Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3086/19.0T8VNF.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INDEMNIZAÇÃO
REPARTIÇÃO DE RESPONSABILIDADE
INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA CONTRATUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – A norma do n.º 5 do artigo 79.º da NLAT contêm uma enumeração taxativa das prestações proporcionalmente a cargo do empregador e da seguradora, quando a retribuição declarada para efeito de prémio for inferior à real.
II – É da responsabilidade da seguradora, o pagamento do subsídio por situação de elevada incapacidade e por prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, quando a retribuição declarada para efeito de prémio de seguro seja inferior à real.
III – A cláusula 80.ª do CCT celebrado entre a ANAREC – Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis - e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços – deve ser interpretada no sentido de que, caso o empregador não celebre atempadamente o contrato de seguro de acidentes pessoais, será o mesmo responsável pelo pagamento da indemnização complementar aos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho de que resulte invalidez permanente ou os seus legítimos herdeiros em caso de acidente de trabalho mortal.
IV - Não resultando do regime de reparação do acidente de trabalho o pagamento de uma prestação, no período de incapacidade temporária, correspondente ao valor integral da retribuição, para que a seguradora estivesse obrigada a satisfazer tal prestação teria que se ter feito constar das condições particulares da apólice de seguro tal circunstância, já que só fica transferida a responsabilidade declarada no contrato.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTES: - X COMPANHIA DE SEGUROS, S.A.
- M. M., COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, LDA.
APELADO: - A. P.

Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Barcelos – Juiz 1

I – RELATÓRIO

Frustrada a tentativa de conciliação, A. P., com o patrocínio oficioso do Ministério Público, intentou a presente ação especial emergente de acidente de trabalho contra X COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, e M. M., COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, LDA., pedindo a condenação das Rés, em função da respectiva responsabilidade, a pagar-lhe:
I a) 9.683,46€ de pensão anual, vitalícia e atualizável, com início em 9 de maio de 2019, a pagar 14 vezes ao ano, adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, sendo os subsídios de férias e de natal, pagos nos meses de Junho e Novembro, respetivamente;
b) 429,94€ de diferença na indemnização por ITA;
c) juros de mora vencidos e vincendos desde a data de vencimento de cada uma destas prestações até integral pagamento;
e ainda
II – a Ré Seguradora a pagar-lhe
a)5.661,48€ de subsídio de elevada incapacidade;
b)479,34€ (435,76€ IAS em 2019 x 1.1) mensais de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, atualizável, com início em 9 de Maio de 2019, que se manterá suspensa enquanto o sinistrado se mantiver internado em estabelecimento hospitalar ou similar por período de tempo superior a 30 dias e durante o tempo em que os custos de internamento corram por conta da seguradora;
c) 42,50€ de despesas com transportes em deslocações ao GMLF de Braga e para internamento nos cuidados continuados;
d) 132,00€ em material ortopédico;
e) juros de mora vencidos e vincendos sobre cada uma das prestações desde a data dos respetivos vencimentos até integral e efetivo pagamento:

III – a Ré entidade empregadora a pagar-lhe:
a) 1.873,35€ de complemento de subsídio de acidente de trabalho, previsto na clª 78ª, n.º 1 do aludido CCT;
b) 24.939,82€ de indemnização complementar de acidente de trabalho, prevista na clª 80ª, n.ºs 1, 2 e 3, al. b) do mesmo CCT;
c) juros de mora vencidos e vincendos desde a data dos respectivos vencimentos até efectivo e integral pagamento.

Alega em síntese que sofreu um acidente de trabalho, no dia 28/05/2018, do qual resultaram lesões, que lhe determinaram 345 dias de ITA desde 29/05/2018 até 08/05/2019, ficando em estado vegetativo persistente, na total dependência de terceiros para viver, tendo a ré seguradora pago a quantia de €6.687,41 de indemnização por ITA, tendo o autor suportado despesas no valor de €42,50, com as deslocações para o GMLF e em deslocações de e para internamento nos cuidados continuados e €132,00 em material ortopédico.
À data do acidente trabalhava como abastecedor de combustíveis, por conta da 2ª Ré auferindo a retribuição anual ilíquida de €10.759,40 (€580,00 + 14 + €6,50x22x11+ €37,50 x 11 + €50,30 x 13). A sua entidade empregadora tinha a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho transferida para a Ré seguradora, pelo valor da retribuição anual ilíquida de €10.696,32 (€580 x 14 + €6,50 x22 x 11 + €83,61 x 12).
Mais alega que a 2ª Ré é responsável pelo pagamento de parte das indemnizações/pensões que lhe são devidas, quer pelo facto de parte da retribuição que aufere, o estipulado nas Clªs 78º, nº 1 e 80º, nºs 1, 2 e 3, al. b) do CTT, não estar transferida para a 1ª ré.
Regularmente citadas contestaram as Rés
A Ré seguradora aceita o acidente, a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões que o autor apresenta, a IPA atribuída e o período de ITA fixado. Limita a sua responsabilidade ao valor da retribuição do autor identificada nas folhas de vencimento que lhe foram enviadas periodicamente pela 2ª Ré, em conformidade com o contrato de seguro celebrado com aquela.
Por sua vez, a Ré empregadora aceita o acidente, a sua caracterização como de trabalho, o nexo de causalidade entre o mesmo e as lesões que o autor apresenta, a IPA atribuída e o período de ITA fixado. Mas defende que a retribuição auferida pelo autor se encontra totalmente transferida para a Ré Seguradora, uma vez que o contrato de seguro celebrado visou cobrir todos os riscos de constituição no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar, considerando também transferida para a 1ª Ré a responsabilidade decorrente da Clª. 78ª e 80ª do CCT aplicável. Assim concluindo que a reparação de todos os danos emergentes do acidente de trabalho sofrido pelo autor recai, exclusivamente, sobre a ré seguradora.
Por fim, alega ainda que o texto da clª 80ª da CCT, confrontado com o texto da clª 79ª do CCT aplicável, não decorre qualquer sanção ou responsabilização directa da ora ré, no caso de não existir seguro ou não ter sido feito pela entidade patronal, porquanto inexiste responsabilidade da 2ª Ré que não tenha sido transferida para a 1ª Ré.
A 1ª Ré veio responder à excepção invocada, pugnando pela sua improcedência, já que a 2ª Ré transferiu a sua responsabilidade infortunístico-laboral para a 1ª Ré nos exactos termos da apólice e das folhas de remuneração juntas aos autos.

