Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3685/18.8T8VCT.G1
Relator: JOSÉ CRAVO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RETROESCAVADORA
RESPONSABILIDADE CIVIL AUTOMÓVEL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O preceituado no art. 640º do CPC em conjugação com o que se dispõe no art. 662º do mesmo diploma legal permite ao Tribunal da Relação julgar a matéria de facto.
II – Assentando o entendimento da apelante R. numa factualidade que não logrou ver provada e cuja reapreciação igualmente não logrou ver alterada, revela-se inquinado o desfecho do recurso.
III – É acidente de viação todo o acidente envolvendo veículos terrestres com capacidade de circulação autónoma, incluindo tratores agrícolas ou industriais, retroescavadoras, cilindros de compactação, etc., desde que não sejam utilizados em funções exclusivamente agrícolas ou industriais e, no momento do acidente, se encontrem a desempenhar a função de locomoção – transporte.
IV - O dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial.
V - A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas, deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente – também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida no nível de rendimento auferido. Todavia, neste caso, o que se está a indemnizar é o dano biológico e não a perda da capacidade de ganho.
VI - A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.
VII - No que se refere ao juízo de equidade, não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (…)”.
VIII - Entende-se que a indemnização a fixar pelos danos não patrimoniais sofridos deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1 RELATÓRIO

AA e BB vieram propor contra EMP01..., Lda., EMP02..., Companhia de Seguros, S.A., Companhia de Seguros EMP03..., S.A. e Fundo de Garantia Automóvel a presente acção declarativa de condenação[1], peticionando que as RR. sejam condenadas a pagar, solidariamente, à primeira A., a quantia global líquida de € 48.876,09, e a quantia ilíquida correspondentes à incapacidade permanente e esforços acrescidos e ao valor dos tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, que, no futuro, sejam necessários em consequência das lesões sofridas, a liquidar posteriormente, e juros legais desde a citação, e à segunda A., a quantia líquida de € 5.752,51, acrescida de juros legais desde a citação.
A primeira A. alega, para o efeito e em síntese, que no dia .../... de 2016, pelas 09.15 horas, na estrada municipal, sita no lugar ... (...), quando conduzia o veículo de matrícula ..-..-ZR deparou-se com a máquina retroescavadora de marca ..., sem matrícula, com o nº de quadro ...70, manobrada por CC, atravessada na via, pelo que tentou desviar o veículo que conduzia o mais para a direita possível, atento o seu sentido de marcha, a fim de evitar o embate, não o tendo conseguido. Em consequência do embate, a primeira A., alega, sofreu lesões físicas, foi submetida a cirurgias, esteve internada em hospital, realizou fisioterapia, mas ficou com sequelas e limitações neurológicas e funcionais na mão e cotovelo, sentiu e sente dores, ficou incapaz de conduzir e de usar o braço esquerdo e a mão para tarefas repetitivas e de algum esforço. Ficou ainda, alega, com uma limitação permanente na extensão e flexão do cotovelo, atrofia da mão e lesão grave dos nervos cubital e radial esquerdos, tendo ainda de ser submetida a novos tratamentos e cirurgias. Pagou consultas, tratamentos e cirurgias.
A segunda A. alega, para o efeito e em síntese, que é proprietária do veículo de matrícula ..-..-ZR, que o mesmo teve de ser reparado em consequência do embate supra descrito, tendo despendido a quantia de € 3.552,51. Alega, ainda, que o referido veículo esteve imobilizado durante 220 dias, pelo que teve um prejuízo de € 2.200,00.

Regularmente citadas, contestaram as RR.
A R. EMP02... defendeu-se por excepção, alegando a inexistência de contrato de seguro celebrado e incidente sobre a máquina interveniente no evento, e por impugnação.
O R. FGA invocou a ilegitimidade (processual e substantiva) para se encontrar em juízo e por impugnação.
A R. EMP01..., Lda. invocou a sua ilegitimidade e defendeu-se por impugnação.
A R. EMP04..., S.A. defendeu-se por excepção invocando a sua ilegitimidade para ser considerada parte no presente pleito e por impugnação.
 
Em sede de resposta, vieram as AA. requerer a intervenção principal de CC, como associado do R. FGA, o que foi admitido por despacho de 11-03-2019.

O Chamado foi citado editalmente e apresentou contestação onde invocou a sua ilegitimidade e se defendeu por impugnação.

Em sede de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente, por verificada, a excepção de ilegitimidade passiva da R. EMP02..., absolvendo-se esta da instância, sanada, pela intervenção do Chamado CC, a excepção de ilegitimidade passiva do R. FGA, e improcedentes, por não verificadas, as excepções de ilegitimidade pelas restantes RR. e pelo Chamado. Definiu-se o objecto do processo e procedeu-se à selecção dos Temas de Prova.

Foi realizado o exame médico-legal na pessoa da A. e junto aos autos o correspondente relatório pericial.

A primeira A., notificada que foi do relatório médico-legal, apresentou articulado superveniente, alegando factos que sustentou no dito relatório e requereu a ampliação do pedido, cifrando-se este, agora, num montante global líquido de € 117.914,21, e a condenação das RR. a pagar, solidariamente, ou a ministrar directamente à A. todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, relacionados com as sequelas da primeira A. e cuja liquidação requereu que se remetesse para execução de sentença.
Dado o contraditório, foi o articulado superveniente admitido, ao abrigo do disposto no art. 588º do CPC, os factos alegados incluídos nos temas de prova, bem como a ampliação do pedido, ao abrigo do disposto no art. 265º/2, segunda parte, do mesmo diploma legal.

Procedeu-se a julgamento, que se prolongou por 4 sessões, com observância de todas as formalidades legais.

No final, foi proferida a seguinte decisão:
Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA contra EMP01..., Lda., Fundo de Garantia Automóvel e CC, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno os Réus a pagarem à Autora, solidariamente, a quantia global líquida de € 106.949,48, acrescida de juros contados desde data da citação sobre a quantia de € 66.949,48, e desde a data da prolação da presente decisão sobre a quantia de € 40.000,00, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento, e, ainda, a quantia cuja fixação se remete para decisão ulterior, nos termos do disposto no artigo 564º, nº 2, do Código Civil, e que corresponder às despesas que a Autora comprovar ter despendido com tratamentos médicos (ortopédicos e fisiátricos) em face da evolução para artrose da lesão sofrida no cotovelo esquerdo.
Absolvo a Ré EMP05..., S.A. dos pedidos contra si deduzidos.
Em face do exposto, julgo a acção proposta por BB contra EMP01..., Lda., Fundo de Garantia Automóvel e CC, parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente condeno os Réus a pagarem à Autora, solidariamente, a quantia global líquida de € 3.360,00, acrescida de juros contados desde data da citação, à taxa legal de 4%, até integral e efectivo pagamento.
Absolvo a Ré EMP05..., S.A. dos pedidos contra si deduzidos.
Custas na proporção do decaimento, sem prejuízo do decidido administrativamente quanto ao apoio judiciário.
Registe e notifique.
*

Inconformado com essa sentença, apresentou a R. EMP01..., Lda. recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

1. A sentença enferma de nulidade por violar o princípio do contraditório previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC e com assento constitucional no n.º 4 do artigo 20.º da CRP;
2. Igualmente, padece a sentença de nulidade, por inobservar o princípio do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, previsto no artigo 5.º do CPC, assim como o princípio da igualdade de armas e do processo equitativo, conquanto o Tribunal a quo faz-se substituir às Recorridas, desonerando-as da alegação e da prova;
3. A sentença viola o princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º da CRP;
4. A decisão recorrida não cumpre o princípio da legalidade constitucionalmente plasmado, na medida em que, com o devido respeito, viola as regras relativas ao ónus da prova (vide artigos 342.º e ss. CC) e à força probatória dos documentos (vide artigos 369.ºe ss. CC);
5. Idem, padece a sentença de falta de fundamentação, de modo que, com o devido respeito, faz padecer a sentença de nulidade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
6. A decisão recorrida, com o devido respeito, padece de nulidade por manifesta contradição entre a fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
7. Ainda, padece a sentença de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC;
8. O Tribunal a quo, s.m.o., errou na apreciação da prova. Desta feita, deverão os identificados pontos de facto incorretamente julgados serem substituídos pela decisão que a Recorrente acima propõe, absolvendo-se a mesma, em conformidade.
Assim se fazendo JUSTIÇA!
*

Igualmente inconformado com essa sentença, apresentou o R. FGA recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

i. O acidente em crise nos presentes autos não se trata de um acidente de viação, resultante da capacidade de circulação terrestre própria dos veículos com motor, mas de um acidente resultante do modo de laboração próprio de uma máquina industrial, do risco inerente ao seu específico funcionamento e utilização como instrumento de trabalho;
ii. A máquina retroescavadora encontrava-se em laboração quando ocorreu o acidente, sendo que os danos provocados pela mesma não decorrem de qualquer movimento de circulação do mesmo enquanto veículo, antes decorrendo do desempenho da sua atividade própria e específica de máquina industrial;
iii. O FGA não pode ser responsabilizado pelo ressarcimento dos danos emergentes do acidente dos autos (ainda que como garante);
iv. O acidente dos autos e os danos deles decorrentes inserem-se no âmbito do risco do veículo/máquina enquanto engenho mecânico no exercício industrial a que está adstrito;
v. Não estando o seu proprietário obrigado a celebrar qualquer contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que titule a utilização dessa máquina e, em consequência, não se
encontrando o aqui recorrente legalmente obrigado a garantir a responsabilidade civil emergente da utilização dessa máquina;
vi. Tendo em consideração que entre a Ré EMP01... e a ré EMP05..., S.A. foi celebrado o contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil/Construção, titulado pela apólice ...53 – conforme o facto provado eee) – qualquer eventual responsabilidade de reparação dos danos emergentes do acidente em crise teria necessariamente de recair sobre a ré Seguradora;
Sem conceder,
vii. Devem ser considerados não provados os factos descritos na sentença como matéria de facto provada sob as alíneas h), i) - salvo a menção à data, o local não era policiado - e n);
viii. Ademais, tal decorre da inexistência de prova nesse sentido que resulte do depoimento de DD, na qualidade de Representante Legal da empresa EMP01..., Lda, EE e CC, os quais, tal como transcrito, não podem conduzir a que se conclua que a máquina retroescavadora se encontrava com a sua pá, a manobrar inertes (pedras), que transportava, em ambos os sentidos, do Caminho ..., para um espaço alargado de berma existente no dito Caminho ..., onde essas pedras estavam depositadas, o que implicava transpor a faixa de rodagem do Caminho ... entre o Caminho ... e o referido espaço alargado de berma. Nem tão pouco que no dia e hora em causa, quando o ZR acabou de desenhar a curva, a máquina retroescavadora ocupava a faixa de rodagem do Caminho ..., com a pá frontal apontada para a berma direita, atento o sentido de marcha ..., e no enfiamento do, na altura em construção, Caminho ...;
ix. Deve considerar-se que o comportamento da condutora do veículo ZR, aqui autora/recorrida AA, contribuiu em proporção nunca inferior a 50% na produção do sinistro em crise nos presentes autos;
x. A condutora do ZR violou com a sua conduta várias regras estradais, como sendo as que constam do disposto nos artigos 3.º, n.º 2 e 24.º n.º 1 do Código da Estrada;
xi. Termos em que deve a corresponsabilidade da autora AA na ocorrência do sinistro ser fixada na proporção de, pelo menos, 50%, ou, a haver uma maior penalização, ser a mesma imputada à própria autora, ajustando-se os montantes indemnizatórios em conformidade;
xii. O montante indemnizatório atribuído a título do dano patrimonial futuro e a título de danos não patrimoniais foi excessivamente fixado pelo tribunal recorrido;
xiii. O montante atribuído a título de dano patrimonial futuro deve fixar-se em montante não superior a € 60.000,00 (sessenta mil euros), o qual deverá ser devidamente ajustado na proporção da contribuição para a produção do sinistro pela autora AA, conforme supra exposto, totalizando assim o valor máximo de € 30.000,00 (trinta mil euros);
xiv. O montante atribuído a título de danos não patrimoniais deve fixar-se em montante não superior a € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros), o qual deverá ser devidamente ajustado na proporção da contribuição para a produção do sinistro pela autora AA, conforme supra exposto, totalizando assim o valor máximo de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros);
xv. O Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 494.º, 496.º, 562.º e 566.º, todos do Código Civil e artigo 388.º do Código de Processo Civil.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente ser a sentença recorrida revogada, sendo substituída por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas, tudo com as legais consequências.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre, um ato da mais elementar JUSTIÇA! 
*

Foram apresentadas contra-alegações pelas AA. AA e BB relativamente ao recurso apresentado pela R. EMP01..., Lda., que finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

A. A douta sentença não enferma de nulidade por violação do princípio do contraditório previsto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC e com assento constitucional no n.º 4 do art.º 20 da CRP.
B. Tão pouco se cifra dentro do elenco legislativo do art.º 615 do C.P.C.
C. Não constitui decisão surpresa, nem viola o princípio do contraditório o resultado da atividade instrutória quando o seja, como in casu, resultado da apreciação dos factos sobejamente enunciados nos Temas da Prova devidamente identificados e sujeitos a contraditório na ata de audiência prévia de 11/09/2020 e que resultaram, por sua vez, do crivo jurisdicional da matéria de facto aduzida pelas partes nos articulados.
D. Sem prejuízo da alegação factual essencial e da dialética probatória levada a cabo pelo contraditório entre as partes, não ocorreu, nem ocorre nulidade por violação do princípio da igualdade de armas e do processo equitativo quando o Tribunal a quem aprecia criticamente a prova inferindo-a de um processo axiológico segundo as regras da lógica e da experiência.
E. Movendo-se dentro dos factos essenciais alegados pelas partes e do enunciado nos Temas da Prova pode, e deve, o Tribunal cumprir com a vontade legislativa ínsita nas últimas reformas do processo civil que lhe conferiram um papel mais ativo na busca da verdade material.
F. É simples resultado do seu exercício jurisdicional considerar factos instrumentais que lhe advieram quer do contraditório entre as partes, quer da instrução levada a cabo em sequência da mesma, posto é que esse exercício seja coerente e expresso na motivação da matéria de facto, como foi.
G. Não ocorreu qualquer violação do princípio do dispositivo, nem da igualdade de armas.
H. Não ocorre violação do princípio da proporcionalidade na indemnização fixada nos autos à Autora tendo sido devidamente enunciados os princípios orientadores, bem como foram apresentados os cálculos utilizados que, aliás, correspondem aos critérios legais e jurisprudências.
I. O Tribunal apurou o valor segundo juízo de equidade justificando-o com os danos sofridos e sequelas permanentes verificadas, recusando valores miserabilistas.
J. Não ocorreu violação do princípio da legalidade, nem viola as regras do ónus da prova e a força dos documentos a simples discordância com a aplicação do direito.
K. O tribunal motivou e fundamentou a matéria de facto com a instrução cabal especificada de cada fato dado como provado e inclusive expôs consequentemente à luz das regras da lógica e da experiência.
L. Não ocorreu nulidade da sentença por falta de fundamentação, tanto que a recorrente de imediato invoca também a nulidade de sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão.
M. A sentença está devidamente fundamentada e motivada sendo consequente a douta decisão sendo perfeitamente inferível para os seus destinatários.
N. A sentença não é nula por excesso de pronuncia porque considerou previsíveis os danos futuros da Autora - que o são - antes executou o comando legal previsto no artigo 564, n.º 2 do Código Civil.
O. A impugnação sobre a matéria de facto exige ao impugnante que indique sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
P. O que a recorrente não fez.
Q. Pesa embora os poderes do Tribunal da Relação quanto à matéria de facto e sobre a sua impugnação, foram recusadas soluções que pudessem reconduzir a repetições de julgamento designadamente como apresenta a requerente com reposição de documentos já constantes dos autos nas suas alegações.
R. A descrição parcial da instrução segundo a versão que a recorrente pretende não pôs, nem o conseguiria, em causa a assertividade e o sentido critico e axiológico da douta decisão.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, confirmar-se a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos os efeitos legais, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais.
Assim sendo, farão V/Excias Almejada e Inteira JUSTICA̧!
*

Foram igualmente apresentadas contra-alegações pelas AA. AA e BB relativamente ao recurso apresentado pelo R. FGA, que finalizaram com a apresentação das seguintes conclusões:

A. O objeto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respetiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação.
B. A jurisprudência portuguesa tem admitido que acidentes causados por máquinas de trabalho sejam cobertos pelo regime da responsabilidade civil automóvel ainda que o sinistro ocorra no decurso da utilização da máquina dentro da função que lhe é específica, se, concomitantemente, o aparelho estiver a desempenhar também a sua função de circulação, numa manifestação dos riscos da atividade viária. Nesses casos estar-se-á ainda perante um acidente de viação.
C. No caso em apreço resulta claro da prova que a Ré e o seu condutor utilizavam a retroescavadora interveniente no acidente na dupla função, encontrando-se a mesma na via pública a desemprenhar a sua função de circulação e constituiu risco rodoviário.
D. A retroescavadora envolveu-se num acidente de viação e estava obrigada a contrato de seguro.
E. A impugnação da prova sem análise critica dos pontos de desconformidade e sem a evidência dos motivos que levassem a entendimento diverso da douta sentença não cumpre o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão proferida.
F. A renovação parcial da prova apresentada, com a enunciação da existência de meios de prova em sentido diverso ao tido na sentença, não cumpriu com a necessidade de argumentar, de forma concretizada, no sentido de que os meios de prova produzidos no processo, apreciados em conjunto e de forma crítica, impõem uma convicção diversa quanto à reconstituição dos factos, atingindo essa diferente versão dos factos o patamar da probabilidade prevalecente, arredando - do mesmo passo – a versão aceite pelo tribunal a quo.
G. Resulta inclusive que as transcrições apresentadas em nada beliscam a análise crítica e valorativa do Tribunal ad quem, em verdade atestam as inconsistências dos Réus ao longo do processo, pelo que deve improceder o pedido de alteração da matéria dada como provada na douta sentença mantendo-se a mesma inalterada.
H. É mais gravoso e ilícito o comportamento do condutor da retroescavadora que sem seguro mantém o veículo pesado a ocupar faixa de rodagem da via pública escassos metros a seguir a curva fechada a direita, constituindo perigo imediato e concreto para a segurança e confiança rodoviária do que o comportamento da Autora que descreveu a curva e se apercebeu da presença da máquina tarde de mais e sem tem de imobilizar o seu veículo.
I. É adequada a graduação de culpa nos termos do artigo 570.º do Código Civil que fixe em 80% para o condutor da máquina e 20% para a condutora do ligeiro de passageiros, como seja a Autora.
J. No calculo do dano biológico na vertente patrimonial é de considerar que as atividades diárias e correntes não cessam com o termo da vida ativa ou com o atingir da idade da reforma.
K. Na fixação do dano biológico atende-se à esperança média de vida e não ao período de vida ativa, tal como na douta sentença, pelo que deverá improceder a pretensão da recorrente.
L.nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar.”
M. Atendendo às sequelas físicas e emocionais com que a Autora passou a viver e que se manifestam de forma permanente e visível, bem como à dor, às cirurgias que se viu obrigada a realizar, às sessões de fisioterapia com a evolução mais que provável para artrose precoce, e para uma IPP de 22 %, mostra-se justa e adequada a fixação do valor de 40.000 (quarenta mil euros) a título de danos não patrimoniais e que corresponde aos critérios jurisprudenciais atuais.
Por tudo o exposto, e sem necessidade de mais amplas considerações, deverá a presente apelação ser julgada improcedente, por não provada, e, consequentemente, confirmar-se a decisão proferida pelo tribunal a quo com todos os efeitos legais, justamente porque não violou quaisquer preceitos legais.
Assim sendo, farão V/Excias Almejada e Inteira JUSTICA!
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Também a R. EMP05..., S.A. apresentou alegações relativamente ao recurso apresentado pelo R. FGA, que finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I- O recurso interposto pelo recorrente FGA, ainda que procedente, apenas poderia conduzir à absolvição ou redução da medida da responsabilidade dessa entidade pela reparação dos danos sofridos pelas AA, mas nunca a revogação da decisão, já transitada em julgado, que absolveu a ora recorrida dos pedidos
II- O acidente em causa nestes autos é um acidente de viação, nele tendo intervindo um veículo (retroescavadora) que estava sujeita a seguro obrigatório e que se encontrava na via pública no momento do sinistro, pelo que nunca recairia sobre a ora recorrida a obrigação de indemnizar
III- Devendo, assim, ser julgado improcedente, nessa parte, o recurso
IV- No que toca às demais questões suscitadas pela recorrente, nomeadamente nas conclusões VII a XIV, entende a recorrida que assiste razão à recorrente
Termos em que o recurso deve ser julgado só parcialmente procedente, mas nunca na parte em que nele se sustenta que a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelas AA deve recair sobre a ora recorrida, devendo, nessa parte, ser negado provimento ao recurso, como é de inteira e liminar
JUSTIÇA
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O Exmº Juiz a quo proferiu despacho a admitir os recursos interpostos, providenciando pela sua subida a este Tribunal. Pronunciou-se sobre as arguidas nulidades, o que fez nos seguintes termos:
 Cumprindo proferir o despacho a que alude o disposto no artigo 617º, nº 1, do Código de Processo Civil, relativamente ao recurso interposto pela recorrente EMP01..., Lda., considera-se, s.m.o., que a sentença foi fundamentada de facto e de direito nos termos da lei, que inexiste qualquer contradição, e que, atento o objecto do processo e os temas de prova, inexiste qualquer excesso de pronúncia, pelo que se indefere a arguida nulidade da sentença, por referência ao disposto no artigo 615º, nº 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*
2QUESTÕES A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex vi dos arts. 663º/2, 635º/4, 639º/1 a 3 e 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelos apelantes, estes pretendem que:

A R. EMP01..., Lda.:
- se declare nula a decisão recorrida, por violação do princípio do contraditório;
- se declare nula a decisão recorrida, por violação do princípio da igualdade das partes;
- se declare nula a decisão recorrida, por violação do princípio do dispositivo e do princípio da autorresponsabilidade das partes;
- se declare nula a decisão recorrida, por violação das regras do ónus da prova da contradição entre a fundamentação e a decisão;
- se declare nula a decisão recorrida, por excesso de pronúncia;
- se altere a seguinte matéria de facto dada como provada, no que refere às consequências do acidente: y), gg), kk), ll), mm), nn), oo), pp), bbb) e ccc), devendo dar-se nova redação ao 1º facto e considerarem-se os restantes como não provados por falta de prova;
- se reaprecie, em conformidade, a decisão de mérito da acção;
O R. Fundo de Garantia Automóvel:
- se altere a matéria de facto dada como provada sob as alíneas h), i) - salvo a menção à data, o local não era policiado - e n), que deve ser dada como não provada por falta de prova;
- se reaprecie a decisão de mérito da acção, relativamente a três pontos essenciais:
i) A qualificação do acidente dos autos como acidente de viação;
ii) A medida da contribuição para a produção do acidente por parte da recorrida AA;
iii) O critério de fixação da indemnização atribuída a título de dano patrimonial futuro e a título de danos não patrimoniais.
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3 – OS FACTOS

1 – Factos provados
a) No dia .../... de 2016, pelas 09.15 horas, na estrada municipal (Caminho ...) que passa pelo lugar ..., Freguesia ..., concelho ..., ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-ZR, conduzido pela primeira Autora, e a máquina retroescavadora, ..., sem matrícula, com o nº de quadro ...70, manobrada pelo interveniente CC;
b) Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas não chovia e o piso da estrada, em alcatrão, encontrava-se seco;
c) O ZR circulava no sentido ..., no sentido descendente;
d) O Caminho ..., no local do embate, desenha uma curva à direita, com inclinação descendente, atento o sentido de marcha ...;
e) Logo seguida de uma recta;
f) E entronca, cerca de 25 metros depois da curva, atento o referido sentido de marcha, à esquerda, no Caminho ...;
g) Quem conduz um veículo automóvel no sentido ... consegue visualizar o local do entroncamento, depois de desenhar a referida curva, a cerca de 25 metros;
h) A máquina retroescavadora, com o Interveniente CC aos comandos, encontrava-se, com a sua pá, a manobrar inertes (pedras), que transportava, em ambos os sentidos, do Caminho ..., na altura em construção/alargamento, para um espaço alargado de berma existente no dito Caminho ..., à direita, a cerca de cinco metros, do ponto onde o referido Caminho ... entronca, atento o sentido de marcha ..., onde essas pedras estavam depositadas;
i) O trabalho que efectuava implicava transpor a faixa de rodagem do Caminho ... entre o Caminho ... e o referido espaço alargado de berma existente no referido Caminho ... e, à data, o local não era policiado;
j) E o referido manobrador encontrava-se ao serviço da Ré, EMP01..., Lda., enquanto funcionário desta, dentro do seu horário de trabalho, a executar o trabalho que lhe tinha sido ordenado pela sua entidade patronal;
k) A obra a cargo da EMP01..., Lda. consistia na construção/alargamento do Caminho ... (adjudicada pela Junta de Freguesia ...) e, em concreto, no dia e hora do embate procediam à construção do muro, em curva, que ladeia a orla superior do entroncamento do referido caminho no Caminho ...;
l) À data, porque em obras, o Caminho ... estava em terra batida;
m) A faixa de rodagem do Caminho ... tem de largura 4,40 metros;
n) No dia e hora supra referidos, quando o ZR acabou de desenhar a curva, a máquina retroescavadora ocupava a faixa de rodagem do Caminho ..., com a pá frontal apontada para a berma direita, atento o sentido de marcha ..., e no enfiamento do, na altura em construção, Caminho ...;
o) Não tendo a primeira Autora logrado imobilizar o ZR, este veio a embater na pá frontal da máquina retroescavadora, imobilizando-se entre esta e o sinal informativo de localidade, existente no início do espaço alargado de berma, no lado direito da faixa de rodagem, atento o mencionado sentido de marcha;
p) A máquina retroescavadora, ..., sem matrícula, com o nº de quadro ...70, tem uma pá frontal e outra à retaguarda, tem dois eixos, quatro rodas, motor de propulsão a diesel, movido por autopropulsão, pode ser conduzida mediante a utilização de um volante e tem uma tara de 8.430 quilogramas;
q) A Autora reside a cerca de 60 metros do local do embate;
r) E sabia que o Caminho ... estava a ser objecto de obras, desconhecendo, no entanto, que, no dia do embate, as obras se desenvolviam no entroncamento supra referido;
s) Em consequência do embate do ZR na máquina retroescavadora, a primeira Autora sofreu traumatismo e fractura supracondiliana do úmero (extremidade inferior) esquerdo, exposta, e dores no membro superior esquerdo;
t) Após o embate, a primeira Autora foi assistida no local pelo INEM e transportada para a Unidade Local de Saúde ... (Unidade Local de Saúde ...);
u) Onde foi submetida a exames, entre os quais radiológicos, e onde o membro superior esquerdo foi engessado (tala gessada braquipalmar);
v) Os resultados da TAC ao cotovelo permitiram descrever uma “fractura cominutiva do úmero distal, algo impactada e desalinhada, associado a fragmentos ósseos subjacentes, com componente que acomete tanto o epicôndilo lateral quanto a fenda articular. Presença de uma pequena hemartrose. Obliteração difusa das partes moles ao nível do cotovelo”;
w) Foi medicada;
x) Foi submetida a intervenção cirúrgica em 10.12.2016 para redução aberta e osteossíntese do úmero distal esquerdo com duas placas medial e lateral, sem intercorrências cirúrgicas;
y) Sofreu um choque anafiláctico perioperatório de causa indeterminada;
z) E foi constatada paresia da mão esquerda, com esboço de movimentos activos de extensão dos dedos e abdução do 5º dedo;
aa) Foi submetida a cuidados de enfermagem nos dias 13.12.2016, para optimizar o aparelho gessado, e 17.12.2016 para avaliação da ferida cirúrgica, tendo feito o penso cirúrgico de 2 em 2 dias;
bb) Recebeu alta hospitalar a 18 de Dezembro de 2016, com o braço imóvel e engessado e com parestesias nos 3º, 4º e 5º dedos da mão esquerda;
cc) Retirou os pontos no dia 22.12.2016;
dd) Foi encaminhada para tratamentos de fisioterapia que concretizou;
ee) Em 24.02.2017, a primeira Autora realizou um estudo electromiográfico na Unidade Local de Saúde ... e em cujo relatório se pode ler: “- Ausência de potencial de acção muscular composto evocado ao nervo cubital esquerdo; (…) - Ausência de potencial de acção nervosa sensitivo evocado ao nervo cubital esquerdo, com recepção nos 4.º e 5.º dedos; (…) - Ausência de potencial de acção nervosa sensitivo evocado ao nervo radial esquerdo; (…) - normalidade dos estudos de condução motora e sensitiva evocados ao nervo mediano esquerdo; (…) - Desnervação activa e ausência de registo da actividade muscular voluntária nos músculos dependentes do nervo cubital esquerdo, extensor do indicador e extensor comum dos dedos esquerdos; (…)- Normalidade do estudo EMG no musculo curto abdutor do polegar esquerdo. (…) Conclusão: - os achados acima referidos são consistentes com lesão grave dos nervos cubital e radial esquerdos, actualmente sem evidência de continuidade neuronal”;
ff) Foi seguida em consulta externa na Unidade Local de Saúde ... até Fevereiro de 2017;
gg) Continuou os tratamentos de fisioterapia na ... onde efectuou estágio profissional;
hh) Depois do regresso a Portugal, foi submetida a cirurgia para extracção do material de osteossíntese, em 26.04.2017, no Hospital ...;
ii) Em consequência das lesões sofridas, a primeira Autora passou a ter: (i) ao nível da manipulação e preensão, sensação, de forma esporádica, de falta de força no membro superior esquerdo na manipulação de objectos; (ii) fenómenos dolorosos diários, ligeiros, na face posterior de todo o antebraço, que se agravam com os esforços, não carecendo de analgesia; (iii) fica, esporadicamente, com a mão em forma de garra (flexão involuntária dos últimos quatro dedos) em relação com os esforços e com o frio, com necessidade de esticar os dedos com ajuda da outra mão; (iv) sensação de formigueiro na face posterior de todo o antebraço, face dorsal da mão e face dorsal de todos os dedos da mão esquerda, diários e agravados com as mudanças climáticas; (v) alteração da sensibilidade ao toque da face lateral do 5º dedo da mão esquerda;
jj) Em consequência das lesões sofridas, a primeira Autora ficou, no membro superior esquerdo, (i) com uma cicatriz hipercrómica disforme, com vestígios de pontos de sutura, com 11,5 cm de comprimento total, localizada na face posterior do terço inferior do braço e face posterior do cotovelo, sendo que a cicatriz apresenta-se mais larga nos 8 cm mais proximais, com uma largura máxima de 2,5 cm e é linear na porção mais distal, com 1,5 cm de largura máxima; (ii) com rigidez no cotovelo, com amplitude articular entre 4º-103º (0º-145º à direita); com a flexão do cotovelo no grau 5/5, coma extensão do cotovelo no grau 4/5, com a extensão do punho no grau 4/5, com a flexão do punho no grau 3/5, com a abdução dos dedos da mão no grau 4/5, com adução do 1º dedo da mão no grau 5/5 e com a oposição entre 1º e 5º dedos no grau 5/5; (iii) com ligeira atrofia dos 3º, 4º, 5º dedos da mão, bem como da região hipotenar da mão;
kk) As sequelas não são impeditivas do exercício da actividade profissional da área académica da primeira Autora (gestão), e são compatíveis com a profissão de auxiliar de acção médica, implicando, no entanto, esforços suplementares;
ll) As lesões sofridas pela Autora determinaram-lhe:
 Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 14 dias;
 Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 414 dias;
 Um período de Repercussão Temporária na Actividade Formativa Parcial de 428 dias;
 Um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7;
 Um Dano Estético Permanente fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7;
 Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 22 pontos;
mm) A primeira Autora obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 06.02.2018;
nn) E vai necessitar, no futuro, de tratamentos médicos, nomeadamente, fisioterapia, e de medicação em face da evolução para artrose da lesão sofrida no cotovelo esquerdo;
oo) Durante a sua recuperação, após o embate e até à primeira cirurgia, beneficiou da ajuda da progenitora para as tarefas habituais do dia-a-dia, como tomar banho, vestir-se e confeccionar refeições;
pp) Sente desgosto e vergonha por ter a cicatriz no membro superior esquerdo e tenta escondê-la quando se veste e quando vai à praia;
qq) A primeira Autora nasceu no dia .../.../1993, conforme se retira da cópia do assento de nascimento constante de fls. 41v e 42 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
rr) É, actualmente, assistente operacional no Hospital ... e aufere, em média e mensalmente, a quantia líquida de € 665,00;
ss) Despendeu em sessões de fisioterapia a quantia global de € 432,02;
tt) Despendeu € 55,00 em consulta médica de neurocirurgia;
uu) Despendeu em estudo electromiográfico dos membros superiores a quantia de € 75,00;
vv) Pagou, pela cirurgia de € 26.04.2017, a quantia de € 2.939,11;
ww) Em outras consultas e tratamentos de enfermagem despendeu € 374,96;
xx) O veículo de matrícula ..-..-ZR, de marca ..., modelo ..., com matrícula de 2005, está registado como propriedade da segunda Autora, BB, conforme se retira do teor da cópia do documento junta aos autos a fl. 26 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
yy) À data do embate o ZR tinha 220.853 quilómetros;
zz) Valia, do ponto de vista comercial e à data do embate € 3.700,00;
aaa) Em consequência do embate, o ZR sofreu estragos na parte frontal, de forma mais acentuada na parte frontal esquerda, acentuadamente na parte lateral esquerda dianteira, na porta esquerda e na parte lateral direita dianteira;
bbb) A segunda Autora despendeu na reparação do ZR o valor de € 3.000,00;
ccc) A segunda Autora ficou impedida de circular com o veículo durante 8 meses;
ddd) A segunda Autora celebrou com a seguradora EMP06... um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, incidente sobre o ZR, titulado pela apólice nº ...98, com data de início a 16.04.2018, conforme se retira de fl. 212 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;
eee) Entre a Ré EMP01... e a Ré EMP04..., S.A. (hoje, EMP05..., S.A.) foi celebrado o contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil/Construção, titulado pela apólice ...53 e subordinado às Condições Gerais, Especiais e Particulares cujos textos se encontram juntos aos autos de fls. 85v a 93 e cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos.

