseguiu até à audiência de julgamento.
23. Em primeiro lugar, a nulidade prevista no art.º 283º nº3 b) CPP por falta de narração de algum dos factos aí referidos constitui nulidade dependente de arguição, conforme decorre do princípio da tipicidade das nulidades insanáveis acolhido no art. 119º, corpo, e no art. 120º nº1, ambos do CPP, por não se encontrar incluída em nenhuma das alíneas do art. 119º CPP nem ser prevista como nulidade insanável noutra disposição legal.
24. Tratando-se de nulidade respeitante ao inquérito, a mesma só pode ser arguida até ao encerramento do debate instrutório (quando haja instrução) ou, em alternativa, até 5 dias após a notificação da acusação se não houver lugar a Instrução, nos termos do art. 120º nº3 c) CPP, após o que não pode mais ser arguida. No entanto, prosseguindo o processo sem ter havido instrução, pode ainda ter lugar a rejeição da acusação com fundamento na falta de descrição de factos, nos termos do art. 311º do CPP, mas se não houver lugar a rejeição da acusação, o processo prosseguirá para julgamento. Se houver lugar a instrução e o despacho de pronúncia padecer de vício idêntico, sem que tenha sido arguida a nulidade do despacho de pronúncia com tal fundamento (cf., por todos, A. Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, em anotação ao art. 309º CPP), o processo seguirá inevitavelmente para julgamento, pois o art. 311º CPP não prevê a rejeição do despacho de pronúncia.
25. Em qualquer daquelas hipóteses constatamos, pois, que apesar da persistência da falta de articulação de factos na acusação (ou no despacho de pronúncia) geradores da nulidade relativa cominada no art. 283º nº3 CPP, o processo prossegue para que tenha lugar audiência de julgamento com base na acusação ou despacho de pronúncia viciados, o que decorre do regime das nulidades dependentes de arguição e da possibilidade de sanação que lhes está subjacente, permitindo-se, assim, que a audiência de discussão e julgamento tenha lugar com base em acusação (ou despacho de pronúncia) inválida ou imperfeita.
26. Ora, na lógica do regime das nulidades e, mais amplamente, das leis de processo, o prosseguimento do processo para julgamento com base em acusação (ou despacho de pronúncia) imperfeito, a que falte a narração de factos relativos aos elementos subjetivos do tipo legal de crime imputado ao arguido, não pode significar que o efeito do vício originário persista inapelavelmente apesar de o processo ter prosseguido para as fases seguintes àquela em que podia/devia ter sido suscitado e apreciado, nem tão pouco que, por via processual, se produzam efeitos substantivos inaceitáveis, como seria, por absurdo, poder dar-se como escritos na acusação os factos que o não estão. Como refere João Conde Correia (ob. cit. p. 129) “A conservação dos atos imperfeitos consiste em reconhecer-lhes capacidade para provocar os efeitos correspondentes aos atos válidos [in casu sujeição do caso a julgamento e eventual condenação], mediante a sua coligação com outros factos sucessivos, que vêm suprir ou tornar irrelevantes as deficiências cometidas.”(negrito acrescentado ao texto original).
27. Ou seja, a conservação da acusação imperfeita e a sujeição do facto a julgamento pressupõem que o vício formal gerador de nulidade processual consistente na falta de articulação de factos integradores do dolo (art. 283º nº3 CPP) possa ser suprido em momento posterior ao início da audiência de julgamento mediante a enunciação expressa dos factos omitidos e confrontando o arguido com ela, para que possa apresentar defesa contra aqueles factos, de acordo com o procedimento previsto no art. 358º do CPP. Só após a confrontação do arguido com os factos sucessivamente expressos, tal como se os mesmos se encontrassem originariamente enunciados na acusação ou no despacho de pronúncia imperfeitos, o tribunal decidirá se julga provados tais factos, incluindo-os entre os factos provados ou não provados, de acordo com o julgamento que faça da matéria de facto.”.
28. Ademais, tal como exarado no Acórdão do Tribunal da Reação de Guimarães, datado de 19 de Setembro de 202, proferido no âmbito do Processo Comum Singular nº 37/18.3EABRC.G1 “atenta a redacção do supra citado art. 311º do CPP o Tribunal de Julgamento só se pode pronunciar acerca da validade de acusação, verificando se, por exemplo, constam factos suficientes para uma eventual condenação, se não tiver havido instrução.”.
29. Contudo, havendo instrução, “dúvidas não podem restar de que ao Tribunal  de Julgamento não é lícito pronunciar-se sobre a eventual insuficiência fáctica do despacho de pronúncia”, pelo que “só com a realização de audiência de julgamento é que o Tribunal a quo poderia tomar posição acerca da falta do elemento emocional do dolo (falta de consciência da ilicitude, ou seja, de que a sua conduta era proibida e punida por lei) e, nesse caso, se assim o entendesse, absolver o arguido mediante sentença proferida nos termos do art. 374º do CPP.”.
30. Nesta senda, urge concluir que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 14º, 17º, 365º, nº 1º, todos do Código Penal, nos artigos 122º, 308º, nº 1, 311º, nº 2 e 358º, todos do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, deverá ser concedido provimento ao recurso apresentado pelo assistente, revogando-se a decisão recorrida e, concludentemente, ser a mesma substituída por outra que considere descritos no despacho de pronúncia factos que integram, em abstracto, a prática pelo arguido de um crime de denúncia caluniosa e determine, em consequência, a realização da respectiva audiência de discussão e julgamento a fim de apurar a matéria de facto dada como provada e não provada e aplicar, se for o caso, a respectiva sanção.”

I.4. O arguido não respondeu ao recurso.

I.5. Nesta instância, a Exma. Procurador-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto pelo assistente, porquanto, remetendo para a bem fundamentada resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª instância, o despacho colocado sob sindicância deverá ser revogado no que tange ao crime de denúncia caluniosa e determinando-se a baixa dos autos para que seja proferido despacho a designar dia para julgamento do arguido pelo referido crime.

1.6. Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do CPP, não foi apresentada resposta ao parecer emitido.

1.7. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1- OBJECTO DO RECURSO
A jurisprudência do STJ [1] firmou-se há muito no sentido de que é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[2]
Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente a questão a decidir prende-se, no essencial, em determinar se ao Tribunal de Julgamento é consentido proferir, em relação a processo com despacho de pronúncia, despacho semelhante ao que proferiria nos termos do art.º 311º nº 2 do Código de Processo Penal, designadamente quando considere que existe insuficiência fáctica daquele quanto ao elemento subjectivo do tipo de ilícito imputado.

2- DA DECISÃO RECORRIDA (transcrição na parte que releva):

“Analisados os factos vertidos no despacho de pronúncia, entende o Tribunal ser inócua e revelar-se um ato inútil, a realização da audiência de julgamento.
Com efeito, para que uma conduta possa ser qualificada como ilícito penal é necessária a prova dos factos que integrem o tipo objetivo e o tipo subjetivo do ilícito.
Ora, entende o Tribunal que, ainda que se venham a dar como provados todos os factos por que o arguido se encontra pronunciado, não se poderá inferir pela existência de um ilícito penal.
Dispõe o artigo 13.º, do Código Penal, que “Só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”, não se podendo presumir que o agente agiu nem com dolo, nem com negligência.
Descendo ao caso dos presentes autos, verifica-se que não estão vertidos no despacho de pronúncia todos os factos no que concerne ao elemento subjetivo do ilícito, para que se possa concluir pelo preenchimento do dolo.
Num crime doloso, como aquele por que o arguido vem pronunciado, há-se provar-se, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua ação), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo - o agente quis o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade - o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objetivos do tipo). O dolo como elemento subjetivo – enquanto vontade de realizar um tipo legal conhecendo o agente todas as suas circunstâncias fácticas objetivas - constitutivo do tipo legal.
Ora, ainda que se viessem a dar como provados todos os factos vertidos no despacho de pronúncia, o tribunal entende não se poder concluir pela verificação do elemento subjetivo do tipo de crime de denúncia caluniosa, dado que, para existir dolo, necessário é que o arguido tenha conhecimento da ilicitude da sua conduta e, ao longo dos factos vertidos na pronúncia, em lado algum se faz menção ao elemento intelectual do dolo, não se podendo entender tal como implícito – cfr., a título de exemplo, o teor do ac. proferido pelo T.R.C., pr. n.º 189/14.1PFCBR.lC1, 07/03/2018, disponível in www.dgsi.pt:
"No tipo subjetivo de ilícito, necessário ao preenchimento do crime de burla exige-se o dolo do tipo, conceitualizado, na sua formulação mais geral, como conhecimento e vontade referidos a todos os pressupostos do tipo objetivo, e o dolo da culpa, traduzido na consciência, por parte do arguido, de que com a sua conduta sabe que atua contra direito, com consciência da censurabilidade da conduta.