Findos os articulados, entendeu o Tribunal a quo estar apto a decidir da excepção invocada pela M. M. – Comércio de Automóveis, Lda. e do mérito da causa, pelo que ao abrigo do disposto no art.º 131º, al. a) e b) do Código de Processo do Trabalho, foi proferido despacho saneador-sentença, o qual terminou com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos e pelo exposto, condeno a ré X Companhia de Seguros, S.A. e M. M. – Comércio de Automóveis, Lda a pagar ao sinistrado A. S., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (artº 135º do Cód. Proc. Trabalho):
a) a título de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA), a pensão anual e vitalícia, no valor de €9.683,46 (nove mil seiscentos e oitenta e três euros e quarenta e seis cêntimos), sendo €9.626,69 da responsabilidade da ré seguradora e €56,77 da responsabilidade da ré entidade empregadora, a pagar 14 vezes ao ano, com início no dia 09/05/2019, adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, sendo os subsídios de férias e de natal pagos nos meses de junho e novembro, respectivamente;
b) a título de diferença na indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA), o montante de €429,94 (quatrocentos e vinte nove euros e noventa e quatro cêntimos), sendo €388,54 da responsabilidade da 1ª ré e a quantia de €41,40, da responsabilidade da 2ª ré;
c) a quantia de €5.661,48 (cinco mil seiscentos e sessenta e um euros e quarenta e oito cêntimos), a título de subsídio de elevada incapacidade, a cargo da ré seguradora;
d) a quantia de €479,34 (quatrocentos e setenta e nove euros e trinta e quatro cêntimos) mensais, com início em 09/05/2019, suspensa enquanto o sinistrado se mantiver internado em estabelecimento hospitalar ou similar por período de tempo superior a 30 dias e durante o tempo em que os custos do internamento corram por conta de ré seguradora, a título de prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, a cargo da ré seguradora;
e) a quantia de €1.873,35 (mil oitocentos e setenta e três euros e trinta e cinco cêntimos), a título de complemento de subsídio de acidente de trabalho, previsto na Clª 78ª, nº 1 do supra referido CCT, a cargo da entidade empregadora;
f) a quantia de €24.939,82 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitocentos e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização complementar de acidente de trabalho, previsto na Clª 80ª, nºs 1, 2 e 3, al. b) do supra referido CCT, a cargo da entidade empregadora;
g) a quantia de €42,50 (quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de despesas de deslocação, a cargo da seguradora;
h) a quantia de €132,00 (cento e trinta e dois euros), a título de despesas com material ortopédico, a cargo da seguradora.
Custas pelas rés, na proporção das suas responsabilidades.

Inconformada com esta decisão, dela vieram a Ré Seguradora e a Ré Empregadora interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães.

A Ré Seguradora terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1 – Está apurado nos autos que a R. Patronal apenas transferiu € 10.696,32 da retribuição anual do sinistrado para a R. Seguradora.
2 – E ainda que a retribuição anual a considerar, para efeitos de reparação do presente acidente de trabalho é de € 10.759,40.
3 – Nada a opor, por isso, à decisão em crise na parte em que estabelece que a responsabilidade pela reparação do acidente deve ser suportada por ambas as rés na seguinte proporção:
- a) a título de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA), a pensão anual e vitalícia, no valor de €9.683,46 (nove mil seiscentos e oitenta e três euros e quarenta e seis cêntimos), sendo €9.626,69 da responsabilidade da ré seguradora e €56,77 da responsabilidade da ré entidade empregadora, a pagar 14 vezes ao ano, com início no dia 09/05/2019, adiantada e mensalmente, até ao terceiro dia de cada mês, sendo os subsídios de férias e de natal pagos nos meses de junho e novembro, respectivamente;
- b) a título de diferença na indemnização por incapacidade temporária absoluta (ITA), o montante de €429,94 (quatrocentos e vinte nove euros e noventa e quatro cêntimos), sendo €388,54 da responsabilidade da 1ª ré e a quantia de €41,40, da responsabilidade da 2ª ré;
- e) a quantia de €1.873,35 (mil oitocentos e setenta e três euros e trinta e cinco cêntimos), a título de complemento de subsídio de acidente de trabalho, previsto na Clª 78ª, nº 1 do supra referido CCT, a cargo da entidade empregadora;
- f) a quantia de €24.939,82 (vinte e quatro mil novecentos e trinta e nove euros e oitocentos e oitenta e dois cêntimos), a título de indemnização complementar de acidente de trabalho, previsto na Clª 80ª, nºs 1, 2 e 3, al. b) do supra referido CCT, a cargo da entidade empregadora;
- g) a quantia de €42,50 (quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos), a título de despesas de deslocação, a cargo da seguradora;
- h) a quantia de €132,00 (cento e trinta e dois euros), a título de despesas com material ortopédico, a cargo da seguradora. (pois que aceitara pagá-las)
4 – Não se pode já concordar nem aceitar o excerto seguinte de tal decisão, na parte em que se decide que “Relativamente ao subsídio de elevada incapacidade, o mesmo ascende ao valor de €5.661,48 (€428,90/IAS no ano de 2018 x 1.1 x 12), a cargo da ré seguradora. A prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, será no montante de €479,34 (€435,76 IAS em 2019 x 1.1) mensais, actualizável na mesma percentagem que o for o IAS, com início em 09/05/2019, que se manterá suspensa enquanto o sinistrado se mantiver internado em estabelecimento hospitalar ou similar de tempo superior a 30 dias e durante o tempo em que os custos de internamento corram por conta da seguradora ré – sic
5 – Tal decisão, crê-se, viola até o espírito e/ou a letra da lei que expressamente invoca.
6 - Os nº 4 e 5 do Art. 79º da Lei 98/2009 estabelecem expressamente o seguinte:
“4 - Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação àquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.
5 - No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.
7 – Estes preceitos legais impõem, por isso, que precisamente ao contrário do decidido, a repartição de responsabilidades entre Apelante e R. Patronal se faça para todas as prestações efectuadas ou a efectuar ao A., aqui se incluindo, por isso, designadamente pelas despesas efectuadas com a hospitalização e internamentos.
8 – o mesmo valendo para a assistência clínica, subsídio de elevada incapacidade e assistência de terceira pessoa.
9 – Solução que não só é imposta pelos referidos preceitos do Art. 79º da Lei 98/2009 e da “Apólice Uniforme para Trabalhadores por Conta de Outrem” aprovada pela Norma n.º 12/99 R, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000 R, de 13 de Novembro, 16/2000 R, de 21 de Dezembro, 13/2005 R, de 18 de Novembro e pela Portaria nº 256/2011 de 5 de Julho.
10 – Preceitos de que resulta que, seguro a prémio variável – como é o caso dos autos - é o existente quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador de seguro cfr. alínea b) da Cláusula 5ª.
11- Razão pela qual na alínea a) da Cláusula 24ª de tal apólice uniforme se consagre a obrigação do tomador do seguro “a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, e indicar ainda os praticantes, os aprendizes e os estagiários;”
12 – A solução que a Apelante propugna é, de resto, expressamente imposta por lei, a saber, pela Cláusula 23.ª das Condições Gerais e das Condições Especiais Uniformes da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem anexa à Norma Regulamentar nº 1/2009-R de 18 de Janeiro.
12 - Preceito legal que, sob a epígrafe “Insuficiência da retribuição segura” regula esta matéria nos seguintes termos:
“No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga, o tomador do seguro responde: a) Pela parte das indemnizações e pensões correspondente à diferença; b) Proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado.”
13 - Assim sendo, como é, a Douta decisão em crise, ao estabelecer que a repartição de responsabilidades entre as RR. – na proporção de 99,41% para a R. Seguradora, ora Apelante e na proporção de € 0,59% para a R. empregadora não se aplica ao subsídio de elevada incapacidade, à prestação suplementar para assistência de terceira pessoa e às despesas de hospitalização e assistência clínica – ou quaisquer outras realizadas no interesse do sinistrado – é não só errada como manifestamente ilegal, por violar os nº 4 e 5 da Lei 98/2009, assim como a alínea a) da Cláusula 24ª e a Cláusula 23ª da “Apólice Uniforme para Trabalhadores por Conta de Outrem” aprovada pela Norma n.º 12/99 R, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000 R, de 13 de Novembro, 16/2000 R, de 21 de Dezembro, 13/2005 R, de 18 de Novembro e pela Portaria nº 256/2011 de 5 de Julho e o Art. 9º CCiv.
14 - Esta solução interpretativa é a única que respeita o nº 1 do CCiv que estabelece que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.”
15 - Não colhendo o argumento de que nem o subsídio por elevada incapacidade nem a assistência de terceira pessoa são fixados em função da retribuição declarada pois que a retribuição declarada também nada releva para efeitos de custos de assistência hospitalar, totalmente independentes daquela.
16 - Caso assim não se entenda, então, nos termos e ao abrigo do estatuído na Clausula 28ª da dita Apólice Uniforme, deve então declarar-se na sentença a proferir o direito de regresso da ora Apelante por tudo quanto pagar que exceda a proporção da retribuição que lhe foi declarada.

