Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3037/15.1T8VCT.G1
Relator: EUGÉNIA CUNHA
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CULPA DO LESADO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto quando formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados, sendo, em caso de dúvida, de manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação;

2- A responsabilidade civil pressupõe, em regra, culpa do agente (dolo ou negligência), incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa dos lesantes - artigos 483º e 487º do Código Civil (tal como os restantes pressupostos daquela);

3- Para efeitos de indemnização do dano biológico (autónoma), na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico. As demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, são ponderadas em sede de danos não patrimoniais;

4- A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida em perdas salariais ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado;

5- Assim, o défice funcional permanente não impeditivo de exercício da atividade profissional do lesado mas que implique um maior esforço no desempenho dessa atividade ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso da vida expetável, traduz um dano biológico indemnizável autonomamente, pois que se materializa em perdas de natureza económica;

6- Não se mostrando viável, o que acontece em regra, estabelecer o quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, deve recorrer-se à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas sofridas;

7- A indemnização por danos não patrimoniais prevista no artigo 496.º, n.º 1 e 4, do CC e a fixar por equidade, tendo em atenção os fatores referidos no artigo 494.º do mesmo Código, visa, além compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão, devendo, por isso, o grau de culpa deste, também, ser devidamente sopesado e ponderado na fixação daquela indemnização.

8- Tal compensação, a fixar equitativamente pelo tribunal, deve traduzir a ponderação: da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado, as desvantagens que este tenha sofrido e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, nos termos do nº4, do art. 496º e art. 494º, ambos daquele diploma legal;

9- Os preceitos anteriormente referidos devem ser aplicados com prudência e bom senso, pois têm como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais, o que é suscetível de gerar injustiças absolutas e relativas para os lesados, devendo, para as evitar, seguir-se critérios que permitam obter um modelo indemnizatório que conduza a uma maior igualdade, certeza e segurança jurídica, sem se perder de vista as circunstâncias do caso;

10- Fixada a indemnização com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães (1)

Sumário:

1- O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto quando formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados, sendo, em caso de dúvida, de manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação;
2- A responsabilidade civil pressupõe, em regra, culpa do agente (dolo ou negligência), incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa dos lesantes - artigos 483º e 487º do Código Civil (tal como os restantes pressupostos daquela);
3- Para efeitos de indemnização do dano biológico (autónoma), na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico. As demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, são ponderadas em sede de danos não patrimoniais;
4- A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida em perdas salariais ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado;
5- Assim, o défice funcional permanente não impeditivo de exercício da atividade profissional do lesado mas que implique um maior esforço no desempenho dessa atividade ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso da vida expetável, traduz um dano biológico indemnizável autonomamente, pois que se materializa em perdas de natureza económica;
6- Não se mostrando viável, o que acontece em regra, estabelecer o quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, deve recorrer-se à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas sofridas;
7- A indemnização por danos não patrimoniais prevista no artigo 496.º, n.º 1 e 4, do CC e a fixar por equidade, tendo em atenção os fatores referidos no artigo 494.º do mesmo Código, visa, além compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão, devendo, por isso, o grau de culpa deste, também, ser devidamente sopesado e ponderado na fixação daquela indemnização.
8- Tal compensação, a fixar equitativamente pelo tribunal, deve traduzir a ponderação: da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado, as desvantagens que este tenha sofrido e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, nos termos do nº4, do art. 496º e art. 494º, ambos daquele diploma legal;
9- Os preceitos anteriormente referidos devem ser aplicados com prudência e bom senso, pois têm como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais, o que é suscetível de gerar injustiças absolutas e relativas para os lesados, devendo, para as evitar, seguir-se critérios que permitam obter um modelo indemnizatório que conduza a uma maior igualdade, certeza e segurança jurídica, sem se perder de vista as circunstâncias do caso;
10- Fixada a indemnização com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida.

I. RELATÓRIO

Rosalina propôs a presente ação declarativa, de processo comum, contra a A. - Companhia de Seguros, SA, G. Companhia de Seguros, SA e F. G. A., pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe:

- a indemnização global líquida de € 58.125,00, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal a contar da data da propositura da ação até efetivo pagamento;
- e a indemnização que vier a ser fixada em decisão ulterior, pelas consultas e tratamentos a que ainda vai ter de se sujeitar e da terceira pessoa que vai necessitar de contratar ao longo de toda a sua vida.

Alegou, para tanto, os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente de viação, ocorrido por conduta ilícita e culposa dos condutores dos veículos seguros nas rés seguradoras e de um veículo desconhecido, mas de matrícula portuguesa.
As rés seguradoras apresentaram-se a contestar, alegando a sua versão do acidente e invocando a contribuição da autora para a produção dos danos e impugnam os danos reclamados.
O F. G. A. apresentou-se, igualmente, a contestar, impugnando os factos alegados.
*
Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.
*
Procedeu-se a julgamento, com observância das formalidades legais.
*
Foi proferida sentença com o seguinte Dispositivo:

“ Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno solidariamente os réus A - Companhia de Seguros, SA, G. Companhia de Seguros, SA e F. G. A. a pagar à autora:

- a quantia de € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e
- a quantia de € 7.225,00 (sete mil e duzentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento;
absolvendo-os do restante pedido”.
*
A Autora apresentou recurso de apelação pugnando por que a referida decisão seja revogada e substituída por outra. Formulou, para o efeito, as seguintes

CONCLUSÕES:

. - não se questiona, no presente recurso, a parte da douta sentença recorrida, em que a mesma se pronuncia sobre a culpa na produção do sinistro, em relação aos três (03,00) condutores dos veículos automóveis segurados das Recorridas Companhia de Seguros (…) e do veículo automóvel desconhecido, pelo qual responde o Réu/Recorrido F. G. A.;
. - já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é imputável aos três (03,00) condutores desses três (03,00) veículos automóveis;
. – na percentagem fixada pela douta sentença recorrida, sem prejuízo do regime da solidariedade estatuído no artigo 497º., nº. 2, do Código Civil;
. – razão pela qual, qualquer das três (03,00) Rés é responsável pelo pagamento do total dos montantes indemnizatórios que, a final, vierem a ser fixados;
. – sem prejuízo do direito de regresso, a exercer entre essas três (03,00) responsáveis;
. – ficou provado que a Autora/Recorrente, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, não fazia uso do cinto de segurança;
. – não ficou provado que a falta do uso desse cinto de segurança teve qualquer influência na verificação dos danos – lesões corporais – sofridos pela Autora/Recorrente ou no seu agravamento;
. – não poderia, pois, a sentença recorrida levar a efeito qualquer redução em relação aos montantes indemnizatórios fixados;
. – muito menos, a redução de 15%, que é manifestamente excessiva e injustificada;
10ª. - discorda, também, a Recorrente em relação ao montante indemnizatório/compensatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial;
11ª. - o valor de 8.500,00 €, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título sofridos pela Recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes;
12ª. - pelo que adequada e justa se reputa a quantia de 20.000,00 €, se reclama;
13ª. - o valor 2.000,00 €, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho – Défice Funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica -, de 04,00 pontos, é manifestamente insuficiente, para ressarcir a Recorrente dos danos, a este título, sofridos;
14ª. – a Autora/Recorrente contava, à data do sinistro dos presentes autos, 71 anos de idade, ficou a padecer de uma IPP – Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica - de 04,00 pontos, exercia a actividade/profissão de doméstica, a que corresponde, no mínimo, um ordenado de 550,00 € mensais e a expectativa de vida activa, para as mulheres, cifra-se, actualmente, nos 82,00 anos de idade;
15ª. – o montante de 2.000,00 €, fixado a este título, é, assim, insuficiente;
16ª. – justo e equitativo é o valor reclamado, no articulado da petição inicial, de 20.000,00 € e que ora, também, se reclama;
17ª. - decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496º., nº. 1, 562º. e 564º., nºs. 1 e 2, do Código Civil.
18ª. – quanto ao restante que não foi posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância – Instância Central Cível, Juiz 3, de Viana do Castelo.
*
A 1ª Ré, atualmente denominada A. P.- Companhia de Seguros, SA ofereceu contra-alegações pugnando por que se negue provimento ao recurso e, em consequência, se confirme, integralmente, a sentença recorrida concluindo:

A) Dos autos resulta ter sido a projeção da Recorrente para o chão do autocarro que determinou o embate (no mesmo) com a região occipital, sendo certo que tal projeção não teria ocorrido se a Recorrente usasse, como devia, o cinto de segurança existente no banco em que seguia.
B) Assim sendo, necessário se torna incluir que sem este comportamento negligente a Recorrente não teria sofrido essas lesões – ou pelo menos com a gravidade que viria a revelar (apesar de tudo, uma gravidade reduzida!),sendo, assim, de considerar a contribuição de 15% da Recorrente para o agravamento das lesões, aceitável (e não deficitária) atenta a completa ausência de culpa da Recorrente na produção do acidente de viação.
C) A decisão recorrida é, aliás, suportada em acórdão do STJ, devidamente identificado na mesma, pelo que será inquestionável o seu enquadramento jurisprudencial, que sempre a exoneraria de censura, devendo ser mantida.
D) O montante de 2.000,00€ para compensação do dano futuro resultante do Défice Funcional Permanente de Incapacidade de 4 pontos de que ficou a padecer a Recorrente mostra-se perfeitamente adequado às circunstâncias de facto apuradas, com relevância para a idade da autora (71 anos) e a circunstância de ao tempo de acidente exercer a atividade de doméstica.
E) Nada nos autos contraria o bem fundado da decisão que se mostra conforme aos critérios jurisprudenciais dominantes e enunciados na douta decisão recorrida, que deve ser mantida.
F) O montante de 8.500,00€ para compensação do dano não patrimonial sofrido pela Recorrente mostra-se compatível com a gravidade das lesões e sequelas de que a A. ficou a padecer, observando os critérios jurisprudenciais aplicáveis, sendo, assim, insuscetível de censura.

A 2ª Ré, G. - Companhia de Seguros, SA, apresentou recurso de apelação pugnando por que o mesmo seja julgado procedente em conformidade com as seguintes

CONCLUSÕES:

1. O objecto primordial do presente recurso é a veemente impugnação da decisão proferida quanto ao facto 23. tal qual o mesmo foi dado como provado na douta sentença ora em crise - atento o errado julgamento do mesmo.
2. In casu, resulta com cristalina clareza dos meios de prova produzidos que quando o condutor do UN avistou o FI, deparou-se com este último ainda a ocupar parte da hemi-faixa por onde seguia, impedindo a sua passagem
3. A prova produzida, em concreto, o confronto do relatório final e respectivos relatórios fotográficos de fls. 215 e ss. do processo crime apenso e o depoimento da testemunha: Manuel B. (depoimento gravado no Habillus Media Studio, no dia 26 de Junho de 2017, com início de gravação às 11:12:30 e fim de gravação às 11:50:00) permitem concluir tal ocupação da hemi-faixa, quer que tal ocupação impedia a passagem do UN.
4. Assim, o facto 23. deverá ser alterado nos seguintes termos:

23. Quanto o condutor do veículo ..-..-UN avistou o veículo de matrícula ..-..-FI, deparou-se com este último ainda a ocupar parte da hemi-faixa por onde seguia, impedindo a sua passagem, pelo que travou e desviou o veículo que conduzia para a esquerda, deixando um rasto de travagem de 7,70m e invadiu com a parte frontal esquerda a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha.
5. Consequentemente, alterando-se o facto conforme pugnado, deverá a Apelante ser absolvida do pedido.
6. Mesmo que assim não se conceda, sempre deverá ser alterada a percentagem de responsabilidade no sinistro.
7. Porquanto nenhuma censura merece a conduta do condutor do veículo UN, seguro na Apelante.
8. Na verdade, de acordo com a sentença em crise, o condutor do UN é responsável em 60%, na justa medida em que não adequou a velocidade às circunstâncias. Mas de onde se conclui essa velocidade excessiva? Porque houve um sinistro.
9. Ora, ao invés de se partir do resultado para se retirar a premissa, imperioso se mostra que se atente às circunstâncias concretas e previsíveis para, depois, se aferir se o condutor do UN, de facto, violou qualquer dever de diligência.
10. Uma coisa é, ainda assim, certa: os condutores dos restantes dois veículos violaram as mais básicas regras estradais, seja porque um estacionou o veículo onde não podia, seja porque o outro fez uma ultrapassagem proibida.
11. O que já não é, assim, tão evidente, antes pelo contrário, é que fosse previsível para o condutor do UN que o condutor do veículo não identificado iria estacionar onde não devia e que o FI estaria a circular onde não era suposto estar e a fazer uma ultrapassagem que não podia fazer.
12. Dito de outro modo, não era previsível e expectável ao condutor do UN que, naquele local, surgisse um autocarro a impedir a sua passagem, sendo certo que a sua manobra de recurso foi a que qualquer condutor procederia: travar e desviar o veículo para o único local disponível, in casu, a esquerda do UN.
13. Porém e não obstante, o embate foi impossível de ser evitado,
14. Como sempre seria impossível de evitar, mesmo que o condutor do UN não tivesse desviado para a sua esquerda, pois que, na hipótese de travar, mas não desviar a tranjectória, sempre o UN iria embater no FI, mas, desta feita, o local do embate seria na lateral esquerda deste.
15. Donde, em face do caracter inusitado e inopinado e atenta a circunstância do FI se encontrar a impedir a passagem ao UN, nenhuma censura merece a condução do condutor do veículo seguro.
16. Acresce que, quem, efectivamente, desencadeou o sinistro foram, precisamente, os outros dois veículos que não o seguro na ora Apelante.
17. Deste modo, em face do supra exposto, deverá a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo ser revista e, em consequência, ser a Apelante absolvida do pedido.
18. No limite, sempre deverá ser revista a divisão de responsabilidades, uma vez que a divisão 20/20/60 não reflete, de todo, a efectiva contribuição de cada um dos intervenientes no sinistro.
19. Devendo, nesta última hipótese, a maior percentagem de contribuição recair nos outros dois intervenientes (veículo de matrícula desconhecida e o FI).
20. O Tribunal a quo na douta Sentença violou o preceituado nos artigos 483º e seguintes e, bem assim, o disposto nos artigos 411.º, 413.º e 414.º, todos do CPC.

O 3º Réu, Fundo de Garantia Automóvel apresentou resposta ao recurso da co-Ré G., pugnando pela sua improcedência, pelas razões de facto e de direito expostas na fundamentação da sentença, e ao recurso da Autora, pugnando pela manutenção da decisão de primeira instância e total improcedência do recurso interposto pela mesma, e apresentou recurso subordinado ao recurso da Autora, pedindo que seja julgado procedente em conformidade com as seguintes

CONCLUSÕES:

1. A Autora/lesada não fazia uso do cinto de segurança existente no banco onde seguia, em contravenção com o art.º 82º, nº 1 do CE.
2. O veículo de matrícula ..-..-FI estava equipado com cintos de segurança para passageiros e os mesmos encontravam-se em bom estado de funcionamento após o embate;
3. A falta de colocação de cinto de segurança contribuiu para o agravamento do dano sofrido pela Autora/lesada;
4. A Autora/lesada aceitou circular num veículo pesado de passageiros colocando-se numa situação de absoluta vulnerabilidade e especialmente sujeita a ser vítima, como foi, de projecção para o chão do mesmo;
5. Um veículo pesado de passageiros exige um maior cuidado na forma como os passageiros se acomodam, face às dimensões do mesmo e número de pessoas que transporta, por ser um veículo de grandes dimensões com maior probabilidade de desequilíbrios e menor estabilidade;
6. O tribunal a quo atribuiu à circunstância de não uso de cinto, uma contribuição de 15% para o agravamento das lesões, reduzindo, a final, a indemnização nessa percentagem;
7. Existe nexo causal entre a falta de cinto e as lesões sofridas, atento o facto de a Autora ter sido projectada para o chão, embatido com a região occipital e consequentemente sofrido lesões na cabeça, nomeadamente traumatismo cranioencefálico, - cfr factos provados nos artºs 31 e dos outros passageiros não terem padecido de qualquer ferimento.
8. A contribuição do lesado para os danos sofridos deve ser fixada em percentagem nunca inferior a 30%, atenta a particular gravidade do grau de sujeição ao risco;
9. O tribunal a quo violou os artigos 570.º e 494.º do CC.

