Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
5543/21.0T8BRG-A.G1
Relator: CARLA OLIVEIRA
Descritores: SOCIEDADES COMERCIAIS
GERENTES
RESPONSABILIDADE
DANOS
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A fundamentação das decisões judiciais, para além de expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão; assim, as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
II - A violação dos deveres contemplados no art.º 64º do CSC tem como sanção a responsabilidade civil dos administradores/gerentes para com a sociedade ou para com os sócios, verificados os respectivos requisitos.
III - Este preceito legal apenas rege a responsabilidade entre os membros da administração para com a sociedade e para com os sócios e não já para com terceiros, estranhos à sociedade.
IV - E, assim sendo, a violação de tais deveres não serve per se para caracterizar as condutas dos administradores como ilícitas para efeitos do disposto nos art.º 78º ou do 79º, do CSC.
V - A responsabilidade a que se reporta o art.º 79º do CSC tem natureza delitual ou extracontratual, com subordinação aos pressupostos do art.º 483º, do CC.
VI - Neste normativo legal estão em causa os danos causados directamente pelo gerente/administrador aos sócios ou a terceiros, de forma delituosa, respondendo assim os gerentes/administradores perante os sócios ou terceiros pelos danos que directamente lhes causem, sem interferência da sociedade, sendo irrelevante a representação desta, mesmo que invocada.
VII - Os danos directos previstos nesta disposição legal advirão de práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado ou de actuações negligentes grosseiras cujo resultado seja inelutável, ficando excluídos os danos derivados de má gestão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

EMP01... – Peúgas e Confecções, Ldª
veio intentar a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra
EMP02.../S, sociedade comercial com sede na ...,
EMP03... – Unipessoal, Ldª, com sede em ..., e
AA e BB,
pedindo, a título principal, que se condene a 1ª ré a pagar à autora, a título de cláusula penal, a quantia de € 1.200.000,00, deduzida do valor de € 175.000,00 que adiantara;
a título subsidiário, uma indemnização, a título de lucros cessantes, no valor global de € 2.187.500,00, correspondente ao somatório das receitas projectadas para os anos de 2021 a Março de 2023;
subsidiariamente, ainda, caso não se decida por um dos pedidos anteriores, a condenação da 1ª ré a pagar à autora uma indemnização, a título de lucros cessantes, no valor global de € 625.000,00, correspondente ao somatório das receitas projectadas para os anos de 2021, 2022 e até Março de 2023, e que não chegaram a concretizar-se;
cumulativamente com os pedidos acima referidos:
a condenação da 1ª ré a pagar o valor dos artigos/serviços constantes das facturas nos montantes de € 5.430,34, € 146.554,48 e € 8.689,90, acrescidos de juros, à taxa comercial, contados desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento, que correspondem às encomendas de fios e aos custos de produção das amostras e respectiva testagem no EMP04...;
a condenação da 2ª ré a pagar à autora o valor dos artigos/serviços constantes das facturas que identifica, no valor de € 83.202,15, acrescido de juros, à taxa comercial, contados desde a data de vencimento dessas facturas e até integral e efectivo pagamento;
a condenação da 1ª ré a proceder ao cancelamento do registo da hipoteca constituída sobre a fracção autónoma designada pela letra ..., armazém no ... piso, contígua à fracção ..., que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., freguesia ..., ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...15... e descrita no registo predial sob o n.º ...16..., hipoteca essa que ficou a garantir o pagamento de € 200.000,00.
Cumulativamente, ainda, a condenação da 1ª ré a pagar à autora uma indemnização, a título de danos emergentes, no valor global de € 131.060,92, correspondente aos prejuízos sofridos com salários, impostos e seguros dos trabalhadores, honorários com advogados e custos com a constituição da hipoteca;
a declaração de que o valor de € 175.000,00 é da autora;
a condenação da 1ª e a 2ª rés a, solidariamente, pagarem à autora uma compensação pela ocupação das instalações da autora durante os meses de Março a Maio de 2021, no valor global de € 21.000,00; e
a condenação dos 3º e 4º réus, solidariamente, nos pedidos formulados.

Alegou, para tanto, o seguinte na petição inicial que, para facilitar a exposição, passamos a transcrever quase na íntegra:
«I. OS FACTOS
A) O contacto inicial da 1.ª ré à autora, ideia de negócio, deslocação da autora à ... e troca de informações iniciais
1.º
A autora é uma sociedade comercial que tem por objecto a indústria têxtil, dedicando-se à produção e confecção de meias, peúgas e similares, que destina totalmente à exportação - cfr. doc. n.º ...
2.º
A autora desenvolve esta actividade desde a sua constituição no ano de 1988, ou seja, há já 33 anos.
3.º
Dispõe para o efeito de uma unidade industrial composta por 4 fracções autónomas, designadas pelas letras ..., ..., ... e ..., que fazem parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito no lugar ..., freguesia ..., ..., descrito no registo predial sob o n.º ...16 e inscrito na matriz sob o art.º ...15 - cfr. doc.s n.ºs 2 a 5 juntos
4.º
Por sua vez, a 1.ª ré dedica-se também à actividade de produção e comercialização de meias, peúgas e similares de malha e ainda ao comércio por grosso de vestuário e acessórios.
5.º
A 1.ª ré tem a sua sede na ... e dispunha de uma unidade fabril na ..., produzindo e comercializando meias para todo o mundo.
6.º
Há cerca de 5 anos atrás, no exercício da sua actividade comercial, a autora foi contactada pela 1.ª ré no sentido de lhe fabricar uma encomenda de meias.
7.º
Sendo que, após essa encomenda, que a autora fabricou e comercializou à 1.ª ré, não mais tiveram qualquer relação comercial.
8.º
Em 21 de Março de 2019, o réu AA, accionista e director executivo da 1.ª ré, contactou por e-mail a autora, na pessoa do sócio CC, informando-a que havia um concurso para uma encomenda de meias para o exército sueco e que para o efeito precisavam de entregar amostras perfeitas no prazo de duas semanas.
9.º
Questionou a autora se esta estaria interessada em fazer essas amostras e em fabricar uma tal encomenda de meias, que calculava em 200 000 a 300 000 pares anuais, durante 4 anos - cfr. doc. n.º ...
10.º
E que, em caso afirmativo, lhe daria mais informações a este respeito.
11.º
A autora por ter já bastante experiência na produção de meias, designadamente para o exército, respondeu à 1.ª ré que estava interessada e que pretendia então saber mais informações quanto a essa encomenda.
12.º
Após a 1.ª ré lhe ter dado essas informações, a autora disse à 1.ª ré que aceitava fazer as referidas amostras e fabricar a encomenda mas directamente para a 1.ª ré, que depois é que a revenderia ao exército sueco.
13.º
E isto, sempre na condição de a 1.ª ré suportar o custo total com as amostras que a autora fizesse para o efeito, que previa poderem ser várias e a executar ao longo dos meses.
14.º
A 1.ª ré aceitou essas condições da autora, assegurando-lhe, pois, que lhe pagaria os respectivos custos da produção dessas amostras e que, caso as mesmas fossem aceites pelo exército sueco, lhe entregaria a encomenda de meias referida no ponto 9.º desta petição.
15.º
Porém, por razões alheias à autora, só muito tempo depois é que a 1.ª ré solicitou à autora que desenvolvesse as referidas amostras dessas meias militares, a fim de as enviar para aprovação ao exército sueco, tendo em vista conseguir a aludida encomenda de meias, cuja produção entregaria à autora.
16.º
Na sequência, a autora encomendou os fios necessárias ao fabrico dessas amostras das meias militares pretendidas pela 1.ª ré, produziu essas amostras e, de seguida, enviou-as para testes para o laboratório EMP04....
17.º
O que implicou que, com tais amostras, a autora tivesse que suportar um custo global de € 5.430,34, ou seja:
€ 3077,00 - na compra de fios
€ 1 102,64 - testes do EMP04...
€ 1250,00 - desenvolvimento / produção das amostras (€ 250 x 5)
- cfr. doc. n.º ...
18.º
A autora enviou depois à 1.ª ré as referidas amostras produzidas, aguardando que esta lhe desse o feedback do exército sueco quanto às mesmas e se seria ou não para avançar com a encomenda referida no ponto 9.º desta petição.
19.º
Sendo que, nessa altura a 1.ª ré nada mais disse à autora a este respeito.
20.º
Como mais adiante se irá expor, a autora emitiu então e enviou à ré, recentemente, a factura relativa a tais amostras, no referido valor global de € 5.430,34 (cinco mil quatrocentos e trinta euros e trinta e quatro cêntimos) - cfr. doc n.º ... junto
21.º
Em 25.09.2019, a autora recebeu um novo e-mail do réu AA, a informar que ele e o réu BB, também accionista da 1.ª ré, vinham a Portugal e gostariam de fazer uma visita à fábrica da autora e discutir possibilidades futuras de trabalho - cfr. doc. n.º ... junto
22.º
A autora depreendeu que os réus quereriam uma reunião comercial, devido a já antes a 1.ª ré ter feito uma encomenda à autora e também face ao anterior contacto do mês de Março de 2019, referido no ponto 8.º desta petição
23.º
A autora agendou então uma reunião com os referidos dois réus, accionistas e CEO’s da 1.ª ré, para 8 dias depois daquela data.
24.º
Essa reunião veio a ocorrer no dia 3 de Outubro de 2019, nas instalações da autora, tendo aí estado presentes os referidos dois réus, accionistas e CEO’s da 1.ª ré e da parte da autora o sócio CC e a comercial DD.
25.º
Os referidos réus tiveram então oportunidade de visitar toda a fábrica da autora.
26.º
Sendo que, nessa reunião os 3.º e 4.º réus disseram à autora que estavam a equacionar deslocar a unidade de produção que a 1.ª ré detinha na ... para Portugal, devido à falta de trabalhadores qualificados (operadores das máquinas) com que lá se deparavam.
27.º
E, com surpresa, questionaram se haveria interesse da autora em fazer uma parceria com a 1.ª ré, no sentido de a autora ficar responsável pela produção daquela, ficando a 1.ª ré responsável pela parte comercial (das suas encomendas, dela 1.ª ré).
28.º
Ou seja, a 1.ª ré deslocaria, assim, toda a sua produção da ... para as instalações da autora, sendo esta a efectuá-la.
29.º
Os 3.º e 4.º réus referiram que estavam também a consultar outras empresas para o mesmo efeito e que a breve prazo tomariam uma decisão.
30.º
A autora informou que tinha de perceber bem as condições dessa parceria, mas que, à partida, tinha interesse, até porque dispunha de instalações amplas, onde seria possível instalar a unidade produtiva da 1.ª ré.
31.º
Referiu também que precisaria de visitar a fábrica da 1.ª ré na ..., a fim de percepcionar o espaço de que a mesma dispunha, como ocupava / organizava esse espaço e qual o n.º e volume das máquinas que tinha afectas à sua produção.
32.º
E também, naturalmente, para averiguar tudo o mais que pudesse interessar para a eventual instalação da unidade produtiva da 1.ª ré nas instalações da autora.
32.º
Feita esta primeira abordagem nesta reunião havida entre a 1.ª ré e a autora, logo ao final da tarde desse mesmo dia a 1.ª ré enviou um e-mail à autora demonstrando-lhe grande interesse em fazer uma parceria com a mesma - cfr. doc. n.º ...0 junto
33.º
Nesse email referiu a 1.ª ré, entre o mais, que preferia unir forças com a autora e deslocar a sua produção para as instalações da mesma, em vez de ter de procurar um edifício para si para esse fim.
34.º
Referiu que seria perfeito se a 1.ª ré pudesse ter o seu próprio espaço dentro das instalações da autora e, idealmente, que as suas máquinas e fios ficassem nesses espaços adstritos exclusivamente à 1.ª ré.
35.º
E que, se isso não fosse possível, teriam então de pensar numa forma de os clientes da 1.ª ré, quando viessem a Portugal, perceberem que ali estavam a visitar a 1.ª ré e não a autora.
36.º
A 1.ª ré demonstrou também um grande interesse pela construção, nas instalações da autora, de um grande armazém para os fios / matérias-primas de ambas - cfr. doc. n.º ...0 antes junto
37.º
E, reiterou que, de preferência, pretendia que fosse a autora a fazer basicamente tudo, ou seja, que fosse a equipa da autora a confeccionar meias nas máquinas da ré, a enformar a vapor, tricotar acabamentos, embalar, expedir, etc. - cfr. doc. n.º ...0 antes junto
38.º
Pagando-lhe a 1.ª ré, por esse serviço, um determinado valor por cada par de meias confeccionado.
39.º
Referiu ainda a ré que, além da equipa da autora, provavelmente contrataria alguns dos seus próprios colaboradores, designadamente um chefe de produção, algumas funcionárias para atendimento a clientes e contabilista.
40.º
Demonstrou-se, pois, a 1.ª ré muito interessada em fazer a referida parceria com a autora.
41.º
Na sequência, a autora combinou com a 1.ª ré uma visita às instalações desta em ..., na ..., para conhecer a fábrica da 1.ª ré e ver então tudo o que fosse relevante para a possível instalação da unidade fabril da 1.ª ré nas instalações da autora em ....
42.º
Visita essa que os sócios da autora, EE e CC, fizeram logo de seguida, ainda em meados do mês de Outubro de 2019.
43.º
Chegados então a ..., na ..., os referidos sócios da autora percorreram com o 4.º réu as instalações da 1.ª ré, que, a essa data, se encontrava ainda em funcionamento.
44.º
Os referidos sócios da autora viram aí um conjunto de máquinas de fabrico de peúgas, algumas delas novas, outras antigas, mas ambas em produção e outras mais antigas, também na linha de produção, mas sem produzir.
45.º
Sendo que, as máquinas que estavam paradas aparentavam perfeito estado.
46.º
Lá, a autora viu também algumas máquinas de fabrico de peúgas novas, que ainda se encontravam embaladas e não instaladas.
47.º
Após a aludida visita, a autora ficou muito bem impressionada com a unidade produtiva da 1.ª ré e com a sua organização.
48.º
Nessa altura, o 4.º réu referiu à autora que, além dos seus clientes habituais, a 1.ª ré tinha mais dois grandes clientes com duas grandes encomendas para o início do novo ano.
49.º
E que esses dois clientes, sozinhos, lhe trariam encomendas entre 400 000 a 700 000 pares de meias por ano.
50.º
E que, portanto, a 1.ª ré estava a crescer cada vez mais, que não lhe faltavam encomendas, mas que na ... não conseguia obter mão-de-obra qualificada para poder produzir com qualidade e atempadamente todas essas encomendas.
51.º
E daí pretender “unir forças” com a autora, em benefício de ambas, pois que juntas poderiam dar resposta a esses clientes, baixar os custos de produção e obter ganhos muito superiores.
52.º
A autora, naturalmente, ficou muito interessada em fazer uma parceria com a 1.ª ré.
53.º
E, por isso, disse-lhe então que ia estudar a forma de instalar as máquinas da 1.ª ré nas suas instalações em ... e analisar que obras de adaptação e ampliação do seu edifício necessitariam de ser efectuadas para o efeito.
54.º
Após essa visita às instalações da 1.ª ré na ... e face ao interesse mútuo manifestado, a autora e 1.ª ré ficaram então de reunir e discutir as condições para que essa eventual parceria pudesse ser realizada.
B) Negociações prévias / fixacção das condições essenciais para a parceria entre autora e 1.ª ré
55.º
Logo após a visita da autora à unidade de produção da 1.º ré na ..., esta, na pessoa do sócio AA, aqui 3.º réu, em 24.10.2019 enviou um email à autora onde, entre o mais, reiterou o interesse na aludida parceria, enunciou os seus principais objectivos e questões essenciais a esclarecer para o efeito - cfr. doc. n.º ...1 junto
56.º
Nesse email, a 1.ª ré referiu que, naturalmente, autora e 1.ª ré teriam que ter, logo desde o início, um contrato escrito que descrevesse em detalhe a cooperação/parceria entre ambas.
57.º
A 1.ª ré referiu também que já tinha tido uma pequena reunião do seu conselho de administração onde discutiu a possível parceria com a autora e ficou claro que ambas as empresas deveriam avançar com seus objectivos principais para o efeito.
58.º
Esclareceu então a 1.ª ré, nesse mesmo email, que os seus principais objectivos eram os seguintes:
1. Encontrar um parceiro / país para a produção com mão-de-obra qualificada para produção de meias
2. Baixar os seus custos atuais de produção
- cfr. doc. n.º ...1 já junto
59.º
Depois, a 1.ª ré referiu também nesse mesmo e-mail que para si era importante compreender o que motivava a autora a fazer esta parceria consigo, quais eram as suas metas e que teriam de ser completamente honestos entre si.
60.º
Além disso, a 1.ª ré, mencionou ainda alguns pontos / assuntos que teriam que abordar / constar de contrato escrito, tais como:
- entrada própria com o logótipo EMP03... na parede exterior do edifício da autora, escritórios próprios, showroom, etc.
- conhecer a lista de clientes uns dos outros
- quem decidiria que encomendas têm a maior prioridade na produção
- acordo sobre a percentagem de meias de tipo 2 e 3 permitidas
- penalização por atrasos na entrega das encomendas
- quem pagaria a manutenção das máquinas (agulhas, afundadores, platinas, etc.)
- certificações de fábrica
- o que sucede se a autora falir
- o que sucede se a autora decidir dentro de talvez 5 anos que quer vender a empresa
- cfr. doc. n.º ...1 já junto
61.º
A 2.ª ré referiu à autora que deveriam começar já a discutir alguns dos pontos importantes, por forma a terem um projecto de contrato na reunião de 6.11.2019. - cfr. doc. n.º ...1 já junto
62.º
Em 26.10.2019 a autora respondeu à 1.ª ré, inserindo os seus comentários / respostas directamente no email da 1.ª ré de 24.010.2019 - cfr. doc. n.º ...2 junto (sublinhamos, a amarelo, na lateral, as respostas da autora para melhor compreensão)
63.º
A autora referiu então aí, entre o mais e em suma, o seguinte:
- que acreditava que podia construir com a 1.ª ré uma unidade de produção muito importante para trabalhar com os melhores clientes
- que iria começar já a trabalhar com o seu advogado na redacção de um contrato que descrevesse em pormenor a cooperação / parceria pretendida com a ré
- que pensava poder ajudar muito a 1.ª ré a produzir as suas encomendas atempadamente e baixar os custos de produção
- que mantendo legalmente duas empresas diferentes (da autora e da 1.ª ré), podiam anunciar ambas no exterior e no interior, criando uma única estrutura de escritório com vários salas de exposições e salas de reuniões
- que cada uma teria a sua equipa comercial
- a autora venderia as suas meias aos clientes da 1.ª ré e vice versa
- manteriam uma única unidade de produção
- a prioridade das encomendas seria da responsabilidade dos gestores de produção da autora
- decidiriam em conjunto a percentagem de meias com defeito
- a data de entrega da ré seria a data de entrega da autora e só em situações muito especiais poderá acontecer que atrase uma ou duas semanas no máximo, não sendo necessário aplicar penalizações
- a manutenção das máquinas deveria ser incluída no custo de produção
- a autora tinha algumas certificações como ..., ..., ..., ..., ..., ..., não havendo necessidade de duplicar os custos das certificações
- as máquinas da 1.ª ré seriam mencionadas no contrato e inventário
- a autora é uma empresa familiar e assim se pretendia manter durante muito tempo
- cfr. doc. n.º ...2 junto (sublinhamos a amarelo, na lateral, as respostas da autora para melhor compreensão)
64.º
Nesse email de resposta à 1.ª ré, a autora salientou que esta era também uma oportunidade para si e que, tal como a 1.ª ré, não poderia pôr em risco a sua empresa com uma má parceria.