Nestes termos, nos mais de Direito e sempre com o mui Douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e a Douta sentença em crise revogada na parte em que refere que o subsídio de elevada incapacidade, a prestação suplementar para assistência de terceira pessoa e as despesas de hospitalização e assistência clínica ficam exclusivamente a cargo da R. Seguradora, antes se devendo declarar que abrange as despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado, ou, assim não se entendendo, declarando o direito de regresso da seguradora contra a patronal por tais prestações, com o que se fará sã e serena JUSTIÇA.

Por seu turno a Ré Empregadora termina a respectiva alegação de recurso com as seguintes conclusões:
“1. Salvo o devido respeito pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, que é muito, a douta sentença recorrida ao decidir como decidiu violou, por má interpretação, o disposto no art.º 80º, nº 1, 2 e 3, al. b), do CTT aplicável.
2. O texto da cláusula 80ª do CCT, refere: “Indemnização complementar de acidentes de trabalho.1- Sem prejuízo dos direitos consignados neste contrato relativos a complementos de subsídios de doença e acidente de trabalho, as empresas signatárias efetuarão um seguro de acidentes pessoais dos seus trabalhadores, garantindo-lhes uma indemnização complementar às já previstas. 2- O referido seguro abrangerá os trabalhadores sinistrados no local de trabalho e durante o período de trabalho nos mesmos termos em que a legislação considera existir um acidente de trabalho ou equiparado, incluindo os acidentados por ação violenta exercida por terceiros. 3- Através do referido seguro serão garantidas as seguintes indemnizações complementares: a) Em caso de morte, a quantia de 24.939,89 €, a favor dos seus legítimos herdeiros; b) Em caso de invalidez permanente, a importância resultante da aplicação da percentagem de invalidez apurada de acordo com o estipulado da Tabela Nacional de Incapacidades, sobre o valor de 24.939,89 €.”
3. Analisando o teor e sentido da descrita cláusula 80ª do CCT e o seu enunciado linguístico, salta à vista que do indicado texto não resulta, nem se pode vislumbrar de alguma forma, uma qualquer cominação ou responsabilização direta da entidade patronal, na hipótese da mesma não efetuar o referido seguro de acidentes pessoais, donde resulta que o CCT aplicável não fixou uma responsabilidade da entidade patronal objetiva ou outra decorrente da falta da realização daquele seguro.
4. Confrontando aliás o texto da cláusula 80ª com o texto da cláusula 78ª, do mesmo CCT, o texto desta última cláusula e o seu enunciado linguístico é claro e expresso quanto à responsabilidade direta das entidades patronais, pois refere, quanto ao complemento de subsídio de acidente de trabalho: “1- Em caso de acidente de trabalho, as entidades empregadoras pagarão aos seus trabalhadores a diferença entre a retribuição auferida à data da baixa e a importância recebida do seguro obrigatório por lei, enquanto durar a baixa. E do texto desta cláusula 78º resulta ainda que: “3- Esta cláusula somente ficará a constituir direito adquirido, para além da vigência deste contrato, se as companhias seguradoras não agravarem as condições atuais dos contratos dos seguros inerentes a esta matéria.”
5. No texto da cláusula 80ª do CCT em caso algum é referido que: as entidades empregadoras pagarão, nem em lado algum se refere que: a indicada indemnização fica a constituir direito adquirido, mas apenas se refere que as empresas signatárias efetuarão um seguro de acidentes pessoais dos seus trabalhadores e nada mais.
6. Resulta assim que nem do CCT nem da descrita cláusula 80ª decorre uma qualquer sanção ou responsabilização direta da recorrente, no caso daquele seguro não ter sido feito pela entidade patronal, pelo que inexiste responsabilidade da recorrente no pagamento do valor em que foi condenada na alínea f) da sentença, que a condena a pagar ao sinistrado o valor de €24.939,82, a título de indemnização complementar de acidente de trabalho, com fundamento nesta referida cláusula.
7. As cláusulas regulativas da convenção coletiva devem ser interpretadas nos mesmos termos em que se interpretam as leis, de acordo com o art.º 9º do Código Civil – devendo iniciar-se pelo elemento literal, e atender também aos elementos lógicos da interpretação, assim, como ponto de partida, haverá que atender ao enunciado linguístico da norma, para se tentar reconstruir o pensamento das partes outorgantes da convenção e analisando o enunciado linguístico da referida cláusula 80ª em lado algum se consegue vislumbrar que se a entidade patronal não fizer o seguro é responsável e terá de pagar ao trabalhador. O texto da lei tem uma dupla função: é o ponto de partida e, simultaneamente, exerce também a função de limite e por essa razão, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que foram consagradas as soluções mais acertadas e que se soube exprimir o pensamento mais adequado.
8. Termos em que, salvo o devido e muito respeito por diferente entendimento, não decorrendo do enunciado linguístico da cláusula 80ª do CCT aquela responsabilidade direta, imputação, sanção das entidades patronais ou direito adquirido à indemnização a pagar pela entidade patronal, no caso de não ter sido feito o seguro referido, não pode a recorrente M. M. – Comércio de Automóveis, Lda ser responsabilizada nem condenada em tal pagamento.
9. Em conclusão, a douta sentença recorrida ao decidir como decidiu violou, por má interpretação, o disposto na cláusula 80º, nº 1, 2 e 3, al. b), do CTT aplicável.
10. Termos em que, numa boa aplicação do direito, deveria a recorrente ver revogada a sentença e, em consequência, ser absolvida do pedido em que foi condenada, nos termos da indicada alínea f) da sentença, devendo em consequência tal sentença ser substituída por acórdão que a absolva a daquele pedido, com as subsequentes consequências jurídicas.
11. Um outro motivo do presente recurso é que a recorrente M. M. – Comércio de Automóveis, Lda, acordou com a recorrente X – Companhia de Seguros, S.A. transferir toda a sua responsabilidade decorrente de acidentes de trabalho para esta seguradora e na sequência de tal acordo a ré M. M. – Comércio de Automóveis, Lda e a ré X – Companhia de Seguros, S.A. celebraram um contrato de seguro em que a ré X declarou o seguinte âmbito de cobertura: SEGURO COMPLETO CONFORME REGÍME JURÍDICO EM VIGOR, como expressamente se refere no único documento junto pela recorrente M. M. – Comércio de Automóveis, Lda.
12. O sentido do pedido e acordado entre as rés Entidade patronal e Seguradora quanto ao descrito seguro foi que a ré X – Companhia de Seguros, S.A., com o seguro a realizar iria cobrir todos os riscos de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar o autor, aliás, tal como o refere o art.º 137º da Lei do Contrato de Seguro.
13. Nos termos do acordo e contrato de seguro celebrado entre a aqui recorrente e a seguradora, resulta que a seguradora X tem a obrigação de indemnizar o autor, nos termos acordados, ou seja, seguro completo conforme regime jurídico em vigor, nos termos do art.º 138º da Lei do Contrato de Seguro.
14. Em conclusão, o referido seguro abrange todos os valores e indemnizações que possam ser decorrentes do descrito acidente de trabalho e que possam de alguma forma ser imputados à recorrente M. M. – Comércio de Automóveis, Lda, incluindo os que resultam do disposto na cláusula 78º CCT.
15. A recorrente entidade patronal não é assim responsável pelo ressarcimento ao sinistrado dos valores que constam da sentença, dado que entre as rés entidade patronal e seguradora foi celebrado um contrato de seguro de acidentes de trabalho, titulado pela apólice n.º AT .........3, na sua modalidade de folha de férias, pela retribuição anual ilíquida de 10.696,32 euros, que à data do acidente estava em vigor, tendo também sido transferida para a seguradora a responsabilidade decorrente da cláusula 78º da CCT, pelo que a responsabilidade por todos os danos emergentes do acidente de trabalho sofrido pelo autor, recai assim, exclusivamente, sobre a seguradora.
16. A sentença recorrida ao decidir como decidiu violou, por má interpretação, o disposto na cláusula 78º, nº 1, al. a) do CTT aplicável.
17. Termos em que, deveria, assim, numa boa aplicação do direito, a recorrente ver revogada a sentença e, em consequência, deve aquela condenação da recorrente que decorre das alíneas e) e f) da sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente daquele pedido, com as subsequentes consequências jurídicas.
18. Deveria, assim, numa boa aplicação do direito, a recorrente ver revogada a sentença e, em consequência, deve aquela condenação da recorrente que decorre das alíneas e) e f) da sentença ser revogada e substituída por outra que absolva a recorrente daquele pedido, com as subsequentes consequências jurídicas.
Termos em que,
Sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências Venerandos Juízes Desembargadores, alterando a decisão recorrida nos termos propugnados nas presentes alegações, julgando o recurso procedente, farão inteira e costumada JUSTIÇA!”
*
O Autor respondeu aos recursos, concluindo pela sua improcedência. A Ré Seguradora respondeu ao recurso da Ré Empregadora concluindo também pela sua improcedência.
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Admitidos os recursos na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito, foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Efectuado o exame o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
*
II – DO OBJECTO DOS RECURSO

