Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3928/18.8T8VCT-D.G1
Relator: MARGARIDA PINTO GOMES
Descritores: INVENTÁRIO JUDICIAL
RECLAMAÇÃO DE BENS
MEIOS COMUNS
BENFEITORIAS
PROVA PERICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/01/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO DA REQUERENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Estando em causa “benfeitorias” que consistiam em obras variadas, como reboco das paredes, colocação do chão, portas e janelas e loiças, pintura, instalação eléctrica, canalização, equipamento da cozinha e mobília e, entendendo o Tribunal a quo, face à prova produzida, dar como provadas as mesmas, entende-se não haver lugar à remessa para os meios comuns, pelo simples facto de se entender ser o mais adequado para aferição do valor das mesmas, sendo certo que, se indeferiu o meio de prova que permitiria alcançar o mesmo.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório:

AA, veio por apenso aos autos de divórcio em epígrafe, requerer inventário judicial para a partilha dos bens comuns do casal, ao abrigo do disposto nos artigos 1133º, 1083.º, nº 1, al. b), 206º nº 2, todos do Código de Processo Civil e artº 122º,nº 1, als. c) e d) e nº 2 da LOSJ , contra BB, divorciado, alegando, em suma que, decretado que foi, em .../.../2019 o divórcio sem consentimento do outro cônjuge, entre a requerente e o requerido, o qual correu os seus termos no Tribunal da Comarca ..., pelo juiz ... do Juízo de Família e Menores ..., sob o nº 3928/18...., decisão essa transitada em julgado em 3 de maio de 2019, não lograram os mesmos chegar a acordo quanto à partilha dos bens comuns deixados pelo ex-casal.
Assim, o cargo de cabeça –de -casal deve ser deferido ao ex-cônjuge mais velho, no caso ao requerido BB.
Refere ainda que, da relação de bens comuns fazem parte, um prédio urbano, um veículo automóvel e bens móveis, conforme relação de bens que se junta sob o documento nº ....

Designado que foi para exercer as funções de cabeça de casal veio o requerido aceitar as mesmas, prestar as declarações de cabeça de casal, prestar compromisso de honra de bem desempenhar aquelas e apresentar a relação de bens.

Notificada da relação de bens apresentada veio a requerente da mesma reclamar arguindo a omissão de bens – peças de ouro, designadamente uma pulseira, um fio e dois anéis que eram usados pela interessada, um veículo automóvel de marca ..., de cor ..., cuja matricula a interessada não sabe indicar, o qual terá um valor de € 2.500,00, pelo que também reclama da omissão e ainda bens móveis que fazem parte do recheio da casa de morada da família, uma máquina de lavar loiça que não foi relacionada, e que terá um valor de € 150,00.
Vem ainda arguir não ter sido relacionadas as benfeitorias referentes às obras levadas a cabo no prédio urbano, composto por casa de rés –do- chão e ... andar com logradouro sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., o qual constituía a casa de morada da família, inscrito na respetiva matriz ...23, no valor patrimonial de €94.240,00 (doc. ...) e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...10.
Alega que a requerente e o cabeça-de-casal casaram em .../.../2001, no regime de comunhão de adquiridos, e na pendência desse casamento, a Sra. CC, doou em 24 de junho de 2004 ao seu filho DD, aqui cabeça de casal, um terreno onde estavam já erguidas as paredes daquela que viria a ser a casa de morada de família do ex-casal, o qual havia sido desanexado do prédio nº ...12. (vide AP. 19 da certidão do Registo Predial), sendo que, à data do casamento da requerente e do cabeça-de-casal, a obra no prédio urbano referido, tinha o seguinte estado: pavimento térreo; paredes construídas em tijolo ainda por rebocar, com telhado e vãos de porta e janelas apenas delineadas nas respetivas paredes.
As obras realizadas no imóvel posteriormente ao casamento consistiram no seguinte: reboco das paredes; colocação do chão, colocação de portas, colocação de janelas, pintura, instalação elétrica; canalização de água, colocação de loiças nas casas de banho; equipar a cozinha e mobilar toda a casa, sendo que, para concluir a edificação da referida moradia, foi necessário comprar materiais de construção e contratar trabalhadores especializados, designadamente, carpinteiro, pintor, eletricista, picheleiro etc.,
Para fazer face a todas as despesas com o acabamento da moradia, a requerente e o requerido usaram o produto do trabalho de ambos, e, contraíram em 2002 um financiamento bancário junto do Banco 1..., tendo ambos celebrado um mútuo no valor de € 30.000,00, já liquidado, que destinaram exclusivamente à conclusão das obras da casa que viria a ser a futura casa de morada de família.
A moradia tem um valor de mercado nunca inferior a € 300.000,00. A requerente desconhece qual o valor das benfeitorias realizadas no prédio após o casamento, mas serão sempre num valor superior a 150.000,00 euros e terão que ser incluídas na relação de bens, o direito (ilíquido) da requerente à compensação da sua parte no valor da benfeitoria, conforme o disposto nos artigos 1098º nº 1 al. c) do CPC, afim de se liquidar o respetivo valor através da competente avaliação, que infra se requer.
A mesma impugnou o valor dos bens atribuídos nas verbas nºs 1 a 11 da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, porquanto, em todos os casos os valores patrimoniais dos bens são muito superiores aos valores ali indicados, pelo que, a final se requer a respetiva avaliação por perito a designar pelo tribunal e impugnou o montante da divida de € 8.552,58 referida na verba nº 1 do passivo, porquanto o montante em dívida é muito inferior.

Notificado da reclamação veio o requerido sustentar a manutenção da relação apresentada.

Foi ouvida a prova indicada pelas partes e proferida a sentença segundo a qual:
1º. Excluímos da relação a verba «Passivo verba n.1 – Deve a interessada … pensão de alimentos…».
2º. Quanto a benfeitorias (obras do n.200) e ... remetemos as partes para os meios comuns.
3º. No mais, consideramos improcedente a reclamação e não atendemos a outras diligências solicitadas.

Inconformada com o despacho proferido do mesmo veio recorrer a requerente formulando as seguintes conclusões:

1- Deve proceder-se à alteração na douta sentença, da data constante no ponto 8º dos factos dados como provados, assim como no ponto 6 dos factos dados como não provados, passando ali a constar como data do casamento entre Apelante e Apelado .../.../2001 conforme resulta do assento de casamento e não 21.12.2001 como ali consta.
2-A Apelante e o Apelado casaram em .../.../2001 no regime de comunhão de adquiridos.
3- Na pendência do casamento, em 24.06.2004, foi doado ao Apelado um terreno onde estavam já erguidas as paredes da casa, que viria a ser a casa de morada da família dos ex-cônjuges, sita na Rua ..., no Lugar ..., Freguesia da
....
4- Foi atribuída àquela doação o valor de quinze mil sessenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos, conforme consta da escritura junta.
5- Pelo que, aos factos dados como provados em 07 da douta sentença, deveria acrescer o valor da doação feita ao cabeça-de-casal em 2004, por tal matéria ser essencial na obtenção do valor das benfeitorias.
6- O casamento entre Apelante e Apelado foi dissolvido por divórcio em 31.03.2019.
7- Em 16.11.2022 a ex-cônjuge mulher requereu inventário judicial para partilha dos bens comuns, tendo sido nomeado cabeça-de-casal o ora Apelado.
8-A Apelante, reclamou contra a relação de bens apresentada pelo cabeça-de–casal, porquanto não foram relacionadas as benfeitorias efetuadas após o casamento, referentes às obras levadas a cabo no prédio urbano, sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., concelho ....
9- A Apelante descreveu as benfeitorias realizadas no prédio, quer antes quer depois do casamento entre os interessados.
10- Os factos provados reproduzem na integra as benfeitorias descritas na reclamação à relação de bens, à excepção do valor das mesmas.
11- Pelo que as obras /benfeitorias constantes dos factos provados de 8 a 13 devem ser relacionadas.
12- O Tribunal “a quo” no que se reporta ás benfeitorias realizadas no imóvel (obras do nº 200) remeteu as partes para os meios comuns por entender que é inviável a determinação do valor das obras efetuadas.
13- A Apelante requereu com a sua reclamação, a realização da prova pericial com vista à avaliação das benfeitorias antes e depois do casamento dos ex-conjuges, indicando em concreto o seu objeto, a saber:
- o valor atual de mercado da moradia (cujo objeto consta dos pontos 5 e 5.7 da reclamação);
-o valor das benfeitorias efetuadas no imóvel antes do casamento (cujo objeto consta dos pontos 5 e 5.2 da reclamação);
-o valor das benfeitorias depois do casamento ( cujo objeto consta dos pontos 5 e 5.3 a 5.6 da reclamação);
14- contudo o Tribunal “a quo” rejeitou este meio de prova, na decisão final, com o fundamento de que o perito não consegue saber o montante das despesas gastas.
15-Não podemos concordar com tal fundamentação (ou falta dela), pois o valor das benfeitorias, é possível de se obter através da avaliação requerida.
16- Ora a prova requerida não é impertinente nem dilatória, pelo que, ao indeferir este meio de prova, o Meritissimo Juiz “a quo” está a restringir o direito à prova, direito
fundamental da Apelante.
17- Efetivamente, quando o Tribunal não tenha conhecimentos técnicos não pode deixar de decidir, e provadas as benfeitorias efetuadas no prédio, desconhecendo-se apenas o seu valor, devia o Tribunal ordenar a avaliação por perito por ser essencial para a determinação do seu valor.
18- Pelo que a decisão recorrida viola o disposto nos artigos 1093º ; 5º nº1; 6º 1; 410º ; 411º e 467º e ss CPC
Termos em que deve ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra:
a) que ordene a relacionação das benfeitorias constantes dos factos julgados provados de 09 a 13;
b) que ordene a realização da avaliação das benfeitorias requeridas no articulado de reclamação à relação de bens para o apuramento do valor das mesmas.

Contra alegou o requerido formulando as seguintes conclusões:

1º Ao recorrente que impugne a matéria de facto, caberá indicar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, aos quais deve aludir na motivação do recurso e sintetizar nas conclusões. A Interessada/Recorrente, nas suas conclusões, diz somente que deve ser alterada a douta sentença no ponto 8º dos factos dados como provados e no ponto 6º dos factos dados como não provados mas, em parte alguma, especifica os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que, em seu entender, impunham decisão diversa quanto a cada um desses factos e/ou propõe a decisão alternativa sobre cada um deles. Tais omissões não podem ser supridas através de convite ao aperfeiçoamento pois o recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto não comporta tal faculdade, estando, por isso, vedado ao Tribunal conhecer, nesta parte, o recurso interposto pela Ré/Recorrente.
2º O julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. E o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro notório na apreciação dos factos impugnados – aquele erro que é evidenciado pela simples leitura da decisão. Mas uma coisa é o erro na apreciação da prova, outra muito diferente é o pretendido pela Ré/Recorrente e que é contrapor a sua própria convicção à do tribunal, esta colhida no âmbito do princípio da imediação e da oralidade.
3º Todas as provas utilizadas são de livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção, operando a sua análise crítica, com a explicitação individualizada dos participantes que entendeu primordiais para a génese da formação da mesma. In casu, na motivação da D. Sentença recorrida, o M. Juiz a quo explica, fundada e exaustivamente, as razões por que foram dados como provados e não provados os factos, correlacionando os meios de prova e pormenorizando o contributo de cada um na formação da decisão. E, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada - como efectivamente sucede, no caso dos autos -, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ter sido proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo o princípio da livre apreciação da prova.
4º A Interessada/Recorrente não aceita que tenha sido dado como provado o facto vertido no nº 8 e dado como não provado o vertido no nº 6, o que não se pode aceitar porquanto
i) a circunstância de se ter dado como provado que «Em 21 de Dezembro de 2001, a obra tinha pavimento térreo, paredes em tijolo por rebocar, telhado, vãos de porta e janelas» - ponto 8 dos factos dados como provados – não permite tirar as conclusões pretendidas pela Interessada/Recorrente na medida em que também ficou provado que este prédio foi doado ao cabeça de casal em 24/06/2004 (ponto 7º), - e só deste então é que o mesmo ingressou no património do Interessado/Recorrido e só a partir de 24/06/2004 é que as eventuais benfeitorias seriam realizadas com meios comuns -, e igualmente ficou provado que «Foram levadas a cabo obras no n.200 da Rua ..., ..., freguesia ...» (ponto 6.º) e que «CC realizou obras no n.200» (ponto 14);
ii) o que não ficou provado foi quais as obras realizadas pelo casal, com rendimentos do trabalho de ambos e quando é que estas foram feitas !!!!... sendo certo que o imóvel só foi doado ao cabeça-de-casal em 24 de Junho de 2004 e não em 2001!!!. e, por isso, e muito bem, o M. Juiz a quo deu como não provado que “O valor das benfeitorias realizadas no prédio, após 21 de Dezembro de 2001, será sempre num valor superior a 150.000,00euros”. - ponto 6 dos factos dados como não provados.
5º No regime de comunhão de bens adquiridos – que era o do casamento do extinto casal – são considerados próprios dos cônjuges, nomeadamente, os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação (art.º 1722º, n.º 1, alínea b), do CC); fazem parte da comunhão: a) O produto do trabalho dos cônjuges; b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei (art.º 1724.º, do CC, com negrito nosso).
6º Tendo em conta que
i) conforme consta dos factos dados como provados «Em 21 de Dezembro de 2001 a obra tinha pavimento térreo, paredes em tijolo por rebocar, telhado, vãos de porta e janelas» (facto nº 8), «Após essa data foram realizadas obras: reboco das paredes, colocação do chão, portas e janelas e loiças, pintura, instalação eléctrica, canalização, equipamento da cozinha e mobília» (facto nº 9) e «CC realizou obras no n.200. (facto nº 14);
ii) depois de as partes terem casado, em 2001, no dia 24/06/2004, CC - mãe do cabeça-de-casal -, doou a este Interessado, o prédio urbano composto por terreno de construção com as benfeitorias lá existentes; todas as obras realizadas até 2004 (data da doação) pertenciam à mãe do cabeça-de-casal e depois poderiam ser do extinto casal. Mas a Interessada/Reclamante insiste em colocar o horizonte temporal no ano de 2001 e não no ano de 2004!...
7º A jurisprudência tem decidido, quase invariavelmente, que a construção pelos cônjuges casados em comunhão de adquiridos de um prédio urbano em terreno de um só deles, deve ser considerada uma benfeitoria, e que, por isso, esta deve ser descrita como bem comum no inventário consequente ao divórcio do casal, mantendo-se o terreno como bem próprio.
8º Acontece que ainda antes da transmissão da propriedade para o cabeça-de-casal foram realizadas obras e, de acordo com o disposto no artigo 342.º do Cód. Civil, segundo o qual cabe àquele que invoca um direito fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, a Interessada/Reclamante não conseguiu fazer prova de
vi) que benfeitorias foram realizadas no bem próprio do cabeça-de-casal - bem próprio dele desde 24/06/2004, data da doação -;
vii) qual a data em que foram realizadas essas benfeitorias;
viii) qual o valor das mesmas;
ix) quem as realizou e pagou;
x) quando é que as mesmas terminaram.
9º Por isso, salvo o devido respeito, a Interessada/Recorrente não só não cumpriu com o ónus a que estava obrigada, como também não logrou provar tais factos, pelo que, falecem os argumentos apresentados pela Interessada/Reclamante, e bem andou o M. Juiz a quo ao remeter os interessados, quanto às benfeitorias reclamadas, para os meios comuns em virtude de ter constatado «a inviabilidade de no presente incidente definir os referidos valores, quer os gastos efectuados (com meios comuns) com os melhoramentos da casa, quer o incremento consequente do valor do prédio onde foi erigida».
10º Veio a Recorrente recorrer da decisão do Tribunal a quo que lhe indeferiu a produção de prova pericial, nomeadamente a avaliação das obras efectuadas no imóvel, propriedade do cabeça-de- casal.
11º É certo que as partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (licitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos, mas, tal não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas, porque apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório.
12º Com o pedido da realização da perícia, exige-se sob pena de rejeição, que com o respectivo requerimento seja logo indicado o seu objecto e enunciadas as questões de facto cujo esclarecimento se pretende obter através da referida diligência, que tanto se pode reportar aos factos articulados pelo requerente, como aos alegados pela parte contrária (art. 475.º do Cód. Proc. Civil). E a Interessada/Reclamante incumpriu com estes ónus e, ao invés de pedir uma eventual perícia para avaliação das benfeitorias realizadas no imóvel após a doação ao ex-cônjuge – 24/06/2004 – e que teriam sido efectuadas com meios comuns, pede perícia para avaliar as obras realizadas num período em que o prédio urbano pertencia a terceiro – antes de 2001 e entre 2001 e 2004!!!....
13º Como bem esclarece o M. Juiz a quo «Para que o titular (CC) do prédio beneficiado com as obras vir a compensar o património comum é indispensável quantificar os seguintes valores (1º) o do enriquecimento do proprietário do imóvel que é bem próprio, (2º) o do empobrecimento do património (comum) que custeou as obras. “… o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial … deve apenas restituir aquilo com que injustamente se acha enriquecido … diferença entre a situação real actual … e a situação em que se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada … este não pode receber mais do que a valorização do património do enriquecido, nem mais que a desvalorização sofrida no seu património. O objecto da restituição corresponde … ao menor desses dois limites” (RG, ac. 23-05-2019, S. Melo (R) p.257/17.8T8MNC.G1, in dgsi.pt)». E, na verdade, «o montante das despesas com a conclusão das obras é ignorado, até pela reclamante, tal como o valor do prédio, antes e após as obras». E, «escapando às possibilidades de perito a resposta ao montante das despesas efectivamente realizadas», bem decidiu o M. Juiz a quo considerar «inútil providenciar por qualquer avaliação».
14º Num processo de inventário para separação de meações (como é o dos autos), dispõe o artigo 1114.º do Cód. Processo Civil que, “Até à abertura das licitações, qualquer interessado pode requerer a avaliação de bens, devendo indicar aqueles sobre os quais pretende que recaia a avaliação e as razões da não aceitação do valor que lhes é atribuído” (n.º 1); “O deferimento do requerimento de avaliação suspende as licitações até à fixação do valor dos bens (n.º 2); e “A avaliação dos bens é, em regra, realizada por um único perito, nomeado pelo tribunal, salvo se: (…) – n.º 3.
15º A Interessada/Reclamante não especificou os concretos bens que pretendia que fossem avaliados – ou seja, as obras, em concreto, que foram efectuadas após 2004 (data da doação) e que teriam de ser avaliados, limitando-se genericamente a dizer que são benfeitorias realizadas após 2001!!!...
TERMOS EM QUE, E NOS MELHORES DE DIREITO APLICÁVEIS, DEVE
A) REJEITAR-SE O RECURSO INTERPOSTO PELA INTERESSADA AA;
no caso de assim não se entender,
B) NEGAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA INTERESSADA AA;
COMO É DE JUSTIÇA!

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
*
II. Objeto do recurso.

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim considerando o teor das conclusões apresentadas pela recorrente e atrás supra transcritas, importa ao recurso aferir se, face à prova produzida deveria ter sido dado como provado no facto dado como assente sob o item 8º e no facto assente sob o itemº 6 dos factos não provados a data de 15 de dezembro de 2021 e do facto dado como provados sob o item 7 deveria acrescer o valor da doação feita ao cabeça-de-casal em 2004, sendo certo que, previamente cumpre aferir se foi cumprido, por aquela, o triplo ónus da impugnação da matéria de facto.
Importa ainda aferir se, ao contrário do decidido, deveria o Tribunal a quo, deferir a requerida perícia para avaliação das benfeitorias e se estavam preenchidos os requisitos da remessa dos interessados para os meios comuns.
*
III: Fundamentação de facto:

Com relevância para a decisão consideraram-se provados os seguintes factos:
01 AA casou com BB em .../.../2001, sem convenção, ela com 17 e ele com 21 anos de idade.
02 BB instaurou acção de divórcio contra AA em 15 de Novembro de 2018.
03 O casamento foi dissolvido por decisão datada de 31 de Março de 2019 e nela foi fixada a data da separação, o dia 9 de Março de 2018.
04 Na regulação a residência dos dois filhos comuns foi estabelecida junto do progenitor e AA foi condenada a prestar mensalmente €75 de alimentos para cada (150 euros).
05 BB reclamou da omissão da prestação dos alimentos relativamente aos meses de Julho de 2020 em diante e o incumprimento foi verificado (ap. B).
06 Foram levadas a cabo obras no n.200 da Rua ..., ..., freguesia .... (Rc5)
07 CC doou ao cc, em 24/6/2004, terreno onde estavam já erguidas as paredes daquela que viria a ser a casa da família (o n.200). (Rc51)
08 Em 21 de Dezembro de 2001 a obra tinha pavimento térreo, paredes em tijolo por rebocar, telhado, vãos de porta e janelas. (Rc52)
09 Após essa data foram realizadas obras: reboco das paredes, colocação do chão, portas e janelas e loiças, pintura, instalação eléctrica, canalização, equipamento da cozinha e mobília. (Rc 53)
10 Para as obras foram comprados materiais e contratados trabalhadores. (Rc54)
11 A e cc pediram empréstimo de €30.000 para as obras. (Rc55)
12 As obras foram concluídas. (Rc56)
13 A e o CC nelas aplicaram rendimentos do trabalho de ambos em despesas com o acabamento da moradia. (Rc55)
14 CC realizou obras no n.200. (9º)
15 AA usou pulseira, fio e anéis. (Rc2)

Deram-se como não comprovados os seguintes factos:
NP1. A 31 de Março de 2019 existia ... de cor ... que era bem comum. (Rc3)
NP2. E uma máquina de lavar loiça. (Rc4)
NP3. As janelas (2001) estavam apenas delineadas. (Rc52).
NP4. As obras só foram concluídas à volta do ano de 2011, altura em que foram para lá morar. (Rc56)
NP5. Para fazer face a todas as despesas com o acabamento da moradia, a A e o cc usaram o produto do trabalho de ambos e empréstimo. (Rc55)
NP6. O valor das benfeitorias realizadas no prédio, após 21 de Dezembro de 2001, será sempre num valor superior a 150.000,00 euros. (Rc57)
NP7. O casal contraiu empréstimo bancário para adquirir .... (2º)
NP8. O cc entregou VW a stand para liquidar o crédito bancário. (4º)
NP9. As obras do n.200 foram realizadas (na íntegra) por CC. (9º)
*
IV. Da impugnação da matéria de facto:

Como resulta da questão atrás identificada, vem a recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que nas suas alegações questiona a mesma a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido porquanto entende que deveria ser dado como não provado o facto vertido sob o item 8º dos factos provados e como provado o facto vertido sob o item 6º dos  factos não provados.

Antes de mais importa aferir, em termos gerais, os contornos em que deve ser a (re)apreciada em 2ª instância.
Estabelece o nº 1 do artº 662º, do Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Daqui decorre que, os recursos da decisão da matéria de facto podem visar objetivos distintos, a saber:
a)a alteração da decisão da matéria de facto, considerando provados factos que o tribunal a quo considerou não provados, e vice-versa, com base na reapreciação dos meios de prova ou quando os elementos constantes do processo impuserem decisão diversa (no caso de ter sido apresentado documento autêntico, com força probatória plena, para prova de determinado facto ou confissão relevante) ou em resultado da apreciação de documento novo superveniente (nº 1 do artº 662º do Código de Processo Civil);
b)a ampliação da matéria de facto, por ter sido omitida dos temas da prova, matéria de facto alegada pelas partes e que se mostre essencial para a boa resolução do litígio (art. al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil);
c)a apreciação de patologias que a decisão da matéria de facto enferma, que, não correspondendo verdadeiramente a erros de apreciação ou de julgamento, se traduzam em segmentos total ou parcialmente deficientes, obscuros ou contraditórios (também nos termos da al. c) do nº 2 do artº 662º, do Código de Processo Civil).
Ora, no caso sub judice, invoca a recorrente, o erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pretendendo a alteração da decisão da matéria de facto, a saber, devendo alterar-se os itens 7 e 8 dos factos provados e o item 6 dos factos não provados.
Conforme refere o D. Acordão desta Relação de Guimarães, de 7 de abril de 2016, in www.dgsi.pt, “Incumbe à Relação, enquanto tribunal de segunda instância, reapreciar, não só se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os outros elementos constantes dos autos revelam, mas também avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto”.
Ora, sem prejuízo de uma valoração autónoma dos meios de prova, não pode em tal operação esquecer a Relação os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
Como refere o Dr Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017, 4ª ed ,pág. 245, “(…) ao nível da reapreciação dos meios de prova produzidos em 1ª instância e formação da sua própria e autónoma convicção, a alteração da decisão de facto deve ser efectuada com segurança e rodeada da imprescindível prudência e cautela, centrando-se nas desconformidades encontradas entre a prova produzida em audiência, após a efectiva audição dos respectivos depoimentos, e os fundamentos indicados pelo julgador da 1ª instância e nos quais baseou as suas respostas, e que habilitem a Relação, em conjunto com outros elementos probatórios disponíveis, a concluir em sentido diverso, quanto aos concretos pontos de facto impugnados especificadamente pelo recorrente; Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida - que há de ser reanalisada pela Relação mediante a audição dos respetivos registos fonográficos -, deverá prevalecer a decisão proferida em 1ª instância, em observância dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso, nessa parte.”
Ou seja, a reapreciação da prova pela 2ª instância, não visa obter uma nova e diferente convicção, mas antes apreciar se a convicção do Tribunal a quo tem suporte razoável, à luz das regras da experiência comum e da lógica, atendendo aos elementos de prova que constam dos autos, aferindo-se, assim, se houve erro de julgamento na apreciação da prova e na decisão da matéria de facto.
De todo o modo, necessário se torna que os elementos de prova se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo recorrente, impondo, pois, decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, conforme a parte final da al. a) do nº 1 do artº 640º, do Código de Processo Civil.
Competirá assim, ao Tribunal da Relação reapreciar as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, atendendo ao conteúdo das alegações do recorrente, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Em suma, a este tribunal da Relação caberá apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de primeira instância, face aos elementos de prova considerados, sem prejuízo de, como supra referido, com base neles, formar a sua própria convicção.

Aqui chegados importa aos autos aferir se a recorrente que veio impugnar a decisão da matéria de facto, quanto a determinados pontos da matéria de facto provada e não provada, cumpriu os requisitos de ordem formal que permitem a este Tribunal apreciar aquela impugnação, a saber, se especifica, como a lei impõe, os concretos pontos da matéria de facto que pretende ver apreciada e os concretos meios probatórios que impunham decisão diversa para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada, indicando com exatidão as concretas passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso.

A este propósito, estabelece o artº 640º do Código de Processo Civil que:

“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição, do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

Da leitura do preceito atrás citado resulta que, sem embargo da arguição de nulidades da sentença que visem a matéria de facto, o recurso pode versar a impugnação da decisão da matéria de facto provada ou não provada, devendo o recorrente concretizar quer os segmentos que entende erradamente julgados, quer os meios de prova que determinam uma decisão diversa.
Como refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de outubro de 2015, in www.dgsi.pt “Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa-fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão”.
Também o Acórdão de 19 de fevereiro de 2015, daquele mesmo Tribunal, in www.dgsi.pt, refere que “(...), a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
(…)
Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no nº 1 do artigo 662º do CPC.
(…)
É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640º, nº 1, proémio, e nº 2, alínea a), do CPC”.
(…)
Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº 1 do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada”.
Como refere o recente Acordão desta Relação de Guimarães, de 30 de março de 2023, relatado pela Srª Desembargadora Fernanda Proença Fernandes, in www.dgsi.pt e que aqui de perto seguimos, “Com este novo regime, em contraposição com o anterior, pretendeu-se que fosse rejeitada a admissibilidade de recursos em que as partes se insurgem em abstracto contra a decisão da matéria de facto.
Nessa medida, o recorrente tem que especificar os exactos pontos que foram, no seu entender, erradamente decididos e indicar, também com precisão, o que entende que se dê como provado.
A imposição de tais indicações precisas ao recorrente, visou impedir “recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, restringindo-se a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente.” (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p.153)”.
A fim de evitar impugnações abstratas e genéricas da matéria de facto, incumbe ainda ao recorrente especificar os concretos meios de prova que entende serem determinantes para a impugnação de cada um dos factos que reputa erradamente decididos (neste sentido Dr Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2017, 4ª Edição, pág. 155),
Ou seja, ao recorrente que impugna a decisão da matéria de facto incumbe, quanto a cada um dos factos que entende ter sido erradamente decidido e pretende ver decidido de forma distinta, indicar, com detalhe, como se refere no último dos Acordãos citado, “(…) os meios de prova deficientemente valorados, criticar os mesmos e, discriminadamente, concluir pela resposta que deveria ter sido dada, evitando-se assim que sejam apresentados recursos inconsequentes, e sem fundamentação que possa ser apreciada e analisada.
Ou seja, não são admissíveis impugnações em bloco que avolumem num ou em vários conjuntos de factos diversos a referência à pertinente prova que motiva a pretendida alteração das decisões e que, na prática, se reconduzem a uma impugnação genérica, ainda que parcelar”.
Neste sentido decidiram os Acordãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de dezembro de 2017 e 5 de setembro de 2018, in www.dgsi.pt., quando, respetivamente, nos pontos II  e III - IV dos respetivos sumários referem que “II. Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.” (o primeiro) e “III - Limitando-se o impugnante a discorrer sobre os meios de prova carreados aos autos, sem a indicação/separação dos concretos meios de prova que, relativamente a cada um desses factos, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido, numa análise crítica dessa prova, não dá cumprimento ao ónus referido na al. b) do n.º 1 do art. 640.º do CPC”. e “IV - Ou seja, o apelante deve fazer corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos que fundou as mesmas, sob pena de se tornar inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre estes e aquelas.” (o segundo).
Acresce que incumbe, a quem pretende impugnar a decisão da matéria de facto, pondo em causa a convicção do Tribunal, sustentada na livre apreciação da prova e nas regras da experiência, em sede de motivação e conclusões, fazer uma análise crítica da prova, apresentando razões objectivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário, não sendo suficiente para o efeito a mera transcrição de excertos de alguns dos depoimentos prestados (neste sentido Acordão da Relação de Guimarães de 11 de julho de 2017, in www.dgsi.pt).
E a este ónus de impugnação, acresce o ónus de conclusão, previsto no nº 1 do artº 639º, do Código do Processo Civil, que estabelece que o “recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”, definindo-se assim o objecto do recurso.
Assim, nas conclusões cabe ao recorrente indicar, de forma resumida, através de proposições sintéticas, os fundamentos de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão, para que seja possível delimitar o objecto do recurso de forma clara, inteligível, concludente e rigorosa (neste sentido, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18 de junho de 2013, in www.dgsi.pt).
Aqui chegados, revertamos ao caso em crise.
Da leitura da motivação e das conclusões resulta ter a recorrente indicado quais os factos que pretendem impugnar, a saber, os itens 7 e 8 dos factos provados e 6 dos factos não provados, sendo certo que, daí resulta também a redacção que entende a recorrente, dever ser dada aos mesmos, a saber:
a)quanto aos itens itens 8 dos factos provados e o item 6 dos factos não provados, alega a requerente que “Embora sem relevância para o sentido da decisão, quanto ao facto dado como provado em 8 e no ponto 6 dos factos dados como não provados, deve ser retificada a data ali constante de 21.12.2001 para .../.../2001,por ser esta a data do casamento, conforme resulta da certidão constante dos autos e do facto nº 1 dado como provado”.
b)Por outro lado, quanto ao item 7 dos factos provados alega a mesma que ”aos factos dados como provados em 07 da douta sentença, deveria acrescer o valor da doação feita ao cabeça-de-casal, porque tal resulta da escritura de doação junta aos autos. Devendo constar dos factos provados que o valor dos bens doados pela CC ao cabeça de casal em 24/06/2004,ou seja o terreno onde estavam já erguidas as paredes daquela que viria a ser a casa da família (Rua ...) foi de € 15.064,49.(quinze mil e sessenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos). Pois tal valor é imprescindível, para descontar ao valor das benfeitorias que se vierem a apurar”.
Acontece que, lidas motivação e conclusão, somos levados a concluir não serem especificados os meios de prova constantes do processo que determinam decisão diversa quanto a cada aos factos vertidos sob os itens 8 dos factos provados e 6 dos não provados, não indicando com detalhe, quanto a cada um desses factos os meios de prova deficientemente valorados, e isto porque os mesmos são agrupados em dois blocos.
Na verdade, veio a recorrente impugnar aqueles factos sem indicação de qualquer meio de prova.
Ora, recaindo sobre a recorrente, sob pena de rejeição do recurso, o ónus de especificar, com precisão os concretos pontos da decisão que entende erradamente decididos (ficando assim delimitado o objecto do recurso), motivar tal recurso transcrevendo as passagens da gravação que reproduzem os meios de prova, ou a indicação das passagens da gravação (fundamentação) que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre cada um dos factos que impugna e ainda, indicar a solução alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação, a mesma não cumpriu, na integralidade tal ónus.
Efetivamente, como atrás se referiu, a recorrente não discorreu sobre qualquer meio de prova carreado aos autos que, apreciados criticamente, impunham uma resposta diferente da proferida pelo tribunal recorrido; não fez corresponder a cada uma das pretendidas alterações da matéria de facto o(s) segmento(s) dos depoimentos testemunhais e a parte concreta dos documentos em que fundou as mesmas, mas antes os apresentou em bloco, pretendendo assim deixar ao Tribunal de recurso a tarefa de, entre aqueles meios de prova, aferir o que se adequaria a cada um dos factos impugnados.
Com a forma de motivar e concluir apresentada, em sede de recurso, tornou a recorrente inviável o estabelecimento de uma concreta correlação entre cada um dos factos impugnados e os meios de prova que, conduzissem a distinta decisão de cada um dos factos.
Sendo jurisprudência pacífica, e que aderimos, a inexistência de convite ao aperfeiçoamento da alegação, no âmbito da impugnação da matéria de facto e considerando o que ficou exposto, entendemos que, no caso dos autos não se encontram reunidos os pressupostos de ordem formal para admitir a reapreciação da decisão da matéria de facto requerida, que assim se rejeita.

Já no que ao facto vertido sob o item 7, entendemos que a recorrente faz referência ao meio de prova, a saber, a escritura de doação junta aos autos de inventário, a 22 de maio de 2023, e da qual resulta ser o valor daquela de € 15.064,99.
Assim sendo, entendemos que, face a tal documento, não impugnado, de proceder, nesta parte a impugnação, passando o item 7 dos factos provados a ter a seguinte redação:

7.CC doou ao cc, em 24/6/2004, terreno onde estavam já erguidas as paredes daquela que viria a ser a casa da família, com o valor patrimonial de € 15.064,99.

Diga-se porém que, se em relação ao item 8 dos factos provados e 6 dos não provados, não respeitou a recorrente o triplo ónus da alegação, a verdade é que a mesma alegou em sede de reclamação, o seguinte:
“Não foi relacionado e deveriam tê-lo sido, as benfeitorias referentes às obras levadas a cabo no prédio urbano, composto por casa de rés –do- chão e ... andar com logradouro sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., o qual constituía a casa de morada da família, inscrito na respetiva matriz ...23, no valor patrimonial de €94.240,00 (doc. ...) e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...10 (doc. ...) pelo que reclama da omissão.
5.1. Como resulta dos autos, a requerente e o cabeça- de -casal casaram em .../.../2001, no regime de comunhão de adquiridos, e na pendência desse casamento, a Sra. CC, doou em 24.06.2004 ao seu filho DD, aqui cabeça de casal, um terreno onde estavam já erguidas as paredes daquela que viria a ser a casa de morada de família do ex-casal, o qual havia sido desanexado do prédio nº ...12. (vide AP. 19 da certidão do Registo Predial que se junta sob o doc. ...),
5.2 À data do casamento da requerente e do cabeça-de-casal, a obra no prédio urbano supra referido em 5, tinha o seguinte estado: pavimento térreo; paredes construídas em tijolo ainda por rebocar, com telhado e vãos de porta e janelas apenas delineadas nas respetivas paredes.
5.3 As obras realizadas no imóvel posteriormente ao casamento consistiram no seguinte: reboco das paredes; colocação do chão, colocação de portas, colocação de janelas, pintura, instalação elétrica; canalização de água, colocação de loiças nas casas de banho; equipar a cozinha e mobilar toda a casa.
(…)”.                                                 
Acresce que, resulta dos assentos de nascimento juntos a .../.../2022, os autos de inventário, que o casamento entre as partes teve lugar a 15 de dezembro de 2021.
Ou seja, do confronto do alegado e do documento junto aos autos resulta que se verificou um lapso de escrita nos itens referidos uma vez que a data dos mesmos constantes não tem qualquer relação com a realidade processual.
Assim sendo, entende-se corrigir tal lapso, passando os itens 8 dos factos provados e 6 dos não provados a ter a seguinte redação:

“8.Em .../.../2001 a obra tinha pavimento térreo, paredes em tijolo por rebocar, telhado, vãos de porta e janelas. (Rc52)
NP6. O valor das benfeitorias realizadas no prédio, após .../.../2001, será sempre num valor superior a 150.000,00 euros. (Rc57)”
*
IV. Do direito:

Conforme resulta dos autos, notificada da relação de bens apresentada veio a requerente da mesma reclamar arguindo não terem sido relacionadas as benfeitorias referentes às obras levadas a cabo no prédio urbano, composto por casa de rés –do- chão e ... andar com logradouro sito na Rua ..., no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., o qual constituía a casa de morada da família, inscrito na respetiva matriz ...23, no valor patrimonial de €94.240,00 (doc. ...) e descrito na Conservatória de Registo Predial ... sob o nº ...10.
Alega que a requerente e o cabeça-de-casal casaram em .../.../2001, no regime de comunhão de adquiridos, e na pendência desse casamento, a Sra. CC, doou em 24 de junho de 2004 ao seu filho DD, aqui cabeça de casal, um terreno onde estavam já erguidas as paredes daquela que viria a ser a casa de morada de família do ex-casal, o qual havia sido desanexado do prédio nº ...12. (vide AP. 19 da certidão do Registo Predial), sendo que, à data do casamento da requerente e do cabeça-de-casal, a obra no prédio urbano referido, tinha o seguinte estado: pavimento térreo; paredes construídas em tijolo ainda por rebocar, com telhado e vãos de porta e janelas apenas delineadas nas respetivas paredes.
As obras realizadas no imóvel posteriormente ao casamento consistiram no seguinte: reboco das paredes; colocação do chão, colocação de portas, colocação de janelas, pintura, instalação elétrica; canalização de água, colocação de loiças nas casas de banho; equipar a cozinha e mobilar toda a casa, sendo que, para concluir a edificação da referida moradia, foi necessário comprar materiais de construção e contratar trabalhadores especializados, designadamente, carpinteiro, pintor, eletricista, picheleiro etc.,
Para fazer face a todas as despesas com o acabamento da moradia, a requerente e o requerido usaram o produto do trabalho de ambos, e, contraíram em 2002 um financiamento bancário junto do Banco 1..., tendo ambos celebrado um mútuo no valor de € 30.000,00, já liquidado, que destinaram exclusivamente à conclusão das obras da casa que viria a ser a futura casa de morada de família.
A moradia tem um valor de mercado nunca inferior a € 300.000,00. A requerente desconhece qual o valor das benfeitorias realizadas no prédio após o casamento, mas serão sempre num valor superior a 150.000,00 euros e terão que ser incluídas na relação de bens, o direito (ilíquido) da requerente à compensação da sua parte no valor da benfeitoria, conforme o disposto nos artigos 1098º nº 1 al. c) do CPC, afim de se liquidar o respetivo valor através da competente avaliação, que infra se requer.
A mesma impugnou o valor dos bens atribuídos nas verbas nºs 1 a 11 da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, porquanto, em todos os casos os valores patrimoniais dos bens são muito superiores aos valores ali indicados, pelo que, a final se requer a respetiva avaliação por perito a designar pelo tribunal e impugnou o montante da divida de € 8.552,58 referida na verba nº 1 do passivo, porquanto o montante em dívida é muito inferior.

Notificado da reclamação veio o requerido sustentar a manutenção da relação apresentada.

O Tribunal a quo veio a decidir que:
“(…)
Comprovou-se a existência de gastos por banda do casal na conclusão das obras do n.200. Ignora-se o montante que despenderam, sabido que, aquando da doação (2004) já haviam sido iniciadas pela mãe do cc. A A é clara na pretensão «à compensação da sua parte no valor da benfeitoria» (59) constatando-se, todavia, face à exiguidade do alegado, a impossibilidade de ser atendida nos presentes.
Para que o titular (CC) do prédio beneficiado com as obras vir a compensar o património comum é indispensável quantificar os seguintes valores (1º) o do enriquecimento do proprietário do imóvel que é bem próprio, (2º) o do empobrecimento do património (comum) que custeou as obras. “… o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial … deve apenas restituir aquilo com que injustamente se acha enriquecido … diferença entre a situação real actual … e a situação em que se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada … este não pode receber mais do que a valorização do património do enriquecido, nem mais que a desvalorização sofrida no seu património. O objecto da restituição corresponde … ao menor desses dois limites” (RG, ac. 23-05-2019, S. Melo (R) p.257/17.8T8MNC.G1, in dgsi.pt).
Constata-se a inviabilidade de no presente incidente definir os referidos valores, quer os gastos efectuados (com meios comuns) com os melhoramentos da casa, quer o incremento consequente do valor do prédio onde foi erigida. Escapando às possibilidades de perito a resposta ao montante das despesas efectivamente realizadas, é inútil providenciar por qualquer avaliação.
Conclui-se pela conveniência de remeter os interessados, quanto às reclamadas benfeitorias, para os meios comuns (art. 1093º CPC).
O valor atribuído na relação está dependente da vontade dos interessados (licitação em conferência) e a reclamante não aponta qualquer valor alternativo, sendo inútil proceder a qualquer esforço de avaliação independente.
(…)
Decisão
(…)
2º. Quanto a benfeitorias (obras do n.200) e ... remetemos as partes para os meios comuns”.

A apelante conclui, em sede de recurso que, descreveu as benfeitorias realizadas no prédio, quer antes quer depois do casamento entre os interessados, sendo que os factos provados reproduzem na integra as benfeitorias descritas na reclamação à relação de bens, à excepção do valor das mesmas, pelo que as obras /benfeitorias constantes dos factos provados de 8 a 13 deveriam ser relacionadas, não se remetendo, como fez o Tribunal a quo, as partes para os meios comuns por se entender inviável a determinação do valor das obras efetuadas.

Vejamos.
Resulta do disposto no artº 1092º do Código de Processo Civil que:
“1.Sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância:
(…)
b)Se, na pendência do inventário, se suscitarem questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;
(…)”
Resulta do nº 2 daquele mesmo preceito legal que “No caso previsto na alínea b) do número anterior, o juiz remete as partes para os meios comuns, logo que se mostrem relacionados os bens”.
Conforme referem os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Vol II, Almedina, pág. 542 e 543, Este artigo cura da interferência na marcha do inventário de ações pendentes e da necessidade de suspender a instância com fundamento na discussão externa de questões prejudiciais respeitantes à admissibilidade do inventário ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha.”
Por outro lado, a título excepcional, prevê o artº 1093º do Código de Processo Civil igualmente a possibilidade de, oficiosamente ou a requerimento de qualquer interessado, o processo de inventário ser suspenso, com a consequente remessa dos interessados para os meios comuns, no caso de se verificar alguma questão que não diga respeito à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados directos na partilha, mas cuja complexidade da matéria de facto torne inconveniente que a mesma seja apreciada no processo de inventário, por implicar redução das garantias das partes, e o juiz entenda que essa questão é susceptível de afectar, de forma significativa, a utilidade prática da partilha.
Como resulta da decisão em crise que já atrás se reproduziu “Conclui-se pela conveniência de remeter os interessados, quanto às reclamadas benfeitorias, para os meios comuns (art. 1093º CPC)”.

Ou seja, o recorrente entende que a matéria referente às benfeitorias não reveste uma especial complexidade, e que a insuficiência de prova não constitui fundamento para que determinada questão não seja apreciada em sede de inventário ao concluir, como concluiu, em sede de recurso não concordar com a fundamentação da decisão de remessa para os meios comuns, pois é possível determinar o valor das benfeitorias, através da avaliação requerida e que foi indeferida.
Assim, terá a solução de emergir do disposto nos artsº 1092º e 1093º do Código de Processo Civil, que vieram a ser aditados pela L.117/2019, de 13 de setembro, com entrada em vigor em 1 de janeiro de 2020 e já atrás reproduzidos.
Desde já se diga, que ao caso em crise não tem aplicação o disposto no artº 1092º do Código de Processo Civil e isto porque a questão sobre a qual o Tribunal recorrido disse que pela sua complexidade deveria ser remetida para os meios comuns, não é uma questão prejudicial. Na verdade, as questões prejudiciais são aquelas prévias ao que se discute no inventário e que podem interferir com os direitos das partes, ou seja, são questões estranhas ao conteúdo normal do processo de inventário, mas que podem influenciar decisivamente a partilha.
Encontrando-se em discussão, neste incidente, a determinação do valor de alguns bens não relacionados pelo cabeça de casal e que em sede de decisão se deram como existentes, a saber a título de benfeitorias realizadas em prédio relacionado, as seguintes obras: reboco das paredes, colocação do chão, portas e janelas e loiças, pintura, instalação eléctrica, canalização, equipamento da cozinha e mobília, é esta, pelo contrário, uma questão que tipicamente tem a sua sede no processo de inventário.
E não é prejudicial uma vez que é uma questão pertencente a este processo, sendo neste processo que a mesma tem sentido e, assim sendo, devendo no processo de inventário ser dirimida. Diga-se que a mesma faz parte da tramitação normal do processo de inventário, sendo questão deste integrante.
Como referem, a pág 547, na obra atrás citada, os Drs Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa “Qualquer questão relacionada com a admissibilidade do processo de inventário ou com a definição de direitos de interessados directos na partilha terá de ser decidida no próprio processo. Embora deva ou possa ser determinada a suspensão da instância, nos termos do art. 1092º, os interessados não podem ser remetidos para os meios comuns quanto a tais questões, que são imanentes ao próprio processo de inventário”.
Ora, como se refere no Acordão da Relação de Guimarães de 9 de fevereiro de 2023, relatado pelo Sr Desembargador Afonso Cabral de Andrade, in www.dgsi.pt, “Esta é a regra.
Mas como sempre no mundo do Direito, não há regra sem excepções.
E os mesmos autores explicam: “todavia, podem suscitar-se no âmbito do processo de inventário questões de outra natureza, designadamente conexas com os bens relacionados e/ou com direitos de terceiros para cuja resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário (cfr. art. 1091º,1, quando remete para o regime dos incidentes da instância), cuja tramitação difere substancialmente da prevista para o processo comum ou para outros processos especiais. Nestas situações, embora a apreciação de tais questões não seja excluída em absoluto do processo de inventário, segundo a regra geral do art. 91º,1, o litígio pode envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, podendo justificar a remessa dos interessados para os meios comuns. Destacam-se os casos em que para a apreciação das questões se revele inadequada a tramitação do processo de inventário para assegurar as garantias dos interessados, tendo em conta designadamente as restrições probatórias ou a menor solenidade associada a uma tramitação de cariz incidental. Tal poderá ocorrer, por exemplo, quando esteja em discussão a área ou os limites de um imóvel envolvendo divergências com terceiros, a arguição da invalidade da venda de bens relacionados no processo de inventário, a invocação por parte de terceiro ou de um herdeiro, da aquisição por usucapião de um bem relacionado (cf. nº 5 do art. 1105º), a alegação da acessão industrial imobiliária sobre um imóvel relacionado (cf. art. 1339º CC) ou a dedução de um crédito ou de uma dívida da herança relacionada com a realização de benfeitorias”.
E, mais adiante: “a opção de remessa para os meios comuns não pode ser orientada por meras razões de comodidade ou de facilitismos, apenas se justifica quando, estando unicamente em causa a complexidade da matéria de facto, a tramitação do inventário se revele inadequada, por implicar, designadamente, uma efectiva redução das garantias dos interessados, por comparação com o que pode ser alcançado através dos meios comuns”.
Este é o quadro legal”.

Importa agora aferir se, como decidiu o Tribunal a quo, se constata a inviabilidade de no incidente de reclamação se definir os referidos valores, quer os gastos efectuados (com meios comuns) com os melhoramentos da casa, quer o incremento consequente do valor do prédio onde foi erigida. Escapando às possibilidades de perito a resposta ao montante das despesas efectivamente realizadas, é inútil providenciar por qualquer avaliação e como tal, se mostra conveniente remeter, nos termos do artº1093º do Código de Processo Civil, os interessados, quanto às reclamadas benfeitorias, para os meios comuns.
Diga-se que a formulação usada em sede de decisão foi de “conveniência” e não de “complexidade”.
Ora, encontrava-se em discussão saber se tinham sido omitidas na relação de bens as benfeitorias alegadas pela reclamante, realizadas no prédio doado e o valor das mesmas.
As “benfeitorias” em causa consistiam em obras variadas, como reboco das paredes, colocação do chão, portas e janelas e loiças, pintura, instalação eléctrica, canalização, equipamento da cozinha e mobília, sendo certo que, face à prova produzida, entendeu o Tribunal a quo, dar como provadas as mesmas.
Por apurar ficou apenas o valor daquelas benfeitorias, sendo certo que, para o efeito, requereu a reclamante uma perícia, perícia indeferida porquanto se entendeu que, como já atrás se referiu “Para que o titular (CC) do prédio beneficiado com as obras vir a compensar o património comum é indispensável quantificar os seguintes valores (1º) o do enriquecimento do proprietário do imóvel que é bem próprio, (2º) o do empobrecimento do património (comum) que custeou as obras. “… o beneficiado não é obrigado a restituir todo o objecto da deslocação patrimonial … deve apenas restituir aquilo com que injustamente se acha enriquecido … diferença entre a situação real actual … e a situação em que se encontraria se não fosse a deslocação patrimonial operada … este não pode receber mais do que a valorização do património do enriquecido, nem mais que a desvalorização sofrida no seu património. O objecto da restituição corresponde … ao menor desses dois limites” (RG, ac. 23-05-2019, S. Melo (R) p.257/17.8T8MNC.G1, in dgsi.pt).
Constata-se a inviabilidade de no presente incidente definir os referidos valores, quer os gastos efectuados (com meios comuns) com os melhoramentos da casa, quer o incremento consequente do valor do prédio onde foi erigida. Escapando às possibilidades de perito a resposta ao montante das despesas efectivamente realizadas, é inútil providenciar por qualquer avaliação”.
Ora, salvo o devido respeito por contrária opinião, encontradas que estão as benfeitorias realizadas no prédio em causa, apenas interessará, determinar o valor das mesmas, sendo certo que, a perícia será o meio adequado á determinação daquele.
Diga-se que, realizado todo o trabalho probatório – a inquirição de testemunhas – não se entende porque se limita o Tribunal a uma não decisão, remetendo para os meios comuns as partes, podendo, face aos factos apurados neste incidente – as benfeitorias levadas a cabo – dar origem a uma ação que visa apenas conhecer do valor das mesmas.
Recorrendo ao Acordão desta Relação, atrás citado e que vimos seguindo de perto, “Fazendo aqui apelo aos conceitos que analisámos supra, estas questões não são de molde a que para a sua resolução se revelem inadequados os constrangimentos inerentes ao processo de inventário. Também não cremos que se trate de um problema de o litígio envolver larga indagação fáctica ou a produção demorada de meios de prova, pois já vimos a prova que foi produzida sobre tal questão. Aliás, ainda se poderia compreender que a decisão de remessa para os meios comuns fosse tomada antes da produção de qualquer prova, por a dimensão da tarefa probatória se apresentar como ciclópica. Mas já é de muito difícil aceitação que tal decisão seja tomada depois de toda a prova ter sido produzida. Pode-se dizer que estamos perante um atentado ao princípio da economia processual”.
Sempre se dirá que, ao contrário do caso referido no citado acordão, nos presentes autos não foi produzida toda a prova pois, se indeferiu a realização da perícia.
Diga-se que, com todo o respeito pela decisão em causa, não ficamos convencidos com as razões invocadas pelo Tribunal a quo.
Efetivamente, e conforme já atrás se referiu, provado ficou que:
“9.Após essa data foram realizadas obras: reboco das paredes, colocação do chão, portas e janelas e loiças, pintura, instalação eléctrica, canalização, equipamento da cozinha e mobília. (Rc 53)
10 Para as obras foram comprados materiais e contratados trabalhadores. (Rc54)
11 A e cc pediram empréstimo de €30.000 para as obras. (Rc55)
12 As obras foram concluídas. (Rc56)
13 A e o CC nelas aplicaram rendimentos do trabalho de ambos em despesas com o acabamento da moradia. (Rc55)”.
Ou seja, face à prova produzida, conseguiu a reclamante demonstrar a existência de benfeitorias, a saber, as indicadas no item 9 dos factos provados, bem como os meios nela aplicados.
Diga-se que a questão de “maior complexidade”, a saber, as obras realizadas no prédio, ficou demonstrada, faltando apenas a avaliação daquelas mesmas obras, o que se poderá atingir através da requerida perícia.
Diga-se pois que a questão a decidir, ou seja, os valores das obras realizadas e demonstradas, não se afigurar de particular complexidade que justifique a remessa de tal questão dos presentes autos.
Nestes termos entendemos procedente o recurso.
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V. Decisão:

Nestes termos, acordam os Juizes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o recurso totalmente procedente, e em consequência revoga a decisão recorrida, determinando que:

a) se altere nos termos expostos a redação dada aos itens 7 e 8 dos factos provados e 6 dos factos não provados;
b) se faça constar da relação de bens as benfeitorias que sob os itens da matéria de facto provada se deram como realizadas;
b) se ordene a realização da perícia a fim de se aferir do valor daquelas obras realizadas.
 
Custas pela recorrida.

Guimarães, 1 de fevereiro de 2024

Relatora Margarida Pinto Gomes
Maria Amália Santos
Maria Conceição Sampaio