Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2409/21.7T8VCT-C.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: DOCUMENTOS
TEMPESTIVIDADE
JUNÇÃO DEPOIS DE INICIADA AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Nos pressupostos de admissão de prova documental contam-se a sua pertinência para o objecto da prova a produzir («os temas da prova enunciados», ou os factos necessários «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio» que seja lícito ao Tribunal conhecer, nos termos do art.º 5.º, do CPC); e o seu carácter não dilatório (isto é, não ter a apresentação do documento apenas o propósito de dilatar o termo do processo).

II. Serão impertinentes os documentos que se destinem a provar factos estranhos/alheios à matéria da causa, seja de um modo directo (por não se tratarem de factos constitutivos, impeditivos, modificativos ou extintivos), seja de um modo indirecto (por não se tratarem de factos que permitam acionar ou impugnar presunções das quais se extraiam factos essenciais, ou por não se tratarem de factos importantes para apreciar a fiabilidade de outro meio de prova); e serão desnecessários os documentos que se destinem a provar factos sem qualquer interesse ou relevância para a sua decisão (ou por dizerem respeito a factos que não constam do elenco dos a apurar na causa, ou por já constar do processo meio de prova de igual ou superior relevo).

III. Os documentos juntos depois de iniciada a audiência final só serão admitidos desde que a sua apresentação não tenha sido possível até àquele momento, isto é, por superveniência objectiva (o documento só se formou, ou a ele só se pôde aceder, depois daquele momento), ou por superveniência subjectiva (isto é, o documento só foi conhecido pela parte apresentante depois daquele momento, sem que essa ignorância prévia lhe seja censurável, mesmo a título de negligência); ou desde que a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (nomeadamente, por se destinarem à prova ou contraprova de factos ocorridos depois daquele momento).

IV. Deveria ser admitido, por pertinência face ao objecto da causa, o documento que se destinasse a revelar a falta de acreditação, pelo Instituto Português de Acreditação, do responsável por perícia acústica realizada nos autos; mas não deverá ser admitido o mesmo documento, por intempestivo, quando, apresentado no decurso da audiência final, só por negligência da parte não foi conhecido por ela no momento da nomeação do perito, e só o ofereceu aos autos cerca de um mês depois da sua obtenção, sem alegar qualquer justificação para esta sua prévia omissão.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA e mulher, BB, residentes na Avenida ..., freguesia ..., em ... (aqui Recorrentes), propuseram um processo especial para tutela da personalidade, contra EMP01..., Limitada, com sede na Rua ..., em ..., contra EMP02..., Limitada, com sede na Travessa ... N, ..., em ..., e contra EMP03..., Limitada, com sede na Rua ..., em ... (aqui Recorridas), pedindo que

· se condenassem as Requeridas a cessarem imediatamente a utilização que veem fazendo de parte de um prédio urbano (que melhor identificaram), contíguo a um outro, deles próprios, determinando, em consequência, o encerramento das actividades de crossfit indoor e padel indoor que ali estão a ser desenvolvidas;

· se condenassem as Requeridas a removerem do mencionado imóvel todas as estruturas ou infraestruturas, fabricadas ou pré-fabricadas, fixas ou móveis, e todos os equipamentos, maquinismos ou utensílios, afectos, directa ou indirectamente, às mencionadas actividades de crossfit e padel indoor;

· se fixasse um prazo não inferior a dez dias, contados sobre a data do trânsito em julgado da sentença a proferir, para cumprimento pelas Requeridas do antes impetrado;

· se condenassem solidariamente as Requeridas a pagarem-lhes a quantia de € 500,00, a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento, ou por cada infracção, à providência concretamente determinada.

Alegaram para o efeito, em síntese, que, tendo a sua residência permanente num prédio urbano deles próprios, confronta o mesmo a norte com outro, possuído desde ../../2019 pela 1.ª Requerida (EMP01..., Limitada), na qualidade de respectiva promitente-compradora; e nele encontra-se instalado um pavilhão, detido desde ../../2020 pelas 2.ª Requerida (EMP02..., Limitada) e 3.ª Requerida (EMP03..., Limitada), com quem aquela primeira Sociedade celebrou então um contrato de cedência de ocupação de espaço por cinco anos (coincidindo o seu termo inicial com 15 de Setembro de 2020).
Mais alegaram que a 2.ª Requerida (EMP02..., Limitada) e a 3.ª Requerida (EMP03..., Limitada) exploram, desde ../../2020, no dito armazém, e respectivamente, dois campos de padel e um ginásio de crossfit, sem disporem de alvará ou de licença de utilização para instalações desportivas (já que o pavilhão em causa apenas está licenciado para armazém); e o fazem de segunda-feira a domingo, das 07.00 às 23.00 horas (excepto aos sábados, domingos e feriados, em que iniciam as suas actividades às 08.00).
Alegaram ainda que o ruído produzido por aquelas actividades desportivas (quer pelos equipamentos envolvidos, quer pelos profissionais que as prodigalizam, quer pelos respectivos utilizadores) afecta negativamente a sua saúde física e psíquica, justificando plúrimas queixas à PSP e ao Município ....
Por fim, os Requerentes (AA e mulher, BB) discriminaram os danos alegadamente sofridos (v.g. desassossego, intranquilidade, enorme desgosto, irritação, nervosismo, perturbações no sono, acumulação de cansaço, falta de concentração, dificuldade em desempenhar as respectivas funções profissionais, desgaste mental e físico, envelhecimento precoce), bem como o apoio médico e medicamentoso que exigiram.
Concluíram defendendo que os seus direitos ao repouso, ao sono e à tranquilidade (enquanto emanação de direitos fundamentais de personalidade, nomeadamente do direito à integridade moral e física, à proteção da saúde e a um ambiente de vida sadio) não poderiam deixar de prevalecer sobre os interesses empresariais de cada uma das Requeridas, de desenvolverem uma actividade ruidosa por natureza e que nem sequer está licenciada ou autorizada.
Os Requerentes (AA e mulher, BB) arrolaram plúrima prova, nomeadamente, pessoal e documental.

1.1.2. Foi proferido despacho, onde, não tendo sido verificado motivo para o indeferimento liminar do requerimento inicial, se designou dia para realização de audiência.

1.1.3. Realizada a audiência e frustrada a tentativa de conciliação das partes, as Requeridas apresentaram as respectivas contestações.

1.1.3.1. A 1.ª Requerida (EMP01..., Limitada), na sua contestação, pediu que fossem julgadas procedentes as excepções dilatórias que deduziu (incompetência absoluta do Tribunal, erro na forma do processo e extinção da instância por inutilidade superveniente da lide), com a respectiva absolvição da instância; e, subsidiariamente, que a acção fosse julgada totalmente improcedente, com a respectiva absolvição do pedido.
Alegou para o efeito, em síntese, e no que à defesa por excepção diz respeito: pertencer o litígio à jurisdição administrativa, sendo por isso o tribunal judicial absolutamente incompetente para o conhecer e decidir; impor o pedido de cessação da actividade desportiva, realizado em prédio próprio, a utilização de acção comum (e não um processo especial), existindo, por isso, um erro na forma de processo;  e terem os Requerentes (AA e mulher, BB) deixado de ter no imóvel contíguo ao seu a respectiva residência permanente (estando a mesma agora localizada na ilha ...), verificando-se assim a inutilidade superveniente da lide.
A 1.ª Requerida (EMP01..., Limitada) impugnou ainda grande parte da factualidade alegada pelos Requerentes (AA e mulher, BB) para fundarem os seus pedidos (nomeadamente, o enquadramento territorial funcional dos prédios, o nível de ruído produzido pelas actividades desportivas em causa, o processo de obtenção de licenciamento para as ditas actividades e a ausência de nexo relacional entre os danos invocados pelos Requerentes e o facto ilícito imputável a ela própria).
Concluiu defender existir uma flagrante falta de proporcionalidade e de razoabilidade das medidas requeridas, face ao que seria adequado e justo no caso concreto.
A 1.ª Requerida (EMP01..., Limitada) arrolou prova pessoal e documental (incluindo-se nesta última um documento, dito n.º 4, epigrafado «RELATÓRIO DE ENSAIO / RUÍDO AMBIENTE», de EMP04..., Lab [1]).

1.1.3.2. As 2.ª Requerida (EMP02..., Limitada) e 3.ª Requerida (EMP03..., Limitada), na sua contestação conjunta, pediram que o procedimento para tutela de personalidade fosse julgado não provado e improcedesse.
Alegaram para o efeito, em síntese, não ser verdadeira grande parte da factualidade invocada pelos Requerentes (nomeadamente, o terem a sua residência permanente no prédio contíguo àquele que elas próprias exploram, situar-se o mesmo numa zona exclusivamente residencial e produzir a prática desportiva que desenvolvem níveis de ruído superiores aos legais), assim a impugnando.
As 2.ª Requerida (EMP02..., Limitada) e 3.ª Requerida (EMP03..., Limitada) arrolaram plúrima prova, nomeadamente, pessoal,  documental (incluindo-se nesta última um documento, dito n.º 7, epigrafado «RELATÓRIO DE ENSAIO / RUÍDO AMBIENTE», de EMP04..., Lab [2]) e pericial (pedindo  realização de «perícia ao ruído, a requisitar a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, a nomear por este Tribunal, para prova do alegado nos artigos 35º a 47º desta peça», indicando desde logo os respectivos quesitos).