Delimitado o objeto dos recursos pelas conclusões dos recorrentes (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, todos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

Apelação da Ré Seguradora
1 - Da regra da proporcionalidade no que respeita ao subsídio por elevada incapacidade, assistência com terceira pessoa e assistência clinica – artigo 79.º n.º 5 da NLAT

Apelação da Ré Empregadora
1 – Da interpretação da cláusula 80.ª do CCT aplicável;
2 – Da transferência da totalidade da responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a Ré seguradora.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em 1ª instância considerou-se provada a seguinte matéria de facto:

A) A. P. nasceu em -/11/1952 – documento de fls 122 e 144.
B) Contraiu matrimónio com M. E. em 15/05/1976 – documento de fls 145.
C) a qual se encontra reformada e com rendimentos inferiores ao valor da pensão social.
D) A 2ª ré M. M., Comércio de Automóveis, Lda tem por actividade o comércio a retalho de combustíveis para veículos a motor em estabelecimentos especializados – documento de fls. 133 verso.
E) A 2ª ré é associada da Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis (ANAREC), sendo por isso aplicável às suas relações laborais, o CCT celebrado entre a ANAREC - Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outras, publicado no BTE, nº 13, de 08/04/2015 (Revisão Global), alterado pelo CCT publicado no BTE nº 44, de 29/11/2017, cujas regulamentações foram estendidas pelas Portarias nºs 206/2015, de 14/07 e 6/2018, de 05/01, respectivamente.
F) Em Maio de 1998, a 2ª ré admitiu o autor para, mediante remuneração, exercer as funções correspondentes à categoria profissional de abastecedor de combustíveis – documento de fls. 133 verso.
G) Funções que o autor, em 28/05/2018, exercia no posto de combustíveis da 2ª ré, sito em Vila Nova de Famalicão.
H) No dia 28/05/2018, cerca das 05H40M, quando o autor se dirigia, no seu ciclomotor, da sua residência, sita em …, Barcelos, para o seu local de trabalho (posto de abastecimento) sito em Vila Nova de Famalicão, através da via de trânsito que diariamente fazia, o autor foi colhido por um veículo automóvel.
I) Sofrendo em consequência do embate e da queda na via, as seguintes lesões:
a. TCE grave com hematoma subdural agudo de localização frontoparietal esquerda, com efeito de massa, com focos contusionais bilaterais a interessar a convexidade parietal direita, com hemorragia intraventricular do III ventrículo, aqueduto cerebral e vertente cefálica IV ventrículo;
b. trauma torácico com fratura do 8º arco costal anterior direito; c. trauma da mão direita com fratura do 5º metacarpiano;
d. fratura transversal da rótula direita;
e. trauma abdominal com contusão hepática e consequente hemiperitoneu, adjacente ao lobo direito do fígado – perícia médica de fls 136-138 vº.
J) O autor foi imediatamente transportado para o Hospital de Braga para tratamento de tais lesões, tendo estado internado na unidade de cuidados intensivos até ao dia 05/06/2018 - perícia médica de fls 136-138 vº,
K) dia em que foi transferido para a unidade de cuidados intermédios - perícia médica de fls 136-138 vº,
L) tendo, durante o tratamento clinico, sido sujeito a traqueostomia por causa das referidas lesões - perícia médica de fls 136-138 vº.
M) Em 19 de junho de 2018, o autor foi transferido para o Hospital de Barcelos - perícia médica de fls 136-138 vº,
N) donde, em 11 de julho de 2018, foi transferido para os Cuidados Continuados de Melgaço - perícia médica de fls 136-138 vº,
O) tendo, em 16 de agosto de 2018, sido transferido para a Unidade de Cuidados Continuados Integrados de Santo António, sita em Barcelos, onde ainda se encontra -perícia médica de fls 136-138 vº.
P) As aludidas lesões determinaram para o autor trezentos e quarenta e cinco (345) dias de incapacidade temporária absoluta (ITA) para o trabalho, contados desde 29/05/2018 até 08/05/2019, dia em que se consolidaram clinicamente - boletim de alta de fls 48 e perícia médica de fls. 136-138 vº,
Q) ficando o autor em estado vegetativo persistente - boletim de alta de fls. 48 e perícia médica de fls. 136-138 vº
R) e na total dependência de terceiros para viver - boletim de alta de fls. 48 e perícia médica de fls. 136-138 vº,
S) sequela que lhe determinou incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho (IPA) - boletim de alta de fls 48 e perícia médica de fls. 136-138 vº.
T) A ré seguradora pagou ao autor €6.687,41 de indemnização por ITA – documento de fls. 53.
U) O autor gastou €42,50 em transportes com deslocações ao GMLF de Braga e em deslocações para internamento nos cuidados continuados,
V) e €132,00 em material ortopédico, que a seguradora aceitou pagar – auto de tentativa de conciliação de fls. 192-196.
W) O autor auferia a retribuição de €580,00 mensais ilíquidos de salário; 6,50€ ilíquidos de subsídio de alimentação por cada dia efetivo de trabalho, 37,50€ ilíquidos de abono para falhas e 50,30€ (média mensal) de remuneração por trabalho noturno, o que perfaz a retribuição anual ilíquida de €10.759,40 (€580,00 x 14 + €6,50 x 22 x 11 + €37,50 x 11 + €50,30 x13).
X) Em 28 de maio de 2018, a ré empregadora tinha transferida a sua responsabilidade infortunística laboral para a ré seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice nº AT .........3, na modalidade de folha de férias, pela retribuição anual ilíquida de €10.696,32 (€580,00 x 14 + €6,50 x 22 x 11 + €83,61 x 12) – documentos de fls 55-56.