65.º
A autora informou ainda a 1.ª ré que teria uma reunião com o seu advogado na terça-feira da semana seguinte a essa, precisamente para começar a trabalhar num projecto de contrato, o qual lhe enviaria o mais rapidamente possível - cfr. doc. n.º ...2 já junto
66.º
Logo após, a autora começou a analisar que áreas poderia dispor ou construir a mais nas suas instalações para instalar as máquinas da 1.ª ré e como poderia reorganizar a sua produção/instalações, por forma a acomodar essas máquinas da ré.
67.º
Nesse sentido, e atendendo a que unidade industrial da autora era composta por 4 fracções autónomas, designadas pelas letras ..., ..., ... e ..., a autora delineou o seguinte:
- ½ da fracção ... seria destinada para os acabamentos da produção das encomendas da 1.ª ré
- a fracção ... seria objecto de obras de ampliação, em mais 700 m2, para aí, nessa nova área, serem instaladas as máquinas da 1.ª ré, uma vez que na área restante dessa fracção, com o total de 1 200 m2, já estavam instaladas as máquinas da autora
- parte das fracções ... e ... seriam destinadas a armazém de matérias primas da ré (fios têxtil para fabrico de peúgas)
68.º
A autora deu conhecimento à 1.ª ré desta proposta de organização produtiva das suas instalações, com o que a 1.ª ré concordou.
69.º
A 1.ª ré veio seguidamente mais vezes às instalações da autora e também trocaram e-mails relativos a este negócio, uma vez que a 1.ª ré tinha muita urgência em concretizar o negócio / parceria com a autora.
70.º
Em 6.11.2019 a autora e a 1.ª ré reuniram de novo nas instalações da autora em ..., tendo nessa reunião definido os seguintes pontos essenciais para o negócio entre ambas:
I.
71.º
Definiram que a autora teria que adaptar o seu edifício para nele poder instalar as máquinas de confecção da 1.ª ré e ficaria responsável por todo o processo desde a produção até à expedição das encomendas efectuadas pela 1.ª ré.
72.º
Ou seja, teria que efectuar todas as obras necessárias a alojar as máquinas da 1.ª ré, adaptar o edifício ao respectivo aumento de capacidade produtiva, ampliando a área de produção e acabamentos existente no local.
73.º
A autora teria também que contratar novos funcionários para o efeito e consequentemente teria que adaptar / ampliar o edifício face a esse aumento de trabalhadores.
74.º
Ou seja, teria que ampliar e fazer novos escritórios, ampliar o refeitório, os vestiários, fazer mais casas de banho e tudo mais que fosse necessário.
75.º
A 1.ª ré teria nas instalações da autora uma área para seu uso exclusivo, isto é, escritórios próprios para o seu pessoal administrativo e executivo, uma área destinada aos técnicos para controlo dos programas / software das máquinas, uma zona de recepção de clientes e um showroom.
76.º
As obras a realizar pela autora incluíam também a renovação exterior do edifício, ou seja, das 4 fracções autónomas, por forma a conferir-lhe uma imagem mais nórdica, que se identificasse ao tipo de unidades fabris na ....
II.
77.º
A 1.ª ré teria que garantir à autora um número mínimo de encomendas a produzir por esta, não inferior a 3 milhões de pares de meias por ano e 250 000 por mês.
78.º
Sendo que o preço a pagar pela 1.ª ré à autora por essas encomendas se desdobraria em 5 patamares de preços conforme a complexidade de cada artigo específico a fabricar.
III.
79.º
A 1.ª ré teria que adiantar à autora 50% do valor da faturação estimada para o 1.º ano, a fim de a autora realizar as obras de ampliação e adaptação do edifício.
80.º
Por sua vez, esse valor, iria sendo deduzido pela autora na faturação mensal, ou seja, por efeito de obras realizadas, metade do valor total de faturação de cada encomenda que a 1.ª ré fizesse à autora seria deduzido por esta àquela.
IV.
81.º
A 1.ª ré ficava obrigada a transportar e instalar as máquinas que tinha na sua unidade de produção na ..., nas instalações da autora e em condições de estarem prontas para iniciar a produção.
V.
82.º
A 1.ª ré ficava ainda obrigada a comprar todas as matérias-primas necessárias à produção (fios, etiquetas) e material de embalamento (caixas).
83.º
Definidos estes pontos (I a IV) pela autora e 1.ª ré para a parceria a estabelecer entre ambas, acordaram as mesmas que encarregariam de seguida os seus respectivos advogados a reduzir a escrito o correspondente contrato.
84.º
Em conformidade, em Novembro de 2019 a autora solicitou ao seu advogado, que diligenciasse pela elaboração do referido contrato.
85.º
O mesmo tendo feito a 1.ª ré junto da sua então advogada - Dra. FF.
86.º
Todavia, como mais adiante se irá expor, devido às adaptações que o negócio / parceria, entretanto iniciada entre a autora e 1.ª ré, foi assumindo no dia-a-dia, a redacção de tal contrato só ficou concluída ao fim de 9 meses.
C) A concretização, na prática, do negócio / parceria entre a autora e a 1.ª ré
87.º
Definidas as condições essenciais da sua parceria e enquanto os seus advogados redigiam o respectivo contrato celebrado entre a autora e a 1.ª ré, acordaram estas em, no entretanto, iniciar a primeira fase do negócio.
88.º
Ou seja, proceder de imediato à execução das obras referidas nos pontos 72.º a 76.º desta petição, adiantando a 1.ª ré à autora o valor necessário para o efeito.
89.º
Sendo que, ficou acordado desde início que esse adiantamento da 1.ª ré para a autora começar a executar as obras em causa seria de € 200 000,00 (duzentos mil euros).
90.º
Em 24 de Março de 2020 a autora iniciou as aludidas obras, as quais se foram prolongando durante um ano e que consistiram, em suma, no seguinte:
1.
- demolição de ½ da fracção ... para reconstrução dessa fracção, tendo sido demolido e refeito o armazém para os produtos de embalamento e expedição
- construção de oito casas de banho, com divisórias e portas das mesmas em fenólico e acabamento em azulejo
- reformulação do refeitório
- reformulação da área de compressores
- reformulação da recepção
- colocação de novo piso em toda essa ½ da fracção ...
- montagem de uma estrutura em vigas metálicas correspondente a essa ½ da fracção ..., para suportar a ampliação e telhado da fracção ... (que fica por cima dessa parte da fracção ...)
- execução de todos os acabamentos necessários destas obras, tais como, construção de paredes divisórias (demolição, construção em tijolo e remate em areado e pintura), para fazer a separação da zona de armazenamento do material de embalamento e da área de embalamento e zona das casas de banho
- colocação de duas portas corta-fogo, metálicas, e duas portas rápidas, em lona, para separar a área de embalamento da autora da área de embalamento destinada à 1.ª ré
- colocação de um portão basculante eléctrico para acesso dessa fracção ao exterior para cargas e descargas;
- construção da laje de prolongamento da fracção ..., por forma a aumentar a área da mesma, e construção da estrutura, paredes e telhado, correspondente a esse aumento, sendo as paredes em tijolo, com revestimento exterior em alumínio e revestimento interior em pladur e chapa metálica
- demolição da parede que separa a área antiga da área nova
- construção de duas casas de banho e uma área de balneários, sendo as casas de banho em paredes divisórias de tijolo, areado e pintado, portas de madeira, e os balneários em divisórias de pladur
- construção de vestiário para os homens, com cacifos e cabides, com uma área de 30m2
- construção de um compartimento com uma área de 20 m2 para instalação das máquinas de vácuo/aspiração, sendo as paredes em pladur e revestidas a chapa metálica lisa
- ampliação da área dos técnicos das máquinas para 125 m2
- revestimento do exterior das fracções ... e ..., em chapa metálica ondulada de cor ...
- substituição de 57 módulos (cada módulo contém uma janela a abrir e 5 vidros fixos) de janelas e 5 portas, tudo em alumínio com corte térmico e vidro duplo
- reformulação / adaptação uma área própria para escritório exclusivo da ré no ... e ... andar, das fracções ... e ..., na qual foi construída uma casa de banho, paredes divisórias, colocação de portas, refeito o chão e tecto e instaladas umas escadas de acesso a essa área, que ocupa uma parte do ... e ... andar das fracções ... e ...
- criação de um showroom para a ré com a área total de 50 m2, através da reformulação de duas salas com uma divisória a meio
- adaptação de uma sala para sala dos técnicos de software das máquinas da ré
- cfr. docs. n.ºs ...3 a ...6 juntos
91.º
O custo total destas obras executadas pela autora foi de € 352 531,23 (trezentos e cinquenta e dois mil quinhentos e trinta e um euros e vinte e três cêntimos) - cfr. doc. n.º ...7 junto
92.º
Sendo que, a 1.ª ré adiantou à autora apenas os seguintes valores:
- € 25 000,00 em 31.03.2020
- € 50 000,00 em 20.05.2020
- € 100 000,00 em 06.07.2020
- cfr. docs. n.ºs ...8 a ...0 juntos
93.º
Ou seja, € 175 000,00 (cento e setenta e cinco mil euros).
94.º
Todavia, conforme referido no ponto 89.º desta petição, ficou acordado desde início entre autora e 1.ª ré que o adiantamento que esta faria à autora para a realização das referidas obras seria no valor de € 200 000,00.
95.º
Valor este que iria ser deduzido pela autora, posteriormente, em produção a efectuar no ano de 2021.
96.º
Concretamente, seria deduzido 25% no valor a facturar a partir de Janeiro de 2021.
97.º
Ou seja, se a factura emitida pela autora à 1.ª ré fosse no valor de € 100 000,00, seriam deduzidos € 25 000,00 a título de adiantamento para obras e o restante a 1.ª ré pagava à autora.
98.º
De salientar que, como já referido, todas estas obras, referidas de 1. a 4. Do ponto 90.º, foram efectuadas com a finalidade exclusiva de execução dos termos do contrato / parceria celebrado entre a autora e a 1.ª ré.
99.º
Com efeito, a autora não precisava destas obras, uma vez que dispunha de perfeitas condições e área até em demasia para a sua actividade.
100.º
Por isso, realizou todas as referidas obras apenas no interesse e com objectivo do negócio celebrado com a 1.ª ré, tanto mais que parte das mesmas eram até destinadas para uso exclusivo da 1.ª ré.
101.º
E, precisamente em vista do cumprimento do negócio celebrado com a 1.ª ré, além das aludidas obras realizadas, diligenciou a autora, desde logo, por contratar novos funcionários e preparar toda a equipa necessária para a 1.ª ré funcionar normalmente.
102.º
Começou, pois, a autora por contratar novos comerciais, que de imediato começaram a trabalhar na autora por forma a conhecerem o sistema e depois estarem em condições de fazer a ligação com a 1.ª ré.
103.º
A partir de Abril de 2020 a autora começou a contratar funcionários para todas as áreas, desde a produção até à expedição final, para garantir a produção mínima de peúgas que havia acordado com a 1.ª ré.
104.º
Assim, contratou 5 funcionários para fazerem a gestão do armazém de matérias-primas, designadamente, para receberem os fios e embalagens, conferir essas encomendas, reencaminhar para a produção e inserir dados no software.
105.º
A autora contratou também 41 funcionários para a produção (para trabalharem com as máquinas) e 11 técnicos afinadores para manutenção e reparação das máquinas.
106.º
Contratou também mais 69 funcionários para acabamentos e embalamentos das peúgas, armazenamento e envio das encomendas para os clientes.
107.º
A autora contratou ainda mais 9 administrativos para dar apoio aos comerciais, às áreas de acabamentos e expedição.
108.º
Como a autora estava muito empenhada em cumprir o contrato celebrado com a 1.ª ré e ter toda uma equipa a funcionar em pleno para o efeito, contratou, pois, todos os técnicos/ profissionais necessários e que estavam disponíveis para celebrar de imediato o respectivo contrato de trabalho e, de certo modo, a qualquer custo.
109.º
O que determinou até que a autora tivesse de proceder a um aumento dos salários dos seus trabalhadores, porquanto estando estes a ensinar e a dar formação aos novos trabalhadores contratados pela autora reivindicaram ganhar o mesmo que estes.
110.º
Por efeito da parceria celebrada com a 1.ª ré, a autora contratou, no total, 135 trabalhadores destinados exclusivamente à produção das encomendas da 1.ª ré - cfr. doc. n.º ...3 junto
111.º
Sendo que, foi a autora que pagou os salários de todos estes novos trabalhadores.
112.º
Além desses 135 novos trabalhadores, a autora afetou também 19 dos seus trabalhadores à produção das encomendas da 1.ª ré, suportando também os respectivos salários.
113.º
Pelo que, no âmbito do negócio celebrado com a 1.ª ré, com a inerente contratação de todos estes trabalhadores, no ano de 2020 a autora teve um custo acrescido de € 682 915,55, a título de salários - cfr. doc. n.º ...2 junto
114.º
Com recurso a todos estes trabalhadores, a autora constituiu uma equipa totalmente preparada para as diversas áreas / fases da produção.
115.º
E, a partir do mês de Março de 2020, começou então a produzir peúgas para a 1.ª ré.
116.º
Como referido no ponto 77.º desta petição, inicialmente ficou definido entre ambas que a 1.ª ré garantiria à autora um número mínimo de encomendas a produzir por esta, não inferior a 3 milhões de pares de meias por ano e 250 000 pares por mês.
117.º
Estimando a 1.ª ré que esse número mínimo fosse ultrapassado para os 350 000 pares de meias por mês, em virtude das encomendas em carteira de que dispunha.
118.º
Porém, por efeito da pandemia da Covid 19 que entretanto se abateu sobre o país e o mundo e que veio a determinar a suspensão da actividade de muitos agentes económicos, autora e 1.ª ré acordaram em redefinir o número mínimo de encomendas.
119.º
Isto, em rigor, porque a 1.ª ré, embora reiteradamente dissesse à autora que lhe encomendaria sempre, no mínimo, entre 250 000 a 350 000 pares de meias por mês, temia que a pandemia se fizesse reflectir nos seus clientes e consequentemente nas suas encomendas.
120.º
Na sequência e apenas por mera cautela, a 1.ª ré solicitou à autora que no contrato escrito consignassem em 100 000 (cem mil) o número mínimo de pares de meias a produzir.
121.º
Não obstante isso, a 1.ª ré assegurou-lhe que se a pandemia não afectasse o negócio, continuaria a entregar-lhe encomendas, no mínimo, entre os 250 000 a 350 000 pares de meias por mês.
122.º
Face a isto, a autora acordou em consignar-se no contrato escrito que o número mensal de encomendas a efectuar pela 1.ª ré à autora seria de 100 000 pares de meias por mês, numa quantidade total anual mínima de 1.100.000 (um milhão e cem mil) pares de meias por cada ano.
123.º
Por sua vez, a autora obrigava-se a produzir as meias até ao máximo da capacidade de produção das máquinas da 1.ª ré instaladas na fábrica da autora.
124.º
A autora começou então a produzir peúgas para a 1.ª ré e a emitir as correspondentes facturas em nome desta.
125.º
Posteriormente, os 3.º e 4.º réus informaram a autora que tinha sido constituída em Portugal a sociedade “EMP03..., Unipessoal, Lda”, ora 2.ª ré, de que era única sócia a aqui 1.ª ré e gerentes os 3.º e 4.º réus - cfr. doc. n.º ...3 junto
126.º
Sociedade essa que tinha também por objecto social, entre o mais, o fabrico e confecção de meias e similares de malha e o comércio por grosso de têxteis, vestuário e acessórios - cfr. doc. n.º ...3 antes junto
127.º
E que, até 23.02.2021, teve a sua sede precisamente na Rua ..., freguesia ..., em ..., ou seja, na sede da aqui autora e onde foi instalada a unidade de produção da 1.ª ré em virtude da parceria celebrada com a autora.
128.º
Face à constituição desta nova sociedade, ora 2.ª ré, os 3.º e 4.º réus passaram a solicitar à autora que determinadas facturas fossem emitidas em nome desta 2.ª ré e não da 1.ª.
129.º
Assim, a partir de 14.12.2020, as facturas relativas às encomendas produzidas pela autora passaram a ser emitidas pela autora ora em nome de uma ré, ora em nome de outra, conforme indicação dos gerentes comuns às duas rés.
130.º
Sendo que, como mais adiante se irá expor, embora as rés fossem pagando as facturas emitidas pela autora de forma pontual, a partir de certa altura deixaram de o fazer, ficando, pois em débito para com a mesma.
D) A transcrição em documento de todos os termos e condições do negócio celebrado entre a 1.ª ré e a autora e efectivação por parte da autora da hipoteca prevista nesse documento
131.º
Conforme já referido, na sequência da proposta de negócio efectuada pela 1.ª ré à autora, em 6.11.2019 reuniram as mesmas nas instalações da autora em ..., tendo aí definido os pontos essenciais para a parceria entre ambas.
132.º
E, na sequência, encarregaram os seus respectivos advogados de converter em documento escrito o correspondente contrato.
133.º
Em conformidade, em Novembro de 2019 o advogado da autora e a então advogada da 1.ª ré, Dra. FF, começaram a elaborar o referido contrato.
134.º
Sendo que, os termos e condições do negócio celebrado entre a 1.ª ré e autora já vigoravam na prática desde essa altura, pois que, apesar de o contrato ainda não estar então reduzido a escrito, ambas acordaram em iniciar desde logo o negócio.
135.º
Face às adaptações que na prática o negócio entre a 1.ª ré e a autora foi assumindo no dia-a-dia e às consequentes alterações dos termos inicialmente acordados, a redacção de tal contrato só ficou concluída ao fim de 9 meses.
136.º
Ou seja, em 6 de Julho de 2020.