1.1.4. Os Requerentes (AA e mulher, BB) exerceram o seu direito de contraditório face às contestação apresentadas, nomeadamente: pugnando pela improcedência das excepções dilatórias invocadas pela 1.ª Requerida (EMP01..., Limitada); e impugnando o «relatório acústico» junto em ambas (defendendo, nomeadamente, a falta de rigor técnico, por as medições de ruído não terem sido efectuadas no interior do seu próprio prédio, e a sua parcialidade, permitindo que as Requeridas escolhessem as datas e os horários de actividade que melhor lhes conviessem para realização das ditas medições).
Juntaram, então, eles próprios três documentos, nomeadamente: dito n.º 3, epigrafado «PARECER TÉCNICO»; e dito n.º n.º 3-A, epigrafado «RELATÓRIO DE ENSAIO», de EMP05..., S.A., sendo seu Anexo II um «Certificado de Acreditação» do Instituto Português de Acreditação.
Por fim, pronunciando-se quanto aos requerimentos probatórios das Requeridas, pediram que fosse indeferida a perícia ao ruído (por já se encontrarem juntos aos autos dois relatórios que a consumiriam, ir a mesma protelar a decisão final e poderem as Requeridas falsificar os seus resultados, diminuindo intencionalmente a produção do ruído na altura da sua realização); e, subsidiariamente, ampliando o seu objecto.
 
1.1.5. Foi proferido despacho: julgando improcedentes as excepções dilatórias invocadas pela 1.ª Requerida (EMP01..., Limitada) na sua contestação (incompetência absoluta do Tribunal, erro na forma de processo e inutilidade superveniente da lide); e apreciando os requerimentos probatórios das partes, deferindo nomeadamente a realização da perícia acústica impetrada pelas 2.ª Requerida (EMP02..., Limitada) e 3.ª Requerida (EMP03..., Limitada), lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
No caso concreto, está em causa a averiguação do nível de incomodidade causado pela produção ou emissão de ruídos provenientes do estabelecimento das Requeridas, por forma a avaliar se os ruídos emitidos são susceptíveis de afectar a saúde e o bem-estar dos Requerentes por a eles estarem continuamente expostos.
Conforme resulta do regulamento geral de ruído, o nível de incomodidade é medido através de uma avaliação acústica que tem por base indicadores limite.
É certo que, tanto as Requeridas como os Requerentes juntaram aos autos avaliações acústicas, porém, os relatórios respectivos apresentam resultados manifestamente divergentes e contraditórios, sendo que nenhuma das perícias realizadas garante a isenção, imparcialidade e objectividade que garantiria uma perícia realizada por determinação do tribunal, porquanto foram encomendadas pelas partes, uma pela Requerida EMP01..., e outra pelos Requerentes, cujos resultados vão ao encontro das respectivas versões, satisfazendo os anseios de quem as encomendou. Por outro lado, resulta do relatório da perícia junta pela Requerida EMP01... que a respectiva avaliação acústica, nem sequer foi realizada a partir do prédio dos Requerentes, o que compromete, desde logo, a sua fidedignidade.
(…)
Atendendo à natureza dos factos que necessitam de averiguação, afigura-se-nos que a diligência requerida não é impertinente nem dilatória, pois só por meio da avaliação acústica é que se poderá aferir dos níveis de incomodidade dos ruídos produzidos no estabelecimento das Requeridas e se apurará se esses ruídos excedem os parâmetros estabelecimentos no regulamento geral do ruído. Acresce que, através da perícia vai ser possível aferir da eficácia das obras de insonorização que as Requeridas, alegadamente, realizaram recentemente no estabelecimento.
(…)
Pelo exposto, defere-se a diligência requerida e, em consequência, determina-se a realização da perícia de avaliação acústica destinada a medir os níveis de ruído produzidos nas actividades desportivas exercidas no estabelecimento das Requeridas, devendo ainda ser aferidas das reais características e condições de isolamento acústico quer do estabelecimento das Requeridas, quer do imóvel dos Autores, devendo o Sr. Perito responder, ainda, aos quesitos apresentados pelas Requeridas EMP02..., Lda. e EMP03..., Lda..
Tendo presente que a Ordem dos Engenheiros tem uma Comissão de Especialização em Engenharia Acústica, solicite àquela entidade a indicação de um perito, entidade ou laboratório acreditado para a realização da perícia de avaliação acústica.
Prazo para a sua realização: 20 dias.
O compromisso a que alude o disposto no art.º 479º, nº 1 do CPC, deverá ser prestado por declaração escrita a constar do próprio relatório (nº 3 da norma em apreço).
(…)»

1.1.6. Indicado em 27 de Outubro de 2021, pela Ordem dos Engenheiros, CC (engenheiro acústico), em 28 de Outubro de 2021 o mesmo foi nomeado como perito nos autos; e não apresentou depois qualquer perícia, nem respondeu às notificações que lhe formam dirigidas nesse sentido.

1.1.7. Iniciou-se, e decorreu por plúrimas sessões, a audiência final, com produção de prova pessoal e documental.

1.1.8. Em 15 de Fevereiro de 2022, os Requerentes (AA e mulher, BB) pediram que se prescindisse da perícia (defendendo que os autos reuniam já todos os elementos para que se pudesse proferir decisão); e, subsidiariamente, que a realização da perícia acústica ainda omissa fosse então deferida ao EMP06... (EMP06...).

1.1.9. Em 22 de Fevereiro de 2022 o perito antes nomeado veio «resignar ao acto de peritagem», já que, quer «por razões pessoais, quer por razões profissionais, não estou a dispor do necessário espaço de agenda para me dedicar com a atenção e profissionalismo que este processo exige».

1.1.10. Tendo-se as Requeridas oposto à nomeação do EMP06..., pelos elevados custos que alegadamente comportaria, e os Requerentes (AA e mulher, BB) indicado a Universidade ... para o mesmo efeito, foi proferido despacho, solicitando à mesma a indicação de perito, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Atento o teor dos requerimentos das partes, determino que a perícia a realizar seja efectuada por perito especialmente habilitado para o efeito a indicar pela Universidade ....
Nestes termos determino que se solicite à Universidade ... (departamento de Engenharia Civil) a indicação de perito especialmente habilitado para realização de avaliação acústica, esclarecendo-se que se pretende a medição dos níveis de ruído produzidos pelas actividades desportivas exercidas no estabelecimento das Requeridas e que se propagam no interior da habitação dos Requerentes, e aferição das características e condições de isolamento acústico de ambos os prédios.
(…)»

1.1.11. Tendo em 29 de Março de 2022 a Universidade ... informado «que o Departamento de Engenharia Civil não possui, neste momento, as condições necessárias para responder aos quesitos apresentados, face não possuir os equipamentos necessários», apenas as 2.ª Requerida (EMP02..., Limitada) e a 3.ª Requerida (EMP03..., Limitada) se pronunciaram, pedindo que fosse «nomeado perito ou empresa de peritagem, especializado /a) em testes acústicos, da zona norte do país (atentos os custos de deslocação) e que conste da lista oficial do Tribunal (garantindo-se assim, isenção e imparcialidade)».

1.1.12. Em 05 de Maio de 2022 foi proferido despacho, pedindo à Universidade ... a indicação do perito em falta nos autos, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Atento o informado pelo Departamento de Engenharia Civil da Universidade ..., e em face do Requerido pelas Requeridas, que não obteve qualquer oposição dos Requerentes, determino que se solicite, com nota de urgência, ao Laboratório de Acústica da Faculdade de Engenharia da Universidade ..., a realização da perícia determinada nos autos.
(…)»

1.1.13. Indicado em 24 de Maio de 2022, pela Faculdade de Engenharia da Universidade ..., DD (Responsável Técnico do Núcleo de Acústica do Departamento de Engenharia Química da Universidade ...), deferiu-se-lhe a realização da perícia; e a mesma, pese embora já iniciada, ainda não se mostrava concluída em 15 de Dezembro de 2022 (motivando sucessivos requerimentos dos Requerentes para que fosse dada sem efeito, indeferidos pelo Tribunal a quo, perante a prévia oposição das Requeridas).

1.1.14. Em 15 de Dezembro de 2022 a 3.ª Requerida (EMP03..., Limitada) veio informar ter, juntamente com a 1ª. Requerida (EMP01..., Limitada), revogado o contrato de cedência de ocupação de espaço do prédio contíguo ao dos Requerentes (AA e mulher, BB), com efeitos a partir de 31 de Dezembro de 2022, assim encerrando o estabelecimento de crossfit nessa mesma data.

1.1.15. Em 22 de Janeiro de 2023 foi proferido despacho, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Conforme resulta das informações do Sr. Perito e requerimentos apresentados pelas partes as avaliações acústicas necessárias à realização da perícia já se iniciaram, sendo certo que a continuação dos trabalhos tem sofrido constrangimentos e atrasos importantes por força das condições meteorológicas severas que se têm verificado no distrito ... que impossibilitaram a sua continuidade.
Neste momento, considera-se estarem reunidas as condições meteorológicas que permitem a realização das avaliações e a conclusão da perícia, na medida em que está previsto para os próximos dias tempo ameno e seco.
Conforme resulta do requerimento das Requeridas EMP03... e EMP02... de 15/12/2022, entretanto, as Requeridas acordaram na revogação do contrato de cedência de ocupação do espaço com efeitos a partir de 31/12/2022, razão pela qual cessou a actividade desportiva de crossfit no estabelecimento comercial em causa, pelo menos, temporariamente, na medida em que se desconhece se é intenção de vir a estabelecer no respectivo espaço a mesma actividade ou outra similar.
Embora a perícia tenha sido determinada com o estabelecimento em pleno funcionamento (cfr. resulta do despacho proferido em 07/09/2022), ou seja, em pleno e simultâneo exercício de ambas as actividades desportivas que nele eram praticadas (crossfit e padel), naturalmente, que com a cessação da actividade de crossfit, ocorre uma impossibilidade superveniente da perícia se realizar nos moldes determinados, pelo que a perícia terá que ser realizada nas condições actuais de funcionamento do estabelecimento.
Para que a avaliação acústica seja realizada com todo o rigor e genuinidade, deverão ser feitas medições com o estabelecimento em condições normais – ou seja quando esteja em pleno funcionamento a actividade de padel em ambos os campos disponíveis.
De realçar que as circunstâncias supervenientes, tem, como teriam que ter repercussão no desfecho do processo, como o prevê o disposto no art.º 611º, nº 1 do CPC, devendo a sentença tomar em consideração os factos constitutivos, modificativos ou extintivos que se produzam posteriormente à proposição da acção, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento da discussão.
Não é sequer cogitável dar sem efeito a perícia acústica à qual já foi dado início, por força da ocorrência desse facto superveniente, o qual, naturalmente, tem a relevância que se impõe, mas logicamente terá que ser ajustado o objecto da perícia, isto é, a perícia terá que incluir, necessariamente, medições acústicas com o recinto em pleno funcionamento (os dois recintos de padel em plena actividade).
Em face do exposto, determino o prosseguimento da perícia, a qual deverá ser concluída com a brevidade que se impõe, tendo presente a urgência do processo, mas não esquecendo a tecnicidade da perícia determinada, cujo sucesso do resultado está dependente de vários condicionalismos, designadamente das condições meteorológicas, as quais se preveem favoráveis nos próximos dias.
Notifique e comunique, com urgência, ao Sr. Perito.
(…)»

1.1.16. Mediante prévio requerimento nesse sentido da 2.ª Requerida (EMP02..., Limitada), em 01 de Março de 2023 foi proferido despacho, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Req. da EMP02... de 23/02/2023:
Atendendo ao objecto da perícia fixado por despacho proferido em 13/10/2021, aditado pelo despacho de 02/11/2021, e sem prejuízo do cumprimento do contraditório quanto aos factos ora alegados, determino que as medições acústicas ocorram não só no jardim junto à casa dos Requerentes, mas também no seu interior, devendo o Sr. Perito ajuizar da necessidade de proceder a medições diferenciadas nos vários compartimentos, designadamente no compartimento destinado a escritório e no compartimento destinado a descanso, atendendo que segundo os Requerentes são dos locais onde se sentem mais incomodados com os ruídos provindos do estabelecimento comercial em análise.
Notifique e comunique ao Sr. Perito pela via mais expedita.
(…)»

1.1.17. Mediante prévio requerimento dos Requerentes (AA e mulher, BB), a arguir a nulidade do despacho antecedente (por alegadamente ter sido proferido com violação do princípio do contraditório) e a opor-se às medições de ruído no interior da sua habitação, em 27 de Março de 2023 foi proferido despacho, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Questão prévia: Da invocada nulidade do despacho proferido em 01/03/2023:
Invocam os Requerentes que o despacho é nulo, por violação do princípio do contraditório.
Entende-se, no entanto, que não lhes assiste razão. Com efeito, sobre o princípio do contraditório dispõe o art.º 3º do CPC.
O nº 1 preceitua que o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a acção pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
O nº 2, dispõe que só em casos excepcionais previstos na lei, é que se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
O nº 3 especifica que o princípio do contraditório pode ser dispensado em casos de manifesta desnecessidade, mesmo quando o Juiz tenha de decidir questões de direito ou de facto.
Acontece que no caso concreto, a questão suscitada e que determinou a prolação do despacho sindicado está relacionada com o objecto da perícia e seu âmbito, abrangência e conteúdo que foi delimitado no despacho de determinou a perícia. Com efeito, conforme resulta do despacho determinativo da perícia, a sua finalidade é aferir os níveis de incomodidade dos ruídos produzidos pelas actividades produzidas pelas Requeridas no estabelecimento comercial em apreço nos autos e se estes são susceptíveis de afectar a saúde e o bem-estar dos Requerentes por a eles estarem continuamente expostos no seu prédio, o qual é confinante com o referido estabelecimento comercial.
Para se responder com clareza, fidedignidade e exactidão ao pretendido afigura-se-nos manifesto que as medições acústicas terão de ser também realizadas no interior da habitação que é o local onde os Requerentes se sentem verdadeiramente incomodados, nos períodos em que descansam no seu interior, sobretudo entre as 18h00 e as 23h00 e de manhã a partir das 07h00, quando ainda dormem.
Acresce que, as medições acústicas são necessárias para responder devidamente aos quesitos apresentados pelas Requeridas e que integram o objecto da perícia determinado no despacho proferido em 13/10/2021.
Por outro lado, são os próprios Requerentes a alegarem que no interior da habitação os sons e ruídos não se ouvem com a mesma intensidade, mas são igualmente incomodativos, podendo ser mais ou menos intensos, audíveis e constantes, consonante as actividades que estejam em execução, a sua duração e quantidade.
Assim, afigura-se-nos evidente, tendo em conta o objecto da perícia, que a mediação acústica terá que ser feita necessariamente também no interior do imóvel pertencente aos Requerentes, daí que a questão suscitada não é questão nova sobre a qual os Requerentes não tiveram oportunidade de se pronunciar. Acresce que, os Requerentes não invocam quaisquer direitos ou interesses dignos de protecção e que tenham sido postergados pelo teor do despacho sindicado.
Todos os fundamentos invocados se centram na utilidade ou oportunidade da perícia, os quais já foram oportunamente objecto de apreciação pelo tribunal.
Em face do exposto, julgo improcedente a nulidade invocada.
Custas da questão incidental pelos Requerentes, fixando-se a respectiva taxa de justiça em 1 uc.
*
No que concerne à utilidade e necessidade dessas medições no interior da habitação, alegam os Requerentes que o Sr. Perito explicou que não existe norma nem aparelhagem adequada às medições das vibrações produzidas pelas actividades desenvolvidas no estabelecimento comercial e que os ruídos produzidos que se propagam no interior da habitação não são mecanicamente mensuráveis.
O tribunal desconhece essa realidade, uma vez que se prende com questões técnicas da perícia, pelo que antes de mais notifique o Sr. Perito para esclarecer se:
- É ou não tecnicamente possível medir o nível de vibrações produzido pelas actividades realizadas no estabelecimento comercial em apreço e que se propagam no interior da habitação dos Requerentes?
- São mecanicamente mensuráveis os ruídos provenientes da mesma fonte e que se propagam no interior da habitação dos Requerentes?
Mais, deverá o Sr. Perito informar da data previsível da conclusão da perícia.
(…)»

1.1.18. Em 08 de Maio de 2023 o perito veio esclarecer que, observando «a área circundante à habitação é possível evidenciar a existência de fontes prováveis de vibrações, como por exemplo: um armazém com a instalação de uma oficina de automóveis onde existe um conjunto diversificado de máquinas e equipamentos suscetíveis de provocar vibrações/trepidações, a existência da estrada na proximidade com o tráfego de veículos ligeiros ou pesados, as vibrações resultantes da passagem do comboio, entre outras fontes existentes na envolvente da habitação.
Assim em função do acima exposto e porque a causa conhecida de prováveis vibrações/trepidações que eram resultantes das aulas de Crossfit deixou de existir, entende-se que as avaliações pretendidas não serão conclusivas, no entanto estamos disponíveis para efetuar essas avaliações, caso as considerem como necessárias».

1.1.19. Em 09 de Maio de 2023 os Requerentes (AA e mulher, BB) deduziram um incidente de suspeição contra o perito nomeado (pedindo a sua remoção ou destituição do cargo), alegando, nomeadamente, que: protelou os trabalhos da perícia e a sua conclusão; permitiu que as Requeridas condicionassem o volume do ruído que provinha do interior do pavilhão, não impondo um método de trabalho fidedigno, não executando as medições em condições normais de exercício das actividades; e, apesar dos alertas deles próprios, nunca corrigiu as deficiências comunicadas, nem fez qualquer advertência ou imposição à conduta das Requeridas.
Tendo as 1.ª Requerida (EMP01..., Limitada) e 2.ª Requerida (EMP02..., Limitada) pugnado pelo seu indeferimento, e produzida a prova, em 4 de Julho de 2023 foi proferida sentença, julgando o incidente improcedente [3].

1.1.20. Em 07 de Agosto de 2023 foi junto o relatório pericial; e, notificado às partes, nenhuma delas apresentou qualquer reclamação ao mesmo.

1.1.21. Em 04 de Setembro de 2023 foi proferido despacho, designando dia para continuação da audiência final.

1.1.22. Em 15 de Setembro de 2023 os Requerentes (AA e mulher, BB) vieram pedir: a «comparência do Ex.mo Sr. Perito na audiência final, a fim de prestar, sob juramento, os esclarecimento que lhe sejam pedidos, nos termos do disposto no artigo 486.º do Código de Processo Civil»; e a junção aos autos de três documentos (datados de 14, 16 e 18 de Agosto de 2023), «comprovativos de que o Laboratório de Acústica do Núcleo de Acústica da Faculdade de Engenharia da Universidade ... não possuir acreditação pelo ..., desde ../../2018, para realização de medições acústicas, nos termos do artigo 34.º do Regulamento do Ruído, constituindo tal circunstância um facto essencial para a boa decisão da causa relativo à perícia realizada nos autos».
Alegaram ainda que os «documentos ora juntos só foram obtidos e os factos subjacentes só se verificaram e foram conhecidos, respectivamente, pelos Autores após os articulados, não lhes sendo possível oferecê-los com os mesmos, nem tão pouco anteriormente à última sessão de audiência de julgamento e devem ser considerados relevantes para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa».