IV – APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

Da Apelação da Ré Seguradora

Da regra da proporcionalidade no que respeita ao subsídio por elevada incapacidade, assistência com terceira pessoa e assistência clinica – artigo 79º n.º 5 da NLAT

Insurge-se a Recorrente X contra o facto de ter sido condenada a liquidar ao Autor a totalidade do subsídio por elevada incapacidade, a totalidade da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, bem como os custos de internamento em estabelecimento hospitalar ou similar, defendendo que pelo facto do valor da retribuição auferida pelo sinistrado à data do acidente não estar totalmente para si transferida, a Ré empregadora é responsável pela reparação do acidente na proporção do valor do salário que não se encontrava transferido à data do acidente, devendo por isso responder na medida da sua responsabilidade pela reparação do acidente e não apenas no que respeita à pensão e indemnização por incapacidade temporária devida ao autor, mas também pelas prestações acima mencionadas.
Na sentença recorrida entendeu-se que o empregador apenas respondia na proporção da sua responsabilidade no que respeita à pensão anual devida e à indemnização por incapacidade temporária, uma vez que o salário auferido pelo sinistrado não estava totalmente transferido para a Ré Seguradora.
Importa apurar se a responsabilidade pelo pagamento dos valores relativos ao subsídio por elevada incapacidade, prestação suplementar para assistência de terceira pessoa, bem como os custos de internamento em estabelecimento hospitalar ou similar devem observar ou não a regra da proporcionalidade quando a retribuição declarada para efeitos do prémio de seguro é efectivamente inferior à auferida pelo sinistrado.
Dos factos provados resulta que o sinistrado à data do acidente auferia a retribuição anual de €10.759,40 (€580,00 x 14 + €6,50 x 22 x 11 + €37,50 x 11 + €50,30 x13), mas Ré empregadora apenas tinha transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a ré seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice nº AT .........3, na modalidade de folha de férias, pela retribuição anual ilíquida de €10.696,32 (€580,00 x 14 + €6,50 x 22 x 11 + €83,61 x 12) (alíneas W) e X) dos factos provados).

Está em causa a interpretação a dar ao artigo 79.º n.º 5 da NLAT, o qual estipula o seguinte:
No caso previsto no número anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção.”

Este normativo tinha a sua correspondência no n.º 3 do artigo 37.º da Lei n.º 100/97, de 13/09, o qual dispunha o seguinte:
“Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, na respectiva proporção”.

Do confronto das duas normas ressalta que a diferença essencial reside no desaparecimento da referência feita às despesas de transporte e na expressa previsão da responsabilidade do empregador no que respeita à diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões, sendo certo que a 1ª parte do n.º 3 do artigo 37.º da LAT corresponde parcialmente ao n.º 4 do artigo 79.º da NLAT.
Sobre esta questão, reportada ao artigo 37.º n.º 3 da LAT, o Supremo Tribunal de Justiça tem-se pronunciado de forma consensual defendendo que o sentido literal da norma parece comportar duas interpretações, ou seja permite sustentar que a individualização operada é absolutamente taxativa, afastando por isso todas as demais prestações que nela não se encontram enunciadas, como também permite defender a sua natureza exemplificativa, feito com o mero propósito de expressar que essas prestações também se contêm na regra geral da proporcionalidade. Contudo acabou por prevalecer a posição que defende que o n.º 3 do artigo 37.º da Lei nº 100/97, de 13/09, encerra uma enumeração meramente exemplificativa das prestações proporcionalmente a cargo da entidade empregadora e da entidade seguradora, estabelecendo uma regra geral de proporcionalidade quando a retribuição declarada para o efeito do prémio de seguro for inferior à real.
Neste sentido ver, entre outros os Acórdãos do Supremo Tribunal de 29/11/2006, processo 06S2443, de 17/12/2014, processo n.º 1159/10.4TTMTS.C1.S1 e de 20/03/2014 processo n.º 469/10.5T4AVR.P1.S1, todos disponíveis in www.dgsi, nos quais se considerou que o n.º 3 do artigo 37.º da Lei 100/97 é meramente exemplificativo, concluindo assim que em relação à reparação do acidente de trabalho quando a responsabilidade não está totalmente transferida para a Seguradora, os direitos do sinistrado referentes quer à reparação em espécie, quer à reparação em dinheiro vigora também a regra da sua repartição proporcional pela seguradora e empregador.
Mas vejamos o que sucede, à luz da actual Lei dos Acidentes de Trabalho (Lei n.º 98/2009, de 4/09), conjugada com a demais legislação relevante, nomeadamente a Lei do Contrato de Seguro e a actual Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho, pois verificam-se alterações relevantes as quais importa atentar.
O art. 81º da NLAT (como já antes fazia a Base XLIV da Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965 e o art. 38º da LAT) consignou que a regulamentação do contrato de seguro do ramo “Acidentes de Trabalho” deveria constar de uma apólice uniforme, agora a aprovar por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal.
Importa ainda reter o Regime do Contrato de Seguro, o qual prevê que este tipo de contrato se rege pelas disposições da respectiva apólice de seguro não proibidas por lei.

Na sequência desse imperativo legal a Norma n.º 12/99-R, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000-R, de 13 de Novembro, 16/2000-R, de 21 de Dezembro, e 13/2005-R, de 18 de Novembro, aprovou a Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem e o artigo 12º da “Apólice Uniforme sob a epígrafe de “Insuficiência da Retribuição Segura”, estabelecia o seguinte:

«No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga … o tomador de seguro responderá:

i) pela parte excedente das indemnizações e pensões;
ii) proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado».

Com a entrada em vigor do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16/04, surgiu a necessidade de adaptação da apólice do seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem e por isso foi publicada a Norma Regulamentar n.º 1/2009-R, de 8 de janeiro, que entrou em vigor em 01.01.2009, cuja sua cláusula 23ª com a epígrafe “Insuficiência da Retribuição Segura”, estabelecia o seguinte:

«No caso de a retribuição declarada ser inferior à efetivamente paga, o tomador do seguro responde:
a) Pela parte das indemnizações e pensões correspondente à diferença;
b) Proporcionalmente pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios por morte, por situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado».

Como se vê, o preceito transcrito estabelecia uma regra de proporcionalidade em termos idênticos aos do citado art. 37.º n.º 3 da LAT., mas inclui na sua previsão as prestações individualizadas neste artigo e, para além delas, todos os subsídios e demais prestações, incluindo “...todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado”.
Com a entrada em vigor da Lei n.º 98/2009, de 4/09, nomeadamente em face do disposto no n.º 1 do artigo 81.º da NLAT ao prever que a apólice uniforme de seguro de acidentes de trabalho respeitando os princípios estabelecidos na Nova Lei de Acidentes de Trabalho e respectiva legislação regulamentar, é aprovada por portaria conjunta dos ministros responsáveis pelas áreas das finanças e laboral, sob proposta do Instituto de Seguros de Portugal, ouvidas as associações representativas das empresas de seguros e mediante parecer prévio do Concelho Económico e Social, surgiu a necessidade de proceder a nova alteração da apólice do seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem e por isso foi publicada a Portaria n.º 256/2011, de 5/07 cuja sua cláusula 23ª com a epígrafe “Insuficiência da Retribuição Segura”, passou a estabelecer o seguinte:
1 – No caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o tomador do seguro responde:
a) Pela parte das indemnizações por incapacidade temporária e pensões correspondente à diferença;
b) Proporcionalmente pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica.
2– No caso previsto no número anterior, a retribuição declarada não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida.”
Ou seja, esta portaria no que concerne ao regime da proporcionalidade consagrou precisamente o que resulta da Lei n.º 98/2009, nomeadamente o que resulta do n.º 5 do artigo 79º, ficando assim no que respeita a este regime a apólice muito aquém do que anteriormente se encontrava previsto, pretendendo-se assim realçar e consignar de forma taxativa as prestações perante as quais o empregador responde quando a retribuição declarada é inferior à real.
Assim, quer em face do teor do n.º 5 do artigo 79.º da NLAT, quer em face da atual redacção da cláusula 23.ª da apólice uniforme de acidentes de trabalho, quer ainda tendo presente que a lei do contrato de seguro enaltece de alguma forma a protecção da parte mais débil, o tomador do seguro, e por fim não esquecendo que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e sobre exprimir o seu pensamento em termos adequados, sendo conhecedor das questões que foram sendo colocadas nos tribunais respeitantes à regra da proporcionalidade colocadas no âmbito da interpretação do n.º 3 do artigo 37.º da LAT, teremos de concluir que a enumeração no que respeita à regra da proporcionalidade constante do n.º 5 do artigo 79.º da NLAT é taxativa, razão pela quando a retribuição declarada para efeito de prémio de seguro for inferior à real o empregador apenas responde pela diferença relativa às indemnizações e pensões devidas e pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção. Quanto às demais prestações/encargos responde a Seguradora.
Daqui resulta que foi propositadamente que se exclui da regra da proporção a repartição dos demais encargos respeitantes à reparação que não os constantes do n.º 5 do artigo 79º da NLAT, que efectivamente nada têm a ver com a retribuição do sinistrado (efectivamente paga ou apenas a declarada à seguradora), tudo nos levando a admitir que tais encargos, (subsídio por situações de elevada incapacidade e a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa) de alguma forma objectivos e com uma base de cálculo fixa, já que a sua variação se reporta essencialmente ao IAS (indexante de apoios sociais que serve de referência para o cálculo de diversas prestações socias nelas se incluindo o subsídio por situações de elevada incapacidade e a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa), ficam cobertos pela seguradora na sua totalidade.
Em suma, nas situações em que a retribuição declarada para efeitos de prémio de seguro é inferior à real, o empregador apenas responde por indemnizações por incapacidade temporária, por pensões e por despesas efectuadas com hospitalização e assistência clínica, na proporção da parte não declarada e consequentemente as demais prestações, designadamente o subsídio por situação de elevada incapacidade e a prestação suplementar por assistência a terceira pessoa, são da exclusiva responsabilidade da seguradora.
Esta é a posição que este tribunal da Relação tem vindo a sustentar designadamente nos Acórdãos de 5/01/2017, proc.º n.º 776/15.0T8BGC (não publicado), de 5/12/2019, proc. n.º 2199/16.5T8BCL.G1 e de 31/03/2020, Proc. n.º 1369/15.8T8BCL.G1, consultáveis em www.dgsi.pt.
Neste sentido, ver entre outros Ac. RC de 3/03/2016, Proc. n.º 1715/12.2TTCBR.E1; Ac. RE de 30-03-2017, Proc. n.º 298/14.7TTFAR.E1 e de 26/10/2017, proc. n.º 4205/15.1T8STB-A.E1; Ac. RP de 7/12/2018, proc.º n.º 242/14.1T4AGD.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.
Em face do exposto, teremos de concluir que nesta parte a decisão recorrida não merece censura, improcedendo as razões invocadas nas doutas conclusões da Recorrente/Apelante, deixando-se consignado que deve ser a seguradora a suportar o pagamento, quer do subsídio por situação de elevada incapacidade, quer a prestação suplementar para assistência a terceira pessoa.
Por outro lado, no que respeita à responsabilidade pelo pagamento das despesas com assistência hospitalar ou similar, apenas se nos afigura dizer que por não ter sido peticionado, nem ter sido condenada a Seguradora no pagamento de qualquer quantia a este título, nos dispensamos de pronunciar sobre esta matéria, apenas afirmando que tal como resulta de forma clara do citado n.º 5 do art.º 79.º da NLAT o empregador responde na proporção da sua responsabilidade pelas despesas com hospitalização e assistência clínica. Caso seja a Seguradora que tenha ou esteja a proceder à liquidação de tais despesas na sua totalidade poderá, se assim o entender, exercer o seu direito de regresso contra o empregador.
O teor da condenação a este propósito limitou-se a reproduzir o que o prescrito no art.º 55.º da NLAT, nada havendo a ressalvar ou a corrigir, já que dai não resulta qualquer condenação no pagamento dos custos com o internamento do sinistrado.
Improcede assim, também nesta parte o recurso da Seguradora.

Da Apelação da Ré Empregadora

1 – Da interpretação da cláusula 80.ª do CCT aplicável;

A cláusula 80ª do CCT aplicável ao Autor e à Ré Empregadora - CCT celebrado entre a ANAREC - Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços e outras, publicado no BTE, nº 13, de 08/04/2015 (Revisão Global), alterado pelo CCT publicado no BTE nº 44, de 29/11/2017, cujas regulamentações foram estendidas pelas Portarias nºs 206/2015, de 14/07 e 6/2018, de 05/01, respectivamente - , sob a epígrafe “Indemnização complementar de acidente de trabalho” prescreve o seguinte:
“1- Sem prejuízo dos direitos consignados neste contrato relativos a complementos de subsídios de doença e acidente de trabalho, as empresas signatárias efetuarão um seguro de acidentes pessoais dos seus trabalhadores, garantindo-lhes uma indemnização complementar às já previstas.
2- O referido seguro abrangerá os trabalhadores sinistrados no local de trabalho e durante o período de trabalho nos mesmos termos em que a legislação considera existir um acidente de trabalho ou equiparado, incluindo os acidentados por ação violenta exercida por terceiros.
3- Através do referido seguro serão garantidas as seguintes indemnizações complementares:
a) Em caso de morte, a quantia de 24 939,89 €, a favor dos seus legítimos herdeiros;
b) Em caso de invalidez permanente, a importância resultante da aplicação da percentagem de invalidez apurada de acordo com o estipulado da Tabela Nacional de Incapacidades, sobre o valor de 24 939,89 €.

Importa apurar se a transcrita cláusula deve ser interpretada no sentido da manutenção da obrigação do empregador satisfazer a indemnização complementar de acidente de trabalho nas situações em que atempadamente não a tenha garantido através da celebração de contrato de seguro de acidentes pessoais.
Ora, as cláusulas das convenções colectivas devem ser interpretadas segundo as regras da interpretação decorrentes do art.º 9.º do Código Civil, por força do qual “a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir do texto legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (n.º1). Não podendo, “porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (n.º 2).

Conforme refere o acórdão do STJ n.º 7/2010, proc. 3976/06.0TTLSB.L1.S1, DR, Iª série de 9.07.2010, que “na interpretação das cláusulas das convenções colectivas de trabalho de conteúdo normativo, ou regulativo – como é o caso -, há que ter presente, por um lado, que elas consubstanciam verdadeiras normas jurídicas e, por outro, que provêm de acordo de vontades de sujeitos privados”, havendo, assim, que obedecer às regras próprias de interpretação da lei.
A actividade interpretativa deve assim partir do enunciado linguístico da norma, já que é através dele que se procura reconstituir o pensamento das partes outorgantes da convenção colectiva em causa, funcionando o enunciado da cláusula ao mesmo tempo como limite interpretativo, pois não pode ser considerada uma interpretação que não tenha o mínimo de correspondência verbal.
Como se escreve no Acórdão do STJ de 04.05.2011, proc. 4319/07.1TTLSB.L1 a apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).
O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.
O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.
Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Na interpretação declarativa, o intérprete limita-se a eleger um dos sentidos que o texto direto e claramente comporta, por ser esse o que corresponde ao pensamento legislativo. A interpretação declarativa pode ser restrita ou lata, segundo toma em sentido limitado ou em sentido amplo as expressões que têm vários significados: tal distinção, como adverte FRANCESCO FERRARA (ob. cit., pp. 147-148), não deve confundir-se com a interpretação extensiva ou restritiva, pois nada se restringe ou se estende quando entre os significados possíveis da palavra se elege aquele que parece mais adaptado à «mens legis».
Por fim, ainda a propósito da interpretação de cláusulas de conteúdo regulativo das convenções colectivas de trabalho, sumariou-se no Acórdão do STJ 1/2019, publicado no DR 55, SÉRIE I de 2019-03-19 o seguinte: "I. Na interpretação das cláusulas de conteúdo regulativo das convenções coletivas de trabalho regem as normas atinentes à interpretação da lei, contidas no artigo 9.º do Código Civil, visto tais cláusulas serem dotadas de generalidade e abstração e serem suscetíveis de produzir efeitos na esfera jurídica de terceiros. II. Na fixação do sentido e alcance de uma norma, a par da apreensão literal do texto, intervêm elementos lógicos de ordem sistemática, histórica e teleológica.”

Ora, tendo presente que no domínio da interpretação das cláusulas de convenções colectivas de trabalho deve-se atribuir uma importância acrescida ao elemento literal, pois a letra do acordo é ponto de partida e a baliza da interpretação, vejamos qual o sentido e alcance da dita cláusula.
A Ré empregadora alega que não tendo celebrado contrato de seguros de acidentes pessoais, não está obrigada a indemnizar de forma complementar o sinistrado, pois tal apenas estaria garantido com a celebração de tal seguro, uma vez que na referida cláusula não se afirma que o empregador pagará, mas sim que o empregador efectuará um seguro de acidentes pessoais dos seus trabalhadores que lhes garanta, além do mais, o pagamento de um complemento de indemnização, por invalidez permanente. Conclui assim que da referida cláusula não resulta qualquer sanção ou responsabilização direta da empregadora no caso de não ter celebrado o seguro de acidentes pessoais.
Desde já diremos que não concordamos com tal interpretação, pois a mesma tornaria desde logo inútil o ali estipulado, conduzindo à conclusão absurda que tal, não constituiria direito do trabalhador, nem constituiria qualquer obrigação para o empregador, só beneficiando o trabalhador de tal indemnização por mero acto de solidariedade ou altruístico do empregador, nos casos em que este a seu belo prazer decidisse celebrar o contrato de seguro de acidentes pessoais.
Na verdade, no caso em apreço não se discute sequer que não seja aplicável o CCT acima referido, dele resultando que a mencionada cláusula 80.ª que se encontra inserida no Capitulo XI, com o título “Segurança Social e Acidentes de Trabalho”, sendo certo que a cláusula 78.ª, com a epígrafe “Complemento de subsídio de acidente de trabalho”, prescreve no seu n.º 1 que “Em caso de acidente de trabalho, as entidades empregadoras pagarão aos seus trabalhadores a diferença entre a retribuição auferida à data da baixa e a importância recebida do seguro obrigatório por lei, enquanto durar a baixa.”.
Daqui resulta evidente que os sinistrados ou seus beneficiários abrangidos pelo CCT, para além das indemnizações/pensões decorrentes da legislação especial que regula e regulamenta os acidentes de trabalho, em caso de acidente de trabalho têm o direito a receberem por inteiro a retribuição que recebiam à data do acidente nos casos de incapacidade temporária, pagando-lhes as entidades empregadoras a diferença entre o valor da indemnização recebida da seguradora e a retribuição auferida pelo trabalhador (cl.ª 78.ª) e têm direito a uma indemnização complementar de montante determinado desde que do acidente de trabalho resulte invalidez permanente ou a morte do trabalhador, indemnização esta cujo pagamento pelas entidades empregadoras deve estar garantido por um seguro de acidentes pessoais (cl.ª 80.ª, n.ºs 1, 2 e 3).
Trata-se de direitos conferidos aos sinistrados ou aos seus beneficiários os quais contrapõem ao empregador a obrigação de pagamento.
Se por um lado, é verdade que a cláusula 80.ª ao invés do que resulta do texto da cláusula 78.ª não consta a palavra “pagarão”, imputando assim directamente aos empregadores a responsabilidade pelo pagamento de tal complemento de indemnização. Por outro lado, tal não nos permite concluir, como pretende a recorrente/empregadora, que por isso não lhe pode ser assacada qualquer responsabilização directa pelo pagamento de tal indemnização.
Como já acima deixámos expresso esta interpretação esvaziaria o conteúdo da citada cláusula, deixando na liberalidade do empregador e na sua exclusiva dependência a realização ou não do contrato de seguro de acidentes pessoais nela previsto, ou seja a indemnização prevista na cláusula 80.ª, só seria devida e paga se o empregador por mero ato potestativo contratualizasse um seguro de acidentes pessoais.
Em suma, o complemento de indemnização por acidente de trabalho só seria devido ao sinistrado quando o empregador assim o entendesse e celebrasse o contrato de seguro necessário para o efeito. Tal não é o que resulta da interpretação literal da norma, pois os empregadores estão obrigados a celebrar o seguro de acidentes pessoais para os seus trabalhadores de forma a conferir-lhes a consagrada indemnização complementar prevista e caso não o façam terão de arcar, com as respectivas consequências/custos.
Decorre do disposto do art.º 283.º n.º 5 do CT que a as entidades empregadoras estão obrigadas a transferir a responsabilidade pela reparação dos acidentes de trabalho para as seguradoras -, indo assim a redacção da cláusula 80.ª do CCT de encontro a esta previsão ao estipular as entidades empregadoras deveriam transferir a responsabilidade pelo pagamento da indemnização nela prevista para tais entidades, ainda que com recurso a um seguro de cariz específico para o efeito.
É evidente que esta obrigação de transferência do pagamento de determinada indemnização para uma seguradora pressupõe a existência da obrigação de pagar por parte do empregador, que decorre de forma clara da expressão que ai se faz constar “garantindo-lhes uma indemnização complementar às já previstas”. Se assim não fosse entendido, os sinistrados não teriam qualquer garantia, mínima que fosse de vir a receber a indemnização complementar. Sem a existência do direito ao recebimento da indemnização complementar, com a correspondente obrigação do empregador proceder ao seu pagamento, não faria qualquer sentido determinar a realização de um contrato de seguro, que tem como escopo a cobertura de um risco do tomador do seguro.
No que respeita ao elemento sistemático afigura-se-nos dizer que a referida cláusula se insere no Capítulo XI, com o título “Segurança Social e acidentes de trabalho”, do CCT aplicável, no qual se estipulam várias obrigações pecuniárias a cargo das entidades empregadoras, razão pela qual seria até incompreensível, que no que respeita ao complemento de indemnização por acidente de trabalho, ficasse de fora a responsabilização dos empregadores pelo seu pagamento.
Por último, no que respeita à interpretação teleológica da cláusula, importa dizer que com a mesma se pretendeu alargar o âmbito da protecção económica e social previsto no regime especial dos acidentes de trabalho, ou seja pretendeu-se conferir às vítimas de acidentes de trabalho nas situações mais graves uma maior protecção, sendo certo que resulta da al. g) do n.º 1 do art.º 127.º do CT que é à entidade empregadora a quem em primeira linha incumbe proteger a segurança e a saúde do trabalhador, devendo indemniza-lo dos prejuízos resultantes de acidentes de trabalho.
Em suma, a cláusula 80.ª do CCT celebrado entre a ANAREC – Associação Nacional de Revendedores de Combustíveis - e a FEPCES - Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços – deve ser interpretada no sentido de que caso de o empregador não celebre atempadamente o contrato de seguro de acidentes pessoais, será o responsável pelo pagamento da indemnização complementar aos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho de que resulte invalidez permanente ou os seus legítimos herdeiros em caso de acidente de trabalho mortal.
Improcede assim nesta parte o recurso da Ré/Empregadora, sendo de manter a sentença recorrida.

2 – Da transferência da totalidade da responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a Ré seguradora.

Por fim, cabe-nos apreciar a questão da transferência da totalidade da responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a Ré seguradora, por força do contrato de seguro celebrado entre as partes
Defende a recorrente que a sua responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho está totalmente transferida para a Ré seguradora por força do contrato de seguro que celebrou com esta, deste ficando a constar que “Seguro Completo conforme regime jurídico em vigor”, razão pela qual todos os riscos de constituição no seu património de uma obrigação de indemnizar estavam transferidos para a R. Seguradora, tal como que resulta ainda do art.º 138.º Lei Contrato Seguro. Mais defende a Recorrente que o sentido do pedido e acordado entre as Rés quanto ao seguro, foi no sentido de que este iria cobrir todos os riscos de constituição, no património do segurado, de uma obrigação de indemnizar o autor, tal como o refere o art.º 137º da Lei do Contrato de Seguro, pelo que o seguro contratado abrange todos os valores e indemnizações que possam ser decorrentes do descrito acidente de trabalho e que possam de alguma forma ser imputados à ré M. M. – Comércio de Automóveis, Lda, incluindo os que resultam do disposto na cláusula 78º CCT.

Da factualidade provada a este propósito resulta o seguinte:

W) O autor auferia a retribuição de €580,00 mensais ilíquidos de salário; 6,50€ ilíquidos de subsídio de alimentação por cada dia efetivo de trabalho, 37,50€ ilíquidos de abono para falhas e 50,30€ (média mensal) de remuneração por trabalho noturno, o que perfaz a retribuição anual ilíquida de €10.759,40 (€580,00 x 14 + €6,50 x 22 x 11 + €37,50 x 11 + €50,30 x13).
X) Em 28 de maio de 2018, a ré empregadora tinha transferido a sua responsabilidade infortunística laboral para a ré seguradora através de contrato de seguro titulado pela apólice nº AT .........3, na modalidade de folha de férias, pela retribuição anual ilíquida de €10.696,32 (€580,00 x 14 + €6,50 x 22 x 11 + €83,61 x 12) – documentos de fls 55-56.
Daqui resulta estarmos perante um contrato de seguro de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem na modalidade de prémio variável, ou seja, o que vulgarmente se designa de seguro por folhas de férias ou folhas de remuneração.
Como prescreve a alínea b) da Cláusula 5ª da “Apólice Uniforme para Trabalhadores por Conta de Outrem” aprovada pela Norma n.º 12/99 R, de 8 de Novembro, com as alterações introduzidas pelas Normas n.ºs 11/2000 R, de 13 de Novembro, 16/2000 R, de 21 de Dezembro, 13/2005 R, de 18 de Novembro e pela Portaria nº 256/2011 de 5 de Julho, o prémio variável é o existente quando a apólice cobre um número variável de pessoas seguras, com retribuições seguras também variáveis, sendo consideradas pela seguradora as pessoas e as retribuições identificadas nas folhas de vencimento que lhe são enviadas periodicamente pelo tomador de seguro.
Daí que, na alínea a) da Cláusula 24ª de tal apólice uniforme se consagre a obrigação do tomador do seguro “a) A enviar ao segurador, até ao dia 15 de cada mês, cópia das declarações de remunerações do seu pessoal remetidas à segurança social, relativas às retribuições pagas no mês anterior, devendo no envio mencionar a totalidade das remunerações previstas na lei como integrando a retribuição para efeito de cálculo da reparação por acidente de trabalho, e indicar ainda os praticantes, os aprendizes e os estagiários;”
Sucede que, relativamente à pessoa do A., a Apelante/Entidade Patronal transferiu a sua responsabilidade unicamente pela retribuição anual ilíquida de €10.696,32 (€580,00 x 14 + €6,50 x 22 x 11 + €83,61 x 12).
Em face do exposto e em consonância com o decidido pelo tribunal a quo, mais não resta do que concluir, que extravasando a retribuição auferida pelo autor a retribuição transferida para a Ré Seguradora, é de aplicar o disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 79.º da NLAT, sendo a Ré Seguradora apenas responsável em relação à retribuição que lhe foi declarada, respondendo a Ré Empregadora, na proporção da remuneração não declarada, por todas as prestações devidas ao A., já efectuadas ou a efectuar e em espécie ou em dinheiro.
Quanto à responsabilidade pelo pagamento do complemento do subsídio de acidente de trabalho previsto na cláusula 78.ª, nº 1 do CCT afigura-se-nos dizer o seguinte
O sentido dos dizeres SEGURO COMPLETO CONFORME REGIME JURÍDICO EM VIGOR constantes da apólice contratada não tem o condão de transpor para a cobertura do seguro, riscos que nele não foram incluídos desde logo porque não se incluem nos riscos decorrentes do regime jurídico em vigor referente à reparação de acidentes de trabalho. A mencionada expressão apenas significa que o contrato de seguro celebrado dá total cobertura ao regime jurídico obrigatório de reparação de acidentes de trabalho, que consta a Lei n.º 98/2009, de 4/09.
Por outro lado, resulta da Portaria nº 256/2011, de 05/07, que aprova a parte uniforme das condições gerais de apólice de seguro obrigatório por acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes, designadamente do n.º 3 da cláusula preliminar, que “as condições especiais prevêem a cobertura de outros riscos e ou garantias além dos previstos nas presentes condições gerais e carecem de ser especificamente identificadas nas condições particulares”. O que significa que para além dos encargos obrigatórios provenientes de acidente de trabalho, desde que devidamente identificadas nas condições particulares da apólice, o contrato de seguro de acidentes de trabalho pode prever a cobertura de outros riscos ou garantias.
Analisada a apólice de seguro celebrado entre as Rés/Recorrentes, constatamos que apenas se encontra transferida para a Ré Seguradora a sua responsabilidade pela reparação e demais encargos decorrentes de acidente de trabalho, nos termos previstos na NLAT, já que nas condições particulares da apólice não se fez qualquer menção a outras garantias, nem se relata qualquer circunstância que fosse relevante para apreciação do risco pela seguradora, designadamente a manifestação de vontade da Ré empregadora em transferir a sua responsabilidade pelo pagamento do complemento de subsídio de acidente de trabalho previsto na cláusula 78.ª do CCT aplicável.

Em suma, não resultando do regime de reparação do acidente de trabalho o pagamento de uma prestação, no período de incapacidade temporária, correspondente ao valor integral da retribuição, para que a seguradora estivesse obrigada a satisfazer tal prestação teria que se ter feito constar das condições particulares da apólice de seguro tal circunstância, já que só fica transferida a responsabilidade declarada no contrato. Assim, incumbindo ao empregador declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurado (art.º 24.º n.º 1 da Lei n.º 72/2008 de 16/04), e tal não tendo sucedido, teremos de concluir que a Ré Seguradora apenas responde pela reparação do acidente de trabalho nos termos gerais e de acordo com o valor da retribuição que a Ré empregadora transferiu relativamente ao sinistrado.
Improcede o recurso e é de confirmar a sentença recorrida.

DECISÃO

Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87.º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento aos recursos de apelação interpostos por X COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e M. M., COMÉRCIO DE AUTOMÓVEIS, LDA.
Custas de cada uma das Apelações pelos respectivos Recorrentes.
4 de Fevereiro de 2021

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga