Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2870/14.6TBBRG.G1
Relator: ALEXANDRA ROLIM MENDES
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO
REMUNERAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1 - Do regime respeitante ao contrato de mediação imobiliária resulta que, em princípio, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio, desde que a atividade do mediador seja causa adequada do fecho do contrato, no entanto, a retribuição é ainda devida caso tenha sido acordada a exclusividade na mediação e o contrato definitivo não seja concluído por causa imputável ao cliente.

2 - Assim, a remuneração só será devida à Autora (mediadora) caso esteja demonstrado nos autos que, havendo um cliente seguro para o negócio e tendo a mediadora praticado todos os atos de promoção adequados e suficientes à conclusão do negócio, este não se concretizou em face da conduta culposa do Réu no sentido da não conclusão do contrato.

4 - Essa conduta traduz-se na falta de diligência ou de colaboração que lhe era exigível no cumprimento das suas obrigações contratuais.

5 – O desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados é uma das modalidades de “abuso de direito”.

6 - Esta modalidade de “abuso de direito” verifica-se quando o exercício de um direito, nas concretas circunstâncias em que ocorre dá origem a resultados estranhos ao que é admissível pela ordem jurídica, quer por contrariar a confiança ou aquilo que a contraparte podia razoavelmente esperar, quer por redundar numa desproporção manifesta e objetivamente reconhecível entre os benefícios decorrentes para o titular do exercício do direito e as desvantagens que disso resultam para a outra parte.

7 - Atua em abuso de direito na modalidade acima referida a imobiliária que tendo acordado com o cliente que angariaria comprador para o imóvel pelo preço de 85.000,00€, cobrando uma comissão no valor de 5000,00€, angaria a venda por 37.500,00€ mas continua a exigir aquele valor a título de comissão.

8 – Neste caso justifica-se a redução proporcional da remuneração com recurso a critérios de equidade.
Decisão Texto Integral:
Relatório:

EMPRESA A – SOCIEDADE DE MEDIAÇÃO IMOBILIARIA, LDA., com sede social na Avenida … Braga, intentou a presente ação declarativa com processo comum, contra EMPRESA B – COMÉRCIO DE MÁRMORES E GRANITOS, S.A., atualmente Construções X, S.A., com sede no Largo … Viana do Castelo, pedindo seja a Ré condenada a pagar à Autora a quantia global de 6.813,40€ (5.000,00€ + IVA), acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal fixada para os créditos que sejam titulares empresas comerciais, até ao seu efetivo e integral pagamento, custas judiciais.

Alega, em síntese, factos que, em seu entender, a resultarem provados, levariam à procedência do pedido deduzido.
Contestou a ré impugnando os factos alegados pela Autora.
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Realizou-se o julgamento na sequência do qual foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente por provada e, em conformidade, condenou Construções X, S.A., a pagar a Empresa A – Sociedade de Mediação Imobiliária, L.DA a quantia de 6.150,00€ (seis mil cento e cinquenta euros), acrescida de juros desde a citação até efetivo pagamento.
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Inconformada veio a Ré recorrer formulando as seguintes conclusões:

I. O Legal representante da Autora conferiu mandato forense a 17/09/2008 ao Ilustre Advogado, Dr. José, portador da cédula profissional …, com domicílio profissional sito à Praça … Vila Verde, conforme procuração forense junta a folhas 26 dos autos.
II. O Dr. José subscreveu eletronicamente a petição inicial no dia 26/05/2014, pelas 20:39:03, conforme folhas 29 dos autos.
III. Nos termos do artigo 12º nº 1 da Portaria nº 280/2013 de 26/08, o mandatário subscritor declarou que a peça processual “Petição Inicial” também era subscrita pela Dr.ª. Maria, Advogada, portadora da cédula profissional nº … – conforme teor de folhas nº 4 dos presentes autos.
IV. Nas duas sessões de audiência de julgamento, realizadas a 20 de Abril de 2017 e 30 de Maio de 2017, constatamos das atas juntas a folhas numeradas de 126 a 131 dos autos, que a Autora se fez representar pelo Dr. Rui.
V. “A ata da audiência de julgamento reveste a natureza de documento oficial que faz prova plena do que ocorreu na referida audiência e de que só isso ocorreu.”
VI. Não existe, nos presentes autos, qualquer referência à junção de qualquer documento que valide os atos praticados pelo Sr. Dr. Rui, concretamente: Inquirição de testemunhas, requerimentos orais ditados para as respetivas atas, junção de documentos e proferição de alegações.
VII. Não existe em todo o processo, nenhum substabelecimento outorgado pelo Mandatário da Autora, Dr. José, a substabelecer os poderes que lhe foram conferidos, nos termos e para os efeitos do Artigo 44º do Código Processo Civil.
VIII. Não foi arguida a nulidade processual pela Meritíssima Juiz do Tribunal “A Quo” na sentença proferida.
IX. A intervenção de Advogado sem documento bastante implica a nulidade dos atos praticados.- Artigo 48º do Código de Processo Civil.
X. Estamos perante uma nulidade insuprível, na medida em que, está a ser invocada pela parte vencida, após a notificação da sentença.
XI. Os atos praticados pelo Dr. Rui são nulos – Artigo 48º do Código de Processo Civil – resultando como consequência da invocação desta nulidade, a repetição do julgamento e o desentranhamento dos autos dos documentos juntos nas sessões de julgamento pelo Dr. Rui, bem como na reparação à Ré pelos prejuízos sofridos.

Concretamente:

a) Que seja declarada a suspensão do valor dos juros vencidos desde a data da realização da 1ª sessão de audiência de julgamento - 20/04/2017-, bem como dos vincendos, até ao dia do agendamento da nova realização de audiência de julgamento;
b) Que seja declarada inválida a Nota Discriminativa e justificativa de custas de parte, remetidas pela Autora, na pessoa do Seu Mandatário Dr. José no dia 04/10/2017, na qual reclama à Ré o pagamento de €368,26 (trezentos e sessenta e oito euros e vinte e seis cêntimos) – conforme documento junto aos autos pela Autora sob a referência 26942387 de 04/10/2017 às 09:57:58 horas;
c) Que seja declarada a condenação da Autora no pagamento à Ré, em montante a fixar, correspondente ao valor do tempo despendido pela sua Mandatária nas duas sessões de audiência de julgamento realizadas, nas deslocações de Viana do Castelo para Braga e vice-versa, no valor gasto em refeições e no tempo gasto na elaboração das presentes alegações de recurso.
d) Que seja declarada a condenação da Autora a restituir à Ré o valor de €102,00, correspondente à taxa de justiça do presente recurso.
e) Que seja declarada a condenação da Autora no pagamento à Ré em montante a fixar, para ressarcimento do tempo perdido das testemunhas por si arroladas, uma vez que, ausentaram-se duas manhãs completas dos seus trabalhos e terão que se deslocar novamente a tribunal para deporem.
XII. Reconhecer-se que no dia 29 de Abril de 2011, Autora e Ré celebraram dois contratos de mediação imobiliária, em regime de exclusividade, constantes de folhas 47,48,49 e 50 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
XIII. O Tribunal “Ad Quem”, para uma boa decisão da causa, deverá incluir nos factos provados, a existência do contrato de mediação constante de folhas 47 e 48, por se considerar essencial à boa decisão da causa.
XIV. O Tribunal “Ad Quem” deverá incluir na matéria dada como provada o teor da alínea b) dos factos dado como não provados da sentença recorrida
XV. O Tribunal “Ad Quem” deverá incluir as matérias das alíneas a), b), h e i) constantes dos factos não provados, como matéria provada.
XVI. O Tribunal “A Quo” fez uma apreciação do depoimento do legal representante da Autora, de forma absolutamente inquinada, conduzindo a uma incorreta valoração sobre matéria essencial, comprometendo a boa decisão da causa.
XVII. O legal representante da Autora teve conhecimento direto e pessoal da entrega da carta de denúncia pelo legal representante da Ré, conhecendo o alcance e vontade das declarações nela constante.
XVIII. O legal representante da Autora declarou pessoalmente, que o cheque entregue por Pedro, constante de folhas 22 dos autos, era um cheque de reserva.
XIX. Requer a Ré que o Tribunal “Ad Quem” reaprecie as declarações prestadas pelo legal representante da Autora, Manuel, cujas rotações específicas estão devidamente transcritas, de molde a se incluir na matéria de facto, elementos essenciais à boa decisão da causa, concretamente, o seu conhecimento direto sobre a carta de renúncia entregue pelo legal representante da Ré, sua aceitação, bem como, o seu conhecimento direto de que o cheque entregue por Pedro Pereira se destinou a reservar o imóvel, não sendo o mesmo um cheque de sinal.
XX. O Tribunal “A Quo” valorou de forma incorreta o depoimento da testemunha Joaquim, Diretor Comercial da Ré, facto que comprometeu a boa decisão da causa.
XXI. O Tribunal “A Quo” não valorou o depoimento da testemunha Joaquim, quando este afirma categoricamente que que foi ele próprio quem recebeu a carta de denúncia, datada de 19/10/2012 e entregue pelo representante legal da Ré- documento junto a folhas 51 – tendo o mesmo demonstrado um perfeito e absoluto alcance da vontade da Ré nela expressa, pois se assim não fosse, não deveria ter aposto na mesma as menções “ recebi o original Joaquim 19/10/2012”.
XXII. Requer a Ré que o Tribunal “Ad Quem” reaprecie as declarações prestadas pelo Diretor Comercial da Autora, Joaquim, cujas rotações específicas estão devidamente transcritas, e confrontando a matéria vertida no ponto 28 dos factos provados da sentença recorrida, excluir o referido ponto 28.
XXIII. Deverá o “Tribunal “Ad Quem” dar como provado que o cheque recebido pela Autora constante de folhas 22 dos autos, era um cheque de reserva.
XXIV. Deverá o Tribunal “Ad Quem “ excluir o teor dos pontos 25 e 26 da matéria dada como provada da sentença recorrida.
XXV. O Tribunal “Ad Quem” deverá concluir que a testemunha Joaquim, faltou à verdade enquanto estava sob juramento, no que diz respeito ao facto de ter negado em Tribunal que conhecia André e o pai deste António, devendo para tanto, ser extraída a respetiva certidão para os fins tidos por convenientes.
XXVI. O Tribunal “A Quo” deveria ter incluído na matéria provada os seguintes factos:

- a Autora promoveu a venda do Lote A6;
- o diretor comercial da Autora, fez o negócio com André e seu pai
- o contrato promessa foi redigido e assinado pelas partes nas instalações da autora a 23/10/2012 – documento de folhas 55 e 56;
- A Autora rececionou o cheque de sinal entregue por André - documento de folhas 64
- A funcionária da Autora D. BB, conduziu e acompanhou o Sr. Tiago à Conservatória para outorga da escritura no veículo automóvel deste
- Na escritura de compra e venda, não há menção a intervenção imobiliária…. Documento de folhas 62 a 64.
XXVII. O Tribunal “A Quo” demonstra na fundamentação da sentença um juízo tendencioso, na medida em que, credibilizou o depoimento da testemunha Joaquim e descredibilizou o depoimento da testemunha Tiago (que à data dos factos era o legal representante da Ré), quando os factos essenciais ocorreram no domínio das relações estritamente pessoais entre estas duas pessoas.
XXVIII. Requer a Ré que o Tribunal “Ad Quem” reaprecie as declarações prestadas pela funcionária da Autora, BB, cujas rotações específicas estão devidamente transcritas, concluindo-se que a mesma prestou falsas declarações enquanto estava sob juramento, na medida em que negou conhecer André e o pai deste António, quando resulta da matéria provada no ponto 32 que foi esta pessoa quem acompanhou o legal representante da Ré, Tiago, à Conservatória do Registo Predial, para outorga do contrato junto a folhas 55 e 56.
XXIX. Requer a Ré, que o Tribunal “Ad Quem” reaprecie as declarações prestadas pela testemunha Pedro, cujas rotações específicas estão devidamente transcritas, concluindo-se pela eliminação do teor constante do ponto 13 dos factos provados da sentença recorrida.
XXX. Requer-se também, que da reapreciação deste testemunho resulte provado que:

- nunca foi entregue qualquer quantia a título de sinal pelo promitente comprador Pedro;
- Que a Autora depositou o cheque constante de folhas 22 sem autorização nem conhecimento do promitente-comprador;
XXXI. Requer a Ré, que o Tribunal “Ad Quem” reaprecie as declarações prestadas pela testemunha Tiago, cujas rotações específicas estão devidamente transcritas, concluindo-se que, a matéria constante nas alíneas a), b), c), d) e e) dos factos descritos na sentença recorrida como “não provados”, deverão ser tidos como matéria provada.
XXXII. Que se conclua que a carta de denúncia entregue pela testemunha Tiago e rececionada pela Autora, correspondeu ao domínio da liberdade contratual do artigo 405º do Código Civil.
XXXIII. Por outro lado, a receção desta carta, demonstrou um perfeito e absoluta conhecimento do seu teor e alcance por Joaquim e Manuel, nos termos dos artigos 224º nº 1 e 236º nº 1 do Código Civil. - Acórdão RC, 400/12.3TJCBR, relator Jacinto Meca.
XXXIV. A data de caducidade dos contratos de mediação deverá ser fixada em 19/10/2012.
XXXV. O Tribunal “A Quo” fundamenta de forma contraditória quando dá como provada a entrega da carta e seu recebimento pelo Joaquim e, afirma que, o representante legal não logrou provar da entrega da mesma…
XXXVI. Quanto à entrega da carta nos 12 dias antes do prazo de renovação, a Ré entende que, deveria ter sido peticionado pela Autora o montante resultante de algum prejuízo que tenha advindo com os gastos da promoção do imóvel, nos termos do artigo 483º e 798º do Código Civil. – Acórdão RC, 400/12.3TJCBR, relator Jacinto Meca
XXXVII. Não é devido à Autora qualquer montante a título de remuneração, uma vez que foi por culpa sua que o contrato prometido não se celebrou, na medida em que, depositou um cheque de reserva na conta bancária da Ré, tendo o mesmo sido devolvido, sabendo que este cheque não era, nem nunca foi, um cheque de sinal.
XXXVIII. A Autora não tem qualquer direito a remuneração, pois esta não teve qualquer participação no negócio celebrado – ponto 30 dos factos provados.
XXXIX. Que o tribunal “A Quo” não soube fazer a subsunção jurídica na sua fundamentação da sentença entre duas figuras jurídicas distintas, a saber, reserva e sinal.
XL. Que o tribunal “A Quo” não fundamentou a sentença recorrida sobre factos essenciais para a boa decisão da causa, tendo em conta os depoimentos gravados e a prova documental junta aos autos.
XLI. Que o Tribunal “A Quo” deveria ter incluído na matéria de facto toda a sequência cronológica dos factos apurados resultantes das relações comerciais estabelecidas entre Ré e Autora
XLII. Que o Tribunal “A Quo” não fundamentou os fundamentos de facto nem de direito e, os que fundamentou estão em absoluta contradição com a decisão proferida.

TERMOS EM QUE,

E nos melhores de Direito doutamente supríveis, requer a Ré a Vossas Excelências Senhores Juízes Desembargadores, seja declarada a nulidade de todos os atos praticados desde o dia 20 de Abril de 2017, incluindo a sentença recorrida, por falta de mandato do Dr. Rui, pessoa que representou a Autora nas duas sessões de julgamento, sem que para o efeito estivesse munido de qualquer procuração forense ou substabelecimento, decretando-se a reparação dos prejuízos sofridos pela Ré, conforme peticionado.
Mais se requer, que o Tribunal “Ad Quem “ face à prova produzida, à reapreciação da prova apresentada e subsequente alteração da matéria de facto e de direito, deverá revogar a sentença recorrida, dando provimento à pretensão da Ré, tal como consta no seu articulado Contestação.
Pede Deferimento.
*
A Autora apresentou contra-alegações pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
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Questões a decidir:

- Da alegada nulidade da sentença;
- Verificar se o recurso de impugnação da matéria de facto obedece aos requisitos legais;
- Caso tal aconteça, analisar se a prova foi bem analisada em 1ª instância;
- Analisar se a Autora tem direito à peticionada comissão.
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Cumpre apreciar e decidir

Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma sociedade que se dedica à atividade de mediação imobiliária.
2. No âmbito dessa mesma atividade, no dia 29 de Abril de 2011, a Ré contratou a Autora para promover e vender a sua parcela de terreno para construção, com área de 380,50m2 (trezentos e oitenta metros quadrados e meio), sita na …, freguesia de …, concelho de Braga, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Braga sob o número ... e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 55 urbano, desenvolvendo para o efeito, ações de promoção e recolha de informação sobre o negócio pretendido.
3. Para o efeito, Autora e Ré celebraram, por escrito, no citado dia 29 de Abril de 2011, um contrato de mediação imobiliária em regime de exclusividade, registado com o n.º 33.
4. Conforme o estipulado nas cláusulas 1.º e 2.º do supra referido contrato, a Ré contratou a Autora para diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de € 85.000,00 (oitenta e cinco mil euros) do lote de terreno supra referido.
5. Conforme o disposto na cláusula 5.º alínea 2.º do dito contrato a Ré obrigou-se a pagar à Autora a título de remuneração a quantia de 5.000,00 € (cinco mil euros) acrescida de IVA à taxa legal.
6. Tendo o citado contrato sido celebrado pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, renovando-se automaticamente por iguais e sucessivos períodos de tempo, caso não seja denunciado por qualquer das partes contratantes, conforme o estipulado na cláusula 10.º do supra referido contrato.
7. Por carta datada do dia 19 de Outubro de 2012, a Ré comunicou à Autora o seguinte:

“Assunto: Cancelamento dos Contratos de Mediação Imobiliária
Exmos. Senhores
Pela presente, vimos denunciar os contratos celebrados entre as nossas empresas em 29 de Abril de 2011, referentes aos lotes A6 e M9, situados na …, Braga.
Este cancelamento, deve-se ao facto de o contrato estabelecido já ter sido renovado duas vezes e ter a duração de 18 meses sem que se tenha efetuado qualquer negócio, apesar de termos baixado mais de 50% no valor inicialmente previsto.”
8. Nos termos da cláusula 10.ª do citado contrato a denúncia por qualquer das partes deverá ser feita “(…) através de carta registada com aviso de receção com antecedência mínima de 15 dias em relação ao seu termo”.
9. O Funcionário da Autora, Sr. Joaquim, aceitou o documento.
10. A Autora promoveu a venda da referida parcela de terreno e efetuou, para o efeito, todo o tipo de publicidade e marketing, nomeadamente, publicações, panfletos, divulgação na Internet e na sua montra de exposição e, ainda, várias deslocações efetuadas ao imóvel para o promover.
11. A Autora, em virtude da promoção por si desenvolvida conseguiu, pelo menos, um interessado na sua compra, o Sr. Pedro.
12. Conforme Ficha de Visita de Imóvel, junta a fls. 18, o citado interessado visitou o dito imóvel no dia 04 de Dezembro de 2012, acompanhado por colaborador da Autora.
13. Sendo que, no quadro do citado interesse manifestado, o interessado Pedro formalizou proposta de compra, através de contrato de promessa de compra e venda, datado de 07 de Dezembro de 2012, celebrado com a Ré, entregando a título de sinal a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
14. Tal quantia foi entregue à ora Autora, na qualidade de fiel depositária, através do cheque n.º 6014522626, do Banco P, deste facto tendo a Ré ficado ciente.
15. No dia 20 de Dezembro de 2012, a Ré celebrou o título de compra e venda da parcela identificada no ponto 2, na Primeira Conservatória do Registo Predial.
16. Nessa data, a Ré vendeu a fração identificada no ponto 2 a Joaquina, pelo preço de 35.000,00 € (trinta e cinco mil euros).
17. Tendo as partes aí declarado, que “não houve intervenção de mediador imobiliário”.
18. O representante legal da Ré entregou em mão a carta referida em 7.
19. Este documento foi rececionado pelo funcionário da Autora, Sr. Joaquim, tendo aposto pelo seu punho no duplicado junto sob a fls. 51 e cujo teor se dá por reproduzido, o seguinte: “Recebi original Joaquim 19-10-2012”.
20. Alguns dias depois da entrega da carta de denúncia do contrato de mediação, o Sr. Joaquim, contactou o legal Representante da Ré, invocando que tinha angariado um cliente para o LOTE A6, tendo questionado o Sr. Tiago se a Ré ainda tinha o Lote A6 para venda e, se ainda estava interessado em vender o mesmo.
21. O Sr. Joaquim, em Dezembro de 2012, voltou a contactar o legal representante da Ré, questionando-o se ainda tinha o LOTE M9 para venda, pois tinha “arranjado” um cliente para a sua aquisição.
22. O funcionário da Autora, Joaquim, informou o legal Representante da Ré que o potencial interessado, só estava disposto a adquirir a parcela de terreno, pelo preço de €37.500,00 (trinta e sete mil e quinhentos euros).
23. Dias depois, o Sr. Joaquim solicitou a comparência do legal representante da aqui Ré, Sr. Tiago, nos escritórios da Autora, para assinar o contrato promessa, junto de fls. 19 a 21.
24. Não há neste documento qualquer menção à intervenção ou mediação imobiliária da aqui Autora.
25. Neste mesmo dia 07/12/2012, o legal representante da Ré, recebeu o cheque sob o nº 6014522626, sob o Banco P, no valor de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
26. Este cheque, após boa cobrança, correspondia ao sinal entregue pelo Promitente-Comprador.
27. A Autora, que redigiu o contrato promessa junto de fls. 19 a 21, fez constar na Alínea c) do seu artigo Quarto, que “o sinal do contrato será substituído por cheque de €7.000,00 (sete mil euros) até final do dia de hoje”.
28. O cheque recebido a título de sinal foi depositado na conta da Ré no dia 13/12/2012 e devolvido por falta de provisão no dia 18/12/2012.
29. A Ré suportou o custo de €28,00 em despesas bancárias, em consequência da devolução do referido cheque.
30. Em momento algum, a Srª. D. Joaquina foi apresentada ou indicada pela aqui Autora como potencial compradora do imóvel em questão.
31. A Ré vendeu o Lote M9 à Srª. D. Joaquina no dia 20/12/2012.
32. No dia 02/11/2012, o legal representante da Ré, foi conduzido pela funcionária da Autora, Srª. D. BB, à Conservatória do Registo Predial, tendo outorgado o contrato de compra e venda, conforme documentos juntos de fls. 55 a 66 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, tendo conhecido nesse mesmo dia o comprador do imóvel em questão, Sr. André, o pai deste, Sr. António.
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E considerou não provados os seguintes factos:

a) O Sr. Joaquim sempre afirmou categoricamente ao legal representante da Ré que não precisava de denunciar os contratos, pois a Autora não “ligava a isso”, referindo-se expressamente ao prazo do pré-aviso.
b) O Funcionário da Autora, percebeu perfeitamente o alcance da declaração de vontade emitida pelo legal representante da Ré, tornando-se a mesma eficaz, logo que chegou ao conhecimento da Autora.
c) O legal representante da Ré disse ao Sr. Joaquim, que as condições de venda do negócio do lote A6 seriam as seguintes: a. Aceitava vender o lote A6 pelo preço de €35.000,00 e, b. Pagaria de comissão à Autora o valor de €2.500,00.
d) O Sr. Joaquim solicitou ao legal Representante da Ré algum tempo, pois teria que transmitir os dados deste novo contrato de mediação à gerência da Autora.
e) Nesse mesmo dia, o Sr. Joaquim contactou via telefone o legal representante da Ré, tendo-lhe transmitido que a Autora aceitava o negócio, mas que, o valor fixado pela Ré referente à comissão, teria que ser entregue no ato da escritura em dinheiro.
f) O Sr. Joaquim, solicitou ao legal representa da Ré, para se deslocar aos escritórios da Autora, a fim de assinar o respetivo contrato promessa de compra e venda e lhe ser entregue o valor já recebido a título de sinal.
g) O legal representante da Ré, entregou nesse mesmo dia à funcionária da Autora, Srª. D. BB a quantia de €2.500,00, tendo tomado conhecimento que aquela importância ia ser repartida na proporção de 50% com a D. Letícia, funcionária da agência Imobiliária K.
h) O legal representante da Ré, aceitou a proposta, tendo esclarecido o Sr. Joaquim que, caso aquele negócio se concretizasse e, uma vez que a comissão entregue no negócio celebrado do Lote A6, foi de €2.500,00, que o valor da comissão seria fixado em montante igual, ou seja, €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
i) A Autora aceitou as condições fixadas no ponto anterior pelo legal representante da Ré.
j) Tal facto é demonstrativo de que a Autora sabia perfeitamente que o legal representante da Ré tinha denunciado o contrato de exclusividade e aceite o valor fixado para a comissão no presente negócio.
k) No dia 18/12/2012, quando o legal representante da Ré soube que o cheque que lhe foi entregue a título de sinal, tinha sido devolvido por falta de provisão, contactou o Sr. Joaquim, comunicando-lhe o seu profundo desagrado na postura e condução de todo este processo.
l) O funcionário da Autora, pediu imensas desculpas ao Legal Representante da Ré, pelo transtorno causado, tendo-lhe dito que “estivesse à vontade”, desejando-lhe boa sorte na venda do referido Lote.
m) No dia 20/12/2012, dois meses depois da denúncia do contrato de exclusividade celebrado com a Autora e dois dias depois da devolução do cheque referido no ponto 41, o legal representante da Ré, Sr. Tiago, foi contactado pessoalmente pela Srª. D. JOAQUINA.
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Cumpre apreciar e decidir:

Da arguida nulidade da sentença por irregularidade do mandato:

As causas de nulidade da sentença vêm taxativamente enunciadas no art. 615º do C. P. Civil que, na parte com interesse para o caso em apreço, diz o seguinte:

1 – A sentença é nula quando:

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Vemos pois que a irregularidade do mandato não é causa de nulidade da sentença.
A mencionada irregularidade foi já apreciada com probidade em primeira instância, pelo que remetemos para o que aí foi dito e que é o seguinte:

Veio a ré, no recurso acima admitido, invocar a nulidade da sentença por falta de mandato do advogado que representou a autora no decurso da audiência de julgamento.
Cumpre conhecer da aludida nulidade, nos termos do art. 617.º, n.º 1, do CPC.
Como decorre do art. 48.º do CPC, a falta de procuração não acarreta qualquer nulidade mas gera uma irregularidade da instância, no que tange à representação da parte, que cumpre ao juiz oficiosamente tentar suprir através do convite a que alude o n.º 2 do citado preceito.
No caso, o que se verifica é que antes mesmo de o tribunal ter dirigido à autora um convite com vista à sanação da aludida irregularidade veio a ser junta a procuração (substabelecimento) em falta, pelo que há que concluir que sequer persiste qualquer irregularidade de representação (cfr. art. 278.º, n.º 3, do CPC).”
Não há pois que repetir qualquer ato nem existe direito a qualquer indemnização em virtude da mencionada irregularidade, entretanto regularizada.
*
Da alegada nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos de facto e os de direito:

A Recorrente diz que a sentença é nula porque na sentença recorrida se considerou provado que a Ré entregou à Autora uma carta a denunciar o contrato de mediação (pontos 18 e 19) e na fundamentação de direito considerou que a Ré não entregou tal carta.
A existir, tal vício configuraria um caso de nulidade prevista na al. c) do art. 615º acima citado.
No entanto, lendo a fundamentação de direito da sentença verifica-se que o que lá consta não é o referido pela Recorrente.
Com efeito, na parte com interesse para a decisão desta questão, consta da sentença o seguinte:
Ora, a ré não logrou demonstrar ter posto termo ao contrato por denúncia para o termo do prazo ou da sua renovação, nem ter feito cessar o contrato por declaração unilateral, condicionada à verificação de causa justificativa, nos termos gerais.” (sublinhado nosso).

Assim, não obstante se considerar na sentença que houve denúncia, conclui-se aí que a mesma ainda não tinha produzido os seus efeitos na altura em que ocorreram os factos em causa nos presentes autos., não existindo a contradição invocada.
Improcede pois, o argumento da Recorrente no sentido da nulidade da sentença.
*
Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição, o seguinte (v. artigo 640º n.º 1 do CPC):

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Conforme refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141), sempre que o recurso envolva a impugnação da matéria de facto deve o recorrente, nomeadamente:

a) Em quaisquer circunstâncias, indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar, na motivação, aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Deixar expressa na motivação, a decisão que no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos.
Acrescenta este Autor que, quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento.
Os requisitos acima enunciados impedem “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” (Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 129).

Analisadas as alegações formuladas pela Recorrente, verifica-se que a mesma fundamenta a impugnação da matéria de facto essencialmente na circunstância de a Juiz a quo ter valorado mal as declarações de parte e os depoimentos das testemunhas ouvidas em audiência. Ora, o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção (v. art. 607º, nº 5 do C. P. Civil), sendo que na formação da sua convicção não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação áudio (v. Ac. da R. L. de 4/2/14 in www.dgsi.pt ) como os gestos.

De qualquer forma, resulta do disposto no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Conforme explica Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 3ª Edição, pág. 245), a Relação deve assumir-se como verdadeiro tribunal de instância e, por isso, desde que, dentro dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, encontre motivo para tal, deve introduzir as modificações na matéria provada e não provada. Acrescentando que, em face da redação do art. 662º do C. P. Civil, fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe a sua própria convicção, mediante reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis, apenas cedendo nos fatores da imediação e oralidade.

No entanto, e como acima foi referido, é necessário que o recorrente especifique os pontos concretos da matéria de facto que não merecem o seu acordo, os meios probatórios que imporiam decisão diversa da recorrida e menção expressa das passagens das gravações em que funda a sua discordância.

Ora, a Recorrente, embora de forma pouco sistemática e até confusa, refere que deve ser declarada provada a matéria dos pontos a), b), c), d), e), h) e i) dos factos não provados, quanto às alíneas a), b), h) e i) por dizer existir contradição do teor das mesmas com o teor do ponto 21 dos factos provados. Pede ainda a inclusão dos pontos 13, 25, 26 e 28 dos factos provados nos não provados por entender que a quantia titulada pelo cheque aí identificado não tinha o carácter de sinal pois o cheque que a titulava foi entregue a título de caução/”reserva”.

Assim, ainda que de forma imperfeita, identifica os pontos de facto tidos por mal jugados, os meios de prova que na sua opinião impunham decisão diversa e a decisão que deveria ter sido proferida sobre os mencionados pontos.

Assim, o recurso observa o formalismo imposto pelo art. 640º do C. P. Civil, respeitante ao pedido de reapreciação da matéria de facto.
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Analisemos agora se a prova produzida foi bem apreciada pela 1ª instância.

A Recorrente considera que deve ser aditada à matéria de facto provada a existência de outro contrato que foi celebrado entre si e a Autora. Nas alegações de recurso não explica ou não explica devidamente a razão de tal pedido, no entanto, após a audição da gravação do depoimento da testemunha Tiago, que foi legal representante da Ré e em virtude das perguntas que lhe foram feitas pela Ilustre Mandatária desta que é também atualmente a presidente do respetivo conselho de administração, percebe-se que o mencionado pedido tem a ver com o paralelismo que a Ré pretende fazer entre o que aconteceu relativamente ao contrato em discussão nestes autos e o outro contrato celebrado entre as mesmas partes, designadamente quanto à aceitação da denúncia e ao valor da comissão. No entanto, ainda que constasse da matéria de facto provada a existência de tal contrato (que efetivamente não foi negada pela Autora) e todo o circunstancialismo ocorrido no âmbito do relacionamento das partes referente a tal contrato, nomeadamente que a Autora, nesse caso, aceitou uma comissão no valor de 2.500,00€ (portanto inferior à que resultava do contrato em causa), não poderíamos daí extrapolar que o mesmo tinha acontecido no âmbito do contrato cuja comissão está neste processo a ser pedida. Com efeito, ainda que os contratos sejam idênticos e contemporâneos e a denúncia de cada um deles tenha ocorrido na mesma data, nada impedia a Autora de aceitar a redução da comissão num caso e não no outro, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, previsto no art. 405º do C. Civil.

Deste modo, o que interessa é apurar o que ocorreu relativamente às relações entre A. e R. no âmbito do contrato que está na base do pedido formulado nesta ação, pelo que o aditamento da matéria pretendida não tem qualquer interesse para a boa decisão da causa, desatendendo-se pois a pretensão da Ré.
Pelos mesmos fundamentos – falta de interesse para o objeto desta ação – se indefere também o aditamento dos seguintes factos, todos relacionados com a celebração desse outro contrato de mediação:

- a Autora promoveu a venda do Lote A6;
- o diretor comercial da Autora, fez o negócio com André e seu pai
- o contrato promessa foi redigido e assinado pelas partes nas instalações da autora a 23/10/2012 – documento de folhas 55 e 56;
- A Autora rececionou o cheque de sinal entregue por André - documento de folhas 64
- A funcionária da Autora D. BB, conduziu e acompanhou o Sr. Tiago à Conservatória para outorga da escritura no veículo automóvel deste
- Na escritura de compra e venda, não há menção a intervenção imobiliária…. Documento de folhas 62 a 64.
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A Ré pretende que a alínea b) dos factos não provados seja declarada provada.
Tal alínea tem a seguinte redação:
O Funcionário da Autora, percebeu perfeitamente o alcance da declaração de vontade emitida pelo legal representante da Ré, tornando-se a mesma eficaz, logo que chegou ao conhecimento da Autora.
Esta matéria encerra juízos valorativos /conclusivos e de Direito.

Ora, é pacífico que o juiz, na fundamentação da sentença, apenas declara quais os factos que considera provados e quais os que julga não provados, estando-lhe vedada a utilização de conclusões ou conceitos de Direito. É isto o que resulta do nos do disposto no artigo 607.º, n.º 4 do C. P. Civil.

Deste modo, tal matéria nunca deveria ter sido incluída na fundamentação de facto da sentença, determinando-se a sua eliminação.
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Diz a Recorrente que os pontos a), h) e i) dos factos não provados (menciona também o ponto b) que foi eliminado) estão em contradição com o ponto 21 dos provados, referindo que se neste ponto se diz que “O Sr. Joaquim, em dezembro de 2012, voltou a contactar o representante da Ré, questionando-o se ainda tem o lote 9 para venda (…)” (sublinhado nosso) significa que já tinha contactado a Ré anteriormente e portanto que existe contradição entre esta matéria e a que consta dos pontos acima mencionados e que é o seguinte:

a) O Sr. Joaquim sempre afirmou categoricamente ao legal representante da Ré que não precisava de denunciar os contratos, pois a Autora não “ligava a isso”, referindo-se expressamente ao prazo do pré-aviso.
h) O legal representante da Ré, aceitou a proposta, tendo esclarecido o Sr. Joaquim que, caso aquele negócio se concretizasse e, uma vez que a comissão entregue no negócio celebrado do Lote A6, foi de €2.500,00, que o valor da comissão seria fixado em montante igual, ou seja, €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
i) A Autora aceitou as condições fixadas no ponto anterior pelo legal representante da Ré.

Lidos e analisados os pontos em causa não detetamos qualquer contradição entre os mesmos.

Com efeito não vemos em que é que o facto de o Sr. Joaquim ter voltado a contactar a Ré depois do contacto mencionado no ponto 20 (referente ao outro lote) está em contradição com o que se considerou não provado nas mencionadas alíneas pois, como acima foi dito, ainda que os contratos sejam idênticos e contemporâneos e a denúncia de cada um deles tenha ocorrido na mesma data, nada impedia a Autora de aceitar a redução da comissão num caso e não no outro, ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
Não há pois, qualquer contradição.

A Apelante diz que a matéria das mencionadas alíneas deve ser considerada provada.

Vejamos:

Relativamente à matéria mencionada temos os depoimentos das testemunhas Joaquim e Tiago. O primeiro é diretor comercial da Autora e o segundo foi Presidente do Conselho de Administração da Ré. A primeira confirmou que recebeu o documento em que a Ré denunciava os contratos, tendo ainda dito que nunca referiu ao representante da Ré que não precisava de denunciar os contratos. Por outro lado, a testemunha Tiago embora dissesse que o referido funcionário da Autora lhe afirmou tal facto, não o fez com convicção. Efetivamente, se a mencionada pessoa lhe tivesse dito que não era preciso denunciar os contratos e o tivesse feito de forma convincente, criando nesta testemunha essa convicção, não se percebe porque sentiu ela necessidade de formalizar o termo do contrato através da entrega do mencionado documento.
Quanto à aceitação da proposta do valor da comissão (de 2.500,00€) as testemunhas Joaquim e o legal representante da Autora (Manuel) negaram que tal tivesse ocorrido e a testemunha Tiago referiu ter efetuado tal proposta e que a mesma foi aceite pelo legal representante da Autora.
Uma vez que esta matéria constitui matéria de exceção, competia à Ré prova-la (art. 342º, nº 2 do C. Civil) mas não consideramos que o depoimento da testemunha Tiago seja convincente ao ponto de por si só fazer tal prova já que o mesmo à data era o presidente do conselho de administração da empresa, tendo o seu depoimento sido tendencial e interessado até porque é a sua atuação que está em causa. Na verdade, o facto de a Ré não ter concluído o negócio com o promitente comprador angariado pela Autora inculca a convicção de que efetivamente não foi aceite a redução da comissão proposta pela Ré, pois neste caso, a Ré não teria necessidade que vender o prédio a terceiros.
De qualquer forma, a prova oferecida pela Autora tornou duvidosa a versão dos factos apresentada pela testemunha da Ré, pelo que, havendo dúvida, a mesma resolve-se contra a parte onerada com a prova, que no caso é a Ré (v. art. 346º do C. Civil).
O mesmo acontece relativamente aos factos mencionados nas al. c), d) e), já que a única testemunha que os refere é a mencionada Tiago e a testemunha Joaquim e o depoente Manuel apresentam uma versão oposta, sem que aquela tenha convencido o Tribunal.

A Ré pretende que os factos considerados provados sob os nºs 13, 25, 26 e 28 sejam considerados não provados (ou parcialmente não provados) pois refere que a quantia aí mencionada foi entregue a título de sinal quando o cheque que a titulava foi entregue a título de caução.
A testemunha Pedro, que assinou o contrato promessa junto aos autos na qualidade de promitente-comprador, referiu que entregou o cheque ao funcionário da Autora, Joaquim, mas que o mesmo não se destinava a sinalizar a compra mas sim a reservar o terreno, pois o cheque não era seu mas sim da sociedade de que é sócio e portanto, tencionava substituí-lo posteriormente mas tal acabou por não acontecer pois perdeu interesse no negócio.
Esta versão dos factos não está totalmente de acordo com o teor do contrato promessa junto a fls. 19 dos autos (doc. nº 4 junto com a p.i.) já que desse contrato resulta expressamente que a quantia titulada pelo cheque tem o caracter de sinal, independentemente de se ter convencionado que o documento que a titulava seria substituído por outro.

Por outro lado, resulta das regras da experiência comum que a “reserva” de um imóvel junto de uma imobiliária ou de uma promotora de vendas, acontece previamente à celebração de um contrato promessa e destina-se a assegurar que entre a consolidação da intenção de compra e a celebração de tal contrato, o imóvel não é prometido vender a outro interessado.

Deste modo, não colhe a explicação da mencionada testemunha no sentido de que a quantia titulada pelo cheque que entregou à A. não tinha carater de sinal, destinando-se apenas a reservar o imóvel.

Improcede pois, totalmente a pretensão da Ré no sentido da modificação da matéria de facto.
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O Direito:

Analisando a matéria fática provada, facilmente se conclui, como concluiu a 1ª instância, que entre A. e R. foi celebrado um contrato de mediação imobiliária, já que este contrato consiste, essencialmente, no acordo pelo qual uma das partes (mediador) se vincula para com a outra (solicitante) a procurar em nome deste e mediante retribuição, destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis (v. art. 2º da Lei 15/13 de 8/2).

Atualmente a atividade de mediação mobiliária encontra-se regulada na Lei nº 15/2013 de 8/2 que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2006.

O art. 19º do referido diploma legal tem a seguinte redação:

1 — A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.
2 — É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.
3 — Quando o cliente for um potencial comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do respetivo contrato de mediação imobiliária, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente caso o negócio não se concretize.
4 — O direito da empresa à remuneração cujo pagamento caiba ao cliente proprietário de imóvel objeto de contrato de mediação não é afastado pelo exercício de direito legal de preferência sobre o dito imóvel.
5 — O disposto nos números anteriores aplica-se apenas a contratos sujeitos à lei portuguesa.

O art. 43º desta Lei revogou o DL 211/2004 de 20/8, no entanto, é esta Lei aplicável por ser a vigente à data da celebração do mencionado contrato.
Contudo a norma que nos interessa – o art. 18º - não tem diferenças significativas da que agora vigora.

Dizia o seguinte o mencionado artigo 18º:

1 — A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.
2 — Excetuam-se do disposto no número anterior:
a) Os casos em que o negócio visado, no âmbito de um contrato de mediação celebrado, em regime de exclusividade, com o proprietário do bem imóvel, não se concretiza por causa imputável ao cliente da empresa mediadora, tendo esta direito a remuneração;
b) Os casos em que tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, nos quais as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração.
3 — Sem prejuízo do disposto no nº 4, é vedado às empresas de mediação receber quaisquer quantias a título de remuneração ou de adiantamento por conta da mesma, previamente ao momento em que esta é devida nos termos dos nº 1 e 2.
4 — Quando o contrato de mediação é celebrado com o comprador ou arrendatário, a empresa, desde que tal resulte expressamente do contrato, pode cobrar quantias a título de adiantamento por conta da remuneração acordada, devendo as mesmas ser devolvidas ao cliente no caso de não concretização do negócio objeto do contrato de mediação imobiliária.
5 — Nos casos previstos no número anterior, os adiantamentos não poderão exceder, no total, 10% da remuneração acordada e só poderão ser cobradas após a efetiva angariação de imóvel que satisfaça a pretensão do cliente e corresponda às características mencionadas no contrato de mediação imobiliária.
6 — Caso a empresa de mediação tenha celebrado contratos de mediação com ambas as partes no mesmo negócio, cujo objeto material seja o mesmo bem imóvel, a remuneração só é devida por quem primeiro a contratou, exceto se houver acordo expresso de todas as partes na respetiva divisão.
7 — A alteração subjetiva numa das partes do negócio visado, por exercício do direito legal de preferência, não afasta o direito à remuneração da empresa de mediação.

Do regime em causa resulta que, em princípio, a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio, desde que a atividade do mediador seja causa adequada do fecho do contrato, no entanto, conforme decorre do disposto no nº 2 do art. 19º da Lei vigente e 2 - a) do art. 18º da Lei aplicável, a retribuição é ainda devida caso tenha sido acordada a exclusividade na mediação e o contrato definitivo não seja concluído por causa imputável ao cliente.

Assim, a remuneração só será devida à Autora caso se conclua que o contrato estava em vigor e que, havendo um cliente seguro para o negócio e tendo a mediadora praticado todos os atos de promoção adequados e suficientes à conclusão do negócio, este não se concretizou em face da conduta culposa do Réu no sentido da não conclusão do contrato, traduzindo-se esta conduta na falta de diligência ou de colaboração que lhe era exigível no cumprimento das suas obrigações contratuais.
É ao mediador que cabe fazer a prova de que, por sua intervenção o negócio definitivo estava pronto a ser concluído e só não o foi porque o cliente o impediu ou o recusou (v. neste sentido Ac. R. P. de 15/7/09 e Ac. R. L. de 14/6/12, ambos em www.dgsi.pt )
Vejamos pois, em primeiro lugar se com a entrega do documento referido no ponto 7 da matéria de facto produziu ou não efeitos a cessação unilateral do contrato por parte da Ré.
O contrato de mediação imobiliária foi celebrado, com exclusividade, em 29 de abril de 2011, pelo prazo de 180 dias, renovável automaticamente por iguais períodos caso não seja denunciado com a antecedência mínima de 15 dias em relação ao seu termo.
No caso, a denúncia do contrato foi efetuada pela Ré em 19 de outubro de 2012, pelo que, em face do acordado entre as partes, a denúncia só produziria efeitos para o termo da renovação do contrato, ou seja, para 29 de abril de 2013.
A Ré vem alegar que a Autora aceitou o termo do contrato na data em que o documento comunicando tal intenção lhe foi entregue, no entanto, apenas provou tal entrega e não que a Autora aceitou que o contrato terminasse na data de entrega desse mesmo documento.

Deste modo, quando foi celebrado o contrato promessa referido na matéria de facto provada e a escritura de compra e venda do lote de terreno aí identificado, o contrato estava em vigor.

Assim, a Ré ao vender o imóvel a terceiros, inviabilizando o negócio angariado pela Autora, sabendo que no âmbito desta angariação tinha outorgado um contrato promessa e que devia cumprir as obrigações que tinha assumido para com a Autora, incumpriu culposamente o contrato de mediação celebrado com a Autora.

Vejamos agora se a Autora tem direito à comissão peticionada.

A Autora reclama a quantia de 5.000,00€ + IVA, no entanto esta comissão foi acordada caso a Autora conseguisse como valor da venda a quantia de 85.000,00€ (v. cláusula 2ª do contrato de mediação).
Ora o preço de venda que é referido no contrato promessa celebrado com o cliente que angariou é de 37.500,00€ e portanto muito inferior ao valor mencionado no contrato de mediação e para o qual foi acordada a comissão ora peticionada.
A Autora age pois, em abuso de direito ao peticionar uma comissão que foi convencionada para um valor da venda muito superior àquela que a Autora angariou.
Com efeito o abuso de direito traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (v. art. 334º do C. Civil).

Conforme se refere no Acórdão do STJ de 15/11/07, relator Salvador da Costa (in www.dgsi.pt), o entendimento da jurisprudência, no seguimento da doutrina, tem sido no sentido de que este instituto funciona como limite ao exercício de direitos quando a atitude do seu titular se manifeste em comportamento ofensivo do sentido ético-jurídico da generalidade das pessoas em termos clamorosamente opostos aos ditames da lealdade e da correção imperantes na ordem jurídica.
Não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha consciência de que, ao exceder o direito está a exceder os limites impostos pela boa-fé, bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, baste que objetivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente (v. Pires de Lina e Antunes Varela in Código Civil anotado, vol. I, pág. 217).
O conceito de boa-fé do art. 334º do C. Civil tem um sentido ético, que se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, que se exprimem na virtude de manter a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, para com a outra, respeitando expectativas dos sujeitos jurídicos (V. Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 7ª ed., pág. 104 e 105).
A qualificação de uma situação como de abuso de direito resulta do enquadramento jurídico de uma determinada factualidade nessa figura jurídica, tal enquadramento é de conhecimento oficioso, uma vez que o juiz não está sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (v. art. 5º, nº 3 do C. P. Civil).
Menezes Cordeiro (in Da Boa Fé no Direito Civil, vol. II, pág. 717 a 860), explica as modalidades em que este instituto jurídico pode ocorrer, sendo uma delas o desequilíbrio entre o exercício do direito e os efeitos dele derivados.
Na obra acima mencionada, explica este Autor que esta modalidade de “abuso de direito” se verifica quando o exercício de um direito, nas concretas circunstâncias em que ocorre dá origem a resultados estranhos ao que é admissível pela ordem jurídica, quer por contrariar a confiança ou aquilo que a contraparte podia razoavelmente esperar, quer por redundar numa desproporção manifesta e objetivamente reconhecível entre os benefícios decorrentes para o titular do exercício do direito e as desvantagens que disso resultam para a outra parte.
No caso o comportamento da Autora enquadra-se nesta modalidade de abuso de direito.
Entendemos pois, que a A., não obstante tenha direito a auferir uma retribuição pelo seu trabalho, essa retribuição não poderá ter o valor peticionado.

Para encontrar a medida equilibrada da retribuição temos de nos recorrer a juízos de equidade aplicando por analogia ao disposto no art. 1158º, nº 2 do C. Civil, aplicável aos contratos de prestação de serviços, de que a mediação é uma modalidade, por força do art. 1156º do mesmo Código.
A A. tem pois direito à retribuição mas proporcionada ao valor da venda que angariou e que terá que ser de 5,88% do valor da projetada venda, ou seja a 2205,00€, acrescida do valor do IVA à taxa em vigor no momento da prestação de serviços (art. 7º, nº 1 – b) do C. do IVA) e dos juros moratórios calculados desde a citação até integral pagamento à taxa em vigor para as operações comerciais (v. art. 102º do C. Comercial, na redação dada pelo art. 6º do DL 23/2003 de 17/2).
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente a apelação, revogando-se em parte a decisão recorrida, condenando-se a Ré a pagar à Autora a quantia de 2205,00€ (dois mil, duzentos e cinco euros), acrescida do IVA em vigor à data da prestação de serviços e dos juros moratórios calculados desde a citação até integral pagamento à taxa em vigor para as operações comerciais.
Custas na proporção do decaimento (art. 527º, nº 1 e 2 do C. P. Civil).
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Guimarães, 8 de fevereiro de 2018

(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria de Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)