1.1.23.  As Requeridas opuseram-se à admissão destes três documentos, defendendo: reportarem-se a factos não alegados (a acreditação da entidade a quem foi deferida a realização da perícia); terem sido tardiamente apresentados (face à data do seu conhecimento pelos Requerentes); e não poderem produzir o efeito processual por eles visado (de obstaculizarem ao exercício da função de perito).

1.1.24. Em 10 de Outubro de 2023 foi proferido despacho, indeferindo a junção aos autos dos três documentos referidos, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Quanto aos documentos relativos à falta de acreditação do Laboratório a quem foi cometido o encargo da perícia, entende-se que tal questão deveria ter sido suscitada aquando da nomeação da referida entidade para proceder à perícia, ou até à realização da diligência.
A invocação de tal questão no momento em que está concluída a perícia e apresentado o respectivo relatório pericial que, aliás, não foi objecto de qualquer reclamação ou pedido de esclarecimento, nomeadamente pelos Requerentes, é extemporâneo e inoportuno.
Nestes termos, por se considerar irrelevante para a boa decisão da causa e justa composição do litígio, determino o desentranhamento dos documentos em apreço e a respectiva devolução ao apresentante.
Custas do incidente pelos Requerentes, fixando-se a respectiva taxa de justiça em ½ uc.
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformados com esta decisão, os Requerentes (AA e mulher, BB) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que o mesmo fosse provido e se revogasse o despacho recorrido, sendo o mesmo substituído por decisão a admitir a junção os autos dos três documentos recusados.
                        
Concluíram as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1.ª - Vem o presente recurso de apelação do despacho de 10.10.2023, com a referência ...71, na parte em que ordenou o desentranhamento e a devolução aos apresentantes, aqui recorrentes, dos documentos relativos à falta de acreditação do Laboratório da Faculdade de Engenharia do ..., a quem foi cometido o encargo da realização da perícia que foi levada a efeito nos presentes autos.
 
2.ª - O Tribunal não pode eximir-se, como se eximiu ao dever de cognição de tudo aquilo que se mostre necessário, ou pareça com interesse para atingir a verdade material, nem a uma instrução completa das causas que a busquem, por força do disposto no artigo 5.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
 
3.ª - O processo encontra-se ainda em fase de julgamento, ou seja, de apuramento e produção da prova, que inclui esclarecimentos acerca da perícia, prestados pelo Ex.mo Sr. Perito cuja presença para esse efeito já está determinada e estando ainda por realizar as alegações orais com todas as finalidades previstas no artigo 604.º, n.º 3, alínea e), do Código de Processo Civil.
 
4.ª - Ainda não estão esgotadas as possibilidades legais de formulação de pedidos e prestação de esclarecimentos, pelo Ex.mo Sr. Perito, quer em relação a si, quer em relação à entidade em que se insere, quer em relação à realização da perícia e ao seu resultado ou relatório, concretamente na diligência da sua intervenção no julgamento.

5.ª - O juízo acerca da perícia realizada, seu peso no âmbito da demais prova produzida, sua legalidade, seu valor, aptidão, credibilidade, rigor, correcção, autenticidade, assim como das aptidões para a sua realização por parte da entidade ou do perito que a levou a efeito, só poderá ser efectuado após a audiência de discussão e julgamento, quando se esgotar por inteiro o momento de produção de prova e as alegações orais, isto é, na sentença. 
 
6.ª - Como se explica acima no capítulo III, os recorrentes só se aperceberam, normal e justificadamente, da falta de acreditação da entidade escolhida para a realização da perícia após exame ao relatório que foi apresentado, face ao mesmo e aos documentos cujo desentranhamento e devolução foi agora ordenada.
 
7.ª - O requerimento e a apresentação dos documentos em causa são tempestivos, oportunos, necessários e úteis.
 
8.ª - A questão da validade substancial dessa prova pericial apreciada na perspectiva da acreditação de entidade que a realizou reveste um carácter e uma importância capitais, tem de ser objecto de discussão e apreciação pelas partes e sobre a mesma tem o Tribunal tem necessariamente que tomar posição, para além de poder eventualmente ser sindicada em sede de eventual recurso.
  
9.ª - A competência, a adequação, a legitimidade e a responsabilidade constituem requisitos intrínsecos, substantivos, à qualidade de perito e à realização de uma perícia judicial tanto mais em casos, como o dos presentes autos, em que está em causa a tutela da personalidade de cidadãos e existe legislação especial, de interesse público, sobre a medição, prevenção e controlo do ruído.
 
10.ª - No caso presente o que está em causa é o incumprimento do regime estabelecido no Regulamento Geral do Ruído (R.G.R.) por parte da Universidade ... (Faculdade de Engenharia da Universidade ...), quanto à acreditação para efeito da realização dos ensaios acústicos necessários à verificação dos parâmetros legais nele definidos.
             
11.ª - Uma vez que segundo estabelece o seu artigo 34.º, sob o título “Entidades Acreditadas” os ensaios e medições acústicas necessários à verificação do cumprimento do disposto nesse Regulamento são obrigatoriamente realizados por entidades Acreditadas.
 
12.ª - O ... é um organismo central com jurisdição sobre todo o território nacional, que se situa na esfera da administração indirecta do Estado e que exerce a actividade de acreditação com natureza de autoridade pública, de acordo com o Regulamento (CE) n.º 765/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho de 9 de Julho de 2008 e em conformidade com a norma internacional ISSO/IEC ...25, base para a acreditação de métodos de ensaio e/ou de calibração de um laboratório. 
 
13.ª - Os documentos cuja junção aos autos foi requerida pelos recorrentes e que foi rejeitada pela M.ª Juíza comprovam que a entidade responsável pela realização da perícia, nos presentes autos, não se encontra acreditada nos termos do estabelecido pelo artigo 34.º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17 de janeiro, bem como pelo Decreto-lei n.º 125/2004, de 31 de maio.
 
14.ª - Está aqui em causa uma questão essencial de legalidade, que indubitável e necessariamente terá de ser observada e aplicada pelo Tribunal e que se revela determinante para a mais acertada e a boa decisão da presente causa.
 
15.ª - O direito ao ambiente, à integridade física e à protecção da saúde constituem direitos fundamentais, consagrados na Constituição da República Portuguesa, competindo também aos Tribunais colaborar e intervir na promoção da qualidade ambiental das populações, no sentido de eliminar a causa geradora de ruídos que sejam intoleráveis ou simplesmente incómodos.
 
16.ª - A indispensável acreditação não se trata de uma mera formalidade, ou requisito formal. Atinge a substância da matéria, na medida em que é a acreditação que confere à entidade que realiza a perícia a capacidade, a credibilidade, a fiabilidade, e a regularidade da prática da avaliação assim como é a acreditação que confere a validade substancial do acto da avaliação em si mesmo, na medida em que seja realizada por uma entidade a quem essa acreditação foi atribuída.
 
17.ª - Um acto praticado por entidade não acreditada está ferido de falta de um requisito substancial e formal e, consequentemente, de ilegalidade insuprível. 
 
18.ª - O Tribunal deve obediência à Lei, está sujeito ao princípio da legalidade que terá de observar, ao longo de todo o processado e em sede de decisão, reprimir a violação da legalidade democrática, como resulta do disposto no artigo 8.º do Código Civil artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa.
 
19.ª - Uma vez constatada, ainda que só agora, a invalidade formal e substancial da perícia realizada por falta de acreditação da entidade que a levou a efeito, acrescida da ocultação desse dado essencial, não pode ser ignorado ou descartado pelo Tribunal o estrito cumprimento do disposto no artigo 34.ºdo Regulamento Geral do Ruído, que conforma uma norma imperativa, de interesse e ordem pública.
 
20.ª - Sabe-se agora que a Universidade ... aceitou a realização de um trabalho que lhe está vedado, por expressa imposição legal, não possuindo acreditação, de modo que, inevitavelmente, as medições acústicas que realizou são irregulares e está-se perante uma perícia ilegal, representando um meio de prova legalmente inadmissível.
 
21.ª - Os documentos juntos dizem respeito a matéria essencial para ajuizamento sobre a validade e força probatória da «prova pericial» realizada pela Universidade ..., e, em última instância, para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
 
 22.ª - Portanto, pelas razões expostas, consideram os recorrentes, salvo o devido respeito, que o despacho em apreço violou o disposto:
- no artigo 20.º, n.º 4, e no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa;
- no artigo 3.º, n.º 3, no artigo 4.º, no artigo 5.º, no artigo 411.º, no artigo 413.º, no artigo 423.º, n.ºs 2 e 3, no artigo 424.º, no artigo 425.º, no artigo 467.º, n.º 1, e no artigo 477.º, todos do Código de Processo Civil;
- no artigo 1.º, n.º 1, e no artigo 9.º, n. 1, do Regulamento (CE) n.º 765/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 09 de Julho de 2008;
- no artigo 34.º do Regulamento Geral do Ruído (DL n.º 9/2007, de 17 de Janeiro).
 
