Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1168/16.0T8GMR-A.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS MELO
Descritores: LIVRANÇA
MÚTUO
QUOTAS DE AMORTIZAÇÃO
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - No âmbito das relações imediatas, é lícito ao signatário cambiário invocar as excepções peremptórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção.

II - Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310.º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I - Relatório:

Por apenso à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a sociedade Banco A, S.A., com sede na …, Lisboa, veio o executado Manuel, residente na Rua …, Caldas de Vizela, deduzir oposição à execução mediante os presentes embargos de executado.
Para tanto alegou, em síntese e para além da ilegitimidade activa, a prescrição e a inexigibilidade da obrigação.
Arguiu que ao presente contrato é aplicável a prescrição mencionada no art.º 310.º, alínea e), do C. Civil quer quanto ao capital exequendo, quer quanto aos juros.
Expôs que a obrigação é inexigível uma vez que, ainda que a mesma se encontre qualitativamente determinada e seja liquidável mediante simples cálculo aritmético, o certo é que a mesma não depende de mera interpelação, devendo ser comunicado o respectivo incumprimento e preenchimento pacto de preenchimento do título cambiário, sendo que jamais tal ocorreu.
Concluiu nada dever à exequente, pugnando pela absolvição da acção executiva.
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Notificada dos embargos de executado, a embargada veio deduzir contestação, impugnando toda a factualidade vertida pelo embargante/executado.
Arguiu, em síntese, que, quanto à prescrição, o título dado à execução é uma livrança e não o contrato que lhe esteve subjacente, pelo que a norma aplicável é o art.º 70.º da L.U.L.L., ex vi do art.º 77.º, e não o invocado art.º 310.º do C. Civil.
Relatou que o título executivo sub judice venceu-se em 27 de Novembro de 2015 tendo sido intentado o requerimento executivo em 18 de Fevereiro de 2016, pelo que a obrigação exequenda não se encontra prescrita.
Mais arguiu que a suposta prescrição do direito de crédito consubstancia a alegação de uma excepção de preenchimento abusivo do título de crédito, sendo que, configurando uma excepção do direito material, a sua alegação e prova cumpre ao embargante, por força do n.º 2 do art.º 342º do C. Civil, sendo que este nada alegou nem provou nesse sentido.
Descreveu a relação subjacente ao título executivo, sendo que a prescrição da mesma, por cumprimento do pacto de preenchimento, é de 20 anos – cfr. art.º 309.º do C. Civil.
Expôs, ainda, que o art.º 310.º do C. Civil não é aplicável ao contrato subjacente à livrança dada à execução, uma vez que a obrigação que incumbia ao executado teria de ser efectuada em prestações fraccionadas ou repartidas, estando o capital mutuado desde logo fixado. Pelo contrário, o art.º 310.º do C. Civil aplica-se apenas às prestações periodicamente renováveis, cujo montante global não poderá ser inicialmente fixado, sendo que o número de prestações será determinado pelo decurso do tempo.
Pugnou, ainda, que, ao contrário das prestações periódicas, às prestações fraccionadas aplica-se o disposto no art.º 781.º do C. Civil, isto é, o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas, sendo aplicável o prazo ordinário.
Alegou também que a prescrição só se iniciaria a partir da denúncia do contrato, a qual ocorreu aos 4 de Novembro de 2015, pelo que nenhuma parcela se encontra prescrita, tanto mais que o embargante, aos 25-03-2015, solicitou que lhe fosse informado o montante em dívida relativamente ao contrato em apreço, renunciando, desse modo, ao direito de invocar a prescrição do direito de crédito, nos termos do disposto no art.º 302.º do Código Civil.
No que concerne à inexigibilidade da obrigação, arguiu que o embargante foi devidamente interpelado da denúncia do contrato e do preenchimento da livrança, na morada contratualizada.
Concluiu pugnando pela improcedência dos embargos de executado.
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O embargante impugnou todos os documentos juntos pela embragada, esclarecendo que já não residia na morada constante da interpelação.
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Em resposta, a embragada veio, expor, em síntese, que nunca foi realizada a alteração da morada nos termos fixados no contrato.
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Convidada a embargada a explicitar a data de incumprimento do contrato subjacente ao título executivo, aquela veio esclarecer que tal se verificou a partir de 02-04-2008, sendo que em 22-09-2009 houve uma amortização de capital e juros.
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Notificado o embargante da data do incumprimento e convidado a explicitar a afirmação de que nada deve à exequente/embargada, o mesmo manteve tudo quanto ao exposto na petição de embargos de executado.
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Em sede de saneamento dos autos, foi a excepção de ilegitimidade deduzida pela embargante julgada improcedente, tendo os autos prosseguido com a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente os embargos de executado intentados por Manuel contra a sociedade Banco A.
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II-Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida, veio o embargante interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1. Ocorre manifesto lapso de escrita na sentença recorrida quanto ao vertido na factual idade dada por não provada ao dar por não provado que o "embargante haja recepcionado o escrito mencionado em f).
2. Do vertido nas alíneas e), f) e g) da factual idade provada conjugado com o vertido na análise crítica da prova depreende-se que o que se pretendia dizer na sentença era que não resultou provado que o "embargante haja recepcionado o escrito mencionado em e).
3. Pelo que, impõe-se, salvo melhor opinião, a rectificação do erro material acima identificado, passando a constar da factual idade não provada que resultou não provada a seguinte factual idade: "embargante haja recepcionado o escrito mencionado em e).

Isto posto
4. Considera a sentença recorrida que não haver possibilidade de pronunciar-se quanto à análise da prescrição da obrigação subjacente, em virtude de o embargante não ter alegado e, muito menos, provado o preenchimento abusivo da livrança que titula a presente execução.
5. Entende o recorrente que contrariamente ao decidido e uma vez que estamos no âmbito das relações imediatas e não tendo a livrança entrado em circulação, quanto à mesma não valem os princípios cambiários da autonomia, literalidade e abstracção, podendo lançar-se mão das excepções que venham a existir nas relações pessoais dos sujeitos obrigados na convenção extracartular.
6. Com efeito, estamos no âmbito das relações imediatas entre sujeitos da relação cartular, sendo nessa medida legítima a livre discussão das vicissitudes relacionadas com a emissão do título e com a respectiva relação subjacente.
7. Pelo que, salvo melhor entendimento, não necessitava - nem se alcança como necessitaria de o fazer, nem tal se encontra devidamente fundamentado e explanado - o embargante/recorrente de ter invocado e provado o preenchimento abusivo da livrança, pois estando no âmbito das relações imediatas, podem ser invocados todos e quaisquer factos impeditivos, modificativos, extintivos do direito emergente da relação subjacente como é o caso da invocada prescrição ao abrigo do regime previsto no artigo 310.0 do Código Civil.
8. Consequentemente, não está correcta a interpretação feita dos factos pelo meritíssimo juiz do tribunal a quo, porquanto aquele, na nossa modesta opinião, deveria ter-se pronunciado sobre a invocada prescrição.

Sem prescindir
9. No caso dos autos estamos perante prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e que correspondem à utilização de um capital a prazo, isto é, perante uma prestação renovável consecutivamente, não determinada pelo seu montante total, mas pelo quantum atinente a cada período de utilização reiterada.
10. Na verdade, é evidente que, no caso dos autos, qualquer das prestações periódicas emergentes do contrato de crédito ao consumo a que o embargante/recorrente estava obrigado, integram uma componente de capital e ou outra de juros, a pagar conjuntamente, sendo, todavia, todas elas obrigações distintas, embora alicerçadas num único e mesmo vínculo contratual.
11. Lançando mão da factualidade dada por provada, conjugada, ao abrigo do disposto no artigo 607.° n.º 4 do NCPC, com o teor do documento n.º 4 apresentado pela exequente/embargada na contestação, julga-se estar, in casu, não perante uma obrigação unitária, de prestação fraccionada, mas antes prestações periódicas renováveis, que se prolongam no tempo e correspondem à utilização de um capital a prazo.
12. Por força do contrato de crédito ao consumo celebrado entre as partes ­executados e exequente - foi acordado o pagamento do montante mutuado em 60 prestações/mensalidades (cinco anos), devendo, consequentemente, a última mensalidade ser paga em Abril de 2009, tendo os executados deixado de cumprir com o pagamento em 02/04/2008.
13. Porém, só em 4 de Novembro de 2015 vem a exequente denunciar o contrato e comunicar que iria preencher a livrança, agindo em momento em que o plano acordado há muito se encontrava já esgotado - ipso facto - não havendo, naquele momento (Novembro de 2015), sequer lugar a prestações vincendas, porque todas as inicialmente fixadas se encontravam já vencidas por natureza.
14. No entendimento de Ana Filipa Morais Antunes (op. cit) estão contempladas na previsão normativa do artigo 310.° alínea e) do Código Civil direitos que têm por objecto prestações periódicas, valendo o prazo de cinco anos para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo.
15. Na opinião da mencionada autora, a alínea e) do artigo 310.° do Código Civil é aplicável "sempre que se tenha estipulado o pagamento do capital em prestações, com juros', isto é, "a previsão normativa é aplicável às prestações de capital repartidas no tempo, a que se soma juros - a pagar conjuntamente - e que representam quotas correspondentes à amortização do capital e ao rendimento do capital disponibilizado".
16. Também no caso dos autos faz sentido o entendimento de que "o facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em divida".
17. Na alínea e) do artigo 310 o não está em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que deferido no tempo, a que caberia a aplicar um prazo ordinário de prescrição de vinte anos, mas sim, diversas prestações periódicas, o que impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição de curta duração, de cinco anos, que se inicia para cada uma das quotas que se vencer e não para a obrigação no seu todo.
18. "A prescrição é um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, e traduz-se em o direito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrito'.
19. Ora a apelante/exequente veio instaurar a execução depois de decorridos cerca de 8 anos após o não cumprimento pelos executados das primeiras prestações vencidas (em Abril de 2008),e, inclusive, decorridos cerca de 7 anos após o vencimento da última mensalidade acordada (vencida, por força do plano acordado em Abril de 2009).
20. Pelo que, no caso, é aplicável o disposto no artigo 310.0 alínea e).

Acresce que,
21. Entende ainda o recorrente que a sentença proferida pelo tribunal a quo padece de omissão de pronúncia, e consequentemente, é nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º n.º 1 aI. d) do NCPC.
22. Notificado dos documentos oferecidos na contestação veio o embargante, por requerimento datado de 3 de Outubro de 2016, com a ref.ª 23714562, arguir a prescrição quanto aos juros calculados no documento 4 daquele articulado, alegando ser aplicável aos mesmos o disposto no artigo 310.º aI. d), calculados desde 03/04/2008 até 04/11/2015, data da referida missiva.
23. Só com a junção aos autos do identificado documento teve o embargante/recorrente efectivo conhecimento do teor da mesma, pelo que, só então teve a oportunidade de quanto ao mesmo se pronunciar, o que fez, quer impugnando o referido documento, quer invocando a respectiva prescrição quanto aos juros calculados entre 03/04/2008 e 4/11/2015, alegando a aplicabilidade do regime previsto no artigo 310.º alínea d) do Código Civil.
24. Porém, verifica-se total omissão de pronúncia, por parte do tribunal à quo, quanto à invocada excepção, nem nada consta, da sentença recorrida quanto ao facto de tal questão ficar prejudicada pela solução dada a outra.
Caso assim não se entenda, o que não se admite mas por mera hipótese académica se concede,
25. Quanto à inexigibilidade da dívida, suscitada em sede de oposição, e que veio a ser julgada improcedente, dir-se-á que não resultou provado, nestes autos, como incumbia à exequente, que o embargante houvesse recepcionado o escrito mencionado em e) da factual idade dada por provada - comunicação de denuncia do contrato e pacto de preenchimento da livrança.
26. Como não o fez, melhor, como não o provou, e na senda do que vem sendo acolhido pela jurisprudência que perfilha a posição adoptada pelo tribunal a quo, é como se a livrança para o embargante só se tivesse vencido aquando da citação que lhe foi feita para a execução, ou seja, após 18/04/2016 (data da citação), pelo que, só a partir de então é que a quantia nela inscrita passa a vencer juros quanto a si.
27. Assim, para o caso de não se vir a acolher a prescrição da relação subjacente ao abrigo do regime previsto no artigo 310.0 do Código Civil e adoptando o tribunal ad quem a posição perfilhada pela pelo tribunal a quo, o que, mais uma vez se reitera, não se admite mas por mera hipótese académica se acautela, deverá, a nosso ver, a sentença proferida acautelar o agravamento da dívida a partir do vencimento dela e, em consequência, admitir os juros se vençam, quanto ao embargante, apenas e só a partir da sua citação. 28. Concluindo e atento tudo o supra vertido, deveria o tribunal a quo, contrariamente à posição por si tomada, ter pugnado pela análise da prescrição da relação subjacente e, em consequência decidido pela aplicação do regime previsto no artigo 310.º alínea e) do Código Civil.
29. Incorreu a sentença recorrida na errada interpretação das normas constantes do artigo 17.º LULL e 310.º do Código Civil.
30. Violou, consequentemente, o tribunal a quo as referidas normas substantivas, bem como o artigo 615.º n.º 1 alínea d) do Código Processo Civil.
Deve a decisão recorrida ser revogada, em conformidade com tudo o supra alegado, e em consequência, ser substituída por outra que julgue verificada a excepção de prescrição invocada e, julgar, assim, procedentes os embargos de executado, absolvendo-se o recorrente do pedido.

Assim fazendo, Farão, V/Exas. Acostada e Sã Justiça!
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A Embargada/Recorrida apresentou as suas contra alegações, em que formulou as seguintes conclusões:

1. A douta sentença recorrida deve ser mantida uma vez que nela se faz adequada interpretação dos factos e correta aplicação do direito.
a) Da alegada prescrição da relação subjacente;
2. A suposta prescrição do direito de crédito do Banco Embargado consubstancia a alegação de uma excepção de preenchimento abusivo do título de crédito.
3. A excepção de preenchimento abusivo, como excepção do direito material que é, deve ser alegada e provada pelo aqui Embargante, por força do n.º 2, do artigo 342.°, do Código Civil.
4. O Recorrente/Embargante não alegou, muito menos provou, o preenchimento abusivo da livrança exequenda.
5. Deste modo, não tendo o Recorrente alegado e, muito menos, provado, a violação de pacto de preenchimento, a excepção de prescrição da obrigação subjacente ao título de crédito deve ser julgada improcedente, como bem decidiu o Tribunal a quo.
6. Além disso, o Banco Embargado/Recorrido preencheu de forma correta e legítima a livrança em apreço e de harmonia com o respectivo pacto de preenchimento, O qual teve o acordo do Embargante, e onde ficou convencionado que o momento e a data de vencimento da livrança seriam preenchidas pelo Banco, de acordo com a sua conveniência.

Sem prescindir, e caso assim não se entenda,
7. Às obrigações contraídas pelo Recorrente perante o Banco Recorrido nunca seria aplicável o prazo de prescrição de 5 anos previsto no art. 310.°, do CC, mas sempre o prazo de prescrição ordinário de 20 anos (artigo 309°, do CC).
8. A obrigação de restituição do capital mutuado encontra-se, por regra, sujeita ao prazo geral ordinário de 20 anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil.
9. O artigo 310.°, do Código Civil, consagra um prazo especial de cinco anos, mais curto, justificado pelo facto de se encontrarem em causa direitos que têm, em geral, por objecto prestações periódicas.
10. In casu, o capital mutuado foi desde logo fixado e a obrigação de restituição do Recorrente era a de pagamento daquele montante, acrescido dos respectivos juros, ou seja, a obrigação do Recorrente era a de restituir a quantia mutuada, acrescida dos respectivos juros.
11. Assim, a obrigação do Recorrente seria efectuada em prestações fraccionadas ou repartidas, isto é, "obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado (…)", conforme escreveu Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol, I, página 94.
12. O artigo 310.° do Código Civil, ao prever um prazo de prescrição reduzido, aplica-se, apenas, às prestações periodicamente renováveis.
13. Acontece que, ao contrário das prestações periódicas, às prestações fraccionadas aplica-se o disposto no artigo 781.° do Código Civil, isto é, o não pagamento de uma prestação implica o vencimento de todas.
14. Aliás, na cláusula 8.ª das condições gerais do escrito aludido em c) estipula-se que "O não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas neste Contrato implicará a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2%, assim como de todas as prestações vincendas, podendo o Banco, para cobrança dos créditos, fazer uso dos direitos decorrentes dos títulos ou garantias que lhe foram prestadas pelo Beneficiário" - tudo cfr. documento de fls. 51 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais (aI. d) dos factos assentes)
15. Isto é, o próprio contrato prevê, no ponto 8 das condições gerais que o não cumprimento de qualquer prestação implica a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros, bem como de todas as prestações vincendas.
16. Assim, in casu, em virtude do Recorrente ter deixado de liquidar as prestações a que se obrigou, deu-se o vencimento antecipado das prestações vincendas, podendo o Banco, em qualquer altura, solicitar o pagamento da totalidade da dívida!
17. No caso dos presentes autos, por aplicação do artigo 781.° do CC, qualquer que fosse o momento do Banco exigir a dívida, este teria sempre o direito de exigir a totalidade da dívida, isto é, tanto as prestações vencidas e não pagas como as prestações vincendas.
18. Verificado o incumprimento e dando-se o vencimento antecipado das prestações vincendas, o capital em dívida, quer decorram 5 anos (por hipotética aplicação do artigo 310.° do CC) , quer decorram 20 anos (por aplicação, como entendemos dever ser, do artigo 309.° do CC), é sempre o mesmo!
19. O que determina que o disposto nas alíneas e) e g) do artigo 310.° do CC não se apliquem à obrigação única contraída pelo Recorrente junto do Banco: o ressarcimento do capital mutuado pelo Banco, acrescido dos respectivos juros.
20. Noutra perspectiva, ainda que se considerasse, hipoteticamente, que às prestações do Recorrente se aplicaria a alínea e) do artigo 310.° do CC, o que não se concede, com o vencimento antecipado das prestações vincendas, deixamos de ter várias prestações e passamos a ter uma prestação global em dívida.
21. Por conseguinte, tendo o Banco denunciado o presente contrato de financiamento subjacente à livrança exequenda, por carta de 4 de Novembro de 2015 (cfr. doc. 4 da contestação e alínea e) dos factos provados), a obrigação de ressarcimento do capital mutuado, acrescido dos respectivos juros, inscrita na livrança dada à execução, fica sujeita ao prazo de prescrição ordinário de 20 anos.
22. Assim, também por esta razão, bem se vê que as alíneas d), e) e g) do artigo 310.° do CC, não podem ser aplicadas ao crédito exequendo.
23. Face ao supra exposto, deverá ser aplicado o prazo geral de prescrição de 20 anos, previsto no artigo 309.° do CC.
24. Veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 16-03-2017, processo 589/15.0T8VNF-A.G1, publicado em www.dgsi.pt, cujo sumário dispõe que: II- Mas se em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em divida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.
25. E ainda que assim não se entendesse, a verdade é que o "prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo de prescrição" - art.º 306.°/1 do C. Civil.", e o Banco só podia exercer o seu direito com a denúncia do contrato.
26. A denúncia do contrato foi efectuada por carta de 4 de Novembro de 2015, pelo que só a partir deste momento começa a correr o prazo de prescrição, o que sempre determina a improcedência da excepção de prescrição.
27. Ainda que se considere ter decorrido o prazo prescricional, o que por mero dever de patrocínio se concede, a verdade é que, ainda assim, o Banco pode exigir a quantia exequenda do Embargante porquanto o mesmo Embargante renunciou ao direito de invocar a prescrição do direito de crédito do Banco por carta de 23-03­2015, por aquele enviada ao Banco Recorrido.
b) Da alegada nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia;
28. No caso concreto, o Tribunal a quo apreciou a questão suscitada pelo Recorrente de prescrição da obrigação subjacente, incluindo dos respectivos juros, julgando improcedente tal excepção.
29. O Tribunal a quo considerou que a alegação da prescrição da obrigação subjacente à livrança dada à execução correspondeu à invocação de um preenchimento abusivo da livrança, cuja prova incumbia ao Embargante e este não logrou fazê-la.
30. A questão da prescrição da obrigação subjacente à livrança dada à execução é prejudicial relativamente à questão da prescrição dos juros calculados desde 03­04-2008 a 04-11-2015.
31. Na verdade, ao ter sido julgada improcedente a questão da prescrição da obrigação subjacente à livrança dada à execução por falta de prova de preenchimento abusivo da livrança, a decisão da questão da prescrição dos juros calculados desde 03-04-2008 a 04-11-2015 ficou prejudicada.
32. Resulta, assim, evidente que a sentença recorrida não tinha que decidir a questão da prescrição dos juros calculados desde 03-04-2008 a 04-11-2015, porquanto estava a mesma prejudicada pela decisão (de improcedência) dada à questão da prescrição da relação subjacente à livrança, pelo que a invocada nulidade da sentença recorrida deve improceder.
c) Da alegada exigibilidade da obrigação com o inerente vencimento de juros somente a partir da data da citação (18-04-2016);
33. A alegada inexigibilidade dos juros vencidos e contabilizados até à data de 18-04­2016 é uma questão nova que foi somente suscitada pelo Recorrente em sede de recurso.
34. Isto significa, portanto, que os Recorrentes não alegaram perante o Tribunal recorrido a questão da suposta inexigibilidade dos juros vencidos e contabilizados até à data de 18-04-2016, nem factos que pudessem consubstanciar tal inexigibilidade.
35. Assim, só tendo sido alegada em sede de recurso, a questão da inexigibilidade dos juros vencidos e contabilizados até à data de 18-04-2016, não pode ser conhecida por este Tribunal da Relação, nos termos do disposto no artigo 635.°, do Código do Processo Civil (CPC).
36. Sem prejuízo do exposto, ainda que se considere que este Tribunal da Relação poderá conhecer da questão da inexigibilidade dos juros vencidos e contabilizados até à data de 18-04-2016, suscitada agora pelo Recorrente, sempre se dirá que a invocada inexigibilidade não se verifica, devendo ser julgada totalmente improcedente.
37. Efectivamente, o Banco Embargado comunicou ao Embargante o incumprimento do contrato e o consequente preenchimento do titulo cambiário, pelo que se mostra desprovida de sentido a argumentação do Embargante.
38. Com efeito, atenta a situação de incumprimento, o Banco Embargado, por carta de 4 de Novembro de 2015, denunciou o contrato de crédito individual em apreço, exigindo, no seu seguimento, o pagamento da totalidade do valor do contrato. - cfr. Doc. 4 da contestação e ponto f) dos factos provados.
39. Na mesma missiva, o Banco informou o Embargado de que foi efectuado o preenchimento da livrança de caução e que o valor nele inscrito (Eur.7.968,75) encontra-se a pagamento até ao dia 27/11/2015.
40. O que é facto é que o Embargante, apesar de interpelado nos termos supra expostos, não pagou os montantes em dívida ao Banco Embargado, limitando-se a responder à mesma carta nos termos do escrito junto a fls. 54 v. destes autos (cfr. ponto g) dos factos assentes).
41. Por conseguinte, deve improceder a excepção deduzida pela Embargante de inexigibilidade da obrigação exequenda, mormente dos juros vencidos e contabilizados até à data de 18-04-2016.
42. Em suma, as alegações, de facto e de direito, do Recorrente, carecem, em absoluto, de fundamento, pelo que devem improceder em toda a linha.
43. A douta sentença recorrida, decidindo como decidiu, fez exacta apreciação dos factos e devida aplicação do direito impendente, pelo que não violou qualquer disposição legal, devendo ser integralmente confirmada.
44. Soçobram, portanto, todas as conclusões da alegação do Recorrente, o que terá, necessariamente, que conduzir ao não provimento da Apelação e à manutenção da douta sentença recorrida.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, não deixarão de negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar, integralmente, a douta sentença recorrida, fazendo, como sempre, inteira e sã JUSTIÇA.
*
O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - O Direito

Como resulta do disposto nos artos. 608º., nº. 2, ex vi do artº. 663º., nº. 2, 635º., nº. 4, 639º., n.os 1 a 3, 641º., nº. 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem das conclusões que definem, assim, o âmbito e objecto do recurso.
Deste modo, e tendo em consideração as conclusões acima transcritas cumpre apreciar e decidir se:

-se verifica lapso quanto à factualidade dada como não provada;
- se encontra prescrita a obrigação exequenda;
- se ocorre nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 615.º, al.d), do Cód. Proc. Civil;
- a assim não se entender, se os juros só são devidos desde a citação.
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- Fundamentação de facto
Factos Provados:

a) A sociedade Banco A, S.A., intentou acção executiva comum, para pagamento de quantia certa, contra Sandra e Manuel, para destes haver o pagamento da quantia global de € 8.042,42.
b) A sociedade Banco A, S.A., fundou a execução mencionada em a) no facto de ser legítima portadora de um escrito, datado de 2004-03-09 e com vencimento em 2015-11-27, do qual consta que Sandra e Manuel declararam que “No seu vencimento pagarei(emos) por esta única via de livrança ao Banco A, S. A., ou à sua ordem, a quantia de sete mil, novecentos e sessenta e oito euros e setenta e cinco cêntimos”– tudo cfr. documento de fls. 12 dos autos de execução, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
c) O escrito aludido em b) foi entregue à exequente para garantia do escrito denominado “Crédito ao Consumo Banco A”, celebrado aos 29-04-2004, nos termos do qual concedeu aos embargantes o montante de €12.500,00, acrescido de imposto de selo e prémio de seguro, o qual deveria ser devolvido em 60 prestações mensais.
d) Na cláusula 8.ª das condições gerais do escrito aludido em c) estipula-se que “[O]”não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas neste Contrato implicará a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2% , assim como de todas as prestações vincendas, podendo o Banco, para cobrança dos créditos, fazer uso dos direitos decorrentes dos títulos ou garantias que lhe foram prestadas pelo Beneficiário” – tudo cfr. documento de fls. 51 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
e) A embargada enviou ao embargante, para a morada constante no escrito mencionado em c), o escrito junto a fls. 53 v. destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
f) O embargante enviou à embargada o escrito junto a fls. 54 destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
g) Ao escrito descrito em f), a embargada remeteu o escrito junto a fls. 54 v. destes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
h) O embargante deixou de pagar as prestações mencionadas em c) a partir de 02-04-2008, tendo sido amortizado capital e juros aos 22-09-2009.
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Factos não provados

1. O embargante haja recepcionado o escrito mencionado em f) (corrigido para e), como infra consta).
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Previamente, cumpre proceder à rectificação, sendo o caso, quanto ao lapso invocado pelo recorrente no elenco da matéria de facto dada como não provada, ao abrigo do disposto no art. 249.º, do Cód. Civil, que permite que se proceda à rectificação dos simples erros de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita.
Ora, como resulta da factualidade apurada, dada como provada nas als. f) e g), ao escrito junto a fls. 54, do p.p., enviado pelo embargante à embargada, respondeu a embargada com o escrito junto a fls. 54 v., do p.p., pelo que, como é evidente, para assim ter procedido teve de recepcionar a missiva enviada pelo embargante de fls. 54, do p.p.
Como tal, a matéria de facto dada como não provada não se pode estar a reportar ao escrito mencionado em f), sob pena de se verificar uma total incongruência e contradição.
Por outro lado, e tal como resulta da análise critica da prova quanto à matéria dada como não provada, aí se faz referência ao facto de não se demonstrado, como à embargada competia, ter o embargante recepcionado o documento apresentado sob o n.º 4 pela embargada, a que corresponde o doc. de fls. 53-v.º, do p.p., a que se alude na al. e), dos factos provados, o que permite concluir verificar-se o apontado lapso quanto à indicação da alínea a que se reporta o facto dadO como não provado.
Como tal, decide-se proceder à rectificação do lapsos existente no facto levado à matéria dada como não provada, por forma a que dessa matéria passe a constar, ‘e)’, onde se lê ‘f’.
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Quanto à questão subsequente que importa apreciar e decidir, há que ter em conta que in casu, a exequente/embargada é portadora da livrança junta a fls. 12, dos autos de execução, na qual se encontra inscrita como data de emissão o dia 09/03/2004, como data de vencimento o dia 27/11/2015, e a importância de 7.968,75€, subscrita por Sandra e Manuel.
Essa livrança foi subscrita e entregue para garantia de um “Crédito ao Consumo Banco A”, celebrado aos 29-04-2004, nos termos do qual a embargada concedeu aos embargantes o montante de €12.500,00, acrescido de imposto de selo e prémio de seguro, o qual deveria ser devolvido em 60 prestações mensais, aí se tendo consignado, na cláusula 8.ª das condições gerais, que “[O]”não cumprimento de qualquer das obrigações de natureza pecuniária assumidas neste Contrato implicará a obrigatoriedade do pagamento de todas as prestações em falta, acrescidas de juros de mora à taxa de 2% , assim como de todas as prestações vincendas, podendo o Banco, para cobrança dos créditos, fazer uso dos direitos decorrentes dos títulos ou garantias que lhe foram prestadas pelo Beneficiário”.
Acresce que, em conformidade com o teor desse documento de fls. 51, do p.p., cujo teor foi dado por integralmente reproduzido, a quantia mutuada deveria ser reembolsada em prestações mensais e sucessivas de capital e juros.
Para garantia e segurança do cumprimento das responsabilidades assumidas, foi entregue uma livrança cujo montante e data de vencimento em branco para que o Banco os fixe na data que julgar conveniente pelo montante do saldo em dívida, comissões, juros remuneratórios e de mora e outros encargos, completando o seu preenchimento.
Daqui resulta que, tratando-se de um título de crédito, comunga das características dos títulos de crédito: a incorporação; a literalidade; a abstracção; a autonomia; e a independência recíproca.
A característica da incorporação alude, à especial relação (conexão) existente entre o documento e o direito por força da qual o possuidor do título – e só ele – pode exercer o direito nele mencionado ou transferi-lo – Cf. Prof. A. FERRER CORREIA, op. Cit., p.7.
A literalidade significa que a obrigação cambiária vale nos exactos termos exarados no documento, sendo, pois, um direito literal no sentido de que a letra do título é decisiva para a determinação do conteúdo, extensão, limites e modalidades do direito. Esta característica justifica que o subscritor do título não pode invocar contra o portador (de boa-fé) nem factos impeditivos, nem extintivos ou modificativos do direito, que não resultem do próprio título objectivamente considerado. E consequentemente, são irrelevantes as convenções ou acordos extra-cartulares a não ser entre os respectivos sujeitos.
A autonomia, no sentido que ao caso importa - correlativo às obrigações cambiárias – traduz-se na inoponibilidade das convenções extra-cartulares e das excepções causais (fundadas na relação fundamental ou subjacente) ao portador mediato, isto é, ante aquele que não tomou parte nas referidas convenções ou relação subjacente.
Já o princípio da abstracção enforma a ideia de que a obrigação cambiária se abstrai da relação fundamental que lhe subjaz, de tal modo que eventuais vícios ocorridos ao nível da relação subjacente não prejudicam os vínculos cambiários, e cujo efeito mais expressivo radica na inoponibilidade ao portador da letra das excepções fundadas precisamente na relação causal.
O princípio da independência recíproca traduz a independência das várias obrigações cambiárias entre si, ditando a subsistência das mesmas independentemente das vicissitudes que enfermam as outras. (vide o artigo 7.º, da LULL).
Esses conhecidos princípios, que decorrem do regime especial a que estão submetidas as livranças – plasmado, entre outros, nos arts. 77.º, 10.º, 30.º, 32.º e 43.º da LULL –, conduzem como que a uma compenetração do crédito com o documento, quer o crédito resulte da subscrição, quer do aval: a obrigação cambiária constitui-se (nasce) no momento da subscrição (promessa de pagamento) para o devedor e da prestação do aval para o avalista, que torna este responsável talqualmente a pessoa afiançada.
Importa referir também que a Lei reconhece a figura da livrança em branco, a qual, preenchida antes da apresentação a pagamento, passa a produzir todos os efeitos próprios da livrança (citados arts. 10.º e 77.º LULL).
A livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento, de acordo com o denominado pacto ou acordo de preenchimento.
Ora, o contrato de preenchimento é o acto pelo qual as partes ajustam os termos em que deverá definir-se a obrigação cambiária, tais como a fixação do seu montante, as condições relativas ao seu conteúdo, o tempo de vencimento, a sede de pagamento, a estipulação dos juros, etc.

Assim, o preenchimento de uma livrança em branco há-de fazer-se, assim, de harmonia com esse contrato de preenchimento, que pode ser tácito ou expresso.
Na verdade, quem emite ou subscreve uma livrança em branco atribui – expressa ou tacitamente – àquele a quem a entrega o direito de a preencher em determinados termos que, por regra, são definidos através de um acordo ou contrato – o pacto de preenchimento – pelo qual se definem os termos em que a obrigação cartular irá ficar definida, no que respeita, designadamente, à fixação do seu montante e data de vencimento e é a violação deste acordo ou contrato que consubstancia o preenchimento abusivo.
Contudo, para a questão em apreço importa distinguir se se está no domínio das relações imediatas ou mediatas.
Assim, para o caso que agora nos interessa, por ser essa a situação em causa, o título está no domínio das relações imediatas, quando está no domínio das relações entre um subscritor e o sujeito cambiário imediato (relações sacador-sacado, sacador-tomador, tomador-primeiro endossado, etc.), isto é, nas relações nas quais os sujeitos cambiários o são concomitantemente das convenções extracartulares – cfr.LULL/Abel Delgado, pg. 118-119.
Ora, estando-se em face de uma relação imediata, tal como refere Ferrer Coreia, in Lições de Direito Comercial, III, pag. 67/68, “tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta. Ficam sujeitas às excepções que nessas relações pessoais se fundamentem. Esta diversidade do regime decorre do artigo 17º. E (…) são-lhe oponíveis todas as excepções…», sendo lícito, como tal, discutir a “causa debendi”.
Tal explica-se pelo facto de, no domínio das relações imediatas, a livrança ainda não ter entrado em circulação, não havendo, por isso, interesses de terceiros a proteger.
A este preciso respeito ensina o Prof. Ferrer Correia, in Lições de Direito Comercial, 1949-50, p. 405, que a obrigação cartular, no domínio das relações imediatas, está sujeita ao regime comum das obrigações (Cfr. também Acs do STJ de 17/12/92 (Figueiredo de Sousa), e de 30/3/06 (Custódio Montes), Pº 06P524).
Daqui decorre, em suma, que encontrando-nos no âmbito das relações imediatas, é, por isso, lícito ao signatário cambiário invocar as excepções peremptórias inerentes à relação causal, impeditivas, modificativas ou extintivas do direito exercido, para afastar a exigência decorrente da obrigação cartular, por tudo se passar como se a relação cambiária deixasse de possuir as propriedades da literalidade e da abstracção.
Como tal, invocada a prescrição da obrigação causal, necessário se torna analisá-la, por forma a apurar se, consequentemente, é de afastar a exigência baseada na obrigação cartular.
Ora, quanto a esta questão, dizem-nos os arts. 298.º, 303.º e 304.º, todos do CC, que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo que, não podendo o tribunal supri-la de ofício – carece, assim, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita -, certo é que, uma vez completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.
Já o artº 309º, do CC, estabelece que o prazo ordinário da prescrição é de vinte anos, sendo porém apenas de cinco anos (cfr. art.º 310.º) quando v.g.na presença de:(…)
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.

Por fim, preceitua o n.º 1, do art.º 311.º, que “ O direito para cuja prescrição, bem que só presuntiva, a lei estabelecer um prazo mais curto do que o prazo ordinário fica sujeito a este último, se sobrevier sentença passada em julgado que o reconheça, ou outro título executivo”.
Posto isto, com referência às situações comtempladas no art.º 310.º, do Cód. Civil, explica Ana Filipa Morais Antunes, In Prescrição e Caducidade, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 124 e segs., que em causa estão “ direitos que têm, por objecto, prestações periódicas ”, valendo o prazo de cinco anos “para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo”.
E, mais adiante, especificamente no tocante à alínea e), do art.º 310.º, que o recorrente entende ser aqui aplicável, esclarece que a situação se verifica “sempre que se tenha estipulado o pagamento do capital em prestações, com os juros”, ou seja, “a[A] previsão normativa é aplicável às prestações de capital repartidas no tempo, a que se somam juros - a pagar conjuntamente – e que representam quotas correspondentes à amortização do capital e ao rendimento do capital disponibilizado”.
A este respeito, o Supremo Tribunal de Justiça, em Ac. de 27/3/2014, in Proc. nº 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, sendo Relator SILVA GONÇALVES, e in www.dgsi.pt, acompanhando o apontado entendimento de Ana Filipa Morais Antunes, entendeu que, existindo uma obrigação assumida compartimentada num mútuo e respectivos juros, por sua vez convertida numa prestação mensal de fraccionada quantia global, estava abrangida pelo regime jurídico descrito no artigo 310.º, alínea e), do C. Civil.
Por semelhante solução, e no âmbito de execução ancorada em livrança que havia sido entregue em branco ao exequente, como garantia de financiamento concedido pagável em 60 meses sucessivos, com taxa de juro anual e nominal de 15,00%, veio também o Tribunal da Relação do Porto, através de Ac. de 24/3/2014, in Proc. n.º 4273/11.5TBMTS- A.P1, sendo Relator Correia Pinto, e in www.dgsi.pt, a julgar que as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros não deixam de prescrever no prazo de cinco anos, reportando-se o início deste prazo à data de vencimento de cada uma das prestações, ou seja, em causa estava uma obrigação exequenda subsumível à alínea e), do artigo 310.º, do Código Civil.
Já mais recentemente, em 21/1/2016, e no âmbito de execução “sustentada” em escritura pública de compra e venda, e de mútuo com hipoteca , através da qual a exequente concedeu aos executados um empréstimo a ser reembolsado em 300 prestações mensais, crescentes, integrantes de capital amortizável com juros, veio o Tribunal da Relação de Évora, in Proc. n.º 1 583/14.3TBSTB-A.E1, sendo Relator CONCEIÇÃO FERREIRA, e in www.dgsi.pt, a concluir que a obrigação exequenda sindicada estava abrangida pelo regime jurídico descrito no art.º 310.º, alíneas d) e e), do C. Civil, e cujo prazo de prescrição é de cinco anos.
Em sentido contrário, é facto, já o Ac. de 26/4/2016 do tribunal da Relação de Coimbra, no Proc. nº 525/14.0TBMGR-A.C1, em que é Relatora MARIA JOÃO AREIAS, publicado in www.dgsi.pt, em que se baseia o embargante/recorrido, entendeu que se, “ em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, voltando os valores em divida a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros” fica “o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos”.
Acontece que, por Acórdão bem recente, de 29/9/2016, publicado no site da dgsi, com o n.º de processo 201/13.1TBMIR-A.CL.S1, o STJ veio sufragar o entendimento do mesmo tribunal em 27/3/2014, concluindo que:

I.-Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310.º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
II.-Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.”
Aí se mencionou, em concreto, que, ‘no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações’.
Nesse mesmo sentido assim o decidiu também o ainda mais recente Acórdão da Relação de Lisboa, de 27.10.2016, no processo 2411-14.5T8OER-B.L1-6, publicado no site da dgsi.
Posto isto, como decorre da factualidade apurada, no âmbito do contrato de crédito ao consumo outorgado por apelante e apelada ”, na data de 29-04-2004,, foram acordadas 60 mensalidades, pelo que a última deveria ser paga em Abril de 2009.

Acontece que, o embargante deixou de pagar as referidas prestações a partir de 02-04-2008, (apesar de ter amortizando capital e juros aos 22-09-2009), só em 4.11.2015 vindo a recorrida/exequente a comunicar que iria preencher a livrança, quando o plano de pagamento acordado há muito tinha findado, pelo que, em bom rigor, se encontravam já vencidas as prestações.
Como tal, inexistiam prestações vincendas.

Assim, em conformidade com as citações efectuadas no Proc. n.º 1 583/14.3TBSTB-A.E1, publicado in www.dgsi.pt, quanto ao defendido no Ac. do STJ de 04/05/1993 in CJ tomo 2, 82, e Menezes Cordeiro in Tratado de Direito Civil Português I, Parte Geral, tomo IV, 175, “o facto de vencida uma quota e não paga, se vencerem todas as posteriores, nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida” sendo que na aplicação do prazo de prescrição a que se alude na al. e) do art.º 310.º do C. Cível, não obsta a que o não pagamento de uma das prestações provoque o vencimento das restantes, não sendo de aplicar o prazo prescricional ordinário, de 20 anos, previsto no art.º 309º do C. Civil”.
Nesta medida, sendo a prescrição um efeito jurídico da inércia prolongada do titular do direito no seu exercício, que se traduz no direito prescrito sofrer na sua eficácia um enfraquecimento consistente em a pessoa vinculada poder recusar o cumprimento ou a conduta a que esteja adstrita – neste sentido Pedro Pais de Vasconcelos, in “Teoria Geral d o Direito Civil”, 2005, pág. 756 – e dado que a apelada/exequente apenas veio comunicar que iria proceder ao preenchimento da livrança em Novembro/2015, e instaurar a execução a 18.2.2016, decorridos mais de 5 anos após o não cumprimento do acordado a partir de 02-04-2008, sem que tenha logrado alegar e demonstrar qualquer interrupção do prazo antes do decurso do referido prazo de 5 anos, tem de se considerar verificada a excepção de prescrição, o que determina a extinção da obrigação exequenda, prejudicadas ficando as demais questões suscitadas.
Nestes termos, pelos fundamentos apontados, concede-se provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, julgando procedentes os embargos deduzidos pelo executado/embargante, o que importa a extinção da execução quanto a ele.
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IV- Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes nesta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, por considerar procedentes os embargos deduzidos pelo executado/embargante, com a consequente extinção da execução quanto a ele.
Custas pela recorrida.
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TRG, 8.03.2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)


Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida