Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1812/21.7T8GMR.G1
Relator: PEDRO MAURÍCIO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
HONORÁRIOS
TAXA DE SUCESSO
RESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A causa da nulidade prevista na alínea d) do art. 615º do C.P.Civil de 2013, na vertente «excesso de pronúncia» ocorre quando o tribunal aprecia questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso. Para efeitos deste normativo, as «questões» são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, não se confundido com as considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes tendo em vista as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito.
II - A apreciação pelo Tribunal da Relação da decisão de facto impugnada não visa um novo julgamento da causa, mas sim uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros de julgamento.
III - No âmbito dessa apreciação, ao Tribunal da Relação incumbe formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e que são objeto de impugnação, tendo para o efeito amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, podendo socorrer-se, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo, não estando adstrito quer aos meios de prova que foram indicados pelas partes quer aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância.
IV – A modificabilidade da matéria de facto só deverá ordenada quando, ao cumprir a supra referida incumbência de formar o seu próprio juízo probatório, o Tribunal da Relação conclua no sentido de que a prova produzida tem um sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal da 1ªInstância, ou seja, quando consiga alcançar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento na matéria de facto.
V – Apesar de não conter norma legal igual à que constava do art. 646º/4 do anterior C.P.Civil, e ter sido uma opção legislativa maior liberdade na descrição da matéria de facto, por força do disposto no art. 607º/3 e 4 C.P.Civil de 2013, na fundamentação de facto da sentença apenas devem constar os factos julgados provados e não provados, dela devendo ser expurgados todos os que constituem matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que engloba os juízos de valor ou conclusivos.
VI – Os factos conclusivos não podem integrar a matéria de facto quando estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem a perceção da realidade concreta, e/ou ditam por si mesmo a solução jurídica do caso, normalmente através da formulação de um juízo de valor.
VII - Saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui uma questão de direito.
VIII - Quando o recurso tem por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo Tribunal de 1ª Instância contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados.
IX - Um cláusula de “success fee”/“taxa de sucesso”, para efeitos retributivos, é uma taxa de performance, de sucesso por um desempenho, uma comissão variável indexada à taxa de sucesso de uma operação, pelo que, para atribuição da respectiva retribuição, é irrelevante o volume e/ou a expressão quantitativa dos serviços prestados, apenas relevando o sucesso do resultado alcançado.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
* * *
1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada

A Autora O. S., LDA instaurou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a Ré B. M. - CONSULTORIA, SOCIEDADE UNIPESSOAL, LDA, pedindo que: «a) seja a Ré condenada a devolver à Autora a quantia paga a título de honorários no montante de € 61.500,00 c/iva, acrescida de juros de mora legais desde a citação até efetiva devolução; b) seja a Ré condenada a ressarcir a Autora a título de perda de chance, em valor cuja liquidação se relega para execução de sentença; c) subsidiariamente, e apenas no caso de a Ré não ser condenada a devolver a totalidade dos honorários à Autora, serem os mesmos reduzidos segundo juízos de equidade em valor/percentagem a fixar pelo tribunal».
Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «em Setembro de 2016, a Autora e Ré celebraram um contrato de prestação de serviços no qual a Ré prestaria à Autora os serviços necessários de preparação de candidatura à medida Inovação Produtiva do Sistema de Incentivos Portugal 2020; em 30/09/2016, a Ré apresentou a candidatura da Autora ao Portugal 2020, indicando como investimento elegível potencial o montante de € 1.555.672,19; em 13/06/2017, a Autora foi notificada da decisão final, tendo sido atribuído um incentivo reembolsável de € 1.055.555,31, referente ao projecto de investimento elegível no montante de € 1.507.936,16; em 28/06/2017, na sequência da decisão de aprovação de candidatura, a Autora assinou o termo de aceitação do qual constava do seu teor como cláusula primeira que o período de execução do investimento decorreria entre 01/10/2016 e 30/09/2018; uma vez proferida aquela decisão de aprovação, em 10/08/2017, a Ré solicitou à Autora a emissão e entrega de cheques pré-datados no valor global de € 92.738,08 c/IVA, equivalente a 5% do investimento elegível pela entidade competente, conforme consta do contrato de prestação de serviços, emitindo a competente factura; em 11/08/2017, a Ré, em representação da Autora por via do contrato de prestação de serviços celebrado, submeteu via Balcão Portugal 2020, um primeiro pedido de pagamento/adiantamento; contando com este, a Autora, em 20/09/2017, celebrou um contrato de abertura de crédito com o Banco ..., SA, solicitando em 06/10/2017 a utilização do montante de € 150.000,00 destinado a antecipação de incentivos Portugal 2020, pedido que foi aprovado e pago em 12/10/2017 correspondente a um incentivo reembolsável de € 211.094,29; em 24/11/2017, a Ré submete novo pedido de pagamento/adiantamento, em face do qual a Autora celebrou, em 14/12/2017, novo contrato de abertura de crédito com aquele Banco, solicitando a utilização do montante de € 200.000,00 destinado a antecipação de incentivos Portugal 2020; a Ré submeteu mais três pedidos de pagamentos/adiantamentos, em 15/12/2017, 28/02/2018 e 08/03/2018; no âmbito dos trabalhos de verificação do investimento reportado no primeiro e único pedido de certificação das despesas apresentadas submetido em 24/11/2017, a entidade competente verificou a existência de um pagamento, no montante de € 38.000,00, montante esse efectuado em data anterior à candidatura; o investimento em causa representaria 18,70% do investimento elegível contratado e não foi identificado na candidatura da Autora efectuada pela Ré, como excepção do referencial de aprovação; por esse motivo, a entidade competente concluiu que o projecto apresentado pela Autora violava o requisito do efeito do incentivo; a Ré, em 16/04/2019, devolveu uma parte dos cheques emitindo uma nota de crédito no montante de € 25.132,25, cobrando, ainda assim, cerca de € 61.500,00 com IVA; em 19/03/2020 a Comissão Directiva do Norte 2020 aprovou a anulação do projeto, revogando o ato de concessão do apoio e à descativação de € 1.055.555,31 de Incentivo reembolsável Feder atribuído, e à recuperação, pela Agência Para o Desenvolvimento e Coesão, do valor já pago no montante de € 211.094,29 de Incentivo Total; a Autora, em 17/07/2020, enviou a Ré carta solicitando a devolução dos valores pagos a título de honorários no valor de € 61.500,00; em 16/09/2020, a Ré responde, alegando que as partes acordaram uma redução no preço dos serviços prestados para € 50.000,00; acordo que nunca aconteceu; a Ré jamais teria direito ao fee de sucesso, caso tivesse assinalado corretamente no formulário de candidatura a existência de investimentos com adiantamentos já realizados, porquanto a candidatura teria obtido, logo à partida, decisão desfavorável; em consequência do cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços por banda da Ré, a Autora não recebeu a totalidade do incentivo reembolsável nem o incentivo não reembolsável; apesar da anulação da candidatura, a Autora cumpriu integralmente o projeto, pelo que era provável e possível receber tais incentivos».
Citada, a Ré contestou, pugnando pela «improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos».
Fundamentou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «só no final do ano de 2017, e no momento em que o IAPMEI leva a cabo diligências de verificação do investimento e de certificação das despesas apresentadas é que a Autora deu conhecimento que por conta da despesa elegível nº1, havia realizado um adiantamento de 38.000,00€; tal adiantamento não foi identificado pela Autora no momento da apresentação do seu plano de investimento, como excepção, nem foi identificado pela mesma como despesa anterior ao projecto; à data da apresentação da candidatura, a legislação em vigor permitia a elegibilidade de despesas sinalizadas em momento anterior ao da apresentação da candidatura até 50%; tal legislação veio a ser alterada no decurso da apreciação desta candidatura, que atribuiu efeitos retroactivos, fundada em mais recentes orientações emanadas pela Comissão Europeia; a despesa elegível já constava do plano de investimento, e ainda que houvesse erro por banda da Autora ao não assinalar aquele excepção, tal omissão nunca poderia conduzir à revogação total do incentivo; notificada da decisão final de revogação da decisão de aprovação, Autora e Ré reuniram, sendo que, por motivos e razões que a Ré não pode compreender, não quis impugnar o acto administrativo e pretendeu, antes sim acomodar-se a uma decisão, que é infundada, ilegal e desproporcional; pese embora entendesse que tinha prestado os seus serviços à Autora, este pediu à Ré que fizesse um desconto ao preço fixado, e esta acedeu, acordando com aquela fazer um “acerto” naquela conta, e reduzir para 50.000,00€, acrescido de IVA o valor do preço, o que aconteceu em Abril de 2019; a Autora podia e devia ter reagido e impugnado judicialmente junto do Tribunal Administrativo e Fiscal o acto administrativo de revogação do projecto».
Foi proferido despacho saneador, no qual se identificou o objecto do litígio e se enunciaram os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Pelo exposto, o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente, e, consequentemente: - condena-se a R. a devolver à A. a quantia de 61.500,00 € (sessenta e um mil e quinhentos euros), com IVA, acrescida de juros de mora legais contados desde a citação e até integral pagamento; - absolve-se a R. do demais peticionado…”.
*
1.2. Do Recurso da Ré

Inconformada com a sentença, a Ré interpôs recurso de apelação, pedindo que seja “revogada a sentença recorrida e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente”, e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:

“A. O presente recurso recai sobre matéria de facto, mas também sobre matéria de direito.
B. A sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia ao ter conhecido de questões sobre as quais estava impedida de o fazer, porque não colocadas pelas partes, nem de conhecimento oficioso.
C. O Tribunal estava adstrito às questões relativas ao incumprimento contratual por parte da R. e à eventual indemnização por perda de chance, de acordo com as disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
D. Nunca foi colocada em causa nos autos o critério de fixação de honorários, nem a interpretação de qualquer clausula do contrato, pelo que o Tribunal ao conhecer das mesmas na sentença incorreu em nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC.
E. Quanto à matéria de facto, a parte final do facto provado NN) é claramente conclusiva, pelo que deve ser expurgada a parte em que refere “montante manifestamente indevido e não correspondente ao benefício realmente obtido pela Autora”.
F. Nos termos do disposto no artigo 640º / nº 1 alínea a) do C.P.C., encontra-se incorrectamente julgado, e por isso vai concretamente impugnado o facto provado nº7 elencado na sentença em crise, impondo decisão diversa, nos termos do disposto o artigo 640º / nº 1 alínea b) do C.P.C. o documento n.º13 junto com a P.I. e n.º5 junto com a Contestação.
G. Assim, o facto não provado n.º7 deveria ter sido considerado provado por força da conjugação dos factos provados JJ) e NN) (expurgada a parte conclusiva) e atendendo ao comportamento concludente da A. desde a notificação da intenção do IAPMEI em revogar a decisão de concessão de apoio, comunicada em 16/05/2018, tendo esta emitido em concordância com a R./Recorrente cheques para o dia 20/05/2018, 20/06/2018, 20/07/2018, 20/08/2018 e 20/09/2018.
H. A A./Recorrida com o seu comportamento demonstrou a sua concordância em pagar os serviços prestados pela R., até porque o objectivo fixado no contrato havia sido alcançado.
I. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09/07/2014, processo n.º299709/11.0YIPRT.L1S1, disponível para consulta em www.dgsi.pt , onde ficou sumariado:
«1. Na definição legal, a declaração tácita é a que se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelam – art. 217º nº 1 do CC.
2. Os factos de que a vontade se deduz são os factos concludentes ou significativos, no sentido de se poder afirmar que, segundo os usos da vida, há toda a probabilidade de que o sujeito tenha querido, realmente, o negócio jurídico cuja realização deles se infere.
3. Na declaração tácita, entre os factos concludentes e a declaração há um nexo de presunção, juridicamente lógico-dedutivo. A declaração não é formada pelos factos concludentes, deduz-se deles.
4. Esta presunção, na declaração tácita propriamente dita, é judicial, sendo-lhe aplicável todo o respectivo regime legal: cabe ao juiz apurar se, de certo comportamento, se pode deduzir, de modo indirecto, mas com toda a probabilidade, certa vontade negocial.
5. As presunções judiciais não são propriamente meios de prova, mas ilações que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (art. 349º do CC).»
J. O comportamento da A., consubstanciado na emissão de cheques, em momento posterior à comunicação de intenção de revogação do apoio, bem assim a devolução dos restantes por parte da R. com a respectiva nota de crédito de 25.132,25€, tinham de levar o julgador a concluir, com toda a probabilidade, que as partes haviam acordado a redução dos honorários ao montante de 50.000,00€+IVA, devendo por isso o facto provado n.º7 dos factos não provados passar a integrar o rol dos factos provados.
K. Quanto à matéria de direito, o contrato celebrado entre A. e R. é um contrato de prestação de serviços, a título oneroso (cfr. artigo 1158.º, n.º 2 do CC), devidamente regulado nos artigos 1154.º a 1156.º do C.C.
L. A retribuição da R./Recorrente acordada entre as partes era variável, recorrendo ao success fee, tendo aquela direito a 5% sobre as despesas elegíveis que viessem a ser consideradas no projecto SI Inovação.
M. A success fee “é uma taxa de performance, de sucesso por um desempenho, uma comissão variável indexada à taxa de sucesso de uma operação” e que “não releva, pois, para a atribuição da respectiva remuneração, o volume, a expressão quantitativa dos serviços prestados, mas sim o resultado alcançado”, conforme refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/03/2008, disponível em www.dgsi.pt
N. Estava a remuneração da R. dependente do sucesso do serviço prestado, definido no contrato como sendo o momento da aprovação do projecto pelas entidades gestoras competentes e sendo que a taxa de sucesso de 5% seria aplicada, nesse momento, sobre o valor das despesas elegíveis, após decisão e homologação de elegibilidade do projecto.
O. Era a obrigação da R./Recorrente uma obrigação de meios e não de resultado, no sentido de que tinha que tudo fazer para que o projecto fosse aprovado e não que o apoio/incentivo fosse efectivamente recebido pela A./Recorrida, resultando isso mesmo da cláusula contratual que estipula que a eventual desistência total ou parcial por parte da A. não prejudicava o direito a honorários por parte da R. (Cfr. ponto 7 do contrato junto como Doc.2 na P.I.)
P. Foi atribuído à A. um incentivo reembolsável de 1.055.555,31€, referente ao projecto de investimento elegível no valor de 1.507.936,16€ (Cfr. facto provado R) da sentença recorrida), o que se traduziu num direito à remuneração da R. no valor de 75.396,80€+IVA (92.738,08€).
Q. A remuneração da R. estava indexada à decisão e elegibilidade e não à execução do projecto, que apenas não aconteceu por facto imputável à A., aliás, fosse outro o critério de remuneração e a A. não colocaria ao dispor da R. os cheques pré-datados para pagamento da quantia total de 92.738,08€, mas procederia a pagamentos pro rata à medida que as tranches de incentivo fossem sendo colocados à disposição da A., o que não aconteceu.
R. A R. cumpriu integralmente o contrato, colocando ao dispor da R. os seus trabalhadores qualificados, desempenhando trabalho intelectual, traduzido em diversas horas de trabalho com reuniões, análise de documentos, respostas a emails, respostas às entidades gestoras dos projectos, etc., para além dos meios materiais despendidos com fotocópias, internet, telefone, electricidade, correios, combustível e muitos outros.
S. A decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção totalmente improcedente, não sendo a R. obrigada a restituir à A. o valor de 61.500,00€ pagos a título de honorários, porque a eles tinha direito nos termos do artigo 1167.º, alínea b) do CC em conjugação com as cláusulas contratuais.

Sem prejuízo,
T. Se se entendesse que a remuneração da R. estava dependente do benefício efectivo que a A. retiraria da aprovação do projecto, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre resultaria a aprovação do mesmo mas com uma despesa elegível de 1.225.936,16€ (cfr. folha 10 do Doc.2 junto com a P.I. – decisão final).
U. Que resultaria da subtracção do valor da máquina Linea Autobox BCS, no valor de 282.000,00€, cujo adiantamento de 38.000,00€ havia sido realizado, ao valor da despesa elegível inicialmente apurada no montante de 1.507.936,16€.
V. Resultando para a R. o direito a receber honorários no valor de 61.296,81€+IVA (75.395,08€), pelo que nenhum valor tem a devolver à A.

Mas ainda, sem prejuízo,
W. Atendendo à revogação da aprovação do projecto, sempre a R. teria direito a receber honorários, ainda que determinados com base em juízos de equidade, de acordo com o artigo 1158.º, n.º 2 do CC.
X. A equidade destina-se a encontrar a solução mais justa para o caso concreto («(…) Como refere o Prof. Castanheira Neves, "a equidade, exactamente entendida, não traduz uma intenção distinta da intenção jurídica, é antes um momento essencial da juridicidade." (apud "Questão de Facto - Questão de Direito", 1967, 351), ou, para o Prof. José Tavares, "a expressão da justiça num dado caso concreto". (in "Princípios Fundamentais do Direito Civil", I, 50). É uma justiça de proporção, ou de equilíbrio, fora das regras rígidas da norma.(…)», cfr Ac STJ de 11 de Julho de 2006 (Relator Sebastião Povoas), in www.dgsi.pt). O termo «equidade», é usado como sinónimo de «igualdade» e de «Justiça», permitindo que o julgador, aquando da sentença adapte a justiça às circunstâncias da situação concreta, («(…) a equidade é, portanto, um recurso que, superando a estrita legalidade positiva e apoiando-se no espírito da lei e na justiça natural, possibilita a consecução mais cabal e perfeita do justo nas variáveis e contingentes situações da vida.(…) Trata-se, em suma, de deixar à prudência do julgador adoptar a solução que entenda mais conveniente e oportuna para cada situação. Há quem fale, em tal hipótese, de «equidade-substitutiva», precisamente pelo facto de o juízo de equidade se substituir às normas jurídicas positivas. (…) A melhor doutrina procura conjugar equilibradamente as exigências da norma (justo legal) e do caso (justo concreto) e encontrar, enfim, a justa via média entre o normativismo abstracto e o decisionismo casuístico. (…)»), cfr Mário Bigotte Chorão, Introdução ao Direito, 1989, volume I, pag 97, 102, 105 e 106. – Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 373/1998.L1-2, datado de 12/11/2009, disponível para consulta em www.dgsi.pt
Y. A matéria de facto provada (cfr. facto D) a QQ) que a R. prestou serviços à A. no âmbito do projecto de investimento pelo menos desde Julho de 2016 até Abril de 2020, data da decisão de revogação do contrato, o que exigiu a colocação à disposição da A. de conhecimentos técnicos de elevada complexidade em matérias económicas, financeiras, de gestão e de legislação, com necessidade de dispêndio de muitíssimas horas no preenchimento de formulários, análise de documentos, solicitação de pedidos de informação, respostas às entidades gestoras e atribuidoras dos incentivos, etc.
Z. A quantia de 61.500,00€ (iva incluído) cobrada à A. pela prestação dos serviços de consultoria subjacentes ao projecto de investimento em crise nos autos é equitativa em face do tempo gasto, dos meios empenhados e da criatividade intelectual colocada ao serviço da A., devendo a sentença recorrida, também por aqui, ser revogada e, consequentemente, ser julgada a acção totalmente improcedente, por não provada, de acordo com os artigos 4.º, alínea a) e 1158.º, n.º 2 ambos do CC”.
A Autora não apresentou contra-alegações.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
* * *
2. OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR

Por força do disposto nos arts. 635º/2 e 4 e 639º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (as conclusões limitam a esfera de actuação do Tribunal), a não ser que se tratem de matérias sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, ou que sejam relativas à qualificação jurídica dos factos (cfr. art. 608º/2, in fine, aplicável ex vi do art. 663º, nº2, in fine, e 5º/3, todos do C.P.Civil de 2013).
Mas o objecto de recurso é também delimitado pela circunstância do Tribunal ad quem não poder conhecer de questões novas (isto é, questão que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que “os recursos constituem mecanismo destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando… estas sejam do conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha elementos imprescindíveis” (2) (pela sua própria natureza, os recursos destinam-se à reapreciação de decisões judiciais prévias e à consequente alteração e/ou revogação, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida (3)).

Neste “quadro legal” e atentas as conclusões do recurso de apelação interposto pelo Autor e a ampliação subsidiária do objecto do recurso deduzida pela Ré, são três as questões a apreciar por este Tribunal ad quem:

1) Se a sentença recorrida padece de nulidade processual em razão do «juiz ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento»;
2) Se a sentença recorrida deve ser alterada quanto à matéria de facto nos termos indicados na impugnação de facto deduzida pela Ré/Recorrente;
3) E se existe, ou não, obrigação de Ré/Recorrente restituir à Autora a quantia de € 61.500,00 que esta lhe pagou a título de honorários no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre ambas.
* * *
3. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Na sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como provados os seguintes factos:

A) A Autora é uma sociedade comercial por quotas que se dedica ao fabrico e comercialização de cartão e cartolina e acessórios para indústria.
B) A Ré é uma sociedade comercial por quotas que se dedica a atividades de contabilidade e consultoria fiscal.
C) No ano de 2016 e tendo em vista a modernização do seu sector produtivo e internacionalização, à Autora decidiu investir na aquisição de equipamentos produtivos inovadores.
D) Estabelecidos os contactos preliminares entre as partes, em 11 de Julho de 2016, a Ré dá a conhecer a Autora que tinham aberto as candidaturas ao Inovação Produtiva, enviando uma checklist e uma brochura a identificar as condições necessárias à candidatura do SI Inovação.
E) Uns dias após receber a informação antes identificada, a Autora reúne nas suas instalações com os responsáveis da Ré aceitando as condições propostas por esta para a prestação dos serviços necessários à elaboração de um projeto com a finalidade de candidatar-se ao SI Inovação.
F) Todavia, e mesmo antes da formalização do contrato de prestação de serviços ocorrido em Setembro de 2016, as partes iniciaram, desde logo, os trabalhos uma vez que as candidaturas encerravam em 30 de Setembro de 2016.
G) Em Setembro de 2016, a Autora e Ré celebraram um contrato de prestação de serviços no qual a Ré prestaria à Autora os serviços necessários de preparação de candidatura à medida Inovação Produtiva do Sistema de Incentivos Portugal 2020.
H) Com aquela candidatura pretendia a Autora não só efectuar obras de remodelação, bem como adquirir equipamentos produtivos inovadores e adquirir um software de produção, instalar um sistema solar fotovoltaico para a produção de energia para autoconsumo, e proceder à implementação da Certificação de Qualidade de acordo com a norma ISO 9001.
I) Do contrato de prestação de serviços resulta, além de outros trabalhos a realizar pela Ré, os identificados nos objectivos D e E, que aqui se dão por integralmente reproduzidos: D – Preparação e entrega da candidatura cujas acções passavam por preenchimento dos formulários de candidatura e a apresentação da candidatura junto das entidades competentes; e, E – Acompanhamento pós-candidatura cujas acções passavam pela manutenção do dossier do projecto; respostas aos pedidos de informação das entidades gestoras sobre o andamento do projecto; pedidos de pagamento de incentivo; e, outras respostas e pedidos.
J) Para além dos mencionados trabalhos, ficou consignado no contrato que a responsabilidade pela realização de todas as actividades necessárias à satisfação dos objectivos referidos seria da Ré.
K) E, a título de honorários foi convencionado um regime de fee variável (em função do sucesso) de remuneração de forma a garantir que o valor efectivamente pago reflectisse o benefício obtido pela Autora.
L) O fee contratualizado foi de 5% sobre as despesas elegíveis, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que seria devido após ser proferida a decisão de aprovação do projecto pela entidade competente.
M) No seguimento da preparação da candidatura, a Autora, em 14 de Setembro de 2016, enviou à Ré uma série de facturas referentes a aquisições de maquinaria realizadas nesse ano a fim de esta verificar a sua utilidade no projecto Portugal 2020.
N) De entre as faturas enviadas, foi enviada uma factura proforma com o nº 32-16, datada de 13 de Julho de 2016, no valor de € 243.000,00 (documento informativo e sem validade fiscal emitido antes da troca de bens) referente à aquisição à Euromacbox de uma linha de produção denominada Línea Autobox BCS composta por várias unidades.
O) No mesmo dia, a Ré responde ao email da Autora informando que as facturas enviadas não podiam ser consideradas no âmbito do projecto pois tinham data anterior à data da candidatura. Mais informou que o que poderia ser considerado no âmbito do projecto seriam adiantamentos até 50% do valor do equipamento, sendo que a factura desse equipamento teria de ter data posterior à data da candidatura.
P) Dois dias depois, em 16 de Setembro de 2016, a Ré envia à Autora, via email, mapa de investimentos provisórios no qual vem identificado o equipamento referido na alínea N), solicitando a sua análise pela Autora.
Q) Em 30 de Setembro de 2016, é apresentada a candidatura da Autora ao Portugal 2020, indicando como investimento elegível potencial o montante de € 1.555.672,19.
R) Em 13 de Junho de 2017, a Autora foi notificada da decisão final, tendo sido atribuído um incentivo reembolsável de € 1.055.555,31, referente ao projecto de investimento elegível no montante de € 1.507.936,16.
S) Em 28 de Junho de 2017, na sequência da decisão de aprovação de candidatura, a Autora assinou o termo de aceitação do qual constava do seu teor como cláusula primeira que o período de execução do investimento decorreria entre 1 de Outubro de 2016 e 30 de Setembro de 2018.
T) Uma vez proferida a decisão de aprovação do projecto pela entidade competente, a Ré, em 10 de Agosto de 2017, solicitou à Autora a emissão e entrega de cheques pré-datados no valor global de € 92.738.08 c/IVA (€ 75.396,80 s/iva), ou seja, 5% do investimento elegível pela entidade competente, conforme consta do contrato de prestação de serviços, emitindo a competente factura.
U) Cheques esses posteriormente desdobrados por outros.
V) Em 11 de Agosto de 2017, a Ré, em representação da Autora, fruto do contrato de prestação de serviços entre ambas celebrado, submeteu via Balcão Portugal 2020, um primeiro pedido de pagamento/adiantamento.
W) Contando com tal pagamento/adiantamento, a Autora, em 20 de Setembro de 2017, celebrou um contrato de abertura de crédito com o Banco ..., SA, solicitando em 6 de Outubro de 2017 a utilização do montante de € 150.000,00 destinado a antecipação de incentivos Portugal 2020.
X) Pedido de pagamento/adiantamento aprovado e pago em 12 de Outubro de 2017 correspondente a um incentivo reembolsável de € 211.094,29.
Y) Em 24 de Novembro de 2017, a Ré submete novo pedido de pagamento/adiantamento.
Z) Face ao novo pedido, a Autora celebra, em 14 de Dezembro de 2017, novo contrato de abertura de crédito com o Banco ..., SA, solicitando a utilização do montante de € 200.000,00 destinado a antecipação de incentivos Portugal 2020.
AA) Tendo a Ré, entretanto, submetido mais três pedidos de pagamentos/adiantamentos, respetivamente, em 15 de Dezembro de 2017, 28 de Fevereiro de 2018 e 8 de Março de 2018.
BB) No âmbito dos trabalhos de verificação do investimento reportado no primeiro e único pedido de certificação das despesas apresentadas submetido em 24 de Novembro de 2017, a entidade competente verificou a existência de um pagamento, no montante de € 38.000,00,
CC) Montante esse efectuado em data anterior à candidatura e respeitante à aquisição de uma Linea Autobox BCS-Máquina BCS, com valor total de € 282.000,00.
DD) O investimento em causa representaria 18,70% do investimento elegível contratado e não foi identificado na candidatura da Autora efectuada pela Ré, como excepção do referencial de aprovação.
EE) Por esse motivo, a entidade competente concluiu pela existência de uma alteração aos pressupostos de aprovação do projecto.
FF) Em virtude da existência de adiantamento para a aquisição de equipamentos realizados antes da data da candidatura, e considerando as determinações da Direcção-Geral da Concorrência da Comissão Europeia, a entidade competente concluiu que o projecto apresentado pela Autora violava, assim, o requisito do efeito do incentivo.
GG) Na referida comunicação, a entidade competente salientou que no formulário de candidatura não foi indicado o carácter de excepção, situação que, para além de configurar uma alteração aos pressupostos de aprovação do projecto, não permitiu igualmente que o mesmo, em sede de análise, tivesse obtido desde logo proposta de decisão desfavorável.
HH) Em 16 de Maio de 2018, a entidade competente notificou a Ré (Assunto: Projeto no 23781 - PT 2020 - SI INOVAÇÃO Audiência de Interessados), via Balcão 2020, da intenção de propor à Autoridade de Gestão a revogação da decisão de concessão do apoio à Autora, com fundamento no incumprimento definitivo da obrigação da beneficiária, ora Autora, prevista na alínea a) do nº1 do artigo 24º do Decreto-Lei nº 159/2014, de 27 de Outubro, para, querendo, se pronunciar.
II) Logo após o recebimento da notificação antecedente, a Autora reuniu-se por diversas vezes com a Ré, no sentido de perceber as razões e as consequências de uma possível anulação da candidatura, visto que a Autora já tinha investido em novos equipamentos e em obras de remodelação, no pressuposto que obteria o incentivo para qual se candidatou.
JJ) Para além disso, e em resultado da referida notificação, a Autora tentou junto da Ré substituir os cheques inicialmente entregues para datas posteriores até decisão do organismo competente, o que foi aceite por esta.
KK) Em 23 de Maio de 2018 a Autora apresentou contestação redigida e enviada pela Ré na qual, e entre outros fundamentos, invocou a Portaria nº 57-A/2015 de 27 de Fevereiro que, à data da submissão da candidatura, definia e determinava o Regulamento Específico do Domínio da Competitividade e Internacionalização.
LL) Em 24 de Maio de 2018, a Autora solicitou à Ré que não depositasse os cheques que estavam na sua posse até nova ordem.
MM) O incentivo reembolsável seria feito num prazo mais dilatado e a Autora teria um valor na ordem dos € 452.380,85 de incentivo não reembolsável.
NN) A Ré, em 16 de Abril de 2019, devolveu uma parte dos cheques emitindo uma nota de crédito no montante de € 25.132,25 com o nº 2019/3, cobrando, ainda assim, cerca de € 61.500,00 com IVA (€ 50.000,00 s/iva), montante manifestamente indevido e não correspondente ao benefício realmente obtido pela Autora.
OO) Não obstante a contestação apresentada pela Autora, o Organismo Intermédio do IAPMEI não aderiu aos fundamentos invocados por esta, e, em 20 de Fevereiro de 2020, manteve a sua proposta de revogação da decisão de aprovação e consequente devolução do incentivo adiantado, no valor total de € 211.094,29.
PP) Em 19 de Março de 2020 a Comissão Directiva do Norte 2020 aprovou a anulação do projecto nº 23781 (O. & S., L.da), revogando o acto de concessão do apoio e à descativação de 1.055.555,31 euros de Incentivo reembolsável Feder atribuído, e à recuperação, pela Agência Para o Desenvolvimento e Coesão, do valor já pago no montante de 211.094,29 Euros de Incentivo Total, alegando sumariamente o seguinte: “... a presente candidatura apenas escapou ao levantamento efetuado, por a empresa ter omitido no formulário de candidatura a existência de investimentos com adiantamentos já realizados. Caso contrário, logo nessa altura, a candidatura teria obtido decisão desfavorável. Acresce ainda que a indicação de exceção para os investimentos que já contemplavam adiantamentos era exigido no próprio formulário, na página do quadro de investimentos, na coluna respetiva para o efeito. E, para esclarecer qualquer dúvida, foi disponibilizado o próprio Guia de Preenchimento do Formulário que, tal como concorda a empresa, é bem claro referir essa obrigatoriedade. Importa salientar que no preenchimento do formulário de candidatura é da exclusiva responsabilidade da empresa, a qual declara no mesmo que as informações nele contidas, são verdadeiras, incluindo os pressupostos utilizados na definição do projeto de investimentos apresentado. O que não se verificou no presente caso, originando uma alteração aos pressupostos de aprovação do projeto. Em resumo, face à comunicação da DG Concorrência da Comissão Europeia, e considerando que o presente projeto inclui adiantamentos incorridos antes da data de candidatura, verifica-se que o projeto viola o requisito do efeito de incentivo, pelo que em momento algum poderá ser apoiado.”
QQ) Em 30 de Abril de 2020, a Autora foi notificada da revogação da decisão e do pedido de devolução do incentivo.
RR) A Autora, em 17 de Julho de 2020, enviou a Ré carta registada com AR solicitando a devolução dos valores pagos a título de honorários no valor de € 61.500,00.
SS) Em 16 de Setembro de 2020, a Ré responde pelo mesmo meio, alegando que as partes acordaram uma redução no preço dos serviços prestados para € 50.00,00.
TT) Só no final do ano de 2017, e no momento em que o IAPMEI leva a cabo diligências de verificação do investimento e de certificação das despesas apresentadas é que a A. dá conhecimento que por conta da despesa elegível nº1, havia realizado um adiantamento de 38.000,00€.

Na mesma sentença ora impugnada, o Tribunal a quo considerou como não provados os seguintes factos:

1- A Autora entregou à Ré, para esta aferir a sua elegibilidade no projeto Portugal 2020, factura proforma da primeira unidade datada de 9 de Agosto de 2016 no montante de € 95.000,00, na qual foi solicitado pelo fornecedor inglês um adiantamento de 40% (€ 38.000,00), tendo a Autora procedido ao pagamento desse adiantamento em 11 de Agosto de 2016.
2- Face à informação prestada pela Autora referente ao equipamento identificado no precedente artigo, entendeu a Ré inseri-la no mapa de investimentos, porquanto a fatura do referido equipamento teria data posterior ao da candidatura (20 de Outubro de 2016).
3- E enquanto a Autora aguardava pela decisão do organismo competente, cessaram os pedidos de pagamento, que, face aos compromissos assumidos por si, a obrigaram a obter junto da banca mais crédito no sentido de cumprir com as suas obrigações e,
4- Consequentemente a impor esforços suplementares, originando custos que não eram expetáveis, entre os quais, juros e prazos mais curtos para liquidação dos referidos empréstimos,
5- Ainda que houvesse erro por banda da A. ao não assinalar aquele excepção, tal omissão nunca poderia conduzir à revogação total do incentivo.
6- A A. pediu à R. que fizesse um desconto ao preço fixado, motivado por duas situações: a. a possibilidade de no futuro próximo apresentarem candidaturas com outras empresas detidas pelos representantes da A.; b. e de ainda estar por pagar parte do preço fixado no contrato.
7- A R. acedeu à pretensão e acordou com a A. fazer um “acerto” naquela conta, e reduzir para 50.000,00€, acrescido de IVA o valor do preço devido pela A., por força dos seus serviços prestados, o que aconteceu em Abril de 2019.
8- Em resposta à comunicação referida na alínea P) dos factos provados, a Autora informou a Ré que a factura proforma nº 32-16 ficava sem efeito uma vez que tinham adquirido aquela linha de produção (a primeira unidade de um total de 3 num montante global de € 282.000,00) a um outro fornecedor de seu nome B. Converting Solutions.
* * *
4. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Da Nulidade da Sentença Recorrida

Importa ter presente que as nulidades da decisão (sentença, ou despacho) constituem vícios intrínsecos da própria, deficiências da respectiva estrutura, o que não é confundível com o erro de julgamento, ou sequer com um alegado erro na forma de processo.
Como se explica no Ac. desta RG de 17/12/2018 (4), “Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º, do CPC, e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronúncia ultra petitum. Trata-se de vícios que «afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)» (Abílio Neto,… Diferentemente desses vícios, são os erros de julgamento (error in iudicando), os quais contendem com erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa. Nos erros de julgamento assiste-se a uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso (Ac. STJ. 08/03/2001…”.
Prescreve o art. 615º do C.P.Civil de 2013 (na parte que aqui releva): “1 - É nula a sentença quando:… d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;…”.
A causa da nulidade prevista nesta alínea d) advém do incumprimento do disposto no art. 608º/2 do C.P.Civil de 2013 que estatui que “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.
No que respeita à vertente «excesso de pronúncia» (para o caso não releva a vertente «omissão de pronúncia»), esta nulidade ocorre quando o tribunal aprecia questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.
Como se refere no Ac. do STJ de 06/12/2012 (5), “O excesso de pronúncia gerador da nulidade prevista na 2.ª parte da alínea d) do n.º1 do referido artigo 668.º só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou excepções de que não podia tomar conhecimento”. No mesmo sentido, pronunciou-se o Ac. do STJ de 06/12/2012 (6), “Este vício, conforme entendimento pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, traduz-se no incumprimento, por parte do julgador, do dever prescrito na parte final do n.º2 do art. 608º do CPC, aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no nº 2 do art. 663º do mesmo diploma, ou seja, do dever do juiz conhecer tão somente das questões que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir, pedido e excepções que hajam sido deduzidas pelas partes ou que devam ser suscitadas oficiosamente”.
Para efeitos deste normativo, as «questões» são todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, não se confundido com as considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes tendo em vista as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito (7). Tem sido este o entendimento prosseguido na Jurisprudência: entre outros, refere-se o Ac. do STJ de 29/03/2022 (8), no qual se decidiu que “A nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº 1, d), do CPC, não se reporta aos fundamentos considerados pelo tribunal para a prolação de decisão, nem aos argumentos esgrimidos, aferindo-se antes pelos limites da causa de pedir e do pedido”.
Resumindo, porque também se aplica à sentença e porque mantém inteira validade uma vez que o actual nº2 do art. 608º dispõe no mesmo sentido que o art. 660º/2 do C.P.Civil na versão anterior à de 2013, refere-se aqui o entendimento sufragado pelo Ac. do STJ de 29/11/2005 (9): “1. A nulidade do acórdão por omissão de pronúncia só acontece quando o acórdão deixa de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão dessa questão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra. 2. O excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso. 3. As questões não se confundem com os argumentos, as razões e motivações produzidas pelas partes para fazer valer as suas pretensões. 4. Questões, para efeito do disposto no n.º 2 do art. 660.º do CPC, não são aqueles argumentos e razões, mas sim e apenas as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções”.
Em sede de recurso, a Ré/Recorrente invoca a sentença recorrida padece de nulidade porque «o Tribunal estava adstrito às questões relativas ao incumprimento contratual por parte da Ré e à eventual indemnização por perda de chance; nunca foi colocada em causa nos autos o critério de fixação de honorários, nem a interpretação de qualquer cláusula do contrato, pelo que o Tribunal ao conhecer das mesmas na sentença incorreu em nulidade por excesso de pronúncia» - cfr. conclusões B a D.
Pronunciando-se sobre estar arguição, o Tribunal a quo limitou-se a declarar genericamente de que “a decisão recorrida não apresenta qualquer uma dessa nulidades, nomeadamente excesso de pronúncia”.
Tal arguição mostra-se absolutamente infundada e até ininteligível.
Como resulta da petição inicial, o primeiro (e principal) pedido formulado pela Autora/Recorrida consistiu em «a) seja a Ré condenada a devolver à Autora a quantia paga a título de honorários no montante de € 61.500,00 c/iva, acrescida de juros de mora legais desde a citação até efetiva devolução», pretensão esta que se fundou na seguinte causa de pedir (resumidamente): em Setembro de 2016, a Autora e Ré celebraram um contrato de prestação de serviços no qual a Ré prestaria à Autora os serviços necessários de preparação de candidatura à medida Inovação Produtiva do Sistema de Incentivos Portugal 2020; em 13/06/2017, a Autora foi notificada da decisão final, tendo sido atribuído um incentivo reembolsável de € 1.055.555,31, referente ao projecto de investimento elegível no montante de € 1.507.936,16; proferida esta decisão de aprovação, em 10/08/2017, a Ré solicitou à Autora a emissão e entrega de cheques pré-datados no valor global de € 92.738,08 c/IVA, equivalente a 5% do investimento elegível pela entidade competente, conforme consta do contrato de prestação de serviços; em 19/03/2020, a Comissão Directiva do Norte 2020 aprovou a anulação do projeto, revogando o ato de concessão do apoio e à descativação de € 1.055.555,31 de Incentivo reembolsável Feder atribuído, e à recuperação, pela Agência Para o Desenvolvimento e Coesão, do valor já pago no montante de € 211.094,29 de Incentivo Total; esta anulação e revogação deveu-se a cumprimento defeituoso do contrato por banda da Ré, não tendo a Autora recebido o incentivo reembolsável nem o incentivo não reembolsável, pelo que faleceram os pressupostos da fixação da remuneração e a sua exigibilidade.
Perante este pedido e esta causa de pedir, dúvidas não existem de que, para além de ter que apreciar e decidir as questões relativas ao conteúdo do contrato celebrado entre as partes e ao seu incumprimento contratual (e a questão relativa à indemnização por perda de chance que, aliás, se reporta ao segundo pedido formulado), o Tribunal a quo tinha necessariamente, em consequência imediata da decisão sobre a existência de incumprimento contratual, que apreciar e decidir se assistia (ou não) à Autora o direito a ser restituída do valor dos honorários pagos à Ré, sendo que, neste âmbito, podia e devia analisar e interpretar a cláusula contratual que prevê o pagamento de honorários e os respectivos motivos, razões e critérios da fixação do respectivo valor. Tratam-se, óbvia e inequivocamente, de questões que estão totalmente dentro dos limites do pedido e da causa de pedir supra identificados.
Aliás, importa frisar que, quer na contestação, quer no presente recurso, a Ré/Recorrida para além de alegar que o incumprimento contratual foi imputável à Autora, também alega, com base precisamente no conteúdo e interpretação da cláusula contratual que prevê o pagamento de honorários, não assiste a esta qualquer direito de restituição do valor dos honorários porque se verificou o motivo, razão e critério aí estipulado para o seu pagamento (aprovação da candidatura). Logo, mostra incompreensível que o «critério de fixação de honorários e a interpretação de qualquer cláusula do contrato» não são questões a apreciar nos presentes autos…
E mais se saliente que, apesar da Ré/Recorrente o olvidar, uma das questões identificadas na sentença recorrida como sendo uma das que competia ao Tribunal a quo decidir foi precisamente a «obrigação de entregar o preço acordado», na qual necessariamente se integram as referidas «interpretação da cláusula contratual que prevê o pagamento de honorários» e «análise dos motivos, razões e critérios da fixação do respectivo valor».
Assim sendo, a apreciação e a decisão das «questões» indicadas pela Ré/Recorrente no presente recurso não configuram qualquer excesso de pronuncia por parte do Tribunal a quo, uma vez que estão absoluta e integralmente dentro dos limites do pedido e da causa de pedir principais formulados e deduzidos na petição inicial pela Autora, pelo que não se verifica a causa de nulidade prevista na alínea d) do nº1 do art. 615º.
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que sentença recorrida não padece da causa de nulidade invocada e, por via disso, o recurso tem de improceder quanto a esta questão.
*
4.2. Da Impugnação da Matéria de Facto

Nos termos do art. 640º/1 do C.P.Civil de 2013: “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que respeita à especificação dos meios probatórios, a alínea a) do nº2 do referido art. 640º, estatui que “Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.
Têm sido suscitadas dúvidas sobre se sobre se os requisitos do ónus impugnatório previsto neste art. 640º/1 devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também têm que integrar as próprias conclusões, sob pena do recurso ser rejeitado (cfr. art. 635º/2 e 639º/1 do C.P.Civil de 2013). Porém, têm vindo a constituir entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça que: 1) o Recorrente tem sempre que indicar os «concretos prontos de facto» que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; 2) o Recorrente deve especificar, na motivação, os meios de prova, constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos, mas não sendo necessário que tal especificação também conste das conclusões; 3) relativamente aos «pontos de facto» cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em «prova gravada», para além da supra referida especificação dos meios de prova, o Recorrente está obrigado a indicar, com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos, mas não sendo necessário que tal indicação conste das conclusões; e 4) na motivação, o Recorrente tem expressar a decisão, no seu entendimento, que deve ser proferida sobre os «concretos prontos de facto» que impugnou, tendo em atenção a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, o que se compreende em razão do reforço do ónus de alegação, com vista a evitar a interposição de recursos com conteúdo genérico ou inconsequente (10).
Com efeito, entre outros decidiu o Ac. do STJ de 29/10/2015 (11), “1. Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC). 2. Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso” e entendeu-se no Ac. do STJ de 01/10/2015 (12) que “I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II - Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III - Não existe fundamento legal para rejeitar o recurso de apelação, na parte da impugnação da decisão da matéria de facto, numa situação em que, tendo sido identificados nas conclusões os pontos de facto impugnados, assim como as respostas alternativas propostas pelo recorrente, não foram, contudo, enunciados os fundamentos da impugnação nem indicados os meios probatórios que sustentam uma decisão diferente da que foi proferida pela 1.ª instância, requisitos estes que foram devidamente expostos na motivação. IV – Com efeito, o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não exige que as especificações referidas no seu nº 1, constem todas das conclusões do recurso, mostrando-se cumprido desde que nas conclusões sejam identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação” (13).
A análise do cumprimento destes ónus (exigências legais) deve ser realizada, como explica António Abrantes Geraldes (14), “à luz de um critério de rigor. Trata-se afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que, afinal, devem ser o contraponto dos esforços que todos quantos, durante décadas, reclamaram a atenuação do princípio da oralidade pura e a atribuição à Relação de efetivos poderes de sindicância da decisão da matéria de facto como instrumento da realização da justiça”.
Perante este entendimento, que se acolhe e segue, as alegações da Ré/Recorrente, atento o conteúdo quer da respectiva motivação/fundamentação quer das respectivas conclusões, cumprem minimamente os respectivos requisitos formais (sendo que, nas conclusões, até se fez a especificação de meios de prova, o que é desnecessário).

Sustenta a Ré/Recorrente que:
- a parte final do facto provado NN) é conclusiva, pelo que deve ser expurgada a parte em que refere «montante manifestamente indevido e não correspondente ao benefício realmente obtido pela Autora»;
- e o facto não provado nº7 deveria ter sido considerado provado.

Por força do disposto no nº1 do art. 662º do C.P.Civil de 2013, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes (ou os factos tidos como não provados, acrescentamos nós), a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Como refere Abrantes Geraldes (15), “Com a redacção do art. 662º pretendeu-se que ficasse claro que, sem embargo de correcção, mesmo a título oficioso, de determinadas patologias que afectam a decisão da matéria de facto (v.g. contradição) e também sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando esteja em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos a livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos, e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras da experiência… fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do princípio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia… sem embargo, das modificações que podem ser oficiosamente operadas relativamente a determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas, à Relação não é exigido, nem lhe é permitido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos a livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio foram valorados pelo Tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão da matéria de facto, indicou nas respectivas alegações que circunscrevem o objecto de recurso(os sublinhados são nossos).
A decisão de facto consiste na apreciação que o Tribunal faz, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes (ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução) e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio, pelo que tal decisão tem por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um desses factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação. Neste quadro, no âmbito do recurso, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto está circunscrita aos pontos impugnados, mas em termos de latitude da investigação probatória, o Tribunal da Relação tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do estatuído no referido art. 662º/1 do C.P.Civil de 2013, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos das alíneas a) e b) do nº2 do mesmo preceito, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido: “… como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa” (16).
Em jeito de resumo e conclusão, traz-se aqui à colação o Ac. do STJ de 04/10/2018 (17), que define bem o “quadro” em que funciona a reapreciação da matéria de facto pelo Tribunal da Relação: “I. A apreciação da decisão de facto impugnada pelo Tribunal da Relação não visa um novo julgamento da causa, mas, antes, uma reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal de 1ª Instância com vista a corrigir eventuais erros da decisão. II. No âmbito dessa apreciação, incumbe ao Tribunal da Relação formar a seu próprio juízo probatório sobre cada um dos factos julgados em primeira instância e objeto de impugnação, de acordo com as provas produzidas constantes dos autos e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir [cfr. nº 2, als. a) e b) do artigo 662º do CPC], à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do artigo 607.º, n.º 5, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. III. O Tribunal da Relação, tal como decorre do preceituado nos artigos 5º, nº2, alínea a), 640º, nº 2, alínea b) e 662º, nº1, todos do Código de Processo Civil, tem um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa e não está adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes nem aos indicados pelo Tribunal de 1ª Instância, apenas relevando o fator da imediação prevalecente em 1ª Instância quando o mesmo se traduza em razões objetivas. IV. Em sede de reapreciação da decisão de facto é conferido ao Tribunal da Relação o poder de se socorrer, mesmo oficiosamente, de todos os meios de prova constantes do processo bem como do uso a presunções judiciais, nos termos permitidos pelos artigos 349º e 351º, ambos do Código Civil” (os sublinhados são nossos).
Estatui o art. 607º/5 do C.P.Civil de 2013, que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, sendo que esta previsão resulta do disposto nos arts. 389º, 391º e 396º do C.Civil, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal. Porém, desta livre apreciação pelo juiz estão legalmente excluídos os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes - cfr. 2ªparte do nº5 do referido art. 607º.
Toda a prova tem que ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica: “… segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas” (18).
A prova idónea (suficiente) alicerça-se num juízo de certeza (jurídica) e não um juízo de certeza material (absoluto): a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente)… a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta,… A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (19).
O juiz está vinculado a identificar quais os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção e a indicar as razões pelas quais, relativamente ao mesmo facto, concede maior credibilidade a um meio probatório em detrimento de outro de sinal oposto, sendo que este é caminho que evita que a «livre apreciação da prova» se transforme numa «arbitrária apreciação da prova»: o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (20).
É inquestionável que, uma vez que é perante si que toda a prova é produzida, é o juiz da 1ªinstância quem se encontra na posição mais favorável e privilegiada para proceder à sua valoração, nomeadamente no que concerne especificamente à prova testemunhal: com efeito, atenta a respectiva imediação, o juiz da 1ªinstância está totalmente habilitado a dectetar no comportamento das testemunhas todos os elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos seus depoimentos, incluindo aqueles elementos frequentemente não transparecem da gravação (esta constitui apenas um registo «áudio», e não um registo «vídeo», pelo que não pode transmitir todo os comportamentos da testemunha que respeitam directamente às suas reacções que só observáveis através de imagem). Por conseguinte, a modificabilidade da matéria de facto só deverá ordenada quando, ao cumprir a supra referida incumbência de formar o seu próprio juízo probatório, o Tribunal da Relação conclua no sentido de que a prova produzida tem um sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida pelo Tribunal da 1ªInstância, ou seja, quando consiga alcançar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento na matéria de facto (21). Como explica Ana Luísa Geraldes (22), “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte”.
Ainda a propósito da decisão da facto, importa ter presente que, conforme resulta do disposto no art. 607º/4 do C.P.Civil de 2013, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito. Como se decidiu no Ac. do STJ de 28/09/2017 (23), “Muito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos(o sublinhado é nosso).
Mas o mesmo STJ, através do seu aresto de 22/03/2018 (24), sustenta que a inexistência no C.P.Civil de 2013 de um preceito como o do art. 646º/4 do antigo C.P.Civil (que titulava de “não escrita” as respostas do coletivo sobre questões de direito) “não pode deixar de ter implicações no que concerne à atual metodologia no que concerne à descrição na sentença do que constitui «matéria de facto» e «matéria de direito»”No que concerne à decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, não será indiferente nem o modo como as partes exerceram o seu ónus de alegação, nem a forma como o juiz, na audiência prévia ou em despacho autónomo, enunciou os temas da prova, tarefas relativamente às quais foram introduzidas no CPC importantes alterações que visaram quebrar rotinas instaladas e afastar os efeitos negativos a que conduziu a metodologia usualmente aplicada no âmbito do CPC de 1961… A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma mais fluente e harmoniosa do que aquela que resultava anteriormente da mera transcrição do resultado de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória do CPC de 1961…”. Defende-se que, em face da modificação formal da produção de prova em audiência ter por objeto temas de prova e à opção da integração da decisão da matéria de facto no âmbito da própria sentença, “deve existir uma maior liberdade no que concerne à descrição da realidade litigada, a qual não deve ser imoderadamente perturbada por juízos lógico-formais em torno do que seja «matéria de direito» ou «matéria conclusiva» que apenas sirva para provocar um desajustamento entre a decisão final e a justiça material do caso... a patologia da sentença neste segmento apenas se verificará, em linhas gerais, quando seja abertamente assumida como «matéria de facto provada» pura e inequívoca matéria de direito…” (25).
Perante esta divergência no STJ, afigura-se-nos relevante o “caminho” indicado pelo Ac. da RG de 11/11/2021 (26): “Não obstante subscrevermos uma maior liberdade introduzida pelo legislador no novo (atual) Código de Processo Civil, entendemos que não constituem factos a considerar provados na sentença nos termos do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 607º do Código de Processo Civil os que contenham apenas formulações absolutamente genéricas e conclusivas, não devendo também constituir «factos provados» para esse efeito as afirmações que «numa pura petição de princípio assimile a causa de pedir e o pedido»… De facto, se a opção legislativa tem subjacente a possibilidade de com maior maleabilidade se fazer o cruzamento entre a matéria de facto e a matéria de direito, tanto mais que agora ambos (decisão da matéria de facto e da matéria de direito) se agregam no mesmo momento, a elaboração da sentença, tal não pode significar que seja admissível a «assimilação entre o julgamento da matéria de facto e o da matéria de direito ou que seja possível, através de uma afirmação de pendor estritamente jurídico, superar os aspetos que dependem da decisão da matéria de facto»…” (os sublinhados são nossos).
Prosseguindo este “caminho” (e sabendo-se que a linha divisória entre a matéria de facto e a matéria de direito não é fixa, dependendo em larga medida dos termos em que a lide se apresenta), afigura-se-nos que os factos conclusivos não devem relevar (não podem integrar a matéria de facto) quando, porque estão diretamente relacionados com o thema decidendum, impedem ou dificultam de modo relevante a perceção da realidade concreta, seja ela externa ou interna, ditando simultaneamente a solução jurídica, normalmente através da formulação de um juízo de valor (27) e que é de acolher o ensinamento do Ac. da RP de 07/12/2018 (28): Acaso o objeto da ação esteja, total ou parcialmente, dependente do significado real das expressões técnico-jurídicas utilizadas, há que concluir que estamos perante matéria de direito e que tais expressões não devem ser submetidas a prova e não podem integrar a decisão sobre matéria de facto. Se, pelo contrário, o objeto da ação não girar em redor da resposta exata que se dê às afirmações feitas pela parte, as expressões utilizadas, sejam elas de significado jurídico, valorativas ou conclusivas, poderão ser integradas na matéria de facto, passível de apuramento através da produção dos meios de prova e de pronúncia final do tribunal que efetua o julgamento, embora com o significado vulgar e corrente e não com o sentido técnico-jurídico que possa colher-se nos textos legais” (o sublinhado é nosso) (29).
Frise-se que a questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado (30), e, por via disso, quando o recurso tem por objecto saber se um determinado facto julgado provado pelo tribunal contém ou não matéria conclusiva, ao abrigo dos seus poderes decisórios previstos no art. 662º do C.P.Civil de 2013, pode o Tribunal de Recurso, caso conclua afirmativamente, eliminá-lo do elenco dos factos provados (31): como se refere no Ac. da RG de 30/09/2021 (32), “Daí que a inclusão na fundamentação de facto constante da sentença de matéria de direito ou conclusiva configure uma deficiência da decisão, vício que é passível de ser conhecido, mesmo oficiosamente, pelo Tribunal da Relação, tal como decorre do artigo 662.º, n.º2, al. c), do CPC”.
Revertendo ao caso em apreço e analisando o elenco da matéria de facto provada e não provada na decisão recorrida e impugnada no âmbito da presente apelação, verifica-se que a formulação do ponto de facto provado NN) (que foi concretamente impugnado), na sua parte final, integra efetivamente matéria de índole conclusiva, a qual apenas deve ser retirada como consequência da apreciação da matéria de facto dada como provada e/ou como não provada e que, por isso, implica um raciocínio jurídico e valorativo que encerra parte essencial da controvérsia que constitui o objeto do litígio, a apreciar e decidir no âmbito da questão de direito subjacente à questão impugnação da matéria de facto.
Na presente acção, peticiona-se que a Ré seja «condenada a devolver à Autora a quantia paga a título de honorários no montante de € 61.500,00 c/iva, acrescida de juros de mora legais desde a citação até efetiva devolução» e, subsidiariamente, que «no caso de a Ré não ser condenada a devolver a totalidade dos honorários à Autora, sejam os mesmos reduzidos segundo juízos de equidade em valor/percentagem a fixar pelo tribunal», alegando-se que a Ré cumpriu defeituosamente o contrato de prestação serviços celebrado entre ambas e que, por via disso, a candidatura à medida Inovação Produtiva do Sistema de Incentivos Portugal 2020 que havia sido aprovada, com a atribuição incentivo reembolsável de € 1.055.555,31, referente ao projecto de investimento elegível no montante de € 1.507.936,16, foi anulada e revogada, não tendo a Autora recebido o incentivo reembolsável nem o incentivo não reembolsável, pelo que deixaram de ser verificar os pressupostos da fixação da remuneração e a sua exigibilidade.
Logo, a decisão sobre assiste (ou não) à Autora o direito a ser restituída do valor dos honorários pagos à Ré ou o direito à redução do valor de honorários, depende da resolução das questões jurídicas relativas ao tipo de contrato celebrado entre as partes, à existência de incumprimento do mesmo, às consequências desse incumprimento na obrigação de pagamento dos honorários em face do estipulado na cláusula contratual que prevê esse pagamento e à redução do valor dos honorários.
Ora, perante tal objecto do litígio, na formulação do facto provado NN), o Tribunal a quo integrou as expressões «montante manifestamente indevido» e «não correspondente ao benefício realmente obtido pela Autora» que estão manifestamente relacionadas com o thema decidendum: é a partir da realidade fática que neste âmbito ficar, ou não, demonstrada que será extraída a conclusão jurídica sobre os honorários são ou não devidos pela Autora à Ré (e, em caso negativo, se devem ser devolvidos) e/ou a conclusão jurídica sobre se, sendo devidos, deve ser reduzido o valor desses honorários, pelo que consignar-se na matéria de facto que o montante de honorários é «indevido» e/ou «não corresponde ao benefício contratual» é o mesmo que responder às supra referidas questões jurídicas.
Portanto, as expressões em causa têm um conteúdo manifestamente conclusivo, encerrando mesmo um juízo de valor que representa a própria solução jurídica de duas das questões a decidir na presente acção e, por via disso, não podem constar da decisão de facto (isto é, não podem constar quer dos factos provados, quer dos factos não provados), pelo que têm que ser eliminadas da decisão de facto, nomeadamente do ponto de facto em causa.
Aqui chegados, cumpre, então, proceder à reapreciação do único ponto de facto impugnado pelo Ré/Recorrente - facto não provado nº7.
Na decisão recorrida, embora sem o consignar expressamente, dentro da vasta descrição de documentos e das declarações produzidas, consegue alcançar-se qual foi a razão com base na qual o Tribunal a quo formou o respectivo juízo da falta de demonstração probatória deste ponto de facto: “Fez-se prova do desdobramento dos cheques, mas não de um acordo das partes na redução do preço pelos serviços prestados pela R., só a R. se tendo pronunciado no sentido desse acordo”.
Procedendo à reapreciação do julgamento proferido pelo Tribunal a quo sobre esta matéria, este Tribunal ad quem jamais poderá formar um juízo probatório que no sentido pugnado pela Ré/Recorrente no presente recurso.
Concretizando.
Em primeiro lugar, verifica-se que se encontra provada matéria de facto que, por si só, contraria e impede a verificação da realidade que integra o facto não provado nº7, sendo que tal matéria de facto não foi objecto de qualquer impugnação pela Ré/Recorrente. Com efeito, o Tribunal a quo considerou demonstrada probatoriamente a realidade constante dos factos provados HH), JJ), LL), PP), QQ) e RR) (realidade que não foi colocada em causa no recurso, tal como não foi colocada em causa a motivação que conduziu ao respectivo juízo probatório), da qual decorre que, mesmo depois da decisão de aprovação da candidatura e da emissão de cheques pré-datados para pagamento dos honorários [em 28/06/2017 e em 10/08/2017 respectivamente – cfr. factos provados S) e T)]:
- após a comunicação da intenção de revogação da decisão de concessão do apoio (em 16/05/2018), a Autora tentou junto da Ré substituir os cheques inicialmente entregues para datas posteriores até decisão do organismo competente, o que foi aceite por esta;
- e após ter sido notificada da revogação da decisão de concessão do apoio e do pedido de devolução do incentivo (em 30/04/2020), a Autora, em 17/07/2020, enviou a Ré carta registada com AR solicitando a devolução dos valores pagos a título de honorários no valor de € 61.500,00.
Ora, a conduta da Autora que é atestada através desta realidade probatoriamente demonstrada é absolutamente incompatível com qualquer aceitação (expressa ou tácita) daquela da obrigação de pagar o valor dos honorários após ter conhecimento de que a anterior aprovação ia ser e foi revogada, mais acrescendo que é também absolutamente incompatível com a celebração de qualquer acordo para a redução do valor dos honorários para € 50.000,00.
Logo, por si só, a realidade que integra os factos provados HH), JJ), LL), PP), QQ) e RR), não “contestada” em sede de impugnação da matéria de facto no presente recurso, impede a formulação de qualquer juízo probatório, minimamente certo e seguro, no sentido da efectiva celebração do acordo a que alude a matéria de facto que integra o facto não provado nº7.
Em segundo lugar, ouvidos integralmente todos os depoimentos produzidos em sede de audiência final (o de parte do legal representante da Ré, os das testemunhas, e o das declarações de parte do legal representante da Autora), verifica-se que, como se refere na sentença recorrida (e a Ré/Recorrente não o coloca minimamente em causa no presente recurso), apenas o legal representante da Ré se pronunciou concretamente sobre esta matéria mas, nesta parte, o seu depoimento foi muito vago e impreciso: com efeito, num primeiro momento, afirmou que fez um desconto de € 25.000,00, sem mencionar a existência de qualquer acordo (ou melhor, sem precisar que tal desconto foi no âmbito e/ou na sequência de um acordo entre a Ré e a Autora), dando a ideia de que se tratou de uma iniciativa própria; na fase final do seu depoimento, afirmou que «em Abril de 2019 devolveu parte dos cheques e emitiu uma nota de crédito, porque percebeu, nessa altura, que o projecto não ia ter a conclusão que todos queríamos e como não íamos fazer esse trabalho todo, pelo que resolveu fazer esse acerto», sendo que, de repente, afirma que tal foi com o consentimento e acordo da Autora, mas sem esclarecer se foi uma sua iniciativa e esta aceitou ou se foi um acordo discutido e acertado entre ambas as partes, mais acrescendo que, embora tenha declarado que «falámos pessoalmente», não precisou nem concretizou os momentos temporais e espaciais da «conversa», tal como não precisou nem concretizou os termos e os aspectos que foram objecto da discussão. Apresentando-se como pouco assertivo, pouco pormenorizado e pouco esclarecedor, e tendo em consideração o interesse directo e imediato na decisão da causa, o Tribunal não conferir um grau mínimo de credibilidade a esta parte do depoimento. E mais se frise que também não foi impugnada a decisão de facto quanto à falta de demonstração da realidade que integra o facto não provado nº6 («A A. pediu à R. que fizesse um desconto ao preço fixado, motivado por duas situações: a. a possibilidade de no futuro próximo apresentarem candidaturas com outras empresas detidas pelos representantes da A.; b. e de ainda estar por pagar parte do preço fixado no contrato»), sendo que este facto era, na versão alegada pela própria Ré/Recorrente, o pressuposto prévio que teria dado origem ao alegado acordo e desconto/acerto, e sendo certo que o legal representante da Ré nem uma vez afirmou a existência de tal “pedido” da Autora. Nestes termos, mostra-se inviável formular de qualquer juízo probatório, minimamente certo e seguro, no sentido da verificação da realidade que integra o facto não provado nº7.
Em terceiro lugar, e ao contrário do que a Ré/Recorrente alega em sede de recurso, os documentos nº13 da petição e nº5 da contestação (respectivamente fls. 33v/34 e 79v/80 dos autos) mostram-se absolutamente insusceptíveis de, por si só, traduzirem, ou pelo menos indiciarem, a existência de um acordo entre as partes para a redução do valor dos honorários: aquele primeiro documento reportam-se a cheques que têm (todos) datas de emissão muito anteriores a Abril de 2019 (o último deles reporta-se a 20/09/2018, sendo que todos os outros são do ano de 2017 e de meses anteriores a Setembro de 2018), e o segundo documento comprova uma troca de emails entre Autora e Ré relativamente a cheques mas que são datados do mês de Maio de 2018, donde resulta que nenhum destes documentos tem qualquer relação com um suporto acordo ocorrido em Abril de 2019. Assim sendo, os documentos indicados pela Ré/Recorrente em sede de recurso, não permitem, de todo, qualquer juízo probatório no sentido da existência do acordo a que se refere o facto não provado nº7.
Em quarto lugar, a restante prova documental nos autos revela-se insuficiente para o Tribunal formar um juízo minimamente certo e seguro quanto ao ponto de facto aqui em causa: só dois dos documentos juntos aos autos tem um mínimo de conexão com o «desconto de € 25.000,00» no âmbito do alegado «acordo» e que são os documentos nºs. 26 e 27 da petição (respectivamente fls. 56/59 e 60/60v dos autos), os quais têm um sentido completamente contraditório nesta matéria já que, no primeiro, que corresponde a uma carta da Autora datada de 17/06/2002, nega-se a existência que qualquer acordo para o pagamento do valor de € 61.500,00, e, no segundo, carta da Ré de resposta à referida carta da Autora, afirma-se a existência de tal acordo com a redução/acerto para tal valor. Ora, inexiste qualquer outro elemento probatório objectivo e relevante que permita conferir maior credibilidade a um documento em desfavor de outro, pelo que está o Tribunal impossibilitado formar qualquer convicção no sentido da verificação da realidade que integra o facto não provado nº7.
Por último, importa salientar que se releva absolutamente estranho, incoerente e ilógico e até desconforme com as regras da experiência comum que, a ter existido o alegado acordo, não existe qualquer registo documental mínimo dos termos do mesmo.
Nestas circunstâncias, nos autos, não foi produzida prova credível, suficiente e relevante, que tenha um sentido diverso e que imponha decisão diferente daquela que foi proferida pelo Tribunal de1ªInstância (embora com a motivação aqui elencada seja mais concreta do que a que consta da decisão recorrida), ou seja, inexiste prova que permita formar um juízo certo e seguro de que existe erro de julgamento quanto ao facto não provado nº7 que integra a sentença recorrida.
Consequentemente, conclui-se que a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida deve ser alterada apenas no que concerne à eliminação da matéria conclusiva que nela estava incluída, mais concretamente eliminam-se as expressões «montante manifestamente indevido» e «não correspondente ao benefício realmente obtido pela Autora» do facto provado NN), e, por via disso, esta parte da impugnação recursória da Ré/Recorrente deverá proceder.
Mas também mais se conclui que inexiste qualquer do erro de julgamento quanto ao ponto de facto concretamente impugnado no presente recurso (cfr. facto não provado nº7) e, por via disso, esta parte da impugnação recursória da Ré/Recorrente deverá improceder.
*
4.3. Da Obrigação de Restituição do Valor Pago a Título de Honorários

Tendo em consideração o objecto do presente recurso, dúvidas não existem que a decisão recorrida não foi colocada em causa quanto à questão da qualificação do negócio jurídico celebrado entre as partes (contrato de prestação de serviços atípico), quanto à questão da inexistência de incumprimento contratual da Ré e quanto à questão da inexistência de dano por perda de chance, pelo que, nesta parte, a mesma encontra-se transitada em julgado e formou caso julgado, sendo pressupostos jurídicos que têm que ser tidos em conta na apreciação e decisão da presente questão sob recurso.

Como se sabe, o contrato de prestação de serviços reveste um natureza sinalagmática, já dele emanam direitos e obrigações para ambas as partes, sendo que, no caso em apreço, o manancial factual provado comprova a existência de tal sinalagma:

- de um lado, a Ré/Recorrente estava adstrita à obrigação de prestar à Autora os serviços necessários de preparação de candidatura à medida Inovação Produtiva do Sistema de Incentivos Portugal 2020, tendo que cumprir (para além da realização de outros trabalhos) objectivos consistentes em «preparar e entregar a candidatura, cujas acções passavam por preenchimento dos formulários de candidatura e a apresentação da candidatura junto das entidades competentes» e em «realizar acompanhamento pós-candidatura, cujas acções passavam pela manutenção do dossier do projecto, respostas aos pedidos de informação das entidades gestoras sobre o andamento do projecto, pedidos de pagamento de incentivo; e outras respostas e pedidos», assumindo a responsabilidade pela realização de todas as actividades necessárias à satisfação dos objectivos [cfr. factos provados G9, I) e J)]; correspectivamente, a Autora tinha o direito de exigir daquela a prestação de tais serviços e a assunção da responsabilidade de cumprimento dos objectivos;
- por sua vez, a Autora estava adstrita a pagar à Ré/Recorrente a retribuição (honorários) convencionada, que consistiu num «regime de fee variável (em função do sucesso) de remuneração de forma a garantir que o valor efectivamente pago reflectisse o benefício obtido pela Autora», o qual foi fixado em «5% sobre as despesas elegíveis, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que seria devido após ser proferida a decisão de aprovação do projecto pela entidade competente» [cfr. factos provados K) e L)]; correspectivamente, a Ré/Recorrente tinha o direito de exigir daquela o pagamento desta retribuição verificados que estivessem os respectivos pressupostos.
É precisamente sobre os pressupostos (e efeitos) do regime de retribuição convencionado que as partes divergem na acção, sendo que, agora, em sede de recurso, vem a Ré/Recorrente impugnar o entendimento que o Tribunal a quo fez sobre a aplicação desse regime à factualidade provada.

Consignou-se na sentença recorrida:
“No caso dos autos, provou-se que a R. realizou os trabalhos contratados.
No entanto, o resultado desses trabalhos realizados não obteve o sucesso pretendido, porque apesar de numa primeira fase a decisão ter sido favorável, foi posteriormente anulada, não tendo a A. direito a receber qualquer incentivo e tendo de devolver o montante que já havia recebido.
Assim, o valor que a R. pretende receber da A. não reflecte o benefício que esta efectivamente teve com a candidatura que apresentou e que a R. elaborou.
A pretensão da R. em ser paga pelos trabalhos que realizou não tem suporte no contrato que celebrou com a A., sendo que não foi aí prevista qualquer remuneração fixa.
É certo que a R. não sabia aquando da apresentação da candidatura que a A. havia sinalizado a aquisição de uma máquina e, por essa razão, não terá identificado esse adiantamento no campo próprio do formulário.
Mas isso só impediu que o projecto da A. fosse considerado logo não elegível, porque à data da apreciação da candidatura e decisão já não eram apoiadas candidaturas com pagamentos antecipados.
Assim, a R. não tem direito a receber o valor de 5% sobre as despesas elegíveis (porque acabaram por não o ser)…”.
Em sede de recurso, a Ré/Recorrente defende, essencialmente, que: «Estava a remuneração da R. dependente do sucesso do serviço prestado, definido no contrato como sendo o momento da aprovação do projecto pelas entidades gestoras competentes e sendo que a taxa de sucesso de 5% seria aplicada, nesse momento, sobre o valor das despesas elegíveis, após decisão e homologação de elegibilidade do projecto; era a obrigação da R./Recorrente uma obrigação de meios e não de resultado, no sentido de que tinha que tudo fazer para que o projecto fosse aprovado e não que o apoio/incentivo fosse efectivamente recebido pela A./Recorrida, resultando isso mesmo da cláusula contratual que estipula que a eventual desistência total ou parcial por parte da A. não prejudicava o direito a honorários por parte da R.; foi atribuído à A. um incentivo reembolsável de 1.055.555,31€, referente ao projecto de investimento elegível no valor de 1.507.936,16€ (Cfr. facto provado R) da sentença recorrida), o que se traduziu num direito à remuneração da R. no valor de 75.396,80€+IVA (92.738,08€); a remuneração da R. estava indexada à decisão e elegibilidade e não à execução do projecto, que apenas não aconteceu por facto imputável à A.; a R. cumpriu integralmente o contrato; se se entendesse que a remuneração da R. estava dependente do benefício efectivo que a A. retiraria da aprovação do projecto, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, sempre resultaria a aprovação do mesmo mas com uma despesa elegível de 1.225.936,16€, que resultaria da subtracção do valor da máquina Linea Autobox BCS, no valor de 282.000,00€, cujo adiantamento de 38.000,00€ havia sido realizado, ao valor da despesa elegível inicialmente apurada no montante de 1.507.936,16€, resultando para a R. o direito a receber honorários no valor de 61.296,81€+IVA (75.395,08€)» - cfr. conclusões K) a V).

Vejamos.
Atenta a factualidade provada, verifica-se que, no contrato de prestação de serviços sub judice, a título de honorários foi convencionado um regime de fee variável (em função do sucesso) de remuneração de forma a garantir que o valor efectivamente pago reflectisse o benefício obtido pela Autora, e que o fee contratualizado foi de 5% sobre as despesas elegíveis, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, que seria devido após ser proferida a decisão de aprovação do projecto pela entidade competente [cfr. factos provados K) e L)].
Daqui resulta que, ao contrário do que a Ré/Recorrente pretende fazer crer, as partes estipularam, para efeitos retributivos, uma verdadeira cláusula de “success fee”/“taxa de sucesso” (é aquela em que se prevê uma remuneração variável em função do resultado pretendido (33)): com efeito, a retribuição convencionada estava sujeita à verificação de um certo resultado positivo (aprovação da candidatura no âmbito do programa Inovação Produtiva do Sistema de Incentivos Portugal 2020), sendo que só seria devida a componente retributiva se o resultado do evento esperado for positivo (uma vez que a retribuição/remuneração estipulada visou garantir que o valor efectivamente pago à Ré, a prestadora, reflecte o benefício obtido pela Autora, sendo que o valor a pagar representaria 5% do valor das despesas que fossem consideradas elegíveis), porque, no caso contrário, não haverá esse pagamento (isto é, caso a Autora não obtivesse qualquer benefício, não há lugar a qualquer retribuição/remuneração).
Mostra-se inequívoco que, perante o efectivo conteúdo desta cláusula, o direito da Ré/Recorrente ao recebimento da retribuição estava condicionado ao sucesso da operação, consistente na aprovação da candidatura, e o respectivo valor representa uma comissão variável indexada à taxa de sucesso dessa operação, consistente em 5% das despesas que naquela aprovação fossem consideradas elegíveis.
Como se decidiu no Ac. do STJ de 13/03/2008 (34), “1. A sucess fee, clausulada num contrato de prestação de serviços, é uma taxa de performance, de sucesso por um desempenho, uma comissão variável indexada à taxa de sucesso de uma operação. 2. Não releva, pois, para a atribuição da respectiva remuneração, o volume, a expressão quantitativa dos serviços prestados, mas sim o resultado alcançado”.
Como a sua designação indica a “success fee” ou “taxa de sucesso” é uma cláusula de condição para efeitos de retribuição (35).
Portanto, perante o concreto regime de retribuição efectivamente consagrado pelas partes no contrato, mostra-se completamente errada (e até censurável) a argumentação da Ré/Recorrente de que «a sua obrigação era de meios e não de resultado, no sentido de que tinha que tudo fazer para que o projecto fosse aprovado e não que o apoio/incentivo fosse efectivamente recebido pela A./Recorrida», tal como se mostra absolutamente irrelevante e inócua a argumentação de que «cumpriu integralmente o contrato, colocando ao dispor da A. os seus trabalhadores qualificados, desempenhando trabalho intelectual, traduzido em diversas horas de trabalho com reuniões, análise de documentos, respostas a emails, respostas às entidades gestoras dos projectos, etc., para além dos meios materiais despendidos com fotocópias, internet, telefone, electricidade, correios, combustível e muitos outros». Aliás, tal argumentação está em total contradição com o teor das conclusões L) a N) do recurso.
Ora, como resulta do manancial factual provado, embora a candidatura da Autora tenha sido aprovada em 13/06/2017 e lhe tenha sido atribuído um incentivo reembolsável de € 1.055.555,31, referente ao projecto de investimento elegível no montante de € 1.507.936,16 [cfr. facto provado R)], por decisão de 19/03/2020, o respectivo organismo competente veio a revogar aquela aprovação e aquela atribuição de incentivo, e a mais determinar a devolução do valor de incentivo (€ 211.094,29) que já havia sido adiantado à Autora [cfr. factos provados OO) a QQ)]. Frise-se que a própria Ré/Recorrente não coloca em causa quer a referida revogação quer a inexistência de recebimento de qualquer incentivo pela Autora, quer a devolução por esta do valor que já tinha recebido adiantadamente.
Nestas circunstâncias, em face da sua posterior revogação, tal aprovação inicial deixou de produzir quaisquer efeitos, tornou-se mesmo juridicamente inexistente, pelo que se impõe concluir-se, na realidade e em definitivo, não está verificada a condição de que dependia, por força do convencionado no contrato, o direito de retribuição da Ré/Recorrente: não existe uma aprovação de candidatura e, por via disso, não existem despesas elegíveis, donde decorre que a Autora não obteve qualquer benefício com a prestação de serviços realizada por aquela uma vez que não recebeu nenhum incentivo (mesmo o valor que já lhe tinha sido adiantado, teve que devolver), o que, por si só, impede a aplicação da comissão de 5% de retribuição porque esta estava indexada à “taxa de sucesso”, tendo que obrigatoriamente que reflectir/repercutir o benefício obtido pela Autora que, como vimos, inexiste.
Saliente-se que não tendo a Autora recebido qualquer incentivo e tendo a aprovação sido revogada na sua totalidade (e não de forma parcial), mostra-se absolutamente infundada, e até ininteligível, a argumentação da Ré/Recorrente no sentido de que «se se entendesse que a remuneração da R. estava dependente do benefício efectivo que a A. retiraria da aprovação do projecto, sempre resultaria a aprovação do mesmo mas com uma despesa elegível de 1.225.936,16€, que resultaria da subtracção do valor da máquina Linea Autobox BCS, no valor de 282.000,00€, cujo adiantamento de 38.000,00€ havia sido realizado, ao valor da despesa elegível inicialmente apurada no montante de 1.507.936,16€, resultando para a R. o direito a receber honorários no valor de 61.296,81€+IVA (75.395,08€)» (a Autora não recebeu qualquer benefício e não existem despesas elegíveis, logo pode ser aplicada a comissão de 5% relativa a honorários).
Mais se saliente-se que, ao contrário do que a Ré/Recorrente argumenta em sede de recurso, embora a causa da anulação/revogação da aprovação possa ser imputável à Autora atenta a factualidade provada [cfr. factos provados BB) a HH), OO), PP) e TT)], certo é que essa causa não tem qualquer relação ou conexão com a inexecução (total ou parcial) do projecto pelo que é aqui absolutamente inaplicável a parte da cláusula contratual em que se prevê que «a decisão de não execução ou execução parcial do projecto não pode ser imputável à BMS» (não existiu qualquer decisão da própria Autora no sentido de não executar o projecto, sendo que a decisão que determinou a anulação/revogação da aprovação é de uma entidade terceira).
E ainda mais se saliente que, apesar de ter prestado serviços à Autora, como não foi prevista no contrato qualquer retribuição fixa (isto é, não foi estipulada qualquer valor remuneratório para cada serviço realizada ou conjunto de serviços realizado), não assiste à Ré/Recorrente qualquer direito a receber qualquer pagamento de honorários pela prestação de tais serviços, sendo que a própria (ao convencionar apenas uma cláusula de “success fee”/“taxa de sucesso” para efeitos retributivos) aceitou “correr o risco” de nada receber a título de honorários mesmo no caso de haver prestação de serviços (mesmo que se possa qualificar esta situação como “um mau negócio”, é-lhe exclusivamente imputável).
Por conseguinte, não assiste à Ré/Recorrente o direito a receber da Autora qualquer valor a título de honorários, e, por via disso, tendo recebido a esse título a quantia de € 61.500,00 (com IVA), tal como se concluiu na sentença recorrida, impunha-se-lhe a obrigação devolver tal quantia à Autora.
Em sede de recurso, a Ré/Recorrente ainda mais argumentou (subsidiariamente) que «atendendo à revogação da aprovação do projecto, sempre a R. teria direito a receber honorários, ainda que determinados com base em juízos de equidade, de acordo com o artigo 1158.º, n.º 2 do CC; a quantia de 61.500,00€ (iva incluído) cobrada à A. pela prestação dos serviços de consultoria subjacentes ao projecto de investimento em crise nos autos é equitativa em face do tempo gasto, dos meios empenhados e da criatividade intelectual colocada ao serviço da A.» - cfr. conclusões W) a Z). Mas também aqui não lhe assiste qualquer razão já que, como resulta do respectivo texto legal, o disposto no nº2 do art. 1158º do C.Civil só tem aplicação quando, no contrato, as partes não ajustaram entre si a medida da retribuição, o que, como supra se deixou explanado, não sucede no contrato em apreço (as partes estipularam uma cláusula de “success fee”/“taxa de sucesso” para efeitos retributivos, na qual está expressamente fixada a medida da respectiva comissão variável).
Por conseguinte e sem necessidade de outras considerações, a resposta à presente questão, que no âmbito do recurso incumbe a este Tribunal ad quem apreciar, é necessariamente no sentido de que a Ré/Recorrente estava obrigada restituir à Autora a quantia de € 61.500,00 que esta lhe pagou a título de honorários no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre ambas.
Perante a resposta alcançada na resolução desta questão, deverá improceder o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente também quanto a esta questão.
*
4.4. Do Mérito do Recurso

Perante as respostas alcançadas quanto às questões que se impunham decidir, deverá julgar-se totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente.
*
4.6. Da Responsabilidade quanto a Custas

Improcedendo o recurso, porque ficou vencida, deverá a Ré/Recorrente suportar as respectivas custas - art. 527º/1 e 2 do C.P.Civil de 2013.
* *
5. DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Ré/Recorrente e, em consequência, confirmar e manter na íntegra a sentença recorrida.
Custas do recurso de apelação pela Ré/Recorrente.
* * *
Guimarães, 03 de Novembro de 2022.
(O presente acórdão é assinado electronicamente)

Relator - Pedro Manuel Quintas Ribeiro Maurício;
1ºAdjunto - José Carlos Pereira Duarte;
2ºAdjunto - Maria Gorete Roxo Pinto Baldaia de Morais.



1. A presente decisão é redigida segundo a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.
2. António Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6ªedição actualizada, Almedina, p. 139.
3. Ac. STJ de 07/07/2016, Juiz Conselheiro Gonçalves da Rocha, proc. nº156/12.0TTCSC.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
4. Juiz Desembargador José Moreira Dias, proc. nº1867/14.0TBBCL-F.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
5. Juiz Conselheiro João Bernardo, proc. nº469/11.8TJPRT.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
6. Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº1807/15.0T8BRG.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
7. Neste sentido, Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º vol., 2ªedição, p. 704; Antunes Varela, in RLJ, 122º, p. 112; e Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, III vol., p. 195.
8. Juíza Conselheira Maria Clara Sottomayor, proc. nº19655/15.5T8PRT.P3.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
9. Juiz Conselheiro Sousa Peixoto, proc. nº05S2137, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
10. Cfr. Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 196 e 197.
11. Juiz Conselheiro Lopes do Rego, proc. nº233/09.4TBVNC.G1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
12. Juíza Conselheira Ana Luísa Geraldes, proc. nº824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
13. No mesmo sentido, entre outros, Acs. STJ de 31/05/2016, Juiz Conselheiro Garcia Calejo, proc. nº1572/12.2TBABT.E1.S1, de 19/02/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº299/05.6TBMGD.P2.S1, e de 28/04/2016, Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1006/12.2TBPRD.P1.S1, disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj.
14. In obra referida, p. 200.
15. In obra citada, p. 331, 332 e 338.
16. Ac. STJ de 22/10/2015, Juiz Conselheiro Tomé Gomes, proc. nº212/06.3TBSBG.C2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
17. Juíza Conselheira Rosa Tching, proc. nº588/12.3TBPVL.G2.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
18. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384.
19. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ªEdição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436.
20. P.J.Pimenta, in Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325.
21. Neste sentido, o Ac. RG de 13/07/2021, Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº3625/20.4T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
22. In Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609.
23. Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº809/10.7TBLMG.C1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
24. Juiz Conselheiro Abrantes Geraldes, proc. nº1568/09.1TBGDM.P1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
25. António Abrantes Geraldes, in obra referida, p. 351.
26. Juíza Desembargadora Raquel Baptista Tavares, proc. nº671/20.1T8BGC.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
27. Cfr. Ac. do STJ de 23/09/2009, Juiz Conselheiro Bravo Serra, proc. nº238/06.7TTBGR.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
28. Juiz Desembargador Filipe Caroço, proc. nº338/17.8YRPRT, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.
29. Este mesmo entendimento foi sufragado pelo Ac. da RG de 30/09/2021, Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. nº899/19.7T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
30. O já referido Ac. do STJ de 28/09/2017, Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº809/10.7TBLMG.C1.S1.
31. Cfr. Ac. do STJ de 28/09/2017, Juíza Conselheira Fernanda Isabel Pereira, proc. nº659/12.6TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
32. Juiz Desembargador Paulo Reis, proc. nº899/19.7T8VCT.G1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrg.
33. Cfr. Ac. STJ 09/02/2021, Juíza Conselheira Fátima Gomes, proc. nº949/14.3TVLSB.L1.S1, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
34. Juiz Conselheiro Santos Bernardino, proc. nº07B3843, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj.
35. Cfr. Ac. RP 25/02/2021, Juiz Desembargador Joaquim Correia Gomes, proc. nº45388/19.5YIPRT.P1, disponível em http://www.dgsi.pt/jtrp.