23.ª - Quanto à condenação em custas é ilegal uma vez que não está em causa um incidente ou uma anormal utilização do processo e o requerimento dos recorrentes não é complexo e não exigiu do Tribunal um esforço fora do comum. 
*
1.2.2. Contra-alegações
Apenas a 1.ª Requerida (EMP01..., Limitada) contra-alegou, pedindo que o recurso fosse julgado totalmente improcedendo, mantendo-se o despacho recorrido.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [4].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [5], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso interposto pelos Requerentes (AA e mulher, BB), duas questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao ter indeferido a junção aos autos de documentos pertinentes à falta de acreditação da entidade que realizou a perícia acústica nos autos (por tais documentos terem sido apresentados em tempo e serem relevantes, face ao objecto da causa) ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação da lei, ao ter condenado os Requerentes nas custas do incidente (por não estar em causa um incidente ou uma utilização anormal do processo) ?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a apreciação das duas questões enunciadas, encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Prova por documentos
4.1.1. Direito à prova
Lê-se no art.º 342.º, do CC, que àquele «que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (n.º 1), sendo que a «prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita» (n.º 2).
Logo, a iniciativa da prova cabe, em princípio, à parte a quem aproveita o facto dela objecto - e não ao tribunal -, sob pena de não vir a obter uma decisão que lhe seja favorável, uma vez que o juiz julga secundum allegata et probata, nom secundum constientiam suam (art.º 346.º, do CC, e art.º 414.º, do CPC).

«Ora, para cumprir este ónus, reconhece-se o direito à prova» (J. P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2009, pág. 207, com bold apócrifo), ínsito na exigência constitucional de um processo equitativo (art.º 20.º, n.º 4, da CRP) [6].
Pode definir-se genericamente o direito à prova como o «direito da parte de utilizar todas as provas de que dispõe, de forma a demonstrar a verdade dos factos em que a sua pretensão se funda. Do seu conteúdo essencial constam, portanto, os seguintes aspectos: o direito de alegar factos no processo; o direito de provar a exactidão ou inexactidão desses factos, através de qualquer meio de prova», o que implica a proibição de um elenco taxativo de meios de prova; e «o direito de participação na produção das provas» (Ac. da RC, de 14.07.2010, Carvalho Martins, Processo n.º 102/10.5TBSRE.C1).
Enfatiza-se aqui que, sem o direito à prova, as garantias constitucionais do acesso ao direito e ao processo equitativo seriam meramente formais: se não fosse facultada às partes a possibilidade de apresentarem os meios de prova legalmente admissíveis, obtidos de forma lícita, e pertinentes para a prova dos factos que previamente alegaram e cujo ónus de prova lhes compete, não conseguiriam obter o reconhecimento das respectivas pretensões [7].
Compreende-se, por isso, que se afirme que, sendo o direito à prova um direito necessariamente instrumental da realização de um outro, substantivo, «uma restrição incomportável da faculdade de apresentação de prova em juízo pode impossibilitar a parte de fazer valer o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (Ac. do STJ, de 17.12.2009, Hélder Roque, Processo n.º 159/07.6TVPRT-D.P1.S1).
Logo, e como regra geral, «os regimes adjetivos devem revelar-se funcionalmente adequados aos fins do processo e conformar-se com o princípio da proporcionalidade, não estando, portanto, o legislador autorizado, nos termos dos artigos 13.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, pág.190).
Dir-se-á que, e mercê deste imperativo constitucional, a própria interpretação das normas legais infra constitucionais deverá ser feita por forma a salvaguardar a máxima e efectiva actividade probatória.

Precisa-se, ainda, que este «direito fundamental à prova implica que as partes tenham liberdade para demonstrar quaisquer factos, mesmo que não possuam o respetivo ónus da prova, desde que entendam que a sua comprovação diminuirá os seus riscos processuais» (Ac. da RC, de 21.04.2015, Maria João Areias, Processo n.º 124/14.1TBFND-A.C1) [8].
*
4.1.2. Objecto da prova
Lê-se no art.º 341.º, do CC, que as «provas têm por objecto a demonstração da realidade dos factos»; e lê-se de forma conforme no art.º 410.º, do CPC, que «a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados [9] ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova» [10], sendo que nestes necessariamente se contam os factos necessários «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio» que seja lícito ao Tribunal conhecer, nos termos do art.º 5.º, do CPC.
Dir-se-á, ainda, que, não existindo no actual CPC um preceito idêntico ao art.º 511.º, n.º 1, do anterior CPC (onde expressamente se lia que o «juiz, ao fixar a base instrutória, selecciona a matéria de facto relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida» - bold apócrifo), mantém-se actual esse entendimento.
*
Precisando, dir-se-á que os «factos com interesse para a decisão da causa são, por princípio, os factos que cabe às partes alegar, ou seja, “os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas” [art.º 5.º 1, do CPC]» (Ac. da RP, de 09.09.2019, Jerónimo Freitas, Processo n.º 10830/17.9T8PRT-A.P2).
Contudo, recorda-se que, face «ao atual CPC, a atividade de instrução não se limita aos factos alegados pelas partes, podendo dela extraírem-se factos instrumentais, segundo o disposto na alínea a), do n.º 2 do artigo 5.º do CPC e ainda factos complementares e concretizadores daqueles [essenciais] que hajam sido alegados pelas partes», embora sempre e só dentro «das balizas da causa de pedir e da matéria de exceção que constam dos articulados» (Ac. do TCAS, de 19.10.2017, Ana Celeste Carvalho, Processo n.º 1087/16.0BELRA-A, com bold apócrifo) [11]
«Mais concretamente, o objeto da prova são os factos pertinente para a decisão do pleito que permanecem controvertidos e, por isso, necessitados de prova (art. 410 do CPC). Seguindo a sistematização de João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual cit., p. 471), são necessitados de prova os factos alegados por uma parte e impugnados pela outra (art. 574/2 do CPC); os factos que, não tendo sido impugnados, não possam ser confessados ou que só possam ser provados por documento escrito (art. 574/2), os factos não impugnados pelo Ministério Público ou por advogado oficioso que represente incapazes, ausentes e incertos (art. 574/4) e ainda os factos que não foram impugnados numa situação de revelia inoperante (arts. 567/1 e 568, b) e d) do CPC). Deste modo, a contrario, não carecem de prova os factos admitidos por acordo por falta de impugnação (art. 574/2) e os que tenham sido confessados por uma das partes (art. 352 do Código Civil)» (Ac. da RG, de 01.02.2024, Gonçalo Oliveira Magalhães, Processo n.º 556/22.7T8PRG-A.G1, ainda inédito).
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4.1.3. Prova documental 
4.1.3.1. Definição
Lê-se no art.º 362.º, do CC, que prova «documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto».
Está-se perante uma noção ampla de documento, abrangendo um escrito, «uma fotografia, um disco granofónico, uma fita cinematográfica, um desenho, uma planta, um simples sinal convencional, um marco divisório, etc., etc.». O que se exige, porém, como essencial «à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objecto» (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada,1987, pág. 321).

4.1.3.2. Momento de apresentação
Lê-se no art.º 423.º, do CPC, que os documentos deverão «ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes» (n.º 1), ou «até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado» (n.º 2); e, após «o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior» (n.º 3).
*
Precisando a apresentação dos documentos com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes (n.º 1, do art.º 423.º citado), compreende-se que, não sendo os documentos factos, mas sim meio de prova destes últimos, devam ser apresentados com os articulados onde os ditos factos sejam alegados (solução, aliás, que o CPC estende aos demais meios de prova, nos art.ºs 522.º, n.º 2, 527º, al. d), e 588.º, n.º 1 e n.º 5) [12].
*
Precisando novamente, e agora atendendo aos documentos juntos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final (n.º 2 do art.º 423.º citado), concilia-se aqui o interesse público «do apuramento da verdade, ao qual convém a junção ainda que tardia do documento, com disciplina ideal do processamento da acção, facilitada pelo debate imediato da prova documental sobre os fundamentos da ação e da defesa na fase introdutória da ação» (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 530).
Contudo, procurou-se no CPC de 2013 obviar à tendência que se instalara ao abrigo do CPC de 1961 - em que o limite de apresentação de documentos em 1.ª instância coincidia com o encerramento da discussão -, erigida em verdadeira estratégia processual, de protelar a junção de documentos para o decurso da audiência de julgamento (com os inerentes suspensão e prolongamento da mesma, com natural prejuízo para o decurso dos depoimentos que nela fossem prestados).
A «solução agora adoptada, bem mais restritiva do que a do regime anterior, tem consonância com o princípio da inadiabilidade da audiência final, pois a antecedência agora imposta assegura o oportuno contraditório e obvia a intuitos exclusivamente dilatórios» (João Correia, Paulo Pimenta e Sérgio Castanheira, Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, Setembro de 2013, pág. 56, com bold apócrifo).
Dir-se-á, ainda, que foi também perseguindo «um modelo de disputa mais leal», que «o legislador estabelece[u] como termo final para a apresentação de documentos o vigésimo dia que antecede a data em que se realize a audiência final, numa manifestação de efetividade do princípio da boa-fé processual (art. 8º).
Surpreende-se aqui um paralelismo com o limite temporal previsto para a alteração do rol de testemunhas (art. 598º, nº 2), assim se densificando uma regra de estabilização dos meios de instrução a partir do vigésimo dia que antecede a audiência final» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil. Os Artigos da Reforma, Almedina, Outubro de 2013, pág. 340, com bold apócrifo) [13].

Dir-se-á, por fim, que constituem exemplos de situações em que a parte não pode apresentar o documento com o articulado respectivo aquelas em que o documento se encontrava em poder de terceiro, que não o disponibilizou antes; ou em que, tendo a sua emissão por terceiro sido requerida atempadamente, só posteriormente se logrou; ou em que a parte só posteriormente teve conhecimento da sua existência, sem que essa ignorância prévia lhe seja censurável, mesmo a título de negligência; ou em que o documento só posteriormente se formou (v.g. declaração confessória extra-judicial).
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Precisando uma derradeira vez, e agora atendendo aos documentos juntos depois do vigésimo dia prévio à data em que se realize a audiência final, só serão admitidos desde que a sua apresentação não tenha sido possível até àquele momento, ou desde que a sua apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior (n.º 3 do art.º 423.º citado).

Assim, e na primeira hipótese («documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento»), contêm-se a impossibilidade (de junção anterior) por superveniência (da prova documental), quer objectiva, quer subjectiva.
Precisando, será objectivamente superveniente o documento que só se formou, ou a que só se pôde aceder, depois de proferida a decisão recorrida; e será subjectivamente superveniente o documento que só foi conhecido depois desse momento.
Estão aqui contempladas situações: em que o documento estava em poder de terceiro, que não o disponibilizou antes; ou em que, tendo a emissão do documento por terceiro sido requerida atempadamente, só posteriormente se logrou; ou em que a parte só posteriormente teve conhecimento da existência do documento, sem que essa ignorância prévia lhe seja censurável, mesmo a título de negligência (referindo expressamente a lei - quer no art.º 423.º, n.º 3, quer no art.º 425.º, ambos do CPC - que «não tenha sido possível»).
Com efeito, e relativamente à superveniência subjectiva (conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante a sua existência ser anterior ao momento considerado), esse conhecimento posterior só será relevante para justificar a junção quando se deva a razões atendíveis, entendendo-se como tais aquelas de que «resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento» (Ac. da RL, de 24.03.2015, Fonte Ramos, Processo n.º 4398/11.7T2OVR-A.P1.C1) [14].
Precisa-se, ainda, que, em «qualquer dos casos, (…) tal documento tem de referir-se a facto ocorrido antes do encerramento da discussão em 1ª instância, a facto reportado aos fundamentos da acção ou da defesa, e devidamente introduzido na causa no respectivo articulado, no limite mediante alegação em articulado superveniente, articulado este que tem como limite temporal justamente aquele encerramento da discussão em 1ª instância (cfr. os arts. 588º, nº 1, e 611º, nº 1, do NCPC)» (Ac. da RC, de 15.09.2015, Moreira do Carmo, Processo n.º 889/10.5TBFIG.C1).
Por fim, precisa-se que aqui apenas se legitima a apresentação imediata, logo que cesse a impossibilidade de apresentação, não podendo a parte aguardar pelo derradeiro momento pressuposto pela norma de dilação - o encerramento da discussão em primeira instância, assim se antecipando para a fase anterior a solução prevista no art.º 425.º, do CPC.

Já na segunda hipótese («documentos cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior»), a «apresentação torna-se necessária em virtude de ocorrência posterior, nomeadamente, no caso (expressamente previsto na lei antiga) de se destinar à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no número anterior» (Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil. Os Artigos da Reforma, Almedina, Outubro de 2013, pág. 341); ou ainda no caso de, «provando [os documentos supervenientes] factos anteriores, se formem posteriormente» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 250).
Por outras palavras, o «facto (“ocorrência”) posterior a que se refere o nº 3 do art. 423 não é um facto principal, pois este só pode ser introduzido na causa mediante a alegação em articulado superveniente, já coberto pela norma do nº 1 do artigo; a previsão do nº 3 respeita a factos instrumentais relevantes para a prova dos factos principais ou factos que interessem à verificação os pressupostos processuais. Sendo a ocorrência posterior, o documento que a prova não pode deixar de se ter formado, também ele, posteriormente; mas a esta situação há que assimilar os casos em que o facto (ainda que principal e como tal alegado) tenha ocorrido antes da preclusão do art. 423-2, fazendo já parte do processo, mas o documento que o prova (contendo, por exemplo, uma declaração confessória extrajudicial) só posteriormente se tenha formado» (José Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 250, nota 67).
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4.1.3.3. Controlo judicial
Lê-se no art.º 443.º, do CPC, que, juntos «os documentos e cumprido pela secretaria o disposto no artigo 427.º [notificação à parte contrária], o juiz, logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restituí-los ao apresentante, condenando este a pagamento de multa nos termos do Regulamento das Custas Processuais» (n.º 1); e, caso «seja aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 423.º, a parte é condenada no pagamento de uma única multa» (n.º 2).
Reafirma-se aqui o princípio da relevância da prova, consagrado genericamente no art.º 6.º, n.º 1, do CPC, onde se lê que cumpre ao juiz recusar «o que for impertinente ou meramente dilatório».
Dir-se-á, por isso, que nos pressupostos de admissão da prova documental se contam a sua pertinência para o objecto da prova a produzir («os temas da prova enunciados», ou os factos necessários «ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio» que seja lícito ao Tribunal conhecer, nos termos do art.º 5.º, do CPC) [15]; e o seu carácter não dilatório.
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Precisando, então, a «pertinência» para o objecto do processo, dir-se-á que serão impertinentes os documentos que se destinarem a provar factos estranhos/alheios à matéria da causa [16]; e serão desnecessários os documentos que se destinarem a provar factos sem qualquer interesse ou relevância para a decisão da causa [17].

Dir-se-á ainda que, na sua decisão de admissão, ou de não admissão, deste meio de prova (como de qualquer outro), «o Tribunal (…) deve ter sempre presente a ideia de que, na admissão dos meios de prova, não pode rejeitar um qualquer dos meios indicados pelas partes, com base na convicção pré-formada da sua relevância/eficácia para prova de determinado facto em concreto» (Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo n.º 4716/15.9T8VCT-A.G1, sendo a aqui Relatora respectiva 1.ª Adjunta).
Com efeito, o que a lei, cautelarmente, lhe impõe é que apenas recuse a diligência probatória em causa se entender que a mesma é impertinente (art.º 6.º, n.º 1, do CPC), deferindo-a se entender que não é impertinente (art.º 443.º, n.º 1, do CPC): o juízo de certeza, para a rejeição, terá de ser o da impertinência, bastando porém para a admissão que aquele não se verifique, isto é, que seja apenas verosímil a pertinência da diligência probatória requerida [18].
Logo, «não pode entender-se que uma diligência de prova é impertinente se o facto que com ela se pretende provar - ou efectuar a respectiva contra prova - pode ser provado por outro meio de prova ou que o meio requerido não o prova de forma plena ou que este iria fazer prolongar a duração do processo: no nosso entender, uma diligência de prova só pode considerar-se impertinente se não for idónea para provar o facto que com ela se pretende provar, se o facto se encontrar já provado por qualquer outra forma ou se carecer de todo de relevância para a decisão da causa» (Ac. da RG, de 20.10.2011, Carlos Guerra, Processo n.º 3361.0TBBCL-B.G1, com bold apócrifo) [19].
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Precisando agora a natureza «não dilatória», dir-se-á que, necessariamente, qualquer diligência de prova implica a dilação do subsequente fim do processo, pelo que não pode a lei ter aqui querido impedir esse natural protelamento, mas sim querido impedir o deferimento de diligência de prova que apenas tivesse esse propósito.
Com efeito, não só o Tribunal está proibido de «realizar no processo actos inúteis» (art.º 130.º, do CPC), como deve «dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, (…) recusando o que for (…) meramente dilatório» (art.º 6.º, n.º 1, do CPC), desse modo actuando o seu dever de gestão processual, aqui claramente em nome do princípio da economia processual.
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Precisando uma derradeira vez, desde que os documentos sejam considerados impertinentes ou desnecessários, ou tenham sido apresentados tardiamente, e o juiz os mande retirar do processo e restituir ao apresentante, terá de o condenar no pagamento de uma multa, nos termos do Regulamento das Custas Processuais, por expressa imposição da parte final do n.º 1 do art.º 443.º do CPC.
A propósito da determinação do montante da dita multa, lê-se no art.º 27.º, do RCP, que, sempre «que na lei processual for prevista a condenação em multa ou penalidade de alguma das partes ou outros intervenientes sem que se indique o respectivo montante, este pode ser fixado numa quantia entre 0,5 UC e 5 UC» (n.º 1); e, nos «casos excepcionalmente graves, salvo se for outra a disposição legal, a multa ou penalidade pode ascender a uma quantia máxima de 10 UC» (n.º 2).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. (Im)Pertinência (objecto da causa)
Concretizando, verifica-se que, estando em curso a audiência final (onde já fora produzida toda a prova pessoal arrolada), vieram os Requerentes (AA e mulher, BB),  em 15 de Setembro de 2023, não só requerer a presença na mesma do perito nomeado nos autos, para nela prestar esclarecimentos, como juntar três documentos, relativos à falta de acreditação, pelo Instituto Português de Acreditação, da Faculdade de Engenharia da Universidade ... para realização de perícia acústica, obtidos entre 14 e 18 de Agosto de 2023.
Reconhece-se, sem dificuldade (e tal como as Requeridas enfatizaram, no exercício do seu direito de contraditório) que a dita falta de acreditação não integra directamente o objecto da acção, isto é, não consubstancia facto constitutivo, impeditivo ou extintivo dos direitos nela invocadas e das pretensões nela formuladas.

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não deixam tais documentos de, por forma indirecta, se incluírem no âmbito do objecto da acção, na medida em que revelam um facto potencialmente importante para determinação do concreto valor probatório da perícia acústica realizada nos autos (meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, conforme art.º 389.º do CC, e art.º 489.º do CPC); e, assim, não se revelando impertinentes.
Dir-se-á ainda que, atendendo ao momento de apresentação dos ditos documentos, ainda seriam os mesmos idóneos a influenciarem a apreciação crítica da prova; e, assim, não se revelando desnecessários.
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Precisa-se, porém, que o juízo agora formulado não corresponde, nem sufraga, àquele outro, dos Requerentes (AA e mulher, BB), de que a falta de acreditação por si invocada cominaria de ilegal e inadmissível a perícia acústica realizada, mas apenas de que a revelação deste facto é suscetível de influenciar o valor probatório a atribuir-lhe.
Com efeito, nem a lei exige que as perícias em geral, e as acústicas em particular, sejam realizadas, única e exclusivamente, por entidades acreditadas para o efeito, nem comina com qualquer vício (v.g. nulidade, ineficácia) as que sejam realizadas sem aquela acreditação.
Dir-se-á ainda que assiste inteira razão às Requeridas (EMP01..., Limitada, EMP02..., Limitada e EMP03..., Limitada), quando afirmam que o momento processual próprio para que os Requerentes (AA e mulher, BB) deduzissem qualquer oposição válida à nomeação do perito em causa há muito que se encontrava ultrapassado, não obstante afirmem eles próprios que se limitaram «a praticar o acto de requerer a junção de alguns documentos, muito embora enquadrados nessa matéria e porventura susceptíveis de virem a provocar posteriormente essa discussão».
Com efeito, teriam de ter reagido à nomeação do dito perito, ou nos dez dias subsequentes a esse acto, ou, posteriormente, nos dez dias seguintes ao conhecimento da dita falta de acreditação própria, que ocorreu alegadamente entre 14 e 18 de Agosto de 2023 (conforme art.ºs 467.º, 470.º. e 471.º, todos do CPC); mas só o fizeram em 15 de Setembro de 2023.
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Mostra-se, assim, verificado o primeiro pressuposto que condicionava o deferimento da pretensão dos Requerentes (o não serem os documentos que apresentaram impertinentes ou desnecessários).
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4.2.2. (In)Tempestividade
Concretizando novamente, verifica-se que: com as respectivas contestações, as Requeridas (EMP01..., Limitada, EMP02..., Limitada e EMP03..., Limitada) juntaram aos autos um parecer técnico, «RELATÓRIO DE ENSAIO / RUÍDO AMBIENTE», de EMP04..., Lab, constando expressamente do mesmo a respectiva acreditação pelo Instituto Português de Acreditação; no exercício do contraditório respectivo sobre tais contestações, os Requerentes (AA e mulher, BB) juntaram um «PARECER TÉCNICO», epigrafado «RELATÓRIO DE ENSAIO», de EMP05..., S.A., sendo seu Anexo II um «Certificado de Acreditação» do Instituto Português de Acreditação; em 05 de Maio de 2022 foi proferido despacho, pedindo à Universidade ... a indicação de perito para realização de uma perícia acústica nos autos; em 24 de Maio de 2022 a Faculdade de Engenharia da Universidade ... indicou para o efeito o engenheiro DD (Responsável Técnico do Núcleo de Acústica do Departamento de Engenharia Química da Universidade ...), tendo-lhe de seguida sido deferida a realização da perícia; a realização da mesma foi-se prolongando por mais de um ano, com plúrimos e reiterados contactos do perito com as partes; em 09 de Maio de 2023 os Requerentes (AA e mulher, BB) deduziram um incidente de suspeição contra o perito nomeado, pedindo a sua remoção ou destituição do cargo (mas sem invocarem qualquer falta de acreditação, do próprio ou da entidade que o indicara), incidente julgado improcedente por sentença de 4 de Julho de 2023, da qual não foi interposto recurso; em 07 de Agosto de 2023 foi junto o relatório pericial, que, notificado às partes, não mereceu das mesmas qualquer reclamação; em 04 de Setembro de 2023 foi proferido despacho, designando dia para continuação da audiência final; e em 15 de Setembro de 2023 os Requerentes (AA e mulher, BB) vieram finalmente pedir a «comparência do Ex.mo Sr. Perito na audiência final, a fim de prestar, sob juramento, os esclarecimento que lhe sejam pedidos, nos termos do disposto no artigo 486.º do Código de Processo Civil» e a junção aos autos de três documentos (datados de 14, 16 e 18 de Agosto de 2023), «comprovativos de que o Laboratório de Acústica do Núcleo de Acústica da Faculdade de Engenharia da Universidade ... não possuir acreditação pelo ..., desde ../../2018, para realização de medições acústicas, nos termos do artigo 34.º do Regulamento do Ruído, constituindo tal circunstância um facto essencial para a boa decisão da causa relativo à perícia realizada nos autos».
Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, fizeram-no extemporaneamente.

Com efeito, desde a fase dos articulados que os Requerentes (AA e mulher, BB) demonstraram conhecer, e valorizar, a acreditação pelo Instituto Português de Acreditação dos pareceres técnicos (e, naturalmente, da futura e eventual perícia) que visassem medir os níveis de ruído das actividades desportivas em causa nos autos; na fase de instrução, não só tiveram conhecimento antecipado da entidade que indicaria o perito a nomear e da concreta identidade deste, como se relacionaram reiteradamente com o mesmo, chegando inclusivamente a deduzirem contra ele um incidente de suspeição, de cuja improcedência não recorreram; e na suas alegações de recursos são eles próprios quem revela que no «site da Faculdade de Engenharia da Universidade ..., ... está expresso que que os ensaios destinados  à “determinação da “incomodidade sonora ”...” e avaliar incomodidade sonora segundo o RGR,  artigo 13 pt.1b)”, tinham acreditação obtida em 1996 mas encontra-se suspensa pelo ... desde ../../2008».
Considera-se, assim, que, se o tinham por relevante, não só podiam, como deviam, em momento muito anterior à apresentação do relatório pericial, ter apurado e conhecido da existência, ou inexistência, da dita acreditação, pelo Instituto Português de Acreditação. Não o tendo, porém, feito, a sua omissão não pode deixar agora de ser tida como negligente (precisamente por, num quadro de normal cuidado, lhes ser há muito acessível essa informação).
Dir-se-á ainda que, mesmo que assim se não entendesse, tendo os documentos em causa sido obtidos entre 14 e 18 de Agosto de 2023, só em 15 de Setembro seguinte foram apresentados, não tendo os Requerentes (AA e mulher, BB) justificado porque não o fizeram imediatamente ou, pelo menos, no prazo supletivo geral de 10 dias, previsto no art.º 149.º, n.º 1, do CPC.

Por fim, dir-se-á que nunca poderia ser o concreto resultado do relatório pericial a tornar necessária a revelação da falta de acreditação, pelo Instituto Português de Acreditação, do seu autor, já que aquela necessidade terá de assentar num facto objectivo verificado após o vigésimo dia prévio ao início da audiência final, e como tal não se considera o mero e subjectivo aproveitamento, ou desaproveitamento, do resultado da dita perícia.

Mostra-se, assim, não verificado o segundo pressuposto que condicionava o deferimento da pretensão dos Requerentes (o terem, oportunamente, requerido a junção aos autos dos três documentos em causa).
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4.2.3. Condenação em custas - Apresentação de documentos (não admitidos)

Concretizando uma derradeira vez, tendo o Tribunal a quo indeferido a junção aos autos dos três documentos intempestivamente apresentados pelos Requerentes (AA e mulher, BB), condenou-os numa multa de meia unidade de conta, sendo que essa condenação lhe era imposta por lei e o fez pelo mínimo por esta autorizado.

Mostra-se, assim, igualmente não verificado o remanescente fundamento do recurso de apelação dos Requerentes (o não deverem ter sido condenados em qualquer multa, pela não admissão dos documentos por si apresentados).
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Deverá decidir-se em conformidade, pela total improcedência do recurso dos Requerentes (AA e mulher, BB).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pelos Requerentes (AA e mulher, BB), e, em consequência, em

· Confirmar integralmente o despacho recorrido.
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Custas da apelação pelos respectivos Recorrentes (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 15 de Fevereiro de 2024.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.


[1] Consta do cabeçalho de cada uma das folhas que compõem o dito documento o seguinte: «Empresa 04 Relatório n.º 1773-30 ... acreditação  L0393 ISSO/IEC ...25 Ensaios»       
[2] Consta do cabeçalho de cada uma das folhas que compõem o dito documento o seguinte:
«Empresa 04  Relatório n.º 1773-30... acreditação L0393 ISSO/IEC ...25 Ensaios»       
[3] Lê-se, nomeadamente, na sentença referida:
«(…)
Os múltiplos requerimentos extensos e prolixos apresentados pelos Autores ao longo do processo são o reflexo da elevada tensão entre as partes, que certamente foi transposta para os trabalhos da perícia, com a agravante da presença e proximidade física favorecedora de situações ainda de maior tensão, com as quais o Sr. Perito teve que lidar no desempenho da árdua tarefa de que foi incumbido.
A complexidade e particularidades da perícia de que foi encarregue aliada com a gestão da conflituosidade das partes e as vicissitudes que se foram sucedendo no decurso dos trabalhos, dificultaram anormalmente o desempenho do seu cargo, facto que reconheceu nas suas declarações, caracterizando esta perícia como a mais difícil e complexa que foi chamado a realizar em toda a sua vida profissional.
Essas dificuldades acrescidas estão bem evidenciadas no próprio processo, pela circunstância de o próprio tribunal ter sido chamado a pronunciar-se várias vezes, por dúvidas suscitadas pelas partes relativamente aos procedimentos da avaliação acústica, dúvidas essas que teve de resolver perante as vicissitudes que foram surgindo.
Como já referido, a postura dos Autores no decurso do processo, demonstra a sua oposição e inconformismo com a determinação da realização da perícia, o que tem criado obstáculos à sua conclusão, contribuindo decisivamente para o seu protelamento. Demonstrativo disso, foi a sua clara oposição à realização das medições acústicas no interior da sua habitação, a sua resistência em que as medições ocorressem nos períodos horários determinados pelo Sr. Perito, por entenderem que esses períodos não eram os de maior e intenso ruído, as confessadas reclamações apresentadas no decurso das medições acústicas quanto aos locais escolhidos para as realizar, e finalmente, a recusa em franquearem o acesso ao seu prédio no dia 12/05 para realização da última mediação acústica destinada à avaliação do ruído residual, após essa diligência já ter sido adiada do dia 17/04/2023, data em que deveria de ter ocorrido, mas que acabou por ser interrompida devido à existência de ruído proveniente de um evento não previsto nas imediações, não permitindo a medição do ruído residual ou ambiental em condições adequadas.
Realça-se que apesar dos Autores terem justificado a recusa de franquearam o acesso ao seu prédio ao Sr. Perito no dia 12/05/2023, o pretexto invocado não a justifica, pois a dedução do incidente de remoção/destituição não tem efeito suspensivo da perícia. O comportamento dos Autores, impedindo o acesso do Sr. Perito, traduziu-se em mais delongas e dilações na conclusão da perícia.
Do memorando apresentado pelo Sr. Perito constata-se que, a partir de 03 de Março de 2023, e com excepção da de 17/04/2023, em que foram interrompidos os trabalhos quando se pretendeu realizar a medição ao ruído residual, pelo motivo já referido, todas as datas propostas pelo Sr. perito foram recusadas ou canceladas por impedimento ou indisponibilidade dos Autores ou do seu Mandatário.
(…)
Os Autores levantam suspeitas e desconfianças sobre as justificações apresentadas pelo Sr. Perito quando confrontado com o atraso de protelamento da perícia, pondo em causa mesmo a genuinidade das explicações relacionadas com as condições atmosféricas adversas. Acontece que conforme foi esclarecido pelo Sr. Perito e resulta do guia prático para medições de ruído ambiente – Aplicação da NP ISSO 1996 – as condições meteorológicas influenciam as medições e a propagação sonora, sendo susceptíveis de afectar a exactidão das medições. Como é do conhecimento de todos, os meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2022 e Janeiro de 2023 foram caracterizados por fortes chuvas e vento durante dias seguidos, senão semanas, pelo que se nos afigura que a justificação apresentada pelo Sr. perito foi realística e genuína. Por outro lado, as dificuldades na agilização dos trabalhos da perícia também foram motivadas pela necessidade de articular com as partes e respectivos mandatários as datas em que deveriam ser realizadas, as quais, para além de estarem dependentes das respectivas disponibilidades para estarem presentes, uma vez que as partes fizeram sempre questão de acompanhar as medições e trabalhos realizados, também estavam dependentes dos agendamentos para ocupação dos dois campos de “padel” que deveriam estar sempre em funcionamento simultâneo.
Conclui-se, assim, que os factos apurados não revelam qualquer actuação negligente, imprudente ou descuidada do Sr. Perito, susceptível de por em causa ou fazer perigar a confiança que nele foi depositada para a realização da perícia, designadamente a sua isenção e imparcialidade, que seja fundamento da sua destituição/remoção.
(…)»
[4] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[5] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[6] O direito a um processo equitativo está igualmente consagrado no art.º 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, no art.º 14.º, n.º 1, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, e no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Entre nós, o direito à prova foi reconhecido como corolário do direito a um processo equitativo no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 359/2011, de 12 de Julho de 2011, relatado pelo Conselheiro Cura Mariano (in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).
[7] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 15.06.2020, Carlos Gil, Processo n.º 8583/18.2T8PRT-A.P1, onde se lê que o «direito à prova é parte essencial do direito fundamental de acesso ao direito (artigo 20º da Constituição da República Portuguesa), na vertente do direito a um processo equitativo, constituindo-se como peça fundamental para a realização efetiva do direito de ação judicial»
[8] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 19.06.2012, Maria da Purificação Carvalho, Processo n.º 1336/09.0TBEPS-D.G1, onde, depois de se afirmar que o «direito à prova é um dos componentes do direito de acesso ao direito e aos tribunais para defesa de direitos e interesses legalmente protegidos que está constitucionalmente consagrado», se detalha que o mesmo faculta «às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerem mais adequado tanto para a prova dos factos principais da causa, como também para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios», e pode ter por objecto a «prova dos factos que a parte tem o ónus de provar, como também para pôr em causa os factos que são desfavoráveis às suas pretensões que em princípio não terão o ónus de provar».
Ainda Ac. da RE, de 14.07.2021, Manuel Bargado, Processo n.º 119262/16.9YIPRT-B.E1, onde se lê que o «direito à prova significa que as partes conflituantes, por via de ação e da defesa, têm o direito a utilizarem a prova em seu benefício e como sustentação dos interesses e das pretensões que apresentarem em tribunal»; e «têm ainda o direito a contradizer as provas apresentadas pela parte contrária ou suscitadas oficiosamente pelo tribunal bem como o direito à contraprova».
[9] Concorda-se com José Lebre de Freitas, quando denuncia a incorrecção terminológica cometida no art.º 410.º, do CPC, já que se provam factos e não temas da prova, que «constituem apenas quadros de referência, dentro dos quais há que recorrer (…) aos factos alegados pelas partes» (A ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2013, pág. 207).
[10] Alterou-se no art.º 410.º, do actual CPC, a redacção do art.º 513.º, do revogado CPC de 1961 - onde se lia que «a instrução tem por objecto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova» -, mas não o seu sentido último.
[11] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 09.09.2019, Jerónimo Freitas, Processo n.º 10830/17.9T8PRT-A.P2, onde se lê que a «expressão “necessários ao esclarecimento da verdade”, prende-se com a prova dos factos alegados pelas partes. Tratando-se de um meio de prova, a sua função é a “demonstração da realidade dos factos” (art.º 341.º do CC), ou seja, o objectivo é alcançar a verdade material subjacente à relação material controvertida configurada pelo quadro factual alegado pelas partes».
Na doutrina, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, págs. 511 e 512, onde se lê que «um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraiam factos essenciais ou ainda por se tratar de um facto importante para apreciar a fiabilidade de outro meio de prova».
[12] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 498, onde se lê que, na «realidade, a alegação dos factos não deve jamais desligar-se da indicação dos meios de prova disponíveis para a sua demonstração, fazendo, assim, todo o sentido que a regra que faz coincidir a ocasião em que são alegados os factos com a constituição do ónus de indicação dos meios de prova, sem prejuízo dos casos de posterior modificação, designadamente na audiência prévia ou, como sucede na prova documental ou na prova testemunhal, até 20 dias antes da data designada para a audiência final».
[13] No mesmo sentido, Ac. da RP, de 07.01.2019, Carlos Querido, Processo n.º 3741/17.0T8MTS-A.P1, onde se lê que, com «a inovação do n.º 2 do artigo 423.º, n.º 2 do CPC, decorrente da última reforma do processo civil, que impõe como limite para a junção de documentos o prazo de 20 dias antes da data em que se realize a audiência final», o legislador visou «evitar surpresas no julgamento, decorrentes da junção inesperada de um qualquer documento, com consequências negativas traduzidas, nomeadamente, no arrastamento e no adiamento das audiências, obrigando as partes a uma maior lisura e cooperação processual na definição das suas estratégias probatórias».
[14] No mesmo sentido, Ac. da RC, de 18.11.2014, Teles Pereira, Processo n.º 628/13.9TBGRD.C1, onde se lê que só «são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento».
[15] No mesmo sentido, Ac. da RG, de 29.10.2020, Paulo Reis, Processo n.º 848/19.2T8PTL-B.G1, onde se lê que a «aferição da relevância dos documentos, em sentido amplo, enquanto meios probatórios, deve passar pela delimitação concreta, em cada causa, do respetivo objeto da instrução, o que nos remete para o que dispõe o artigo 410.º do CPC, com a epígrafe “Objeto da instrução”, o qual prevê que “[a] instrução tem por objeto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha de haver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova”».
[16] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, págs. 511 e 512, onde se lê que  «um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de um facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraiam factos essenciais ou ainda por se tratar de um facto importante para apreciar a fiabilidade de outro meio de prova»
[17] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 512, onde se lê que são «desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, sejam insusceptíveis de acrescentar um elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que não constam do elenco da apurar na causa, ou ainda por já constar do processo documento de igual ou superior relevo».
[18] De forma conforme com o sentido exposto, Ac. da RG, de 10.11.2016, Maria de Fátima Andrade, Processo n.º 5517/15.0T8BRG-A.G1, onde se lê que, na «medida em que a requisição de documentos em poder de terceiros possa relevar em sede indiciária para a formação da convicção do tribunal sobre factos essenciais da causa pedir, deverá a mesma ser deferida pelo tribunal».
[19] No mesmo sentido, Ac. da RE, de 31.05.2012, Canelas Brás, Processo n.º 28/11.5-B; ou Ac. da RG, de 16.02.2017, Pedro Alexandre Damião e Cunha, Processo n.º 4716/15.9T8VCT-A.G1, sendo a aqui Relatora respectiva 1.ª Adjunta.
Na doutrina, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 512, onde se lê que são «desnecessários os documentos que, atento o estado da causa, sejam insuscetíveis de acrescentar um elemento probatório que se repercuta no desfecho da lide, ou por dizerem respeito a factos que já se mostram devidamente comprovados, ou quando respeitarem a factos que não constam do elenco a apurar na causa, ou ainda por já constar no processo documento de igual ou superior relevo».