Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3569/20.0T8GMR-A.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: PEDIDO RECONVENCIONAL
PRESTAÇÃO DE CONTAS
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/18/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

1. Para enxertar no processo comum um pedido reconvencional a que corresponda o processo especial de prestação de contas tem que se encontrar ou interesse sério e de relevo que o justifique ou a sua indispensabilidade para obter uma decisão justa, nos termos do artigo 37º nº 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 266º nº 3 do mesmo diploma.
2. A compensação, que é um dos modos de operar a extinção de créditos, não opera automaticamente: tem que ser precedida da expressão da vontade nesse sentido de uma das partes à outra e essa declaração de vontade é ineficaz se for feita sob condição, como dispõe o artigo 848º, nºs 1 e 2 do Código Civil.
3. Por isso, é impossível invocar validamente a compensação sem se reconhecer o crédito que se quer ver compensado.
4. Em consequência, não é admissível a formulação de pedidos reconvencionais com fundamento na compensação do crédito do Autor se este é negado pelo reconvinte, mesmo que formulado subsidiariamente, para o caso do crédito exigido pelo Autor vir a demonstrar-se.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

Autoras, Apelantes e Apeladas:

1-A. M., NIF ………, viúva, residente na Rua … Ermesinde;
2-I. M., NIF ………, casada, residente em .., Rue …, França;

Rés, Apelantes e Apeladas:
1-A. C., solteira, maior; e
2-M. F., solteira, maior,
Ambas residentes na Rua … Fafe

Autos de: ação declarativa de condenação com processo comum

I - Relatório

As Autoras, na sua petição inicial, pediram que as Rés sejam condenadas, solidariamente, a pagar diversas quantias, que assim especificam:

a) em relação aos juros correspondentes ao montante sonegado, 141.291.49€, as RR. devem às AA., a título de juros o montante de 84.918,12€;
b) Ou, se assim não se entender, o que não se concebe nem concede, a título subsidiário, devem as Rés ser condenadas a pagar às AA. o montante que auferiram de juros de tais quantias, desde 23.04.2003 até 28.04.2018, a liquidar em momento posterior ou em liquidação de sentença;
c) A quantia de 56.931,86€, sendo 32.735,83€ devidos à A. I. M. e 24.196,03€ devidos à A. A. M., correspondente às suas quotas partes na dita herança;
d) a título subsidiário, devem as Rés ser condenadas a pagar às AA. o montante, correspondente às suas quotas partes da herança, que auferiram de juros de tais quantias, desde a 23.04.2003 até 28.04.2018.
e) Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, deve:
f) Ser declarado e reconhecido que os rendimentos (juros) provenientes da manutenção das quantias acima aludidas traduzem um enriquecimento injusto e sem causa destas, à custa do empobrecimento da herança e das AA;
g) Serem as Rés condenadas a reconhecer tal empobrecimento e a pagar solidariamente às AA.:
1) em relação aos juros correspondentes ao montante sonegado, 141.291.49€, as RR. devem às AA., a título de juros o montante de 84.740,00€;
2) Ou, se assim não se entender, o que não se concebe nem concede, a título subsidiário, devem as Rés ser condenadas a pagar às AA. o montante que auferiram de juros de tais quantias, desde a 23.04.2003 até 28.04.2018, a liquidar em momento posterior ou em liquidação de sentença;
3) A quantia de 56.931,86€, sendo 32.735,83€ devidos à A. I. M. e 24.196,03€ devidos à A. A. M., correspondente às suas quotas partes na dita herança;
4) Ou, se assim não se entender, o que não se concebe nem concede, a título subsidiário, devem as Rés ser condenadas a pagar às AA. o montante, correspondente às suas quotas partes da herança, que auferiram de juros de tais quantias, desde a 23.04.2003 até 30.05.2018, a liquidar em momento posterior ou em liquidação de sentença”.

Alegam, em síntese, que correram termos uns autos de inventário para partilha dos bens por óbito do pai da 2ª Autora e das Rés, que veio a ser cumulado com o da sua mulher, mãe de todas as partes. Na sequência dessa cumulação, o Tribunal acabou por ordenar a relacionação das quantias de € 103.352,94 e de € 37.938,55, depositadas em conta poupança, titulada pelas Rés; no incidente de sonegação de bens, entretanto instaurado, foi declarada a perda das aqui Rés à sua quota parte desses bens em benefício das co-herdeiras, pelo que as Rés mantiveram aquele montante total de € 141.291,49 na sua posse, desde 23 de abril de 2003, até à data do arrolamento efetuado em 24 de abril de 2018, usufruindo dos respetivos juros. As Rés também se apoderaram da quantia de € 330.000,00 em 19 de dezembro de 2003 (bem sabendo que a mesma não lhes pertencia), a qual posteriormente acabou por ser incluída, pela 1ª Ré (então cabeça de casal) na relação de bens. Contudo, as Rés mantiveram tal quantia em seu poder até 30 de maio de 2019, a render juros, sem nunca darem disso conhecimento às Autoras.
As Rés contestaram, impugnando e excecionando e deduziram reconvenção.
Além de outras, invocaram a exceção da prescrição dos juros reclamados e vencidos há mais de cinco anos, nos termos do disposto no artigo 310º, alínea d), do Código Civil.
Pediram a condenação da 1ª Autora “a pagar às RR. a quantia de € 18.118,45 e a 2.ª A. condenada a pagar às RR. a quantia de €28.478,07, todas acrescidas de juros de mora à taxa legal prevista para as obrigações de natureza civil, contados desde a data da notificação, até efetivo e integral pagamento.”
Para tanto e em síntese, alegaram que, no inventário, apresentaram despesas que tiveram com um processo de indemnização que foi objeto dessa partilha, as quais não foram reconhecidas pelas Autoras; mais tiveram despesas com a administração da herança: funeral, sepultura, missas, benfeitorias e despesas de conservação, seguros e impostos relativos aos bens da herança. Ainda alegaram terem suportado despesas durante da vida da inventariada e relativas ao seu sustento e com processos no seu interesse.
Houve réplica que concluiu pela improcedência da reconvenção.