2 – Factos não provados (com exclusão dos enunciados fácticos de carácter conclusivo, dos enunciados fácticos irrelevantes e dos enunciados descritores de matéria de direito)
Da petição inicial: artigos 9º, 23º, que se encontrasse parado, 24º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea n), 25º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea g), 28º, 29º, 31º, 33º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea g), 34º a 41º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas n) e o), 112º a 142º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas ii) a nn) e pp), 145º a 147º, 149º a 161º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas ii) a nn) e pp), 166º e 167º, 181º a 183º, 192º a 194º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea aaa), 197º a 199º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea bbb), 206º.
Da contestação da Ré EMP04..., S.A. (hoje, EMP05..., S.A.): artigos 26º, primeira parte, quanto ao local do embate, 40º, 42º, quanto à quantificação numérica do ângulo da curva, 43º, quanto a acentuada, 47º, que à data estivesse aberto ao público, 48º, 49º, 50º, 52º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea q), 53º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea r), 54º, 55º, 56º, 61º a 63º, 64º e 65º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea g), 67º, 71º a 79º, 80º a 84º, 110º a 114º, 141º, 169º, 170º a 189º.
Da contestação do Réu Fundo de Garantia Automóvel: inexistem enunciados a que cumpra responder.
Da Contestação da Ré EMP01..., Lda.: artigos 6º, parte final, 7º e 8º, 10º, quanto ao ângulo da curva, 11º, quanto a acentuada, 15º a 17º, 19º, 20º a 22º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas q) e r), 23º a 26º, 30º a 32º, 33º e 34º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea g), 36º, 40º a 53º, 57º a 60º, 63º, 65º e 66º, 71º, 73º, 74º, 97º a 114º.
Do Articulado das Autoras de fls. 163 a 170: inexistem enunciados a que cumpra responder.
Da Contestação do Interveniente CC: artigos 6º, parte final, 7º e 8º, 10º, quanto ao ângulo da curva, 11º, quanto a acentuada, 15º a 17º, 19º, 20º a 22º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas q) e r), 23º a 26º, 30º a 32º, 33º e 34º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea g), 36º, 40º a 53º, 57º a 60º, 63º, 65º e 66º, 71º, 73º, 74º, 97º a 114º.
Articulado superveniente apresentado pela primeira Autora (fls. 317 a 321): artigos 15º a 21º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas jj) e pp), 30º a 35º, 39º a 46º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas ii) a nn) e pp).
Das respostas ao articulado superveniente: inexistem enunciados a que cumpra responder.

3 – Motivação fundamentadora da decisão de facto
Fundou o Tribunal a sua convicção na valoração do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente, na valoração do depoimento das testemunhas FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, EE, MM, NN, OO, PP, QQ, na valoração dos elementos documentais, na parte em que a lei permite a sua valoração de acordo com a livre convicção do julgador, juntos aos autos e constantes de fls. 25 a 45, 85v a 94, 120 a 137, 211 a 223, 231 e 232, 236 a 258, 262 a 298, 332 a 349, 352 a 368, 377 e 387. Fundou ainda o Tribunal a sua convicção no relatório pericial médico-legal junto aos autos, elaborado na sequência do exame efectuado na pessoa da Autora de fls. 299 a 305, bem como nos esclarecimentos prestados pela Sra. perita em sede de audiência de discussão e julgamento, e no exame e relatório pericial subsequente incidente sobre a máquina retroescavadora constante de fls. 310 a 311. Fundou o Tribunal, igualmente a sua convicção, na inspecção judicial ao local realizada pelo signatário e nas impressões por este retiradas, bem como das reproduções fotográficas que constam do respectivo auto. Foram valorados os depoimentos de parte da primeira Autora, do representante legal da Ré EMP01..., DD, do Chamado, bem como as declarações de parte da segunda Autora.
Antes de avançarmos há que sublinhar um aspecto fáctico-jurídico de primordial importância. Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “o significado essencial do ónus da prova não está tanto em saber a quem incumbe a prova do facto, como de determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de não se fazer prova do facto”[2], ou seja, se após a apreciação de todos os elementos de prova levados ao processo por impulso das partes ou por iniciativa do juiz, permanecer a dúvida sobre a verdade de uma asserção de facto necessário para a formação da convicção daquele e para a prolação da decisão, o tribunal pode e deve pronunciar-se desfavoravelmente em relação à pretensão da parte a quem incumbia o ónus da prova. Podemos, pois, extrair duas consequências relativamente à repartição do ónus probatório. Uma, de cariz jurídico. Outra, prévia e de cariz eminentemente fáctico, que é aquela que reside no processo interior do julgador quanto ao convencimento sobre a ocorrência do facto. Neste último âmbito, se, produzidos todos os meios de prova, o julgador permanecer na dúvida sobre a ocorrência do facto deve decidir contra a parte que tem o ónus de o provar, ou seja, deve considerar tal facto como não provado (cfr. artigo 414º do Código de Processo Civil). Ou seja, a enunciação da repartição do ónus da prova auxilia o julgador na resposta fáctica e, por outro lado, posteriormente, determina o sentido da decisão no caso de se fazer ou não se fazer prova do facto. Quando os factos estão já fixados, não há já lugar a qualquer tratamento de uma eventual dúvida, pois que esta é tratada previamente, na resposta fáctica, e estando os factos fixados deve é tratar-se da sua subsunção ao Direito. Não desconhecemos que a jurisprudência, através de um longo processo de perda de rigor e acutilância, tem reduzido as consequências da repartição do ónus probatório ao seu cariz eminentemente jurídico, ou seja, às suas consequências jurídicas, depois de os factos já se encontrarem fixados, esquecendo as suas consequências ao nível da apreciação fáctica, antes de se darem como provados ou não provados os factos enformadores do objecto do processo. Serve, pois, esta nota para reafirmar a dúplice dimensão, ao nível das consequências, da repartição do ónus probatório e para evidenciar que o julgamento da matéria de facto não se pode desligar do disposto no artigo 342º do Código de Processo Civil, consideração essa que esteve sempre presente neste julgamento.
Importará ainda sublinhar que a motivação do julgador não se reconduz e não se pode reconduzir, em sede de fundamentação fáctica da decisão, a uma mera assentada daquilo que as testemunhas declararam em audiência de discussão e julgamento. O que as testemunhas declararam em sede de audiência de julgamento tem o seu natural reflexo, tendo o juiz ficado convencido da existência/ocorrência dos factos, na matéria de facto dada por provada. O que o legislador pretende é que o juiz analise criticamente as provas (cfr. artigo 607º, nº 4, do Código de Processo Civil), indicando os fundamentos do convencimento e não, necessariamente, o que cada testemunha declarou ou o que cada documento contém. Para tal (fundamentos do convencimento) deve ser indicada a razão de ciência de cada uma das testemunhas ouvidas e se o depoimento foi, ou não, circunstanciado e objectivo, tendo por referência determinada factualidade. Cada caso da vida submetido a julgamento condiciona e é a circunstância relevante da respectiva fundamentação, devendo esta ser proporcional em fundamentação e motivação, do ponto de vista daquela análise crítica, ao grau de controvérsia da factualidade em causa.
Neste âmbito, e estando em causa a responsabilidade aquiliana, incumbe ao autor, na veste de lesado, alegar e provar os cinco pressupostos previstos no artigo 483º do Código Civil (também a culpa, não havendo presunção legal) ou uma situação subsumível a uma das hipóteses reconduzíveis à responsabilidade pelo risco (cfr. artigos 500º, 503º e 506º do Código Civil).
Isto posto.
A convicção do Tribunal fundamentou-se, primordialmente e relativamente à matéria de facto dada por provada, na conjugação de todos os depoimentos testemunhais, na sua depuração pelas regras da lógica e da experiência, e na conjugação destes com os teores dos documentos supra referidos, com as declarações das próprias partes e com as impressões e medição recolhidas pelo signatário em sede de inspecção judicial ao local. Valorou-se, decisiva e igualmente, o teor do relatório pericial junto aos autos. Cumpre sublinhar que no caso dos presentes autos, em face dos depoimentos e declarações contraditórias, as regras da lógica e da experiência assumiram um papel essencial que, facto a facto, não foram infirmadas pelos restantes meios de prova na formação da convicção do Tribunal.
Quanto à dinâmica do acidente – cfr. alíneas a) a r) –, a convicção do Tribunal, em face das declarações contraditórias das únicas pessoas que presenciaram o mesmo – a primeira Autora e o Chamado – assentou na conjugação destas declarações com os restantes elementos probatórios produzidos nos autos.
Em primeiro lugar, o Tribunal ficou convencido que o embate ocorreu na hemifaixa de rodagem por onde circulava o ZR, ou seja, no Caminho ... no sentido .... As declarações da primeira Autora coincidem com os danos no sinal de informação de localidade, tendo sido contra esse sinal, ainda hoje dobrado com a força do embate do ZR, que este se imobilizou – tal facto foi verificado aquando da inspecção judicial ao local. Que a máquina retroescavadora se encontrava a transpor o Caminho ... está o Tribunal igualmente convicto: a construção do muro à esquerda, a ladear a parte final do Caminho ..., implicava que as pedras com que aquele era construído fossem recolhidas na berma oposta do Caminho ..., no espaço alargado de berma, onde aquelas estavam depositadas, como é visível na reprodução fotográfica de fl. 29, facto que também foi confirmado pelo representante legal da Ré EMP01..., Lda.. Esse espaço alargado de berma existe e foi confirmado aquando da inspecção judicial ao local.
Aquando da inspecção ao local, calcorreamos a pé e de veículo automóvel o percurso que o ZR percorreu no dia do embate. Do ponto de vista lógico e de acordo com as regras da experiência comum, a única versão plausível é aquela que os factos dados por provados retratam.
Com efeito, não descurando as teses alternativas alegadas nas contestações, mas recusando-as por inverosímeis e sem credibilidade, dir-se-á, em primeiro lugar, que a configuração do acidente que coloca a retroescavadora fora do alcatrão do Caminho ..., estacionada, no Caminho ..., afigura-se incompatível, do ponto de vista da lógica e da física dinâmica, com a imobilização do ZR contra o sinal de informação de localidade: trata-se de um cenário implausível porque pressupõe que o ZR, depois de embater na pá frontal da retroescavadora, fosse projectado contra o dito sinal, alterando a sua trajectória num ângulo de 90º. Tendo em conta o sentido de marcha do ZR, esta possibilidade não se afigura credível. Portanto, o embate na pá frontal da retroescavadora só podia ter ocorrido sobre o alcatrão do Caminho ... e esta só podia estar com os seus rodados neste caminho.
Foi também veiculada em sede de audiência de julgamento, pelo representante legal da sociedade Ré EMP01..., Lda., e pela testemunha EE, palavras que terão sido ditas pela primeira Autora, logo após no acidente e ainda na ambulância, e que o ZR estaria “sem travões” ou que “o carro não travou e que me atirei contra a máquina”. O que é dito no local do acidente por uma vítima, com lesões, numa ambulância ou através de testemunho indirecto, quando esta, em declarações prestadas às autoridades e a outras entidades nunca o referiu, deve ser visto com o necessário crivo crítico. E esta postura crítica leva-nos logo à incompatibilidade, de acordo com as regras da experiência, entre um embate numa retroescavadora fora do alcatrão e a necessidade de accionar os travões. Se a máquina retroescavadora se encontrava fora da via por onde circulava o ZR e a via (Caminho ...) estava desimpedida porque é que a Autora necessitaria de accionar os travões quando tinha acabado de desenhar uma curva e deparava-se-lhe uma recta à sua frente? Por outro lado, se o ZR não estivesse com os travões em funcionamento, os problemas surgiriam antes do início da curva, acentuada e que só é possível fazer a baixa velocidade, e não à saída desta, com uma via supostamente desimpedida, momento em que surge a oportunidade para acelerar e não para travar. E, por fim, se o ZR não tivesse travões, não seria apenas o tubo de metal que sustenta a sinalização informativa que existe no local, e que ainda hoje apresenta a marca do embate, a lograr imobilizar um veículo desgovernado com o peso do ZR. Ou seja, a tese do embate fora do alcatrão e da falta de travões fundem-se numa teoria sem o mínimo de plausibilidade e de credibilidade.
Ainda neste âmbito convém referir que a primeira Autora manteve, no essencial, e sempre que foi chamada a prestar declarações, a sua versão dos factos.
Em suma, a convicção do Tribunal quanto à dinâmica do acidente assentou nos teores dos documentos constantes de fls. 25 e 26, na reprodução fotográfica de fl. 29, nas declarações do representante legal da Ré EMP01..., Lda. quanto à utilização do espaço alargado da berma contrária como depósito de pedras, no teor do documento de fl. 387v, nas impressões recolhidas pelo signatário em sede de inspecção judicial ao local, nas reproduções fotográficas constantes das peritagens particulares de fls. 120 a 134 (designadamente das reproduções fotográficas onde se pode perceber os estragos do ZR) e nas regras de experiência comum, da lógica e da física dinâmica.
No que se refere às consequências do evento, haverá que dividir as mesmas em consequências físicas e consequências patrimoniais.
No que se refere às consequências físicas na pessoa da Autora, ou seja, relativamente aos factos dados por provados nas alíneas s) a pp), do ponto II.1., a convicção do Tribunal fundou-se no teor do relatório pericial junto aos autos de fls. 299 a 305, bem como nos esclarecimentos prestados pela Sra. perita em sede de audiência de discussão e julgamento, e no teor dos documentos clínicos de fls. 34 a 36, 236 a 258 e 262 a 298. Neste âmbito, foram igualmente valorados positivamente os depoimentos das testemunhas KK, médica que operou a primeira Autora logo após o acidente em contexto de urgência e que explicou que a cicatrização pode provocar compressão e irritação do nervo cubital, JJ, namorado da primeira Autora, que descreveu as dificuldades do dia-a-dia sentidas pela primeira Autora na utilização do braço esquerdo, OO, médico fisiatra, que consultou a primeira Autora em 2017, QQ, médico, que operou a primeira Autora para extrair o material de osteossíntese e que explicou que a lesão do nervo cubital de que a Autora ficou a padecer pode ter-se ficado a dever a várias causas, entre elas, o traumatismo em si, a osteossíntese e a cicatrização, apesar de não se recordar o que estaria a afectar o nervo cubital da primeira Autora. Valoraram-se, igualmente, as declarações da segunda Autora, mãe da primeira Autora quanto ao dia-a-dia desta última em face das sequelas com que ficou a padecer.
No que se refere às consequências patrimoniais do evento para a primeira Autora, ou seja, relativamente aos factos dados por provados nas alíneas rr) a ww), do ponto II.1., a convicção do Tribunal fundou-se na análise e subsequente valoração conjugada dos teores dos documentos juntos aos autos de fls. 36v a 40, 43v, 213 a 223, 231 e 232, 321v, e 332 a 349. Com as declarações da própria primeira Autora.
No que se refere às consequências patrimoniais do evento para a segunda Autora, ou seja, relativamente aos factos dados por provados nas alíneas xx) a ccc), do ponto II.1., a convicção do Tribunal fundou-se na análise e subsequente valoração conjugada dos teores dos documentos de fls. 26v, das peritagens particulares de fls. 120 a 134 (as datas das inspecções ao veículo são compatíveis com o período de imobilização), atentando-se ao diagrama de fl. 128v, onde são assinaladas as partes danificadas do ZR, com o depoimento da testemunha GG, mecânico, que reparou o ZR e que confirmou que o mesmo foi reparado e a reparação paga, e com as declarações da própria Autora que declarou ter pago € 3.000,00 pela reparação.
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto enunciada na alínea p), fundou-se no relatório pericial constante de fls. 310 a 311.
A convicção do Tribunal relativamente à factualidade dada por provada nas alíneas qq), ddd) e eee) decorre dos teores dos documentos aí referidos.
No que concerne à matéria de facto dada como não provada, a convicção do Tribunal assentou na falta de prova credível e na total ausência de prova.
Neste âmbito, cumpre, ainda, referir duas notas.
Em primeiro lugar, e quanto à falta de prova credível, damos por reproduzidas as considerações tecidas supra quanto à versão da dinâmica do acidente que foi alegada pelas Rés EMP01... e EMP05..., S.A. e pelo Chamado.
Em segundo lugar, e quanto à total ausência de prova, assenta a nota nos enunciados fácticos que pretenderam imputar a lesão neurológica da primeira Autora a um putativo erro médico.
A conjugação dos depoimentos testemunhais supra mencionados com o acervo documental supra referido e com os relatórios periciais produzidos resultou, depois de uma última e inevitável depuração pelas regras da lógica e da experiência, na convicção final do Tribunal.

[transcrição dos autos].
*
4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO

Como já supra referido, estão em causa e foram interpostos dois recursos: um pela R. EMP01..., Lda.  e outro pelo R. Fundo de Garantia Automóvel.
*     *     *
Comecemos, então, pelo recurso da R. EMP01..., Lda.

I) Da nulidade da sentença, por violação do princípio do contraditório

Entende a apelante ser nula a sentença recorrida, porque o Recorrente não teve oportunidade de contraditar a alegada factualidade julgada provada pelo Tribunal a quo, introduzida pelo julgador e que constituiu a base da decisão. Argumentando, para tanto, que o julgador, na esteira de Lebre de Freitas, só excecionalmente pode introduzir factos principais no processo. E, caso assim proceda, deve salvaguardar o exercício do contraditório, ou seja, deve permitir às partes que se pronunciem sobre a dita factualidade. In casu, o Tribunal recorrido introduziu, in totum, a factualidade julgada provada, que sustentou a condenação do Recorrente, fazendo-se, por isso, substituir às Recorridas, a quem incumbia o ónus de alegação. E, concomitantemente, proferiu sentença, sem que o Recorrente tivesse sequer a oportunidade de se pronunciar sobre tais factos.
Achando as recorridas que Não constitui decisão surpresa, nem viola o princípio do contraditório o resultado da atividade instrutória quando o seja, como in casu, resultado da apreciação dos factos sobejamente enunciados nos Temas da Prova devidamente identificados e sujeitos a contraditório na ata de audiência prévia de 11/09/2020 e que resultaram, por sua vez, do crivo jurisdicional da matéria de facto aduzida pelas partes nos articulados.
Quid iuris?

Diz o art. 3º/3 do CPC que, “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Este princípio assume-se como corolário ou consequência do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do nº 1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de acção e de defesa.
Na verdade, “quer o direito de acção, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respectiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é susceptível de comprometer a posição das partes…e daí a proibição imposta pelo nº3[3].
Como é sabido, o princípio do contraditório é um dos princípios basilares que enformam o processo civil, e, na estrita perspectiva das partes, quiçá o mais relevante.
Na verdade, “o processo civil reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera pars)… - esta estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste de interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões…para o esclarecimento da verdade”[4].
Não obstante, importa notar que este princípio, tal como todos os outros, não é de perspectivação e aplicação inelutável e absoluta. Podendo congeminar-se casos em que ele pode ser mitigado ou mesmo postergado, vg. em situações de atendível urgência ou, no próprio dizer da lei, de manifesta desnecessidade.
O art. 3º/3 do CPC exige do juiz uma diligência aturada de observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo o princípio do contraditório, salvo os casos em que ressalte uma manifesta desnecessidade.
O que deve entender-se por manifesta desnecessidade constitui-se como o “busílis” da questão e só a Jurisprudência pode ajudar a desbravar e obtemperar.
Pensamos que a arguição de nulidade de uma decisão pode vingar quando, e se, a solução seguida pelo tribunal se desvincule totalmente do alegado pelas partes, na sua substancialidade ou na sua adjectividade.
Vale por dizer que as partes terão direito a insurgir-se contra uma decisão se a via nela seguida não se ativer, com um mínimo de arrimo, ao que foi alegado e sufragado pelas partes durante o curso do processo.
Assim, se as partes não tiveram hipótese de aportar e debater factos - novos e condizentes com a realidade jurídica prefigurada pelo tribunal antes da decisão - que poderiam trazer alguma luz sobre a “questão nova”, oficiosamente assumida pelo tribunal, então as partes terão o direito de tentar refazer a actividade do tribunal de modo a encarrilar e adequar a estrutura do processo ao resultado decisório.
Nesta situação, poderemos dizer que o tribunal apartou-se do dever de cooperação, colaboração e boa-fé que deve nortear o princípio de imparcialidade e de posição supra partes constitucionalmente atribuído ao Julgador.
Nesta conformidade, e de uma razoável interpretação concatenada destes preceitos, importa concluir que a decisão-surpresa a que se reporta o art. 3º/3 do CPC, não se confunde com a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.
A lei, ao referir-se à decisão-surpresa, não quis excluir delas as decisões que juridicamente são possíveis embora não tenham sido pedidas.
O que importa é que os termos da decisão, rectius os seus fundamentos, estejam ínsitos ou relacionados com o pedido formulado e se situem dentro do geral e abstractamente permitido pela lei e que de antemão possa e deva ser conhecido ou perspectivado como sendo possível.
Ou seja, estaremos perante uma decisão surpresa quando ela comporte uma solução jurídica que as partes não tinham obrigação de prever, quando não fosse exigível que a parte interessada a houvesse perspectivado no processo, tomando oportunamente posição sobre ela, ou, no mínimo e concedendo, quando a decisão coloca a discussão jurídica num módulo ou plano diferente daquele em que a parte o havia feito.
A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do art. 195º/1 do CPC - a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa.
E dada a importância do contraditório é indiscutível que a sua inobservância pelo Tribunal é susceptível de influir no exame ou decisão da causa.
Ora, no caso em apreço e tendo presente tudo o que já foi dito e melhor resulta dos autos, temos dificuldade em compreender que tenha sido chamado à colação a violação deste princípio. É que, em face do ónus de alegação das partes e dos poderes de cognição do tribunal mencionados no art. 5º do CPC, tendo presentes os articulados e atendendo à audiência prévia que identificou o objecto do litígio e fixou os temas da prova, não se vislumbra como seja defensável que o Tribunal recorrido introduziu, in totum, a factualidade julgada provada, que sustentou a condenação do Recorrente, fazendo-se, por isso, substituir às Recorridas, a quem incumbia o ónus de alegação. É que a convicção da decisão de facto constante da sentença mostra-se fundamentada na valoração do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, que foi convenientemente contraditada, o que a recorrente não questiona, tendo respeitado os mencionados ónus de alegação das partes e os poderes de cognição do tribunal, bem como os fixados temas da prova. Princípio do contraditório que foi, assim, observado em todas as fases processuais. A título de exemplo e começando pelo primeiro facto provado, a al. a), vejam-se os arts. 1. e 2. da p.i. e as alíneas a), c) e f) dos temas da prova.
Não, tem, pois, aqui, qualquer razão a recorrente.
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II) Da nulidade da sentença, por violação do princípio da igualdade das partes

Entende a apelante ser nula a sentença recorrida, tendo o Tribunal a quo violado o princípio da igualdade de armas, conquanto, suprimiu o ónus de alegação e, ainda, o ónus da prova que recaía sobre as Recorridas e de cujo cumprimento deveria estar dependente a procedência da ação.
Defendendo as recorridas que nem ocorre nulidade por violação do princípio da igualdade de armas e do processo equitativo quando o Tribunal a quem aprecia criticamente a prova inferindo-a de um processo axiológico segundo as regras da lógica e da experiência.
Que dizer?

Atendendo a que a apelante parte aqui de premissas não verificadas, como já supra referido, isto é, que haja sido suprimido o ónus de alegação e o ónus da prova que recaía sobre as requeridas, mostra-se prejudicada nesta parte a ocorrência da violação deste princípio.
Não tem, pois, também aqui, razão a apelante.
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III) Da nulidade da sentença, por violação do princípio do dispositivo e do princípio da autorresponsabilidade das partes

Entende a apelante ser nula a sentença recorrida, pois a mesma apresenta uma base factual introduzida pelo Tribunal a quo, em desrespeito pelo princípio do dispositivo.
Já as recorridas discordam, achando que a sentença é o simples resultado do seu exercício jurisdicional, pois considerou factos instrumentais que lhe advieram quer do contraditório entre as partes, quer da instrução levada a cabo em sequência da mesma, posto é que esse exercício seja coerente e expresso na motivação da matéria de facto, como foi.
Quid iuris?

A questão é aqui a mesma, partindo de uma inexacta imputação, de que a sentença apresenta uma base factual introduzida pelo Tribunal a quo. Tal não ocorrendo, mostra-se prejudicada nesta parte a ocorrência da violação destes princípios.
Não tem, pois, igualmente aqui, razão a apelante.
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IV) Da nulidade da sentença, por violação das regras do ónus da prova da contradição entre a fundamentação e a decisão

Entende a apelante ser nula a sentença recorrida, pois as Recorridas não lograram fazer prova da factualidade constitutiva da situação jurídica alegada, pelo que se impunha julgar a ação improcedente, absolvendo-se a Recorrente, em estrita observância e cumprimento do princípio actore non probante réus absolvitur. É que as regras da lógica e da experiência comum não constituem meios de prova e, por conseguinte, não devem, diante das contrariedades da prova, servir para as colmatar. E, no caso vertente, conclui-se pela existência de factos assentes numa regra que, respeitosamente, não é de experiência comum e corresponde a um convencimento subjetivo do julgador, sem suporte objetivo e probatório.
Mais refere que face às ditas contrariedades, cumpria decidir contra a parte a quem incumbia o ónus da prova, id est e na situação sub iudice, contra as Recorridas. Todavia, inversa, malograda e injustificadamente, o Tribunal a quo condenou a Recorrente e, portanto, salvo melhor e fundamentado entendimento, violou as regras do ónus da prova (artigos 342.º e ss. do CC).
Acrescentando que além do mais, assiste-se à contradição entre a fundamentação e a decisão. É que apesar de explicitar em que consistem as regras do ónus da prova e, concomitantemente, referir as contrariedades da prova produzida, o que haveria de ditar a improcedência da ação, a verdade é que condenou a Recorrente.
Concluindo que, s.m.o. enferma a sentença de nulidade, por se julgar verificada a flagrante oposição entre a fundamentação e a decisão (vide alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC).
Defendendo as recorridas que não ocorreu violação do princípio da legalidade, nem viola as regras do ónus da prova e a força dos documentos a simples discordância com a aplicação do direito. É que o tribunal motivou e fundamentou a matéria de facto com a instrução cabal especificada de cada fato dado como provado e inclusive expôs consequentemente à luz das regras da lógica e da experiência, pelo que não ocorreu nulidade da sentença por falta de fundamentação, tanto que a recorrente de imediato invoca também a nulidade de sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão. Sendo que a sentença está devidamente fundamentada e motivada sendo consequente a douta decisão sendo perfeitamente inferível para os seus destinatários.
Que dizer?

O art. 615º/1, c) do CPC dispõe que a sentença é também nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Para Alberto dos Reis, esta nulidade verifica-se «quando a sentença enferma de vício lógico que a compromete (…)», quando «a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto» –“Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra Editora, 1984, volume V, página 141.
A lei refere-se aqui «à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nos casos abrangidos pelo artigo 668.º, 1, c) [correspondendo, na redação atual, ao artigo 615.º, 1, c)], há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direção diferente»[5].
A nulidade em questão verifica-se quando a fundamentação do despacho aponta num certo sentido que é contraditório com o que vem a decidir-se e, enquanto vício de natureza processual, não se confunde com o erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide mal – ou porque decide contrariamente aos factos apurados ou contra lei que lhe impõe uma solução jurídica diferente.
A nulidade referida no art. 615º/1, c) do CPC está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos arts. 154º e 607º/3 e 4, de o Juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a Sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor), não ocorrendo essa nulidade se o julgador errou na subsunção que fez dos factos à norma jurídica aplicável, ou se errou na indagação de tal norma ou da sua interpretação.
Ora, na apreciação da alegada nulidade, é evidente a sua inexistência, pois que o raciocínio lógico seguido na decisão teria de conduzir à improcedência da acção, nos precisos termos exarados, não se vislumbrando, a não ser na perspectiva da recorrente, qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão. Com efeito, esta arguida nulidade parte do mesmo inadequado raciocínio já declinado nas arguidas nulidades antecedentes, assentando numa visão subjectiva de produção de prova. Ou seja, pressupõe a existência de uma base factual introduzida pelo Tribunal a quo, que tenha sido suprimido o ónus de alegação e o ónus da prova que recaía sobre as requeridas, em suma, que as Recorridas não lograram fazer prova da factualidade constitutiva da situação jurídica alegada e que o Sr. Juiz a quo tenha reconhecido tal, o que não ocorre, pois, efectivamente, como bem referem as recorridas, o tribunal motivou e fundamentou a matéria de facto com a instrução cabal especificada de cada fato dado como provado e inclusive expôs consequentemente à luz das regras da lógica e da experiência. Encontrando-se, pois, a sentença devidamente fundamentada e motivada, sendo perfeitamente inferível para os seus destinatários.
Não tem, pois, igualmente aqui, razão a apelante.
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V) Da nulidade da sentença, por excesso de pronúncia

Entende a apelante ser nula a sentença recorrida, pois dispõe o n.º 2 do artigo 564.º do CC que, na fixação da indemnização pode o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior. Ora, entende a Recorrente que os eventuais danos futuros a sofrer pela Recorrida, não eram sequer determináveis, motivo pelo qual o Tribunal a quo não poderia ter fixado montante indemnizatório. Ao invés e a admitir-se ser devida tal indemnização, que não se admite – atenta a linha de raciocínio defendida - deveria o Tribunal recorrido ter relegado a apreciação do valor a indemnizar pelos eventuais prejuízos decorrentes dos danos futuros, para liquidação de sentença, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 609.º do CPC. Desta forma, entende a Recorrente, que a sentença é nula, por se julgar verificado excesso de pronúncia, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
Entendendo as recorridas que A sentença não é nula por excesso de pronuncia porque considerou previsíveis os danos futuros da Autora - que o são - antes executou o comando legal previsto no artigo 564, n.º 2 do Código Civil.
Quid iuris?

Nos termos do nº 1 do art. 615º do CPC, relativo às causas de nulidade da sentença, uma sentença é nula quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
Relativamente ao excesso de pronúncia, diga-se que “Não podendo o juiz conhecer de causas de pedir não invocadas, nem de exceções não deduzidas na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608º/2), é nula a sentença em que o faça”[6].

Quanto ao vício consagrado na al. e) - condene em quantidade superior ou objeto diverso do pedido - diga-se que “É também nula a sentença que, violando o princípio do dispositivo na vertente relativa à conformação objetiva da instância (…), não observe os limites impostos pelo art. 609º/1, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido”[7].

Têm aqueles vícios a ver com os limites da actividade de conhecimento do tribunal, estabelecidos quer no art. 608º/2 do CPC: «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras», quer, com referência à instância recursiva, pelas conclusões da alegação do recorrente, delimitativas do objecto do recurso, conforme resulta dos artigos 635º/4 e 639º/1 e 2, do mesmo diploma legal.
Se o juiz deixa de conhecer questão submetida pelas partes à sua apreciação e que não se mostra prejudicada pela solução dada a outras, peca por omissão; ao invés, se conhece de questão que nenhuma das partes submeteu à sua apreciação nem constitui questão que deva conhecer ex officio, o vício reconduz-se ao excesso de pronúncia.
Vício relativamente ao qual importa definir o exacto alcance do termo «questões» por constituir, in se, o punctum saliens da nulidade.
Como é comummente reconhecido, vale a este propósito, ainda hoje, o ensinamento de ALBERTO DOS REIS, na distinção a que procedia:
«[….] uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.»

«São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.»[8]
O mesmo é dizer, conforme já decidido no Supremo Tribunal de Justiça[9], «O tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, mas não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito, pelo que os argumentos, motivos ou razões jurídicas não o vinculam», ou dizer ainda, «O juiz não tem que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente».
Diz, a este mesmo propósito, LEBRE DE FREITAS: «’Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido.
Por um lado, através da prova, foi feita a triagem entre as soluções que deixaram de poder ser consideradas e aquelas a que a discussão jurídica ficou reduzida.
Por outro lado, o juiz não está sujeito às alegações das partes quanto à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas (art. 5-2) e, uma vez motivadamente tomada determinada orientação, as restantes que as partes hajam defendido, nomeadamente nas suas alegações de direito, não têm de ser separadamente analisadas.»[10]
Numa aparente maior exigência, referia ANSELMO DE CASTRO:
«A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludênciadas excepções e da causa de pedir (melhor, à fundabilidade ou infundabilidade dumas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem. Esta causa de nulidade completa e integra, assim, de certo modo, a da anulabilidade por falta de fundamentação. Não basta à regularidade da sentença a fundamentação própria que contiver; importa que trate e aprecie a fundamentação jurídica dada pelas partes. Quer-se que o contraditório propiciado às partes sob os aspectos jurídicos da causa não deixe de encontrar a devida expressão e resposta na decisão.»

Mas logo o mestre de Coimbra ressalvava: «Seria erro, porém, inferir-se que a sentença haja de examinar toda a matéria controvertida, se o exame de uma só parte impuser necessariamente a decisão da causa, favorável ou desfavorável. Neste sentido haverá que compreender-se a fórmula da lei “exceptuadas aquelas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras”».[11]
Como assim, prende-se a expressão «questões» com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia.
Logo, é em face do objecto da acção, do conteúdo da decisão impugnada e das conclusões da alegação da recorrente que se determinam as questões concretas controversas que importa resolver.
Não padece de nulidade por excesso de pronúncia a sentença recorrida que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento dos recorrentes.
Tendo presentes estes princípios jurídicos, sumariamente enunciados, vejamos se existe excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo.
A resposta terá necessariamente que ser negativa.
Efectivamente, basta atentar no pedido da A. para se concluir pela inexistência de excesso de pronúncia, jamais sendo de enquadrar a resolução da questão a descontento da recorrente como tal.
Não, tem, pois, também aqui, razão a recorrente.
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VI) Da alteração da matéria de facto dada como provada

Entende a recorrente terem sido incorrectamente julgados, no que se refere às consequências do acidente, os pontos y), gg), kk), ll), mm), nn), oo), pp), bbb) e ccc) dos factos provados, que impõem decisão diversa da encontrada pelo tribunal a quo, devendo, assim, dar-se nova redação ao 1º facto e considerarem-se os restantes como não provados por falta de prova.
Indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, aludindo, in casu, quanto à al. y), a documentação clínica de onde consta que o choque anafilático foi provocado pela administração de Cefazolina, pelo que, em rigor, deverá constar que a Recorrida sofreu um choque anafiláctico perioperatório provocado por Cefazolina, quanto à al. gg) não se fez prova de que a Recorrida tenha efetuado estágio profissional, nem que aí tenha continuado os tratamentos de fisioterapia e quanto às remanescentes als. kk), ll), mm), nn), oo), pp), bbb) e ccc) por absoluta falta de prova.
Mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1). 
Cumpre, pois, apreciar.
O art. 662º do actual CPC regula a reapreciação da decisão da matéria de facto de uma forma mais ampla que o art. 712º do anterior Código, configurando-a praticamente como um novo julgamento.
Assim, a alteração da decisão sobre a matéria de facto é agora um poder vinculado, verificado que seja o circunstancialismo referido no nº 1, quando os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.  
A intenção do legislador foi, como fez constar da “Exposição de Motivos”, a de reforçar os poderes da Relação no que toca à reapreciação da matéria de facto. 
Assim, mantendo-se os poderes cassatórios que permitem à Relação anular a decisão recorrida, nos termos referidos na alínea c), do nº 2, e sem prejuízo de se ordenar a devolução dos autos ao tribunal da 1ª. Instância, reconheceu à Relação o poder/dever de investigação oficiosa, devendo realizar as diligências de renovação da prova e de produção de novos meios de prova, com vista ao apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
As regras de julgamento a que deve obedecer a Relação são as mesmas que devem ser observadas pelo tribunal da 1ª Instância: tomar-se-ão em consideração os factos admitidos por acordo, os que estiverem provados por documentos (que tenham força probatória plena) ou por confissão, desde que tenha sido reduzida a escrito, extraindo-se dos factos que forem apurados as presunções legais e as presunções judiciais, advindas das regras da experiência, sendo que o princípio basilar continua a ser o da livre apreciação das provas, relativamente aos documentos sem valor probatório pleno, aos relatórios periciais, aos depoimentos das testemunhas, e agora inequivocamente, às declarações da parte – cfr. arts. 466º/3 e 607º/4 e 5 do CPC, que não contrariam o que acerca dos meios de prova se dispõe nos arts. 341º a 396º do CC.    
Deste modo, é assim inequívoco que a Relação aprecia livremente todas as provas carreadas para os autos, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua convicção.
Provar significa demonstrar, de modo que não seja susceptível de refutação, a verdade do facto alegado. Nesse sentido, as partes, através de documentos, de testemunhas, de indícios, de presunções etc., demonstram a existência de certos factos passados, tornando-os presentes, a fim de que o juiz possa formar um juízo, para dizer quem tem razão.
Como dispõe o art. 341º do CC, as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.
E, como ensina Manuel de Andrade[12], aquele preceito legal refere-se à prova “como resultado”, isto é, “a demonstração efectiva (…) da realidade dum facto – da veracidade da correspondente afirmação”.
Não se exige que a demonstração conduza a uma verdade absoluta (objetivo que seria impossível de atingir) mas tão-só a “um alto grau de probabilidade, suficiente para as necessidades práticas da vida”.
Quem tem o ónus da prova de um facto tem de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como escreve Antunes Varela[13].
O julgador, usando as regras da experiência comum, do que, em circunstâncias idênticas normalmente acontece, interpreta os factos provados e conclui que, tal como naquelas, também nesta, que está a apreciar, as coisas se passaram do mesmo modo.
Como ensinou Vaz Serra[14] “ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência, ou de uma prova de primeira aparência”.
Ou seja, o juiz, provado um facto e valendo-se das regras da experiência, conclui que esse facto revela a existência de outro facto.
O juiz aprecia livremente as provas e decide segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto – cfr. art. 607º/5 do CPC, cabendo a quem tem o ónus da prova “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como refere Antunes Varela[15].
Se se instalar a dúvida sobre a realidade de um facto e a dúvida não possa ser removida, ela resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita, de acordo com o princípio plasmado no art. 414º do CPC, que, no essencial, confirma o que, sobre a contraprova, consta do art. 346º do CC.  
De acordo com o que acima ficou exposto, cumpre, pois, reapreciar a prova e verificar se dela resulta, com o grau de certeza exigível para fundamentar a convicção, o que a apelante pretende neste recurso.
*
Como já referido supra, pretende a apelante R. EMP01..., Lda. a alteração da decisão da matéria de facto quanto ao decidido nos pontos y), gg), kk), ll), mm), nn), oo), pp), bbb) e ccc) do elenco de factos considerados provados. Isto porque entende que a prova produzida no decurso da acção impunha decisão diversa da proferida quanto a tais factos. 
*
A sentença ora impugnada considerou provado que:
y) Sofreu um choque anafiláctico perioperatório de causa indeterminada;
gg) Continuou os tratamentos de fisioterapia na ... onde efectuou estágio profissional;
kk) As sequelas não são impeditivas do exercício da actividade profissional da área académica da primeira Autora (gestão), e são compatíveis com a profissão de auxiliar de acção médica, implicando, no entanto, esforços suplementares;
ll) As lesões sofridas pela Autora determinaram-lhe:
 Um Período de Défice Funcional Temporário Total de 14 dias;
 Um Período de Défice Funcional Temporário Parcial de 414 dias;
 Um período de Repercussão Temporária na Actividade Formativa Parcial de 428 dias;
 Um quantum doloris fixável no grau 4, numa escala de 1 a 7;
 Um Dano Estético Permanente fixável no grau 2, numa escala de 1 a 7;
 Um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 22 pontos;
mm) A primeira Autora obteve a consolidação médico-legal definitiva no dia 06.02.2018;
nn) E vai necessitar, no futuro, de tratamentos médicos, nomeadamente, fisioterapia, e de medicação em face da evolução para artrose da lesão sofrida no cotovelo esquerdo;
oo) Durante a sua recuperação, após o embate e até à primeira cirurgia, beneficiou da ajuda da progenitora para as tarefas habituais do dia-a-dia, como tomar banho, vestir-se e confeccionar refeições;
pp) Sente desgosto e vergonha por ter a cicatriz no membro superior esquerdo e tenta escondê-la quando se veste e quando vai à praia;
bbb) A segunda Autora despendeu na reparação do ZR o valor de € 3.000,00;
ccc) A segunda Autora ficou impedida de circular com o veículo durante 8 meses;
Motivando tal decisão, o Tribunal a quo considerou o que extensamente consta supra transcrito em 3 – OS FACTOS, aqui dado por reproduzido, a fim de evitar repetições.
Com o que discorda a apelante, nos termos acima referidos.
Entendendo as AA. recorridas que não lhe assiste razão.
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, designadamente consultando o relatório pericial junto aos autos de fls. 299 a 305, bem como atendendo aos esclarecimentos prestados pela Sra. perita em sede de audiência de discussão e julgamento, e no teor dos documentos clínicos de fls. 34 a 36, 236 a 258 e 262 a 298 e teores dos documentos de fls. 26v, das peritagens particulares de fls. 120 a 134 e ainda a audição da gravação integral, em audiência de julgamento, do depoimento das testemunhas profissionais de saúde KK, OO e QQ, bem como das testemunhas JJ e GG e as declarações das próprias AA., conclui-se, à excepção do ponto y) dos factos provados, uma vez que consta da documentação clínica que o choque anafilático foi provocado pela administração de Cefazolina, não assistir razão à apelante. Não se tendo adquirido, assim, excluindo a mencionada excepção do ponto y), convicção diferente daquela obtida pelo Tribunal da 1ª instância. Mesmo sem a mais valia que representa a imediação, não nos ficaram quaisquer dúvidas quanto à credibilidade atribuída aos depoimentos e declarações, bem como aos documentos em causa.
Verifica-se, pois, com a já aludida excepção, que a recorrente nada de novo traz sobre esta matéria, pretendendo tão só que seja feita uma valoração diferente e parcial – porque omite toda a prova produzida – daquela efectuada pelo Tribunal a quo. Afigurando-se-nos ter sido o Tribunal a quo cauteloso, mas assertivo, perante os elementos probatórios de que dispunha e que expressamente refere. Não podemos, pois, deixar de concluir da mesma forma.
Verificando-se que a apelante, no essencial, relativamente aos factos ora em questão, dissente da decisão, assentando exclusivamente na sua versão dos factos e interpretação que faz da prova, omitindo a vasta prova produzida e escudando-se genericamente na absoluta falta de prova, que não corresponde ao ocorrido.
Porém a apelante não pode limitar-se a invocar a inverídica absoluta falta de prova, em abono da alteração dos factos, ignorando a análise crítica efectuada pelo Tribunal a quo a essa mesma prova, decidindo em causa própria.
E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem julga é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ela efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de toda a prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. O que não logrou.
Resultando evidente nos autos, que na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos, que aqui se dão por reproduzidos, a fim de evitar repetições.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se, à excepção do ponto y) dos factos provados que passará a ter a redação que infra se proporcionará, nada mais haver aqui a corrigir, decidindo-se pela remanescente improcedência da impugnação da matéria de facto:
y) Sofreu um choque anafiláctico perioperatório provocado por Cefazolina;
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VII) Da reapreciação da decisão de mérito da acção

Estando todo o recurso sustentado na arguição de nulidades da sentença, que não foram acolhidas, e na impugnação da matéria de facto, que não foi igualmente acolhida, à excepção do ponto y) dos factos provados, mas cuja modificação é inócua e não tem qualquer relevo para a decisão de mérito, nenhuma alteração pode ser introduzida na decisão recorrida, que, assim, se confirma.
Não merecendo, pois, a sentença do Tribunal a quo qualquer reparo, pois assenta em operações intelectuais válidas e justificadas e com respeito pelas normas processuais atinentes à prova.
Logo, não assistindo qualquer razão à apelante R. EMP01..., Lda., improcede totalmente o seu recurso, com custas a pagar pela mesma (art. 527º do CPC).
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Passemos, agora ao recurso do R. Fundo de Garantia Automóvel.

VIII – Da alteração da matéria de facto dada como provada

Entende o recorrente terem sido incorrectamente julgadas as alíneas h), i) - salvo a menção à data, o local não era policiado - e n) dos factos provados, que devem ser dadas como não provada por falta de prova. Alegando que tal decorre da inexistência de prova nesse sentido que resulte do depoimento de DD, na qualidade de Representante Legal da empresa EMP01..., Lda, EE e CC, os quais, tal como transcrito, não podem conduzir a que se conclua que a máquina retroescavadora se encontrava com a sua pá, a manobrar inertes (pedras), que transportava, em ambos os sentidos, do Caminho ..., para um espaço alargado de berma existente no dito Caminho ..., onde essas pedras estavam depositadas, o que implicava transpor a faixa de rodagem do Caminho ... entre o Caminho ... e o referido espaço alargado de berma. Nem tão pouco que dia e hora em causa, quando o ZR acabou de desenhar a curva, a máquina retroescavadora ocupava a faixa de rodagem do Caminho ..., com a pá frontal apontada para a berma direita, atento o sentido de marcha ..., e no enfiamento do, na altura em construção, Caminho ....
Porque indica o sentido da decisão e os elementos de prova em que fundamenta o seu dissenso, mostram-se, assim, cumpridos todos os ónus impostos pelo art. 640º do CPC (cfr. as três alíneas do n.º 1). 
Cumpre, pois, apreciar.
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A sentença ora impugnada considerou provado que:

h) A máquina retroescavadora, com o Interveniente CC aos comandos, encontrava-se, com a sua pá, a manobrar inertes (pedras), que transportava, em ambos os sentidos, do Caminho ..., na altura em construção/alargamento, para um espaço alargado de berma existente no dito Caminho ..., à direita, a cerca de cinco metros, do ponto onde o referido Caminho ... entronca, atento o sentido de marcha ..., onde essas pedras estavam depositadas;
i) O trabalho que efectuava implicava transpor a faixa de rodagem do Caminho ... entre o Caminho ... e o referido espaço alargado de berma existente no referido Caminho ... e, à data, o local não era policiado;
n) No dia e hora supra referidos, quando o ZR acabou de desenhar a curva, a máquina retroescavadora ocupava a faixa de rodagem do Caminho ..., com a pá frontal apontada para a berma direita, atento o sentido de marcha ..., e no enfiamento do, na altura em construção, Caminho ...;
Motivando tal decisão, o Tribunal a quo considerou o que extensamente consta supra transcrito em 3 – OS FACTOS, aqui dado por reproduzido, a fim de evitar repetições.
Com o que discorda o apelante, nos termos acima referidos.
Entendendo as AA. recorridas que não lhe assiste razão.
Já a R. EMP05..., S.A. entende que, relativamente a esta parte do recurso, lhe assiste razão.
Quid iuris?

Revisitada a respectiva prova produzida, designadamente a audição da gravação integral, em audiência de julgamento, dos depoimentos de parte da 1ª A. (AA), do Chamado (CC) e do Legal Representante da R. EMP01..., Lda. (DD), bem como do depoimento da testemunha EE (militar da GNR que foi o participante do auto referente ao acidente em causa nos autos), conclui-se, não assistir razão ao apelante. Não se tendo adquirido, assim, quanto a estes concretos aspectos da dinâmica do acidente, convicção diferente daquela obtida pelo Tribunal da 1ª instância. Mesmo sem a mais valia que representa a imediação, não nos ficaram quaisquer dúvidas quanto à credibilidade atribuída aos depoimentos e declarações em causa.
Verifica-se, pois, que o recorrente nada de novo traz sobre esta matéria, pretendendo tão só que seja feita uma valoração diferente e parcial – porque omite parte da prova produzida – daquela efectuada pelo Tribunal a quo. Afigurando-se-nos ter sido o Tribunal a quo cauteloso, mas assertivo, perante os elementos probatórios de que dispunha e que expressamente refere. Não podemos, pois, deixar de concluir da mesma forma.
Verificando-se que o apelante, no essencial, relativamente aos factos ora em questão, dissente da decisão, assentando exclusivamente na sua versão dos factos e interpretação que faz da prova, omitindo parte da prova produzida e escudando-se numa suposta explicação “a quente” da condutora do ZR que teria ficado sem travões (testemunho indirecto, pois esta, o que sempre disse, é que não conseguiu travar), situação de ausência de travões que ninguém confirmou e que não é compatível com as regras da experiência (se estava sem travões, como logrou fazer a curva acentuada que antecede o local do acidente e que impõe redução de velocidade?).
Porém, o apelante não pode limitar-se a invocar a sua versão, em abono da alteração dos factos, ignorando a remanescente prova (v.g. declarações de parte da 1ª A.) e a análise crítica efectuada pelo Tribunal a quo a essa mesma prova, decidindo em causa própria.
E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjectiva convicção sobre a prova.
Porque, afinal, quem julga é o juiz.
Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efectivar uma concreta e discriminada análise objectiva, crítica, lógica e racional de toda a prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão. O que não logrou.
Resultando evidente nos autos, que na motivação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal recorrido elencou de forma clara e exaustiva os seus argumentos, que aqui se dão por reproduzidos, a fim de evitar repetições. Sendo que na decisão da matéria de facto, cuidou o decisor de esclarecer o caminho que seguiu na ponderação de toda a prova, esclarecendo o relevo de uma e de outra, bem como a conjugação feita. Relevar apenas acriticamente parte da prova não é decidir com isenção, mas selecionar exclusivamente a prova que demonstre a versão dos factos que lhe interessa, ignorando a demais, como se não tivesse existido.
Logo, porque todos os elementos convocados pelo tribunal a quo constam do processo e foram devidamente ponderados, entende-se nada haver aqui a corrigir, decidindo-se pela improcedência da impugnação da matéria de facto.
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IX – Da reapreciação da decisão de mérito da acção

Pretende o recorrente a reapreciação da decisão de mérito da acção, relativamente a três pontos essenciais:
i) A qualificação do acidente dos autos como acidente de viação;
ii) A medida da contribuição para a produção do acidente por parte da recorrida AA;
iii) O critério de fixação da indemnização atribuída a título de dano patrimonial futuro e a título de danos não patrimoniais.
Vejamos os pontos separadamente.
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i) A qualificação do acidente dos autos como acidente de viação
Discorda, desde logo, o recorrente da qualificação do acidente em crise nos presentes autos, por não nos encontrarmos nos presentes autos perante um acidente de viação, resultante da capacidade de circulação terrestre própria dos veículos com motor, mas perante um acidente resultante do modo de laboração próprio de uma máquina industrial, do risco inerente ao seu específico funcionamento e utilização como instrumento de trabalho.
Tendo o Tribunal a quo entendido que “para que um acidente possa ser qualificado como acidente de viação, quer seja provocado por veículo automóvel, quer por unidade circulante, é necessário que o veículo tenha sido a causa directa ou indirecta do evento, ou seja, da função que lhe é própria – função de veículo circulante[16]”. E que “Ocorrendo o acidente de viação fora de vias do domínio público ou vias do domínio privado abertas ao público, não são aplicáveis as regras dos Código da Estrada, sendo antes aplicáveis as regras constantes dos artigos 503º e seguintes, do Código Civil”, sendo que no “nosso caso, em face da factualidade dada por provada, surge evidente que o evento danoso ocorreu no Caminho ..., via pública e aberta à circulação de veículos terrestres”.
Quid iuris?

Diga-se, desde já e antecipando de certa forma a decisão, que concordamos com o entendimento seguido pelo Tribunal a quo que qualificou o acidente dos autos como acidente de viação, assim adoptando a jurisprudência portuguesa, onde se incluem os dois acórdãos citados pela apelante (acórdão da Relação de Guimarães, de 15.02.2018, processo 534/14.8TBPTL.G1 e acórdão da Relação de Guimarães, de 10.7.2018, processo 6229/16.2T8GMR.G1) tem admitido que acidentes causados por máquinas de trabalho sejam cobertos pelo regime da responsabilidade civil automóvel ainda que o sinistro ocorra no decurso da utilização da máquina dentro da função que lhe é específica, se, concomitantemente, o aparelho estiver a desempenhar também a sua função de circulação, numa manifestação dos riscos da actividade viária.
Como assim, o acidente a que se reportam os autos é acidente de viação, abrangido pelo contrato de seguro de responsabilidade civil obrigatório automóvel e não um acidente de laboração/exploração, sujeito ao seguro obrigatório de responsabilidade civil de exploração.
Defendemos, pois, tal como se entendeu no Acórdão prolatado em 15-02-2018 no Proc. nº 535/14.8TBPTL.G1, que “É acidente de viação todo o acidente envolvendo veículos terrestres com capacidade de circulação autónoma, incluindo tratores agrícolas ou industriais, retroescavadoras, cilindros de compactação, etc., desde que não sejam utilizados em funções exclusivamente agrícolas ou industriais e, no momento do acidente, se encontrem a desempenhar a função de locomoção – transporte.”, e que todos esses veículos “com exceção daqueles que sejam exclusivamente utilizados para fins agrícolas ou industriais e que não apresentem qualquer margem de sobreposição com utilizações próprias da circulação de viaturas, encontram-se sujeitos ao regime de seguro obrigatório”.
Não é, pois, de colher a posição do apelante FGA quando pretende que a retroescavadora se encontrava tão só a desempenhar a sua função especifica de laboração enquanto retroescavadora (simples funcionamento e manuseamento da máquina que estaria a depositar pedras num estradão que estaria a ser construído), olvidando a matéria dada como provada, de onde resulta que o concreto acidente sobre que versam os autos não deixa de ser uma manifestação própria dos riscos da actividade viária, isto é, que o Interveniente CC, que estava aos seus comandos, se encontrava “com a sua pá, a manobrar inertes (pedras), que transportava, em ambos os sentidos, do Caminho ..., na altura em construção/alargamento, para um espaço alargado de berma existente no dito Caminho ..., à direita, a cerca de cinco metros, do ponto onde o referido Caminho ... entronca, atento o sentido de marcha ..., onde essas pedras estavam depositadas” [cfr. alínea h) dos factos provados] e que “O trabalho que efectuava implicava transpor a faixa de rodagem do Caminho ... entre o Caminho ... e o referido espaço alargado de berma existente no referido Caminho ... e, à data, o local não era policiado” [cfr. alínea i) dos factos provados].
Em síntese, não podemos, pois, deixar de subscrever a sentença recorrida quando nela se qualifica o concreto evento objecto dos autos como acidente de viação e, consequentemente, encontrar-se sujeito ao regime de seguro obrigatório.
Termos em que improcede este fundamento de recurso.
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ii) A medida da contribuição para a produção do acidente por parte da recorrida AA
Discorda, também, o recorrente da decisão do Tribunal a quo na medida em que considerou que a recorrida AA contribuiu para a produção do acidente na proporção de 20%, entendendo que a conduta da referida autora foi manifestamente temerária, devendo a culpa ser repartida em proporção nunca inferior a 50% para cada um dos intervenientes ou, a haver uma maior penalização, ser a mesma imputada à própria autora.
Rememoremos, então, a fundamentação do Tribunal a quo nesta parte, em face da matéria apurada:
A culpa do condutor da máquina retroescavadora surge-nos, aqui, evidente, uma vez que, quando, num entroncamento com visibilidade reduzida à direita, não cuidou de saber se poderia invadir a estrada pública dando prioridade de passagens aos veículos que se apresentassem pela direita e, muito menos, imobilizar a máquina no local onde ocorreu o embate. Não tendo adoptado um comportamento prudente, parece-nos evidente que o condutor da máquina retroescavadora violou o dever objectivo de cuidado a que estava obrigado.
No entanto, o comportamento estradal da condutora do ZR, aqui primeira Autora também se afigura ilícito, pois violou o disposto nos artigos 3º, nº 2, já citado, e 24º, nº 1, do Código da Estrada, nos termos do qual, “o condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente”.
Ora, a condutora do ZR dispunha de 25 metros de visibilidade quando se encontrava na parte final da curva que antecedia a recta. Essa curva configura uma curva fechada e tem de ser feita, necessariamente, a velocidade inferior a 50 quilómetros por hora. Uma máquina retroescavadora com as dimensões, cor e peso da máquina retroescavadora que surgiu na via era visível a 25 metros, pelo que ou a primeira Autora acelerou imprudentemente o veículo que conduzia quando saiu da curva de modo a não conseguir imobilizá-lo quando dele se apercebeu ou, por distracção e falta de atenção, só se apercebeu da presença da máquina tarde de mais e sem tempo para imobilizar o ZR no espaço livre e visível à sua frente. Também a primeira Autora agiu imprudentemente e violou o dever objectivo de cuidado a que estava obrigada.
Tendo ambos os condutores agido ilicitamente em violação de normas estradais, resulta presumida a sua culpa, devendo agora proceder-se à respectiva graduação (cfr. artigo 570º, do Código Civil), não se olvidando que um acidente de viação é um acontecimento dinâmico que as mais das vezes ocorre rapidamente e que os comportamentos a serem sindicados ocorrem, também eles, num curto espaço de tempo.
No nosso caso, em face do comportamento gravemente desajustado do condutor da máquina retroescavadora, que violou em maior grau o princípio da confiança supra transcrito, tendo gerado uma situação inopinada, decido graduar as culpas concorrentes na eclosão do acidente em 80% para o condutor da máquina retroescavadora e 20% para a primeira Autora.
Quid iuris?

Também, aqui, não podemos deixar de concordar com o entendimento do Tribunal a quo, que se nos afigura ter sido assertivo.
Com efeito, é indiscutível a concorrência de culpas, na medida em que ambos os intervenientes no acidente de viação violaram regras de trânsito destinadas a proteger terceiros em circunstâncias em que era exigível que tivessem agido de outra forma, evitando o resultado danoso (cfr. arts. 3º/2 e 24º/1 do Código a Estrada). Ora, havendo culpa de ambos os condutores, cada um deles responderá pelos danos correspondentes ao facto que praticou (cfr. art. 483º/1 do CC).
Assim, ponderando as circunstâncias do caso concreto, relativas à dinâmica do acidente, ocorre inequivocamente um maior grau de culpa do condutor da máquina retroescavadora na produção da ocorrência do evento colisão. É que, apesar da condutora do ZR circular com o veículo em velocidade inadequada, na medida em que quando se dá o embate ficou impedida de imobilizar o veículo perante o obstáculo que lhe surgiu depois de efectuar a curva fechada, o veículo conduzido pelo condutor da máquina retroescavadora ocupava a faixa de rodagem, impossibilitando assim à condutora do ZR de prosseguir a sua marcha ou efectuar qualquer manobra de evasão ou desvio de direcção de último recurso que pudesse evitar o embate. Lembrando-se os particulares deveres especialmente relevantes atento ao tamanho e tipo de veículo que o condutor da máquina retroescavadora conduzia e à especificidade de que ocupava a faixa de rodagem. E não sendo expectável, como bem refere a recorrida nas suas contra-alegações, nem sequer medianamente concebível que a Autora que seguia num veículo ligeiro inferisse da presença em plena via de um veículo pesado caracterizado por industrial, com duas pás, um frontal e outra traseira, a ocupar a faixa de rodagem. Logo, podendo a Autora circular a uma velocidade inferior é, contudo, notório que a sua atuação não concorre da mesma forma que a do condutor da máquina, condutor profissional e que circulava com um veículo pesado que lhe ocupava a faixa de rodagem na totalidade. Notório é que ofendeu de forma mais grave o princípio da confiança rodoviária e criou uma situação inopinada e ilícita que concorreu em maior grau para o evento.
Logo, atendendo ao disposto no art. 570º/1 do CC e à gravidade da contribuição de cada um dos intervenientes no acidente para a produção do facto danoso e nas consequências que dele resultaram, mostra-se adequado fixar essa contribuição nos termos em que o Tribunal a quo o fez, ou seja, em 80% para o condutor da máquina retroescavadora e 20% para a primeira A.
Improcedendo, assim, também, este fundamento de recurso.
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iii) O critério de fixação da indemnização atribuída a título de dano patrimonial futuro e a título de danos não patrimoniais
Discorda, finalmente, o recorrente da decisão do Tribunal a quo de fixar à A. o montante indemnizatório de € 89.810,77 a título de dano Patrimonial Futuro, por entender ser manifestamente excessiva e desrespeitadora dos parâmetros legais aplicáveis, conduzindo a um injusto locupletamento da lesada, in casu, a autora/recorrida. Julgando ser adequado e equitativo o valor de € 60.000,00 – o qual deverá ser devidamente reduzido na proporção da contribuição para a produção do sinistro pela autora AA - para indemnizar a Autora pelo dano biológico, na sua vertente patrimonial, devida pela sua perda da capacidade de ganho.
Já quanto ao valor da indemnização atribuída a título dos danos não patrimoniais - o Tribunal a quo entendeu condenar solidariamente os RR. no pagamento à A. recorrida da quantia de 80% de € 40.000,00 -, discorda também o recorrente, por entender encontrar-se indevidamente fixada. Defendendo que num juízo de perequação e de comparação, mostra-se adequado o montante de €25.000,00, pelo que impetramos que a sentença seja alterada em conformidade, substituindo-se os €40.000,00 arbitrados no julgado recorrido pelo valor justo de €25.000,00, o qual deverá ser devidamente reduzido na proporção da contribuição para a produção do sinistro pela autora AA.
Pugnando a A. recorrida pela improcedência do recurso nesta parte.

Quid iuris?

Vejamos os danos separadamente:
a) Do dano patrimonial futuro
Pretende o recorrente que seja reapreciado o montante indemnizatório arbitrado à A. a título de dano biológico (dano patrimonial futuro).
Quid iuris?

Como é sabido, a indemnização por danos causados por factos ilícitos tem como objectivo reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que determinou a reparação (art. 562º do CC). A reconstituição natural é substituída pela indemnização em dinheiro quando se verificar alguma das situações previstas do n° 1 do art. 566° do CC: “sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor”.
A indemnização deve abranger o prejuízo causado (danos emergentes), os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão sofrida (lucros cessantes), bem como a reparação dos danos futuros desde que sejam previsíveis (art. 564º do CC), e o seu cálculo deve ser feito segundo a fórmula da diferença prevista no nº 2 do art. 566° do CC (“a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”), julgando o Tribunal com recurso à equidade, se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º/3 do mesmo Código).
Vejamos, então, a indemnização questionada pelo recorrente, isto é, os danos patrimoniais futuros (dano biológico).
Conforme resulta do preceituado no art. 564º/2 do CC, como já se referiu, na fixação da indemnização pode ainda o Tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis, recorrendo à equidade se não for possível apurar-se o valor exacto dos danos, dentro dos limites que tiver por provados (art. 566º/3 do mesmo Código).
A equidade, na medida em que remete para as particularidades do caso concreto, permite ter em consideração as especiais condições de cada lesado.
Tendo resultado provado nos autos que, à data do acidente, a A. tinha 23 anos de idade e era estudante, sendo actualmente, assistente operacional no Hospital ... e aufere, em média e mensalmente, a quantia líquida de € 665,00 e que, em consequência do acidente, ficou afectada com um défice permanente da integridade físico-psíquica (anteriormente designado por incapacidade permanente geral – IPG) de 22 pontos, considerando-se que as sequelas não são impeditivas do exercício da actividade profissional da área académica da primeira Autora (gestão), e são compatíveis com a profissão de auxiliar de acção médica, implicando, no entanto, esforços suplementares, não subsistem dúvidas que este dano biológico determina uma alteração significativa na sua vida, com afectação da sua potencialidade física e a consequente perda de faculdades, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta circunstância tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição da indemnização.
No caso da IPG (ora denominada défice funcional permanente da integridade físico-psíquica) ter reflexos na remuneração que o lesado vai deixar de auferir, não há dúvida que a respectiva indemnização se enquadra nos danos patrimoniais – danos futuros – a que se refere o art. 564º/2 do CC.
Pode, no entanto, o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica não determinar nenhuma diminuição do rendimento do lesado, quer porque a sua actividade profissional não é especificamente afectada pela incapacidade, quer porque, embora afectado pela incapacidade, o lesado consegue exercer a sua actividade habitual com um esforço suplementar.
Em todos estes casos, pode discutir-se se o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica constitui um dano patrimonial ou um dano não patrimonial.
É entendimento pacífico na nossa jurisprudência que o dano biológico, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado - consubstanciado em relevante limitação funcional - deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente reflectida no nível salarial auferido, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, enquanto fonte actual de possíveis e eventuais acréscimos patrimoniais, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade profissional actual, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas, garantindo um mesmo nível de produtividade e rendimento auferido[17].
No caso em apreço, o Tribunal “a quo” fixou à A. uma indemnização pelos danos patrimoniais futuros ou dano biológico, decorrente da perda da capacidade de ganho, no montante de € 89.810,77, discordando o recorrente deste valor por o considerar desajustado à sua situação concreta e entender como adequado e equitativo o valor de € 60.000,00.
Antes de se proceder à apreciação, em concreto, da indemnização pelos danos patrimoniais futuros, recordam-se os critérios gerais de reparabilidade desta categoria de dano explanados no Ac. do STJ de 25-05-2017[18], nos termos que passamos a transcrever:
«Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 28/01/2016 (Proc. nº 7793/09.8T2SNT.L1.S1), in www.dgsi.pt, retomadas nos acórdãos de 07/04/2016 (Proc. nº 237/13.2TCGMR.G1.S1) e de 14/12/2016 (Proc. nº 37/13.0TBMTR.G1.S1), in www.dgsi.pt, “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (Proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (Proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (Proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (Proc. nº 632/2001.G1.S1) e de 20 de Outubro de 2011 (Proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”.
Afirma-se, mais à frente, no acórdão de 28/01/2016, que vimos citando:
Para além dos danos patrimoniais consistentes em perda de rendimentos laborais da profissão habitual, segue-se a orientação deste Supremo Tribunal, supra referida, de procurar ressarcir as consequências da afectação, em maior ou menor grau, da capacidade laboral para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais. Trata-se das consequências patrimoniais do denominado “dano biológico”, expressão que tem sido utilizada na lei, na doutrina e na jurisprudência nacionais com sentidos nem sempre coincidentes. Na verdade, a lesão físico-psíquica é o dano-evento, que pode gerar danos-consequência, os quais se distinguem na tradicional dicotomia de danos patrimoniais e danos não patrimoniais (cfr. tratamento mais desenvolvido pela relatora do presente acórdão, Responsabilidade Civil – Temas Especiais, 2015, págs. 69 e segs.). Com esta precisão, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, tem a seguinte justificação, nas palavras do acórdão do Supremo Tribunal de 10 de Outubro de 2012, cit.: “a compensação do dano biológico [dentro das consequências patrimoniais da lesão físico-psíquica] tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.
Entende-se que o aumento da penosidade e esforço para realizar as tarefas diárias pode ser atendido no âmbito dos danos patrimoniais (e não apenas dos danos não patrimoniais), na medida em que se prove ter como consequência provável a redução da capacidade de obtenção de proventos, no exercício de actividade profissional ou de outras actividades económicas.
A perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe [ao lesado], de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais[19].
Nestes termos, consideram-se reparáveis como danos patrimoniais as consequências danosas resultantes da incapacidade geral permanente (ou dano biológico), ainda que esta incapacidade não tenha tido repercussão directa no exercício da profissão habitual.
Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º/3 do CC).
Ora, como tem sido considerado pelo STJ[20], em princípio, “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito»”; se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não compete ao Supremo Tribunal de Justiça “a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar (…), mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub judicio»”. Para além disso, a sindicância do juízo equitativo não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade (ao abrigo do regime do art. 13º da Constituição e do art. 8º/3 do CC), o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto.»
Tendo presentes estes critérios gerais, vejamos, agora, o caso dos autos.
In casu, estando em causa um dano biológico, traduzido num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 22 pontos, considerando-se que as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, não subsistem dúvidas que este dano biológico determina uma alteração significativa na sua vida, com afectação da sua potencialidade física e a consequente perda de faculdades, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta circunstância tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição da indemnização.
Como assim, o Tribunal “a quo” entendeu que, “Os princípios fundamentais adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria estão resumidos no acórdão de 5 de Julho de 2007 deste Supremo Tribunal e são os seguintes: (i) a indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida; (ii) no cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável; (iii) as tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade; (iv) deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte; (v) deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia; (vi) deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida activa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 77 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos 83)”.
Tomando, assim, como base um rendimento anual da demandante de € 9.310,00 (cfr. alínea rr), do ponto II.1.)), ter-se-á que calcular uma indemnização que assuma o tempo provável da sua vida activa, de forma a obter-se um capital produtor desse mesmo rendimento perdido, de tal modo que, no fim dessa vida activa, esse capital se esgote. Calcular-se-á tal perda de rendimento desde 06.02.2018 (consolidação médico-legal), na altura a Autora já contava 25 anos, até 2076 (58 anos).
Além do rendimento anual exposto consideraremos uma taxa de juro de remuneração do capital de 3% ao ano, uma taxa inflação de 1% ao ano, uma taxa de 1% para os ganhos de produtividade e uma taxa de 1% ao ano para a progressão profissional.
Assim, a fórmula a utilizar traduzir-se-á no seguinte enunciado:
C = (1+i)n – 1 x P
(1+i)n x i
Sendo
P = a prestação anual = € 9.310,00;
P = a prestação anual = € 9.310,00;
C = capital a depositar no primeiro ano;
n = anos de expectativa de vida activa (58 anos);
i = taxa de juro nominal (actualizada nos 58 anos seguintes) que se obtém com o desenvolvimento da seguinte fórmula: i = (1+r) : (1+K); em que r é a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras e k a taxa anual de crescimento da prestação.
Défice permanente da integridade físico-psíquica: 22 pontos (22%).
Deste modo, o valor da indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho seria, no caso e de acordo com a fórmula matemática, de € 89.810,77, quantia que, em face dos contornos de caso se julga adequada depois de ponderados os resultados obtidos com a fórmula matemática utilizada, atendendo ao período de tempo que vai ser exigido à Autora, ao nível dos esforços suplementares, para manter a sua actividade profissional.”.
No entanto, é importante atentar que o que se está a indemnizar é o dano biológico e não a perda da capacidade de ganho (como no acórdão de onde o Exmº Juiz a quo extraiu a fórmula que utilizou no cálculo da indemnização ora em análise). Assim, o valor obtido através da mencionada fórmula, tem que ser corrigido/reduzido, respeitando as regras de boa prudência, de bom senso prático e de justa medida das coisas e ainda o princípio da igualdade.[21]
Assim, tudo considerado, atentos os factos apurados, entendemos adequado - razoável e equitativo - fixar o valor da indemnização pelo dano biológico no montante de € 60.000,00, assim dando acolhimento ao recurso interposto pelo R. FGA. No entanto, atenta à graduação de culpas que foi concretizada supra, o valor da indemnização líquida deve ser reduzido para € 48.000,00, correspondente a 80% daquele valor inicial.
Procede, pois, nesta parte, o recurso.
*
b) Dos danos não patrimoniais
Pretende também o recorrente que seja reapreciado o montante indemnizatório arbitrado à A. a título de danos não patrimoniais.
Resulta do disposto no art. 496º/1 e 3 do CC que, na fixação da indemnização, deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo Tribunal.
A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido.
Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento actual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos.
Será de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes.
«Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais, assumem particular significado e importância o chamado “quantum doloris”, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária, o “dano estético”, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformações e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima, o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica), o “prejuízo da saúde geral e da longevidade”, aqui avultando o dano da dor e o défice do bem-estar, que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima e corte na expectativa de vida (...)»[22].
No que se refere ao juízo de equidade, tem a jurisprudência entendido de modo uniforme que não deve confundir-se a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir “a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei”, devendo o julgador “ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (…)”.
Finalmente, entende-se que a indemnização a fixar deverá ser justa e equitativa, ou seja, não se apresentar como um montante meramente simbólico ou miserabilista, mas antes representar a quantia adequada a viabilizar uma compensação ao lesado pelos padecimentos que sofreu em consequência do sinistro[23].
Vejamos, agora, o caso dos autos.
Como já supra referido, quanto ao valor da indemnização atribuída a título dos danos não patrimoniais - o Tribunal a quo entendeu condenar solidariamente os RR. no pagamento à A. recorrida da quantia de 80% de € 40.000,00 -, discorda também o recorrente, por entender encontrar-se indevidamente fixada. Defendendo que num juízo de perequação e de comparação, mostra-se adequado o montante de €25.000,00, pelo que impetramos que a sentença seja alterada em conformidade, substituindo-se os €40.000,00 arbitrados no julgado recorrido pelo valor justo de €25.000,00, o qual deverá ser devidamente reduzido na proporção da contribuição para a produção do sinistro pela autora AA.
Mas rememoremos a decisão recorrida nesta parte:
Quanto aos danos não patrimoniais decorrentes do evento, importa atentar no que dispõe o artigo 496º do Código Civil.
A doutrina e a jurisprudência portuguesas têm teorizado sobre os modos de expressão do dano não patrimonial, realçando o quantum doloris (que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária), o dano estético (que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima), o prejuízo de afirmação social (que respeita à inserção social do lesado nas suas variadíssimas vertentes - familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural e cívica), o prejuízo da saúde geral e da longevidade (que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida, avultando aqui o dano da dor e o défice de bem estar), e o pretium juventutis (que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a primavera da vida).
Tal indemnização deverá sempre equivaler à quantia considerada necessária para proporcionar ao lesado prazeres compensatórios do dano, já que tem como objectivo compensá-lo daqueles danos, através de uma quantia em dinheiro que lhe permita um acréscimo de bem-estar e de acesso a bens recreativos e culturais, enquanto naturais contrapontos das dores e angústias passadas e futuras, da perda da auto-estima, da frustração da sociabilidade, etc.. Nesta matéria, a jurisprudência tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista, mas significativa, a fim de responder actualizadamente ao comando do artigo 496º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória. Por outro lado, a doutrina nacional tem vindo a reconhecer que a indemnização dos danos não patrimoniais não reveste natureza exclusivamente ressarcitória, desempenhando também uma função preventiva e uma função punitiva, devendo o seu valor ser fixado com recurso à equidade, ponderando-se, entre outras circunstâncias, a culpa do agente e a sua situação económica, bem como a do lesado.
Assim, atendendo ao número de dias em que a Autora esteve com um défice funcional temporário total (14 dias), o número de dias com um défice funcional temporário parcial (414 dias), ao período de repercussão temporária na actividade formativa parcial (428 dias), ao défice permanente (22 pontos), às dores sofridas (4/7), ao dano estético permanente (2/7), sendo de sublinhar, as cirurgias a que foi submetida e a cicatriz que a obriga a um esforço de adaptação psicológica, entre as várias circunstâncias que passaram a limitar a Autora até ao fim da vida, consideramos justo, proporcional, adequado e equitativo fixar uma indemnização, para ressarcimento dos danos não patrimoniais decorrentes do evento, de € 40.000,00 (quantia que se deve entender actualizada na presente data).
Vejamos, antes de mais, alguns valores que têm sido fixados pela prática jurisprudencial nesta sede, salvaguardando as diferenças e especificidades de cada caso concreto:
- acórdão do STJ de 7/09/2020 (proc. nº 5466/15.1T8GMR.G1.S1, relator José Rainho), que fixou em € 60.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado com 34 anos de idade à data do acidente, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 67 pontos, sendo o quantum doloris fixável no grau 6, um dano estético de grau 5 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 4;
- acórdão do STJ de 11/11/2020 (proc. nº 16576/17.0T8PRT, relator Abrantes Geraldes), que fixou em € 17.500,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um jovem de 19 anos, que ainda não exercia qualquer profissão, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, um quantum doloris de grau 3 numa escala crescente de 7 graus, um dano estético de grau 3 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1;
- acórdão do STJ de 26/01/2021 (proc. nº 688/18.6T8PVZ, relator Fernando Samões), que fixou em € 13.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a uma lesada com 55 anos de idade à data do acidente, um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, sendo o quantum doloris fixável no grau 5;
- acórdão do STJ de 21/06/2022 (proc. nº 1991/15.2T8PTM.E1.S1, relator António Magalhães), que fixou em € 85.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 30 anos, que ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 39 pontos, um quantum doloris de grau 5 numa escala crescente de 7 graus, um dano estético de grau 3 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 2;
- acórdão deste Tribunal da Relação de 12/01/2017 (proc. nº 50/12.4TBPTL.G1, relatora Maria Cristina Cerdeira), que fixou em € 25.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 38 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 10 pontos, um quantum doloris de grau 4 e um dano estético de grau 3;
- acórdão deste Tribunal da Relação de 28/02/2019 (proc. nº 216/14.2TCGMR.G1, relatora Maria Cristina Cerdeira), que fixou em € 100.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a uma lesada de 21 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 33 pontos, um quantum doloris de grau 6 e um dano estético de grau 5;
- acórdão deste Tribunal da Relação de 11/03/2021 (proc. nº 1852/17.0T8GMR.G3, relatora Maria Cristina Cerdeira), que fixou em € 40.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 44 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 54 pontos, um quantum doloris de grau 6 e um dano estético de grau 4;
- acórdão deste Tribunal da Relação de 13/07/2021 (proc. nº 1880/17.6T8VRL, relatora Ana Cristina Duarte), que fixou em € 20.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a uma lesada de 34 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, período de baixa médica de 9 meses, um quantum doloris de grau 4, sujeita a vários tratamentos e exames, com muitas sessões de fisioterapia e osteopatia e que ficou a padecer de cervicalgia crónica, que interfere com a sua vida profissional e social e com necessidade de medicação analgésica e/ou anti-inflamatória em momentos de crise;
- acórdão deste Tribunal da Relação de 28/10/2021 (proc. nº 164/20.7T8PRG, relatora Margarida Almeida Fernandes), que fixou em € 10.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 35 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 3 pontos, um quantum doloris de grau 4 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1;
- acórdão deste Tribunal da Relação de 28/04/2022 (proc. nº 330/17.2T8BRG.G1, relatora Maria Cristina Cerdeira), que fixou em € 10.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 34 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 5 pontos, um quantum doloris de grau 3 e repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 3;
- acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/03/2023 (proc. nº 3166/19.2T8VIS.C1, relator Vítor Amaral), que fixou em € 90.000,00 a indemnização por danos não patrimoniais a um lesado de 37 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 53 pontos, um quantum doloris de grau 6 e um dano estético de grau 5.
Tudo ponderado, vista a dimensão deste dano não patrimonial suportado, consideramos que o juízo de equidade impõe a fixação de uma indemnização pelo mesmo no montante de € 32.500,00, assim dando parcial acolhimento ao recurso interposto pelo R. FGA. No entanto, atenta à graduação de culpas que foi concretizada supra, o valor da indemnização líquida deve ser reduzido para € 26.000,00, correspondente a 80% daquele valor inicial.
Consequentemente, nestes termos, procede parcialmente o recurso.
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6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção cível em:
- com excepção da alteração da redacção do ponto y) dos factos provados, alteração sem qualquer influência para a decisão, julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela R. EMP01..., Lda.;
- julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo R. FGA e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte relativa aos montantes da indemnização a pagar pelo R. à A. AA pelo dano biológico e pelos danos não patrimoniais, que, respectivamente, se fixam em € 60.000,00 (atenta à graduação de culpas acima concretizada, o valor da indemnização líquida deve ser reduzido para € 48.000,00, correspondente a 80% daquele valor inicial) e € 32.500,00 (atenta à graduação de culpas acima concretizada, o valor da indemnização líquida deve ser reduzido para € 26.000,00, correspondente a 80% daquele valor inicial).
Custas do recurso da R. EMP01..., Lda. a seu cargo e do R. FGA a cargo da A. e deste R., na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
*
Guimarães, 02-11-2023

(José Cravo)
(António Figueiredo de Almeida)
(Alexandra Rolim Mendes)


[1] Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca ..., V.Castelo - ... - Juiz ...
[2] In Código Civil Anotado, V. I, 4ª Ed., Coimbra Ed., 1987, p. 306.
[3] Cfr. Abílio Neto, in Breves Notas ao Código do Processo Civil, Ano 2005, pág.10.
[4] Vd. Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1979, pág. 379.
[5] Vd. neste sentido, Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1.ª edição, página 689.
[6] Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre Código de Processo Civil Anotado, volume 2º, 3ª Edição Almedina, pág. 737.
[7] Ibidem.
[8] CPC Anotado, 5º, 143.
[9] Ac. STJ de 30.04.2014, Proc. Nº 319/10.2TTGDM, in www,dgsi.pt.
[10] JOSÉ LEBRE DE FREITAS, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320.
[11] DIREITO PROCESSUAL CIVIL DECLARATÓRIO, VOL. III, Almedina. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143.
[12] In “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, págs. 191 e 192.
[13] In “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420.
[14] In B.M.J. nº 112, pág. 190.
[15] Cfr. obra supracitada.
[16] Cfr., por todos, acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15.03.2011, relatado por Augusto Carvalho, in www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Acs. do STJ de 20-05-2010, Proc. nº 103/2002 e da RG de 03-­07-2014, Proc. nº 333/12.3TCGMR, ambos acessíveis em www.dgsi.pt.
[18] In Proc. nº 2028/12.9TBVCT, acessível em www.dgsi.pt.
[19] Cfr. Ac. do STJ de 10 de Outubro de 2012, cit.
[20] Cfr., por exemplo, o Ac. de 4 de Junho de 2015, Proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1, com remissão para o Ac. de 28 de Outubro de 2010, Proc. nº 272/06.7TBMTR.P1.S1 e para o Ac. de 5 de Novembro de 2009, Proc. nº 381/2002.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[21] Este Tribunal, no Ac. de 30-09-2021 fixou em € 15.000,00 a indemnização pelo reflexo patrimonial futuro do dano biológico numa situação em que a autora, de 26 anos de idade, costureira, ficou a padecer de défice permanente da integridade física e psíquica de 4 pontos, sem repercussão permanente na actividade profissional, mas que sempre necessitará de recorrer regularmente a medicação analgésica e anti-inflamatória; no Ac. de 23-02-2023 (proc. nº 3387/20.5VCT.G1) foi mantida a indemnização fixada em primeira instância, de € 21.652,00 a lesado de 48 anos, com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 7 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares, nomeadamente em efectuar cargas e descargas de mercadoria no início e no fim da jornada laboral (por limitação admissível em erguer/transportar pesos com o membro superior direito); o STJ, no Ac. de 14-01-2021, relativamente a lesado, à data do acidente com 32 anos de idade, défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas em termos de repercussão permanente na actividade profissional compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicando ligeiros esforços suplementares nomeadamente nas tarefas que obriguem à permanência em pé durante períodos prolongados, manteve a quantia de € 20.000,00 fixada no acórdão recorrido como valor indemnizatório pela perda da capacidade geral do lesado; no Ac. de 30-06-2020, relativamente a lesado de 49 anos na data da alta, que ficou a padecer de incapacidade permanente geral de 12 pontos que obriga a esforços suplementares no exercício da actividade profissional habitual e que aufere um rendimento anual líquido de € 11.877,84, foi fixado o valor de € 30.000,00.
[22] Vd. Ac. da RL de 26-04-2005, prolatado no Proc. nº 4849/2004-5 e acessível em www.dgsi.pt.
[23] Cfr. Ac. do STJ de 7-06-2011, proferido no Proc. nº 160/2002 e acessível em www.dgsi.pt.