(...)
“O comportamento só é pressuposto da sanção quando nele se integra também a consciência do significado jurídico desse mesmo comportamento; não basta a ilicitude objetiva, importa também a culpabilidade e para esta é necessária a consciência da ilicitude dos factos objetivamente ilícitos (…)”.
Como se decidiu no Ac do TRG de 19-06-2017 relatado pelo Exmo. Sr. Desembargador Jorge Bispo, in www.dgsi.pt, a alegação de que a arguida sabia que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal não é inócua e desnecessária, não passando de um protocolo ou fórmula pré-determinada acolhida pela prática judiciária, sem qualquer valor funcional. Ao contrário, a alegação da consciência da ilicitude, seja com a utilização daquela fórmula ou através da descrição mais objetiva desse facto da vida interior, corresponde à necessidade de descrever um dos elementos do tipo subjetivo, traduzido no dolo da culpa, (…). E ainda neste aresto se decidiu que na acusação deduzida nos autos, a assistente limita-se a alegar, em termos de factos relativos ao preenchimento dos elementos subjetivos, que ao dirigir-lhe as palavras "filha da puta" e "pretendia a arguida atingir a assistente na sua honra e consideração social, o que conseguiu". Esta articulação contém factos que integram o elemento volitivo do dolo (direto) e do elemento intelectual do dolo.
Já em relação aos elementos integrantes da consciência da ilicitude (elemento emocional), habitualmente traduzido na expressão de que "o arguido atuou sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal", ou por qualquer outra que comporte o respetivo conteúdo, a acusação omite toda e qualquer referência.
Concluindo-se, assim, que a acusação particular deduzida nos autos não contém a descrição dos factos integrantes da totalidade dos elementos subjetivos do tipo, necessária à verificação do crime imputado à arguida, e que, por outro lado, tais elementos em falta não poderão vir a ser aditados em julgamento, não restava outra solução ao Juiz a quo senão considerá-la como manifestamente infundada, por os factos nela descritos não constituírem crime, e, como tal, rejeitá-la ao abrigo do disposto nos artºs 283º, nº 3, b) e 311º, nºs 2, a), e nº 3, d) do CPP.
Também no Ac. do TRP de 15-11-2017, relatado pelo Exmo. Sr Desembargador Pedro Vaz Pato, in www.dgsi.pt, se decidiu que “Com efeito, nos crimes dolosos, a verificação do tipo subjectivo de ilícito pressupõe o conhecimento e vontade de realização de um tipo legal de crime por parte do agente, ou seja, pressupõe que estejam presentes o elemento intelectual e o elemento volitivo. Mas além disso, o dolo exige o chamado elemento emocional. Na verdade, o dolo não se esgota no conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo. É necessário, ainda, que àquele conhecimento e vontade, acresça um elemento emocional na caracterização da atitude pessoal do agente, exigida pelo tipo-de-culpa doloso. Por outras palavras: à afirmação do dolo não basta o conhecimento e vontade de realização do tipo, sendo preciso, igualmente, que esteja presente o conhecimento e a consciência, por parte do agente, do carácter ilícito da sua conduta. Assim, o elemento intelectual do dolo “só poderá ser afirmado quando o agente actue com todo o conhecimento indispensável para que a sua consciência ética se ponha e resolva correctamente o problema da ilicitude do seu comportamento”, isto é, quando o agente actue com conhecimento da factualidade típica. Já o elemento volitivo traduz a “vontade do agente dirigida à realização do tipo legal de crime”.
Finalmente, o elemento emocional representa o “conhecimento ou consciência do carácter ilícito” da conduta, estando ligado, pois, ao chamado tipo de culpa doloso.
Com efeito, este elemento emocional é dado “através da consciência da ilicitude” e “é um elemento integrante da forma de aparecimento mais perfeita do delito doloso”.
Daí que só possa afirmar-se que o agente actuou dolosamente quando, nomeadamente, esteja assente que o mesmo actuou com conhecimento ou consciência do carácter ilícito e criminalmente punível da sua conduta. Em suma: o dolo só existirá quando o agente actue com conhecimento e vontade de realização do tipo-de-ilícito e com conhecimento ou consciência da ilicitude da sua actuação, ou seja, “sempre que o ilícito típico seja fundamentado por uma censurável posição da consciência-ética do agente perante o desvalor do facto, pressuposto que aquela se encontrava correcta e suficientemente orientada para esta” - cfr. Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 199 a 204, e Pressupostos da Punição e Causas que Excluem a Ilicitude e a Culpa in “Jornadas de Direito Criminal”, Ed. do Centro de Estudos Judiciários, pp. 72 e 73. A acusação particular deduzida ao não referir a totalidade dos factos integradores do elemento subjectivo do tipo, é nula tal como prescreve o nº3 do art.283º do Código de Processo Penal (aplicável por força do nº3 do art. 285º do mesmo diploma legal). A nulidade, nos termos previstos no art.122º do Código de Processo Penal tem como consequência a invalidade do acto em que se verificou, que não se mostra passível de sanação, por a lei a não prever. E neste caso específico, a lei determina que a consequência jurídica de os factos constantes numa acusação serem insusceptíveis de integrarem um crime, como no caso sub judicie (pois que ainda que se provassem todos os factos articulados na acusação, os mesmos seriam insuficientes para condenar a arguida pela prática do crime que lhe é imputado na acusação particular, uma vez que faltaria sempre o elemento subjectivo), é a de tal acusação se ter de entender como manifestamente infundada (art. 311º nº3 al. d) do Código de Processo Penal) (neste sentido, cfr. Ac. do TRP de 01-06-2011 relatado pela Exma. Sra. Desembargadora Maria Margarida Almeida, consultado in www.dgsi.pt, que seguimos muito de perto).
Assim também foi decidido no ac. T.R.L., pr. n.º 148/19.8GDLRS.L1-9, de 17/02/2022, disponível in www.dgsi.pt.
Com efeito, como afirma o Ac. da RG, in CJ nº 165, II, 2003, “não existem presunções de dolo; e, por isso, não é possível afirmar a sua existência simplesmente a partir das circunstâncias externas da ação concreta.
Embora, processualmente, o dolo seja apreciado de forma indireta, através de atos de natureza externa, é sempre necessário comprovar a existência dos diversos elementos constitutivos e relacioná-los com as pertinentes circunstâncias típicas de cada ilícito.
Não se pode pois ter como implícita ou subentendida a descrição do dolo.
Não há lugar à existência de "factos implícitos", mas apenas a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena.
Tal falta também não poderá ser, em fase de julgamento, suprida pelo tribunal, acrescentando-se o facto em falta, como salienta, a título de exemplo, o ac.do T.R.P., pr. n.º 134/13.1GASPJ.C1.P1, de 08/04/2015.
Como a jurisprudência acabada de citar refere, também não será de recorrer à figura jurídica da alteração substancial dos factos, na medida em que a integração dos factos novos não implica a imputação de crime diverso, implica é que uma conduta atípica, sem relevância jurídico criminal, se transforme em conduta típica, ou seja, numa conduta criminosa.
E, como resulta diretamente do disposto nos artigos 1º, alínea f), 358º e 359º do Código de Processo Penal, o mecanismo legal da alteração substancial e não substancial dos factos situa-se num outro plano, tendo sempre como pressuposto que na acusação, ou na pronúncia, se encontram devidamente descritos factos integradores de um tipo de crime.
Não se pode assim, em total desvirtuação dos objetivos do instituto da alteração substancial dos factos, usá-lo para justificar uma introdução de factos novos em julgamento.
 Assim, chegados à fase da audiência com uma acusação/pronúncia onde é descrita uma conduta atípica, não há mecanismo legal que permita reparar essa verdadeira anomalia do processo.
De tudo assim decorrendo que, in casu, não poderá o arguido ser condenado pela prática do crime por que vinha pronunciado, dada a falta de preenchimento do dolo, quanto ao seu elemento intelectual, o que leva à impossibilidade de se concluir pela existência de um ilícito penal.
Pelo que, sendo de evitar a prática de atos inúteis (no que se traduziria a realização da audiência de julgamento), decide-se, desde já, pela absolvição do arguido relativamente ao crime de denúncia caluniosa, p. p. no artigo 365º, n.º 1, do C.P. 

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Saber se ao tribunal de julgamento é consentido proferir, em relação a processo com despacho de pronúncia, despacho semelhante ao que proferiria nos termos do art.º 311º nº 2 do Código de Processo Penal, designadamente quando considere que existe insuficiência fáctica daquele quanto ao elemento subjectivo do tipo de ilícito imputado.
Tendo em vista uma melhor contextualização da questão objecto de recurso, começaremos por fazer uma síntese das principais incidências processuais evidenciadas nos autos e que consideramos relevantes para a sua decisão:
- No âmbito do Inquérito, foi proferido despacho de arquivamento dos autos, por haver prova bastante da não verificação do crime, nos termos do art.º 277º, nº 1, do Código de Processo Penal, uma vez que não se logrou fazer prova da falsidade da imputação exigida pelo preceito legal incriminador do ilícito de denúncia caluniosa, pelo que não se mostra preenchido, desde logo, um dos elementos objectivos de pendor cumulativo deste tipo de crime;
- Por discordar de tal despacho de arquivamento, veio o assistente BB, nos termos do artigo 287º, nº1 al. b) do C. P. Penal, requerer abertura de instrução, porquanto entende que existem indícios suficientes da prática pelo arguido de um crime de denúncia caluniosa, p.p. pelo art.º 365º do C. Penal, na sua pessoa;
            -Distribuídos os autos ao Juízo de Instrução Criminal ..., Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., foi declarada aberta a fase de instrução criminal, foi designada data para o debate instrutório e no dia 26-09-2023, foi proferida decisão instrutória, em que no final se decidiu:
“ Em face do exposto, nos termos do disposto nos arts. 307 e 308, ambos do CPPenal, decide-se:
Pronunciar, para julgamento, em processo comum, e com intervenção de Tribunal Singular, o arguido :
AA, casado, nascido em ../../1965, filho de CC e de DD, empresário, residente na R. ..., trás, ...,
Pelos factos descritos em 3.2, supra, e que se consideraram suficientemente indiciados, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais, por razões de economia processual, mediante os quais incorre o arguido na prática, em autoria material, e sob a forma consumada, de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º, n. 1 , do C Penal. “
Remetidos os autos para julgamento foi proferido o despacho objecto de recurso.
Desde já adiantamos que assiste razão ao recorrente, uma vez que o despacho recorrido enferma de vícios de ordem formal e substancial.
Senão vejamos.
A instrução é um mecanismo de comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento – art.º 286º, nº 1, do C.P. Penal
Prevê, por sua vez, o art.º 310º, nº 1 do C. P. Penal que:”A decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público, formulada nos termos do artigo 283.º ou do n.º 4 do artigo 285.º, é irrecorrível, mesmo na parte em que apreciar nulidades e outras questões prévias ou incidentais, e determina a remessa imediata dos autos ao tribunal competente para o julgamento.”
Por outro lado, em conformidade com o disposto na al. a) do nº 2 do art.º 311º, do C P. Penal, só nos casos em que o processo tiver sido remetido para julgamento, sem que tenha havido instrução, é que o juiz despacha no sentido de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada.
No caso houve instrução e no final da mesma, como referimos, foi proferido um acto decisório do juiz, no caso despacho de pronúncia, estando, por isso, afastada a possibilidade de proferir despacho de rejeição nos termos da última disposição legal citada.
Efectivamente, ao  tribunal de julgamento não é consentido proferir, em relação a processo com despacho de pronúncia, despacho semelhante ao que proferiria nos termos do artº 311º nº 2 do Código de Processo Penal, mesmo que entenda que faltem factos.[3]
Ou seja, a sindicabilidade da decisão instrutória de pronúncia confina-se ao julgamento.
Assim, o despacho proferido, ao arrepio das disposições legais citadas e dos elementares princípios pelos quais se deve reger o ordenamento jurídico processual, mais não é do que uma revogação de uma decisão judicial anterior, pelo que consubstancia um meio processual inadequado e ilegítimo.
Como se escreveu no Ac. da Relação de Lisboa de 13-10-2021[4]:
“1- Não é da competência de um juiz de 1ª instância, sindicar, revogar ou modificar o despacho ou decisão de outro juiz do mesmo tribunal, já transitado em julgado, apenas porque tem entendimento diferente sobre as questões jurídicas subjacentes.
2.–Tal procedimento constitui uma ilegalidade inadmissível, que viola o princípio do caso julgado, as regras de competência e hierarquia dos tribunais, bem como a certeza e segurança jurídica das decisões.”
Ademais, o referido despacho consubstancia um acto anómalo e contrário à regular tramitação processual penal, porquanto não sendo uma sentença, contém decisão de mérito a absolver o arguido, sem julgamento, e num momento processual reservado exclusivamente à avaliação de eventuais nulidades e agendamento de audiência de julgamento[5](cfr. artº 312º do C. P. Penal).
É um facto inquestionável que tem de constar do despacho de pronúncia o elemento subjectivo do tipo e que a sua omissão não pode ser sanada, em sede de julgamento, com recurso ao mecanismo previsto no 358º do CPP, nem mesmo com recurso ao contemplado no art.º 359º do mesmo diploma legal.
Isso mesmo decorre do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 1/2015, de 20.11.2014, DR, 1.ª série, n.º 18, de 27.01.2015, onde foi decidido que, “a falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art.º 358.º do Código de Processo Penal.
Contudo, a lei não consente que o tribunal de julgamento antecipe o seu juízo de absolvição, com fundamento de que o mesmo despacho não contém na sua plenitude o elemento subjectivo, mesmo a coberto de despachos que pretendem evitar a prática de actos inúteis, como os denominou a decisão recorrida.
Por outro lado, o tribunal recorrido considerou que o arguido não poderá ser condenado pela prática do crime por que vinha pronunciado, face à não verificação do elemento subjectivo do tipo de crime de denúncia caluniosa, dado que, para existir dolo, necessário é que o arguido tenha conhecimento da ilicitude da sua conduta e, ao longo dos factos vertidos na pronúncia não se faz menção a esse conhecimento.
De facto, o ilícito imputado ao arguido só é punido a título de dolo, que a doutrina e a jurisprudência têm entendido que é qualificado[6]- cuja formação exige que o agente actue com consciência da falsidade da imputação e com intenção de que contra o denunciado se instaure procedimento.
O dolo vem legalmente definido nos vários elementos que o compõem no art.º 14.º do C. Penal.
Esses elementos costumam ser referidos, sinteticamente, como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito[7].
Por isso, tem-se entendido que a estrutura do dolo comporta um elemento intelectual ou cognitivo e um elemento volitivo ou emocional, sendo que para uma nova corrente, defendida por, Figueiredo Dias[8], este elemento emocional constitui um terceiro e autónomo elemento « que se adiciona aos elementos intelectual e volitivo contidos “ no conhecimento e vontade de realização”» e que se verifica quando “o agente revela no facto uma posição ou uma atitude de contrariedade ou indiferença perante o dever-ser jurídico penal”.
O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objectivo de ilícito –que o “agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência… das circunstâncias do facto”.[9]
O elemento volitivo consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito, ou nas palavras de Figueiredo Dias[10],” que a prática do facto seja presidida por uma vontade dirigida à sua realização”[11].
 No caso, embora no despacho de pronúncia não se faça menção ao citado elemento emocional do dolo, do mesmo constam os referidos elementos intelectual e volitivo.
Na verdade, nele fez-se constar nos pontos 13 e 14 que:
“O arguido sabia, plenamente, que os factos relatados na queixa crime apresentada nos autos de proc. ids. em 2, supra, eram falsos, desprovidos de fundamentação, e que não correspondiam à verdade.
O arguido tinha perfeito conhecimento de que ao relatar os factos constantes da queixa crime dos autos de proc. ids. em 2, supra, o fazia com plena consciência de que os mesmos não correspondiam à verdade, agindo livre, voluntaria e conscientemente , não se abstendo de o fazer e de ofender a honra , o bom nome , dignidade e a integridade moral do assistente.”
A jurisprudência tem, no entanto, defendido posições divergentes[12] sobre a imperatividade da acusação/despacho de pronúncia, conterem o citado elemento emocional, traduzido na consciência da ilicitude, mormente quando o tipo de crime tem um relevo axiológico suficientemente caracterizado e comunitariamente enraizado e difundido, pelo que a decisão tomada também do ponto de vista substancial não é pacífica.
Por conseguinte, não existem fundamentos de facto e de direito para nesta fase processual, absolver o arguido do crime de denúncia caluniosa p.p. pelo art.º 365º, nº 1 do C. Penal.
Assim sendo, o despacho recorrido tem de ser revogado e substituído por outro que, pronunciando-se sobre eventuais nulidades e questões prévias, nos termos do artº 311º nº 1 do C P Penal, designa data para julgamento nos termos do art.º 312º do mesmo diploma legal.
Procede, pois, o recurso.
***
III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar procedente o recurso interposto pelo assistente e, consequentemente, decide-se revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que, pronunciando-se sobre eventuais nulidades e questões prévias, nos termos do artº 311º nº 1 do C P Penal, designa data para julgamento nos termos do art.º 312º do mesmo diploma legal.
Sem tributação.
(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º. 94º, n.º 2, do CPP)
Guimarães, 5 de Março de 2024
                                                               
Anabela Varizo Martins (relatora)
António Barúlio Martins (1º adjunto)
Fátima Furtado (2ª adjunta)


[1] Cfr. arts. 412.º e 417.º do C P Penal e Ac.do STJ de 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1  e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt  e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335.
[2] Cfr. acórdão de fixação de jurisprudência do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[3] Neste sentido Ac. da Relação de Guimarães de 19-09-2023, processo nº 37/18.3EABRC.G1, relatora Florbela Sebastião e Silva, que por tratar uma questão idêntica à que está em causa nos presentes autos seguiremos de perto.
[4] Processo nº 184/12.5TELSB-V.L1-3, relator A. AUGUSTO LOURENÇO, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido o citado Ac. da Relação de Guimarães de 19-09-2023.
[6] Ac. da Relação de Guimarães de 17-12-2018, processo nº 1330/15.2T9VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Figueiredo Dias in ob. citada, pag. 349.
[8] Ob. citada, pag. 350
[9] Figueiredo Dias, in ob. citada, pag. 351.
[10] Ob. citada, pag.366.
[11] Ac. da Relação de Coimbra de 22-01-2014, Processo nº 2572/10.2TALRA.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[12] Jurisprudência que defende essa imperatividade, entre outros, AC. da Relação de Guimarães de 19-06-2017, Processo 430/15.3GEGMR.G1, relatator Jorge Bispo, 30-09-2019, Proceso 40/18.3GAMDB.G1, relator Ausenda Gonçalves e de 14-11-2023, Processo 785/21.0GCBRG.G1, relator PEDRO FREITAS PINTO, também disponíveis in www.dgsi.pt, e no sentido  em que estando enraizada na comunidade a ilicitude da conduta, a descrição da consciência da ilicitude não tem de constar com carácter obrigatório da acusação e da decisão, com vista à sua condenação, entre outos Acórdão do TRE, de Ac. de 11-10-2022, processo 431/18.0PBRLV.E1, de 06.02.2018, 54/16.8T9CBA.E1 relator por António João Latas, de 19.12.2019, relatado por Renato Barroso de 14.03.2023, relatado por Beatriz Marques Borges,  21-11-2023, Processo nº  2225/22.9PCCBR.E1, relator  NUNO GARCIA Decisão sumária do Tribunal da Relação de Guimarães de 30-10-2023, Processo nº  941/21.1T9BGC.G1, relator PEDRO CUNHA LOPES, Ac. também desta Relação de 21/10/2013, Processo 131/08.9TAFLG-A.G1, relatora Ana Teixeira e de 9 de Janeiro de 2017, Processo nº 207/14.3T9VNF.G1, relatora Fátima Furtado, Ac. da Relação do Porto de 12-07-2017,  Processo nº 833/15.3SMPRT.P1,  MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA, de 26-05-2021, Processo 46/19.5PEMTS.P1, relator JOSÉ CARRETO, de  21-06-2023, processo  82/22.4GCVFR-A.P1, relatora MARIA DO ROSÁRIO MARTINS, todos disponíveis in www.dgsi.pt.).