Foi proferida decisão que anteriormente à audiência prévia, decidiu:

a) julgar improcedente o erro na forma de processo e a incompetência material excecionadas pelas Rés;
b) julgar inadmissível a reconvenção na parte em que as Rés peticionam a quantia total de € 33.886,50 (trinta e três mil, oitocentos e oitenta e seis euros e cinquenta cêntimos), referente à eletricidade consumida no período entre janeiro de 2003 e 4 de abril de 2003, às despesas relativas ao alojamento, alimentação, vestuário, cuidados de saúde e aquecimento da inventariada O. R. e às custas processuais decorrentes do processo de interdição daquela;
c) no mais, julgar verificado o erro na forma de processo do processo e a incompetência material do Tribunal para o conhecimento do mérito relativamente ao restante segmento do pedido reconvencional e, vista a impossibilidade de aproveitamento dos atos praticados, absolver as Autoras da respetiva instância reconvencional;
d) em decorrência, condenar as Rés nas custas do pedido reconvencional.

Mais foi julgado, em tal decisão, de mérito, o que foi objeto de recurso das Autoras, como infra também se verá:

--- julgar procedente a excecionada prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos, absolvendo as Rés do pedido na parte referente aos juros que auferiram desde 23 de abril de 2003 até 30 de julho de 2015.
*
As Rés reconvintes recorreram da absolvição da instância das Autoras, quanto à totalidade do pedido reconvencional.

Apresentaram, para tanto, as seguintes
conclusões:
“I – Os bens comuns do casal pertencem a ambos os cônjuges, em comunhão conjugal, sendo o cônjuge sobrevivo titular da meação e herdeiro do outro cônjuge.
II – Pelo que, a herança do primeiro a falecer é apenas de metade dos bens da herança.
III – A partilha dos bens da herança pela totalidade dos bens existentes à data do óbito do falecimento do primeiro cônjuge e a remessa para os meios comuns dos encargos da herança, dos gastos do património do cônjuge sobrevivo e das despesas com a administração das heranças é fundamental para as RR demandarem as AA para compensação dos seus créditos.
IV – A reconvenção para compensação de créditos, nos termos da al. c) do nº 2 do art. 266 do CPC não depende da verificação do requisito da al. a) do mesmo nº 2 do citado art. 266º
V – A reconvenção deduzida pelas RR pretende obter a compensação e apuramento do saldo restante da dívida das AA às RR e tem como fundamento legal a obrigação das RR, como sucessoras e herdeiras, pagarem pelos bens recebidos na partilha dos encargos, dívidas e despesas das heranças.
VI – Não existindo também incompetência material do tribunal, nem erro na forma do processo.”

As Autoras interpuseram recurso da parte da decisão que julgou procedente a prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos, absolvendo as Rés do pedido na parte referente aos juros que auferiram desde 23 de abril de 2003 até 30 de julho de 2015. Para tanto, apresentaram as seguintes
conclusões:
“A-) A configuração da ação intentada pelas recorrentes, decorre do facto de as recorridas se terem apossado de duas quantias que pertenciam à herança aberta por óbito de J. C. e de O. R., uma no montante de 330.000,00€ e outra de 141.291,49€, e de as terem utilizado como se lhes pertencessem;
B-) No caso do montante de 141.291,49€, foram mesmo condenadas por sonegação de bens e viram-se privadas de nessa parte participar na partilha;
C-) As recorridas tiveram na sua posse quer aquele montante de 330.000,00€, que foi na partilha distribuído em função dos respetivos quinhões hereditários e bem assim aquele montante de 141.291,49€, que na partilha foi distribuído na sua totalidade e em função dos respetivos quinhões hereditárias, apenas pelas recorrentes;
D-) Os frutos destes montantes, foram ilegalmente apropriados pelas recorridas, que as mantiveram na sua posse desde o falecimento do J. C. – 23/04/2003, não tendo pago, até ao momento, a parte correspondente, dos juros percebidos desses montantes, às recorrentes.
E-) Entendeu o Mto. Juiz “a quo”, que as recorrentes têm direito a perceber os juros de tais quantias, porém, apenas os correspondentes aos últimos 5 anos, por entender que os que se venceram entre 23 de abril de 2003 e 30 de julho de 2015, se encontram prescritos, por força do disposto no artigo 310º, alínea d), do Código Civil;
F-) No caso dos presentes autos, do que estamos a falar é dos frutos que aquele dinheiro teria gerado se estivesse aplicado em nome da herança, como devia;
G-) O que ocorreu foi uma utilização indevida de tais montantes, aliás elevadíssimos montantes, 330.000,00€ e 141.291,40€, sendo que no que respeita a este último, até foi julgada a sonegação de bens, por parte das recorridas, que nessa parte ficaram privadas de quinhoar;
H-) As recorridas, na posse de tais quantias, tinham que as ter aplicado, sendo que aquando da partilha, o montante a partilhar, seria o que resultasse das respetivas contas bancárias;
I-) As recorridas, ao invés, apossaram-se de tais montantes, como se fossem seus e fizeram a sua gestão, como muito bem entenderam;
J-) Devem pois, ressarcir as recorrentes da parte correspondente aos frutos que de tais montantes teriam advindo para a herança e, na proporção dos respetivos quinhões, para as recorrentes, se os mesmos tivessem sido aplicados e concomitantemente tivessem gerado os respetivos frutos (juros);
K-) Não ocorreu a prescrição a que alude o artigo 310º, alínea d) do Código Civil, pelo que as recorridas devem ser condenadas a pagar os juros peticionados, desde 23 de abril de 2003 e até efetivo e integral pagamento;
L-) Assim, a douta decisão recorrida viola, entre outras, a norma ínsita no artigo 310º, alínea d) do Código Civil.