137.º
Nessa última versão (escrita) do contrato celebrado, a autora e a 1.ª ré consignaram, entre o mais, para o que aqui releva, o seguinte:
a) - A EMP03... não dispõe de instalações industriais em Portugal, e pretende deslocar as suas máquinas de produção para as instalações da EMP01... na freguesia ..., ..., com o fim de disponibilizar a esta empresa portuguesa os meios necessários à produção de meias e produtos de compressão que a EMP03... lhe adquirirá (cfr. al. E. dos considerandos)
b) - Para efeito de colocação das máquinas da EMP03... nas instalações identificadas no número 1., a EMP01... compromete-se a executar, através de empresa por si contratada, as obras necessárias à ampliação desse edifício/fração, de forma a proporcionar todas as condições físicas para o perfeito funcionamento das máquinas da EMP03... (cfr. cláusula primeira, ponto 2)
c) - A EMP01... disponibilizará à EMP03... o espaço resultante da ampliação tal como consta do Anexo 1 ao presente contrato onde aparece descrito (cfr. cláusula primeira, ponto 3)
d) - A EMP03... compromete-se a deslocar todas as suas máquinas identificadas no Anexo 2 para as instalações da EMP01..., no período máximo de 6 meses após outorga do contrato (cfr. cláusula terceira, ponto 1)
e) - A EMP03... compromete-se a entregar essas máquinas nas instalações da EMP01... em boas condições de conservação e funcionamento (…) (cfr.cláusula terceira, ponto 2)
f) - A EMP03... entregará à EMP01..., a título de adiantamento do valor devido pela compra de meias por esta produzidas nas suas máquinas, a quantia de EUR 200.000,00 (duzentos mil euros). (cfr. cláusula quarta, ponto 1)
g) - As partes estabelecem que o montante referido no número anterior tem como único fim permitir à EMP01... o pagamento dos encargos e custos de obras que terá pela ampliação e adaptação das suas instalações, conforme referido no número 4 da cláusula terceira. (cfr. cláusula quarta, ponto 2)
h) - Para reembolso deste valor à EMP03..., a EMP01... efectuará a compensação gradual com a sua facturação àquela, sendo deduzido, a partir de Janeiro de 2021, o valor correspondente a 25% do pagamento devido, até o valor do adiantamento se mostrar integralmente pago (cfr. cláusula quarta ponto 3)
i) EMP01... é a única responsável pela contratação dos trabalhadores e técnicos necessários para a produção com recurso às máquinas que são propriedade da EMP03..., bem como pelo pagamento das respetivas retribuições desses trabalhadores que estarão exclusivamente destacados para essas funções nas suas instalações (cfr. cláusula quinta)
j) A EMP03... obriga-se a fazer uma encomenda mínima de 100.000 (cem mil) pares de meias por mês, numa quantidade total anual mínima de 1.100.000 (um milhão e cem mil) pares de meias para cada ano de validade do contrato, correspondente ao tempo de produção efetivo por ano de 11 (onze) meses (cfr. cláusula sexta, ponto 1.)
k) Caso a EMP03... não cumpra com o número mínimo de encomendas de 100.000 pares por mês, em média, durante 6 meses, ficará na mesma obrigada a pagar à EMP01... a quantidade remanescente dos pares que não forem encomendados, sempre tendo em consideração a média de 100.000 pares mês por um período de 6 meses. (cfr. cláusula sexta, ponto 3.)
l) A EMP03... poderá decidir, a todo o tempo, quais as encomendas a serem executadas nas suas máquinas, podendo alterar a respetiva ordem de produção. Porém, se da alteração da ordem de encomendas resultar a alteração da respetiva data de entrega, a EMP03... aceitará e assumirá as responsabilidades decorrentes das entregas com datas posteriores que daí resultarem. (cfr. cláusula sexta, ponto 7.)
m) Por cada par encomendado, a EMP03... pagará à EMP01... o preço acordado de EUR 0,50 (cinquenta cêntimos) por par para todas as meias. As partes acordam ainda em que pode ser requerido e acordado um preço inferior em ocasiões especiais, para obter uma maior encomenda. (cfr. cláusula sexta, ponto 10.)
n) As partes obrigam-se, ainda, no fim de cada ano de vigência do contrato, a fazer uma reavaliação dos preços acordados, ajustando o preço de cada categoria ao aumento ou diminuição, documentalmente comprovados, dos custos directos de produção (cfr cláusula sexta, ponto 11.)
o) A facturação e pagamento das encomendas serão efectuados mensalmente. A EMP01... apenas pode facturar a EMP03... por meias que tenham já sido fisicamente remetidas pela fábrica e recebidas pela EMP03... ou destinatário por esta indicado. A EMP01... deverá emitir e entregar até ao dia 15 de cada mês a factura referente às meias remetidas e recebidas pela EMP03... ou pelo destinatário por esta indicado. A EMP03... obriga-se a pagar esta factura no prazo máximo de 15 dias após a sua recepção. (cfr.cláusula sexta, ponto 12.)
p) A EMP03... encomenda, paga e manda entregar atempadamente, nas instalações da EMP01..., todo o fio e demais matérias-primas necessárias para a produção e confeção dos pares encomendados. (cfr. cláusula sétima, ponto 1.)
q) Os trabalhos de manutenção diária das máquinas propriedade da EMP03... identificadas no Anexo 2, são da responsabilidade da EMP01..., consistindo designadamente na limpeza diária, verificação de nível de óleo e de pressão de ar, verificação e substituição de agulhas, platinas, sinkers e outros consumíveis, afiação / amolação e eventual substituição de facas e lâminas. Os trabalhos de manutenção de responsabilidade da EMP01... estão melhor discriminados no Anexo 3 junto a este contrato. (cfr. cláusula nona, ponto 1.)
r) No caso de necessidade de reparação das máquinas ou substituição de peças, caberá à EMP03... encomendar e pagar esses materiais e diligenciar pela reparação. (cfr. cláusula nona, ponto 2.)
s) O presente contrato tem início na data da sua assinatura, vigorará por tempo indeterminado, e nenhuma das partes lhe poderá pôr termo durante os primeiros dois anos da sua execução. Decorrido este período, qualquer uma das partes pode pôr-lhe termo mediante pré-aviso efectuado por escrito e remetido com a antecedência de 365 dias em relação à data de termo pretendida. (cfr. cláusula décima primeira ponto 1.)
t) No caso de incumprimento por uma das partes do período mínimo de 3 (três) anos de vigência do contrato (mínimo de duração de dois anos acrescido de um ano de pré-aviso), a outra parte terá direito a uma indemnização que terá o valor de EUR 600.000,00 por cada período de 12 meses em falta, ou o valor correspondente a fracção desse período, sem prejuízo do dever da parte faltosa de indemnizar pelos danos comprovadamente resultantes da cessação antecipada do contrato (cfr. cláusula décima primeira ponto 2.)
u) Como garantia do reembolso da quantia adiantada e referida no nº 1 da cláusula quarta, a EMP01... constituirá, a favor da EMP03..., hipoteca sobre o prédio urbano que integra o edifício principal das suas instalações (…) (cfr. cláusula décima sexta ponto 1.)
v) Após integral reembolso da quantia adiantada e referida no nº 1 da cláusula quarta, a EMP03... entregará, no prazo de 15 dias, o documento necessário ao distrate da hipoteca constituída nos termos do nº 1. (cfr. cláusula décima sexta ponto 2.)
w) A EMP03..., em garantia do cumprimento de todas e cada uma das obrigações assumidas no presente contrato, constitui neste momento, por efeito deste contrato, penhor mercantil a favor da EMP01..., sobre as máquinas constantes da relação junta como Anexo 2 ao presente contrato. (cfr. cláusula décima sexta ponto 3.)
x) Por seu lado, a EMP01..., em garantia do cumprimento de todas e cada uma das obrigações assumidas no presente contrato, constitui neste momento, por efeito deste contrato, penhor mercantil a favor da EMP03..., sobre as máquinas constantes da relação junta como Anexo 5 ao presente contrato. (cfr. cláusula décima sexta ponto 4.)
y) Este contrato é regido pelas disposições aplicáveis da Lei Portuguesa e as partes acordam que, em caso de litígio, serão competentes os Tribunais portugueses, devido à relação estreita com o território de Portugal das obrigações assumidas pelas partes. (cfr. cláusula décima sétima) - cfr. doc. n.º ...4 junto
138.º
Este documento é o resultado do trabalho de meses dos advogados da autora e da 1.ª ré, que analisaram, discutiram e ponderaram com as mesmas as respectivas cláusulas, termos e condições.
139.º
E, sucessivamente, ao longo do tempo, em função das adaptações que na prática o negócio em curso entre a 1.ª ré e a autora ia tendo, esses advogados foram efectuando as alterações que autora e 1.ª ré, de mútuo acordo, pretendiam.
140.º
Os termos e condições constantes deste documento escrito, intitulado contrato, espelham, pois, o acordado e a vontade efectiva da autora e da 1.ª ré e os moldes em que pretenderam regular o negócio / parceria existente entre as mesmas.
141.º
A autora e a 1.ª ré entenderam perfeitamente todo o seu conteúdo e alcance, encontrando-se, aliás, o referido contrato redigido em língua portuguesa e inglesa, e tendo sido devidamente explicado às mesmas pelos seus advogados.
142.º
De resto, como já exposto, antes mesmo da transcrição de todos os termos e condições do negócio em causa neste documento escrito, já autora e 1.ª ré haviam dado início ao negócio.
143.º
E, portanto, os termos e condições ali constantes já vigoravam na prática desde Novembro de 2019.
144.º
Precisamente na data da conclusão deste contrato escrito, ou seja, em 06.07.2020, a 1.ª ré entregou à autora o valor de € 100 000,00 referido no ponto 92.º, a fim de, conforme acordado, lhe permitir pagar os custos das obras de ampliação realizadas pela mesma.
145.º
Na sequência, porque autora e 1.ª ré se manifestaram de acordo com o teor do referido contrato, o 4.º réu enviou um e-mail a questionar se o contrato poderia ser assinado no dia 29.07.2020, uma vez que o 3.º réu chegava a Portugal nessa semana - cfr. doc. n.º ...5 junto
146.º
A autora informou a 1.ª ré que estava disponível para assinar o contrato nesse dia, tendo ficado acordado que a autora diligenciaria também pela marcação e outorga da escritura de hipoteca prevista no ponto 1. da cláusula décima sexta do contrato.
147.º
Porém, nesse dia 29.07.2020, a 1.ª ré, na pessoa dos aqui 3.ºs e 4.º réus, seus accionistas e CEO’s, recusou-se a assinar o contrato enquanto a autora não constituísse a seu favor a aludida hipoteca, como garantia do reembolso das quantias adiantadas.
148.º
Assim, a autora, de boa-fé, em cumprimento das obrigações assumidas para com a 1.ª ré, designadamente do ponto 1. da cláusula 16.ª do contrato celebrado, em 5.08.2020, por meio de escritura pública, constituiu a favor da 1.ª ré a referida hipoteca - cfr. doc. n.º ...6 junto
149.º
Concretamente, nessa escritura, a autora constituiu hipoteca a favor da 1.ª ré sobre o prédio urbano que integra o edifício principal das suas instalações, ou seja, sobre a seguinte fracção autónoma:
- Fracção autónoma, designada pela letra ..., armazém no ... piso, contígua à fracção ..., que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., freguesia ..., ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...15... e descrita no registo predial sob o n.º ...16...
150.º
Essa hipoteca ficou a garantir o pagamento de € 200 000,00, ou seja, o valor global que a 1.ª ré acordou adiantar à autora a título do pagamento de encomendas produzidas pela mesma, a fim de esta custear as já aludidas obras de ampliação e adaptação das suas instalações - cfr. doc. n.º ...6 já junto e cláusula quarta, ponto 1 no doc. n.º ...4 já junto
151.º
De notar que apesar de a autora ter efectuado a hipoteca por esse valor de € 200 000,00, à data da outorga desta escritura de hipoteca, como referido no ponto 93.º desta petição, apenas havia recebido da 1.ª ré a quantia global de € 175 000,00.
152.º
A autora acreditou e confiou, pois, que a 1.ª ré honraria o referido negócio / contrato celebrado consigo, designadamente que lhe adiantaria também o valor remanescente acordado.
153.º
E, por isso mesmo, em 07.08.2020, a autora fez registar na conservatória do registo predial a referida hipoteca a favor da 1.ª ré - cfr. doc. n.º ...7 junto
154.º
Tendo a autora suportado com a outorga da escritura pública dessa hipoteca e respectivos impostos o valor de € 1 445,00 e com o registo dessa hipoteca o valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) - cfr. docs. n.ºs ...8 e ...9 juntos
155.º
Realizada e registada esta hipoteca, a autora solicitou então à 1.ª ré que procedesse à assinatura do documento referido no ponto 137.º desta petição inicial que traduzia, a escrito, o contrato já celebrado entre as mesmas.
156.º
A 1.ª ré, representada pelos 3.º e 4.º réus, contudo, surpreendentemente, recusou-se a assinar o referido contrato.
157.º
O que, de resto, levou a que a sua própria advogada - Dra. FF - se incompatibilizasse com os mesmos.
158.º
De todo o modo, não obstante essa inesperada e injustificada recusa da 1.ª ré em assinar o contrato, o negócio / parceria estabelecida entre esta e a autora prosseguiu.
E) Os problemas que, por culpa da ré, foram surgindo no decorrer do negócio
159.º
No âmbito do negócio celebrado com a autora, a 1.ª ré comprometeu-se a deslocar todas as suas máquinas da ... para as instalações da autora, em ... e a entregá-las à mesma em boas condições de conservação e funcionamento.
160.º
Por sua vez, a autora obrigou-se a adaptar as suas instalações e executar todas as obras necessárias para a boa integração e funcionamento das máquinas da 1.ª ré - que seriam afectas à produção das encomendas efectuadas por esta à autora.
161.º
As primeiras máquinas da ré chegaram às instalações da autora no mês de Janeiro de 2020, ficando em armazém, uma vez que, a essa data, as referidas obras ainda não tinham sido iniciadas.
162.º
Nessa altura começou, pois, a autora a preparar a equipa para a posterior produção das encomendas da 1.ª ré nas suas instalações.
163.º
No mês de Junho de 2020 a 1.ª ré entregou nas instalações da autora as suas máquinas principais.
164.º
E, no final desse mês, estando a ficar praticamente terminadas as obras realizadas pela autora, começou então esta a proceder à instalação das máquinas da 1.ª ré.
165.º
Tratam-se de teares circulares com um ou dois cilindros na vertical, que têm 3 a 5 polegada/diâmetro, ocupando cada máquina 3 m2.
166.º
Sendo que, foram então instaladas, no total, 150 máquinas.
167.º
Passados 15 dias, essas máquinas, gradualmente, começaram a produzir.
168.º
Nessa altura a autora tinha toda a sua equipa já pronta para o imediato funcionamento / produção a partir dessas máquinas da 1.ª ré.
169.º
Ao iniciar-se a produção verificou-se que muitas dessas máquinas da 1.ª ré não estavam em condições de funcionamento, uma vez que apresentavam problemas electrónicos e mecânicos.
170.º
Na verdade, 60 dessas máquinas até vertiam óleo, que atravessava o piso das instalações da autora e caía no ... em baixo.
171.º
A autora deu conhecimento deste problema à 1.ª ré, que alegou que tal situação se deveu ao transporte das máquinas da ... para as instalações da autora.
172.º
A autora prestou toda a colaboração e ajuda à 1.ª ré, disponibilizando-lhe técnicos que tinha contratado para a manutenção diária das máquinas e contratou ainda outros para executarem o que fosse preciso à reparação das máquinas.
173.º
Naturalmente, sem essas máquinas a laborar, o volume da produção era inferior ao previsto.
174.º
Mas, note-se, incumbia à 1.ª ré e não à autora, entregar as máquinas em boas condições de conservação e funcionamento e diligenciar pela sua reparação sempre que necessário.
175.º
De todo o modo, para tentar resolver o problema, a autora encomendou e mandou substituir / colocar nas máquinas da 1.ª ré as peças necessárias, bem como afectou mais técnicos para a manutenção e reparação das máquinas da 1.ª ré.
176.º
A título demonstrativo, a autora dispunha do mesmo número de máquinas e tinha 2 técnicos afectos às mesmas, enquanto que para a reparação das máquinas da 1.ª ré teve que afectar mais 8 técnicos, para além dos que já dispunha.
177.º
A autora foi, pois, fazendo todos os esforços para resolver este problema, no sentido de aumentar a produção em curso de encomendas da 1.ª ré, por forma a atingir, pelo menos, 100 000 (cem mil) pares de meias por mês.
178.º
Contudo, mesmo após os técnicos terem procedido à reparação das referidas máquinas da 1.ª ré, constatou-se que várias delas não tinham conserto e que, por isso, não poderiam ser utilizadas na produção.
179.º
Conforme o tempo foi passando a 1.ª ré foi manifestando à autora a vontade de atingir a produção de 350 000 (trezentos e cinquenta mil) pares de meias por mês, referindo-lhe que para isso se dispunha a comprar mais máquinas.
180.º
E, com esse objectivo, a 1.ª ré veio então de facto a adquirir novas máquinas.
181.º
Todavia, ainda assim, apesar de todos os esforços, no mês de Novembro de 2020 a produção máxima que a autora conseguiu atingir foi de 220 000 (duzentos e vinte mil) pares de meias.
182.º
A autora alertou então a 1.ª ré que, além daquele problema das máquinas da 1.ª ré que não estavam em condições de produzir, o método de trabalho dos 7 técnicos que a 1.ª ré trouxe da ... também afectava negativamente a produção.
183.º
A autora fez ver à 1.ª ré que esses 7 técnicos, por forma a não surgirem problemas mecânicos nas máquinas e a não aparecerem muitos defeitos nas meias, baixavam a velocidade de produção das máquinas.
184.º
Só que, em contrapartida, essa forma de trabalhar acarretava uma produção substancialmente inferior.
185.º
Sendo que, a forma de produção da autora sempre foi em velocidade normal, mais rápida e coadjuvada por técnicos que reparavam de imediato as máquinas se surgisse algum defeito de produção.
186.º
A autora advertiu a 1.ª ré que com a forma de trabalhar daqueles técnicos da 1.ª ré não conseguiriam atingir o número mensal acordado de 350 000 pares de meias por mês.
187.º
Nessa altura a 1.ª ré propôs-se assumir a produção, mas a autora não aceitou, porque o acordado era a autora ficar encarregue por toda a produção das encomendas da ré com recurso às máquinas desta.
188.º
E, por outro lado, a autora não admitia passar para a 1.ª ré essa produção, porque tinha feito um grande investimento e não o tinha ainda recuperado, não podendo por isso aceitar uma produção naqueles termos.
189.º
A autora frisou que o problema da baixa produção se devia não só às anomalias das máquinas da ré mas também ao método de trabalho dos técnicos que a mesma trouxe da ... e que, por isso, teria que seguir-se a forma de trabalhar da autora e não daqueles.
190.º
A 1.ª ré dispensou então um desses seus técnicos da ... e a partir dessa altura verificou-se que a produção subiu.
191.º
Face a tal constatação, por sugestão da autora, a 1.ª ré foi dispensando também outros técnicos da ..., o que, de igual forma, se reflectiu numa subida da produção.
192.º
Por acordo entre a autora e a 1.ª ré, passou então a seguir-se a forma de trabalhar / produzir indicada pela autora, sendo o planeamento das encomendas efectuado pela 1.ª ré.
