Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8/04.7TBEPS.G1
Nº Convencional: JTRG000
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE
ADVOGADO
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/23/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: 1. No caso sub judice, entendemos que a responsabilidade civil, que é assacada ao recorrido, prende-se exclusivamente com a inexecução ou execução defeituosa do mandato e, por isso, é de natureza contratual. Será inadimplente o advogado se não tiver agido com normal prudência ou não tiver empregado os esforços indispensáveis para obter com sucesso a pretensão da mandante. E tratando-se de responsabilidade contratual, cabe á parte faltosa o ónus de provar que não agiu culposamente, inversão que impõe a conclusão de que, provado o inadimplemento, é presumida a culpa do devedor (cf. art.º 799º, do C. Civil).
2. O Réu, no âmbito do contrato que celebrou com a Ré, não estava obrigado a garantir-lhe o recebimento de uma indemnização (extrajudicialmente ou pela via judicial), mas estava obrigado a encetar todas as diligências adequadas a obter essa indemnização (obrigação de meios), nomeadamente, senão essencialmente, a propor a acção respectiva antes que tal direito se mostrasse prescrito
3. Embora o direito da Autora, a ser indemnizada pelas lesões decorrentes do acidente de que foi vítima, nasça com o acidente (lesão ilícita da sua integridade física), ele só seria definido, determinado e quantificado na acção respectiva, que o Réu não intentou. Assim, só podemos afirmar que a Autora perdeu a “chance” ou oportunidade de que lhe viesse a ser fixada pelo Tribunal indemnização de valor superior ao que recebeu por acordo extrajudicial.
4. A Autora tinha apenas uma expectativa de vir a receber uma indemnização superior (basta ver o pedido formulado pelo próprio Réu no seu projecto de petição – parte liquidada, no valor de 32.126.861$00 (€160.248.11). A jurisprudência e a doutrina ainda discutem se esta expectativa tem tutela jurídica. Há quem defenda a possibilidade de alguém ser indemnizado pela perda de “chance” ou de oportunidade, recorrendo-se, na fixação do quantum indemnizatório à equidade.
5. A autora, em virtude da inacção do Réu, apenas perdeu a “chance” de ser ressarcida com fundamento na responsabilidade pelo risco, mas tal não lhe causou qualquer prejuízo, porque recebeu indemnização superior àquela que, em qualquer circunstância, receberia, com tal fundamento, na data (1999) em que ocorreu a prescrição do seu direito com fundamento na responsabilidade pelo risco) atentos os limites então previstos no artº 508º do Código Civil.
6. Quando a Autora revogou o mandato conferido ao Réu, ainda estava em tempo (tinha cerca de um mês), para intentar a acção com fundamento na responsabilidade extracontratual fundada na culpa, pois que, face às lesões que a A. sofreu, a provar-se a culpa de qualquer dos condutores, o ilícito constituiria crime de ofensas corporais por negligência, para cuja prescrição a Lei penal prevê o prazo de cinco anos. Assim, nenhuma responsabilidade pode ser assacada ao Réu pelo facto da Autora ter optado por receber extrajudicialmente a indemnização, que a Seguradora propôs ou aceitou pagar-lhe. Mesmo que tivesse recebido extrajudicialmente valor inferior ao que receberia na acção, não existe nexo causal entre esse eventual prejuízo e a inacção do Réu, tanto mais que este tinha elaborado a petição inicial, que estava pronta a dar entrada no Tribunal quando o mandato foi revogado e só não entrou por esse facto.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - RELATÓRIO

B..., natural de Espanha, onde reside na Rua ....., Vigo, Espanha, intentou a presente acção declarativa com processo ordinário contra o DR. C..., advogado, com escritório na Rua ......, Esposende, pedindo a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de € 30.000,00 acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação até integral pagamento.

         Alega, em síntese, que foi vítima de um acidente de viação, ocorrido em 17.11.1996, em consequência do qual sofreu graves danos físicos, psicológicos e materiais e que, tendo em vista a reparação dos referidos prejuízos, mandatou o R. como advogado, a quem entregou a documentação necessária para a obtenção da indemnização pretendida, tendo outorgado a seu favor uma procuração em 13.01.1998. Contudo, em 10.10.2001, a A. continuava sem ver ressarcidos os seus prejuízos, apesar de ter solicitado ao R. informações sobre o decurso do processo.

         Alega ainda que, por manifesta falta de diligência do R. na condução do processo bem como por demora injustificada na resolução do assunto, em meados de Outubro de 2001 revogou o mandato que conferira ao R., tendo obtido em “08.11.2002” acordo com a Seguradora D... em condições muito desfavoráveis, em virtude desta seguradora entender que a sua responsabilidade se encontrava prescrita, sem que tivesse sido praticado qualquer acto tendente à interrupção da prescrição, pelo que acabou por aceitar um valor que não reparou todos os prejuízos que sofreu.

         Conclui ter sofrido um prejuízo efectivo que computa em € 30.000,00, da exclusiva responsabilidade do R.

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         Regularmente citado o R. contestou, aceitando que assumiu perante a A. a obrigação de praticar os actos jurídicos tendentes a defender os legítimos interesses daquela e que, no exercício desse encargo, efectuou diversas diligências junto das seguradoras eventualmente responsáveis, sendo que a Cª de Seguros E... alegou que o capital seguro se havia esgotado com os restantes sinistrados e a Cª de Seguros D... declinou a sua responsabilidade durante vários meses, só vindo a assumi-la face às decisões proferidas em dois processos diferentes relativos ao mesmo acidente.

         Alega ainda, que desenvolveu então diversos contactos telefónicos e pessoais com a seguradora, tendo conseguido que esta efectuasse uma avaliação médica à A., como era sua pretensão. Por outro lado, em Outubro de 2001, o R. tinha já preparada a petição inicial, pronta para dar entrada em Tribunal, tendo remetido cópia da mesma à Companhia de Seguros D... e à própria A., uma vez que esta fazia questão de fazer uma revisão prévia daquela peça processual. Porém, ao verificar que o R. já tinha a acção devidamente elaborada para dar entrada em tribunal, a A. decide revogar o mandato e confiar o assunto a outro mandatário, agora sem receio da prescrição.

         Conclui pela improcedência da acção e requer a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros F..., para a qual transferira a sua responsabilidade profissional como advogado.

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         Na réplica, a A. mantém a posição assumida na petição inicial, impugna os factos alegados pelo R., alegando que, pouco tempo depois de ter entregue o assunto a outro advogado, o assunto foi definitivamente negociado e resolvido com a D..., tendo porém sempre presente “o cutelo” da prescrição do seu direito à indemnização.

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         Por despacho proferido a fls. 91 foi indeferido o incidente de intervenção principal deduzido pelo R. e, na sequência do despacho de fls. 116 a 118, aceitando o convite, veio a A. apresentar nova petição inicial, devidamente corrigida, à qual o R. renovou a contestação oportunamente apresentada.

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         Foi proferido despacho saneador, fixada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, que não foram objecto de qualquer reclamação.

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         Procedeu-se a julgamento com observância do formalismo legal, tendo o tribunal respondido à base instrutória nos termos constantes do despacho proferido a fls. 273 e ss., sem reclamações.

Foi proferida sentença, na qual o Réu foi absolvido do pedido.

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Inconformada, veio a Autora interpor recurso de apelação.

O recurso foi recebido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações deste recurso a apelante formula as seguintes conclusões (sic):

1 - O presente Recurso de Apelação é interposto da douta Sentença que nos autos em referência julgou totalmente improcedente a pretensão da A., ora Apelante, e absolveu do pedido o Réu, aqui Recorrido, bem como a reapreciação da prova gravada;

2 - Conforme resulta da douta Sentença, provou a Apelante a existência de um contrato de mandato com o Apelado, bem como os factos que estiveram na origem da celebração de tal contrato, tendo em vista a defesa dos seus interesses e a reparação dos seus prejuízos decorrentes do acidente de que foi vítima.

3 - Mais ficou provado que o acidente ocorreu em 17/11/1996 e que o contrato de mandato foi celebrado com o R. finais de 1997, inícios de 1998;

4 - Provado também que a A. outorgou em 13/01/1998 a procuração necessária á intervenção judicial do aqui R.;

5 - Ficou ainda provado que em Outubro de 2001 a aqui Apelante se não encontrava ainda ressarcida pela Seguradora D... dos danos e prejuízos que lhe foram causados pelo acidente referido.

6 - A Apelante celebrou contrato de mandato com o R. Apelado e outorgou procuração para efeitos judiciais, bem como provado fixou que durante cerca de 5 anos, e durante a pendência do contrato de mandato celebrado com o Apelado, a Apelante não viu ressarcidos os seus danos e prejuízos, nem intentada qualquer acção judicial para esse efeito;

7 - Se é certo que a Meritíssima Juiz a quo baseou a resposta data aos quesitos 10º, 22º, 23º, 24º, com fundamento exclusivo no depoimento da testemunha perito da seguradora, igualmente certo é que não atendeu aos depoimentos das testemunhas arroladas pela Apelante, que confirmaram as diversas insistências da Apelante para que o assunto fosse resolvido de uma forma ou de outra;

8 - São incorrectas as respostas dadas aos quesitos  8º, 9º, 22º, 24º, 32º, 34º e 37º da douta Base Instrutória, que estão em manifesta oposição com a prova produzida, nomeadamente testemunhal, em sede de Audiência de Julgamento;

9 - Sobre tais questões foram elucidativos os depoimentos das testemunhas arroladas pela Apelante, que supra se reproduzem e aqui dão por integralmente reproduzidos para tos os efeitos legais;

10 - Da correcta interpretação da prova produzida não pode deixar de se concluir de outra forma quanto ás consequências a retirar no plano do Direito, que não seja que, perante esta interpretação dos factos, o exercício pelo Apelado do contrato de mandato não foi correcto, adequado e de acordo com as normas que especificamente o regem e dos fins visados com a sua celebração.

11 - E do depoimento das testemunhas da A. – que atrás se transcreveram – deve concluir-se que a Apelante sempre manteve uma atitude colaborante, prontificando-se a efectuar os actos, exames e a prestar as demais informações solicitadas pelo Apelado, bem como a inércia do mesmo no exercício do aludido contrato de mandato.

12 -   Por outro lado, é inegável que entre A. e Ré existiu uma relação contratual derivada de um contrato de mandato judicial;

13 -   O mandato judicial é um contrato que constitui um negócio tipicamente privado, entre dois sujeitos privados e que configura poderes para que o advogado mandatário actue judicialmente em favor do constituinte que o contrata, competindo-lhe representar e defender os seus clientes junto dos tribunais, ou seja, exercer o mandato judicial.

14 -   O que é igualmente facto inegável é que a A. dirigiu diversas comunicações ao R. relativamente ao exercício do contrato de mandato pelo R., e pedindo a sua resolução de forma adequada e célere, designadamente mediante a apresentação de acção judicial contra os responsáveis civis pelos danos para ela emergentes do acidente de viação de que foi vítima.

15 -   A pretensão da A. deduzida nos presentes autos funda-se exclusivamente no contrato de mandato celebrado com o R. e na invocada responsabilidade profissional resultante da inércia ou inadequação do exercício do aludido contrato de mandato;

16 -   Verificam-se todos os pressupostos da obrigação de indemnizar.

17 -   Salvo o devido respeito, a douta sentença recorrida revela erro notório na apreciação da prova, pois descura aspectos essenciais dos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento que, a serem valorados devidamente, culminariam necessariamente numa decisão diversa da que foi proferida.

18 -   Não foram, por conseguinte, no que a esta matéria concerne, tidos em conta os depoimentos das testemunhas supra referidos em sede de Audiência de Julgamento.

19 -   A douta Sentença revidenda não considera que atento o facto de se aplicar ao caso sub judice o artigo 799º do CC há uma inversão do ónus da prova.

20 -   Se o advogado não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm do exercício do mandato que firmou com o cliente, constitui-se, para com ele, em responsabilidade civil contratual;

21 -   Não resultou provado matéria que permita ao Tribunal concluir que o R. utilizou todos os meios ao seu dispor, e tratou com zelo a questão que lhe estava confiada, pelo que o R., ao ter assim agido, actuou de forma culposa - culpa essa que, aliás, se presume, já que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, e que não logrou ilidir, cfr. artº 799º do C.Civil.

Nestes termos e nos melhores de Direito que doutamente se suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, com todas as legais consequências, nomeadamente a revogação e/ou anulação da Sentença revidenda, concluindo pela procedência do pedido da Apelante, com o que Vossas Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, farão, como sempre, verdadeira e sã JUSTIÇA.

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Não foram apresentadas contra-alegações.

*

O recurso veio a ser admitido neste Tribunal da Relação, na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II  -  DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO: QUESTÕES A DECIDIR.

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente, tal como decorre das disposições legais dos artº 684º-nº3 e 690º-nº1 e 2 do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”(artº 660º-nº2 do CPC).

         E, de entre estas questões, excepto no tocante àquelas que o tribunal conhece ex officio, o tribunal de 2ª instância apenas poderá tomar conhecimento das questões já trazidas aos autos pelas partes, nos termos dos artº 664º e 264º do CPC, não podendo a parte nas alegações de recurso e respectivas conclusões vir suscitar e requerer a apreciação de questões ou excepções novas. 

         Atentas as conclusões da apelação, supra elencadas, cumpre reapreciar a matéria de facto, em ordem a decidir

a) Se “as respostas dadas aos quesitos 8º, 9º, 22º, 24º, 32º, 34º e 37º da B. I. estão em manifesta oposição com a prova produzida, nomeadamente testemunhal, em sede de audiência de julgamento e se os depoimentos das testemunhas da Autora impunham que se decidisse de outro modo no tocante à matéria dos quesitos 10º e 23º.

b) Se a matéria de facto provada impõe que se decidida no sentido da procedência da acção.

III - OS FACTOS 

A - Factos considerados provados na sentença recorrida:

1.      A Autora foi vítima de um acidente de viação ocorrido no dia 17 de Novembro de 1996, pelas 3 horas, na Estada nacional nº 13, Freguesia de Apúlia, Concelho de Esposende, altura em que circulava como passageira do veículo com a matrícula 30-28-FD, conforme consta da fotocópia do auto de participação junta aos autos a fls. 8 a 10, que aqui se dá por integralmente reproduzido – al. A) dos factos assentes;

2.      Tal acidente envolveu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula RB-84-46, propriedade de G... e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 30-28-FD, propriedade da H..., Lda. – al. B) dos factos assentes;

3.      Aquando do referido acidente o veículo RB era conduzido pelo seu proprietário – al. C) dos factos assentes;

4.      O veículo FD era conduzido por I... com o conhecimento e consentimento do respectivo proprietário – al. D) dos factos assentes;

5.      A Autora era transportada no banco traseiro do veículo FD – al. E) dos factos assentes;

6.      No dia e hora acima referidos o veículo 30-28-FD circulava na Estrada Nacional nº 13, no local acima referido, no sentido Póvoa de Varzim-Viana – al. F) dos factos assentes;

7.      E o veículo RB-84-46 circulava naquela E.N. nº 13 no sentido Viana – Póvoa de Varzim – al. G) dos factos assentes;

8.      No local onde ocorreu o acidente a via tem 7,30 metros e o piso, em asfalto, estava seco e em bom estado de conservação – al. H) dos factos assentes;

9.      O condutor do veículo FD pretendia seguir pela estrada que desse local parte em direcção ao Lugar de Areia, Apúlia e que fica no lado esquerdo da via em que então circulava, atento o seu sentido de marcha – al. I) dos factos assentes;

10.    Ao aproximar-se desse local, o condutor do FD sinalizou a sua manobra com o indicador luminoso de mudança de direcção, reduziu a velocidade que imprimia ao seu veículo e aproximou-se do eixo da via – al. J) dos factos assentes;

11.    E aí deteve a sua marcha, junto à linha que demarca as duas hemi-faixas, aguardando a passagem do RB que provinha em sentido contrário e se aproximava do local a uma velocidade não inferior a 100 Km/h – al. K) dos factos assentes;

12.    O RB provinha de uma curva que se apresentava para a direita atento o seu sentido de marcha e invadindo parte da hemi-faixa esquerda onde se encontrava parado o FD – al. L) dos factos assentes;

13.    Vindo a embater violentamente com a frente esquerda do seu veículo na frente esquerda do veículo FD – al. M) dos factos assentes;

14.    Em consequência do embate, o veículo FD foi projectado para trás, o mesmo sucedendo com o RB – al. N) dos factos assentes;

15.    O condutor do RB teve morte quase imediata – al. O) dos factos assentes;

16.    Segundo o relatório de autópsia junto ao processo de inquérito que correu termos com o nº 989/96 nos serviços do Ministério Público de Esposende, o condutor do RB apresentava”estômago repleto de alimentos com forte cheiro a álcool etílico. Estruturas hepáticas com fortes sinais de cirrose álcool-dependente” – al. P) dos factos assentes;

17.    A Autora, que era então transportada como passageira do FD, foi, em consequência de tal embate, projectada para a frente, embatendo com a cabeça no tejadilho e no pára-brisas do FD, que se partiu – al. Q) dos factos assentes;

18.    Após o acidente, a Autora foi de imediato transportada para os serviços de urgência do Hospital de S. João, no Porto – al. R) dos factos assentes;

19.    Daí foi transferida para o serviço de neurologia e neurocirurgia devido aos politraumatismos que apresentava – al. S) dos factos assentes;

20.    Foi ainda observada nas especialidades de traumatologia, oftalmologia e cirurgia – al. T) dos factos assentes;

21.    No Hospital de S. João foi submetida a intervenção cirúrgica para lhe serem retirados estilhaços de vidro que se haviam introduzido na face e na fronte – al. U) dos factos assentes;

22.    Foi ainda suturada em vários locais da face e da cabeça – al. V) dos factos assentes;

23.    Foi-lhe diagnosticado traumatismo crâneo-encefálico com comoção cerebral – al. X) dos factos assentes;

24.    Apresentava várias feridas lacero-contusas na região frontal mediana e direita, na pálpebra superior e sobrancelhas direitas e na região malar – al. Z) dos factos assentes;

25.    Foi-lhe diagnosticado ainda um traumatismo na coluna cervical e lombar e traumatismo no tornozelo direito – al. AA) dos factos assentes;

26.    Posteriormente foi transferida para o Hospital do Meixoeiro, em Vigo, Espanha, onde foi observada por especialistas de cirurgia plástica – al. BB) dos factos assentes;

27.    Apresenta ainda cicatrizes hipertróficas e irregulares na região frontal mediana e direita, na sobrancelha e pálpebra direitas e na região malar, com perda de pêlos na região supraciliar direita e não oclusão completa do olho direito (ectópio) por retracção cicatricial da pálpebra e da região, com lacrimejo persistente – al. CC) dos factos assentes;

28.    Como consequência do acidente a Autora vê-se privada de conduzir automóveis em percursos extensos, com dificuldade de mobilidade do tronco, dos membros, do pescoço e com instabilidade nos músculos intercostais – al. DD) dos factos assentes;

29.    Tendo em vista a defesa dos seus interesses e a reparação dos seus prejuízos decorrentes do descrito acidente, a Autora contactou o Réu com quem celebrou um contrato para esse efeito – al. EE) dos factos assentes;

30.    A Autora outorgou em 13 de Janeiro de 1998 a procuração necessária à intervenção judicial do Réu, mediante documento outorgado no Consulado de Portugal em Londres, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 22 – al. FF) dos factos assentes;

31.    Mostram-se juntas aos autos, de fls. 23 a 34, cópias de vária correspondência trocada entre a Autora e o Réu, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas – al. GG) dos factos assentes;

32.    Em 08 de Novembro de 2001 foi obtido acordo com a Seguradora D... nos termos constantes de fls. 31 e que aqui se dá por integralmente reproduzido – al. HH) dos factos assentes;

33.    Em 10 de Outubro de 2001, a Autora ainda não se encontrava ressarcida dos danos e prejuízos sofridos em consequência do acidente referido nos pontos 1. a 17. supra – resp. ques. 1º da base instrutória;

34.    O Réu sempre alertou a Autora para os benefícios de uma resolução extra-judicial do caso, atento os custos acrescidos, as dificuldades inerentes à prova a vários níveis, a situação de excessiva pendência existente então no Tribunal de comarca, o que fazia prever que uma acção judicial se arrastasse ao longo de vários anos – resp. quesito 8º da base instrutória;

35.    Com o que a Autora sempre concordou – resp. quesito 9º da base instrutória;

36.    O Réu desenvolveu em simultâneo diligências junto da companhia seguradora do veículo em que a mesma era transportada como passageira (E...) e da seguradora do veículo terceiro (D...) – resp. quesito 10º da base instrutória;

37.    A Companhia de Seguros D... declinou durante vários meses a responsabilidade do seu segurado relativamente à produção do acidente – resp. quesito 12º da base instrutória;

38.    O Réu desenvolveu efectivamente dezenas de contactos escritos e telefónicos com as duas companhias seguradoras no sentido da resolução extrajudicial do caso, em benefício da Autora e tendo em vista os seus interesses económicos – resp. quesito 22º da base instrutória;

39.    O Réu recorreu a contactos directos com um funcionário gestor/liquidador de sinistros da Companhia de Seguros D..., nos serviços da delegação de Braga – resp. quesito 23º da base instrutória;

40.    O Réu dirigiu-se mais do que uma vez, pessoalmente, aos escritórios da Companhia de Seguros em Braga para tratar do assunto em causa – resp. quesito 24º da base instrutória;

41.    O Réu sugeriu à Autora que fosse tentado que a seguradora procedesse a um exame médico, de modo a avaliar e determinar o grau de incapacidade e os danos que para si resultaram do acidente, o que esta aceitou – resp. quesito 28º da base instrutória;

42.    O Réu conseguiu que fosse efectuado o exame referido no ponto 41. supra – resp. quesito 29º da base instrutória;

43.    À data da ocorrência do acidente a Autora encontrava-se a estudar na Universidade de Vigo – resp. quesito 30º da base instrutória;

44.    Na segunda semana de Outubro de 2001, após ter remetido à Companhia de Seguros D... cópia da petição inicial que tinha pronta para dar entrada no Tribunal, o Réu estava a ultimar negociações com esta seguradora no sentido de ser fixada indemnização de valor superior àquela que a Autora veio a receber – resp. quesito 32º da base instrutória;

45.    A acção só não foi proposta porque a Autora referiu expressamente que não autorizava que tal acontecesse sem que ela fizesse uma “revisão” da petição – resp. quesito 33º da base instrutória;

46.    É nesta altura que a Autora revoga o mandato conferido ao Réu e confia o assunto a outro advogado – resp. quesito 34º da base instrutória;

47.    O Réu atendeu a Autora em diversas reuniões, muitas vezes em consequência de visitas não agendadas – resp. quesito 36º da base instrutória;

48.    Aos pedidos de elementos e colaboração efectuados pelo Réu à Autora esta respondia com pedidos de explicação e desconfiança – resp. quesito 37º da base instrutória.

B - Reapreciação da matéria de facto

Importa – atento o âmbito do presente recurso, delimitado pelas conclusões da alegação do apelante (art. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC) – analisar as questões, a propósito da decisão de facto, colocadas a este Tribunal

A apelante refere que a prova produzida não sustenta as respostas dadas aos números 8º, 9º, 22º, 24º, 32º, 34º e 37º da Base Instrutória e que implicaria resposta diversa aos números 10º e 23º, mas não esclarece qual a resposta que deveria ter sido dada, isto é, se tais quesitos deveriam ter sido dados como não provados ou se lhes deveria ter sido dada uma resposta restritiva ou explicativa.

Relativamente à apreciação da prova e consequente decisão da matéria de facto é essencial ter presentes as regras da repartição do ónus da prova e o princípio da aquisição processual das provas.

No tocante à repartição do ónus da prova teremos de ter em atenção que a Autora funda o seu pedido na responsabilidade contratual derivada da inexecução do contrato de mandato que celebrou com o Réu ([i]). Assim sendo e atento o disposto nos artsº 1178º e 799º do Código Civil e a 83º do E.O.A. então vigente, recaía sobre o Réu o ónus de provar a matéria dos quesitos 8º, 9º, 10º, 22º, 23º, 24º, 32º, 34º e 37º, que aliás correspondem a matéria que alegou na sua contestação.

A esta matéria o Réu apresentou uma única testemunha (Virgílio Reis Silva, perito liquidador da Cª de Seguros D...) e os documentos juntos a fls. 48 a 61 (projecto de petição inicial) fls. 62 (carta à companhia de seguros de 8.10.2001), fls. 63 (registo dessa carta), fls. 64 (carta enviada à Autora em 8.10.2001) e fls. 65 (registo dessa carta).

Atento o princípio da aquisição processual das provas teremos ainda de atender ao depoimento das testemunhas Patrícia Ayuso, Purificacion Justo e Humberto Miguez Justo no tocante à matéria dos quesitos 8º e 9º, únicos dos quesitos a que foram inquiridas, cuja resposta está impugnada em sede do presente recurso e aos documentos que juntou a fls. 23 (Fax enviado pela Autora ao Réu em 18.1.2001), fls. 24 (mensagem electrónica da Autora para o Réu em 2001), fls. 25 (Fax enviado pela Autora ao Réu em 26.9.2001), fls. 27 (carta enviada pela Autora ao Réu em 15.10.2001 solicitando o envio da documentação para outro escritório de advogados), fls. 28 (declaração do Réu, datada de 27.9.2001, comprometendo-se a informar a Ré até ao dia seguinte, às 16 horas, da resposta da Cª de Seguros à proposta de indemnização e, caso não seja aceite tal proposta, comprometendo-se a enviar-lhe a petição até 4.10.2001, para dar entrada no Tribunal após aprovação da Autora), fls. 29 (declaração do Réu, datada de 19.1.2001, comprometendo-se a procurar agendar, no prazo de uma semana, uma reunião com a Companhia de Seguros e, nesse mesmo prazo, entregar-lhe a documentação que a A. solicitara), fls. 30 (Fax enviado pelo Réu á Autora em 16.8.2001, informando da reunião que tivera com o Sr. Virgílio da Cª de Seguros), fls. 33 e 34 (carta enviada pela Autora ao Réu em 10.1.2002). 

Posto isto, passemos à análise crítica das provas produzidas em audiência e constantes dos autos.

A)

No quesito 8º perguntava-se se o Réu sempre alertou a Autora para os benefícios de uma resolução extra-judicial do caso, atento os custos acrescidos, as dificuldades inerentes à prova a vários níveis, a situação de excessiva pendência existente então no Tribunal de comarca, o que fazia prever que uma acção judicial se arrastasse ao longo de vários anos?

Tal matéria foi dada como provada.

Trata-se de matéria alegada pelo Réu e à qual não apresentou qualquer testemunha. Com efeito, apesar da testemunha Virgílio ter sido indicada a toda a matéria, sobre isto nada sabia ou poderia saber, uma vez que os seus contactos foram com o Réu e só no ano de 2001.

Dos depoimentos das testemunhas inquiridas a esta matéria, todas arroladas pela Autora (Purificacion Justo, Humberto Miguez Justo e Patrícia Ayuso), apenas resulta que, nas muitas vezes que a Autora foi ao escritório do Réu, ela pedia-lhe que “intentasse a demanda” e o Réu dizia-lhe que estava tratando com a seguradora (“arreglando com la mutua”), pedia mais papéis (“informes médicos”…) sempre lhe entregaram tudo o que pedia (depoimento da mãe da Autora, D. Purificacion). Apenas a testemunha Humberto, a instâncias do advogado, que lhe perguntou se a Isabel concordou ou concordava que o processo de negociação demorasse tanto tempo, respondeu: “No”; e se alguma vez o Dr. Armando Rosas disse que o Tribunal de Esposende estava muito atrasado, que seria melhor continuar com as negociações, respondeu: “Ele dizia que era melhor negociar, … porque poderiam julgar de uma forma que ele não queria”; Se seria mais difícil ou mais demorado? “Si”; porquê”? “Dizia que era melhor obter um acordo com a Seguradora, porque se intentasse a acção seria muito mais demorado”. No entanto esta testemunha também disse que o Réu, no início, lhes dissera que tinha apresentado a questão ao Tribunal (“Julgado”) e mais tarde (ao final) disse que estava a negociar, que enganou a Autora e estava conluiado com a seguradora (de tal forma que a Mma. Juiz a quo advertiu a testemunha de que podia incorrer num processo crime por estar a difamar o Réu).

A Testemunha Patrícia, que foi vítima no mesmo acidente e que também mandatou o Réu para receber a indemnização a que tinha direito, disse que vieram a primeira vez ao escritório do Réu no inicio de 1997 e acompanhou a Autora umas dez vezes pelo menos. A Autora pedia ao Réu para apresentar uma demanda judicial, isto durante 4 anos pelo menos. O Réu apresentava “escusa atrás de escusa, que esperava documentação … escusa … esperar… problemas pessoais… escusas e mas escusas …”. A autora pediu várias vezes para ser intentada a acção. As “escusas” do Réu “nada tinham a ver com as suas funções de advogado”.

Assim, as testemunhas não referiram a factualidade que se deu como provada. Referiram sim que o Réu, nas vezes em que vieram ao seu escritório e que os atendeu (pois por vezes não estava), a propósito desta questão da indemnização, dizia que se estava “arreglando”, deu a entender, inicialmente que a questão já estaria em tribunal, posteriormente disse que estava a negociar e por fim, quando a Autora veio ao escritório para que ele lhe entregasse “os papéis”, a fim de recorrer a outro advogado, pois tinha conhecimento que o seu direito estaria a prescrever, o Réu desculpou-se do atraso com o facto de ter um filho doente.

Pelo exposto a prova produzida apenas permite dar como provado:

O Réu dizia á Autora que estava negociar com a Seguradora e chegou a referir que, em Tribunal, a causa poderia arrastar-se por vários anos e havia o risco de ser julgada desfavoravelmente.    

B)

No quesito 9º perguntava-se, com referência ao anterior: Com o que a Autora sempre concordou?

Tal matéria foi dada como provada

A prova produzida não sustenta esta resposta. Com efeito, dos depoimentos das testemunhas arroladas pela Autora (únicas que podiam ter conhecimento deste facto) resulta que a Autora queria receber a indemnização, para isso contratou o Réu, o que lhe importava era o resultado e confiava no Réu para a escolha dos meios adequados.

A testemunha Humberto disse claramente que a Autora nunca concordaria que o processo negocial demorasse tanto tempo.

Todas as testemunhas referem que a Autora sempre pedia ao Réu que “intentasse a demanda”. Dos depoimentos não se pode inferir que a Autora concordou, á outrance, com o prosseguimento da via negocial, em prejuízo da via judicial, pelo contrário, a mãe da Autora (Purificacion) refere várias vezes, no seu depoimento, que a Autora, em todas as reuniões com o Réu, quando este referia que estava a negociar com a Seguradora, pedia-lhe: “que presentara la demanda e logo se pagaram se arreglavam”. Assim, a prova testemunhal, aliada à prova documental junta pelo Réu (fls. 62 e 64) e pela Autora (ver fls. 25) não permite dar como provada esta matéria, antes pelo contrário, como resulta da carta enviada pela Autora ao Réu e junta a fls. 25.

C)

No quesito 10º perguntava-se: O Réu desenvolveu em simultâneo diligências junto da companhia seguradora do veículo em que a mesma era transportada como passageira (E...) e da seguradora do veículo terceiro (D...)?

Esta matéria foi dada como provada:

 A esta matéria apenas foi inquirida a testemunha Virgílio, cujo depoimento é essencialmente uma série de generalidades sobre as suas funções e pouco concretizou sobre as concretas negociações. Disse que interveio na fase de liquidação do sinistro (perito liquidatário) em 2001. Só sabia que negociou com o Dr. Armando Rosas no ano de 2001, foi ao escritório dele pelo menos 3 vezes e a negociação demorou cerca de um ano – concluiu-se em 8.11.2001. A testemunha desconhecia contactos anteriores. Não referiu qualquer outro contacto ou que o Réu tenha ido aos serviços da companhia. Nem sequer se recordava se a Autora tinha sido submetida a exame médico nos serviços clínicos da companhia de seguros.

Não há nos autos qualquer documento relativo a eventual negociação com a companhia E....

Assim relativamente a esta matéria apenas se pode dar como provado que o Réu desenvolveu diligências junto da seguradora do veículo terceiro (D...).

D)

No nº 22º da B. I. perguntava-se: O Réu desenvolveu efectivamente dezenas de contactos escritos e telefónicos com as duas companhias seguradoras no sentido da resolução extrajudicial do caso, em benefício da Autora e tendo em vista os seus interesses económicos?

Tal matéria foi dada como provada..

Nos autos não há prova de dezenas de contactos escritos, mas apenas de um.

Para a prova desta matéria a Mmª. Juiz a quo só podia basear-se nos documentos e no depoimento da única testemunha arrolada pelo Réu, Virgílio Reis Silva, perito liquidador da Cª de Seguros D..., que referiu, como acima exposto, que as negociações decorreram durante cerca de um ano, em 2001, e que se deslocou ao escritório do Réu três vezes. Com a contestação o Réu juntou uma carta (fls. 62), já de Outubro de 2001. Não juntou qualquer outra carta enviada à Seguradora ou ao perito da seguradora. Apenas nos documentos juntos pela própria Autora, existem cartas enviadas pelo Réu à Autora em que este menciona negociações que tem em curso e diligências efectuadas (fls. 30, enviada em 16.8.2001). Assim e porque era ao Réu que competia provar a execução do mandato que lhe foi confiado, a resposta a esta matéria terá de ser restringida para:

O Réu, pelo menos no ano de 2001, desenvolveu contactos com a companhia de seguros D... no sentido da resolução extrajudicial do caso, em benefício da Autora.

E)

No quesito 23º perguntava-se: O Réu recorreu a contactos directos com um funcionário gestor/liquidador de sinistros da Companhia de Seguros D..., nos serviços da delegação de Braga?

Não há qualquer prova documental sobre esta quesito e a prova testemunhal limita-se ao Sr. Virgílio, perito liquidatário da seguradora D..., que referiu ter ido 3 vezes ao escritório do Réu e não referiu qualquer deslocação do Réu aos serviços da Delegação de Braga. Assim, em face da prova produzida apenas se poderia ter dado como provado que:

O Réu teve contactos directos com um funcionário gestor/liquidador de sinistros da Companhia de Seguros D....

F)

No quesito 24º perguntava-se: o Réu dirigiu-se mais do que uma vez, pessoalmente, aos escritórios da Companhia de Seguros em Braga para tratar do assunto em causa?

Tal matéria, por não ter sido sobre ela produzida qualquer prova (note-se que a testemunha Virgílio apenas referiu que se deslocou ao escritório do Réu e não o contrário) terá, de ser dada como não provada.

G)

No quesito 32º perguntava-se: Na segunda semana de Outubro de 2001, após ter remetido à Companhia de Seguros D... cópia da petição inicial que tinha pronta para dar entrada no Tribunal, o Réu estava a ultimar negociações com esta seguradora no sentido de ser fixada indemnização de valor superior àquela que a Autora veio a receber?

Esta matéria foi dada como provada.

A testemunha Virgílio no seu depoimento refere que estavam a negociar. É natural que o Réu pretendesse valor superior, mas o posteriormente obtido foi o valor correspondente às instruções que recebera para chegar a acordo. O valor foi o considerado adequado pela seguradora independentemente de estar longe ou perto a prescrição e independentemente do advogado.

Sobre esta matéria o documento junto a fls. 62 é esclarecedor. O Réu quando remeteu o projecto de petição à companhia de seguros D..., aliás na mesma data em que o enviou à Autora, não estava a ultimar qualquer acordo, continuava a aguardar a resposta a uma proposta que efectuara e por isso, nessa mesma carta, por não ter resposta a essa proposta, refere que não pode aguardar por mais tempo a resolução extrajudicial. Não havia nada a “ultimar” nessas negociações. Havia um impasse (falta de resposta à proposta). O sentido deste quesito, tal como está formulado, inculca uma realidade diversa. O que se provou é apenas o que consta dos autos.

Assim provou-se apenas:

Na segunda semana de Outubro de 2001, o Réu, não tendo obtido qualquer resposta da Companhia de Seguros D... á proposta de indemnização que efectuara, remeteu a tal Seguradora a carta junta a fls. 62, anexando-lhe cópia do projecto de petição inicial que elaborara.

H)

No quesito 34º perguntava-se: É nesta altura que a Autora revoga o mandato conferido ao Réu e confia o assunto a outro advogado (nesta altura reporta-se ao momento em que o Réu lhe enviou o projecto da petição inicial)?

Tal matéria foi dada como provada.

Aqui há duas hipóteses a perspectivar: É o mandato que é revogado quando o Autor tem pronta a petição ou é a petição inicial que é elaborada pelo Réu e enviada à Autora porque aquele se apercebe da intenção da Autora de revogar o mandato?

Ora da carta enviada pelo Réu à Autora em 8.10.2001, junta a fls. 64, em que refere ter recebido um telefonema dum colega do Porto que tinha sido contactado pela Autora para transferir o patrocínio e em que diz que espera que a autora não o faça, (“agora que tenho a petição inicial pronta e lhe forneci cópia”), impõe que se conclua pelo segundo raciocínio. A Autora contactou um outro advogado, que entrou em contacto com o Réu, como é normal, com vista ao substabelecimento e como este o não fez, acabou por lhe enviar a carta, que nos autos é por todos interpretada como revogação do mandato, independentemente da petição estar ou não feita, sendo certo que já poderia ter sido elaborada há anos.

O mesmo decorre da carta enviada pela Autora ao Réu em 26.9.2001 (antes deste lhe ter enviado a petição), onde dá a entender ao Réu que não pretende mais os seus serviços (nessa carta refere que o Réu se comprometera, em 17 de Julho, a dar entrada da acção até 17 de Setembro, enviando-lhe previamente o projecto da petição e que, como o Réu nada fizera, como de costume, iria passar no seu escritório para recolher tudo o referente ao caso).

  Assim a matéria deste quesito, que se prende com o anterior e ao sentido que deles se poderia extrair, tem de ser negativa.

I)

No quesito 37º da B.I. perguntava-se: Aos pedidos de elementos e colaboração efectuados pelo Réu à Autora esta respondia com pedidos de explicação e desconfiança?

Tal matéria foi dada como provada.

A resposta a esta matéria não pode fundar-se na prova testemunhal, pois a única testemunha indicada a tal matéria foi o Sr. Virgílio, perito da D..., que sobre isto nada sabia nem podia saber. As demais testemunhas não foram inquiridas a esta matéria, embora a ela façam referência nos seus depoimentos, afirmando precisamente o contrário (a Autora disponibilizou todos os elementos necessários e a tudo acedeu) do que foi dado como provado.

Assim a prova deste facto só poderia fundar-se no documento junto pela Autora a fls. 24. Ora nesta carta, enviada por mail em 2001, a Autora diz: «Me dice que necesita de copia de mi última nomina para poder pedir el reconocimiento medico que debiera ya haberse hecha hace anos. No entiendo para que necessita una nomina mia, expliqueme que tiene que ver mi sueldo com este caso». Trata-se de uma dúvida legítima de quem está farta de esperar e a quem este pedido soa como mais uma desculpa para não intentar a acção. Além disso e com o devido respeito, logo de inicio, (pelo menos quando lhe foi conferido mandato pela procuração junta a fls. 22) o Réu deveria ter informado a Autora da necessidade de saber quando esta ganhava ou qual o salário médio de uma profissional da sua área de formação em Espanha, para cálculo da indemnização por perda de rendimentos futuros. Aliás tal elemento era fundamental para negociar e o que servia para negociar também servia para propor a acção.

Nestes termos e com este fundamento a resposta deveria ter sido negativa.

*

Pelo exposto, procedem parcialmente as conclusões do recurso, na parte relativa à decisão da matéria de facto.

Em consequência e para apreciação do recurso quanto à matéria de direito, a factualidade que este Tribunal da Relação considera provada é a seguinte:

1.      A Autora foi vítima de um acidente de viação ocorrido no dia 17 de Novembro de 1996, pelas 3 horas, na Estada nacional nº 13, Freguesia de Apúlia, Concelho de Esposende, altura em que circulava como passageira do veículo com a matrícula 30-28-FD, conforme consta da fotocópia do auto de participação junta aos autos a fls. 8 a 10, que aqui se dá por integralmente reproduzido – al. A) dos factos assentes;

2.      Tal acidente envolveu o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula RB-84-46, propriedade de G... e o veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 30-28-FD, propriedade da H..., Lda. – al. B) dos factos assentes;

3.      Aquando do referido acidente o veículo RB era conduzido pelo seu proprietário – al. C) dos factos assentes;

4.      O veículo FD era conduzido por I... com o conhecimento e consentimento do respectivo proprietário – al. D) dos factos assentes;

5.      A Autora era transportada no banco traseiro do veículo FD – al. E) dos factos assentes;

6.      No dia e hora acima referidos o veículo 30-28-FD circulava na Estrada Nacional nº 13, no local acima referido, no sentido Póvoa de Varzim-Viana – al. F) dos factos assentes;

7.      E o veículo RB-84-46 circulava naquela E.N. nº 13 no sentido Viana – Póvoa de Varzim – al. G) dos factos assentes;

8.      No local onde ocorreu o acidente a via tem 7,30 metros e o piso, em asfalto, estava seco e em bom estado de conservação – al. H) dos factos assentes;

9.      O condutor do veículo FD pretendia seguir pela estrada que desse local parte em direcção ao Lugar de Areia, Apúlia e que fica no lado esquerdo da via em que então circulava, atento o seu sentido de marcha – al. I) dos factos assentes;

10.    Ao aproximar-se desse local, o condutor do FD sinalizou a sua manobra com o indicador luminoso de mudança de direcção, reduziu a velocidade que imprimia ao seu veículo e aproximou-se do eixo da via – al. J) dos factos assentes;

11.    E aí deteve a sua marcha, junto à linha que demarca as duas hemi-faixas, aguardando a passagem do RB que provinha em sentido contrário e se aproximava do local a uma velocidade não inferior a 100 Km/h – al. K) dos factos assentes;

12.    O RB provinha de uma curva que se apresentava para a direita atento o seu sentido de marcha e invadindo parte da hemi-faixa esquerda onde se encontrava parado o FD – al. L) dos factos assentes;

13.    Vindo a embater violentamente com a frente esquerda do seu veículo na frente esquerda do veículo FD – al. M) dos factos assentes;

14.    Em consequência do embate, o veículo FD foi projectado para trás, o mesmo sucedendo com o RB – al. N) dos factos assentes;

15.    O condutor do RB teve morte quase imediata – al. O) dos factos assentes;

16.    Segundo o relatório de autópsia junto ao processo de inquérito que correu termos com o nº 989/96 nos serviços do Ministério Público de Esposende, o condutor do RB apresentava”estômago repleto de alimentos com forte cheiro a álcool etílico. Estruturas hepáticas com fortes sinais de cirrose álcool-dependente” – al. P) dos factos assentes;

17.    A Autora, que era então transportada como passageira do FD, foi, em consequência de tal embate, projectada para a frente, embatendo com a cabeça no tejadilho e no pára-brisas do FD, que se partiu – al. Q) dos factos assentes;

18.    Após o acidente, a Autora foi de imediato transportada para os serviços de urgência do Hospital de S. João, no Porto – al. R) dos factos assentes;

19.    Daí foi transferida para o serviço de neurologia e neurocirurgia devido aos politraumatismos que apresentava – al. S) dos factos assentes;

20.    Foi ainda observada nas especialidades de traumatologia, oftalmologia e cirurgia – al. T) dos factos assentes;

21.    No Hospital de S. João foi submetida a intervenção cirúrgica para lhe serem retirados estilhaços de vidro que se haviam introduzido na face e na fronte – al. U) dos factos assentes;

22.    Foi ainda suturada em vários locais da face e da cabeça – al. V) dos factos assentes;

23.    Foi-lhe diagnosticado traumatismo crâneo-encefálico com comoção cerebral – al. X) dos factos assentes;

24.    Apresentava várias feridas lacero-contusas na região frontal mediana e direita, na pálpebra superior e sobrancelhas direitas e na região malar – al. Z) dos factos assentes;

25.    Foi-lhe diagnosticado ainda um traumatismo na coluna cervical e lombar e traumatismo no tornozelo direito – al. AA) dos factos assentes;

26.    Posteriormente foi transferida para o Hospital do Meixoeiro, em Vigo, Espanha, onde foi observada por especialistas de cirurgia plástica – al. BB) dos factos assentes;

27.    Apresenta ainda cicatrizes hipertróficas e irregulares na região frontal mediana e direita, na sobrancelha e pálpebra direitas e na região malar, com perda de pêlos na região supraciliar direita e não oclusão completa do olho direito (ectópio) por retracção cicatricial da pálpebra e da região, com lacrimejo persistente – al. CC) dos factos assentes;

28.    Como consequência do acidente a Autora vê-se privada de conduzir automóveis em percursos extensos, com dificuldade de mobilidade do tronco, dos membros, do pescoço e com instabilidade nos músculos intercostais – al. DD) dos factos assentes;

29.    Tendo em vista a defesa dos seus interesses e a reparação dos seus prejuízos decorrentes do descrito acidente, a Autora contactou o Réu com quem celebrou um contrato para esse efeito – al. EE) dos factos assentes;

30.    A Autora outorgou em 13 de Janeiro de 1998 a procuração necessária à intervenção judicial do Réu, mediante documento outorgado no Consulado de Portugal em Londres, cuja cópia se encontra junta aos autos a fls. 22 – al. FF) dos factos assentes;

31.    Mostram-se juntas aos autos, de fls. 23 a 34, cópias de vária correspondência trocada entre a Autora e o Réu, e que aqui se dão por integralmente reproduzidas – al. GG) dos factos assentes;

32.    Em 08 de Novembro de 2001 foi obtido acordo com a Seguradora D... nos termos constantes de fls. 31 e que aqui se dá por integralmente reproduzido – al. HH) dos factos assentes;

33.    Em 10 de Outubro de 2001, a Autora ainda não se encontrava ressarcida dos danos e prejuízos sofridos em consequência do acidente referido nos pontos 1. a 17. supra – resp. ques. 1º da base instrutória;

34. O Réu dizia á Autora que estava negociar com a Seguradora e chegou a referir que, em Tribunal, a causa poderia arrastar-se por vários anos e havia o risco de ser julgada desfavoravelmente.

36.    O Réu desenvolveu diligências junto da seguradora do veículo terceiro (D...).

 37.   A Companhia de Seguros D... declinou durante vários meses a responsabilidade do seu segurado relativamente à produção do acidente – resp. quesito 12º da base instrutória;

38.    O Réu, pelo menos em 2001, desenvolveu contactos com a companhia de seguros D... no sentido da resolução extrajudicial do caso, em benefício da Autora.

39.    O Réu teve contactos directos com um funcionário gestor/liquidador de sinistros da Companhia de Seguros D....

41.    O Réu sugeriu à Autora que fosse tentado que a seguradora procedesse a um exame médico, de modo a avaliar e determinar o grau de incapacidade e os danos que para si resultaram do acidente, o que esta aceitou – resp. quesito 28º da base instrutória;

42.    O Réu conseguiu que fosse efectuado o exame referido no ponto 41. supra – resp. quesito 29º da base instrutória;

43.    À data da ocorrência do acidente a Autora encontrava-se a estudar na Universidade de Vigo – resp. quesito 30º da base instrutória;

44.    Na segunda semana de Outubro de 2001, o Réu, não tendo obtido qualquer resposta da Companhia de Seguros D... á proposta de indemnização que efectuara, remeteu a tal Seguradora a carta junta a fls. 62, anexando-lhe cópia do projecto de petição inicial que elaborara.

45.    A acção só não foi proposta porque a Autora referiu expressamente que não autorizava que tal acontecesse sem que ela fizesse uma “revisão” da petição – resp. quesito 33º da base instrutória;

47.    O Réu atendeu a Autora em diversas reuniões, muitas vezes em consequência de visitas não agendadas – resp. quesito 36º da base instrutória;

IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO

Como já se referiu na Sentença recorrida, não restam dúvidas de que se discute, desde há longo tempo, na doutrina e jurisprudência, qual a natureza da responsabilidade civil/profissional do advogado. Uns sustentam que ela é de natureza contratual, outros que ela é de natureza extra-contratual e ainda há quem conceba que essa responsabilidade é de natureza mista, concorrendo ambas as responsabilidades (contratual e extra-contratual) havendo que determinar, em cada caso concreto, qual o regime jurídico a adoptar.

Para os que defendem a natureza mista da responsabilidade do advogado, se este não cumpre ou cumpre defeituosamente as obrigações que lhe advêm da execução do contrato de mandato que celebrou com o cliente, incorre em responsabilidade civil contratual ([ii]), mas se pratica um facto ilícito lesivo dos interesses do seu constituinte, então a sua responsabilidade civil para com esse mesmo cliente é de natureza extracontratual.

Esta última corrente é a defendida por parte da Doutrina ([iii]) e da Jurisprudência, como a mais conforme ao Direito e às realidades da vida – cf. L.P Moitinho de Almeida, in «A Responsabilidade Civil dos Advogados», pág. 13, Cunha Gonçalves, in «Tratado de Direito Civil» tomo XII, pág. 762, Ac. do S.T.J de 30.05.95, in CJ/STJ, tomo II, pág. 119, Ac. do STJ de 6/04/2000, in www.dgsi.pt, Ac. do STJ. de 28.09.2006, in www.dgsi.pt, Ac. do STJ de 17/10/2006, in www.dgsi.pt, Ac. da Rel. de Lisboa de 25/09/2001 in www.dgsi.pt ; Acs. Da Rel. Porto de 1.06.2006, de 19.09.2006 e de 27.10.2009,  in www.dgsi.pt,.).

Tal corrente, que foi a adoptada na sentença recorrida, é apontada como sendo, e é de facto, a mais conforme ao Direito e ao que ocorre na realidade.

Pelo que, no caso em análise, também entendemos que a responsabilidade civil que é assacada ao recorrido, prende-se exclusivamente com a inexecução ou execução defeituosa do mandato e, por isso, é de natureza contratual.

Na verdade entre a Autora e o Réu foi celebrado um contrato de prestação de serviços, na modalidade de mandato com representação, por via do qual, o Réu (mandatário) se obrigou para com a Autora (mandante) a realizar no seu interesse actos jurídicos, de acordo com as regras profissionais da respectiva actividade.

O cumprimento defeituoso ou imperfeito da obrigação a que o Réu estava adstrito, fá-lo incorrer em responsabilidade contratual.

Funciona, em tal hipótese a presunção legal de culpa contratual cominada no artigo 799º do Código Civil, segundo a qual incumbe ao devedor – neste caso ao sujeito passivo da obrigação de patrocínio forense – provar que a falta de cumprimento da obrigação de assegurar uma defesa eficaz não procede de culpa sua

Importa também referir que a obrigação a que o Réu estava adstrito para com a autora era uma obrigação de meios e não de resultado, pois o Réu estava obrigado apenas a diligenciar, praticando os actos necessários e tendentes, de acordo com as regras profissionais da respectiva actividade, a conseguir que a Autora recebesse a indemnização pelos danos que sofrera em consequência de um acidente de viação.

Assim, sendo de meios e não de resultado a obrigação assumida, não poderá o advogado ser responsabilizado pela perda da causa, a menos que tenha actuado de modo negligente.

Será inadimplente o advogado se não tiver agido com a máxima prudência ou não tiver empregado todos os esforços possíveis para obter com sucesso a pretensão da mandante.

E, tratando-se de responsabilidade contratual, cabe á parte faltosa o dever de provar que não agiu culposamente, inversão que impõe a conclusão de que, provado o inadimplemento, é presumida a culpa do devedor (cf. art.º 799º, do C. Civil).

No caso em apreço, a autora era transportada num dos veículos que intervieram num acidente de viação (embateram um no outro) em 17.11.1996. Em consequência desse acidente sofreu lesões que demandaram tratamento médico. Em 13.01.1998 a Autora outorgou procuração a favor do Réu conferindo-lhe poderes forenses gerais e ainda especiais para junto da Companhia Seguradora D... S. A. ou da Companhia E... S.A. estabelecer qualquer acordo relativamente à indemnização pelos danos emergentes do acidente de viação (…) propondo e aceitando quaisquer valores para ressarcimento do dano de natureza patrimonial ou não patrimonial (…) assinando recibos e dando as competentes quitações e quaisquer documentos públicos ou particulares necessários ao integral cumprimento do presente mandato (doc. a fls. 22).

No início de Outubro de 2001 o Réu ainda não tinha logrado obter qualquer acordo com as companhias de seguros, sendo certo que apenas se provou ter desenvolvido diligências com vista a um acordo extrajudicial, no ano de 2001, com a Seguradora D... e relativamente à Seguradora E... nada provou (aliás nem juntou aos autos qualquer correspondência trocada com tal companhia).

Como a autora era transportada num dos veículos intervenientes, teria sempre direito a ser indemnizada pelos seus danos pessoais (artº 504º nº 3 do Código Civil) por uma ou outra ou mesmo ambas as companhias de seguros (culpa de um ou outro condutor, de ambos ou não provando a culpa de qualquer deles, pelo risco, neste último caso, atenta a data do acidente e a redacção então vigente do artº 508º do Código Civil ([iv]), com o limite, por pessoa, do valor correspondente ao dobro da alçada da Relação (ao tempo de 2.000.000$00) e sendo várias pessoas, com o limite do sêxtuplo da alçada da Relação).

Logrando provar a culpa de um dos condutores e sendo certo que os danos pessoais que alega ter sofrido, patrimoniais e não patrimoniais, pressupõem que provasse, na acção respectiva, ter sofrido lesão corporal, o prazo de prescrição do seu direito à indemnização seria de 5 anos ([v]).

Não logrando provar a culpa de qualquer dos condutores, o prazo de prescrição do seu direito era de três anos, pelo que já estaria prescrito desde as 24 horas de 17.11.1999.

Ora o facto de, nesta acção, por ausência de impugnação do Réu, ter sido dada como assente a culpa do segurado da Ré, não equivale a provar que na acção contra a Cª de Seguros tal iria acontecer. Estamos perante meras hipóteses.

Não tendo a Seguradora D... assumido a responsabilidade do seu segurado pelo acidente (ver facto nº 37), o advogado prudente, sem prejuízo da continuação das negociações, pois a propositura de uma acção não o impede, antes pelo contrário (há até o dever do juiz tentar a conciliação), deveria ter intentado a acção contra a Companhia de Seguros D... (ou contra as duas companhias, deduzindo subsidiariamente o mesmo pedido contra ambas, se entendesse que iria ter dificuldades de prova) com base na culpa e subsidiariamente no risco.

Nada do que o Réu alegou na sua contestação, muito menos o que provou, justifica a sua omissão, até porque refere, no artº 14º da referida contestação, a pendência de acções cíveis relativas ao mesmo acidente (processos com o nº 411/97 e 452/97 do mesmo juízo). Não é certamente prudente deixar para o último mês antes da prescrição a elaboração da P.I., que poderia ter dado entrada em 1998, pois tinha procuração com poderes para o fazer desde Janeiro desse ano e desde final de 1997 que a documentação necessária a instruir a petição estava em seu poder (docs. a fls. 8 a 21, incluindo um relatório médico com valoração da IPP e do dano estético). Acresce que, existindo vários lesados, era boa e prudente prática propor logo a acção e pedir a apensação dos processos relativos aos demais sinistrados, pendentes desde 1997.

Note-se que no domínio da responsabilidade civil a acção pode ser proposta ainda que não seja possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, não sendo necessário indicar a importância exacta em que se avalia os danos (artºs 471º nº 1 al. b) do Código de Processo Civil e 569º do Código Civil). Além disso as provas só são produzidas na audiência de julgamento e, se o Réu invocou a morosidade do Tribunal de Esposende para justificar o recurso à via extrajudicial, tal morosidade também serviria para lhe dar muito tempo para recolher documentos, procurar testemunhas e efectuar outros exames médicos.

Assim, o facto do Réu não ter proposto a acção a tempo de evitar a prescrição do direito da Autora à indemnização com base na responsabilidade pelo risco, é-lhe imputável a título de culpa, que aliás se presume.

O Réu, no âmbito do contrato que celebrou com a Ré não estava obrigado a garantir-lhe o recebimento de uma indemnização (extrajudicialmente ou pela via judicial), mas estava obrigado a encetar todas as diligências adequadas a obter essa indemnização (obrigação de meios), nomeadamente, senão essencialmente, a propor a acção respectiva antes que tal direito se mostrasse prescrito.

O Advogado, na execução do acordado com o cliente, deve agir segundo as exigências das leges artis, os deveres deontológicos da classe e os conhecimentos jurídicos então existentes, actuando de acordo com o dever objectivo de cuidado.

Uma vez que o Réu não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si recai e que, além disso, os factos provados são suficientes para, apreciando a sua conduta à luz do que é exigível a um advogado medianamente prudente e diligente, a classificar como culposa, por violadora dos deveres que para o advogado emergem do contrato de mandato, constituiu-se na obrigação de indemnizar a Autora pelos eventuais danos que lhe causou.

Assim, cumpre apreciar se tal conduta omissiva do Réu causou à Autora danos e quantificá-los.

A Autora provou, nesta acção, as lesões que sofreu em consequência do acidente de viação e as sequelas de que é portadora. Mas não logrou provar o grau de incapacidade de que ficou a padecer e também não provou (aliás nem alegou) outros factos essenciais, como a sua idade e rendimentos que auferia ou que era expectável que viesse a auferir, que permitam calcular a indemnização que lhe caberia pela frustração de rendimentos futuros.

Acresce que nunca saberemos se à autora viria a ser atribuída, na acção respectiva, indemnização de valor superior ao que efectivamente recebeu.

A Autora tinha apenas uma expectativa de vir a receber uma indemnização superior (basta ver o pedido formulado pelo próprio Réu no seu projecto de petição – parte liquidada, no valor de 32.126.861$00 (€160.248.11).

É controverso se esta expectativa tem tutela jurídica. Na doutrina e jurisprudência tem-se discutido a possibilidade de alguém ser indemnizado pela “perda de chance” ou de oportunidade ([vi]).

Armando Braga em “A Reparação do Dano Corporal da Responsabilidade Extracontratual”, pag 125, escreve sobre este conceito o seguinte:

– “O denominado dano de perda de chance tem sido classificado como dano presente. Este dano consiste na perda de probabilidade de obter uma futura vantagem sendo, contudo, a perda de chance uma realidade actual e não futura. Considera-se que a chance de obter um acréscimo patrimonial é um bem jurídico digno de tutela. A vantagem em causa que poderia surgir no futuro, deve ser aferida em termos de probabilidade. O dano da perda de chance reporta-se ao valor da oportunidade perdida (estatisticamente comprovável) e não ao benefício esperado. O dano da perda da chance deve ser avaliado em termos hábeis, de verosimilhança e não segundo critérios matemáticos, sendo o quantum indemnizatório fixado atendendo às probabilidades de o lesado obter o benefício que poderia resultar da chance perdida. É precisamente o grau de probabilidade de obtenção da vantagem (perdida) que será decisivo para a determinação da indemnização.”

No caso em apreço, embora o direito da Autora a ser indemnizada pelas lesões decorrentes do acidente de que foi vítima, nasça com o acidente (lesão do seu direito à integridade física), ele só seria definido, determinado e quantificado na acção respectiva que o Réu não intentou. Assim, só podemos afirmar que a Autora “perdeu a chance” ou oportunidade de que lhe viesse a ser fixada pelo Tribunal indemnização de valor superior ao que recebeu por acordo extrajudicial.

Ora, como vimos, o direito da Autora, a uma indemnização com base na responsabilidade civil extracontratual fundada na culpa, ainda não prescrevera quando esta revogou o mandato que conferira ao Réu, pois o facto ilícito, nessa hipótese, constituiria crime de ofensas corporais por negligência, para cuja prescrição a Lei penal prevê um prazo de cinco anos. Apenas estaria prescrito tal direito fundado na responsabilidade pelo risco (i. é, para o caso de não lograr provar a culpa de qualquer dos condutores e por isso não se verificarem os elementos do crime acima referido).

Sabemos que, pelo risco nunca a Autora receberia indemnização superior a €19.951.92 (dobro do valor da alçada da Relação em 1997, convertido em euros), atentos os limites então vigentes e que só muito mais tarde foram alterados.

Com efeito, na data do acidente e principalmente na data em que ocorreu a prescrição do direito a ser indemnizada com base na responsabilidade pelo risco, ainda nenhum Tribunal tinha declarado tais limites inaplicáveis por força da Directiva n.º 84/5/CEE ([vii]).

O Acórdão n.º 3/2004, de 25 de Março, uniformizador da jurisprudência no sentido de que «O segmento do artigo 508.º, n.º 1, do Código Civil, em que se fixam os limites máximos da indemnização a pagar aos lesados em acidentes de viação causados por veículos sujeitos ao regime do seguro obrigatório automóvel, nos casos em que não haja culpa do responsável, foi tacitamente revogado pelo artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 3/96, de 25 de Janeiro», é bem posterior e a jurisprudência então vigente era de sentido contrário.

Ora a Autora recebeu da Companhia de Seguros D..., extrajudicialmente, em 9.11.2001, no seguimento de negociação encetada pelo Réu, a quantia de €48.632,79 (9.750.000$00), bem superior àquela que receberia com base na responsabilidade pelo risco (limite do artº 508º do Código Civil).

Pelo exposto e pelo facto do Réu não ter intentado a acção antes, a Autora não só não logrou provar ter sofrido qualquer prejuízo, como não se pode falar em “perda de chance”, pois recebeu mais do que receberia com base na responsabilidade pelo risco e, na data em que revogou o mandato (Outubro de 2001), continuava com a possibilidade de intentar a acção e de, provados os necessários pressupostos da responsabilidade civil extracontratual fundada na culpa, ser ressarcida de todos os danos decorrentes das lesões sofridas em consequência do descrito acidente.

Em suma, a autora, em virtude da inacção do Réu, apenas perdeu a “chance” de ser ressarcida com fundamento na responsabilidade pelo risco, mas tal não lhe causou qualquer prejuízo, porque recebeu indemnização superior àquela que, em qualquer circunstância, receberia, com tal fundamento, naquela data.