Nestes termos e nos melhores de direito, a suprir por Vªs Exªs, Venerandos Desembargadores, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser, o Douto Despacho recorrido revogado e substituído por outro que considere que não ocorre a prescrição constante do artigo310º, alínea d) do Código Civil, com as legais consequências.”

As Rés Recorridas contra-alegaram, formulando as seguintes
conclusões:

“I – A “detenção ilícita” de valores ou “manutenção ilegal na posse”, só pode gerar indemnização de juros;
II - Os juros legais prescrevem no prazo de cinco anos;
III – A sentença recorrida não violou o artigo 310º, alínea d-), do Código Civil.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se, nesta parte, a decisão recorrida.”

II - Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar, por ordem lógica, começando pelas que precludem ou contendem com as demais questões:

1—se a reconvenção deve ser admitida;
2-- se operou a prescrição prevista no artigo 310º alínea d) do Código Civil.

III - Fundamentação de Facto

Já foi supra descrita a matéria factual processual necessária para a decisão do presente recurso.

*
IV- Fundamentação de Direito

A---Do recurso interposto pelas Rés

O despacho em recurso, quanto aos encargos com a administração da herança, já depois da morte do primeiro inventariado verificou a exceção do erro na forma do processo, por dever seguir a prestação de contas, para o qual o tribunal a quo não tem competência.
Quanto aos créditos provenientes das despesas com o sustento da sua mãe (e de uma das Autoras), conclui que falta a devida conexão exigida pelo artigo 266º do Código de Processo Civil, nomeadamente por não estar em causa a compensação de créditos, por não peticionada, nem se verificar o requisito da reciprocidade.

1- Da reconvenção

A admissibilidade da reconvenção depende da verificação dos pressupostos processuais (e, bem assim que o processo a comporte, sem com isto se tomar posição sobre a sua admissibilidade nos processos de ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, por extravasar a matéria em debate), a que se somam os requisitos substantivos previstos no nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil.
Quanto à competência para as questões reconvencionais, afirma o artigo 93º do Código de Processo Civil: o tribunal da ação é competente para as questões deduzidas por via de reconvenção, desde que tenha competência para elas em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia; se a não tiver, é o reconvindo absolvido da instância.
Ainda com mais relevo neste caso, há que ver que nos termos do nº 3 do artigo 266º do Código de Processo Civil, caso o processo em que é deduzida a reconvenção e o pedido reconvencional não devam seguir a mesma forma de processo, também não é possível a reconvenção, exceto se o juiz a autorizar, caso a tramitação não seja manifestamente incompatível e nela haja interesse relevante ou a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio, como decorre da remissão para o nº 2 do artigo 37º do mesmo diploma.
Por seu turno, a todos os pressupostos processuais supra mencionados, somam-se requisitos materiais, que, se não se mostrarem verificados, implicam a sua rejeição.
Estão previstos nas diversas alíneas do artigo 266º nº 2 do Código de Processo Civil.
Na alínea a) exige-se que o pedido reconvencional se funde no facto jurídico que serve de fundamento à ação ou à defesa. A alínea b) prevê a admissibilidade do pedido para tornar efetivo o direito a benfeitorias ou a despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; a alínea c) incide sobre a compensação e a alínea d) refere as situações em que o pedido do réu tende a conseguir, em seu beneficio, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter.
Iniciemos a análise pela verificação dos

---pressupostos processuais.

A sentença salienta que não se verificam os pressupostos processuais que permitem a dedução do primeiro pedido reconvencional, por diferença na forma do processo e incompetência do tribunal.
Como se viu, o primeiro pedido traduz-se na exigência das “despesas/encargos” que “foram suportadas pelas RR. por conta e na administração da herança” (artigo 38º da contestação).
É objetivo da ação especial de prestação de contas proceder ao apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se. Assim, é pressuposto desta ação que exista alguém que administre bens alheios, com o dever de apresentar as respetivas contas.
A obrigação de prestar contas «tem lugar todas as vezes que alguém trate de negócios alheios ou de negócios, ao mesmo tempo, alheios e próprios. Umas vezes, é a própria lei que impõe expressamente tal obrigação; noutras, o dever de apresentar contas resulta de negócio jurídico ou do princípio geral da boa-fé. Por consequência, a fonte da administração que gera a obrigação de prestar contas não releva; o que importa é o facto da administração de bens alheios, seja qual for a sua fonte» (cf. VAZ SERRA, Scientia Iuridica, vol. XVIII, 115).
A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal (artigo 2079º do Código Civil). Objeto desta administração são os bens próprios do falecido e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal (artigo 2087º do Código Civil).
O cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente. Nas contas entram como despesas ou rendimentos, entregues pelo cabeça-de-casal aos herdeiros ou ao cônjuge meeiro nos termos do artigo anterior, e bem assim o juro do que haja gasto à sua custa na satisfação de encargos da administração. Havendo saldo positivo, é distribuído pelos interessados, segundo o seu direito, depois de deduzida a quantia necessária para os encargos do novo ano (artigo 2093º do Código Civil).
As contas da administração da herança devem ser prestadas por apenso ao processo de inventário, se respeitarem ao período temporal em que, após a nomeação para o exercício desse cargo, administrou os bens da herança; se disserem respeito a outro período, apesar de também terem que ser prestadas, devem sê-lo em processo de prestação de contas, mas autónomo. Tal resulta do disposto no artigo 947º do Código de Processo Civil: “As contas a prestar por representantes legais de incapazes, pelo cabeça de casal e por administrador ou depositário judicialmente nomeados são prestadas por dependência do processo em que a nomeação haja sido feita”.
Assim, dúvidas se não colocam que o processo adequado para as Rés exercerem o invocado direito a receber as despesas e encargos que afirmam ter tido com a administração da herança é o processo de prestação de contas.
Cai-se, assim, na previsão do nº 3 do artigo 266º do Código de Processo Civil, havendo que verificar se a tramitação não é manifestamente incompatível e se há algum interesse relevante na cumulação ou se a apreciação conjunta das pretensões é indispensável para a justa composição do litígio (nº 2 do artigo 37º do Código de Processo Civil).
O processo de prestação de contas tem especialidades de relevo face ao processo comum, nomeadamente quanto à sua exibição: devem ser apresentadas sob a forma de conta-corrente, especificando-se a proveniência das receitas e a aplicação das despesas, bem como o respetivo saldo. Por outro lado, o julgamento das mesmas está sujeito a regras que adaptam o princípio da livre apreciação das provas às questões em apreço “O juiz ordena a realização de todas as diligências indispensáveis, decidindo segundo o seu prudente arbítrio e as regras da experiência, podendo considerar justificadas sem documentos as verbas de receita ou de despesa em que não é costume exigi-los.”, diz o artigo 945º nº 1 do Código Civil.
Os processos de prestação de contas, tantas vezes baseados em muitas e pequenas parcelas, embora não sejam, muitas vezes, juridicamente complexos, acabam por ter grande demora pelo número de frações em causa e a sua estrutura, comportando duas sentenças, no caso de a obrigação de prestação de contas ser impugnada. A sua matéria não é, definitivamente, propícia para ser julgada num processo comum, sendo bom de ver que não só tal matéria tem vantagem em ser discutido no processo com a forma que foi especialmente desenhada para si, como trará em regra trará entraves ao processo comum. Por isso, embora se não possa perentoriamente dizer que os regimes são totalmente incompatíveis, pode concluir-se que só interesses de monta poderiam justificar a reconvenção.
Ora, no presente caso não se verifica particular interesse em que este invocados créditos sejam discutidos simultaneamente com o que foi objeto do pedido, porquanto, na perspetiva das Rés, que formularam o pedido, porque negam a totalidade do crédito invocado pelas Autoras, acabam por nada ter a compensar, não querendo opor qualquer exceção perentória, apenas pretendendo a verificação de um crédito, o que podem fazer autonomamente, caso mantenham o seu interesse, em processo adequado ao fim que desejam.
A cumulação tão pouco se justifica para obter uma justa composição do litigio, por estarem em causa questões díspares, fundadas em diferentes factos: a eventual perda dos frutos da quantia que as Rés sonegaram à herança que as Autoras afirmam ter direito a serem ressarcidas pouco tem a ver com despesas ou encargos que as Rés teriam assumido na gestão dos bens da herança.
Os créditos que as Rés invocam podem ser exigidos fora deste processo, e não se prevê, que, caso logrem a condenação da parte contrária, corram o risco de ficar prejudicadas com a insolvência das devedoras reconvindas, por apenas terem exigido os seus créditos na contestação desta ação (até há indícios do contrário, atenta a herança que terão recebido). Também não se verificam particulares despesas ou dificuldades que o processo de pagamentos dos créditos possa trazer às partes.
Assim, atenta a negação do crédito das Autoras, nada justifica que seja superada a diversidade de forma de processo.
Em consequência, mostra-se impossível a dedução da reconvenção com base no referido saldo da administração de bens da herança, por ocorrer erro na forma do processo, havendo que confirmar a decisão sob recurso neste aspeto.