A Autora ofereceu contra-alegações pugnando por que se negue provimento ao recurso da Ré G. sustentando não lhe assistir razão ao pretender a alteração à resposta data ao ponto 23 do elenco dos factos provados e que a subsunção jurídica, no que à dinâmica do acidente diz respeito, não merece, também, qualquer censura, devendo, pelo contrário, ser concedido provimento ao recurso interposto pela Autora.
*
Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito dos recursos interpostos.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO
- OBJETO DO RECURSO

Apontemos as questões objeto dos recursos, tendo presente que os mesmos são balizados pelas conclusões das alegações dos recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Assim, as questões decidendas são as seguintes:

A - Do invocado erro na apreciação da prova e, consequentemente, se é de alterar a decisão da matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo quanto ao ponto mencionado pela recorrente G.: o referente ao “facto provado” nº 23;

B - Da modificabilidade da fundamentação jurídica

1. Do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual e percentagem das culpas dos lesantes;
2. Culpa da lesada;
3. Se cumpre alterar, em conformidade com as conclusões das alegações da Autora, o quantum indemnizatório fixado:
3.1 - a título de danos patrimoniais futuros – dano biológico enquanto perda de capacidade de ganho;
3.2 - a título de danos não patrimoniais.
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II . A - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Foram os seguintes os factos considerados provados, pelo Tribunal a quo, com relevância para a decisão:

1. No dia 13.05.2013, pelas 19 horas, na Estrada Padre Quesado, freguesia de Vila Franca, do concelho de Viana do castelo, ocorreu um embate em que foram intervenientes: o veículo automóvel pesado de passageiros de matrícula ..-..-FI, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ..-..-UN e um veículo ligeiro de passageiros, cuja matrícula e condutor são desconhecidos;
2. O veículo de matrícula ..-..-FI pertencia a J. & A Ldª e, na altura do embate, era conduzido por C. Coelho;
3. O referido C. Coelho desempenhava para a referida J. & A Ldª a profissão de motorista e na altura do embate conduzia o veículo ..-..-FI no exercício dessa sua atividade profissional e em cumprimento de ordens e instruções da sua entidade patronal;
4. O veículo de matrícula ..-..-UN pertencia e era conduzido por M. Brito;
5. A Estrada Padre Quesado conflui no seu extremo norte, com a EN nº 203, a uma distância de cerca de 30 metros do local do embate;
6. Desde o local da sua confluência com a EN nº 203, a Estrada Padre Quesado configura um traçado curvilíneo descrito para o lado direito e em plano ascendente, tendo em conta o sentido, EN nº 203 – Igreja de Vila Franca;
7. A faixa de rodagem da Estrada Padre Quesado tem uma largura de cinco metros;
8. O piso era pavimentado a asfalto e encontrava-se em mau estado de conservação;
9. O tempo estava bom e seco;
10. Pelas duas margens, a Estrada Padre Quesado apresentava valetas com o seu leito pavimentado a cimento, com uma largura de 0,70 cm e uma profundidade de 0,40 metros cada uma;
11. E era ladeada pelas suas duas margens por casas de habitação e por um estabelecimento comercial, com as respetivas portas de acesso a deitar diretamente para a via;
12. No local da deflagração do sinistro a velocidade máxima permitida é de 50 km/hora;
13. No local do sinistro, a faixa de rodagem está dividida ao meio, em duas hemi-faixas de rodagem, através de uma linha pintada a cor branca, com soluções de continuidade, sobre o seu eixo divisório;
14. Uma dessas hemi-faixas de rodagem destina-se ao trânsito automóvel que desenvolve a sua marcha no sentido Estrada Nacional nº 203 – Igreja de Vila Franca e a outra ao trânsito automóvel em sentido contrário;
15. O veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula e condutor desconhecidos aludido em 1. encontrava-se imobilizado do lado direito da Estrada Padre Quesado, tendo em conta o sentido Igreja de Vila Franca – Estrada Nacional nº 203, em frente do estabelecimento comercial, com a sua parte frontal apontada em direção à Estrada Nacional nº 203;
16. E encontrava-se com os seus rodados direitos sobre a valeta, situada na margem direita da faixa de rodagem, atento o sentido Igreja de Vila Franca – Estrada Nacional nº 203 e com os rodados esquerdos sobre a metade direita da faixa de rodagem, atento o mesmo sentido, ocupando uma largura de 1,50 metros dessa hemi-faixa de rodagem;
17. Para quem circula pela Estrada Padre Quesado, no sentido de marcha do UN, apenas consegue avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura, em direção ao local do embate, a uma distância não superior a 20 metros;
18. Nas circunstâncias acima referidas, o veículo de matrícula ..-..-FI circulava na Estrada Padre Quesado, no sentido Igreja de Vila Franca – Estrada Nacional nº 203, a velocidade não superior a 50 Km/hora;
19. Inicialmente, o referido veículo seguia pela metade direita da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha e ao chegar ao local do embate, sem reduzir a velocidade transpôs o eixo divisório da faixa de rodagem e invadiu a metade esquerda desta, atento o seu sentido de marcha, por forma a transpor o veículo automóvel aí imobilizado conforme aludido em 16. e 17;
20. Quando o veículo de matrícula ..-..-FI ainda se encontrava a retomar a metade direita da faixa de rodagem, ocorreu o embate com o veículo de matrícula ..-..-UN;
21. Nas referidas circunstâncias, o veículo de matrícula ..-..-UN que provinha da Estrada Nacional nº 203 passou a circular na Estrada Padre Quesado, no sentido Estrada Nacional nº 203 – Igreja de Vila Franca;
22. Inicialmente o referido veículo ..-..-UN circulava pela metade direita da faixa de rodagem, atento o dito sentido de marcha e a velocidade não inferior a 50 Km/hora;
23. Quando o condutor do veículo ..-..-UN avistou o veículo de matrícula ..-..-FI travou e desviou o veículo que conduzia para a esquerda, deixando um rastro de travagem de 7,70m e invadiu com a parte frontal esquerda a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha;
24. O embate veio a ocorrer entre a parte frontal esquerda do veículo de matrícula ..-..-FI e a parte frontal esquerda do veículo ..-..-UN, na zona do eixo da via;
25. Após o embate, a parte lateral traseira do veículo de matrícula ..-..-FI, junto ao eixo da roda traseira daquele lado ficou a 2,60 metros do mesmo lado.
26. No termo da curva referida em 6. estava colocado um arco festivo, ocupando toda a largura da valeta, em ambos os lados da via;
27. O percurso habitual do veículo de matrícula ..-..-FI não era realizado pela referida estrada, encontrando-se a circular na mesma por força das festividades que decorriam na localidade;
28. O referido veículo de matrícula ..-..-FI estava equipado com cintos de segurança para os passageiros;
29. Na altura do embate, a autora seguia como passageira no veículo automóvel de matrícula ..-..-FI, sentada na fila de assentos do lado direito, do lado do corredor e imediatamente atrás da porta de entrada/saída do referido veículo situada a meio do veículo;
30. Na altura do embate, a autora não fazia uso do cinto de segurança existente no banco onde seguia;
31. Em consequência do embate, a autora foi projetada para o chão, embatendo com a região occipital;
32. Em resultado do embate, a autora sofreu traumatismo cranioencefálico e traumatismos menores nas regiões cervical, dorsal e parede torácica;
33. Após o embate, a autora foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical;
34. E onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital de Braga, onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias;
35. Regressou novamente à Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio;
36. E aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas;
37. A autora viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar;
38. No momento do embate e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um enorme susto;
39. A data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28.08.2013;
40. Em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo);
41. As lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 103 dias;
42. Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual;
43. E sofreu um “quantum doloris” no grau 3, numa escala de 1/7;
44. À data do embate a autora encontrava-se na situação de reforma, mas executava quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação;
45. Após o embate e durante o período de 15 dias, a autora viu-se impossibilitada de desempenhar as tarefas domésticas, tendo tido necessidade de recorrer ao auxilio de familiares;
46. A autora despendeu num relatório médico com que instruiu a petição inicial a quantia de € 400,00;
47. Como consequência direta e necessária do embate, ficou inutilizado o vestuário e o calçado que a autora usava, tudo em valor global não inferior a € 150,00;
48. A autora nasceu no dia 8.11.1939, conforme documento de fls. 74 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
49. À data do embate, a autora já sofria de quadro de depressão crónica e havia sido submetida a intervenções cirúrgicas às ancas e aos cotovelos;
50. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-FI encontrava-se transferida para a ré A. P. Companhia de Seguros, SA, através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº 0045.10...;
51. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros emergentes da circulação do veículo de matrícula ..-..-UN encontrava-se transferida para a ré G. Companhia de Seguros, SA, através de contrato de seguro, titulado pela apólice nº 0084.1044.7912….
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Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos, designadamente, que:

- o veículo imobilizado junto do estabelecimento comercial tinha matrícula portuguesa;
- o condutor do veículo FI tenha sinalizado previamente a manobra de ultrapassagem;
- o condutor do veículo FI tenha acionado os travões antes do embate;
- a autora, em consequência do embate e das lesões sofridas, teve e tenha de realizar consultas médicas de neurologia, psiquiatria e dor e tratamentos de fisioterapia;
- a autora, em consequência do embate e das lesões sofridas, apresente sequelas físicas pós traumáticas;
- antes do embate, a autora desempenhava as tarefas domésticas ao longo de um período nunca inferior a 8 horas por dia;
- a autora retirava do seu trabalho doméstico um rendimento no valor de € 1.200,00 por mês;
- a autora tenha sofrido um prejuízo de € 2.400,00 durante o período em que não pode realizar as tarefas domésticas;
- a autora fosse uma pessoa ativa, saudável e completamente autónoma antes do embate;
- a autora, só após o embate, passou a necessitar da presença, do auxilio e da ajuda de terceiras pessoas para a realização de tarefas domésticas;
- no futuro, e em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora terá necessidade de recorrer a mais consultas médicas, de efetuar novos exames e tratamentos médicos, tomar medicação e contratar terceira pessoa para realizar as tarefas domésticas.
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II . B -FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A - Da alteração da decisão sobre a matéria de facto

Entrando na apreciação do recurso, cabe, em primeiro lugar, apreciar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pois que cumpre definir o circunstancialismo fáctico necessário à subsunção do direito aos factos.

No que se reporta à atividade jurisdicional que, quanto a tal, deve ser levada a cabo por este Tribunal de Segunda Instância, e atentos os ónus legalmente impostos, cumpre referir que o nº1, do art. 640º, do Código de Processo Civil (doravante designado, abreviadamente, CPC), consagra que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O n.º 2, do referido artigo acrescenta, ainda, que:
a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

Como resulta do referido preceito, vem sendo o entendimento da doutrina, que a jurisprudência vem seguindo, e refere Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente; (2).

Comparando o anterior regime com o atual (cfr. o art. 712º, do anterior CPC, com o art. 662º do atual), verificamos que a possibilidade de alteração da matéria de facto, que era excecional, passou a ser função normal do Tribunal da Relação, elevado a verdadeiro Tribunal de substituição, verificados os ónus. Conferiu-se, assim, às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a poderem reagir contra eventuais e hipotéticos erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas, alcançando-se, assim, uma maior equidade e paz social.

Contudo, ao impor-se ao recorrente o cumprimento das referidas regras, visou-se afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente. (3)

Não se consagra a possibilidade de repetição do julgamento e de reapreciação de todos os pontos de facto, mas, apenas e só, a reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido) quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido. A possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, impondo-se, por isso, ao impugnante, no estrito respeito dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais, a observância das citadas regras.

Em suma, deve, assim, o recorrente, sob pena de rejeição do recurso, para além de delimitar, com toda a precisão, os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na citada alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (4).
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In casu, pode concluir-se que, como resulta do corpo das alegações e das respetivas conclusões, a Recorrente impugna a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que, no seu entender, deveria sobre eles ter sido proferida e cumpre, ainda, o imposto pela al. a), do nº2, do CPC, com a indicação das passagens da gravação em que funda o recurso.

Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objeto de recurso, cumpre relembrar que se não vai realizar novo julgamento nesta 2ª Instância, mas tão só reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados, como a lei impõe.

O art. 662º, nº1, do CPC, ao estabelecer que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, que vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, deve, pois, conter-se dentro dos seguintes parâmetros:

a)- o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;
b)- sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;
c)- nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).

Dentro destas balizas, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição, que é, está habilitado a proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que, neste âmbito, a sua atuação é praticamente idêntica à do Tribunal de 1ª Instância, apenas ficando aquém quanto a fatores de imediação e de oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deitar por terra a livre apreciação da prova, feita pelo julgador em 1ª Instância, construída dialeticamente e na importante base da imediação e da oralidade.

A garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (5) (consagrado no nº5, do artigo 607.º, do CPC) que está atribuído ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também, elementos que escapam à gravação vídeo ou áudio e, em grande medida, na valoração de um depoimento pesam elementos que só a imediação e a oralidade trazem.

Com efeito, no vigente sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objeto do julgamento, com base apenas no juízo adquirido no processo. O que é essencial é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (6).A lei determina expressamente a exigência de objetivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4, do CPC).

O princípio da livre apreciação de provas situa-se na linha lógica dos princípios da imediação, oralidade e concentração: é porque há imediação, oralidade e concentração que ao julgador cabe, depois da prova produzida, tirar as suas conclusões, em conformidade com as impressões recém-colhidas e com a convicção que, através delas, se foi gerando no seu espírito, de acordo com as máximas de experiência aplicáveis (7)

E na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal de segunda instância procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção - desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria - com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância. Impõe-se-lhe, assim, que analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação (seja ela a testemunhal seja, também, a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser, também, fundamentada.
Ao Tribunal da Relação competirá apurar da razoabilidade da convicção formada pelo julgador, face aos elementos que lhe são facultados.

Porém, norteando-se pelos princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e regendo-se o julgamento humano por padrões de probabilidade, nunca de certeza absoluta, o uso dos poderes de alteração da decisão sobre a matéria de facto, proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, pelo Tribunal da Relação deve restringir-se aos casos de desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados (8), devendo ser usado, apenas, quando seja possível, com a necessária certeza e segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, só deve ser efetuada alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efetiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam para direção diversa e impõem uma outra conclusão, que não aquela a que chegou o Tribunal de 1ª Instância.

Na apreciação dos depoimentos, no seu valor ou na sua credibilidade, é de ter presente que a apreciação dessa prova na Relação envolve “risco de valoração” de grau mais elevado que na primeira instância, em que há imediação, concentração e oralidade, permitindo contacto direto com as testemunhas, o que não acontece neste tribunal. E os depoimentos não são só palavras; a comunicação estabelece-se também por outras formas que permitem informação decisiva para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e que, no entanto, se trata de elementos que são intraduzíveis numa gravação.
Por estas razões, está em melhor situação o julgador de primeira instância para apreciar os depoimentos prestados uma vez que o foram perante si, pela possibilidade de apreensão de elementos não apreensíveis na gravação dos depoimentos.

Em suma, o Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto se formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados.

E o julgamento da matéria de facto é o resultado da ponderação de toda a prova produzida. Cada elemento de prova tem de ser ponderado por si, mas, também, em relação/articulação com os demais. O depoimento de cada testemunha tem de ser conjugado com os das outras testemunhas e todos eles com os demais elementos de prova.

Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjetivas – como a prova testemunhal -, a respetiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e o tribunal de 2.ª instância só deve alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando, efetivamente, se convença, com base em elementos lógicos ou objetivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve erro na 1.ª instância.

Em caso de dúvida, deve, aquele Tribunal, manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação.

Tendo presentes os mencionados princípios orientadores, vejamos se assiste razão à Apelante, nesta parte do recurso que tem por objeto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.
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(…)
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Assim, e face ao acabado de decidir nenhuma alteração havendo a fazer, os factos provados são os já acima indicados.
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B - Da modificabilidade da fundamentação jurídica

1. Do preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual

Analisando a matéria de facto provada, verifica-se que se encontram preenchidos, in casu, os pressupostos da obrigação de indemnizar, com base em responsabilidade civil extracontratual, sendo eles: o facto voluntário, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre facto e dano, o que não é posto em causa nos recursos, que, como se referiu, estão delimitados pelas conclusões, acima analisadas (apenas a 2ª Ré suscitando a questão, a analisar, da falta de culpa do condutor do UN).

Na verdade, constituem pressupostos da responsabilidade civil, nos termos dos artigos 483º e 487º, nº2, do Código Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência, a prática de um ato ilícito, a existência de um nexo de causalidade entre este e determinado dano e a imputação do ato ao agente em termos de culpa, apreciada como regra em abstrato, segundo a diligência de um “bom pai de família” (9).

A responsabilidade civil pressupõe, em regra, culpa do agente (dolo ou negligência), incidindo sobre o lesado o ónus de a provar - artigos 483º e 487º (tal como os restantes pressupostos daquela).

Face à matéria apurada, é manifesta a ocorrência de um facto ilícito, na medida em que, no exercício da condução automóvel, foi violado o direito à integridade física da autora (subjetivo, absoluto).

E o comportamento dos condutores dos veículos intervenientes no embate em causa é culposo, sendo a culpa o juízo de censura que se dirige ao agente por ter atuado como agiu quando, dada a sua capacidade e em face da situação concreta, podia e devia ter agido de outro modo.

Independentemente da existência de presunção de culpa, verifica-se que, in casu, existe culpa efetiva dos três condutores dos veículos intervenientes no sinistro.

Como se refere na sentença recorrida, e como referência geral, efetivamente “no exercício da condução automóvel, os condutores estão sujeitos aos comandos estabelecidos no Código da Estrada, que estabelecem um conjunto de regras e precauções destinadas a salvaguardar e paralisar os efeitos possíveis de uma atividade considerada, de per si, perigosa. Daí que aos automobilistas se exija que empreguem, nos casos concretos surgidos no tráfego automóvel, os cuidados necessários para evitar qualquer acidente. O conteúdo de tais deveres ou cuidados consiste, antes do mais, em prever o perigo de lesão de um bem jurídico protegido através da conduta que é levada a cabo, e em adoptar o comportamento correspondente de acordo com essa previsão, ou seja, em omitir completamente a conduta ou levá-la a cabo somente escudada em suficientes precauções de segurança. Quando se omitem os deveres de cuidado exigíveis no caso e por via dessa omissão vem a ocorrer um acidente, tal efeito pode imputar-se ao agente, porque omitiu aquele dever de diligência ligado à realização da sua conduta perigosa e, com ele, omitiu o dever de representação, ou de justa representação, daquele efeito. O dever de cuidado objectivo relevante é aquele cuja observância era no caso exigível e cuja omissão determinou, de forma adequada, necessária e típica, a ocorrência do embate”.

Com vista a apreciar a atuação do condutor do veículo de matrícula desconhecida imobilizado na via, atentando no regime legal relativo à proibição de paragem ou de estacionamento de veículos automóveis nas vias públicas, verifica-se que se considera paragem a imobilização de um veículo pelo tempo estritamente necessário para a entrada ou saída de passageiros ou para breves operações de carga ou descarga, desde que o condutor esteja pronto a retomar a marcha e o faça sempre que estiver a impedir a passagem de outros veículos (art.º 48º, nº 1, do Código da Estrada, doravante abreviadamente designado CE) e que se considera estacionamento a imobilização de um veículo que não constitua paragem e que não seja motivada por circunstâncias próprias de circulação (art.º 48º, nº 2, do CE).

Fora das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se fora das faixas de rodagem ou, sendo isso impossível, o mais próximo possível do respetivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha (art.º 48º, nº 3, do CE). Dentro das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se nos locais especialmente destinados a esse efeito e pela forma indicada ou na faixa de rodagem, o mais próximo possível do respetivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha (art.º 48º, nº 4, do CE). Ao estacionar o veículo, o condutor deve deixar o intervalo indispensável à saída de outros veículos, à ocupação dos espaços vagos e ao fácil acesso aos prédios, bem como tomar as precauções indispensáveis para evitar que aquele se ponha em movimento (art.º 48º, nº 5, do CE).

É proibido parar ou estacionar em todos os lugares de insuficiente visibilidade e na faixa de rodagem sempre que a mesma esteja sinalizada com linha longitudinal contínua e a distância entre esta e o veículo seja inferior a três metros e, fora das localidades, a menos de cinquenta metros para um e outro lado da curvas de visibilidade reduzida, contados do seu início ou fim, e nas faixas de rodagem se for possível fora delas (art.ºs 49º, nºs 1, als. a) e h), e 2 e 51º, al. a), do CE). A lei considera, em termos de presunção jure et de jure, haver visibilidade reduzida ou insuficiente sempre que o condutor não possa avistar a faixa de rodagem em toda a sua largura na extensão mínima de cinquenta metros (art.º 23º do CE). Além disso, é proibido o estacionamento, além do mais que aqui não releva, nas vias em que impeça a formação de uma ou mais filas de trânsito, conforme se faça num só ou nos dois sentidos e, fora das localidades, de noite nas faixas de rodagem e nestas se assinaladas com o sinal via com prioridade (art.º 50º, nºs 1, al. a), e 2 do CE).

No caso, apurou-se, como vimos, que o veículo de matrícula desconhecida ocupava não só parte da via, obrigando os veículos que o quisessem contornar a ocupar a hemifaixa destinada ao trânsito em sentido contrário, como se encontrava estacionado num local situado a menos de 30 metros de uma curva de visibilidade reduzida.

Em consequência, a referia imobilização, a merecer censura ético-jurídica à luz das referidas normas, é geradora de risco acrescido de acidente, como se veio, efetivamente, a verificar.

Quanto à atuação do condutor do veículo FI, entendeu-se, também pacificamente, não existirem dúvidas que o embate também se ficou a dever, de forma adequada, ao facto do condutor do veículo FI ter efetuado a manobra de ultrapassagem a esse veículo, invadindo a faixa de rodagem esquerda, considerando o seu sentido de marcha, em local próximo da aludida curva de visibilidade reduzida e sem sinalizar devidamente a manobra, nomeadamente, através de sinal sonoro, por forma a avisar possíveis veículos que circulassem em sentido contrário e que se encontrassem, ainda, a descrever a aludida curva. Veja-se, ainda, que aquele local não fazia parte do percurso normal do autocarro em causa, o que o obrigava a maiores cuidados, desde logo, atentas as dimensões do veículo e da via por onde o mesmo era conduzido (relativamente estreita).

Assim, além do dever geral de previdência imposto a todos os condutores pelo art.º 3º, nº 2 do CE, desrespeitou o condutor do veículo FI as regras estabelecidas nos art.ºs 13º, nº 1 e 2, 35º e 38º do CE, porquanto a manobra de ultrapassagem só pode realizar-se em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito, não devendo o condutor iniciar tal manobra sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário, devendo especialmente certificar-se de que a faixa de rodagem se encontra livre em toda a extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança.

Assim, bem se dirigiu, sem oposição, ao condutor do veículo FI um juízo de censura, por haver omitido os de­veres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que no caso concreto se impunham e cuja observância teria permitido evitar o embate (impondo-lhe as referidas regras estradais que previsse que da sua inobservância poderia resultar o embate com veículo a circular em sentido contrário) e se tivesse sinalizado convenientemente a manobra de ultrapassagem poderia ter evitado a ocorrência do embate.

Quanto à atuação do condutor do veículo UN, a única objeto de recurso também, como bem se decidiu na sentença recorrida face à factualidade que se considerou provada, o condutor deste veículo desrespeitou regras básicas da circulação automóvel e o dever de previdência imposto a todos os condutores pelas regras de circulação automóvel estabelecidas no Código da Estrada, pois além de ter violado o dever adequar a velocidade do veículo às condições e características da via, deveria o condutor do veículo UN ter manobrado a direcção do veículo por forma a mantê-lo em circulação em trajectória que não coincidisse com o ponto onde se encontrava o veículo onde seguia a autora ou ter feito cessar a marcha do veículo antes de atingir o local onde se encontrava o veículo FI, por forma a nele não embater.

Podemos, assim, também dirigir ao condutor do veículo UN um juízo de censura por haver omitido os de­veres de cuidado impostos pelas normas de circulação rodoviária que no caso concreto se impunham – art.ºs 3º, 13º, 24º e 27º, do CE - e cuja observância lhe teria permitido evitar o embate. Na verdade, caso tivesse empreendido, como lhe era exigido, o cuidado de um condutor normalmente cuidadoso e calculista teria moderado a velocidade, o que lhe permitiria que ao desviar o veículo para a esquerda ou ao parar não fosse embater no veículo FI, com o que teria evitado o embate.
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Pretende a Apelante G. que se altere a percentagem da sua responsabilidade no sinistro, pois que o condutor do UN nenhuma culpa teve ou, pelo menos, teve-a em menor grau que os outos dois condutores anteriormente referidos, concluindo que para o condutor do UN não era previsível que o condutor do veículo não identificado estacionasse onde não devia e que o FI estaria a circular onde não era suposto estar e a fazer uma ultrapassagem que não podia fazer (sendo imprevisível ao condutor do UN que, naquele local, surgisse um autocarro a impedir a sua passagem).

Ora, verifica-se existir, como bem decidiu o Tribunal a quo, efetiva concorrência de culpas do condutor do veículo de matrícula desconhecida, do condutor do veículo FI e do condutor do UN, em virtude de todos eles terem violado normas do Código da Estrada vigente à data do embate.

Fixou o tribunal a quo as culpas em 20% para o condutor do veículo de matrícula desconhecida, 20% para o condutor do veículo FI e em 60% para o condutor do veículo UN, justificando-se esta repartição, contrariamente ao pretendido pele Ré G. (única a pôr em causa a repartição das culpas fixada na sentença recorrida) por, na verdade, este veículo seguir a velocidade manifestamente excessiva e desadequada às condições e características da via, sendo a sua culpa na produção do evento substancialmente maior do que a dos outros dois condutores dos veículos intervenientes no acidente.

E bem se decidiu, face à convicção que formou quanto à prova produzida, que, como acima se decidiu, se mantém, sendo de atentar nos factos provados, designadamente nos constantes dos pontos 22 e 23, sendo que:

- o veículo ..-..-UN circulava a velocidade não inferior a 50 Km/hora;
- quando o condutor do veículo ..-..-UN avistou o veículo de matrícula ..-..-FI travou e desviou o veículo que conduzia para a esquerda, deixando um rastro de travagem de 7,70m e invadiu com a parte frontal esquerda a metade esquerda da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha;
E não obstante isso, não evitou o embate (que se deu entre a parte frontal esquerda do veículo de matrícula ..-..-FI e a parte frontal esquerda do veículo ..-..-UN, na zona do eixo da via).
Assim, se o UN adequasse a velocidade às características da via, como devia, teria, efetivamente, evitado o embate.
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Também é indiscutível que se verificaram danos (cfr factos provados) e que existe nexo de causalidade entre estes danos e o facto ilícito e culposo praticado pelos condutores dos três veículos intervenientes, nos termos previstos no art.º 563º.

Pelo exposto, concluímos estarem integralmente preenchidos todos os pressupostos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos dos três condutores dos veículos intervenientes, sendo responsáveis todos eles e com a percentagens de culpa referidas.
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2 - Da culpa da lesada

Apreciando a questão da culpa da lesada, suscitada pelas Rés, o Tribunal a quo, por ter ficado demonstrado que a autora seguia sentada no veículo FI sem cinto de segurança, considerou ser de reduzir em 15% a indemnização a arbitrar à Autora, por aplicação do disposto no art.º 570º, nº 1.

Entende a Autora que não ficou provado que a falta do uso de cinto de segurança teve qualquer influência na verificação dos danos – lesões corporais – sofridos pela Autora/Recorrente ou no seu agravamento, pelo que não poderia a sentença recorrida levar a efeito qualquer redução em relação aos montantes indemnizatórios fixados e, muito menos, a redução de 15%, manifestamente excessiva e injustificada.

Pugnando as Rés seguradoras pela manutenção do decidido, o Réu Fundo de Garantia Automóvel conclui que o tribunal a quo violou os artigos 570.º e 494.º, pois a Autora/lesada não fazia uso do cinto de segurança (existente no banco onde seguia, em contravenção com o art.º 82º, nº 1 do CE, estando o veículo equipado com cintos de segurança para passageiros, em bom estado de funcionamento) e tal contribuiu para o agravamento do dano sofrido pela mesma - que se colocou numa situação de absoluta vulnerabilidade e especialmente sujeita a ser vítima, como foi, de projeção para o chão, exigindo um veículo pesado de passageiros maior cuidado na forma como estes se acomodam (face às grandes dimensões do mesmo e número de pessoas que transporta, com menor estabilidade e maior probabilidade de desequilíbrios) -, pelo que devia ter sido fixada a contribuição da lesada para os danos sofridos em percentagem nunca inferior a 30%, atenta a particular gravidade do grau de sujeição ao risco, existindo nexo causal entre a falta de cinto e as lesões sofridas, atento o facto de a Autora ter sido projetada para o chão, embatido com a região occipital e consequentemente sofrido lesões na cabeça, nomeadamente traumatismo cranioencefálico (cfr. factos provados nos artºs 31), e os outros passageiros não terem padecido de qualquer ferimento.

Na verdade, resultou provado que, em consequência do embate, a autora foi projetada para o chão, embatendo com a região occipital (facto provado nº31).

Assim, não pode deixar de se considerar que existe nexo causal entre a falta de cinto e as lesões sofridas pela Autora, pois que se esta o tivesse colocado não seria projetada para o chão e, por isso, não teria embatido com a região occipital e, consequentemente, não teria sofrido as concretas lesões na cabeça (traumatismo cranioencefálico).

Consagra o artigo 570º, nº1, que “quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”.

Ora, como bem decidiu o Tribunal a quo, verificou-se uma circunstância - falta de uso do cinto de segurança - que permite concluir pela existência de culpa da autora, motivo pelo qual há que ponderar os respetivos efeitos na indemnização a fixar, atenta a sua contribuição para as lesões que sofreu.

É indiscutível que a imposição de uso do cinto de segurança protege, em primeiro lugar, o próprio passageiro, mas é, também, estabelecida em vista do interesse público, de minorar as consequências dos acidentes de viação e as suas repercussões, designadamente na saúde dos cidadãos e no próprio sistema de saúde.

O que releva, por via do disposto no nº 1, do art.º 570º, é a circunstância de a falta de colocação do cinto ter contribuído para o agravamento do dano, causado pelo acidente. E a Autora omitiu deveres de cuidado, sendo tal omissão claramente culposa e reveladora da inobservância da diligência exigível a uma pessoa medianamente cuidadosa, colocada na situação da lesada, sendo do conhecimento geral que é perigoso ser transportado num veículo automóvel sem que o cinto de segurança esteja colocado (ver ainda art.º 82º, nº 1, do CE).

Determinando que se proceda à redução da indemnização em função da gravidade da respetiva culpa, a lei sanciona a desconsideração da defesa dos próprios interesses do lesado (cfr. Antunes Varela, anotação ao Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 9.02.1968, Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 102º, p. 43 e segs., pág. 60) e, ao mesmo tempo, reclama adequação com a culpa do lesante e a responsabilidade do mesmo pelos danos provocados, sendo o que foi feito, de modo sensato e equilibrado, in casu.

O entendimento do tribunal a quo no sentido de a indemnização a fixar à autora dever ser reduzida em 15%, a semelhança do que foi considerado no ac. de 3.03.2009 do Supremo Tribunal de Justiça (www.dgsi.pt, proc. nº 09A009) parece-nos conforme à lei. E, na verdade, olhando à contribuição de cada um dos intervenientes para o dano concretamente sofrido, a culpa da autora revela-se significativamente inferior à de cada um dos condutores dos veículos, responsáveis pela ocorrência do acidente.

E, efetivamente, como se refere na sentença recorrida “Como ali se escreveu, “a intensidade da culpa – vale por dizer, a gravidade do juízo de censura ético-jurídico a formular – é incomparavelmente maior quando se aprecia sob esta perspectiva o comportamento do condutor do veículo (...). E isto porque foi ele, e só ele, que (…) deu causa ao acidente; sem tal conduta ilícita e culposa o autor não teria sofrido quaisquer danos, quer usasse, quer não usasse o cinto de segurança na ocasião do acidente. É diminuta, neste contexto, a sua culpa, também porque ela se limita, na realidade, à falta do cinto de segurança, que podia e devia ter colocado (…). Certa e segura é, de qualquer modo, a con­tribuição causal do facto culposo do lesado, não para a produção, mas apenas para o apro­fun­damento das lesões, circunstância que também não pode deixar de ser sopesada na avaliação global das condutas de lesante e lesado para que a lei aponta. Em face do que antecede, entende-se que a indemnização a arbitrar ao autor deve ser reduzida em 15%, por aplicação do disposto no art.º 570º, nº 1, do CC.”

O facto culposo da lesada concorreu para o agravamento dos danos e com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, entende-se que a indemnização foi bem reduzida e que a redução deve ser, pelo que supra se referiu, de 15%. Bem se decidiu ao seguir a jurisprudência indicada, pelas razões referidas, sendo adequada e proporcional ao grau da culpa (sempre inferior à culpa de qualquer dos condutores dos veículos intervenientes no acidente) a redução anteriormente referida.
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3 - Do quantum indemnizatório
Conclui a Autora/Recorrente ser:

- a indemnização pela perda de capacidade de ganho/dano biológico no valor 2.000,00 €, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho – Défice Funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica -, de 4 pontos, manifestamente insuficiente, para a ressarcir dos danos, a este título, sofridos, sendo que contava, à data do sinistro 71 anos de idade, ficou a padecer de uma IPP – Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica - de 4 pontos, era doméstica e, sendo a expectativa de vida para as mulheres, atualmente, 82 anos, é justo e equitativo o valor peticionado, de 20.000,00 €;
- o montante compensatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial, de 8.500,00 €, é insuficiente para a compensar dos danos a este título sofridos, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e as sequelas delas resultantes, sendo adequada e justa a quantia de 20.000,00 €.
Vejamos, antes de mais, a fundamentação da decisão recorrida quanto aos referidos danos. Na sentença recorrida apreciando-se a exata medida da obrigação de indemnizar refere-se “provou-se que, por via do acidente, a autora ficou afectada com um défice funcional físico-psíquico permanente de 4 pontos, compatível com o exercício da sua actividade habitual.

Tem-se distinguido modernamente, na esteira da que também julgamos mais esclarecida jurisprudência em matéria de avaliação de danos corporais – a italiana – dentro do chamado dano corporal, o dano corporal em sentido estrito (o dano biológico), o dano patrimonial e o dano moral.

E, ao contrário do dano biológico, que é um dano base ou um dano central, um verdadeiro dano primário, sempre presente em cada lesão da integridade físico-psíquica, sempre lesivo do bem saúde, o dano patrimonial é um dano sucessivo ou ulterior e eventual, um dano consequência, entendendo-se em tal contexto, não todas as consequências da lesão mas só as perdas económicas, danos emergentes e lucros cessantes, causadas pela lesão.

Assim, quem pretenda obter uma indemnização a título de lucros cessantes, em consequência de lesão sofrida, terá de fazer prova do pressuposto médico-legal sem o qual não há lugar a lucro cessante, isto é, provar que da lesão resultou um determinado período de incapacidade durante o qual o lesado não esteve em condições – total ou parcialmente – de trabalhar, e, alem disso, se tal for o caso, a subsistência de sequelas permanentes que se repercutem negativamente sobre a sua capacidade de trabalho (vide, Álvaro Dias, Dano Corporal, Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, p. 271 e ss.)

Constituindo também entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, que o lesado que fica a padecer de determinada incapacidade permanente – sendo a força de trabalho um bem patrimonial, uma vez que propicia rendimentos, tal incapacidade permanente, que no caso até é geral é, consequentemente, um dano patrimonial - tem direito a indemnização por danos futuros, danos estes a que lei manda expressamente atender, desde que sejam previsíveis – art.º 564º, nº 2 do Cód. Civil.

Sendo os danos previsíveis a que a lei se reporta, essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso da perda da capacidade produtiva por banda de quem trabalha ou o maior esforço que, por via da lesão e das suas sequelas, terá que passar a desenvolver para obter os mesmos resultados.
Sendo, pois, a incapacidade permanente, de per si, um dano patrimonial indemnizável, pela incapacidade em que o lesado se encontra e se encontrará na sua situação física, quanto à sua resistência e capacidade de esforços.

Sendo, assim, indemnizável, quer acarrete para o lesado uma diminuição efectiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo (Entre muitos outros, só anotando jurisprudência mais recente, acs do STJ de 18.12.07 (Santos Bernardino), Pº 07B3715, de 17.01.08 (Pereira da Silva), Pº 07B4538, de 17.06.08 (Nuno Cameira), Pº 08A1266 e de 10.07.08 (Salvador da Costa), Pº 082B111, bem como Cons. Sousa Diniz, “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJ STJ, Ano IX, T. 1, p. 6 e ss.)

Sendo certo que, sempre que a reconstituição natural não seja possível, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos – art.º 566º, nºs 1 e 2 do CC.
Consagrando-se, assim, a denominada teoria da diferença e a equidade como critérios de compensação dos danos futuros.

Ora, não sendo tarefa fácil a fixação da indemnização por estes danos, sem possibilidade de simples recurso a critérios abstractos e mecânicos ou matemáticos, mas atendendo antes ao tempero da equidade (art.º 566º, nº 3 do CC), tem a nossa jurisprudência vindo a fazer um esforço de clarificação dos métodos a adoptar para alcançar tal necessário desiderato, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo de danos que reduzam ao mínimo o subjectivismo do tribunal e a margem de arbítrio que, embora jamais se possa excluir destes juízos, se pretende minimizar o mais possível.

Tendo vindo a assentar-se, tal como de forma generalizada se explicitou no ac. do STJ, de 17.06.08 (in www.dgsi.pt), nos seguintes princípios e ideias que presidirão à quantificação da indemnização em apreço e que aqui e agora assim se esquematizam para maior facilidade de exposição e compreensão do nosso pensamento:

a) A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extinguirá no período provável da sua vida;
b) No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, implicando o relevo devido às regras de experiência e àquilo que, segundo o curso normal das coisas, é razoável;
c) As tabelas financeiras por vezes utilizadas para o alcance da indemnização devida, terão sempre mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo, de modo algum, a devida ponderação judicial com base na equidade (sendo que o mesmo entendimento se estende às tabelas indemnizatórias previstas pela Portaria nº 377/2008, conforme, aliás, resulta do disposto no art.º 1º, nº 2, deste mesmo diploma);
d) Deve sempre ponderar-se que a indemnização será sempre paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, e, assim, considerando-se esses proveitos, deverá introduzir-se um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento abusivo do lesado à custa de outrem (o que estará contra a finalidade da indemnização arbitrada);
e) Deve ter-se preferencialmente em conta a esperança média de vida da vítima, atingindo actualmente a dos homens cerca de 75 anos e a das mulheres cerca de 82 anos (pois, mantendo-se o dano fisiológico para além da vida activa, é razoável que, num juízo de equidade sobre o dano ora em causa, se apele à esperança média de vida).

Funcionando sempre, como já dito, a equidade como elemento de correcção do resultado que se venha a atingir.

Relativamente à autora, apurou-se que à data do embate tinha 71 anos e exercia a actividade de doméstica.

E que ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade físico-psiquica fixável em 4 pontos, a qual tem necessariamente repercussão nas actividades da vida diária.
Apesar de tal défice não implicar a perda de rendimentos laborais, o que há a considerar como dano futuro é o dano biológico já que a afectação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.
Com efeito, o que está em causa é o dano biológico que implica que se atenda às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.

“O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre” – ac. do STJ de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt.
O dano biológico repercute-se na qualidade de vida da vítima afectando a sua actividade vital, é um dano patrimonial já que as lesões afectam o seu padrão de vida. Se a autora, não obstante estar reformada precisar de trabalhar, a sua aptidão funcional está comprometida em 4 pontos havendo, para este efeito, que ponderar não apenas o tempo de actividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de vida.

A indemnização por lesões físicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade.
Assim sendo e com recurso à equidade – art.º 566º, nº 3, do CC – entende-se fixar a este título uma indemnização no montante de € 2.000,00 (à qual se aplicará a redução de 15%).
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b. Danos não patrimoniais

Com relevância para a determinação e quantificação dos danos de natureza não patrimonial, provou-se o seguinte:

A autora tinha, à data do acidente, 71 anos de idade.
Em resultado do embate, a autora sofreu traumatismo cranioencefálico e traumatismos menores nas regiões cervical, dorsal e parede torácica.

Após o embate, a autora foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respectivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical.
E onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital de Braga, onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias.
Regressou novamente à Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio.
E aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas.
A autora viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar.
No momento do embate e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um enorme susto.
A data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28.08.2013.
Em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo).
As lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 103 dias.
Ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual.
E sofreu um “quantum doloris” no grau 3, numa escala de 1/7.
Todos estes factos configuram danos não patrimoniais, quer se opte pela formulação negativa, que inclui nesta categoria todos aqueles que não atingem os bens materiais do sujeito passivo ou que, de qualquer modo, não alteram a sua situação patrimonial (cfr. De Cupis, Il danno, Teoria Generale della Responsabilità Civile, I, 2ª edição, Milano, 1966, p. 44 e seguintes), quer pela formulação positiva, segundo a qual, o dano não patrimo­nial ou dano moral, tem por objecto um bem ou interesse sem conteúdo patrimonial, insusceptível, em rigor, de avaliação pe­cuniária.
Acresce que tais danos são indemnizáveis, por­que têm a gravidade bastante para merecer a tutela do direito (art.º 496º, nº 1, do CC).
O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equi­dade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado – art.º 494º ex vi art.º 496º, nº 3, ambos do CC -, aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurispru­dência, etc. Deve ter-se ainda presente que o bem supremo, e por isso o mais valioso, é o bem vida e que, por isso, a indemnização devida por danos físicos e psíquicos deverá calcular-se por referência à que seria arbitrada em caso de privação da vida.
Mandando a lei que se fixe a indemnização de forma equita­tiva - desde logo por ser difícil se não muitas vezes impossí­vel a prova do montante de tais danos - quer a mesma afastar a estrita aplicabilidade das regras porque se rege a obrigação de indemnização.

Salientando, a propósito, A. Varela: "O facto de a lei através da remissão feita no art.º 496°, nº 3 para as circunstâncias mencionadas no art.º 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório" (Das Obrigações em Geral, 1, p. 607 e segs).

Não se devendo confundir a equidade com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro subjectivismo do julgador, devendo a mesma traduzir "a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei", devendo o julgador "ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida" (ac. do STJ de 10.02.98, CJ S. T. 1, p. 65 e P. Lima e A. Varela, CCAnotado, Vol. 1, p. 501).

Merecendo ser ainda destacados, nos parâmetros gerais a ter em conta, a progressiva melhoria da situação económica individual e global (mesmo considerando a grave crise sócio-económica que hoje grassa), a nossa inserção no espaço político, jurídi­co, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia, o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, sem se esquecer que o contínuo aumento dos prémios de seguro se deve também repercutir no aumento das indemnizações.
Atentando-se, ainda, que a jurisprudência do STJ, em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a respectiva compensação deve constituir um le­nitivo para os danos suportados, não devendo, assim, ser miserabilista. Devendo, para responder actualizadamente ao comando do art.º 496°, do CC, constituir uma efectiva possibilidade compensatória, devendo ser significativa, desse modo viabili­zando uma compensação para os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo (Neste mesmo sentido, ac. do STJ de 25.06.2002, CJ Ano X, T. 2, p. 134).

Posto isto, haverá ainda que salientar que as tabelas constantes da Portaria de actualização nº 679/09, de 25.06, não são vinculativos para os tribunais, constituem referenciais que, ao menos, impedem que os tribunais fiquem aquém dos valores aí previstos (ac. RL 2.03.2010, relator Abrantes Geraldes, in www.dgsi.pt), sendo que nestas tabelas se autonomiza um dano moral complementar quer para o dano biológico, quer para o esforço acrescido para a actividade habitual (não meramente profissional) do lesado.
A situação espelhada na matéria de facto provada demonstra que as aludidas componentes do dano não patrimonial acima mencionadas alcançam níveis relevantes.

Não pode também descurar-se o grau do “quantum doloris” fixado à autora em consequência do embate, das lesões e sequelas decorrentes do embate.

Do mesmo modo que não se pode olvidar o prejuízo da saúde geral e da longevidade, considerando as consequências das lesões. No geral, importa atender ao facto de à autora ter sido imposta, para toda a sua vida, uma diminuição da sua qualidade de vida (não só menor desfrute dos prazeres da vida, como maiores sacrifícios físicos e psíquicos no normal acontecer dos dias).
Aplicando as considerações expostas ao caso ver­tente, e vistas todas as suas coordenadas e muito concretamente, o período de internamento e acamamento, o dano biológico (neste caso, a autora padece de sequelas perturbadoras da sua vida pessoal) e o quantum doloris, julgamos adequado fixar a indemnização devida por estes danos não patrimoniais no montante de € 8.500,00, já devidamente actualizado à data da prolação desta sentença”.

Vistas as conclusões das alegações da Autora, o dispositivo da sentença e a fundamentação para os concretos danos sofridos, cumpre analisar os critérios que hão-de presidir à indemnização a fixar à Autora e decidir o quantum indemnizatório a atribuir à mesma pelo dano biológico (danos patrimoniais futuros/perda de capacidade de ganho) e pelos danos não patrimoniais.

2.1 – Dano biológico (danos patrimoniais futuros/perda de capacidade de ganho)
A responsabilidade da Ré traduz-se numa obrigação de reparar o dano causado, designada por obrigação de indemnizar, cujo princípio geral se encontra consagrado no artigo 562.º, do Código Civil, sendo deste diploma todos os preceitos citados sem outra referência.
No quadro da responsabilidade civil, a nossa lei não contempla uma definição de dano, mas refere-o como sendo um dos pressupostos da obrigação de indemnizar, quer da responsabilidade civil extracontratual quer da responsabilidade civil contratual (v. artigos 483.º, n.º 1, e 798.º), e fornece os parâmetros que permitem chegar a uma definição. Desde logo, o referido artigo 562.º, ao proclamar o princípio geral da obrigação de indemnizar, consigna que: Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação e o artigo 563.º, sob a epigrafe Nexo de causalidade, prescreve que: A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.

Quais são, pois, os danos indemnizáveis?
Refere Joaquim José de Sousa Dinis “Fazendo um zoom sobre a realidade “dano”, como o fez o Ac. do STJ de 28/10/92 (CJ, Ano XVII, T.4, p. 28 e ss), podemos encontrar os seguintes aspectos:

1 - Danos emergentes, os quais incluem os prejuízos directos e as despesas directas, imediatas ou necessárias;
2 - Ganhos cessantes;
3 – Lucros cessantes;
4 – Custos de reconstituição ou reparação;
5 – Danos futuros;
6 – Prejuízos de ordem não patrimonial.
Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto, como um animal ou uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida destes; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas ou enterro de quem tenha falecido.
Os ganhos cessantes correspondem à perda da possibilidade de ganhos concretos do lesado, incluindo-se na categoria de lucros cessantes. Mas não deve ser confundida: a) com a perda de capacidade de trabalho que é nitidamente um dano direto, que se pode aferir em função da tabela nacional de incapacidades (…).
Os danos futuros compreendem os prejuízos que, em termos de causalidade adquada, resultarem para o lesado (ou resultarão de acordo com os dados previsíveis da experiência comum) em consequência do acto ilícito que foi obrigado a sofrer,… e ainda os que poderiam resultar da hipotética manutenção de uma situação produtora de ganhos durante um tempo mais ou menos prolongado, (e que poderá corresponder, nalguns casos ao tempo de vida laboral útil do lesado), e compreendem ainda determinadas despesas certas, mas que só se concretizarão em tempo incerto (ex. substituição de uma prótese ou futuras operações cirúrgicas).
Segundo certa classificação dos danos eles podem ser patrimoniais e não patrimoniais. Os primeiros incidem sobre interesses de natureza material ou económica, refletindo-se no património do lesado. Os segundos reportam-se a valores de ordem espiritual, ideal ou moral. Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insuscetíveis de avaliação pecuniária porque atingem bens que não integram o património do lesado (a vida, a saúde, a liberdade, a beleza)” (10).
O “dano” ou “prejuízo” consagrado, desde logo, no referido art. 564º, surge sob vários aspetos. Na verdade, o dano compreende o prejuízo causado (dano emergente) e os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucro cessante) – nº1 – e os danos futuros – nº2.
A responsabilidade civil no nosso direito tem como primordial a função compensatória, ou seja, a reparação do dano, condição essencial e limite da obrigação de indemnizar, ainda que dentro de tais limites se contenham finalidades acessórias preventivas e mesmo sancionatórias. Nessa linha é pertinente considerar que a obrigação de indemnizar tem como balizas, por um lado, o princípio da reparação integral do dano e, por outro, a proibição do enriquecimento sem causa do lesado à custa da indemnização.
O montante indemnizatório deve equivaler ao dano efetivo, à avaliação concreta do prejuízo sofrido (e não à abstrata), sendo certo que decore do nº1, do artigo 564º, que o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão. Assim, o dever de indemnizar abrange os prejuízos sofridos, a diminuição dos bens já existentes na esfera patrimonial do lesado - danos emergentes -, e os ganhos que se frustraram, os prejuízos que advieram ao lesado por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património - lucros cessantes.
Nessa base, a doutrina tem definido o dano, embora sob formulações variadas, como sendo a lesão ou prejuízo real, sob a forma de destruição, subtração ou deterioração de um certo bem, lesão de bens juridicamente protegidos do lesado, patrimoniais ou não, ou simplesmente uma desvantagem de uma pessoa, que é juridicamente relevante, por ser tutelada pelo Direito.
Daí que o dano não traduza uma realidade puramente empírica nem uma mera categoria normativa. Assume-se, antes, como um conceito empírico-normativo, que convoca um dado naturalístico mas requer um referencial normativo.
Exige-se, pois, que traduza uma equação entre a situação económica real em que o lesado se encontra na data mais recente que possa ser atendida e a situação hipotética que existiria se não tivesse ocorrido o evento lesivo.
Ora, se aquela situação real é demonstrável diretamente pela realidade de facto, já a situação hipotética só é alcançável através de um juízo de probabilidade a formular dentro dos limites normativos estabelecidos.

Por isso, na definição de qualquer dano existe, em maior ou menor grau, uma dimensão desenhada com apelo a um juízo de probabilidade, e não a uma certeza de absoluta verificabilidade, o que se torna bem patente nos casos de lucros cessantes - enquanto benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, ou seja, que obteria se não fosse essa lesão.
O dano, prejuízo, resultante de facto ilícito culposo, causado a alguém, é, na verdade, condição essencial à obrigação de indemnizar.

Se esse prejuízo se regista ou se reflete na situação patrimonial do lesado estamos perante um dano patrimonial. E este manifesta-se, como vimos, sob duas modalidades: o dano emergente, ou perda patrimonial, que abrange o prejuízo causado nos bens ou nos direitos já existentes na titularidade do lesado na ocasião da lesão, e o lucro cessante que contempla os benefícios que o lesado deixou de obter por causa do facto ilícito. O dever de indemnizar compreende um e outro, como flui do disposto no n.º 1 do art. 564º. Este preceito abrange não só os danos emergentes como os lucros cessantes, representando aqueles uma diminuição efectiva e actual do património e estes traduzindo não um aumento do património, mas a frustração de um ganho (11).
Mas, como evidencia PESSOA JORGE, que segue o entendimento de VAZ SERRA e de PEREIRA COELHO, o lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho (cfr. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa 1972, pág. 378 e nota (348). (12)
Conforme ensina Galvão Teles os danos emergentes traduzem-se numa desvalorização do património, os lucros cessantes numa sua não valorização. Se diminui o ativo ou aumenta o passivo, há um dano emergente (damnum emergens); se deixa de aumentar o ativo ou de diminuir o passivo, há um lucro cessante (lucrum cessans). Ali dá-se uma perda, aqui a frustração de um ganho (13).
Os lucros cessantes correspondem aos ganhos que o lesado deixou de ter por não ter aumentado, em consequência da lesão, o seu património (14).
Nos lucros cessantes pressupõe-se que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho (15).
Pires de Lima e A. Varela fazem ressaltar que o lucro cessante, como compreende benefícios que o lesado não obteve, mas deveria ter obtido, tem de ser determinado segundo critérios de verosimilhança ou de probabilidade. São vantagens que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido, se não fora o acto lesivo (16).
O lucro cessante pressupõe que o lesado tinha, no momento da lesão, um direito ao ganho que se frustrou, ou melhor, a titularidade de uma situação jurídica que, mantendo-se, lhe daria direito a esse ganho – o que não se verifica nos casos em que existe uma simples expectativa, uma mera possibilidade de a vítima vir a ser titular dessa situação jurídica. (17)
Acresce que a lei, para além da ressarcibilidade dos danos patrimoniais, contempla a “compensação” pelos danos não patrimoniais, ou seja, aqueles que só indiretamente podem ser compensados – art. 494º, n.º2, integrando uns e outros a obrigação de indemnizar.
O art. 566º, consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o art. 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade e não sendo possível a reconstituição natural, não reparando a mesma integralmente os danos ou sendo excessivamente onerosa para o devedor, deve a indemnização ser fixada em dinheiro – nº1. do art. 566º.
E a indemnização pecuniária deve medir-se por uma diferença (id. quod interest como diziam os glosadores) – pela diferença entre a situação (real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido (18).
Consagra a lei, em sede de indemnização em dinheiro, a teoria da diferença tomando como referencial “a data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que nessa data teria se não existissem danos” – art. 566º, nº2. Quer dizer que a diferença se estabelece entre a situação real atual e a situação hipotética correspondente ao mesmo momento (19).
Manda, ainda, como vimos, atender aos danos futuros (nº2, do art. 564º), desde que previsíveis e o nº3, do art. 566º, confere ao tribunal a faculdade de recorrer à equidade quando não seja possível, designadamente face à imprecisão dos elementos de cálculo, fixar o valor exato dos danos.

Na responsabilidade civil extracontratual, designadamente a emergente de acidente de viação, e no âmbito dos danos patrimoniais, previstos nos artigos 483.º, n.º 1, e 562.º a 564.º, encontram-se os danos resultantes das sequelas sofridas que impliquem perda de capacidade de ganho.

No âmbito destes, movemo-nos no chamado dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, podendo, neste, distinguir-se entre a incapacidade fisiológica ou funcional (geral) e a incapacidade para o trabalho.

Na incapacidade fisiológica ou funcional, a repercussão negativa da respetiva incapacidade permanente centra-se na diminuição da condição física, da resistência e da capacidade de esforços do lesado, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente, previsível, maior penosidade, dispêndio e desgaste físico na execução das atividades diárias, incluindo, eventualmente, as suas tarefas profissionais. É esse agravamento da penosidade (de carácter fisiológico ou físico-psíquico) e consequente maior esforço, maior sacrifício/penosidade no desempenho das atividades profissionais e, ainda, uma menor qualidade/conforto de vida em geral, decorrente da afetação da saúde, que deve radicar-se o arbitramento da indemnização (autónoma) pelo dano biológico. Há, assim, lugar ao arbitramento de indemnização por danos patrimoniais, mesmo que se não haja feito prova de que o lesado, por força de uma incapacidade, venha a sofrer de qualquer diminuição dos seus proventos futuros ou, ainda, mesmo que não haja prova de uma estrita incapacidade para o desempenho da atividade profissional habitual, bastando a demonstração de que o desempenho profissional (e a consequente manutenção do mesmo nível de rendimentos) obriga a maiores esforços, a maior penosidade no desempenho de tais atividades, sendo indiscutível o ressarcimento deste dano. Indemniza-se, assim, basicamente o dano corporal sofrido, por si, quantificado por referência a um índice 100 (que corresponde à plena integridade psicossomática), e não qualquer perda efetiva de rendimento ou de concreta privação da capacidade de angariação de réditos, que pode, até, não existir. Este entendimento, que vem sendo perfilhado pela jurisprudência, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, tem na sua base a ideia de que a existência de uma incapacidade física, em consequência de lesões provocadas no corpo e na saúde do lesado, afeta, necessariamente, a sua capacidade funcional, pois que este verá afetadas as condições normais de saúde necessárias ao desenvolvimento adequado e normal daquela, sempre lhe exigindo um esforço ou transtorno acrescido, independentemente da sua repercussão negativa a nível salarial. (20)

Na reparação do dano corporal, a jurisprudência tem procurado, com vista a encontrar o quantum indemnizatório, determinar o capital que produza o rendimento de que o lesado foi privado e irá ser até final da sua vida, através do recurso a métodos matemáticos, sendo entendimento jurisprudencial uniforme que nenhum dos aludidos critérios é absoluto, devendo ser aplicados como meros índices ou parâmetros temperados com a aplicação e um juízo de equidade e, isto, porque na avaliação dos prejuízos o juiz tem de atender, sempre, à multiplicidade e à especificidade das circunstâncias que concorrem no caso e que o tornam único e diferente (21).
Na verdade, é uniforme o entendimento jurisprudencial no sentido de que o Tribunal não está confinado ao resultado de qualquer fórmula, nomeadamente daquelas em que se utilizam tabelas financeiras, e, sendo o recurso a fórmulas meramente indiciário, não pode o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido do nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exato dos danos deve recorrer à equidade.
No cálculo da indemnização, com recurso à equidade, nos termos do disposto no art. 566º, n.º 3, do CC, iremos socorrer-nos, como critério objetivador, aferidor e orientador, com vista a evitar subjetivismos, das fórmulas matemáticas, designadamente da enunciada no Ac. STJ. de 04/12/2007, Proc. 07A3836, in base de dados da DGSI, da prevista nos estudos efetuados pelo Dr. Sousa Dinis, in CJ/STJ, 1997, t. II, págs. 11 e ss e das enunciadas na Lei dos Acidentes de Trabalho, sendo que o recurso a elas é meramente indicador e instrumental, já que o critério que vai presidir, até por imposição legal, à fixação desta concreta indemnização é a equidade.
Com efeito, as fórmulas usadas para calcular as indemnizações, sejam elas a do método do cálculo financeiro, da capitalização dos rendimentos, ou as usadas na legislação infortunística, não são, de modo algum, imperativas. Até se refere no Acórdão deste STJ, de 18.3.97, in CJ STJ, 1997, II, 24: “Os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas”.
Na determinação do quantum indemnizatório correspondente ao citado dano biológico, na vertente de danos patrimoniais futuros, o tribunal está, apenas, sujeito aos critérios que emergem do Código Civil, em particular ao da equidade, sendo que os consagrados na Portaria n.º 377/2008, de 26.05 (ou na Portaria n.º 679/2009, de 25.06, que procedeu à sua alteração/atualização), não obstante possam ser atentados pelo julgador, não se sobrepõem aos que decorrem do sistema substantivo, primordialmente do Código Civil.
O DL nº 352/2007, de 23/10, que veio introduzir na Ordem Jurídica portuguesa a Tabela de Avaliação de Incapacidade Permanentes em Direito Civil e a Portaria nº 377/2008, de 26/5, complementando-o, estabeleceu os valores orientadores de proposta razoável para indemnização do dano corporal resultante de acidente automóvel. A Portaria nº 679/2009, de 25/6, veio atualizar os valores daquela de acordo com o índice de preços ao consumidor em 2008 e alargou o direito indemnizatório por esforços acrescidos.

Porém, tais “valores orientadores” são apenas uma reflecção.

Como é comummente entendido, os juízes não devem lançar mão destas tabelas, que quando muito servirão para comparar, para fazer simulações – cfr. designadamente Joaquim José de Sousa Dinis, “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), sustenta serem estas tabelas apenas orientadoras e que “Se forem utilizadas, o juiz no seu prudente arbítrio tem o dever de “saltar” para fora dos valores máximos” não devendo delas ficar “escravo” , nunca podendo olvidar o art. 496º, do CC. “Caso contrário corre-se o risco de se implantar nas decisões judiciais uma “ditadura das seguradoras” (22)
Na verdade, é entendimento jurisprudencial uniforme que os critérios previstos nas citadas Portarias não substituem os critérios de fixação da indemnização consagrados no Código Civil, não vinculando os tribunais na administração da justiça nos casos concretos. Os mesmos visam, sobretudo, em sede de apresentação de proposta célere e razoável por parte das seguradoras ao lesado, a servir de critério orientador para esse confessado fim. (23) Até no próprio preâmbulo se refere, expressamente, que o objetivo da mesma não é a fixação definitiva de valores indemnizatórios, mas, nos termos do n.º 3 do artigo 39º do D.L. n.º 291/2007, de 21.08, o estabelecimento de um conjunto de regras e princípios que permita agilizar a apresentação de propostas razoáveis, possibilitando, ainda, que a autoridade de supervisão possa avaliar, com grande objetividade, a razoabilidade das propostas apresentadas.
Deste modo, e não obstante as referidas Portarias, os critérios a seguir na fixação das indemnizações continuam a ser os emergentes do Código Civil, mormente o da equidade, devendo, por razões de igualdade e desejável uniformidade jurisprudencial, com vista a uma maior certeza e segurança jurídicas, nos valores tendencialmente a fixar serem seguidos os aplicados pelo mais Alto Tribunal em casos idênticos.

Assim, as tabelas financeiras, tal como as tabelas constantes das Portarias nº 377/2008, de 26 de maio e nº 679/2009, de 25 de junho, servem, apenas de indicador (24), podendo é definir o patamar inferior da indemnização a arbitrar (porque ponderam já a disponibilidade imediata do capital).

Sendo grande a dificuldade de cálculo do dano futuro relativo à perda dos rendimentos do trabalho, sendo que o que se pretende não é a fixação de um montante puramente arbitrário, mas antes uma fixação equitativa feita mediante prudente arbítrio - arts. 564°, nº 2 e 566°, nº 3, do CC - parte da jurisprudência orienta-se no sentido de a indemnização dever representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no previsível período de vida ativa da vítima e que seja suscetível de garantir, durante esta, as prestações correspondentes a essa perda de ganho - Ver, designadamente, os Acs. do STJ, de 09.01.1979, BMJ, n. 283, pág. 260, e de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo 2, pág. 144.

Deve a estimativa desse dano deve fazer-se com recurso à equidade - art. 566°, n." 3, e, como modo adequado de conformação dos valores legais às características do caso concreto, o julgamento da equidade não pode prescindir da ponderação da duração da vida, da flutuação do valor do dinheiro, das expectativas de aumentos salariais e de progressão na carreira, etc. (v. Ac. STJ de 06.07.2000, CJ, Ano VIII, Tomo II, pág. 145). Acresce que, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.
Como se referiu, são utilizadas fórmulas e tabelas matemáticas como auxiliares de cálculo, entre elas a seguinte que vem descrita no Ac. da Relação de Coimbra, de 04.04.1995, CJ, Ano XX, Tomo II, página 23:
n
C = ( 1 + i ) - 1 x P
n
( 1 + i ) x i
Nesta fórmula:

i é a taxa de juro real líquida;
n o número de anos durante os quais se manteria a prestação;
P a prestação a pagar no primeiro ano.

Há que ter, ainda, em linha de conta a previsível subida dos salários (não se esquecendo que o juízo de prognose é projetado para uma realidade de médio/longo prazo), motivada sobretudo pela inflação (2% no médio/longo prazo), já que, quanto ao resto não se vislumbra qualquer tipo de promoção profissional do lesado nem ganhos de produtividade.

Tem, também, de se ponderar o juro nominal líquido das aplicações financeiras, ficcionando-se no médio/longo prazo uma taxa a rondar os 3% nos depósitos a prazo.

Através da seguinte sub-fórmula encontrar-se-á a atualização do capital devido no 1° ano, em que i representa a percentagem que, em cada ano, a aplicação financeira se valoriza mais do que a taxa a que a prestação P cresce:

i = 1 + r - 1
1 + k
r = taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras;
k = taxa anual de crescimento da prestação.

Assim, teremos:

R = 3% k = 2%

O uso desta fórmula, ou de outras que se conhecem, e de tabelas, que servem como instrumento de trabalho, têm grande utilidade na medida em que nos serve de farol para, ponderando tudo, se alcançar a decisão mais justa.

A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. entre muitos o Ac. de 8/5/2012 – Processo 3492/07.3TBVFR.P1, in www.stj.pt) vem fazendo um esforço de clarificação, visando o estabelecimento de critérios de apreciação e de cálculo dos danos que reduzam ao mínimo a margem de arbítrio e de subjetivismo dos magistrados, de modo a que as decisões, convencendo as partes devido ao seu mérito intrínseco, contribuam para uma maior certeza na aplicação do direito e para a redução da litigiosidade a proporções mais razoáveis.

Os princípios fundamentais adotados pelo Supremo Tribunal de Justiça nesta matéria, resumidos na citação constante do Acórdão de 05 de julho de 2007, no processo n°07A1734, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Nuno Carneira, são os seguintes:

A indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida;
No cálculo desse capital interfere necessariamente, e de forma decisiva, a equidade, o que implica que deve conferir-se relevo às regras da experiência e àquilo que, segundo o curso normal "das coisas, é razoável”;
As tabelas financeiras por vezes utilizadas para apurar a indemnização têm um mero carácter auxiliar, indicativo, não substituindo de modo algum a ponderação judicial com base na equidade;
Deve ser proporcionalmente deduzida no cômputo da indemnização a importância que o próprio lesado gastaria consigo mesmo ao longo da vida (em média, para despesas de sobrevivência, um terço dos proventos auferidos), consideração esta que somente vale no caso de morte;
Deve ponderar-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros; logo, haverá que considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa alheia;
Deve ter-se preferencialmente em conta, mais do que a esperança média de vida ativa da vítima, a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 73 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres chegou aos oitenta) (25).
No caso dos autos, pese embora o défice funcional permanente da integridade físico-psíquica que afeta a Autora o facto disso poder não gerar perda de rendimentos laborais não implica que, pelo défice de que padece, não tenha de ser indemnizada, havendo a considerar, como vimos, como dano futuro o dano biológico já que a afetação da sua potencialidade física determina uma irreversível perda de faculdades físicas e intelectuais que a idade agravará.

No Acórdão desta Relação e Secção de 18/12/2017, Processo nº 2050/12.5TJVNF.G1 em que a ora relatora foi adjunta, refere-se que “O conceito de “dano biológico” surgiu em Itália e no ordenamento jurídico nacional não existe consenso quanto à forma de ressarcimento desse dano: a posição maioritária é que esse dano deve ser valorado na vertente patrimonial; outra corrente sufraga que esse dano carece de ser valorado na vertente patrimonial ou na não patrimonial, conforme a apreciação casuística do caso; uma terceira corrente entende que se está perante um tertium genus, não subsumível à categoria dos danos patrimoniais ou não patrimoniais, devendo ser indemnizado de per se.

O dano biológico, na medida em que constitui uma lesão de bens eminentemente pessoais do lesado (a saúde), determinando-lhe uma deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do seu corpo no desenvolvimento de todas as suas atividades (sejam profissionais, lazer, familiar e demais dimensões da sua vida), carece de ser, sempre, indemnizado na vertente patrimonial, independentemente de ter ou não repercussões negativas a nível salarial ou na atividade profissional do lesado, mesmo que este último não desempenhe, à data do evento, atividade profissional remunerada e, ainda que se trate de pessoa já reformada.

O cálculo dessa indemnização (frustração da capacidade de ganho futura) é feito por recurso à equidade, devendo como critério objetivador, instrumental e orientador, ter-se presente as fórmulas matemáticas seguidas pela jurisprudência”.

Também no Acórdão desta secção apelação n.º 1315/14.6TJVNF.G1 em que a ora relatora também foi adjunta se decidiu e vem sumariado “A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego do lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afetar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem uma sequela irreversível das lesões sofridas.

Nesta perspetiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela “capitis deminutio” de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoa. Esta outra vertente do dano biológico, enquanto privação de outras oportunidades pessoais ou profissionais decorrentes do défice físico-psíquico, não pode deixar de ser considerado no âmbito do ressarcimento a título de danos patrimoniais futuros, influenciando e majorando, portanto, no cálculo equitativo do seu” quantum”, mas não constituindo, um dano a valorar em uma outra quantia, autónoma ou separada do quantum indemnizatório a fixar em sede de danos patrimoniais futuros, sob pena de constituir uma duplicação indemnizatória, violadora da lei e dos princípios da equidade que presidem à fixação do montante indemnizatório em causa.
Sem prejuízo do relevo que sempre assumem as usuais tabelas de matemáticas de cálculo do aludido capital – enquanto instrumentos suscetíveis de introduzir uma base objetiva no valor indemnizatório a arbitrar, reduzindo, pois, “ligeirezas decisórias” ou “involuntários subjetivismos” –, o valor alcançado através de tais tabelas sempre terá de ser temperado através do recurso à equidade, que desempenha um papel corretor e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto”.

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, cujo relator foi Manuel Tomé Soares Gomes, a “lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual, podem derivar, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária (26).

Como é sabido, os nossos tribunais, com particular destaque para a jurisprudência do STJ, têm vindo a reconhecer o dano biológico como dano patrimonial, na medida em que respeita a incapacidade funcional, ainda que esta não impeça o lesado de trabalhar e que dela não resulte perda de vencimento, uma vez que a força de trabalho humano sempre é fonte de rendimentos, sendo que tal incapacidade obriga a um maior esforço para manter o nível de rendimento anteriormente auferido. E que, em sede de rendimentos frustrados, a indemnização deverá ser arbitrada equitativamente, de modo a corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado não irá auferir, que se extinga no fim da sua vida provável e que é suscetível de garantir, durante essa vida, o rendimento frustrado[2] . (sublinhado e negrito nosso).

No desenvolvimento desse entendimento, o acórdão do STJ, de 10/ 10/2012, proferido no processo n.º 632/2001.G1.S1[3], considerou que:

“… a compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou conversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar; quer a acrescida penosidade e esforço no exercício da sua actividade diária e corrente, de modo a compensar e ultrapassar as graves deficiências funcionais que constituem sequela irreversível das lesões sofridas.

Na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável – e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição -, erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais …”

E, no mesmo aresto, se acrescenta que:

“Nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua junta compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer (o lesado), bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional ou pessoal…”

Assim, a este propósito podem projetar-se em dois planos:

- a perda total ou parcial da capacidade do lesado para o exercício da sua atividade profissional habitual, durante o período previsível dessa atividade, e consequentemente dos rendimentos que dela poderia auferir;
- na perda ou diminuição de capacidades funcionais que, mesmo não importando perda ou redução da capacidade para o exercício profissional da atividade habitual do lesado, impliquem ainda assim um maior esforço no exercício dessa atividade e/ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso do tempo de vida expetável, mesmo fora do quadro da sua profissão habitual” (27).

Como se refere no citado Acórdão do STJ de 19/5/2009, o “dano biológico que implica que se atenda às repercussões que a lesão pode proporcionar à pessoa lesada; tal dano assume um cariz dinâmico compreendendo vários factores, sejam actividades laborais, recreativas, sexuais, sociais ou sentimentais.
“O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psíquico do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre”. - Acórdão deste Supremo Tribunal de 4.10.2005 – Processo nº 05A2167 – in www.dgsi.pt.

O dano biológico repercute-se na qualidade de vida da vítima afectando a sua actividade vital, é um dano patrimonial já que as lesões afectam o seu padrão de vida”.

A perda da capacidade de ganho constitui um dano presente, com repercussão no futuro, durante o período laboralmente activo do lesado, e durante todo o seu tempo de vida”. (28)

Ora, in casu, resulta provado que, a Autora:

- em consequência do embate foi projetada para o chão, embatendo com a região occipital;
- em resultado do embate sofreu traumatismo cranioencefálico e traumatismos menores nas regiões cervical, dorsal e parede torácica;
- em consequência do embate e das lesões sofridas padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual;
- à data do embate encontrava-se na situação de reforma, mas executava quase todas as tarefas domésticas na sua casa de habitação,
- nasceu no dia 8.11.1939, conforme documento de fls. 74 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

Resulta, assim, que a A., apesar de afetada de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 4 pontos não está impedida de exercer a atividade que exercia, embora tal incapacidade implique esforços suplementares nesse exercício.

A aptidão funcional da Autora está comprometida em 4 pontos havendo, para efeito, de indemnizar o dano biológico, que ponderar não apenas o tempo de atividade em função do tempo de vida laboral, mas todo o tempo de sua vida.

E como se refere no citado Acórdão do STJ de 19/5/2009 “A indemnização por danos patrimoniais futuros é devida mesmo que não se prove ter resultado da incapacidade física diminuição dos proventos da vítima.

É a chamada distinção operada por Sinde Monteiro – “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, página 248, entre o “dano biológico” e o “dano moral” – Acórdão de Tribunal da Relação do Porto, de 2 Maio 1995 – JTRP00014588 – in www.dgsi.pt.
“O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 4.10. 2007 – Proc. nº 07B2957 – in
www.dgsi.pt.

A incapacidade parcial permanente afectando, ou não, a actividade laboral, representa, em si mesma, um dano patrimonial futuro, nunca podendo reduzir-se à categoria dos danos não patrimoniais.(…) O trabalho doméstico, no contexto da vivência familiar, tem um valor avaliável em dinheiro ainda que nenhuma remuneração haja; por outro lado, pese embora a idade da lesada à data do acidente, ela executava sem auxílio de ninguém as tarefas da casa, sinal que a sua capacidade laboral, ainda que para aquelas funções, existia e ficou afectada com o acidente.

A indemnização por lesões físicas não deve apenas atender à capacidade laboral, já que, em consequência das sequelas sofridas, e permanecendo elas, irreversivelmente, vão agravar, tornar mais penosa, a vida da pessoa afectada, sendo essa penosidade tanto maior quanto mais for avançando a idade.

Pelo que deixamos entrever o facto da Autora não ter perdido rendimentos em consequência da lesão não invalida que seja ressarcida por causa da IPG que a afecta. Esse dano é indemnizável em si mesmo como dano patrimonial.
O facto da natureza e consequência das lesões demandar o auxílio de terceira pessoa não constitui qualquer duplicação da indemnização já que as despesas que a Autora terá que custear são consequência do facto de, por não poder dispor de autonomia física, ter de ser assistida por outra pessoa a quem terá que pagar um salário.
Trata-se de um dano emergente, patrimonial, que não é consumido pela indemnização pela perda de capacidade de ganho.
Também aqui haverá que, numa perspectiva de equidade, ponderar que esse auxílio perdurará pelo tempo de vida da Autora, devendo atender-se à expectativa de vida estatística, da longevidade como pessoa do sexo feminino, devendo ponderar-se, também, o custo da evolução salarial desse prestador de serviços, pelo que considerando a expectativa de vida da Autora, cerca de 24 anos, não se afigura violadora da equidade a indemnização que as instâncias atribuíram – € 40.000,00” (29).

Como se refere no Acórdão do STJ 10/11/2016, Processo 175/05.2TBPSR.E2.S1, de relatado por Lopes do Rego, “ao avaliar e quantificar o dano patrimonial futuro, pode e deve o tribunal reflectir também na indemnização arbitrada a perda de oportunidades profissionais futuras que decorra do grau de incapacidade fixado ao lesado, ponderando e reflectindo por esta via na indemnização, não apenas as perdas salariais prováveis, mas também o dano patrimonial decorrente da inevitável perda de chance ou oportunidades profissionais por parte do lesado.
Sendo inquestionável que o dever de indemnizar que recai sobre o lesante compreende os danos futuros, desde que previsíveis, quer se traduzam em danos emergentes ou em lucros cessantes, nos termos do art. 564º do CC, está fundamentalmente em causa o método de cálculo que deve ser adoptado para o cômputo da respectiva indemnização, cumprindo reconhecer que tal matéria suscita problemas particularmente delicados nos casos, como o dos autos, em que o lesado se encontrava ainda numa fase absolutamente inicial da sua vida profissional, seriamente afectada pelas irremediáveis sequelas das lesões físicas sofridas – envolvendo a necessidade de realizar previsões que abrangem muitíssimo longos períodos temporais, lidando com dados que – nos planos social e macro económico - são, em bom rigor, absolutamente imprevisíveis no médio e longo prazo (por ex., evolução das taxas de inflação ou da taxa de juro, alterações nas relações laborais e níveis remuneratórios, possíveis ganhos de produtividade ao longo de décadas, etc.)
Constitui entendimento jurisprudencial reiterado que a indemnização a arbitrar por tais danos patrimoniais futuros deve corresponder a um capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinguirá no termo do período provável da sua vida, determinado com base na esperança média de vida (e não apenas em função da duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos): adere-se inteiramente a este entendimento, já que as necessidades básicas do lesado não cessam obviamente no dia em que deixar de trabalhar por virtude da reforma, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão; além de que, como é evidente, as limitações às capacidades laborais do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito.
Para evitar um total subjectivismo – que, em última análise, poderia afectar a segurança do direito e o princípio da igualdade – o montante indemnizatório deve começar por ser procurado com recurso a processos objectivos, através de fórmulas matemáticas, cálculos financeiros, aplicação de tabelas, com vista a calcular o referido capital produtor de um rendimento vitalício para o lesado, recebendo aplicação frequente a tabela descrita no Ac. de 4/12/07 (p.07A3836), assente numa taxa de juro de 3%.
Porém, e como vem sendo uniformemente reconhecido, o valor estático alcançado através da automática aplicação de tal tabela «objectiva» - e que apenas permitirá alcançar um «minus» indemnizatório - terá de ser temperado através do recurso à equidade – que naturalmente desempenha um papel corrector e de adequação do montante indemnizatório às circunstâncias específicas e à justiça do caso concreto, permitindo ainda a ponderação de variantes dinâmicas que escapam, em absoluto, ao referido cálculo objectivo: evolução provável na situação profissional do lesado, aumento previsível da produtividade e do rendimento disponível e melhoria expectável das condições de vida, inflação provável ao longo do extensíssimo período temporal a que se reporta o cômputo da indemnização (e que, ao menos em parte, poderão ser mitigadas ou compensadas pelo «benefício da antecipação», decorrente do imediato recebimento e disponibilidade de valores pecuniários que normalmente apenas seriam recebidos faseadamente ao longo de muitos anos, com a consequente possibilidade de rentabilização imediata em termos financeiros).
Finalmente – e no nosso entendimento – não poderá deixar de ter-se em consideração que tal «juízo de equidade» das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito», pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados, e, em última análise, o princípio da igualdade.
… Saliente-se, porém, que a aplicação, mesmo corrigida, das referidas tabelas financeiras não inclui, como é evidente, integral ponderação do dano biológico sofrido pelo lesado, perspectivado como diminuição somático-psíquica e funcional deste, com substancial e notória repercussão no leque de oportunidades profissionais de quem o sofre - e, portanto, enquanto reflectido na previsível carreira profissional da lesada, ressarcível ainda no perímetro dos danos patrimoniais futuros.
No caso dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pela lesada - consubstanciado em limitações funcionais particularmente relevantes - deverá compensá-la – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente - também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente reflectida e contabilizada no nível de rendimento auferido ou auferível pelo lesado.
A compensação do dano biológico tem como base e fundamento a relevante e substancial restrição às possibilidades exercício de uma profissão e de futura mudança, desenvolvimento ou reconversão de emprego pelo lesado, implicando flagrante perda de oportunidades, geradoras de possíveis e futuros acréscimos patrimoniais, frustrados irremediavelmente pelo grau de incapacidade que definitivamente o vai afectar: na verdade, a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediata e totalmente reflectida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando-lhe, de forma relevante e substancial, as possibilidades exercício profissional e de escolha e evolução na profissão, eliminando ou restringindo seriamente a carreira profissional expectável - e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à sua disposição, - erigindo-se, deste modo, em fonte actual de possíveis e futuramente acrescidos lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais; e sendo naturalmente tais restrições e limitações particularmente relevantes em lesada com 18 anos de idade, ficando as perspectivas de evolução no campo profissional plausivelmente afectadas pelas irremediáveis sequelas, físicas das gravosas lesões corporais sofridas.
E, nesta perspectiva, deverá aditar-se ao lucro cessante, decorrente da previsível perda de remunerações, calculada estritamente em função do grau de incapacidade permanente fixado, uma quantia que constitua justa compensação do referido dano biológico, consubstanciado na privação de futuras oportunidades profissionais, precludidas irremediavelmente pela capitis deminutio de que passou a padecer a recorrente, bem como pelo esforço acrescido que o já relevante grau de incapacidade fixado irá envolver para o exercício de quaisquer tarefas da vida profissional – considerando-se, em termos de equidade, que representará compensação adequada desse dano biológico o valor de € 15.000, que acrescerá assim ao montante de €85.000 arbitrado pelo acórdão recorrido” (30).
Assim, constata-se, à luz das regras da experiência, que as referidas sequelas sofridas pela Autora são de molde a afetar, para além das suas tarefas do quotidiano, o cabal desempenho das suas atividades laborais, representando, nessa medida, uma diminuição da sua capacidade económica, avaliável em termos do dito dano biológico (vertente patrimonial).

Cumpre, ainda, esclarecer, por forma a que não fique ideia errada de existência de duplicação da avaliação do mesmo dano, que na avaliação do dito dano biológico só relevam as implicações de alcance económico e não as respeitantes a outras incidências, mas sem um alcance dessa natureza (económica). Nessa linha, e como se decidiu no referido acórdão, não é de ter em conta aqui, por exemplo, as implicações na vida sexual do lesado, vertentes estas a ser ponderadas em sede de danos não patrimoniais.
E como aí se refere “não se apurando o valor exato da referida diminuição de rendimento económico … nem, dadas as suas características, se divisando tão pouco a viabilidade de um apuramento exato, não se mostra adequado, como se referiu na sentença da 1.ª instância, recorrer a um cálculo puramente aritmético, restando lançar mão do critério da equidade, ao abrigo do disposto no artigo 566.º, n.º 3, do CC, dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas existentes” (negrito e sublinhado nosso).
Valorando os dados de facto, considera-se que não merece censura o decidido.

Assim, segundo um juízo de equidade, de acordo com as regras da prudência, do bom senso prático e da justa medida imposta pela ponderação das realidades da vida, tendo em conta o referido circunstancialismo, as consequência das lesões sofridas pela Autora com o acidente, considerando a sua idade e expetativa de vida de acordo com os dados do INE, tem-se por ajustada e em linha com os padrões da jurisprudência (31) a valoração do dito dano biológico, na sua vertente patrimonial, na quantia fixada pelo Tribunal de 1.ª instância - de € 2.000,00 para o valor da indemnização por danos futuros pela perda da capacidade de ganho da Autora.
Nenhuma censura nos merece, pois, a sentença recorrida quando nela se atribui uma indemnização pelo dano patrimonial futuro (perda da capacidade de ganho futura) sofrida pela autora, correspondente ao Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica, com que se encontra afetada em consequência do comportamento ilícito e culposo dos condutores dos três veículos intervenientes no acidente, no referido valor, deduzida dos 15% da contribuição da lesada para o agravamento dos danos, decorrente da falta de colocação do cinto de segurança.
*
2.2 - Quanto à compensação pelos danos não patrimoniais

Estabelece o art. 496º que: 1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
E o nº 4, do referido artigo, que O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.
Resulta, assim, do referido nº1 a admissibilidade genérica do ressarcimento dos danos não patrimoniais. Como dele decorre, os danos não patrimoniais são indemnizáveis, quando, pela sua gravidade, sejam merecedores da tutela do direito.
Antunes Varela define danos não patrimoniais como sendo “os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização” (32).
Luís Manuel Teles Menezes Leitão define-os como “aqueles que correspondem à frustração de utilidades não suscetíveis de avaliação pecuniária, como o desgosto resultante da perda de um ente querido” (33).

Tais danos só são indemnizáveis quando, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito, sendo a aludida gravidade um conceito relativamente indeterminado, a apurar, objetivamente, caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada. A gravidade mede-se por um critério objetivo, de normalidade e bom senso prático. A gravidade deve “medir-se por um padrão objectivo e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria ou embotada do lesado, sendo tais danos compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, e tratando-se mais de uma satisfação do que de uma indemnização, a ser calculada segundo critérios de equidade, atendendo-se ao grau de responsabilidade do lesante, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc” (34).
Enunciam-se alguns danos não patrimoniais que têm sido, recentemente, considerados pela jurisprudência merecerem a tutela do direito como: a perceção que o lesado, mesmo em estado de não (pelo menos completa) consciência, possa ter da situação em que se encontra, do grau de irreversibilidade das lesões, a destruição de um projeto de vida de casal, a impotência sexual de que fique a padecer o lesado bem como o consequente dano de seu cônjuge ou companheiro, o dano biológico, isto é a perda de qualidade de vida do sujeito (35).
No caso em apreço, não existem dúvidas que as consequências do sinistro relativamente à autora revestem elevada gravidade, como bem foi decidido, sendo, por isso, justificativas do seu ressarcimento, a título de danos não patrimoniais. Por graves, tem a Autora direito a ser indemnizada por eles, como os próprios recorrentes reconhecem, cabendo determinar qual o quantum a atribuir.

Ora, de harmonia com o princípio geral expresso no art. 562º, do C Civil, a obrigação de indemnizar implica a reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado a lesão, repondo-se as coisas no lugar em que estariam se não se tivesse produzido o dano. Visa-se a eliminação deste, devendo a indemnização equivaler ao montante do dano imputado (v. nº2 do art. 566º).

Porém, estando em causa a lesão de interesses imateriais, a reconstituição natural da situação anterior ao sinistro é impossível e também o é a fixação de um montante pecuniário equivalente ao «mal» sofrido, apenas se podendo atenuar, minorar ou, de algum modo, compensar os danos sofridos pelo lesado.

E “se a indemnização por danos não patrimoniais não elimina o dano sofrido, pelo menos, permite atribuir ao lesado determinadas utilidades que lhe permitirão alguma compensação pela lesão sofrida sendo, em qualquer caso, melhor essa compensação do que nenhuma. A atribuição dessa compensação não representa qualquer imoralidade, uma vez que não resulta do comércio de bens não patrimoniais, representando, pelo contrário, uma sanção ao ofendido por ter privado o lesado das utilidades que aqueles bens lhe proporcionavam” (36).
Nos termos do nº4, do 496º, o montante da indemnização a atribuir será fixado equitativamente pelo Tribunal tendo em conta a extensão e gravidade dos danos causados, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que se justifique ponderar. Este tipo de indemnização será fixado segundo o bom senso e o prudente arbítrio do julgador, temperado com os critérios objectivos a que se alude no art. 494º.
E daqui resulta que a indemnização por danos não patrimoniais “não se reveste de natureza exclusivamente ressarcitória, mas também cariz punitivo, assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, por forma a desagravá-la do comportamento do lesante” (37).
Como se escreve no Acórdão da Relação do Porto, Processo 108/08.4TBMCN.P1, de 8/7/2010, “refere “inter alia”, o Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460-444: “(...) No caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente”. O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização», «aos padrões da indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc” (38).
Estes preceitos devem ser aplicados com prudência, pois a sua aplicação tem como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais (39), como entende Galvão de Teles, Direito das Obrigações, 7ª Edição, Coimbra Editora, 2010, p.357, nota 1, o que pode, por isso, gerar injustiças para os lesados, a beliscar a certeza e segurança jurídicas, fins sempre tidos em vista na aplicação da justiça.
Como afirma Dário Martins de Almeida (40), “pretende-se encontrar somente aquilo que, no caso concreto, pode ser a solução mais justa; a equidade está assim limitada sempre pelos imperativos da justiça real (a justiça ajustada às circunstâncias), em oposição à justiça meramente formal. Por isso se entende que a equidade é sempre uma forma de justiça. …A equidade é, pois, a expressão da justiça num dado caso concreto”. Como é sabido, a satisfação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, visto não ser um equivalente do dano, tratando-se antes de atribuir ao lesado uma satisfação ou compensação que não é suscetível de equivalente (41). “É, assim, razoável que no seu cálculo, se tenham em atenção, além da natureza e intensidade do dano causado, as outras circunstâncias do caso concreto que a equidade aconselha sejam tomadas em consideração e, em especial, a situação patrimonial das partes e o grau de culpa do lesante” (42).
E a indemnização por danos não patrimoniais tem em vista compensar de alguma forma o lesado pelos sofrimentos e inibições que sofrera em consequência do evento danoso, compensação que só será alcançada se a indemnização for adequada e significativa do ponto de vista financeiro e não meramente simbólica.
Tal compensação deve “ser proporcionada à gravidade do dano, tomando-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida” (43). E para haver uma efetiva compensação têm de ser ponderados os danos suportados e a suportar, já que os mesmos, necessariamente, se irão prolongar no tempo.
A lei ao, através da remissão feita no art. 496°, n°4 “para as circunstâncias mencionadas no art. 494°, ter mandado atender, na fixação da indemnização, quer à culpa, quer à situação económica do lesante, revela que ela não aderiu, estritamente, à tese segundo a qual a indemnização se destinaria nestes casos a proporcionar ao lesado, de acordo com o seu teor de vida, os meios económicos necessários para satisfazer ou compensar com os prazeres da vida os desgostos, os sofrimentos ou as inibições que sofrera por virtude da lesão. Mas também a circunstância de se mandar atender à situação económica do lesado, ao lado da do lesante, mostra que a indemnização não reveste, aos olhos da lei, um puro carácter sancionatório" (44).

Como se refere no Acórdão de 18/12/2017, Processo nº 397.12.5TBAMR.G1, deste Tribunal e Secção, em que a ora relatora foi adjunta, “nestas hipóteses, e conforme é posição pacífica da doutrina e da jurisprudência, o que está em causa é a fixação de um benefício material/pecuniário (único possível) que se traduza, pelas utilidades, prazeres ou distrações que proporciona – porventura, de ordem espiritual –, numa compensação ou atenuação pelos bens imateriais antes referidos da pessoa humana (o lesado), atingidos pelo evento.
Nesta conformidade, a compensação dos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, não pode – por definição – ser feita através da teoria ou fórmula da diferença prevista no art. 566º, n.º 2, do C. Civil.
Ao invés, o montante da indemnização, nos termos do disposto no arts. 496º, n.º 4 e 494º do Cód. Civil, deverá ser fixado equitativamente pelo tribunal, que atenderá ao grau de culpa do lesante, à situação económica do lesante e do lesado, às demais circunstâncias do caso, nomeadamente, por assim o imporem os princípios da proporcionalidade e igualdade, aos critérios e valores usualmente acolhidos na jurisprudência em casos similares. (45)
Com efeito, como se refere no citado Ac. STJ de 18.06.2015, (46)não podendo apurar-se o valor exacto de tais danos, atenta a sua natureza, o respectivo montante deverá ser fixado pelo tribunal segundo critérios de equidade (…), fazendo apelo a todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida (…) e tendo em atenção a extensão e gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso (artigos 496º, n.º 3, 1ª parte e 494º do Código Civil).” (sublinhado nosso).
E, ainda, prossegue o referido douto aresto, “nos parâmetros gerais a ter em conta considerou o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 19 de Abril de 2012 (proc. n.º 3046/09.0TBFIG.S1, acessível em www.dgsi.pt) serem ainda de destacar a nossa inserção no espaço político, jurídico, social e económico correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496º, traduzir uma efectiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar.” (sublinhado nosso).

No entanto, como se adverte no Ac. STJ de 17.12.2015 (47) (e nos variadíssimos arestos ali elencados), a utilização de critérios de equidade não deve impedir que se tenham em conta as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias de cada caso concreto.

Por outro lado, ainda, é de referir que, conforme se colhe da mesma jurisprudência do Supremo, o recurso à equidade não pode, nem deve conduzir à arbitrariedade, não devendo os tribunais “…contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito civil que a afirmação destes vectores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha recta à efectiva concretização do princípio da igualdade consagrado no art. 13º da Constituição.(48)

Por último, é ainda de referir, nesta sede, que à obrigação indemnizatória, a título de danos não patrimoniais, se deve reconhecer, não só um papel de reparação ou compensação, mas também um papel de censura ou punitivo do agente do facto lesivo.
Com efeito, como se refere no Ac. STJ de 30.10.96, BMJ 460, pág. 444 (citado no Ac. STJ de 26.01.2016, relator Fonseca Ramos, já citado), “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização tem uma natureza acentuadamente mista, pois visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada, não lhe sendo, porém, estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.
Está-se, pois, aqui perante uma indemnização com natureza não estritamente reparadora, mas também sancionatória, devendo considerar-se o grau de culpa do agente uma vez que o sofrimento ou desgosto do lesado é o reflexo dele.

Como se refere no Acórdão do STJ de 19/5/2009, Processo 298/06.0TBSJM.S1“realçando a componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais pronunciam-se, no seu ensino, os tratadistas.

Menezes Cordeiro “Direito das Obrigações”, 2° vol, p. 288 ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”.

Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, 387, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”.

Menezes Leitão realça a índole ressarcitória/punitiva, da reparação por danos morais quando escreve: “assumindo-se como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante” – “Direito das Obrigações”, vol. I, 299.

Pinto Monteiro, de igual modo, sustenta que, a obrigação de indemnizar é “uma sanção pelo dano provocado”, um “castigo”, uma “pena para o lesante” – cfr. “Sobre a Reparação dos Danos Morais”, RPDC, n°l, 1° ano, Setembro, 1992, p. 21”.

O quantitativo da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais terá de ser calculado, sempre, “segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização”, “aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, as flutuações de valor da moeda, etc.”.

Também no Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, se refere Como ensina o Sr. Prof. Antunes Varela, e como vem sendo seguido pela jurisprudência dos nossos tribunais, o juízo de equidade requer do julgador que tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida», sem esquecer que sobredita “indemnização” tem natureza mista, já que visa não só compensar o dano sofrido, mas também reprovar, de algum modo, a conduta lesiva (49).
Com efeito, ante a imaterialidade dos interesses em jogo, a indemnização dos danos não patrimoniais não pode ter por escopo a sua reparação económica. Visa sim, por um lado, compensar o lesado pelo dano sofrido, em termos de lhes proporcionar uma quantia pecuniária que permita satisfazer interesses que apaguem ou atenuem o sofrimento causado pela lesão; e, por outro lado, servir para sancionar a conduta do agente. Todavia, no critério a adotar, não se devem perder de vista os padrões indemnizatórios decorrentes da prática jurisprudencial, procurando - até por uma questão de justiça relativa - uma aplicação tendencialmente uniformizadora ainda que evolutiva do direito, como aliás impõe o n.º 3 do artigo 8.º do CC.
Para tal efeito, são relevantes, além do mais: a natureza, multiplicidade e diversidade das lesões sofridas; as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos e medicamentosos a que o lesado teve de se submeter; os dias de internamento e o período de doença; a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, se o houver" (50).

Analisando a prática dos tribunais, constatamos que os quantitativos indemnizatórios, que antes eram quase simbólicos, têm vindo progressivamente a subir nos últimos anos.
In casu, foi violada a integridade física da Autora, que viu o acidente causar-lhe danos corporais - que lhes deixaram sequelas permanentes - e, como tais, merecedores da tutela do direito.
Face aos factos que resultaram provados, vejamos qual a indemnização a atribuir pelos danos em causa.
Visto o enquadramento jurídico da questão e subsumindo o direito aos factos verifica-se que a autora não teve qualquer culpa na ocorrência do acidente em causa, embora tivesse contribuído para o agravamento dos danos (por não ter o cinto de segurança colocado. Antes o mesmo se deveu a culpa dos condutores dos três veículo intervenientes no acidente, que infringiram as regras estradais.

Demonstrou-se, com relevância para a determinação do quantum da indemnização pelos danos não patrimoniais a atribuir à Autora que:

- em consequência do embate, a autora foi projetada para o chão, embatendo com a região occipital;
- em resultado do embate, a autora sofreu traumatismo cranioencefálico e traumatismos menores nas regiões cervical, dorsal e parede torácica;
- após o embate, a autora foi transportada, de ambulância, para a Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde lhe foram prestados os primeiros socorros no respetivo Serviço de Urgência e foi submetida a TAC CE e aplicado um colar cervical, onde se manteve internada durante um dia e uma noite, após o que foi transferida de ambulância para o Hospital de Braga, onde realizou novamente TAC CE e esteve internada durante um período de tempo de dois dias;
- regressou novamente à Unidade de Saúde do Alto Minho, EPE, de Viana do Castelo, onde esteve internada mais uma semana, finda a qual obteve alta hospitalar e regressou ao domicílio e aí permaneceu em convalescença no leito pelo período de duas semanas;
- a autora viu-se na necessidade de tomar medicação analgésica e anti-inflamatória e sofreu dores e incómodos inerentes aos períodos de internamento, acamamento, ao uso do colar cervical e tratamentos a que teve de se sujeitar;
- no momento do embate e nos instantes que o precederam, a autora sofreu um enorme susto;
- a data da consolidação das sequelas sofridas pela autora ocorreu em 28.08.2013;
- em virtude do embate e das lesões sofridas, a autora apresenta agravamento ligeiro do anterior quadro psiquiátrico (humor depressivo);
- as lesões sofridas pela autora determinaram um período de défice funcional temporário total fixável em 11 dias; a um período de défice funcional temporário parcial fixável em 92 dias e a um período de repercussão temporária na actividade profissional total fixável em 103 dias;
- ainda em consequência do embate e das lesões sofridas, a autora padece de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 4 pontos, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da atividade habitual;
- e sofreu um quantum doloris no grau 3, numa escala de 1/7.

Ora, perante o anteriormente referido circunstancialismo fáctico, a atender e tendo em conta, designadamente, a idade da autora à data do acidente, a experiência traumática e perturbadora que sofreu, a natureza, a gravidade e a extensão das lesões, os períodos de convalescença e os tratamentos a que teve de se submeter, o quantum doloris de grau 3/7, a circunstância de não ter colocado o cinto de segurança, não tendo qualquer culpa na eclosão do acidente, antes o mesmo se deveu a culpa dos condutores dos veículos (mas tendo contribuído para o agravamento dos danos), e ponderando os casos similares e os valores arbitrados pela nossa jurisprudência (51), afigura-se-nos equitativamente adequada e equilibrada, a indemnização fixada pelo tribunal a quo no valor de 8.500,00 €, para a reparação dos danos não patrimoniais por ela sofridos, deduzida dos 15% da contribuição da lesada para o agravamento dos danos.
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Diga-se, ainda, quanto aos valores fixados, que o juízo de equidade da 1ª instância, “essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida - se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade” (52), pelo que sempre os montantes indemnizatórios, por inteiramente conformes ao referido, devem ser mantidos.

Assim, fixada a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade, o que manifestamente, não sucede no caso. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida.
Improcedem, pois, as conclusões das apelações, não ocorrendo a violação de qualquer normativos invocados pelos apelantes.
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IV. DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar as apelações improcedentes, mantendo o decidido pelo Tribunal a quo.
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Custas de cada um dos recursos por cada um dos respetivos apelantes – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.
Guimarães, 15 de fevereiro de 2018

(Dr. Eugénia Marinho da Cunha)
(Dr. José Manuel Alves Flores)
(Dr. Sandra Melo)


1. Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha; 1º Adjunto: José Manuel Alves Flores; 2ª Adjunta: Sandra Maria Vieira Melo
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, Almedina, págs 155-156
3. Ibidem, pág. 153.
4. Ibidem, págs 155, 156 e 159.
5. Acórdãos Relação de Coimbra de 3 de Outubro de 2000 e 3 de Junho de 2003, CJ, anos XXV, 4º, pág. 28 e XXVIII 3º, pág 26
6. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 348.
7. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, vol II, pag.635.
8. Acórdão da Relação do Porto de 19/9/2000, CJ, 2000, 4º, 186 e Apelação Processo nº 5453/06.3
9. Acórdão do STJ, de 10.3.1998, BMJ 475, pág 635.
10. José de Sousa Dinis, Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 29 e seg
11. Acórdão do S.T.J. de 21/11/79, BMJ. nº 291, pág. 480.
12. Acórdão do STJ de 18/12/2007 Processo 07B3715, in dgsi.net
13. Galvão de Teles, "Direito das Obrigações", 6ª ed., pág. 373.
14. Acórdão do S.T.J. de 4/3/80, RLJ, 114º- 317.
15. Acórdão do S.T.J de 23/5/78, BMJ nº 277; pág. 258
16. Pires de Lima e A. Varela (Cód. Civil Anotado, I, pág. 580)
17. Acórdão do STJ de 18/12/2007, Processo 07B3715, in dgsi.net
18. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, vol. I, 9ª ed., Almedina, pag 936.
19. Idem, págs 936 e 937
20. Cfr. Ac. STJ de 20.11.2014, proc. n.º 5572/05.0TVLSB.L1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 04.06.2015, proc. n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza; Ac. STJ de 21.01.2016, proc. n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 26.01.2016, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; Ac. STJ de 07.04.2016, proc. n.º 237/13.2.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 02.06.2016, proc. n.º 2603/10.6TVLSB.L1.S1, relator Tomé Gomes; Ac. STJ de 16.06.2016, proc. n.º 1364/06.8TBBCL.G1.S2, relator Tomé Gomes; Ac STJ de 10.11.2016, proc. n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, relator Lopes do Rego; Ac. STJ de 14.12.2016, proc. n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 26.01.2017, proc. n.º 1862/13.7TBGDM.P1.S1, relator Oliveira Vasconcelos; Ac. STJ de 16.03.2017, proc. n.º 294/07.0TBPCV.C1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; Ac. STJ de 25.05.2017, proc. n.º 2028/12.9TBVCT.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
21. Cfr. Acs. STJ de 4/2/93, in AC STJ, I, 129; 5/5/94 in, AC STJ, II, 86; de 28/9/95, in AC STJ, III, 36; de 15/12/98, in AC STJ, 111, 155.
22. Joaquim José de Sousa Dinis, “Avaliação e reparação do dano patrimonial e não patrimonial (No domínio do direito Civil), Julgar, pag 38 e seg
23. Vide, neste sentido, Ac. STJ de 07.06.2011 e de 04.06.2015, ibidem, e Ac. STJ de 16.01.2014, proc. n.º 1269/06.2TBBCL.G1.S1; e Ac. STJ de 07.05.2014, proc. n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
24. Vide, neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2012, relatado por Sérgio Poças, no processo nº 184/04.9TBARC.P2.S1, acessível in dgsi.net.
25. Acórdão do STJ de 05 de julho de 2007, no processo n°07A1734, relatado por Nuno Carneira
26. Vide, a este propósito, as doutas considerações do ac. do STJ, de 21-03-2013, relatado por Salazar Casanova, no processo n.º 565/10.9TBVL.S1, acessível na Internet - http://www. dgsi.pt/jstj.
[2] Entre muitos outros, vide, a título de exemplo, o ac. do STJ, de 7-6-2011, relatado por Granja da Fonseca, no âmbito do processo 160/2002.P1.S1, publicado na Internet, http://www.dgsi.pt/jstj.
[3] Relatado por Lopes do Rego, disponível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in dgsi.net

27. Acórdão do STJ de 19/5/2009 Processo 298/06.0TBSJM.S1, in dgsi.net
28. Acórdão do STJ de 19/5/2009 Processo 298/06.0TBSJM.S1, in dgsi.net

29. Acórdão do STJ 10/11/2016, Processo 175/05.2TBPSR.E2.S1,in dgsi.net
30. Vide, in dgsi.net, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente: - Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, cujo relator foi Manuel Tomé Soares Gomes, onde se refere e decidiu “No que aqui interessa, da factualidade provada acima consignada destaca-se, quanto ao 1.º A. AA, em especial, que: i) - Em consequência das lesões sofridas e com vista à realização de exames, tratamentos e cirurgias, o 1.º A. esteve internado pelo menos 112 dias – ponto 1.43; ii) - O dano estético situa-se no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente – ponto 1.44.; iii) - O prejuízo de afirmação pessoal situa-se, no mínimo, no grau 4, numa escala de cinco graus de gravidade crescente – ponto 1.45 iv) - Andou 2/3 meses de cadeira de rodas, e alguns meses de canadianas – ponto 1.46; v) -Era uma pessoa saudável e com muita alegria de viver; gostava muito de andar de bicicleta, ir à pesca e dar passeios pela natureza, o que fazia com regularidade – ponto 1.47;vi) –Das lesões sofridas no acidente resultou para o 1.º A. ereções mais lentas e não tão rígidas como as que tinha antes do acidente, ficando portador de uma repercussão permanente na atividade sexual fixável no grau 3, numa escala de 7 graus de gravidade crescente - ponto 1.49; vii) - O sofrimento físico e psíquico por ele vivido, durante o período de incapacidade temporária, corresponde a um quantum doloris de grau 7, também numa escala de sete graus de gravidade crescente – ponto 1.65.Neste quadro, importa ponderar a repercussão das lesões sofridas pelo 1.º A. no domínio da sua atividade sexual que, no acórdão recorrido, foram tidas em conta em sede do dano biológico. Além disso, há também que ter em conta o facto de a produção do acidente ser imputável a culpa exclusiva, comprovada, do condutor do veículo objeto do seguro firmado junto da R., mais precisamente por conduzir com velocidade excessiva. Assim, atendendo aos diversos tratamentos a que o 1.º A. teve de se submeter, ao tempo em que se encontrou impossibilitado de trabalhar, com as preocupações que lhe são inerentes e ainda ao facto de a produção do acidente ser imputável exclusivamente à conduta culposa do condutor do veículo SS, tem-se por adequada uma compensação de € 60.000,00 (sessenta mil euros), tida como atualizada à data da sentença da 1.ª instância. Neste quadro, não se pode deixar de sublinhar que, tendo o condutor do veículo causador do acidente sido o exclusivo responsável, a título de culpa provada, pela lastimosa degradação da qualidade de vida do 1.º A., pessoa com 36 de idade, gozando de boa saúde, não se mostra, de modo algum, desproporcionada a compensação ora fixada. 2.5. Conclusão Do acima exposto, conclui-se pela confirmação da condenação da R. a pagar ao 1.º A. AA tanto a quantia de € 36.849,59, a título de danos patrimoniais emergentes, acrescida de juros, à taxa legal, desde a citação, bem como o montante global de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), acrescida dos juros legais, conforme o fixado em 1.ª instância, compreendendo as parcelas de € 100.000,00 (cem mil euros), a título de indemnização pelo dano decorrente do défice de incapacidade funcional de 30%, e de € 60.000,00 (sessenta mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais. - Acórdão do STJ de 7 de junho de 2011, proferido no processo nº 160/2002.P1.S1, relatado por Granja da Fonseca e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2000, com vinte e seis anos de idade, à data do sinistro, sócio gerente de uma sociedade, com um rendimento bruto anual de 960.000$00, afetado de uma incapacidade permanente geral de 16 %, sendo as sequelas compatíveis com o exercício da sua atividade profissional, mas com esforços suplementares, negando-se revista, manteve-se a indemnização de € 23.000,00, considerando-se a mesma exígua;. - Acórdão do STJ de 17 de maio de 2011, relatado por Gregório de Jesus e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2003, com trinta e seis anos de idade, à data do sinistro, que auferia € 510,00 líquidos por mês, tendo ficado afetado de uma incapacidade parcial genérica de 15 %, futuramente acrescida de 5 % tendo-se negado revista confirmando a indemnização de € 31.500,00 arbitrada pelas instâncias, a titulo de dano biológico;
31. - Acórdão do STJ de 21 de março de 2013, proferido no processo nº 565/10.9TBVPL.S1, relatado por Salazar Casanova e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2009, afetado de uma incapacidade parcial permanente de 15 %, sem reflexos nos ganhos laborais, com um rendimento bruto anual de € 17.575,00, tendo-se considerado adequada a indemnização por danos patrimoniais futuros no montante de € 60.000,00. - Acórdão do STJ de 07 de junho de 2011, proferido no processo nº 3042/06.9TBPNF.P1.S1, relatado por Lopes do Rego e referente a um lesado em acidente ocorrido em 2004, com trinta e um anos de idade, à data do sinistro, economista com elevada qualificação profissional e expectativas de ascensão na carreira, com um rendimento mensal ilíquido de € 2.200,00, afetado de incapacidade parcial genérica de 29,55 %, com agravamento previsto de mais 10%, atribuindo-se a indemnização por danos patrimoniais futuros de € 225.000,00. -Acórdão do STJ de 06 de dezembro de 2011, proferido no processo n° 52/06.0TBVNC.G1.S1, relatado por Lopes do Rego e referente a uma lesada em acidente ocorrido em 2003, com trinta e dois anos de idade, à data do sinistro, inativa nessa data, mas tencionando ingressar no mercado laboral como empregada fabril, afetada de uma incapacidade permanente geral de € 20 %, acrescida de um previsível agravamento futuro de mais 10 %, tendo-se fixado a indemnização por danos patrimoniais futuros em € 60.000,00.
32. Antunes Varela, Das Obrigações em geral, 6ª ed., l°, pág .571.
33. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 14ª edição, Almedina, págs. 328.
34. Antunes Varela, Idem, p. 600
35. Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, 1º vol., 2017, Almedina, pág 648
36. Luís Menezes Leitão, Ibidem, pág. 330.
37. Idem, pág 331
38. Acórdão da Relação do Porto, Processo 108/08.4TBMCN.P1 de 8/7/2010, in www.dgsi.pt
39. Ana Prata (Coord.), idem, pág 644
40. Dário Martins de Almeida, Manual de Acidentes de Viação, 2ª ed., Almedina. pág 73/74.
41. Em sentido contrário, Ana Prata (Coord.), idem, pág 647, Diversamente do que por vezes se lê, os danos não patrimoniais são suscetíveis de avaliação pecuniária, pois são objeto de indemnização e esta é em dinheiro na esmagadora maioria dos casos. Os interesses lesados, esses sim, é que são não patrimoniais.
42. Vaz Serra, RLJ, Ano 113º, p. 104.
43. P. Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, Vol. 1, Coimbra, p. 501
44. Antunes Varela, ibidem p. 607 e segs.
45. Vide, neste sentido, Ac. STJ de 04.06.2015, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, já citado; e Ac. STJ de 26.01.2016, proc. n.º 2185/04.8TBOER.L1.S1, relator Fonseca Ramos; Ac. STJ de 28.01.2016, proc. n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; ou, ainda, Ac. STJ de 18.06.2015, proc. n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
46. Proc. n.º 2567/09.9TBABF.E1.S1, relatora Fernanda Isabel Pereira, acessível em www.dgsi.pt.
47. Proc. n.º 3558/04.1TBSTB.E1.S1, relatora Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, acessível em www.dgsi.pt.
48. Vide, ainda, neste sentido, Ac. STJ de 07.04.2016, proc. n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1, relatora Maria da Graça Trigo; e Ac. STJ de 18.06.2015, já citado, e, ainda, Ac. STJ de 31.01.2012, proc.n.º 875/05.7TBILLH.C1.S1, relator Nuno Cameira, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
49. [4] Vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. 1.º, 10.ª Edição, Almedina, pag. 605, nota 4.
50. Acórdão do STJ de 13/7/2017, Processo 3214/11.4TBVIS.C1.S1, in dgsi.net
51. Cfr., in dgsi.net, entre outros: - Ac. STJ de 24.4.2013, Processo 198/06TBPMS.C1.S1, em que a lesada é mulher de 51 anos, cujos danos não patrimoniais foram mais gravosos que os dos autores neste processo, em que se fixou uma indemnização por tais danos no valor de € 40.000,00 nele se referindo-se “A indemnização por danos não patrimoniais sem embargo da função punitiva que outrossim reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral. II - Tal indemnização deve, ainda, englobar, nomeadamente, os prejuízos estéticos, os sociais, os derivados da não possibilidade de desenvolvimento de actividades agradáveis e outros. III - A sua fixação não deve ser simbólica, miserabilista, ou arbitrária, mas nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no art. 494.º do CC. IV- Se a lesada, com 51 anos à data do sinistro (29-08-2005), gozava de boa saúde, era bem humorada, equilibrada, saudável, alegre e trabalhadora, e em consequência do mesmo sofreu graves lesões (fractura do fémur reduzida com placa e parafusos de osteossíntese, que ainda hoje mantém, e lesão traumática do menisco externo do joelho esquerdo), que lhe impuseram a efectivação de duas intervenções cirúrgicas, com internamento por 8 dias, sendo seguida em consultas até 3-06-2006, andando com duas canadianas até Fevereiro de 2006, e uma até Maio do mesmo ano e viu a sua qualidade de vida afectada de forma irreversível (sofreu 90 dias de ITA e 189 de ITP, tem dificuldade em subir e descer escadas, falta de força no membro inferior esquerdo, dor no compartimento interno do joelho esquerdo, com atrofia muscular da coxa esquerda em 3 cms, não podendo andar muito, nem fazer as caminhadas que fazia, ou andar de bicicleta, sente dores na perna e coxeando, tornou-se impaciente, evitando sair de casa, onde faz as tarefas domésticas com acrescido esforço e ajuda de terceiros, e sentindo-se deprimida e triste com a situação), tem-se como equitativa a compensação de € 40 000, ao invés dos € 20 000, fixados na Relação”. - Acórdão do STJ de 19/5/2009, Processo 298/06.0TBSJM.S1, cujo relator foi Fonseca Ramos em que fixou no mesmo montante, de 40.000,00€, a indemnização por danos não patrimoniais à lesada num caso também com mais gravidade, tendo a Autora 57 anos de idade. - Acórdão do STJ de 22/2/2017, Processo 5808/12.1TBALM.L1.S1, cujo relator foi Lopes do Rego, que considerou não ser desproporcionada à gravidade objetiva e subjetiva das lesões sofridas por lesado em acidente de viação o montante de €25.000,00, atribuído como compensação dos danos não patrimoniais, num caso caracterizado pela existência, em lesado de 27 anos de idade, de fractura de membro inferior, implicando a realização de cirurgia com permanência de material de osteossíntese, incapacidade ao longo de 8 meses e fortes dores.
52. Acórdão do STJ de 29/6/2017, processo 976/12.5TBBCL.G1.S1, in dgsi.net, cujo relator foi Lopes do Rego Cfr, ainda, neste sentido, Ac. do STJ de 26/5/2015, Processo 2607/11;Sumários, Maio/2015, pag 51, citado por Abílio Neto, Código Civil Anotado, 19ª Edição, 2016, Ediforum, pag 545.