Nem procede o argumento de que foi forçada a aceitar valor inferior àquele a que teria direito por estar próxima a prescrição (prazo de 5 anos). Com efeito o prazo da prescrição penal só ocorreria em 17.11.2001. Ora a Autora em 15-10-2001 solicitou ao Réu a remessa de toda a documentação relacionada com o assunto do acidente de viação para outro advogado (ver doc. nº 9 da P.I. a fls. 27). Não alegou, muito menos provou, que o Réu não tivesse enviado a documentação necessária à propositura da acção, da qual, aliás, ele já elaborara o projecto de petição inicial, que enviara à Autora para revisão. Face á documentação junta pela Autora aos autos e aos factos provados, nada impedia que o advogado, que a Autora acabara de contratar, em substituição do Réu, desse entrada da P.I., se necessário requerendo a citação urgente, até porque foi a Autora, ao contratar outro advogado (revogar o mandato), que impediu o Réu de dar entrada à P.I., nessa mesma data, isto é, um mês antes da verificação da prescrição do crime.

*

Pelo exposto, apesar da alteração parcial da matéria de facto, o presente recurso improcede, mantendo-se a sentença recorrida, ainda que não inteiramente com os mesmos fundamentos de facto e de direito.

V - CONCLUSÕES:

1. No caso sub judice, entendemos que a responsabilidade civil, que é assacada ao recorrido, prende-se exclusivamente com a inexecução ou execução defeituosa do mandato e, por isso, é de natureza contratual. Será inadimplente o advogado se não tiver agido com normal prudência ou não tiver empregado os esforços indispensáveis para obter com sucesso a pretensão da mandante. E tratando-se de responsabilidade contratual, cabe á parte faltosa o ónus de provar que não agiu culposamente, inversão que impõe a conclusão de que, provado o inadimplemento, é presumida a culpa do devedor (cf. art.º 799º, do C. Civil).

2. O Réu, no âmbito do contrato que celebrou com a Ré, não estava obrigado a garantir-lhe o recebimento de uma indemnização (extrajudicialmente ou pela via judicial), mas estava obrigado a encetar todas as diligências adequadas a obter essa indemnização (obrigação de meios), nomeadamente, senão essencialmente, a propor a acção respectiva antes que tal direito se mostrasse prescrito

3. Embora o direito da Autora, a ser indemnizada pelas lesões decorrentes do acidente de que foi vítima, nasça com o acidente (lesão ilícita da sua integridade física), ele só seria definido, determinado e quantificado na acção respectiva, que o Réu não intentou. Assim, só podemos afirmar que a Autora perdeu a “chance” ou oportunidade de que lhe viesse a ser fixada pelo Tribunal indemnização de valor superior ao que recebeu por acordo extrajudicial.

4. A Autora tinha apenas uma expectativa de vir a receber uma indemnização superior (basta ver o pedido formulado pelo próprio Réu no seu projecto de petição – parte liquidada, no valor de 32.126.861$00 (€160.248.11). A jurisprudência e a doutrina  ainda discutem se esta expectativa tem tutela jurídica. Há quem defenda a possibilidade de alguém ser indemnizado pela perda de “chance” ou de oportunidade, recorrendo-se, na fixação do quantum indemnizatório à equidade.

5. A autora, em virtude da inacção do Réu, apenas perdeu a “chance” de ser ressarcida com fundamento na responsabilidade pelo risco, mas tal não lhe causou qualquer prejuízo, porque recebeu indemnização superior àquela que, em qualquer circunstância, receberia, com tal fundamento, na data (1999) em que ocorreu a prescrição do seu direito com fundamento na responsabilidade pelo risco) atentos os limites então previstos no artº 508º do Código Civil.

6. Quando a Autora revogou o mandato conferido ao Réu, ainda estava em tempo (tinha cerca de um mês), para intentar a acção com fundamento na responsabilidade extracontratual fundada na culpa, pois que, face às lesões que a A. sofreu, a provar-se a culpa de qualquer dos condutores, o ilícito constituiria crime de ofensas corporais por negligência, para cuja prescrição a Lei penal prevê o prazo de cinco anos. Assim, nenhuma responsabilidade pode ser assacada ao Réu pelo facto da Autora ter optado por receber extrajudicialmente a indemnização, que a Seguradora propôs ou aceitou pagar-lhe. Mesmo que tivesse recebido extrajudicialmente valor inferior ao que receberia na acção, não existe nexo causal entre esse eventual prejuízo e a inacção do Réu, tanto mais que este tinha elaborado a petição inicial, que estava pronta a dar entrada no Tribunal quando o mandato foi revogado e só não entrou por esse facto.

IV -DELIBERAÇÃO

Pelo exposto, e com a fundamentação de facto e de direito acima expendida, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

        Custas pela recorrente.

                                   Guimarães, 23. 02.2010

[i]  Ver o Ac. do STJ de 24-11-87, relatado pelo Cons. Alcides de Almeida in BMJ N371 ANO1987 PAG444
(É de natureza contratual, e não extracontratual, a responsabilidade do advogado que mandatado para propor uma acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, deixou decorrer o prazo prescricional sem que o fizesse). E o Ac. do STJ de 21-11-2006, relatado pelo Conselheiro Faria Antunes (No âmbito do mandato forense pode ser atribuída responsabilidade civil contratual ao mandatário no caso de incumprimento, presumidamente culposo, dos deveres deste para com o cliente).
[ii] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.11.1987 (P. 75 489), Boletim do Ministério da Justiça, 371, pág. 444, citado na anterior nota de rodapé. No mesmo sentido, Acórdão da Relação do Porto de 04.02.1992 (R. 505), Colectânea de Jurisprudência, 1992, 1, 232, o Acórdão da Relação do Porto, (Emídio Costa), de 1999.12.07, in Boletim do Ministério da Justiça 492, pág. 484 e o Acórdão da Relação de Coimbra (Mário Ribeiro) de 1992.02.04, Boletim do Ministério da Justiça 414, pág. 7.  
[iii] A doutrina divide-se quanto à natureza da responsabilidade do advogado  – vide António Arnaut, Iniciação à Advocacia, História – Deontologia, Questões Práticas, 8.ª edição refundida, Coimbra Editora, pág. 163 e segs. – este autor defende que a responsabilidade civil profissional do Advogado tem natureza extracontratual. Em sentido contrário Orlando Guedes da Costa, no seu livro Direito Profissional do Advogado, Noções Elementares, 3.ª Edição Revista e Actualizada, Almedina, pág. 364 e 365 defende que a responsabilidade do Advogado, mesmo quando nomeado oficiosamente não pode deixar de ser contratual.
[iv] A redacção do nº 1 do artº 508º do Código Civil, anterior ao Dec. Lei. 59/2004 de 19.3, era a seguinte:

1. A indemnização fundada em acidente de viação, quando não haja culpa do responsável, tem como limites máximos: no caso de morte ou lesão de uma pessoa, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação; no caso de morte ou lesão de várias pessoas em consequência do mesmo acidente, o montante correspondente ao dobro da alçada da relação para cada uma delas, com o máximo total do sêxtuplo da alçada da relação; no caso de danos causados em coisas, ainda que pertencentes a diferentes proprietários, o montante correspondente à alçada da relação. (Redacção do Dec.-Lei 423/91, de 30-10)

[v] O artº 498º do Código Civil estabelece, em matéria de prescrição: 1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.(…) 3. Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
No caso em apreço, provando a culpa e as lesões corporais, o facto ilícito integraria o crime de ofensas corporais por negligência previsto no artº 148º do Código Penal, punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias.
Por seu turno o artº 118º nº 1 al. c) do referido CP, estabelece o prazo de 5 anos para a extinção por prescrição do respectivo procedimento criminal.
[vi] Sobre o conceito de “perda de chance”, na doutrina ver: Carneiro de Frada in Direito Civil, Responsabilidade Civil, Método do Caso, pag.103; Júlio Gomes in Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, II;
 vide o Ac. da Rel. Do Porto de 27-10-2009 relatado pela Des. Maria do Carmo Domingues e, por todos o douto Ac. do STJ de 22-10-2009 relatado pelo Cons. João Bernardo
[vii] O Primeiro Ac. que conhecemos sobre esta matéria e que considerou revogados os limites então previstos no artº 508º do C.C. é de 8.11.2001, é da Rel. do Porto, relatado por Oliveira Vasconcelos (Na sequência da segunda directiva 84/5/CEE, tem de se entender que o artigo 6 do Decreto-Lei n.522/85, de 31 de Dezembro, revogou tacitamente o disposto no artigo 508 n.1 do Código Civil, pelo que actualmente não existem limites máximos para a responsabilidade derivada do risco).

Mas a Jurisprudência maioritária, continuou, até à alteração do artigo 508º e ao citado Ac. uniformizador, a considerar vigentes e aplicáveis tais limites (ver a título de exemplo o Ac. da Rel. do Porto de 14-03-2002 (por isso posterior), relatado pelo Des. Gonçalo Silvano (I - Os particulares interessados podem invocar directamente, perante os tribunais nacionais competentes, as disposições de uma directiva que lhes conferem direitos não salvaguardados pela legislação nacional. II - Todavia esse efeito directo supõe que a situação jurídica seja suficientemente precisa e clara, pressuposto que não se verifica quanto ao artigo 508 do Código Civil que prevê um regime de responsabilidade pelo risco eivado de uma filosofia de princípios totalmente diferentes daquela que presidiu à elaboração do n.2 do artigo 1 da Directiva (84/5/CEE) do Conselho de 30 de Dezembro de 1983).