2- Da compensação

A compensação é uma forma de obter a extinção de uma obrigação, uma vez que se evita pagamentos recíprocos, tal como é uma forma de garantir o pagamento, prevenindo-se a insolvência da outra parte.
A questão do exercício da compensação em sede de reconvenção tem levantado, ao longo dos tempos e atualmente, um conjunto de questões doutrinais e jurisprudenciais muito amplo, que tem como pano de fundo o fundamento desta figura, a que se contrapõem as suas consequências processuais.
Pretende-se ao possibilitar a reconvenção com a invocação da compensação, igualar a posição dos demandados e demandantes, quando são entre si mutuamente credores, para verem as dívidas simultaneamente extintas, sem benefício do que a exigiu primeiro, nomeadamente quanto ao risco de insolvência da contraparte (embora na instância reconvencional o reconvindo não possa já deduzir reconvenção).
Quando duas pessoas estão obrigadas uma para com a outra, os dois débitos extinguem-se pela quantidade correspondente, pelo que pode operar a compensação. No entanto, como se verá a mesma não é, na nossa lei, de funcionamento automático, exige uma declaração de vontade nesse sentido.
A admissibilidade da livre invocação da compensação do crédito exigido, com outro, com causa de pedir totalmente distinta e que se pode até mostrar ilíquido, nem estar ainda determinado, em sede de reconvenção fundada em factos estranhos aos autos, traz, muitas vezes, demora e complexidade para os autos.
É sabido, que tal reconvenção, com uma segunda (ou mais) causas de pedir pode dificultar, muitas vezes sobremaneira e deliberadamente, o exercício do direito pelo Autor (por isso se discutindo também a sua admissibilidade e tratamento nos processos que na sua regulamentação apenas admitem dois articulados e a possibilidade de operar a compensação com a invocação de crédito não traduzido em título executivo na oposição à execução).
Têm, assim, sido colocados um conjunto de requisitos, ora formais, ora processuais (como a forma do processo supra verificada) que não permitem que o Réu traga aos autos a discussão de um qualquer crédito com fundamento num direito à compensação.
É sabido que a compensação é uma forma de extinção das obrigações. Como explica o nº 1 do art 847º do Código Civil aquele que for simultaneamente credor e devedor de outrem, pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação do seu credor, verificadas determinadas circunstâncias.
A compensação não opera automaticamente, tem que ser potestativa: depende de uma declaração de vontade do autor da compensação.

Para que a compensação poder operar têm que se verificar os seguintes pressupostos:

.a) a existência de uma declaração de compensação (artigo 848º nº 1 e 2 do Código de Processo Civil);
.b) a reciprocidade dos créditos (artigo 851º do Código Civil);
. c) que o crédito seja judicialmente exigível (artigo 847º nº 1, alínea a ) do Código Civil);
.d) que as obrigações em causa sejam fungíveis e homogéneas (artigo 847º alínea b) do Código Civil)
.e) a não exclusão da compensação pela lei (artigo 853º do Código Civil)


Analisemos com um pouco mais de pormenor as mais relevantes.
.a) a declaração de vontade de compensar.
A compensação para operar tem que ser precedida da expressão da vontade nesse sentido de uma das partes à outra.
Tal declaração de vontade de compensar é ineficaz se for feita sob condição (nºs 1 e 2 do artigo 848º do Código Civil).
Assim, tem sido entendimento de alguma jurisprudência, que seguimos, que sem reconhecer o crédito que pretende ver compensado é impossível expressar a vontade de o compensar.
Esta conclusão, retirada dos preceitos substantivos quanto aos requisitos para operar a compensação, que não sofreu qualquer alteração, por se manter incólume o disposto no artigo 838º do Código Civil, teve reconhecimento no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo 652/07.0TVPRT.P1.S1, de 09/09/2010 e nos acórdãos da 2ª instância, já no âmbito do novo Código de Processo Civil proferidos nos processos: 586/19.6T8VNG-A.P1, de 18/6/2020, 839/17.8T8PTM.E1 de 11/4/2019, 1537/16.5T8STR-B.E1, de 2/10/2018, 3942/15.5T8CSC-A.L1-4 de 16/11/2016, 95961/13.8YIPRT.P1, de 23/2/2015, 2361/10.4TBPVZ-A.P1, de 29/10/2012, todos disponíveis no portal dgsi.pt.
“Quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e tornar essa compensação efetiva através de uma declaração deste último”. No recente e apelativo acórdão de 18/06/2020, no processo 586/19.6T8VNG-A.P1, explica-se de forma cristalina que o Réu tem necessariamente “de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e que o demanda para tornar efetivo esse crédito, devendo o devedor, para tanto, efetuar declaração no sentido de que pretende operar a compensação com o crédito que também tem sobre aquele” fazendo o percurso histórico do preceito substantivo sobre a compensação aqui em apreço (o artigo 848º nº 2 do Código Civil).
Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil anotado, 3ª ed., ao artigo 848º do Código Civil, pag. 141, pronunciam-se contra, mas citam, no sentido na necessidade do reconhecimento do crédito, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-2-1983, demonstrando como este entendimento já vem de há muito tempo.
É certo que a prática corrente não tem, amiúde, olhado de perto para este preceito e requisito substantivo, o que não quer dizer que deva desde já fazer-se do mesmo letra morta. O mesmo tem múltiplas vantagens, restringindo a invocação da compensação aos casos em que a mesma tem mesmo razão de ser (dificilmente se aceitaria que alguém negasse o débito, mas afirmasse tê-lo pago; da mesma forma não se entende possível que alguém negue a dívida, mas afirme que a pretendeu compensar com um crédito que tem sobre a outra parte).