193.º
Com efeito, como as máquinas da 1.ª ré que vieram da ... demoraram a entrar em produção por causa das anomalias que desde o início revelaram ter, a 1.ª ré, alegando que tinha encomendas urgentes, ia alterando a produção em curso de máquina para máquina.
194.º
Na verdade, em virtude de algumas das máquinas da 1.ª ré estarem em mau estado, os técnicos despendiam muito tempo para as conseguir reparar e, por isso, às vezes, era preciso uma semana para estarem aptas a produzir.
195.º
Por outro lado, muitas das vezes os problemas das máquinas da 1.º ré eram relativos a falta de acessórios essenciais, por exemplo, quando avariava ou partia o dispensador / ponta do sensor que detectava as agulhas partidas.
196.º
Nesses casos, a produção planeada continuava e quando partia alguma agulha o sensor avariado não disparava e a produção seguia por isso com defeitos, até que algum maquinista (responsável por 15 máquinas) viesse de novo à máquina e visse o defeito.
197.º
Outra situação causadora de atrasos era a máquina da 1.ª ré vanizar mal, ou seja, fazia a junção de dois fios diferentes que deveriam ficar harmonicamente separados na mesma laçada e, em consequência, o produto ficava riscado.
198.º
Para corrigir este problema o técnico da 1.ª ré reduzia a velocidade da máquina em causa que, assim, não produzia com esse defeito mas produzia muito menos quantidades.
199.º
A certa altura sucedeu também que a 1.ª ré reduziu o nível de pressão do ar comprimido que abastecia as suas máquinas para 5 kg por cm2, quando idealmente pode variar entre 8 a 6 kg por cm2.
200.º
E, portanto, com essa pressão do ar, o sensor das suas máquinas poderia não activar e não parar as máquinas, permitindo, pois, à ré que as máquinas trabalhassem continuamente, mesmo que assim fosse possível surgirem defeitos nos artigos ou mesmo danos nos acessórios e agulhas das máquinas.
201.º
O que efectivamente se veio a verificar com 10 das máquinas da 1.ª ré, causando as inerentes reparações e mais atrasos na produção.
202.º
Deste modo, como a 1.ª ré estava com um atraso de 4 a 6 meses na entrega das encomendas, passou a ser a mesma, através da sua funcionária GG, a planear / distribuir as suas encomendas por cada máquina em funcionamento.
203.º
A ré invocava que a autora não conhecia os artigos que aquela fabricava e por isso seria a mesma a definir a colocação do artigo em cada máquina, limitando-se a autora a produzir os artigos que aquela destinasse para cada máquina.
204.º
Sucede que, com a pressão pelo referido atraso na entrega das encomendas, era frequente a ré colocar uma determinada encomenda numa máquina e depois decidia mudar para outra para satisfazer primeiro outro cliente, interrompendo aquela.
205.º
Ou seja, a ré mandava parar a produção de uma determinada encomenda em curso, para que nessa(s) máquina(s) se fizessem antes amostras ou outros artigos mais urgentes.
206.º
Por conseguinte, o técnico tinha que alterar o programa da máquina, inserindo no software os dados necessários, proceder à mudança dos fios de confecção para o efeito e alterar a programação para fazer essas concretas amostras / artigos.
207.º
Sendo que, na preparação de cada uma das máquinas para esse efeito, o técnico despendia cerca de 5 horas.
208.º
E essas máquinas, às 17:00 horas, paravam de fazer amostras, uma vez que os técnicos iam embora a essa hora, quando, em condições normais, essas máquinas, tal como estavam inicialmente programadas, trabalhariam 24 horas.
209.º
E, por isso, sempre que a ré alterava o esquema / ordem de produção em curso, verificava-se um atraso substancial nas encomendas que de início estavam colocadas nessas máquinas.
210.º
Acontecia também, frequentemente, a funcionária que preparava a máquina para a produção constatar que não existia em stock o fio para aquela concreta ordem de produção alterada pela 1.ª ré.
211.º
Ou, mesmo, ser iniciada a produção que a ré tinha ordenado e verificar-se durante a produção que o fio existente não chegava, tendo de ser parada essa amostra ou encomenda até que a ré encomendasse o fio necessário.
212.º
O que implicava que, por vezes, as máquinas ficassem paradas dois ou três dias a aguardar que a ré disponibilizasse à autora o fio necessário para a produção.
213.º
O que, obviamente, também gerava atrasos na produção.
214.º
Note-se que, conforme acordado, competia à ré encomendar, pagar e entregar atempadamente à autora todo o fio e demais matérias-primas necessárias para a produção e confecção dos pares de meias encomendados à autora.
215.º
Por outro lado, para a autora poder dar continuidade à produção, entretanto interrompida pelas rés, do artigo que estava inicialmente em curso naquelas máquinas, as rés paravam outras máquinas que tivessem outro artigo.
216.º
Tudo isto criou uma descoordenação / confusão na produção, interferindo, naturalmente, de forma negativa, quer no número diário de pares de meias a produzir pela autora, quer na data de entrega das encomendas.
217.º
Sendo que, era a autora que estava a suportar todos os custos com a produção, não tendo correspondência com a facturação prevista / acordada com a 1.ª ré, antes sofrendo grandes prejuízos económicos.
218.º
Em Janeiro de 2021 a autora atingiu uma produção de 13 500 pares de meias por dia e informou as rés que esta seria a capacidade máxima diária possível de acordo com o planeamento que estava a ser feito pelas rés.
219.º
A autora propôs-se então assumir o planeamento das rés por forma a melhor compatibilizar o esquema da produção e alcançar os resultados desejados e acordados.
220.º
Porém, as rés, representadas pelos 3.º e 4.º réus, responderam que nunca iriam passar para a autora o planeamento das suas encomendas.
221.º
E, consequentemente, a autora disse-lhes que, nesse caso, mantendo-se aquela forma de planeamento, nunca poderia ser atingida a produção pretendida pelas rés, ou seja, de 350 000 (trezentos e cinquenta mil) pares de meias por mês.
222.º
Nem seria possível tornar rentável a produção.
223.º
Foi então que a 1.ª ré, na tentativa de resolver os referidos problemas, propôs-se a assumir o controlo total das suas encomendas.
224.º
A 1.ª ré referiu à autora que assumiria a produção a partir do início do mês de Fevereiro de 2021, pois que dispunha de capacidade financeira e não pouparia até atingir os objectivos acordados.
225.º
A autora concordou, uma vez que, tendo em conta o estado das máquinas da 1.ª ré e a forma de planeamento em prática pela mesma, o máximo de rentabilidade/produtividade que obtinha era o referido no ponto 218.º.
226.º
O que, correspondentemente, face aos inerentes custos que a autora estava a suportar, designadamente com salários dos trabalhadores, energia, transportes e materiais, significava um enorme prejuízo mensal para a autora - cfr. doc. n.º ...0 junto
227.º
Com efeito, desde Junho de 2020 que a autora vinha a suportar um prejuízo, que, em Outubro desse ano ascendeu a € 109 376,51, em Novembro a € 98 575,71, em Dezembro a € 18 653,63 e em Janeiro de 2021 a € 69 942,22 - cfr. doc. n.º ...0 antes junto
228.º
Deste modo, a autora chegou a um ponto em que, não podendo, por recusa das rés, controlar e assumir o planeamento das encomendas destas, nunca poderia conseguir uma produção rentável.
229.º
E, por isso mesmo é que se viu forçada a aceitar que a 1.ª ré assumisse, temporariamente, encarregar-se de todo o processo produtivo das suas encomendas na tentativa de esta resolver a situação.
F) A assunção pela 1.ª ré, a título temporário, da produção
230.º
Conforme exposto nos pontos anteriores, na tentativa de resolver o referido problema existente e, pois, obter-se lucro com a produção das encomendas da ré, esta acordou com a autora, assumir, temporariamente, essa produção.
231.º
Comprometendo-se a ré a, logo que estivesse tudo a funcionar em pleno e de modo lucrativo, voltar a entregar a gestão / controlo da produção das encomendas da mesma à autora.
232.º
Até lá, durante esse período de transição temporária da produção para a 1.ª ré, as rés acordaram com a autora, entre o mais, o seguinte:
- os trabalhadores da autora afectos às máquinas da 1.ª ré, passariam a estar sob a ordem e direcção da ré, suportando esta integralmente os salários dos mesmos
- os sócios da autora supervisionariam a produção efectuada pela 1.ª ré
- os custos de energia das máquinas da 1.ª ré seriam calculados mensalmente pela autora e a 1.ª e 2.ª rés suportariam esse custo
- havendo necessidade de subcontratar encomendas, seria a autora a indicar as empresas para o efeito, dentro do seu círculo de confiança
- a 1.ª ré informaria a autora sobre as encomendas em curso, custos e lucro obtido
233.º
Sucede que, logo que a autora deixou de produzir e, pois, facturar qualquer encomenda às rés, apercebeu-se que a 1.ª ré não pretendia apenas temporariamente assumir a produção, mas antes quebrar totalmente o negócio celebrado com a autora.
234.º
Desde logo, porquanto, contrariamente ao acordado, as rés contrataram de uma outra empresa concorrente da autora, um administrador / gestor de toda a empresa, de nome HH.
235.º
E, assim, afastaram os sócios da autora, impossibilitando-os de efectuar qualquer supervisão, que, pois, passou a ser atribuída em exclusivo a esse HH.
236.º
Por outro lado, o referido HH, com a concordância das rés e sem consultar a autora, subcontratava as encomendas precisamente na empresa de onde saiu (...-..) e só se esta não tivesse capacidade suficiente é que subcontratava outras que entendia.
237.º
A autora perdeu rendimento com essa actuação, uma vez que, quando subcontratava, tinha uma margem de lucro, que assim deixou de ter.
238.º
A autora apercebeu-se também da intenção das rés quererem quebrar o negócio celebrado com a autora, pelo facto de estas terem contratado um conjunto de 49 novos trabalhadores, todos da área de ..., para todos os sectores da produção de peúgas.
239.º
Por outro lado, o 3.º e 4.º réus, accionistas e CEO’s da ré, embora esta continuasse a funcionar nas mesmas instalações da autora, começaram a evitar quaisquer contactos com os sócios da autora.
240.º
Deixaram, pois, os 3.º e 4.º réus de conferenciar com a autora sobre as encomendas em curso, estado da produção, custos, objectivos, lucro obtido, entre o mais.
G) A revelação da ré à autora de que iria cessar o negócio e transferir-se para ... e efectiva transferência
241.º
Como já referido, a 1.ª ré acordou com a autora assumir a produção das suas próprias encomendas e da 2.ª ré, a partir do início do mês de Fevereiro de 2021 e, quando a produção estivesse rentável, entregaria de novo à autora o controlo dessa produção.
242.º
Todavia, dias depois de a 1.ª ré ter assumido a produção, a autora soube que as rés andavam a procurar instalações próprias em ....
243.º
A autora questionou então os 3.º e 4.º réus se efectivamente as rés tinham essa intenção, o que estes negaram.
244.º
Mas, pouco tempo depois, os 3.ºs e 4.º réus acabaram por informar a autora que as rés iam mesmo mudar de instalações para instalações próprias, com organização e gerência próprias.
245.º
Ou seja, que não pretendiam dar continuidade ao negócio / parceria celebrado com a autora e que, a breve prazo, deixariam as instalações da mesma e de lhe entregar quaisquer encomendas.
246.º
Com uma tal conduta por parte de todos os réus, desrespeitaram os mesmos tudo quanto havia sido acordado com a autora, desprezando por completo o negócio celebrado com esta e o enorme investimento que esta teve de fazer para o efeito.
247.º
A saída injustificada e antecipada da 1.ª ré, impedia, pois, que a autora alcançasse os resultados comerciais que podia legitimamente esperar da execução do negócio.
248.º
Em consequência, a relação da autora com as rés degrada-se e entra no fim.
249.º
A partir daí e até à efectiva saída das rés, as encomendas destas eram totalmente produzidas / controladas pelas mesmas, sem que pagassem qualquer valor à autora por tais encomendas.
250.º
A autora passou então a facturar-lhes apenas o custo de energia das máquinas utilizadas pelas mesmas na produção dessas encomendas.
251.º
As rés mantiveram-se nesta situação durante os meses de Março, Abril e Maio de 2021.
252.º
Ou seja, durante esses três meses as rés continuaram a ocupar as instalações da autora e aí produzir as encomendas delas próprias.
253.º
Por isso, sempre assistiria à autora o direito a uma compensação pela ocupação das suas instalações pelas rés durante esses meses.
254.º
Na verdade, só em Maio de 2021 as rés acabaram por sair em definitivo das instalações da autora e instalar-se na fábrica que adquiriram em ....
H) Consequências do incumprimento pela ré do negócio celebrado com a autora / prejuízos efectivos suportados pela autora
H.1) Indemnização pela cessação antecipada do contrato (cláusula penal) ou, subsidiariamente, indemnização por lucros cessantes
255.º
Logo de início, como referido na al. G), aquando das negociações estabelecidas entre a autora e a 1.ª ré para a celebração da parceria entre ambas, acordaram as mesmas em estabelecer condições para essa parceria.
256.º
Condições essas que fizeram depois reduzir a escrito, conforme exposto no ponto 137.º desta petição.
257.º
A autora e a 1.ª ré preocuparam-se também em definir consequências para o incumprimento dessas condições que, de mútuo acordo, coadjuvadas pelos seus respectivos advogados, estabeleceram.
258.º
Designadamente, face ao investimento que o negócio comportava para ambas as partes, e ao enorme risco económico subjacente em caso de o negócio falhar por incumprimento de alguma delas, autora e ré pretenderam assegurar-se.
259.º
Com efeito, por um lado, no âmbito do negócio em causa, a autora teria de fazer um grande investimento quer em obras de adaptação e ampliação do seu edifício, quer na contratação de um conjunto de trabalhadores para poder dar resposta às encomendas da 1.ª ré.
260.º
Teria que dar formação a esses trabalhadores (comerciais, costureiras e técnicos) e dedicar muito tempo a organizar e adaptar a sua empresa e a sua equipa ao novo artigo a produzir para a 1.ª ré que implicava um novo método produtivo.
261.º
Por outro lado, para se dedicar à produção das encomendas da 1.ª ré, a autora teria necessariamente que recusar novos clientes e mesmo não poderia aumentar a produção dos seus clientes actuais.
262.º
Por sua vez, a 1.ª ré deslocalizaria todas as suas máquinas da ... para as instalações da autora, ficando a produção das suas encomendas na dependência desta.
263.º
E, por isso, se a autora não as produzisse, ou o negócio não corresse bem, poderia a 1.ª ré ficar na situação de ter de encontrar um novo espaço fabril para a sua produção e contratar por si toda uma equipa para o efeito.
264.º
Sendo que, nesse caso, a 1.ª ré corria o sério risco de, até lá, não conseguir entregar atempadamente as encomendas em curso e com isso perder os seus clientes.
265.º
Deste modo, em suma, temiam autora e 1.ª ré que, caso alguma delas falhasse, se vissem confrontadas com graves prejuízos que poderiam mesmo determinar a ruína das suas empresas.
266.º
Por isso mesmo acordaram, desde início, em estabelecer um prazo mínimo para a vigência do negócio entre elas e fixar uma indemnização para o caso de incumprimento por parte de alguma delas.
267.º
Nesse sentido, em reunião de 03.07.2020, ocorrida nas instalações da autora, onde estiverem presentes os sócios desta, os seus advogados, o 3.º e 4.º réu e a sua então advogada, autora e 1.ª ré discutiram a este respeito.
268.º
Sendo que, após avaliarem os eventuais prejuízos que poderiam advir de um incumprimento do aludido negócio celebrado entre as mesmas, a autora e a 1.ª ré acordaram em que nenhuma delas poderia pôr termo ao negócio durante os primeiros dois anos da sua execução.
269.º
E que, para pôr termo ao negócio, qualquer uma das partes teria de fazê-lo por escrito com uma antecedência de 365 dias em relação à data de termo pretendida.
270.º
Ou seja, no fundo, a autora e a 1.ª ré acordaram que o negócio teria, no mínimo, uma duração de 3 anos.
271.º
E, tendo sobretudo em vista compelir que uma e outra respeitassem esse prazo de duração do negócio e as condições acordadas, a autora e a 1.ª ré decidiram também fixar uma indemnização no caso de incumprimento.
272.º
Indemnização essa que, face aos previsíveis prejuízos em caso de incumprimento, a autora e a 1.ª ré acordaram livremente em fixar no montante de € 600 000,00 por cada período de 12 meses em falta ou o valor corresponde à fracção desse período.
273.º
Isto, sem prejuízo do dever da parte faltosa indemnizar a outra parte pelos danos comprovadamente resultantes da cessação antecipada do contrato.
274.º
Foi nesta base de entendimento, entre as demais condições já enunciadas, que a autora e a 1.ª ré avançaram em conjunto para o negócio descrito ao longo desta petição.
275.º
Assim, a autora entregou-se totalmente a este negócio, dedicando muito tempo à organização e adaptação da sua empresa para a produção de peúgas para a 1.ª ré.
276.º
Além de todas as obras desenvolvidas pela autora e melhor descritas no ponto 90.º desta petição, a autora teve de procurar, contratar e preparar toda uma equipa, desde a produção/ confecção à expedição das encomendas da 1.ª ré.
277.º
De salientar, aqui, que a autora fabricava e fabrica peúgas com grossuras, com poucos desenhos / detalhes técnicos, nas quais são incluídos, no máximo, 4 fios e, por isso mesmo são peúgas de menor dificuldade de produção - cfr. doc.s n.ºs 41 a 44 juntos
278.º
Já as peúgas da 1.ª ré são mais finas, com diversas cores e desenhos, repletas de detalhes técnicos, entrando 5 a 19 fios para o próprio fabrico - cfr. docs. n.ºs ...5 a ...7 juntos
279.º
De modo que, a produção das peúgas da 1.ª ré é totalmente distinta da produção das peúgas da autora, implicando a sua confecção mais dificuldades, mais defeitos, maior atenção e mais tempo de produção.
280.º
Na verdade, face ao elevado número de fios e pormenores / desenhos que envolvem as peúgas da 1.ª ré, era grande a possibilidade de um determinado fio não entrar na agulha certa do tear ou de se entrelaçar mal com outro fio, causando logo defeito na produção.
281.º
Pelo que, a produção das peúgas da 1.ª ré, exigia uma constante atenção às máquinas / teares da mesma, para as quais a autora teve de contratar vários técnicos, a fim de detectar e evitar erros / defeitos na produção.
282.º
A autora teve por isso de dedicar muito tempo ao (novo) método produtivo das peúgas encomendadas pela 1.ª ré, investindo numa equipa de 150 novos trabalhadores que preparou para o efeito.
283.º
A autora dedicou também muito tempo com os seus técnicos, com os técnicos externos e técnicos que contratou, na manutenção e reparação das máquinas que a 1.º ré trouxe da ... e que, como já antes referido, não estavam em condições de produzir.
284.º
A autora concentrou-se neste contrato/parceria que celebrou com a 1.ª ré e em prol disso desconsiderou clientes que a procuravam e deixou de procurar outros clientes que poderia encontrar e fidelizar.
285.º
Por outro lado, totalmente empenhada no negócio celebrado com a 1.ª ré e tendo em vista atingir a produção de 350 000 pares de meias por mês pretendido por aquela, a autora recusou aumentar a produção de encomendas solicitada pelos seus demais clientes.
286.º
Conforme descrito na al. E) a autora desenvolveu todos os seus esforços para o bom funcionamento do negócio celebrado com a 1.ª ré, tentando sempre solucionar os problemas que, por razões que não lhe eram imputáveis, foram surgindo.
287.º
A 1.ª ré, porém, contrariamente ao acordado com a autora, decidiu, sem qualquer justificação bastante para o efeito, pôr termo ao negócio celebrado com a autora, deixando em definitivo as instalações desta em Maio de 2021 e instalando-se então na fábrica que adquiriu em ....
288.º
Sendo que, conforme referido no ponto 244.º, comunicou à autora essa sua intenção, verbalmente, em Abril de 2021.
289.º
Portanto, a 1.ª ré apenas manteve o negócio celebrado com a autora durante 12 meses, ou seja, de Março de 2020 a 28 de Fevereiro de 2021.
290.º
Deste modo, não só a 1.ª ré incumpriu com o prazo mínimo de vigência do contrato / negócio que celebrou com a autora, como pôs termo ao mesmo sem justificação e sem observar o pré-aviso de 365 acordado entre as mesmas.
291.º
Por conseguinte, assiste à autora o direito a ser indemnizada pela 1.ª ré, no montante de € 600 000,00 por cada período de 12 meses em falta, conforme acordado pelas mesmas.
292.º
Na verdade, foi este o valor que livremente a autora e a 1.ª ré antecipadamente fixaram para o incumprimento do contrato, tendo em vista a minimização dos danos que se viessem a verificar na esfera jurídica da parte não incumpridora do negócio.
293.º
E, pois, como mecanismo de ressarcimento dos lucros cessantes normalmente associados à antecipada cessação do negócio / contrato celebrado.
294.º
Pode por isso a autora exigir da ré, a este título, o valor global de € 1 200 000,00 (um milhão e duzentos mil euros).
Subsidiariamente,
295.º
Se assim não se entendesse, o que não se aceita e apenas por mera cautela e hipótese de raciocino se enuncia, se, hipoteticamente, não se considerasse válida esta cláusula penal ou excessivo o montante da indemnização prevista, sempre assistiria à autora o direito a uma indemnização por lucros cessantes.
296.º
Com efeito, a cessação antecipada do negócio celebrado com a autora, por parte da ré, traduz, pois, o incumprimento culposo do mesmo e constitui-a na obrigação de indemnizar a autora pelos danos causados, designadamente os lucros cessantes.
297.º
Na verdade, a autora deixou de lucrar com o inadimplemento do negócio por parte da ré.
298.º
Os lucros cessantes compreendem, pois, os benefícios que a autora, com fundada probabilidade, teria obtido se o negócio tivesse sido cumprido ou se a autora não houvesse iniciado o negócio em causa e, sem culpa sua, confiado na boa-fé da ré.
299.º
Ora, como já referido, o acordado era o negócio vigorar por tempo indeterminado, não podendo, porém, as partes pôr-lhe termo durante os primeiros dois anos da sua execução, sendo necessário um pré-aviso de 365 dias para o efeito.
300.º
Portanto, o período mínimo de duração do contrato celebrado entre a autora e a 1.ª ré seria de 3 anos.
301.º
Assim, tendo em consideração que a 1.ª ré acordou com a autora encomendar-lhe, pelo menos, 350 000 pares de meias por mês e pagar-lhe € 0,50 por cada par, o valor anual de produção projectado seria de € 1.225.000,00.
302.º
A um tal valor teriam, naturalmente, de ser abatidos os custos da produção, designadamente com trabalhadores / técnicos contratados, energia, material para manutenção das máquinas e gastos administrativos.
303.º
A autora e a ré, aquando do início do contrato celebrado entre as mesmas, consideraram, então, que metade do valor da produção efectuada seria para cobrir os custos da mesma e o restante seria o lucro bruto da autora.
304.º
Deste modo, a quantificação dos lucros cessantes da autora em função das receitas projectadas para o período contratual em falta corresponde aos seguintes valores:
● 2021 = € 875 000,00 (oitocentos e setenta e cinco mil euros)
Ou seja:
350 000 pares x 10 meses (de Março a Dezembro 2021) = 3.500.000 pares
3.500.000 pares x € 0,50 = € 1 750.000,00
€ 1.750.000,00 : 2 = € 875 000,00 (€ 875 000,00 de gastos e € 875 000,00 de lucro)
● 2022 = 1.050.000,00 (um milhão e cinquenta mil euros)
Ou seja:
350 000 pares x 12 meses = 4.200.000 pares
4.200.00 x € 0.50 = €2.100.000,00
€ 2.100.000,00 : 2 = €1.050.000,00
● 2023 = € 262 500,00 (duzentos e sessenta e dois mil e quinhentos euros)
Ou seja:
350 000 pares x 3 meses ( de Janeiro a Março de 2023) = 1.050.000 pares
1.050.000 x € 0.50 = € 525 000,00
€ 525.000,00 : 2 = € 262 500,00
305.º
Portanto, atendendo ao período contratual em falta pela 1.ª ré, a autora deixou de auferir o valor global de € 2.187.500,00, correspondente ao somatório das receitas projectadas para os anos de 2020, 2021 a Março de 2023, referido no ponto 304.º anterior.
306.º
Como referido, um tal valor tem por base a encomenda de 350 000 pares de peúgas por mês, solicitada pela 1.ª ré à autora e que esta aceitou produzir.
307.º
De todo modo, à cautela, se se entender que o valor mensal a considerar só poderá ser aquele que ficou a constar do documento escrito referido no ponto 137.º desta petição, ou seja, 100 000 pares de meias, os lucros cessantes da autora sempre corresponderiam, nessa hipótese, aos seguintes valores:
● 2021 = € 250 000,00 (duzentos e cinquenta mil euros)
Ou seja:
100 000 pares x 10 meses (de Março a Dezembro 2021) = 1.000.000 pares
1.000.000 pares x € 0,50 = € 500.000,00
€ 500.000,00 : 2 = € 250 000,00 (€ 250 000,00 de gastos e € 250 000,00 de lucro)
● 2022 = €300.000,00 (trezentos mil euros)
Ou seja:
100 000 pares x 12 meses = 1.200.000 pares
1.200.00 x € 0.50 = €600.000,00
€ 600.000,00 : 2 = €300.000,00
● 2023 = € 75 000,00 (setenta e cinco mil euros)
Ou seja:
100 000 pares x 3 meses ( de Janeiro a Março de 2023) = 300.000 pares
300.000 x € 0.50 = € 150 000,00
€ 150.000,00 : 2 = € 75 000,00
308.º
Assim, nesta hipótese, a autora direito a exigir da 1.ª ré, pelo menos, o valor global de € 625 000,00 (seiscentos e vinte e cinco mil euros) que deixou de auferir em virtude do aludido incumprimento culposo desta.
H.2) Prejuízos efectivos suportados pela autora
309.º
A cessação imotivada do contrato por parte da ré faz com que esta incorra também na obrigação de indemnizar a autora pelos prejuízos que ocasionou (danos emergentes).
310.º
Esses prejuízos tiveram a ver com os custos que a autora teve de suportar com os trabalhadores que afectou à produção das encomendas da 1.ª ré, honorários de advogados para elaborarem o contrato subjacente ao negócio celebrado com a ré, escritura de hipoteca, entre outros.
Vejamos:
H.2.1) Custo com trabalhadores que a autora afectou à produção de encomendas da 1.ª ré
311.º
Omo já antes referido, em vista do cumprimento do negócio celebrado com a 1.ª ré, além de a autora ter contratado 135 novos trabalhadores, afectou também 19 dos seus trabalhadores à produção das encomendas da 1.ª ré.
312.º
Isto, por forma a assegurar uma equipa para a 1.ª ré poder funcionar normalmente nas instalações da autora.
313.º
E, nesse sentido e em vista dos resultados futuros da produção das encomendas da 1.ª ré a realizar durante o período de 3 anos de vigência do contrato, a autora investiu nesses trabalhadores.
314.º
Sendo que, foi a autora que suportou os respectivos salários de cada um destes trabalhadores, bem como as contribuições para a segurança social e seguros associados ao contrato de trabalho dos mesmos.
315.º
O que, no ano de 2020, implicou que a autora tivesse tido um custo total de € 87 594,42 e em 2021 um custo total de € 29 287,00 - cfr. docs. n.ºs ...8 e ...9 juntos
316.º
Ou seja, a título de salários, respectivos impostos e seguros dos trabalhadores, suportou a autora o valor global de € 116 881,42 (cento e dezasseis mil oitocentos e oitenta e um euros e quarenta e dois cêntimos).
317.º
Um tal valor só se justificava se o negócio entre a autora e a 1.ª ré se prolongasse durante todo o período de 3 anos acordado entre as mesmas para a vigência do contrato.
318.º
Pois que, o investimento efectuado pela autora nestes trabalhadores apenas poderia ser recuperado com os resultados da produção a efectuar para a 1.ª ré, a longo prazo.
319.º
Já que, face às avarias das máquinas da 1.ª ré, manifestadas logo no início do negócio celebrado com a autora, se verificou não ser possível atingir os números mínimos de produção esperados.
320.º
E, estando esses trabalhadores afectos exclusivamente à produção das encomendas da 1.ª ré, nenhum lucro advinha à autora do trabalho realizado pelos mesmos na fase inicial do negócio
321.º
Por isso, em virtude da cessação antecipada do negócio por parte da 1.ª ré, acabou a autora por não recuperar o referido valor de € 116 881,42, que se traduz num prejuízo efectivo da autora.
322.º
A autora pode por isso exigir da ré esse valor de € 116 881,42 (cento e dezasseis mil oitocentos e oitenta e um euros e quarenta e dois cêntimos).
H.2.2) Honorários de advogados
323.º
Logo de início, após a proposta de negócio efectuada pela 1.ª ré à autora e uma vez que, como antes referido, a 1.ª ré pretendia que na reunião a realizar com a autora em 06.11.2019 esta dispusesse já de um projecto de contrato da parceria a estabelecer entre ambas, teve a autora de consultar os seus advogados.
324.º
Em vista dessa reunião e da discussão dos termos do negócio / parceria a celebrar com a 1.ª ré, diligenciou, pois, a autora, por reunir de imediato com os seus advogados, a fim de lhes expor o negócio em causa e de estes lhe elaborarem uma minuta / rascunho do respectivo contrato.
325.º
Os advogados da autora analisaram então a pretensão da autora e da 1.ª ré e, para efeito da reunião de 06.011.2019, prepararam-lhe uma minuta com os pontos essenciais a considerar para a celebração do negócio / contrato com a 1.ª ré.
326.º
Nessa reunião havida entre a autora e a 1.º ré, onde definiram os pontos essenciais para o negócio entre ambas, acordaram as mesmas em encarregar os seus respectivos advogados a reduzir a escrito o correspondente contrato.
327.º
Em conformidade, em Novembro de 2019 a autora solicitou aos seus advogados que diligenciassem pela elaboração desse contrato.
328.º
Os advogados da autora analisaram, discutiram e ponderaram com a mesma as respectivas cláusulas, termos e condições a inserir nesse contrato, tendo para o efeito reunido mais de 50 vezes.
329.º
Foi também necessário realizar 5 reuniões entre os advogados da autora e da 1.ª ré, a fim de se chegar a uma redacção consensual do contrato que fosse ao encontro das vontades da autora e da 1.ª ré.
330.º
Sendo que, devido às adaptações que o negócio / parceria, entretanto iniciada entre a autora e 1.ª ré, foi assumindo no dia-a-dia, a redacção de tal contrato só ficou concluída ao fim de longos 9 meses.
331.º
Com efeito, face a essas adaptações, os advogados da autora tiveram sucessivamente, ao longo do tempo, de voltar a rever a minuta do contrato que elaboraram e reunir com a advogada da 1.ª ré para então efectuarem as alterações que autora e 1.ª ré, de mútuo acordo, pretendiam.
332.º
Daí a prolongada e trabalhosa redacção do aludido contrato.
333.º
Por tal efeito e apenas no âmbito do negócio celebrado com a 1.ª ré, em 29.12.2020 teve a autora que suportar, a título de honorários com os seus advogados, a quantia de € 12 484,50 (doze mil quatrocentos e oitenta e quatro euros e cinquenta cêntimos) - cfr. doc. n.º ...0 junto
334.º
Face ao incumprimento do negócio por parte da 1.ª ré, tem, pois, a autora o direito a exigir-lhe um tal valor, acrescido dos respectivos juros de mora.
H.2.3) Custos com a escritura de hipoteca
335.º
Por razões de economia processual a autora dá aqui por reproduzidos os factos constantes dos pontos 137.º e 148.º a 156.º desta petição.
336.º
Ou seja, em suma, apenas em virtude do negócio celebrado com a 1.ª ré e em cumprimento das obrigações assumidas para com esta no âmbito desse negócio, é que a autora, em 5.08.2020, constituiu a favor da 1.ª ré hipoteca sobre a fracção autónoma ..., melhor identificada no ponto 149.º desta petição - cfr. doc. n.º ...6 já junto
337.º
E, em 07.08.2020, fez registar na conservatória do registo predial a referida hipoteca a favor da 1.ª ré - cfr. doc. n.º ...7 já junto
338.º
Sendo que, com a outorga da escritura pública desta hipoteca e respectivos impostos, suportou a autora o valor de € 1 445,00 e com o registo dessa hipoteca o valor de € 250,00 - cfr. docs. n.ºs ...8 e ...9 juntos
339.º
Assim, face ao incumprimento do contrato por parte da 1.ª ré, tem a autora direito de exigir desta o pagamento da quantia global de € 1 695,00 (mil seiscentos e noventa e cinco euros).
I) Outros valores devidos pelas rés à autora
I.1) Valores relativos a amostras produzidas pela autora à 1.ª ré
340.º
Conforme referido nos pontos 8.º a 20.º desta petição, a autora, a solicitação da 1.ª ré, produziu 5 amostras de meias militares para o exército sueco, cujo custo a 1.ª ré se obrigou a pagar à autora.
341.º
Na sequência a autora encomendou os fios necessárias ao fabrico dessas amostras e após a produção das mesmas, enviou-as para testes para o laboratório EMP04....
342.º
Na aquisição dos referidos fios a autora despendeu o valor de € 3 077,00, no desenvolvimento / produção das amostras o valor de € 1 250,00 e nos testes do EMP04... o valor de € 1 102,64 - cfr. doc. n.º ... já junto
343.º
Em conformidade com o acordado, em 13.09.2021 a autora emitiu e enviou à 1.ª ré a correspondente factura, no valor global de € 5.430,34 (cinco mil quatrocentos e trinte euros e trinta e quatro cêntimos) - cfr. doc. n.º ... já junto
344.º
A 1.ª ré, porém, até ao dia de hoje não procedeu ao pagamento de um tal valor à autora que, pois, lhe é devido pela mesma.
I.2) Valores relativos a encomendas produzidas e não pagas
345.º
No âmbito do negócio celebrado entre a autora e a 1.ª ré, como já exposto, a autora produziu-lhe diversas encomendas e prestou-lhe serviços, pelos quais emitiu e enviou à 1.ª ré as correspondentes facturas.
346.º
Desde 31.03.2020 a 1.ª ré foi pagando à autora as facturas que se venceram, tendo, porém, a partir de determinada altura falhado ao pagamento de algumas facturas.
347.º
Com efeito, a 1.ª ré não liquidou à autora a factura n.º ...12, vencida em 28.09.2020, bem como um conjunto de outras facturas que se venceram em Outubro de 2020, Fevereiro de 2021, Março de 2021, Abril de 2021 e Junho de 2021, respectivamente. - cfr. docs. n.ºs ...1 a ...8 juntos
348.º
Encontram-se, pois, em divida pela 1.ª ré à autora as seguintes facturas: - cfr. doc. n.º ...9 junto
349.º
A 1.ª ré não reclamou das encomendas / serviços prestados pela autora relativos a qualquer uma destas facturas, nem devolveu à autora essas facturas ou mesmo as encomendas / serviços correspondentes que lhe foram prestados.
350.º
E, não obstante as sucessivas interpelações efectuadas pela autora à 1.ª ré, a verdade é que, até ao dia de hoje, esta não liquidou à autora o respectivo valor de cada uma dessas facturas.
351.º
A 1.ª ré deve por isso à autora o montante de cada uma das facturas elencadas no ponto 348.º, que ascendem ao valor global de € 146 554,48 (cento e quarenta e seis mil quinhentos e cinquenta e quatro euros e quarenta e oito cêntimos) - cfr. docs. n.ºs ...1 a ...9 já juntos
352.º
Por sua vez, a 2.ª ré, de quem é única sócia a 1.ª ré e sócios gerentes os 3.º e 4.º réus, a partir de Dezembro de 2020 solicitou também à autora diversos serviços e encomendas, que a autora produziu e lhe entregou.
353.º
E, na sequência, a autora emitiu e enviou à 2.ª ré as respectivas facturas.
354.º
Embora desde o início da relação comercial - 14.012.2020 - e até meados de Janeiro de 2021, a 2.ª ré tenha pago à autora as inúmeras facturas que até então se venceram, a verdade é que, um tal pagamento não se verificou em relação às facturas subsequentes emitidas pela autora - cfr. docs. n.ºs ...0 e ...1 a ...52 juntos
355.º
A autora foi insistindo com a 2.ª ré para que procedesse ao pagamento desses valores em falta, o que, porém, até ao dia de hoje não se verificou.
356.º
Encontram-se, pois, em divida pela 2.ª ré à autora as encomendas / serviços que esta lhe prestou e que dizem respeito às seguintes facturas:
- cfr. doc. n.º ...53 junto
357.º
A 2.ª ré não reclamou das encomendas / serviços prestados pela autora relativos a qualquer uma destas facturas, nem devolveu à autora essas facturas ou mesmo as encomendas / serviços correspondentes que lhe foram prestados.
358.º
E, como referido, não obstante as sucessivas interpelações efectuadas pela autora à 2.ª ré, a verdade é que, até ao dia de hoje, esta não liquidou à autora o respectivo valor de cada uma dessas facturas.
359.º
A 2.ª ré deve por isso à autora o montante de cada uma das facturas elencadas no ponto 356.º, que ascendem ao valor global de € 83 202,15 (oitenta e três mil duzentos e dois euros e quinze cêntimos).
I.3) Valores relativos a acessórios / peças para as máquinas da 1.ª ré
360.º
No âmbito do aludido negócio celebrado, a autora e a 1.ª ré acordaram que os trabalhos de manutenção diária das máquinas da 1.ª ré instaladas na unidade fabril da autora competiam à autora.
361.º
Tais trabalhos de manutenção consistiam, designadamente, na limpeza diária, verificação de nível de óleo e de pressão de ar, verificação e substituição de agulhas, platinas, sinkers e outros consumíveis, afiação / amolação e eventual substituição de facas e lâminas.
362.º
Sendo que, embora tais trabalhos fossem da incumbência da autora, ficou acordado que seria a 1.ª ré, no caso de ser necessário proceder à reparação das máquinas ou substituição de peças, a suportar o custo respectivo.
363.º
Atento o mau estado das máquinas da 1.ª ré a que se fez referência nos pontos 169.º a 175.º e 195.º desta petição e as anomalias que foram sendo detectadas nas mesmas pela autora, por forma a ajudar a 1.ª ré e com a concordância desta, a autora encomendou as peças e acessórios que precisavam ser substituídos.
364.º
Tendo-se a ré comprometido a pagar à autora, conforme previamente já havia sido acordado, o valor de todas essas peças / acessórios.
365.º
Ora, nessas peças e acessórios que a autora encomendou e colocou nas máquinas da 1.ª ré, despendeu a autora o montante total de € 8 683,90 (oito mil seiscentos e oitenta e três euros e oitenta cêntimos) - cfr. docs. n.º s 154 a 176 juntos
366.º
Na sequência, a autora solicitou à 1.ª ré o pagamento de um tal valor que, porém, até à presente data esta não pagou à autora.
367.º
Assiste, por isso, à autora, o direito de exigir da 1.ª ré o referido valor de € 8.683,90 (oito mil seiscentos e oitenta e três euros e oitenta cêntimos).
I.4) Compensação pela ocupação das instalações da autora, pelas rés, de Março a Maio de 2021
368.º
Como já exposto na al. G), no mês Fevereiro de 2021 as rés informaram a autora que não pretendiam dar continuidade ao negócio celebrado com a mesma e que, a breve prazo, deixariam as instalações desta em ....
369.º
Desde então e até Maio de 2021, as rés continuaram a servir-se das instalações da autora, passando a produzir por si as suas próprias encomendas, sem que, em contrapartida, tenham pago qualquer valor à autora por essa ocupação.
370.º
Ora, tendo incumprido o negócio celebrado com a autora e deixando esta de receber qualquer valor pela produção das encomendas das rés, referiu-lhes a autora que, se não saíssem das suas instalações, teriam que lhe pagar o custo de energia das máquinas utilizadas pelas mesmas na produção dessas encomendas.
371.º
E, ainda, naturalmente, um valor a título de renda.
372.º
Embora as rés tenham referido à autora que estavam já a diligenciar pela sua saída, a verdade é que isso só se veio a verificar no final do mês de Maio de 2021.
373.º
Ao longo de 3 meses as rés continuaram, pois, em seu próprio e exclusivo beneficio, a fazer uso de todo o espaço fabril da autora onde se encontravam instaladas as máquinas da 1.ª ré, da zona de embalamento / expedição, escritórios, showroom, recepção, wc’s, entre o mais.
374.º
Esse espaço das instalações da autora, ocupado pelas rés, corresponde a uma área total de 3 737 m2 - cfr. doc. n.º ...77 junto
375.º
O valor locativo dessa parte das instalações da autora, considerando a área, o bom estado de conservação, infraestruturas, a aptidão e localização é de € 7 000,00 por mês.
376.º
Assim, considerando que as rés só em Maio de 2021 saíram em definitivo dessas instalações da autora, assiste-lhe o direito a exigir das mesmas uma compensação pela ocupação que fizeram durante aqueles três meses.
377.º
Compensação essa correspondente ao valor locativo da referida parte das instalações da autora que foi ocupada pelas rés.
378.º
Deste modo, pela referida ocupação das instalações da autora pelas rés durante os meses de Março a Maio de 2021, tem a autora direito a exigir das rés o valor global de € 21 000,00 (vinte e um mil euros).
J) A responsabilidade solidária dos 3.º e 4.º réus
379.º
Como decorre de todo o exposto, desde o início que foram os 3.º e 4.º réus a efectuar todos os contactos estabelecidos com a autora relativamente ao negócio / parceria em discussão.
380.º
Sendo que, estes réus não só agiram na qualidade de legais representantes das rés, como também transmitiram sempre à autora a ideia de que eles próprios pretendiam uma relação comercial com a mesma.
381.º
Ou seja, estes réus quiseram efectivamente celebrar o negócio / parceria em causa com a autora, por forma a que daí pudessem retirar para si maiores rendimentos.
382.º
Foram sempre os 3.º e 4.º réus a negociar, discutir, definir e acordar com a autora todo e qualquer ponto de interesse no âmbito do negócio em causa.
383.º
Os 3.º e 4.º réus são directores executivos (CEO’s) da 1.ª ré e gerentes da 2.ª ré, sendo eles quem no dia-a-dia gerem estas sociedades e tomam quaisquer decisões relativas ao funcionamento das mesmas.
384.º
Foram estes réus que aprovaram a decisão de incumprir o contrato celebrado com a autora e de as rés saírem em definitivo das instalações da mesma para instalações próprias.
385.º
Estes réus estavam conscientes de que com uma tal decisão a autora sofreria grandes prejuízos, em benefício dos réus e das rés sociedades.
386.º
Deste modo, os 3.º e 4.º réus são solidariamente responsáveis para com a autora pelo pagamento dos valores reclamados às rés na presente acção.
(…)
394.º
Os 3.º e 4.º réus são solidariamente responsáveis pelo pagamento dos valores exigidos às rés, pois que se serviram das rés e se concertaram com elas em benefício próprio e para prejuízo da autora
- vd. al.s a) e b) do n.º 1 do art.º 64.º, art.º 79.º CSC e 473.º CC” (o sublinhado é nosso).
As rés sociedades apresentaram contestação e deduziram reconvenção.
Por sua vez, os 3º e 4ºs réus também apresentaram contestação, invocando a excepção de incompetência territorial, a ineptidão da petição inicial quanto aos referidos réus por contradição entre o pedido e a causa de pedir; e para o caso de assim não se entender a manifesta improcedência do pedido deduzido pela autora contra os mesmos. Terminaram pedindo a procedência das excepções e a sua absolvição da instância ou do pedido, bem como a condenação da autora como litigante de má-fé. 
A autora replicou as contestações das rés sociedades e exerceu o contraditório relativamente à contestação apresentada pelos 3º e 4ºs réus.
Tendo sido designada audiência previa, foi no âmbito da mesma a autora convidada a concretizar os factos que conduzem à responsabilização dos réus, pessoas singulares.
Em resposta tal convite de aperfeiçoamento, a autora veio dizer o seguinte:
“Além do já exposto na petição inicial, designadamente nos pontos 379º a 986º, como fundamento para a responsabilização pessoal e solidária dos réus AA e BB a autora invoca que estes agiram sempre não só como legais representantes das rés sociedades mas também, autonomamente, por si próprios.
Ou seja, foram estes réus quem, desde o início, estabeleceram contactos com a autora, para efeitos de uma parceria a celebrar com a mesma, no sentido de esta lhes produzir grandes quantidades de meias.
Foram estes réus que visitaram toda a fábrica da autora, foram sempre eles que se apresentaram nas reuniões tidas com a mesma, tendo sido sempre eles a discutir, negociar e acordar com a autora todas e quaisquer condições/questões.
Foram os 3.º e 4.º réus que convenceram a autora a efectuar o negócio em discussão, fazendo-a crer que se tratava de uma oportunidade única que lhe iria permitir obter grandes ganhos, levando, pois, a autora a acreditar na viabilidade do negócio.
Por outro lado, os 3.º e 4.º réus sempre fizeram passar a ideia à autora de que eles próprios se assumiam pessoalmente responsáveis pelo cumprimento do referido negócio.
Foi, pois, a referida intervenção destes réus e toda a expectativa de sucesso na referida parceria que estes criaram na autora, que determinou a celebração do contrato entre as partes.
A actuação do 3.º e 4.º réus criou de facto na autora grande e séria confiança na efectiva concretização da referida parceria, nos moldes ampla e prolongadamente negociados e constantes do contrato junto à petição inicial como doc. n.º ...4.
Porém, não obstante terem criado na autora essa expectativa de que o contrato final seria celebrado e cumprido nos termos acordados, não só a ré sociedade, representada pelos 3.º e 4.º réus recusou, sem mais, formalizar/assinar o respectivo contrato, como foram estes réus que aprovaram a decisão de incumprir o contrato celebrado com a autora e sair em definitivo das instalações desta.
Deste modo, verifica-se existir uma violação de deveres de boa-fé e lealdade, que conduziu à indução dos representantes da autora em erro, e assim lhe causou os danos decorrentes da celebração do negócio.
Sendo que, salvo melhor opinião, a violação de tais deveres tipificam condutas previstas nos art.º 79º do C.S.C. e 483º, n.º 1 do C. Civil, violando ilicitamente o direito alheio à segurança e à integridade patrimonial – vd. neste sentido o AC. do TRP de 19/02//2013, processo n.º 1400/12.9TBVRL.P1.
Mas, ainda que se considere que ao caso não são aplicáveis as citadas normas sempre haveria fundamento, pelo menos, de responsabilidade pré-contratual dos 3.º e 4.ºs réus.
Responsabilidade esta que reside na culpa na formação do contrato e assenta na violação do dever de boa-fé que também tem de estar presente na fase pré-contratual – art.º 227º, n.º1, do C. Civil.
Assim se justifica, pois, a demanda destes réus e o pedido formulado quanto aos mesmos.”.
Na sequência, foi proferida decisão a julgar improcedente a acção quanto réus AA e BB, com o seguinte teor:
«Da improcedência da acção quanto aos réus AA e BB
.
“EMP01... – Peúgas e Confecções, Ld.ª” intentou a presente acção declarativa comum contra “EMP02.../S”, sociedade comercial com sede na ..., “EMP03... – Unipessoal, Ld.ª”, com sede em ..., AA e BB, pedindo, a título principal, que se condene a 1ª ré a pagar à autora, a título de cláusula penal, a quantia de € 1.200.000,00, deduzida do valor de € 175.000,00 que adiantara; a título subsidiário, uma indemnização, a título de lucros cessantes, no valor global de € 2.187.500,00, correspondente ao somatório das receitas projectadas para os anos de 2021 a Março de 2023; subsidiariamente, ainda, caso não se decida por um dos pedidos anteriores, a condenação da 1ª ré a pagar à autora uma indemnização, a título de lucros cessantes, no valor global de € 625.000,00, correspondente ao somatório das receitas projectadas para os anos de 2021, 2022 e até Março de 2023, e que não chegaram a concretizar-se; cumulativamente com os pedidos acima referidos: a condenação da 1ª ré a pagar o valor dos artigos/serviços constantes das facturas nos montantes de € 5.430,34, € 146.554,48 e € 8.689,90, acrescidos de juros, à taxa comercial, contados desde a data de vencimento até integral e efectivo pagamento, que correspondem às encomendas de fios e aos custos de produção das amostras e respectiva testagem no EMP04...; a condenação da 2ª ré a pagar à autora o valor dos artigos/serviços constantes das facturas que identifica, no valor de € 83.202,15, acrescido de juros, à taxa comercial, contados desde a data de vencimento dessas facturas e até integral e efectivo pagamento; a condenação da 1ª ré a proceder ao cancelamento do registo da hipoteca constituída sobre a fracção autónoma designada pela letra ..., armazém no ... piso, contígua à fracção ..., que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito em ..., freguesia ..., ..., inscrita na matriz predial urbana sob o art.º ...15... e descrita no registo predial sob o n.º ...16..., hipoteca essa que ficou a garantir o pagamento de € 200.000,00.
Cumulativamente, ainda, a condenação da 1ª ré a pagar à autora uma indemnização, a título de danos emergentes, no valor global de € 131.060,92, correspondente aos prejuízos sofridos com salários, impostos e seguros dos trabalhadores, honorários com advogados e custos com a constituição da hipoteca; a declaração de que o valor de € 175.000,00 é da autora; a condenação da 1ª e a 2ª rés a, solidariamente, pagarem à autora uma compensação pela ocupação das instalações da autora durante os meses de Março a Maio de 2021, no valor global de € 21.000,00 e a condenação dos 3º e 4º réus, solidariamente, nos pedidos formulados.
Para tanto e em suma, em traços muito genéricos, mas que bastam à economia desta decisão, alegou que é uma sociedade comercial que tem por objecto a indústria têxtil, dedicando-se à produção e confecção de meias, peúgas e similares, destinando-se totalmente à exportação. Foi contactada pela 1ª ré, na pessoa do réu AA, que lhe propôs entrar num concurso para fornecimento de meias ao exército sueco, vindo a desenvolver-se um projecto, com mobilização de recursos de parte a parte, tendo esse projecto, contudo, terminado de modo indesejável e prejudicial à autora, que considera que os danos para si advindos desse desfecho são imputáveis às rés pessoas colectivas, por incumprirem o acordo, e aos réus pessoas singulares, porquanto: “desde o início que foram os 3º e 4º réus a efectuar todos os contactos estabelecidos com a autora relativamente ao negócio”; “estes réus não só agiram na qualidade de legais representantes das rés, como também transmitiram sempre à autora a ideia de que eles próprios pretendiam uma relação comercial com a mesma”; “estes réus quiseram efectivamente celebrar o negócio/parceria em causa com a autora, por forma a que daí pudessem retirar para si maiores rendimentos”; “foram sempre os 3º e 4º réus a negociar, discutir, definir e acordar com a autora todo e qualquer ponto de interesse no âmbito do negócio em causa”; “os 3º e 4º réus são directores executivos (CEO’s) da 1ª ré e gerentes da 2ª ré, sendo eles quem no dia-a-dia gerem estas sociedades e tomam quaisquer decisões relativas ao funcionamento das mesmas”; “foram estes réus que aprovaram a decisão de incumprir o contrato celebrado com a autora e de as rés saírem em definitivo das instalações da mesma para instalações próprias”; “estes réus estavam conscientes de que com uma tal decisão a autora sofreria grandes prejuízos, em benefício dos réus e das rés sociedades”; “deste modo, os 3.º e 4.º réus são solidariamente responsáveis para com a autora pelo pagamento dos valores reclamados às rés na presente acção” – artigos 379º a 386º da p.i.
Mesmo considerando as concretizações efectuadas em sede de audiência prévia – que, salvo melhor entendimento, reiteram o que havia sido antes alegado, mas, em termos de factos concretos, não adiantam materialidade relevante - os factos aduzidos pela autora para a responsabilização dos réus AA e BB são, s.m.o., inviáveis para a sua responsabilização, nos termos dos artigos 64º, 72º, 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais.
Desde logo, o art.º 64º do CSC reporta-se aos deveres fundamentais dos gerentes e administradores perante a sociedade, não sendo chamado à colação quando estão em causa direitos de crédito de terceiros, como sucede in casu. Como se afirma no Ac. do STJ de 28 de Janeiro de 2016, Rel. ORLANDO AFONSO, «(…) o artigo 64º do Código das Sociedades Comerciais (…) não constitui uma norma destinada a proteger os credores sociais». Refere-se no mesmo aresto que (…) ainda que não se ignore que alguma doutrina tem vindo, mais recentemente, a discutir a possibilidade de o artigo 64.º do Código das Sociedades Comerciais poder ser fonte de responsabilidade civil em face dos credores sociais (cf. ADELAIDE MENEZES Leitão, “Responsabilidade dos administradores para com a sociedade e os credores sociais pela violação de normas de protecção” in RDS, n.º 3, 2009 p. 661 e segs.), não se crê que o citado preceito constitua, por si só, uma “norma legal de protecção” de credores no sentido a que alude o artigo 78º do mesmo Código. Conforme defende, neste particular, MENEZES CORDEIRO (Da responsabilidade civil dos administradores das sociedades comerciais, Lisboa, 1997, p. 810, 837, 838 e 931 e segs. e Manual de Direito das Sociedades, I volume, Das sociedades em geral, Coimbra, 2007, p. 40, 496, 497, 522 e 523), o artigo 64º compreende tão só e apenas “normas de conduta” incompletas, em face da presença de “deveres incompletos”, pelo que tais regras, ainda que violadas, implicarão sempre o apelo a outras para determinar uma eventual responsabilidade civil».
Como afirma ANA FILIPA DUARTE FERREIRA in: “A Responsabilidade Civil dos Administradores perante Sócios e Terceiros - o conceito de dano diretamente causado do artigo 79º do Código das Sociedades Comerciais - https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/46647/1/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Ana%2BFilipa%2BDuarte%2BFerreira_2016.pdf, «Os artigos 72º, nº1, 78º, nº1 e 79º, nº1, do C.S.C., preveem, respetivamente, as situações de responsabilidade dos administradores, perante a própria sociedade, os credores sociais e os sócios e terceiros».
Afastada a hipótese do art.º 72º - que, como refere a epígrafe, se reporta à responsabilidade de membros da administração para com a sociedade - cabe aferir da possibilidade de enquadrar a alegação nos restantes normativos.
O art.º 78º do CSC dispõe: «1 - Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos. 2 - Sempre que a sociedade ou os sócios o não façam, os credores sociais podem exercer, nos termos dos artigos 606º a 609º do Código Civil, o direito de indemnização de que a sociedade seja titular. 3 - A obrigação de indemnização referida no n.º 1 não é, relativamente aos credores, excluída pela renúncia ou pela transacção da sociedade, nem pelo facto de o acto ou omissão assentar em deliberação da assembleia geral. 4 - No caso de falência da sociedade, os direitos dos credores podem ser exercidos, durante o processo de falência, pela administração da massa falida. 5 - Ao direito de indemnização previsto neste artigo é aplicável o disposto nos n.ºs 2 a 6 do artigo 72º, no artigo 73º e no n.º 1 do artigo 74º».
Ora, no presente caso, desde logo, não está alegado que pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores sociais, o património social de alguma das sociedades rés se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
Não lhes estando imputada essa criação de insuficiência, o pedido contra os mesmos formulado nunca poderia proceder com este fundamento.
Já o art.º 79º do CSC, sob a epígrafe “Responsabilidade para com os sócios e terceiros”, dispõe que “1 - Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções. 2 - Aos direitos de indemnização previstos neste artigo é aplicável o disposto nos n.ºs 2 a 6 do artigo 72.º, no artigo 73.º e no n.º 1 do artigo 74.º” – sublinhado acrescentado.
Esta responsabilidade assume-se como puramente delitual, pelo que só se verificará caso estejam cumpridos os requisitos exigidos pelo artigo 483º do C. Civil, isto é, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. Acresce que este art.º 79º do CSC exige que a relação de causalidade adequada entre o facto ilícito e culposo e o dano provocado a sócios ou terceiros seja direta e imediata, pelo que os administradores não são responsabilizados para com sócios e terceiros quando o dano provocado na sua esfera jurídica foi causado por intermédio de um dano causado à sociedade.
Como se refere no predito Ac. do STJ de 28 de Janeiro de 2016, Rel. ORLANDO AFONSO, «(…) os administradores apenas poderão ser responsabilizados quando violem deveres no tráfico a que pessoalmente estejam obrigados, ou seja, quando desrespeitem o dever jurídico de actuar sobre aspectos da organização ou do funcionamento empresarial-societário que constituam fontes especiais de risco para terceiros. Por conseguinte, não serão responsáveis por toda e qualquer deficiência organizativo-funcional da sociedade geradora de danos como se tivessem a “posição de garantes” desses terceiros já que, a entender-se de outra forma, tal levaria a uma extensão ilimitada da sua responsabilidade que não se encontra consagrada no nosso ordenamento jurídico».
A situação configurada pela autora, tal como a que foi tratada no predito aresto, «(…) não é susceptível de ser subsumid[a] na sua previsão normativa por não estarem em causa, desde logo, quaisquer prejuízos directamente causados [à] autor[a] sem interferência da sociedade» - sublinhado acrescentado.
Nessa medida, os factos alegados não permitem a responsabilização dos réus AA e BB pela satisfação do crédito da autora, impondo-se a improcedência dos pedidos contra si formulados.
Custas pela autora, fixando-se as mesmas, nesta parte, em 1/5 – art.º 527º do Código de Processo Civil.».
Inconformada com a decisão proferida quanto aos 3º e 4ºs réus, veio a autora recorrer, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“1.ª - O despacho impugnado está ferido de nulidade porque na apreciação que desenvolveu em torno da (não) aplicação do disposto no art. 79.º do CSC ao caso em apreço o Tribunal a quo limitou-se a realizar uma análise dogmática dos requisitos e do estatuído nessa disposição, sem concretizar ou justificar porque é que no caso em apreço não se preencheriam os requisitos que dessa análise extraiu (nomeadamente não elencou um único facto que permitisse concluir, como parece ter sido seu entendimento, que os danos causados à recorrente foram danos indiretos por terem sido consequência de danos causados às sociedades rés ou por interferência desta) - vd. arts. 615.º, n.º 1, al. b) e 662.º, n.º 2, al. c) do CPC.
2.ª - A omissão da fundamentação de facto é tanto mais relevante pelo facto de culminar na absolvição de dois dos réus contra os quais a ação foi proposta, mas também porque dela resulta um salto lógico na decisão que não permite à recorrente aferir da sua adequação ou justeza porquanto não é possível vislumbrar quais sejam os factos que permitiram ao Tribunal a quo concluir que os danos por si invocados e sofridos decorreram de danos sofridos pelas sociedades rés ou resultaram da interferência destas sociedades e assim aferir do mérito de excluir a aplicação do preceituado no art. 79.º do CSC ao caso em apreço - vd. arts. 615.º, n.º 1, al. b) e 662.º, n.º 2, al. c) do CPC.
3.ª - Sem prescindir, e com todo o devido respeito, que é muito, a recorrente crê que o Tribunal a quo não esteve bem na análise que desenvolveu das disposições legais aplicáveis nem na conclusão de que os factos invocados pela recorrente não permitiriam subsumir o caso sub judice a essas disposições - especificamente, a recorrente discorda da interpretação desenvolvida pelo Tribunal de 1.ª instância em torno dos art. 64.º e 79.º do CSC
4.ª - Relativamente à interpretação do art. 64.º do CSC a recorrente considera que o entendimento do Tribunal a quo de acordo com o qual os deveres previstos nessa disposição se reportarão exclusivamente aos deveres fundamentais dos gerentes e administradores perante a sociedade, mas não perante terceiros, é excessivamente restrito e não resulta do texto de tal normativo pois que do n.º 1 dessa disposição extrai-se um dever geral de cuidado adequado às suas funções, com o emprego da diligência de um gestor criterioso e ordenado - vd. art. 64.º, n.º 1 do CSC.
5.ª - O dever que desse normativo resulta impor-se-á, aos olhos da recorrente, não apenas nas relações dos gerentes ou administradores para com a sociedade, mas também perante terceiros, já que dessa disposição não resulta a limitação de tal dever nas relações com a sociedade e por isso não deveria ter sido excluída a sua aplicação ao caso em apreço, crendo a recorrente que será esta disposição que deverá servir para aferir a culpa na responsabilização dos 3.ºs e 4.ºs réus/recorridos, que deverá ser cotejada à luz desse padrão do “gestor criterioso e ordenado”.
6.ª - A recorrente discorda ainda da interpretação que o Tribunal a quo desenvolveu do art. 79.º do CSC e da sua conclusão de que os factos alegados não permitem subsumir o caso sub judice a tal previsão normativa.
7.ª - Assim, em primeiro lugar, a recorrente discorda do entendimento do Tribunal a quo de que a aplicação desse preceito legal fica excluída quando os danos causados a terceiros sejam causados por “intermédio de um dano causado à sociedade” ou com “interferência da sociedade” porque, como bem referido inclusivamente no aresto de que se serviu o Tribunal a quo, os gerentes ou administradores respondem pelos danos que causem a terceiros independentemente de tais danos resultarem de danos causados à sociedade que gerem ou administram e por isso não seria de excluir a aplicação de tal preceito a esta situação - vd. Ac. STJ de 28.01.2016, proc. n.º 1916/03.8TVPRT.P2.S1 - vd. J. M. Coutinho de Abreu e Elisabete Ramos, ob. cit., p. 904ss
8.ª - Para além disso, e em segundo lugar, é entendimento jurisprudencial e doutrinal que os gerentes ou administradores respondem pelos danos que causem a terceiros (independentemente de danos causados à sociedade que gerem ou administram) no exercício das suas funções, sendo indiferente se atuaram ou não em representação da sociedade e por isso também não seria de excluir a aplicação de tal preceito a esta situação - vd. Ac. STJ de 28.01.2016, proc. n.º 1916/03.8TVPRT.P2.S1 e de 29.01.2014 - vd. Menezes Cordeiro, Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coimbra, 2009, p. 279.
9.ª - Por fim, discorda ainda a recorrente da decisão na parte em que o Tribunal a quo considerou não se poder subsumir a situação sub judice a esta disposição legal por considerar que a recorrente não haveria alegado factos suficientes contra os 3.º e 4.º réus/recorridos que permitissem concluir pela sua responsabilização, tanto mais que os danos por si sofridos não teriam sido sofridos “sem interferência da sociedade” porque:
- por um lado, como se disse já, não seria necessário que os danos causados tivessem sido produzidos “sem interferência da sociedade”;
- e por outro porque o Tribunal não considerou o que a recorrente alegou/imputou diretamente aos 3.º e 4.º réus/recorridos tanto nos arts. 379.º e 386.º da petição inicial, como na sua concretização/aperfeiçoamento em sede de audiência prévia, de onde para a recorrente resultam alegados factos que não só preenchem os requisitos gerais da responsabilidade civil extracontratual, como os requisitos do art. 64.º e 79.º do CSC pois que evidenciam a prática de atos ilícios pelos 3.º e 4.º réus causadores de dano à recorrente (em síntese e em suma foram alegados factos concretizadores de terem sido eles quem, materialmente, agiu não só em nome das rés/recorridas sociedades, mas também autonomamente por si próprios e que foi pela sua atuação de recusa do cumprimento do acordado e da sua palavra que a recorrente, em clara violação dever de atuação de um “gestor criterioso e ordenado, que determinou o sofrimento dos danos melhor descritos na petição inicial, causados direta e imediatamente na sua esfera jurídica, sem decorrer “por intermédio de um dano causado à sociedade”) - vd. em maior detalhe os factos descritos nas pp. 15 a 17 das alegações.
10.ª - Assim, dos factos alegados resulta que a atuação dos 3.º e 4.º réus/recorridos foi desencadeada em desconsideração daquela que seria a diligência de um “gestor criterioso e ordenado” porque criou na recorrente expectativas que sabiam que não seriam satisfeitas, pois que fizeram a recorrente acreditar que pretendiam celebrar e concretizar o negócio em discussão e conduziram à indução dos seus representantes em erro, e assim lhe causaram os danos decorrentes da celebração do negócio, atuando por isso de má-fé e incumprindo o dever de atuar com verdade e integridade, pelo que, salvo melhor opinião, a violação de tais deveres tipificam condutas previstas nos arts. 79.º do CSC e 483.º n.º 1 Código Civil, por serem ilicitamente violadoras do direito alheio à segurança e à integridade patrimonial - vd. neste sentido, o Ac. do TRP de 19.02.2013, processo n.º 1400/12.9TBVRL.P1 - vd. Menezes Cordeiro, Tratado, I/1, 1ª ed., §26º, p. 339
11.ª - Por fim, dizer apenas que não é despiciendo que aqui possa existir concurso de responsabilidades pois que se pode extrair tanto uma responsabilidade pré-contratual, que sempre seria imputável à ré sociedade, mas também (e é isso o que se discute neste recurso) condutas que, ainda que praticadas em âmbito pré-contratual, são penetradas igualmente pelo disposto nos arts. 79.º do CSC e 483.º do CC, igualmente ilicitamente violadoras do direito alheio à segurança e à tutela dos direitos subjetivos próprios - Ac. TRP, de 19.02.2013, proc. n.º 1400/12.9TBVRL.P1 - vd. Prof. Menezes Cordeiro, Tratado, II/3, 2010, pp. 398 e 399, citando o Prof. M. Teixeira de Sousa, Concurso de Títulos de Aquisição da Prestação, 1988, pp. 136ss. e 313ss.”.
Foram apresentadas contra-alegações pelos réus, pessoas singulares, tendo estes pugnado pela total improcedência do recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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No caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:

- da nulidade da decisão recorrida, nos termos do art.º 615º, nº 1, al. b), do NCPC, por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão; e
- do erro de julgamento da decisão recorrida pelo facto da alegada conduta dos réus/recorridos poder ser enquadrável nos art.ºs 64º e 79º do CSC e/ou no art.º 483º, do CC.
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentos de facto
Com interesse para a decisão relevam as incidências fáctico-processuais que se evidenciam no relatório supra.
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3.2. Apreciação do mérito do recurso
3.2.1. Da nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação de facto
Conforme decorre do acima exposto, a recorrente veio arguir a nulidade da decisão recorrida com fundamento na al. b) do nº 1 do art.º 615º do NCPC.
O tribunal a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, nº 1 e 617º, nº 1 do NCPC.
A omissão de despacho do tribunal a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito (cfr. nº 5, do referido art.º 617º), cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cfr., neste sentido Abrantes Geraldes, in Recursos no Processo Civil, 6ª ed. actualizada, p. 149.
Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, afigura-se-nos que não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
No caso, e neste particular, a recorrente veio invocar que do saneador sentença não resulta elencado qualquer facto que fundamente a decisão de mérito proferida pelo tribunal recorrido, não sendo possível identificar os factos em que se se baseou o tribunal recorrido para concluir pela improcedência da acção quanto aos 3º e 4ºs réus.
Vejamos, pois, se ocorre, na decisão proferida, a nulidade arguida atinente à falta de fundamentação.

Dispõe o art.º 615º, nº 1 do NCPC o seguinte:
“1- É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.

Estas invalidades são aplicáveis, com as necessárias adaptações, aos despachos – cfr. art.º 613º, nº 3 do NCPC.
Importa começar por salientar que as decisões judiciais se podem encontrar viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º.
As causas de nulidade taxativamente enumeradas no art.º 615º não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Não deve por isso confundir-se o erro de julgamento e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Com efeito, as causas de nulidade de sentença (ou de outra decisão), conforme se escreve no ac. do STJ de 17.10.2017 [relatado por Alexandre Reis, disponível em www.dgsi.pt] “visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, ou a não conformidade dela com o direito aplicável, nada tendo a ver com qualquer de tais vícios a adequação aos princípios jurídicos aplicáveis da fundamentação utilizada para julgar a pretensão formulada: não são razões de fundo as que subjazem aos vícios imputados, sendo coisas distintas a nulidade da sentença e o erro de julgamento, que se traduz numa apreciação da questão em desconformidade com a lei”.
Segundo o invocado pela recorrente, como vimos, a decisão recorrida é nula por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão.
 A obrigação de especificação dos fundamentos de facto (e de direito) que justificam a decisão, constante do art.º 615º, nº 1, al. b) do NCPC é reflexo do dever de fundamentação das decisões imposto pelo nº 1 do art.º 205º da Constituição da República Portuguesa (nos termos do qual “as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”), o qual também se acha vertido no art.º 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e regulamentado pelo art.º 154º do NCPC.
Na verdade, como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros [in, Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo III, Coimbra, 2007, p. 70] a fundamentação tem uma dupla função de “carácter subjectivo”, de garantia do direito ao recurso e controlo da correcção material e formal das decisões pelos seus destinatários, e uma função de “carácter objectivo”, de pacificação social, legitimidade e auto-controlo das decisões.
Esta exigência de fundamentação bem se compreende, na medida em que as decisões dos juízes têm que ter na sua base um raciocínio lógico e argumentativo que possa ser entendido pelos destinatários da decisão, sob pena de não se fazer justiça.
Resulta ainda do art.º 607º, nº 4, do NCPC, que a fundamentação de facto da sentença não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto de modo a conhecer as razões por que se decidiu no sentido decidido e não noutro.
Assim, todas as decisões judiciais, quer sejam sentenças quer sejam despachos, têm que ser sempre fundamentadas, de facto e de direito.
Se o julgador o não fizer, a sentença será nula por falta de fundamentação.
No entanto, e em princípio, os despachos não exigem o mesmo grau de fundamentação que é exigido para uma sentença.
Como também apontam Jorge Miranda e Rui Medeiros [in ob. cit., p. 72 e 73], a fundamentação das decisões judiciais, para além de expressa, clara, coerente e suficiente, deve também ser adequada à importância e circunstância da decisão. Quer isto dizer que as decisões judiciais, ainda que tenham que ser sempre fundamentadas, podem sê-lo de forma mais ou menos exigente (de acordo com critérios de razoabilidade) consoante a função dessa mesma decisão.
De todo o modo, tem-se entendido que a falta de fundamentação só acarreta a nulidade da sentença quando é total.
Ou seja, o vício previsto no art.º 615º, nº 1, al. b) do NCPC só ocorrerá quando houver falta absoluta, ou total, de fundamentos ou de motivação (de facto ou de direito em que assenta a decisão) e, não já, quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada. Se a decisão for apenas insuficiente ou medíocre ou errada, isso poderá afectar o valor doutrinal da mesma, sujeitando-a ao risco de ser revogada em recurso, verificando o erro ou desacerto do julgamento, mas tal situação não produz a nulidade da decisão [vide, neste sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil, Vol. 2º, 3ª ed., p. 735-736 e a generalidade da jurisprudência, entre outros: os acs. do STJ de 02.06.2016, relatado por Fernanda Isabel Pereira e de 15.05.2019, relatado por Ribeiro Cardoso; da RL de 08.03.2018, relatado por Teresa Prazeres Pais; da RC de 14.11.2017 e de 5.06.2019, relatados por Isaías Pádua; da RP de 14.03.2016, relatado por Paula Maria Roberto, e de 11.01.2018, relatado por Filipe Caroço; e o recentíssimo acórdão desta Relação de Guimarães de 28.09.2023, relatado por Paula Ribas, todos acessíveis in www.dgsi.pt].
Ocorre falta de fundamentação, geradora de nulidade, se a mesma é inexistente, mas também, se a mesma, pela sua formulação não permite apreender qual o processo lógico seguido pelo julgador na formação da sua convicção, não sendo possível aferir as razões que levaram a decidir de um determinado modo, colocando em crise a construção do silogismo judiciário e, não, o erro de julgamento.
A figura da nulidade da sentença por falta de fundamentação constitui, assim, uma figura de muito difícil verificação, dado que a doutrina e a jurisprudência têm salientado que tal só se verifica em situações de falta absoluta de indicação das razões de facto e de direito que justificam a decisão e não também quando tais razões constem da sentença, mas de tal forma que pela sua insuficiência ou laconismo, se deva considerar a fundamentação deficiente.
Por outro lado, e com particular interesse para o caso que nos ocupa, importa salientar que o Código de Processo Civil permite o conhecimento do mérito na fase do saneador “sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória” - cfr. art.º 595º, nº 1, al. b) do NCPC.
Por conseguinte, o juiz conhecerá – total ou parcialmente – do mérito da causa no despacho saneador quando não houver necessidade de provas adicionais, para além das já processualmente adquiridas nos autos, encontrando-se, por tal, já habilitado, de forma cabal, a decidir conscienciosamente.
E, poderá assim proceder, designadamente, quando “os factos alegados pelo autor em qualquer dos articulados legalmente admitidos forem inábeis ou insuficientes para extrair o efeito jurídico pretendido (inconcludência), caso em que o réu será absolvido do pedido” (vide, Francisco Ferreira de Almeida, in Direito Processual Civil, Vol. II, Almedina, 2015, p. 204), como sucedeu no caso em apreciação.
Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1º, 4ª ed., p. 376) - referindo que a fronteira entre a inconcludência e a ineptidão da petição inicial é difícil de traçar -, definem a “inconcludência jurídica” como a “situação em que é alegada uma causa de pedir da qual não se pode tirar, por não preenchimento da previsão normativa, o efeito jurídico pretendido, constituindo causa de improcedência da ação”.
No caso, o tribunal recorrido considerou estar em condições de conhecer, de imediato, de parte do mérito da causa, nos termos em que o fez no saneador-sentença recorrido e, para o efeito, elencou em sede de fundamentação que a genérica alegação factual da autora (quer em sede de petição inicial, quer em sede de resposta ao convite ao aperfeiçoamento), nos moldes que concretizou, mesmo que se viesse a provar, não conduziria à procedência da pretensão da autora.
Com tal enunciação, o tribunal recorrido precisou os termos da fundamentação decisória em que se baseou, concretizando que, mesmo considerando provado o elenco factual que mencionava, a pretensão da autora não era viável.
E, nessa medida, encontra-se sustentação factual para a decisão de direito proferida.
E não se diga que a fundamentação assim exarada impediu a autora de perceber em que factos se baseou a decisão do tribunal.
Com efeito, a autora não pode ter deixado de perceber que a enunciação factual constante do saneador-sentença provinha da mera alegação factual constante da petição inicial (e da resposta ao convite ao aperfeiçoamento) e que a mesma se destinava a aferir se a pretensão era viável, independentemente de qualquer produção probatória (sendo que, o momento processual específico para a produção das provas constituendas não se encontrava alcançado).
Assim, independentemente de qualquer outra apreciação, como decorre das considerações supra expendidas, a fundamentação em que assentou o decidido encontra-se mínima e suficientemente presente, pelo que não se verifica o vício de nulidade assente na al. b) do nº 1 do art.º 615º do NCPC.
Improcede, pois, desde já e nesta parte, o recurso.
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3.2.2. Do erro de julgamento relativo à decisão de improcedência da acção quanto aos 3º e 4ºs réus.
A apelante veio pugnar ainda no recurso, e em breve resumo, que a conduta dos 3º e 4ºs réus é enquadrável nos art.ºs 64º e 79º do CSC e art.º 483º, do CC, não concordando com a interpretação conferida pelo tribunal recorrido a tais normativos.
Vejamos.
A primeira questão que se coloca é, pois, a da definição do âmbito de aplicação dos citados preceitos legais.
Para tanto, importa recordar que o funcionamento das sociedades pressupõe, como é indiscutível, uma distribuição de funções e comporta uma certa organização, que passa pela existência de vários órgãos sociais. Quer no plano interno, quer no externo assumem, contudo, papel central os gerentes, os administradores e os directores pelas funções de administração e representação que os caracterizam.
Apesar de não constituírem o órgão supremo das sociedades, estas atribuições conferem-lhes um papel fundamental. É aos gerentes, administradores ou directores que cabe a orientação técnico-económica, a condução permanente dos negócios sociais, a prática corrente dos actos destinados a dinamizar e prosseguir o escopo da sociedade.
Pela sua relevância enquanto órgãos de administração e representação das sociedades, impunha o referido art.º 64º do CSC, na sua primitiva redacção, que a sua actuação fosse pautada pela «diligência de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da sociedade, tendo em conta os interesses dos sócios e dos trabalhadores».

Após a alteração introduzida pelo DL nº 76-A/2006, de 29.03, este mesmo normativo passou a dispor que:
«1 - Os gerentes ou administradores da sociedade devem observar:
a) Deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado; e
b) Deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores (…)».
Esta alteração veio reconhecer e individualizar de forma expressa, os dois deveres fundamentais que recaem sobre os administradores e gerentes de sociedades – o dever de cuidado (ou diligência em sentido estrito) e o dever de lealdade.
Da respectiva concretização resultam deveres mais específicos que recortam o espaço de ilicitude da conduta dos administradores.
O dever de cuidado consiste na obrigação de os administradores cumprirem com diligência as obrigações derivadas do seu ofício-função, de acordo com o máximo interesse da sociedade e com o cuidado que se espera de uma pessoa medianamente prudente em circunstâncias e situações similares.
O padrão de diligência encontra-se neste âmbito, especialmente reforçado relativamente ao critério civilístico da diligência de “um bom pai de família, homem normal e medianamente cuidadoso e prudente”, pois aqui a avaliação objectiva e subjectiva do acto ou omissão do administrador é feita de acordo com a diligência exigível a um administrador criterioso e ordenado, colocado nas circunstâncias concretas em que actuou e confrontado com as qualidades que revelou de acordo com o exigível.
O dever de cuidado tem sido dividido em três parcelas distintas: reunião da competência e disponibilidade para o exercício das funções; obrigação de acompanhar e vigiar a actividade social; obrigação de obter informação indispensável à tomada de decisões.
Na sindicação do dever de cuidado, o Código das Sociedades prevê que a eventual responsabilidade seja excluída no campo das suas decisões de gestão discricionária e autónoma – ou actos propriamente de gestão – se o gerente o administrador actuou em termos informados e segundo critérios de racionalidade empresarial – trata-se da consagração, no art.º 72º, nº 2 do referido diploma da “business judgment rule” [Cfr. Ricardo Costa, “Deveres Gerais dos Administradores e «Gestor Criterioso e Ordenado”, I Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2011, p. 174].
O dever de lealdade surge em situações de conflito de interesses entre a sociedade e o administrador. Encontra-se definido nos art.ºs 180º, nº 3, 254º e 398º do CSC, respectivamente para as sociedades em nome colectivo, as sociedades por quotas, e anónimas, sendo o penúltimo aplicável às sociedades anónimas, por via do disposto no art.º 398º, nº 5 do mesmo diploma.
Pode ser decomposto numa vertente positiva e outra negativa – na primeira, traduz-se no dever de prosseguir o interesse social, na perspetiva negativa, os administradores não devem prosseguir interesses pessoais ou de terceiros, em detrimento do interesse social.
O dever de não apropriação de oportunidades de negócio societárias (taking of corporate opportunities) e o dever de não concorrência (competition with the corporation) são concretizações do dever de lealdade [cfr. Pedro Caetano Nunes, “Corporate Governance”, 2006, Almedina, p. 53].
Este dever baseia-se genericamente no respeito pela confiança que no administrador foi depositada e nos princípios de honestidade e respeito.
É definido pela doutrina como um dever acessório de conduta integrado no princípio da boa-fé, consagrado no art.º 762º, nº 2 do CC, sendo, pois, uma relação fiduciária, sendo a confiança o elemento essencial inerente à própria relação jurídica.
Mas mais, tem justificações de cariz económico extremamente relevantes. “A apropriação de uma oportunidade de negócio é equivalente a uma remuneração encoberta. É suposto que a remuneração atribuída ao administrador seja suficiente para induzir a desejada prestação. A apropriação de uma oportunidade de negócio societária prejudicará, em última análise, os investidores. O receio da falta de lealdade poderá determinar um aumento do custo do capital e a inerente perda de competitividade das empresas e da economia” [cfr. Pedro Caetano Nunes, obra e local citados].
A violação dos deveres contemplados no art.º 64º do CSC tem como sanção a responsabilidade civil dos gerentes para com a sociedade ou para com os sócios, verificados os respectivos requisitos.
Note-se que, de tudo o que deixamos dito, ressalta que o referido preceito legal apenas rege a responsabilidade entre os membros da administração para com a sociedade e para com os sócios e não já para com terceiros, estranhos à sociedade, conforme muito bem se explica no ac. STJ de 31.03.2011, relatado por Serra Baptista, e disponível in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, pronunciou-se Meneses Cordeiro, in Código das Sociedades Comerciais Anotado, p. 244.
E, assim sendo, a violação de tais deveres não serve per se para caracterizar as condutas dos administradores como ilícitas para efeitos do disposto nos art.º 78º ou do 79º, do CSC [cfr. ac. da RL de 13.01.2011, relatado por  Ezagüy Martins, consultável in www.dgsi.pt e toda doutrina e jurisprudência ali citada].
Com efeito, a responsabilidade dos gerentes ou administradores no plano societário contempla ainda a responsabilidade para com os credores sociais - prevista no art.º 78º, do CSC - e a responsabilidade para com terceiros [incluindo-se aqui também os credores sociais] - estabelecida no art.º 79º, do mesmo diploma.
E no que agora importa, o art.º 79º, nº 1, do CSC estabelece que “Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções.”.
Da simples leitura deste normativo legal ressalta que o art.º 79º, nº 1, do CSC é uma norma de remissão para o regime jurídico da responsabilidade civil.
Por outro lado, resulta expresso no aludido preceito que os administradores respondem pelos danos directamente causados a sócios ou terceiros, e só pelos danos directamente causados, por responderem nos termos gerais [cfr. Pinto Oliveira, Responsabilidade dos Administradores, p. 141].
No exercício das suas funções, os administradores, com os seus actos ou omissões e preterindo os seus deveres legais ou contratuais, podem causar danos não só na sociedade e nos credores sociais, como também, directamente nos sócios e outros terceiros que tenham uma ligação à sociedade que administram, nos termos do art.º 79º, do CSC [cfr. Beatriz Carvalho Aires, A Responsabilidade Civil dos Administradores nas Sociedades Comerciais, p. 16].
O texto desta norma acrescenta que a responsabilidade dos administradores para com os sócios e terceiros apenas ocorre “(…) pelos danos que directamente lhes causarem (…)”, isto é, pelos danos provocados sem interferência da presença da sociedade. Conclui-se que a tutela dos sócios e de terceiros se prevalece das normas de protecção, nos termos gerais [cfr. Ana Filipa Duarte Ferreira, A responsabilidade civil dos administradores perante sócios e terceiros – o conceito de dano diretamente causado do artigo 79º do C.S.C., p. 37 e ac. da RL de 13.01.2011 supra citado].
Repare-se, contudo que, o Direito societário, nomeadamente o texto do Código das Sociedades Comerciais, não impõe aos administradores deveres específicos para com os sócios ou terceiros. Apenas lhes são impostos deveres genéricos.
Assim, de um ponto de vista substancial, a responsabilidade dos administradores para com sócios e terceiros é uma responsabilidade puramente delitual. Deste modo, só se verificará caso estiverem cumpridos os pressupostos elencados no art.º 483º do CC [cfr. Ana Filipa Duarte Ferreira, A responsabilidade civil dos administradores perante sócios e terceiros – o conceito de dano diretamente causado do artigo 79º do C.S.C., p. 38].
Dado que não existe qualquer relação contratual funcional entre os administradores e os sócios ou terceiros, a responsabilidade será sempre delitual, ou seja, decorre da violação de obrigações legais pré-existentes [cfr. Ferreira de Almeida, Sociedades Comerciais, 3ª edição, p. 177].
Ora, nos termos do art.º 483º, nº 1, do CC existem duas modalidades de ilicitude: violação de um direito de outrem e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
O que equivale a dizer que, com base no disposto no art.º 483, nº1, do CC, os administradores são responsáveis por factos ilícitos e culposos, tendo a sociedade que assumir as consequências decorrentes da responsabilidade pelo risco e por intervenções lícitas [assim, Ana Filipa Duarte Ferreira, obra citada, p. 42].
A primeira forma de ilicitude presente neste artigo constitui a violação de direitos absolutos, ou seja, direitos protegidos erga omnes, como o direito à vida, o direito à integridade física, os direitos de personalidade, os direitos reais e a propriedade industrial. Por outro lado, a segunda forma de ilicitude constitui a violação de normas destinadas a proteger interesses dos sócios e de terceiros, disposições legais protectoras de um interesse particular, embora não atribuam um direito subjectivo. Estas normas de protecção devem estar descritas na lei, o legislador pretendeu defender o particular contra aquela espécie de danos ou de perigos e contra aquela forma de lesão [ainda, Ana Filipa Duarte Ferreira, obra e local citados].
O primeiro pressuposto a ter em conta para responsabilizar um administrador nos termos do art.º 79º, nº 1, do CSC é a necessidade de a conduta ilícita e culposa do administrador ser praticada no exercício das suas funções de gestão e representação da sociedade. Caso seja praticada a título pessoal e fora do seu âmbito profissional e administrativo, poderá ainda assim responder nos termos gerais, mas já não mediante aplicação da disposição em causa [cfr. Beatriz Carvalho Aires, obra citada, p. 17].
Quanto aos danos provocados, estes devem ser directamente causados na esfera jurídica dos sócios ou terceiros e não na sociedade. Se os prejuízos do acto lesivo do administrador afectarem o património social, que só indiretamente afectarão os sócios ou terceiros, tal não servirá de fundamento para tornar o administrador responsável para com eles, pois os direitos a tutelar são, directa e imediatamente, os dos sócios e terceiros em geral [vide, Ana Filipa Duarte Ferreira, obra citada, p. 44].
Acresce que o dano directamente causado é o dano causado aos credores, aos sócios, ou a terceiros, imputável ao administrador nos termos gerais da responsabilidade civil.
O dano indirectamente causado é o dano causado aos credores, aos sócios, ou a terceiros, não imputável ao administrador nos termos gerais da responsabilidade civil [vide, Pinto Oliveira, obra citada, p. 137].
Deste modo, e em termos gerais, pode dizer-se que um dano será considerado directamente causado na esfera jurídica de um sócio ou terceiro, se existir uma relação directa e imediata de causalidade adequada entre o facto ilícito e culposo praticado pelo administrador e o dano provocado aos sócios e terceiros, não decorrendo esses prejuízos por intermédio da sociedade. Assim, conclui-se que os danos ocorrem directamente nos sócios e terceiros, sendo eles os principais lesados e sem que exista uma interferência directa da sociedade [assim, Beatriz Carvalho Aires, obra citada, p. 19].
Veja-se que, contudo, danos causados a terceiros “com interferência da sociedade” não se confundem com danos causados por “intermédio de um dano causado à sociedade”, como aparentemente fez o tribunal recorrido.
Na verdade, e como se afirma no ac. da RP de 5.11.2001 (relatado por Henrique Araújo e disponível in www.dgsi.pt), aderindo-se à posição de Menezes Cordeiro, os danos directamente causados pelos gerentes aos sócios (ou terceiros, acrescentamos nós) serão aqueles causados em termos que não são interferidos pela presença da sociedade, sendo irrelevante a representação desta, mesmo que invocada.
Mas assim sendo, ficam excluídos os danos derivados de má gestão. Os danos directos advirão de práticas dolosas dirigidas à consecução do prejuízo verificado ou de actuações negligentes grosseiras cujo resultado seja inelutável [cfr. Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coord.: Menezes Cordeiro, p. 279].
Vejamos o caso dos autos.
A apelante veio pedir, para além do mais, que os ora recorridos fossem condenados solidariamente com as rés sociedades a pagar-lhes diversas quantias, nomeadamente:
- a título de cláusula penal, alegadamente acordada com a 1ª ré no âmbito do contrato de parceria;
 - a título de lucros cessantes, alegadamente correspondente às receitas projectadas obter com a execução do contrato de parceria;
 - a título de danos emergentes, alegadamente relativa a investimentos e despesas efectuadas pela mesma no âmbito da execução do aludido contrato;
- a título de pagamento de fornecimento de bens e serviços alegadamente prestados às 1ª e 2ªs rés na execução do contratado; e
- a título de compensação pela ocupação pelas 1ª e 2ªs rés das instalações da autora, após o termo da parceria.
Para tanto, limitaram-se a alegar que foram os 3º e 4º réus – legais representantes das rés e “quem no dia-a-dia gerem estas sociedades e tomam quaisquer decisões relativas ao funcionamento das mesmas” - “a efectuar todos os contactos estabelecidos com a autora relativamente ao negócio/parceria em discussão”; “a negociar, discutir, definir e acordar com a autora todo e qualquer ponto de interesse no âmbito do negócio em causa”; “que convenceram a autora a efectuar o negócio em discussão, fazendo-a crer que se tratava de uma oportunidade única que lhe iria permitir obter grandes ganhos, levando, pois, a autora a acreditar na viabilidade do negócio”; “fizeram passar a ideia à autora de que eles próprios se assumiam pessoalmente responsáveis pelo cumprimento do referido negócio”, “cri[aram] de facto na autora grande e séria confiança na efectiva concretização da referida parceria, nos moldes ampla e prolongadamente negociados e constantes do contrato junto à petição inicial como doc. n.º ...4”; que “não só a ré sociedade representada pelos 3ºs e 4º réus recusou, sem mais, a formalizar/assinar o respectivo contrato, como foram estes réus que aprovaram a decisão de incumprir o contrato celebrado com a autora e sair em definitivo das instalações desta” e ainda que os aludidos réus “estavam conscientes de que com uma tal decisão a autora sofreria grandes prejuízos, em benefício dos réus e das rés sociedades”.
Assim, e desde logo, da alegação da recorrente não se vislumbra qualquer relação directa de causalidade adequada entre a invocada actuação ilícita dos apelados e os danos supostamente provocados na apelante, e sobretudo que não exista uma interferência directa das sociedades rés nos danos alegadamente causados.
Havendo uma interferência directa das ditas sociedades nesses danos, não se pode, pois, dizer, que foram directamente causados na esfera jurídica da apelante.
E, sendo danos causados no exercício das suas funções de administradores/gerentes, os mesmos só poderão ser imputados às sociedades, as quais serão responsáveis pelo seu ressarcimento, caso a apelante logre demonstrar o seu direito.
Acresce que, a descrita actuação dos apelados, como administradores/gerentes da(s) sociedade(s), somente terá a ver com a gestão da(s) mesma(s) – note-se que o projectado contrato, na alegação da própria apelante seria apenas celebrado entre as sociedades -, e por isso, havendo responsabilização por tal, a mesma será perante a(s) sociedade(s) e não perante terceiros, pois quanto a estes, não lhes causou directamente qualquer dano.
É que não se vislumbra resultar da alegação da recorrente ter sido violada pelos apelados – quer no exercício das suas funções de administração, quer muito menos enquanto pessoas singulares - qualquer disposição legal destinada a proteger os interesses da apelada, pelo que sempre ficaria por apurar a prática de qualquer facto ilícito praticado pelos apelados contra a mesma, pressuposto esse essencial para o preenchimento da responsabilidade civil extracontratual dos apelados, quer ao abrigo do art.º 79º, do CSC, quer directamente por força do art.º 483º, do CC.
Diga-se, ainda e a este propósito que a situação dos autos nenhuma semelhança apresenta com a retratada no aresto da RP de 19.02.2013 (relatado por Vieira e Cunha), citado nas alegações de recurso. Na verdade, a Relação entendeu que naquele caso se ocorria concurso entre a responsabilidade contratual (ou pré-contratual) de uma sociedade comercial e a  responsabilidade delitual do respectivo gerente, ao abrigo do disposto no art.º 79º, do CSC, considerando ter este violado ilicitamente o direito à segurança e à integridade patrimonial da ali demandante (com quem foi celebrado um contrato de prestação de serviços), porquanto aí se apurou ter o referido gerente agido com dolo, criando um artifício e induzindo em erro a ali demandante – para além dos serviços contratados não terem sido prestados, nem concluídos, o aludido gerente e a sociedade representada pelo mesmo não possuíam as habilitações necessárias para a apresentação dos projectos e demais trabalhos requeridos para cumprimento do contrato dos autos, ao contrário do que o mesmo tinha expressamente assegurado.
Ora, salvo o devido respeito, na situação destes autos e em face do descrito, a autora recorrente não logrou carrear para os autos [mesmo após ter sido convidada para o efeito pelo tribunal recorrido] qualquer factualidade susceptível de consubstanciar uma conduta ilícita dos réus, pessoas singulares, ou sequer de colocar em questão a viabilidade ou até a seriedade do negócio que, segundo a mesma  foi longa e exaustivamente negociado entre as sociedades (conforme decorre da extensíssima petição inicial acima transcrita).
Na verdade, do elenco factual descrito pela demandante redunda somente que os réus recorridos, na qualidade de legais representantes das sociedades contratantes, acabaram por decidir incumprir/inviabilizar o predito negócio sem que tivessem justificação para tal.
Note-se que, de acordo com o nosso direito, os actos dos órgãos legais ou estatutários de uma pessoa colectiva são actos próprios dessa pessoa, não de um representante, pelo que a constituem em responsabilidade por facto próprio. Sobre este tema, ver mais desenvolvidamente, Ana Prata, Cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade contratual, p. 689 e seguintes.
Concluindo, não podemos deixar de concordar com o tribunal recorrido quando afirma que os factos alegados pela autora não permitem a responsabilização dos réus/recorridos ao abrigo dos normativos acabados de analisar, soçobrando também nesta parte o recurso. 
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Ante todo o exposto, importa julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
As custas do recurso são integralmente da responsabilidade da recorrente atento o seu decaimento (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Guimarães, 2.11.2023
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juiz Desembargador Relator: Dr(a). Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr(a). Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. António Figueiredo Almeida