.b) os dois créditos têm que ser recíprocos
As partes têm que ser simultaneamente e na mesma qualidade credor e devedor, como explana o artigo 851º do Código Civil.

.c) a exigibilidade do crédito do autor da compensação (artigo 847º nº 1 do Código Civil)
Hoje parece já pacífico que a exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com o reconhecimento judicial dele. No entanto, ainda não é claro se o crédito pode decorrer de responsabilidade extracontratual e apresentar elevado grau de incerteza para que se possa considerar “exigível judicialmente” na aceção utilizada pelo artigo 847º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil.
No Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 3ª edição, 1986, pág. 136, Pires de Lima e Antunes Varela em anotação ao artigo 847º do Código Civil, quanto à imposição da exigibilidade do crédito (da sua certeza), escreverem: “a necessidade de a dívida ser exigível no momento em que a compensação é invocável afasta, por sua vez, a possibilidade de, em ação de condenação pendente, o demandado alegar como compensação o crédito de indemnização que se arrogue contra o demandante, com base em facto ilícito extracontratual a este imputado, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade civil do arguido”. Percebe-se bem esta posição, face aos entraves que o Réu, com a invocação deste tipo de créditos, pode trazer à discussão do direito do Autor.
E bem assim se entende a posição seguida no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo 11148/12.9YIPRT-A.L1.S1, de 1/7/2014,disponível no portal dgsi.pt, exigindo para a compensação o recurso a “um direito de crédito, decorrente de uma obrigação civil, vencida, incumprida e ainda não extinta”, com o seguintes fundamentos “crédito passivo não pode ser obrigação natural, por ter de ser exigível judicialmente, o que só acontece nas obrigações civis (artigo 402.º do Código Civil) e não pode ser vincendo por ter de ser “exigível”, o que significa a possibilidade da sua realização coactiva (cfr., também, “Das Obrigações em Geral”, 7.ª ed., II, 204, do Prof. Antunes Varela), “situação em que se encontra a prestação já vencida”, como refere o Prof. Pessoa Jorge, in “Lições de Direito das Obrigações”, 1966-284, e que o Prof. Menezes Cordeiro apoda de “exigibilidade em sentido forte” (ob. vol. cit. 222). Sempre, porém, a existência do crédito compensável não pode ser só apurada (podendo, apenas, ser liquidada) no âmbito do juízo de compensação.” “Parece, assim, ser claro que a exigibilidade do crédito, não se confundindo com o seu reconhecimento (não se conhecem decisões do STJ no sentido da necessidade de reconhecimento do contra-crédito, fora do âmbito do processo executivo), também não implica a mera possibilidade de vir a ser declarado um contra-direito de crédito.”
No sentido que o crédito só é judicialmente exigível, para este efeito, se tiver as condições que permitem a realização coativa da prestação espraia-se muita jurisprudência e doutrina, salientando-se agora o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 19/01/2006, no processo 0536641 , disponível em www.dgsi.pt, que esclarece: “Ora, temos entendido que o legislador ao usar a expressão “exigível” se quis referir a um crédito certo, seguro, e não meramente hipotético ou eventual. Enquanto não estiver reconhecido o crédito, não pode o mesmo servir de sustento a uma compensação…de “créditos”. E parece claro que não é nesta demanda que tal reconhecimento do crédito pode ter lugar, mas, sim, em ação autónoma, pois o contracrédito já tem de estar definido—para poder ser “exigível” —no momento em que se alega a compensação...de créditos. É certo que a iliquidez do crédito não obsta à compensação. Mas isso não afasta a bondade da afirmação de que o crédito tem de existir efectivamente ou realmente no momento em que se invoca—“mediante declaração de uma das partes à outra” (artº 848º, 2, CC)—a compensação.
Liquidar o crédito é uma coisa; reconhecer a sua existência é outra bem diferente. E se o primeiro pode ter lugar no processo em que se invoca a compensação, já o segundo não pode aqui ter lugar, pois quando o contracrédito é invocado já tem de estar declarado, ou seja, deve ser “exigível”. Cita jurisprudência em seu abono, bem como doutrina, mencionando Menezes Cordeiro in Da Compensação no Direito Civil e no Direito Bancário, pág. 113 e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Almedina, 2002, Vol. II, pág. 196.
É certo que forte corrente jurisprudencial, também com apoio, e recente, no Supremo Tribunal de Justiça, defende uma interpretação menos exigente desta norma, concluindo que a referência a uma obrigação judicialmente exigível no âmbito do artigo 847º nº 1 alínea a) do Código Civil apenas remete para a sua exigibilidade em ação declarativa (cf o acórdão de 11/07/2019, no processo 1664/16.9T8OER-A.L1.S1). No rigor, essa é a posição que parece resultar do teor dos artigos 847º e 848º do Código Civil: a compensação para operar tem que ter sido declarada por uma parte à outra, mas o crédito passivo não tem que ser imediatamente exequível (mau grado os seus potenciais efeitos, nomeadamente se seguir o mesmo entendimento para a oposição à execução, prescindindo-se, quer da exequibilidade do crédito objeto da declaração de compensação, quer da sua superveniência, no caso desse ser o título da execução, sujeitando o credor que deduziu ação declarativa e obteve uma sentença favorável, ainda a segunda ação da mesma natureza, a oposição à execução, enxertada, para obter a eficácia da primeira que também teve que intentar).

d) a fungibilidade e a homogeneidade das prestações;
As dívidas têm que ser da mesma natureza e género.

e) a não exclusão da compensação pela lei.
São diversos os casos em que a lei afasta a compensação, previstos no artigo 853º do Código Civil, que determina que não podem extinguir-se por compensação: a). Os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos; b) Os créditos impenhoráveis, exceto se ambos forem da mesma natureza; c) Os créditos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, exceto quando a lei o autorize. como, agora no seu nº 2, estipula que não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado.

Concretizando
A decisão recorrida afasta a possibilidade de aqui se admitirem os pedidos reconvencional relativos aos (demais) créditos invocados pelas Rés por via do disposto na alínea c) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil, porquanto as Rés nunca na contestação afirmaram pretender exercer a compensação.
Com efeito, as Rés só agora nas suas alegações de recurso vêm afirmar que pretendem exercer a compensação.
Somos da opinião que, em regra, se pode fazer uma leitura abrangente e teleológica dos articulados, percebendo as pretensões das partes, desde que resultem de forma clara e perfeitamente compreensível, embora expressas com algum vício técnico ou de forma menos direta que o desejável.
Neste caso, mesmo com enorme esforço, não é possível, de todo, alcançar ali tal pretensão, visto que as Rés de forma categórica negam o crédito contra o qual afirmam, agora, pretender exercer a compensação de créditos.
Assim, não tendo as Rés afirmado (sequer subsidiariamente, o que como se viu, para a corrente jurisprudencial que seguimos não seria suficiente) que pretendem exercer o direito à compensação do seu crédito com o (inexistente, no seu entender) crédito das Autoras, nunca por aqui se poderia recorrer a esta alínea para viabilizar a reconvenção.
Também por aqui há que dar razão à decisão recorrida.

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Por fim, os reconvintes parecem aceitar que não se verifica o requisito previsto na alínea a) do nº 2 do artigo 266º do Código de Processo Civil. E efetivamente, a sua previsão não está preenchida. Para que a reconvenção seja admissível, ao abrigo desta alínea, é necessário que exista coincidência entre a causa de pedir das duas ações (a primeira e a reconvencional) ou que o pedido reconvencional tenha como fundamento o ato ou facto que sustentam a defesa.
O pedido reconvencional, na parte em que não tem que ser exigido mediante o recurso ao processo especial de prestação de contas, diz respeito à aquisição de bens essenciais em vida dos inventariados e com o sustento da inventariada, bem como, com as custas de processo judicial, da responsabilidade da inventariada e vencidas também em vida desta. O pedido formulado na ação apenas se funda em factos ocorridos depois da morte dos inventariados: a sonegação de depósitos bancários da herança e a apropriação de juros produzidos por esses depósitos.
Assim, nenhuma conexão se vislumbra.
Há, por todo o exposto, que concluir pela improcedência total do recurso interposto pelas reconvintes.
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2- Do recurso interpostos das Autoras

- Da prescrição

Os direitos estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, desde que não sejam indisponíveis nem, por norma especial, dela estejam isentos, di-lo o artigo 298.º, n.º 1, do Código Civil.
Uma vez completado o prazo de prescrição, o beneficiário da mesma tem a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor ao exercício do direito.
O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia tal prazo. - artigo 306.º, n.º 1 do Código Civil).
Prescrevem no prazo de cinco anos, diz a al. d) do artigo 310º do Código Civil, os juros legais ou convencionais, ainda que ilíquidos.
A prescrição a que se refere artigo 310.º, alínea d) do Código Civil é uma prescrição de curto prazo, que tem em vista evitar que o credor retarde a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente onerosa a prestação a cargo do devedor: por isso, o prazo da prescrição começa a contar quando o direito puder ser exercido.
Também do artigo 306º nº 1 do Código Civil decorre que a prescrição não pode começar a correr antes do direito poder ser exercido: tem como fundamento, como bem explanou a sentença na completa exposição teórica que fez sobre esta figura e que inicia explanando “Como é sabido o instituto da prescrição, enquanto forma de extinção dos direitos pelo não exercício, arranca da ponderação de uma inércia negligente do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia, visando-se, ao mesmo tempo, proteger o interesse do sujeito passivo, atendendo ao desinteresse do titular do direito, e satisfazer as necessidades de segurança e certezas jurídicas.”
Sem inércia do titular, o que implica que o mesmo pudesse exercer o direito, mas o não fez, não há prescrição.
Como referido no Ac. RC 12.06.2018 (proc. nº. 17012/17.8YIPRT.C1) “o art.310 do CC consagra situações especiais de prescrição extintiva de curto prazo (prescrição de cinco anos), cuja razão de ser radica na proteção do devedor, pela acumulação da sua dívida que, de dívida de anuidades, pagas com os seus rendimentos, se transformaria em dívida de capital suscetível o arruinar, se o pagamento lhe pudesse ser exigido de um golpe ao cabo de um número demasiado de anos (cf. Vaz Serra, “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ nº 106, pág.107), evitando-se, assim, que o credor retarde a exigência de créditos periodicamente renováveis”.

Da obrigação em causa e da obrigação de pagamento de juros

O pedido funda-se no facto das Rés estarem na posse de quantias da herança até à sua efetiva partilha, depositadas em contas bancárias, beneficiando dos seus frutos, em detrimento das Autoras.
A herança é integrada pelas situações jurídicas que se encontravam na titularidade do de cujus no momento da sua morte e que se não extingam por efeito do decesso (artigos 2024º e 2025º, n.º 1, do Código Civil), mas não só.
Também os frutos percebidos até à partilha fazem partem da herança (artigo 2069º, alínea c) do Código Civil); embora não fossem da titularidade da pessoa falecida, integram-na porque são produzidos por bens que dela faziam parte.
Frutos, tal como a lei os define, são aquilo que as coisas produzem periodicamente sem prejuízo da sua substância. Distinguem-se entre naturais e civis, consoante delas provenham diretamente ou se trate de rendas ou interesses por elas produzidas em consequência de alguma relação jurídica (artigo 212º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil).
Os juros, como decorre desta norma, são frutos civis, produto dos bens da herança.
O património hereditário, até à partilha, tem que ser administrado, tendo a lei instituído para tal encargo o cabeça-de-casal (artigos 2079º e 2087º, n.º 1, do Código Civil).
No âmbito da sua função de administração do património hereditário, pode alienar os bens deterioráveis e os frutos deterioráveis de quaisquer bens e cobrar os créditos da herança quando a cobrança possa perigar com a demora ou sejam pagos espontaneamente (artigos 2089º e 2090º, n.º 1, do Código Civil).
Por seu turno, nos termos do artigo 1092º do Código Civil, qualquer dos herdeiros ou o cônjuge meeiro tem o direito de exigir que o cabeça-de-casal distribua por todos até metade dos rendimentos que lhes caibam, salvo se forem necessários, mesmo nessa parte, para satisfação de encargos da administração.
São estes rendimentos da herança que estão aqui em causa, os quais fazem parte da mesma e que são em si considerados como bens que a integram, sujeitos, no entanto, a regime diferente, por não serem relacionáveis.

Concretização
Os pedidos tal como formulados na petição inicial, levam a várias interpretações possíveis.
Numa delas conclui-se que os pedidos se fundam na ideia que as Rés devem entregar às herdeiras os frutos civis dos bens da herança que detinham, frutos esses que receberam e que, por não se poderem calcular, se devem fixar em 4% ao ano.
Nesta aceção não está em causa, no rigor, qualquer obrigação de pagamento de juros por parte das Rés às Autoras, mas sim de entrega de bens da herança: os frutos civis que produziu. Assim, não é pedido que as Rés paguem juros sobre as quantias que detiveram, mas a de entregarem aos herdeiros os juros que receberam dos bens da herança. Bem vistas as coisas, não é então pedido às Rés que cumpram qualquer obrigação de pagamento de juros de quantia de que eram ou foram devedoras, encontrando-se em mora: tão só que entreguem as quantias que receberam do Banco onde estiveram depositados os saldos já partilhados e que essa entidade bancária lhes pagou a título de juros remuneratórios.
Assim, na primeira aceção, porquanto não estão em causa quantias que as Rés devam a título de juros convencionais ou legais, não pode proceder esta exceção.
Pode ainda considerar-se que o pedido se traduz no pedido de indemnização fundado no facto das Rés terem na sua posse quantias que não deviam ter e que por isso os herdeiros deixaram de usufruir os seus frutos. Aqui, sim, tal como dizem as alegações de recurso, poder-se-ia considerar que tal indemnização corresponde aos juros de mora, por se estarem a pedir a indemnização pela falta de entrega de quantias monetárias.
Se aqui chegássemos, haveria ainda que apurar a data em que as Autoras podiam exigir tais quantias às Rés, quer determinando quando se iniciou a mora das Rés quanto à entrega dessas quantias ou quando passaram a estar de má-fé na detenção das mesmas e quando é que as Autoras estavam em condições de as exigir.
Nada disto se mostra ainda determinado, pelo que a matéria de facto e de direito apurada até esta fase do processo não permite que se julguem prescritos os juros peticionados nos termos efetuados pelo saneador-sentença.

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IV - Decisão

Por todo o exposto, julga-se:
--- a apelação interposta pelas Rés totalmente improcedente, mantendo-se a decisão recorrida quanto à reconvenção;
--- a apelação interposta pelas Autoras parcialmente procedente, anulando-se a decisão que conheceu da prescrição dos juros, a qual deve ser conhecida a final.
Custas pela Recorrente.

Guimarães,

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves