Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2025/08.9TABRG.G2
Nº Convencional: JTRG000
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: CRIME
DIFAMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/26/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECUROS PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, ao tribunal apenas incumbe emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não correctamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa.
II- O erro notório na apreciação da prova tem de decorrer da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, não configurando um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida.
III- No crime de difamação o bem jurídico tutelado é a honra, como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, quer a sua própria reputação ou consideração exterior. Mas a tutela penal deve estar reservada a comportamentos graves, violadores do mínimo de respeito ético, cívico e social que a generalidade das pessoas, num determinado contexto histórico e geográfico, considera imprescindível ao relacionamento em sociedade.
IV- A mera censurabilidade ética de uma determinada conduta não implica necessariamente a sua censurabilidade em termos penais, sendo que, para que um facto ou juízo possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, necessário se revela que constitua um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento.
V- O bem jurídico honra tem vindo a sofrer um estreitamento e uma perda da sua importância relativa, em parte devido a uma verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos, e noutra parte devido à erosão externa a que a honra tem sido sujeita, quer por banalização dos ataques que sobre ela impendem, quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal.
Decisão Texto Integral:

Processo nº 2025/08.9TABRG.G2.

Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO

No âmbito do Processo Comum com intervenção do Tribunal Singular que corre termos no Tribunal Judicial De Guimarães com o nº 2025/08.9TABRG, submetido a julgamento, foi proferida sentença, datada de 03/12/10, que absolveu o arguido:

J., filho de C. e de M., natural de Mercês, Lisboa, nascido a 15 de Abril de 1954, casado, Advogado actualmente a exercer as funções de Vereador na Câmara Municipal de Lisboa, com domicílio profissional na Câmara Municipal de Lisboa,

Da prática da prática de um crime de difamação agravada, p. e p., nos termos dos artigos 180.º, 182º e 183.º, nº 1 e 2, por cuja autoria vinha acusado.

Inconformado com esta decisão condenatória, dela veio o ofendido D. interpor recurso nos termos constantes de fls. 768 a 797 dos autos, extraindo das respectivas motivações as seguintes conclusões:

1- O Recorrente considera que foram incorrectamente julgados os seguintes factos, que o Tribunal deveria ter dado como provados:

“1. Ao proferir tais expressões, o arguido imputou ao assistente a prática de um crime de corrupção activa, ofendeu e quis ofender o assistente na sua honra, dignidade, personalidade e imagem pública, tendo-lhe dirigido uma expressão que bem sabia e sabe que é ofensiva daqueles bens pessoais e contém um juízo negativo sobre o carácter do assistente;

2. Tinha e tem perfeita consciência do carácter ofensivo, injurioso e difamatório das afirmações, expressões e juízos de valor que proferiu e que sabia serem falsas e quis atingir com elas, como atingiu, a honra, dignidade pessoal e profissional, consideração, imagem pública e personalidade do assistente, procurando e conseguindo através da publicitação em diversos meios de comunicação social de âmbito nacional e internacional, conferir-lhe, como conferiu, grande publicidade;

3. Sabia que ao imputar, como imputou, tais juízos ao assistente estava a violar o bom-nome, a credibilidade e prestígio que o assistente sempre gozou na comunidade de que faz parte assim como no meio empresarial em que se insere;

4. O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo da natureza ilícita e criminalmente censurável da sua actuação;

5. Devido às afirmações proferidas pelo arguido a sua imagem de homem sério e íntegro foi abalada e tais atributos foram ofendidos junto do público em geral e em especial de clientes e amigos que tomaram conhecimento das afirmações em causa;

6. Ainda hoje persistem, no estado anímico do assistente sequelas do abalo psicológico e dos sentimentos de tristeza e vergonha que as palavras do arguido lhe causaram, com grave e muito negativa influência na sua capacidade profissional;

7. Sofreu um desgosto e ficou abalado psicologicamente com a publicitação de tais afirmações e com a retumbância que tiveram em Portugal e no estrangeiro.

2 - Na parte em que julgou tais factos não provados, a douta sentença recorrida, como resulta do seu próprio texto, incorreu nos vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, previstos e sancionados nas als. c) e b) do nº 2 do art°. 410°,

3 - Incorrendo ainda em erro de julgamento, por violação das regras da experiência, que, atento o teor objectivo nas expressões que o Arguido dirigiu ao Assistente, são absolutamente incompatíveis com os factos em menção,

4 - e por desconsideração dos depoimentos das testemunhas H. e V. maxime nos segmentos que ficaram assinalados no texto desta motivação, por referência ao suporte da respectiva gravação,

5 - depoimentos esses que - sendo, como são e a sentença reconhece, consistentes, sérios e credíveis - confirmam, sem sombra de qualquer dúvida, a veracidade dos factos que o Tribunal postergou.

6 - A argumentação desenvolvida pela douta sentença para justificar, relevando-a, a conduta do Arguido não tem qualquer consistência face às regras da experiência e da vida e esbarra no facto definitivo de o aqui Assistente ter sido absolvido dos crimes que lhe foram imputados no processo crime que correu termos pela 1 a Vara Criminal de Lisboa, por acórdão da Relação de Lisboa, que não admite recurso ordinário e declarou expressamente que ele não cometeu qualquer crime.

7 - Ofendeu, assim, o Tribunal o disposto no art° 127° CPP.

8 - A conduta do arguido preenche todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de difamação agravada p. e p. pelos arts 180°, 182° e 183°, nºs 1 e 2, CP., inexistindo qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa ou de justificação, em especial a prevista no nº 2 do citado art° 180°,

9 - pelo que o Recorrido deve ser condenado como autor material do referido crime e no pagamento da correlativa indemnização.

10 - Ao decidir de modo diferente, a douta sentença ofendeu os preceitos legais que ficaram citados.

TERMOS EM QUE,

julgando o recurso procedente e condenando o Recorrido nos termos propugnados, farão Vossas Excelências

JUSTIÇA!”.

Terminou no sentido da procedência do recurso e de que a sentença recorrida deveria ser revogada e substituída por outra que condenasse pela prática do crime de difamação por cuja autoria vem acusado, bem como, no pedido de indemnização civil formulado.  

O Ministério Público respondeu nos termos constantes de fls. 826 e 827 dos autos, aqui tidos como renovados, concluindo que a sentença recorrida não enferma de qualquer dos vícios, nem violou quaisquer normativos legais ou princípios, pelo que deverá ser mantida.

O arguido apresentou também o articulado de resposta que consta de fls. 846 a 851, na qual, defendendo a inexistência de qualquer dos invocados vícios, pugnou pela improcedência do recurso, com a consequente manutenção da decisão recorrida.    

O recurso foi regularmente admitido.

Neste Tribunal da Relação a Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer junto a fls. 859 a 864, aqui tido como especificado, e no qual concluiu pela procedência do presente recurso, com a consequente condenação do arguido como autor material do crime por cuja autoria vem acusado.

No oportuno cumprimento do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, veio o arguido apresentar a douta resposta de fls. 870 a 873, e, com os fundamentos aí aduzidos, concluiu mais uma vez pela improcedência do recurso interposto.

Efectuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

                        O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

 “A. Factos Provados

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:

1. No dia 16 de Setembro de 2008, aquando da 1ª sessão da Audiência de Julgamento no âmbito do Processo 263/06.8JFLSB que corre termos na 1ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido, no momento em que entrava nas instalações do Tribunal da Boa-Hora em Lisboa, quando abordado por vários jornalistas da imprensa televisiva, radiofónica e escrita, proferiu as seguintes expressões:

“Está tudo gravado.

Melhor prova que esta a justiça não podia arranjar e, por isso, é que este é um caso exemplar.

Este é o caso de um bandido que tentou corromper um vereador.

É um caso exemplar.

Espero que se faça uma justiça exemplar, para lutarmos contra a corrupção; para as pessoas perceberem que vale a pena denunciar e que não têm de ter medo de denunciar; e para que estes Srs, estes bandidos, percebam que não vale a pena continuarem a ser bandidos e tentarem corromper as pessoas”;

2. Naqueles autos, com data de 2006.01.24, foi denunciada a “prática de ilícitos criminais (corrupção activa)” constando da denúncia que “chegou ao conhecimento do informante que um dos accionistas da B., SA, D. contactou pessoas das relações íntimas do Vereador da Câmara Municipal de Lisboa (adiante CML), J. no intuito de, mediante o pagamento de valores em numerário, o referido Vereador desistir das acções populares que intentou contra a CML, mormente a acção conexa com o negócio/permuta do Parque Mayer e a Feira Popular.

De acordo com as informações obtidas, o referido accionista da B. propôs que o Vereador J. realizasse uma declaração pública de “legalidade do projecto Parque Mayer” e desistisse das acções judiciais movidas com os negócios já concretizados. Como contrapartida D. comprometia-se a proceder à entrega a J. de valores em numerário”, conforme documento de fls. 470 e 471 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

3. Naqueles autos foi deduzida acusação contra D. pela prática do crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito p. e p. pelo art. 374º, nº 1, por referência aos arts. 376º, nº 1 e 386º, nº 1, ambos do CPenal, bem como no art. 18º, nº 1, por referência aos arts. 16º, nº 1 e 3º, nº 1, al. i) da Lei 34/87, de 16 de Julho, na redacção da Lei 108/2001, de 28 de Novembro, por indiciarem suficientemente os autos nomeadamente que “9. No âmbito das funções que assumiu como vereador, J.  continuou a manifestar-se e a tomar posições dentro da Câmara de Lisboa contra o acordo supra referido, celebrado com a B., designadamente quanto aos projectos de viabilização de construção destinados aos terrenos cedidos pela autarquia junto a Entre Campos; 13. … o arguido D. formulou o propósito de procurar fazer o vereador mudar de opinião contra o pagamento de uma quantia em dinheiro; 14. Pretendia o arguido D. que o vereador J. viesse a afirmar publicamente, designadamente em sede de reuniões dos órgãos do Município de Lisboa, a sua mudança de opinião quanto à valia e à legalidade do acordo de permuta, afirmando a correcção de procedimentos desenvolvidos pelas sociedades participadas pela B. e pelos respectivos sócios, para além e com a consequente desistência da acção popular nº 1862/05.0BELSB, que se encontra pendente; 15. Para o efeito, o arguido D. concebeu uma estratégia que passava pela abordagem do irmão do vereador J., o advogado R., que sabia ter escritório no mesmo edifício e nas mesmas instalações da sua advogada pessoal e das sociedades por si participadas, a Dra. E.; 19. … o arguido transmitiu ao Dr. R. que, de forma a evitar mais perdas de tempo no desenvolvimento de projectos para os terrenos da antiga Feira Popular, estaria disposto a realizar o pagamento de um montante pecuniário em benefício do Dr. J. se o mesmo viesse a desistir da acção pendente perante o Tribunal Administrativo e Fiscal e se viesse a proferir afirmações públicas, na qualidade de vereador da Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de ter concluído que, após estudo dos dossiers existentes na Câmara Municipal de Lisboa, o negócio de permuta dos terrenos do Parque Mayer estava conforme à realidade; 22. Ainda no mesmo dia, o Dr. R. contactou com o seu irmão J., a quem deu a conhecer o encontro mantido e o teor da proposta recebida, tendo os dois, de imediato, acordado em repudiar a mesma e dar conhecimento dos factos à autoridade judiciária”, conforme documento de fls. 472 a 484 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;      

4. Naqueles autos, o aqui assistente e ali arguido requereu em 29.01.2007 a abertura de instrução alegando que “…foi o referido Advogado Dr. R. que, no decurso de contactos a partir de Setembro de 2005, tomou a iniciativa de lhe pedir um financiamento para pagar as despesas da campanha política do irmão para as eleições autárquicas de 2005 e para a liquidação de despesas pessoais do candidato e, mais tarde Vereador. Como também sempre disse e reafirma, o Advogado Dr. R. começou por pedir-lhe uma “contribuição” de 100.000 contos (ou seja, cerca de 500.000 euros), vindo, em contactos subsequentes, a reduzir esse pedido para 250.000 euros e, por último, para 200.000 euros, tendo partido dele e não do Arguido a iniciativa de propor a desistência da acção popular, a troco da contrapartida monetária que lhe solicitou. Insiste o Requerente em que nunca exigiu ou sequer sugeriu ao Advogado Dr. R. qualquer tipo de declaração por parte do Vereador Dr. J., antes tendo sido ele quem sugeriu que o seu irmão proferisse uma declaração pública que lhe permitisse, por razões pessoais de natureza política, desistir da acção sem perder a face. Reitera que anuiu aos contactos com o Dr. R. porque este era sócio do escritório da sua Advogada, a Dra E., onde o arguido, desde há anos, se deslocava várias vezes por semana e se cruza, e por várias vezes, falava, com ele, o que tornava difícil e muito melindroso cortar cerce o pedido que lhe era feito, pelo que optou por ir entretendo o seu interlocutor até que ele desistisse da sua pretensão, nunca tendo sido sua intenção ou propósito entregar-lhe qualquer quantia. Sublinha, por último, que foi ele Arguido, quem pôs termo aos contactos, pela única razão de que, a partir do último encontro entre ambos, que teve lugar no dia 27 de Janeiro de 2006, se convenceu de que era impossível continuar a manter a aparência das negociações”, conforme certidão de fls. 448 a 465 cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 

5. Por Acórdão de 23.02.2009, não transitado em julgado, o aqui assistente foi ali condenado na pena de vinte e cinco dias de multa à taxa diária de € 200,00 (duzentos euros), num total de € 5.000,00 (cinco mil euros) pela prática de um crime de corrupção activa para acto lícito nos termos do art. 18º, nº 2 da lei nº 34/87, de 16.07, na redacção que lhe foi conferida pela lei nº 108/2001, de 28.11 conforme certidão de fls. 497 a 554 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

6. O arguido é Advogado, exerce e exercia em 16 de Setembro de 2008 o mandato de Vereador da Câmara Municipal de Lisboa tendo sido eleito pelo Bloco de Esquerda;

7. O facto de as expressões proferidas pelo arguido terem sido publicitadas por diversos meios de comunicação social de âmbito nacional e internacional conferiu-lhes grande publicidade, ampla divulgação e enorme repercussão, junto das pessoas residentes em Braga (onde o assistente reside), em todo o território nacional e mesmo junto dum grande número de portugueses que conhecem o assistente e residem em países estrangeiros, integrando as comunidades radicadas no estrangeiro, que recebem a emissão dos canais generalistas de televisão que difundiram aquelas declarações e entrevistas;

8. O assistente é um empresário conhecido num amplo círculo de pessoas, a nível nacional e internacional;

9. Desenvolve negócios em todo o território nacional e no estrangeiro;

10. É reconhecido por aqueles que com ele privam como um homem trabalhador, rigoroso e exigente para com os que com ele trabalham;

11. O assistente é sócio-gerente de várias empresas, dentre as quais a sociedade “B. – Estacionamentos, SA” que se dedica à construção de parques de estacionamento, da “Carclasse” que detém a concessionária da Mercedes para o Minho e de empresas ligadas ao imobiliário;

12. A B., SA é considerada uma das maiores empresas sedeadas no norte do país e conhecida a nível nacional;

13. A Carclasse Comércio de Automóveis, SA remeteu à MERCEDES- BENZ Portugal, SA, através de missiva datada de 15.05.2007, o questionário “Complience Due Diligence for Retention of DCX- Business Partners”, conforme documentos de fls. 391 a 407 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

14. A MERCEDES- BENZ Portugal, SA, em resposta ao inquérito enviado pela Carclasse, SA em Maio de 2007, remeteu-lhe a missiva datada de 30.05.2008, referindo que “A Mercedes-Benz Portugal e a Daimler AG têm seguido com preocupação as notícias divulgadas em diversos órgãos de comunicação social e na Internet relativamente a certos factos envolvendo administradores e accionistas da Vossa empresa, susceptíveis de se enquadrar naquele âmbito.

Assim, em face do exposto e em ordem a permitir à Mercedes-Benz Portugal e à Daimler AG uma análise adequada e uma eventual tomada de posição sobre este assunto…” solicitou à Carclasse Comércio de Automóveis, SA o envio da resposta ao inquérito que anexam até ao dia 12 de Junho de 2008, conforme documento de fls. 408 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

15. Na sequência do que a Carclasse, por missiva datada de 12.06.2008, enviou à MERCEDES- BENZ Portugal, SA a resposta actualizada ao inquérito, conforme documentos de fls. 409 a 421 cujo teor se dá por integralmente reproduzido; 

16. A MERCEDES- BENZ Portugal, SA, por missiva datada de 12.11.2008, solicitou à  Carclasse Comércio de Automóveis, SA Ex.mo Sr. D. que a actualização da informação relativa a processos judiciais envolvendo administradores e accionistas da Carclasse se processe de forma regular referindo que “Na sequência dos contactos estabelecidos no passado mês de Junho foi-nos então facultada diversa informação relativamente a diversos processos judiciais envolvendo administradores e accionistas da Vossa empresa, que nos permitiu obter clarificação sobre um conjunto de questões. A Daimler AG e a Mercedes-Benz Portugal têm vindo a acompanhar, desde então, as notícias entretanto divulgadas na comunicação social sobre aquele assunto”, conforme documento de fls. 428 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

17. Na sequência do que a Carclasse Comércio de Automóveis, SA remeteu à MERCEDES- BENZ Portugal, SA a missiva datada de 24.01.2009 da qual consta que se mantém “actualizada a última informação que vos foi transmitida, sendo que qualquer actualização dos processos em curso, vos será imediatamente comunicada”, conforme documento de fls. 429 cujo teor se dá por integralmente reproduzido;

18. Em datas anteriores e posteriores a 16 de Setembro de 2008 saíram na internet várias notícias relacionadas com os factos a que se reporta o Processo 263/06.8JFLSB que corre termos na 1ª Vara Criminal de Lisboa;

Mais se provou:

19. O arguido está separado da esposa, tem uma filha com 16 anos que vive alternadamente nas casas de ambos;

20. Aufere, como Vereador na Câmara Municipal de Lisboa, as quantias líquidas mensais de € 2.300,00 e € 400,00, sendo esta última de despesas de representação, e paga de prestação bancária pela aquisição de casa própria a quantia mensal de cerca de € 1.000,00;

 21. O arguido não tem antecedentes criminais.

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B. Factos não Provados

1. Ao proferir tais expressões, o arguido imputou ao assistente a prática de um crime de corrupção activa, ofendeu e quis ofender o assistente na sua honra, dignidade, personalidade e imagem pública, tendo-lhe dirigido uma expressão que bem sabia e sabe que é ofensiva daqueles bens pessoais e contém um juízo negativo sobre o carácter do assistente;

2. Tinha e tem perfeita consciência do carácter ofensivo, injurioso e difamatório das afirmações, expressões e juízos de valor que proferiu e que sabia serem falsas e quis atingir com elas, como atingiu, a honra, dignidade pessoal e profissional, consideração, imagem pública e personalidade do assistente, procurando e conseguindo através da publicitação em diversos meios de comunicação social de âmbito nacional e internacional, conferir-lhe, como conferiu, grande publicidade;

3. Sabia que ao imputar, como imputou, tais juízos ao assistente estava a violar o bom-nome, a credibilidade e prestígio que o assistente sempre gozou na comunidade de que faz parte assim como no meio empresarial em que se insere;

 4. O arguido agiu voluntária e conscientemente, bem sabendo da natureza ilícita e criminalmente censurável da sua actuação;

5. Devido às afirmações proferidas pelo arguido a sua imagem de homem sério e íntegro foi abalada e tais atributos foram ofendidos junto do público em geral e em especial de clientes e amigos que tomaram conhecimento das afirmações em causa;

6. Ainda hoje persistem, no estado anímico do assistente sequelas do abalo psicológico e dos sentimentos de tristeza e vergonha que as palavras do arguido lhe causaram, com grave e muito negativa influência na sua capacidade profissional;

7. Sofreu um desgosto e ficou abalado psicologicamente com a publicitação de tais afirmações e com a retumbância que tiveram em Portugal e no estrangeiro.

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 C. Motivação

Os factos provados decorreram do teor dos documentos de fls. 391 a 429, 448 a 465, 469 a 484 e 497 a 554 bem como 430 a 442 e 557 a 560 devidamente examinados em audiência de julgamento, tendo o arguido confessado ter proferido as expressões constantes dos factos provados quando abordado por jornalistas e na sequência de o terem questionado sobre o que esperava do resultado do julgamento.

Os factos provados 7º a 12º decorreram do depoimento do assistente que afirmou que, na sequência das declarações do arguido terem sido proferidas e publicitadas por diversos meios de comunicação social de âmbito nacional e internacional, sendo o assistente um empresário conhecido num amplo círculo de pessoas pois desenvolve negócios em todo o território nacional e no estrangeiro, recebeu vários telefonemas de pessoas que o conhecem e residem umas em território nacional outras em países estrangeiros, o que se afigura conforme às regras da experiência e normalidade do acontecer tanto mais muitas das comunidades de portugueses radicados no estrangeiro recebem a emissão dos canais generalistas de televisão que difundiram aquelas declarações.

No que respeita aos factos não provados 1º a 4º contribuíram para a formação da convicção do tribunal os seguintes elementos que mais não são do que circunstâncias contextualizadas (sob pena de, da literalidade das expressões resultar a “óbvia” condenação ou a “óbvia” absolvição do arguido), articuladas de forma transparente, nem poderia ser de outra forma, das quais se retira, de forma crítica mas nunca opinativa, as consequências de tal articulação no estrito plano da convicção da julgadora:

a) o local e o momento em que foram proferidas as expressões dadas como provadas, ou seja, o facto de as expressões terem sido proferidas pelo arguido aquando da primeira sessão da Audiência de Julgamento no âmbito do Processo 263/06.8JFLSB que corre termos na 1ª Vara Criminal de Lisboa e no momento em que entrava nas instalações do Tribunal da Boa-Hora em Lisboa, ou seja, na fase processual que antecede o desfecho do processo iniciado com a denúncia e no local onde, num Estado de Direito Democrático, se realiza a Justiça.

Do facto de as expressões proferidas pelo arguido se mostrarem conectadas com o julgamento e com a matéria que nele iria ser discutida resulta não ter agido o arguido com o fito de agressão pessoal, nem com a motivação de rebaixar e humilhar o assistente, num mero contexto de chicana e achincalhamento.

b) das expressões utilizadas não resulta a imputação ao assistente da prática de um crime de corrupção activa mas antes, e quando muito, uma eventual tentativa de corrupção (“…tentou corromper um vereador”) e para o demonstrar basta ler as afirmações do arguido, sendo despiciendas outras considerações.

c) ter sido abordado por vários jornalistas da imprensa televisiva, radiofónica e escrita e não ter sido o arguido quem procurou falar com eles.

d) a palavra “bandido” é uma das várias proferidas pelo arguido que, embora se dirija ao ofendido quando diz “este é o caso de um bandido que tentou corromper um vereador” (uma vez que naquele momento o aqui assistente iria começar a ser julgado precisamente por se encontrar pronunciado com base no indiciado cometimento, em autoria, de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito), anteriormente começou por referir-se ao processo dizendo “Está tudo gravado. Melhor prova que esta a justiça não podia arranjar e, por isso, é que este é um caso exemplar.”

e) Após ter dito “Este é o caso de um bandido que tentou corromper um vereador” o arguido profere outras expressões em que faz um apelo a que se faça justiça e a que as pessoas não tenham medo de denunciar a corrupção para que os corruptos se consciencializem que não vale a pena continuarem a sê-lo.

f) o arguido à data, tal como actualmente, ocupava um cargo político para o qual havia sido eleito pelo Bloco de Esquerda pelo que, embora o arguido não tivesse proferido as expressões numa ocasião política, os apelos mencionados surgem como manifestação da sua actividade política e cívica, em que o arguido formula um juízo de valor que não pode, em nenhum caso, prestar-se a uma demonstração da sua exactidão (neste sentido, veja-se a decisão de 8 de Julho de 1986 do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em que estava em causa a qualificação do chanceler austríaco Bruno Kreisky como um “oportunista mais detestável”, imoral” e “ indigno”).

g) a versão apresentada na acusação e despacho de pronúncia em contraposição à versão apresentada no requerimento de abertura de instrução a qual, embora não beliscando obviamente a presunção de inocência do aqui assistente (e só uma leitura simplista desta circunstância relevante poderia fazer crer o contrário), inculcava no arguido um respaldo acrescido de confiança no bem fundado da denúncia que havia anteriormente efectuado – a que acrescia o facto já acima referido de estar “tudo gravado” e portanto, em sua consciência e de boa-fé, ter a prova (ou a “melhor prova” como o arguido declarou) dos factos relativos àquela denúncia – e, por isso, faz também compreender e relevar a verdadeira intenção do arguido e o real desiderato da sua declaração, ambos reconduzíveis à intervenção cívica inconformada e ao plano estritamente político (veja-se a supra referida alínea e).), sem qualquer animus difamandi.

Com efeito, na acusação deduzida no Processo 263/06.8JFLSB que corre termos na 1ª Vara Criminal de Lisboa e no despacho de pronúncia o aqui assistente é acusado de ter abordado o irmão do aqui arguido J. e lhe ter transmitido que, de forma a evitar mais perdas de tempo no desenvolvimento de projectos para os terrenos da antiga Feira Popular, relativamente aos quais o aqui arguido havia interposto a acção popular nº 1862/05.0BELSB, estaria disposto a realizar o pagamento de um montante pecuniário em benefício do arguido se o mesmo viesse a desistir da acção mencionada perante o Tribunal Administrativo e Fiscal e se viesse a proferir afirmações públicas, na qualidade de vereador da Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de ter concluído que, após estudo dos dossiers existentes na Câmara Municipal de Lisboa, o negócio de permuta dos terrenos do Parque Mayer estava conforme à realidade.

Apresentando uma diferente versão dos factos, o aqui assistente e ali arguido requereu abertura de instrução, onde refere ter sido o irmão do arguido quem tomou a iniciativa de lhe pedir um financiamento para pagar as despesas da campanha política do arguido para as eleições autárquicas de 2005 e para a liquidação de despesas pessoais do arguido, tendo partido do irmão do arguido a iniciativa de propor a desistência da acção popular, a troco da contrapartida monetária que lhe solicitou, o qual também sugeriu que o aqui arguido proferisse uma declaração pública que lhe permitisse, por razões pessoais de natureza política, desistir da acção sem perder a face, nunca tendo sido intenção do aqui assistente entregar-lhe qualquer quantia pois foi ele quem pôs termo aos contactos.

Ora, bem vistas as coisas, o assistente, nessa versão, imputa (quiçá também de boa-fé, o que aqui não cumpre, contudo, avaliar) também ao irmão do arguido determinado comportamento censurável que este último rejeitava por julgar que o mesmo não tinha ocorrido. Em face disso, ficámos convictos que o epíteto de “bandido” mais não traduzia, no contexto concreto apurado, do que a revolta do arguido (de resto, mencionada pelas testemunhas Juíza Desembargadora S., Arquitecto A. e Dr. P.) perante essa versão contrária à sua e perante a tentativa de corrupção mencionada pelo arguido. 

Com efeito, a respeito das consequências psicológicas para o arguido da mencionada posição do aqui assistente pronunciaram-se as testemunhas Juíza Desembargadora S., Arquitecto A. e Dr. P., irmã e amigos do arguido respectivamente, que descreveram o arguido como sendo pacífico, tolerante, uma pessoa de causas, sendo a questão da corrupção particularmente sentida e objecto de luta continuada e coerente, pelo que, tendo o arguido feito do combate à corrupção a sua bandeira da campanha, aquando do início do julgamento estava entusiasmado por ser a primeira vez que a corrupção chegava ao tribunal e manifestava certeza na condenação por as provas serem “fortes” mas também estava revoltado e indignado com a defesa do aqui assistente que pretendia “virar os factos ao contrário, atribuindo lhes um sentido oposto”.  

Da conjugação dos elementos mencionados, o tribunal conclui que a palavra “bandido” se encontra inserida num particular contexto psicológico e num discurso marcadamente político, inicialmente dirigido à justiça, à prova existente no processo (“Está tudo gravado. Melhor prova que esta a justiça não podia arranjar e, por isso, é que este é um caso exemplar“), após o que profere a expressão “Este é o caso de um bandido que tentou corromper um vereador”, classificando o caso de exemplar, e a partir do caso concreto dirige-se aos cidadãos e faz dois apelos, um a que se faça justiça, e outro a que as pessoas não tenham medo de denunciar a corrupção para que os corruptos se consciencializem que não vale a pena continuarem a sê-lo.

Nas declarações prestadas pelo arguido à comunicação social estão inseridos os apelos referidos dirigidos aos cidadãos num contexto de processo judicial em que era arguido o aqui assistente por alegadamente ter pretendido que o aqui arguido viesse a desistir da acção pendente perante o Tribunal Administrativo e Fiscal e mudasse publicamente de opinião, em sede de reuniões dos órgãos do Município de Lisboa, passando a defender a legalidade do acordo de permuta e a correcção de procedimentos desenvolvidos pelas sociedades participadas pela B. e pelos respectivos sócios, contra o pagamento de uma quantia em dinheiro.

Não obsta ao exposto o facto de as expressões proferidas pelo arguido o terem sido no momento em que entrava nas instalações do Tribunal e antes do início da audiência de julgamento, na medida em que já eram conhecidas as posições do ali arguido e aqui assistente tal como decorre do requerimento de abertura de instrução.

Do exposto, o Tribunal retira que o arguido não teve a intenção de ofender o assistente na sua honra, dignidade, personalidade e imagem pública, tendo-lhe dirigido uma expressão correlacionada com os apelos feitos e cujo alcance objectivo era que fosse compreendida pelo maior número de pessoas, pois dirigia-se aos cidadãos comuns que naquele momento, ou em momento posterior, o vissem e/ou ouvissem.

Os factos não provados relativos às consequências para o assistente do comportamento do arguido decorreram de não se nos afigurar credível que as declarações do arguido, no momento e circunstâncias em que foram proferidas e tendo-o sido por quem esteve na origem da denúncia que conduziu ao julgamento do aqui assistente, tenham tido a veleidade de causar danos ao assistente.

A tal respeito o assistente afirmou ter dado à palavra bandido o sentido de criminoso, o que o incomodou de tal forma que se ausentou por vários dias e só regressou à empresa na segunda-feira e a testemunha V., amigo do assistente desde 1976, referiu ter ficado chocado e indignado com o facto de o arguido ter apelidado o assistente de “bandido” por se tratar de uma palavra que engloba todos os defeitos, tendo confirmado a impossibilidade de o contactar nos dias seguintes.

A ausência do assistente nos dias subsequentes às declarações do arguido foi ainda confirmada pela testemunha Dr. H., Director Financeiro do grupo de empresas do grupo R. e N., que acrescentou que o assistente ficou perturbado com as declarações do arguido das quais a que a testemunha reteve melhor foi a palavra bandido, e, por se ter ausentado, não festejou o seu aniversário com a testemunha, como tem sido habitual.

Acrescentou ainda que a apelidação de “bandido” feita pelo arguido ao assistente teve efeitos em termos bancários sobretudo em casos de risco, tendo inclusive a Mercedes Benz sabido da existência do processo em que era arguido o aqui assistente após as declarações em causa e a partir desse momento passou a exigir relatórios.

Há, ainda, que ter em consideração – no que concerne a toda a factualidade julgada como não provada – que, aquando das declarações do arguido, o aqui assistente era arguido num processo em que já anteriormente havia sido acusado e pronunciado pela prática do crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito e já anteriormente haviam sido publicadas várias de notícias na imprensa relacionadas com tal processo. Ou seja, já antes ao assistente era imputado a prática de um crime (na forma consumada), o que era também já antes notícia nos órgãos de comunicação social. 

Com efeito, o arguido imputou ao assistente um comportamento menos grave do que o que lhe era imputado na pronuncia proferida no processo cujo julgamento se iria iniciar (o arguido disse que o assistente o tentou corromper, enquanto que o assistente havia sido acusado e pronunciado pela prática de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito), a qual, conforme supra referido, já havia sido publicitada pelos órgãos de comunicação social.

Sendo do conhecimento da comunidade nacional (e até internacional) qual o crime imputado ao aqui assistente e os factos que conduziram à sua pronuncia judicial, temos de concluir, em conformidade com as regras da experiência e normalidade do acontecer, que o arguido não introduziu qualquer elemento novo na discussão a não ser a palavra “bandido” (mas reportada ao mesmo contexto fáctico), do que decorre a imprestabilidade das declarações do arguido para provocar no assistente, e neste contexto concretamente situacional, qualquer desgosto, abalo psicológico, tristeza ou vergonha. As ditas ausências do assistente não podem, portanto, ter a sua génese nas declarações do arguido.

É que os factos imputados pelo arguido já eram do conhecimento do assistente e eram mesmo do domínio público (e ainda com maior gravidade, como supra se referiu, e por isso, com também maior potencial danosidade), sendo a referência de “bandido” verbalizada num contexto de intervenção política (sempre dada a excessos de linguagem, resultado do calor da retórica e da pressão mediática – relembre-se a procura dos jornalistas acima mencionada) e cívica de combate a determinado tipo de criminalidade e de promoção da respectiva denúncia pública – no sentido da moralização da vida política e das relações do político com o económico (e veja-se que, actualmente, a própria Procuradoria Geral da República dispõe de um site próprio para a denúncia anónima de eventuais práticas de corrupção) – e nunca (como de resto resultou inequívoco das declarações do arguido e do que demais já se referiu) para humilhar, rebaixar ou ofender o assistente.

Por fim, o depoimento da testemunha Dr. H. mostra-se contrariado pelo teor da documentação junta aos autos pelo próprio assistente e relativa à troca de correspondência entre a Carclasse e a Mercedes Benz, do qual decorre que, em data anterior às declarações do arguido, a Carclasse havia remetido um questionário à Mercedez Benz, ou seja, em 15.05.2007, e também em data anterior a tais declarações do arguido, ou seja, em 30.05.2008, a Mercedes Benz havia solicitado o envio de resposta a um inquérito fazendo menção a notícias divulgadas em diversos órgãos da comunicação social e na internet envolvendo administradores e accionistas da empresa.

Ou seja, a terem existido as consequências descritas pela referida testemunha, elas ocorreram, inequivocamente – por tudo o já mencionado, pelas datas em que ocorreram aquelas trocas de correspondência, documentalmente provadas nos autos (e por isso irrefutáveis por qualquer opinião ou juízo de convicção imparcial) e pelas notícias públicas sobre a matéria que remotam a 2007 (cfr. fls.430 a 442) – em data muito anterior aos factos sob julgamento que, recorde-se, datam de 16 de Setembro de 2008.

Visto isso, é apodíctico que não podia ser outra a decisão quanto à factualidade não provada referida em B.5 a B.7.

Os factos provados relativos à situação pessoal do arguido decorreram das suas declarações, na falta de outros elementos e os antecedentes criminais decorreram do CRC de fls. 315”.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Como é consabido, e convirá salientar, em conformidade com a corrente jurisprudencial hoje pacífica, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer[1], é em função das conclusões que os recorrentes extraem das motivações que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.

Assim, serão apenas (…) “as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal ad quem tem de apreciar”[2], ou, dito de outro modo, o que importa apreciar são as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma singular questão a tratar.

No requerimento de interposição de recurso, o recorrente, além de impugnar a matéria de facto tida como indemonstrada com fundamento na forma como o tribunal recorrido efectuou a apreciação da prova produzida em julgamento, que não considera correcta, com a consequente violação do princípio constitucional da livre apreciação da prova, invoca ainda a existência dos vícios da contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e do erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto nas als. b) e c), do artigo 410, nº 2), do C.P.P., respectivamente.

Como é consabido, a matéria de facto pode ser sindicada por duas formas:

- No âmbito, mais restrito, dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2, do C.P.P., no que se convencionou chamar de “revista alargada”;

- Ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que se refere o artigo 412.º, n.º3, 4 e 6, do mesmo diploma.

Na primeira das situações, estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas diversas alíneas do n.º 2 do referido artigo 410.º, cuja indagação, como se constata de uma análise do preceito, terá de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por consequência, admissível o recurso a elementos a ela estranhos, para a fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento[3].

No segundo caso, a indagação ou apreciação já não está restringida ao texto da decisão, mas alarga-se à análise do que se contém e pode extrair da prova produzida em audiência, embora sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos n.º 3 e 4 do art. 412.º do C.P.Penal.

Ora, analisadas as conclusões, em nosso entender, o Recorrente suscita, no essencial, quatro questões relativamente à decisão em crise:

A- Impugnação da matéria de facto provada tida como indemonstrada.

B- Existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artigo 410, nº 2), al. b), do C.P.C..

C- Existência de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410, nº 2), al. c), do C.P.C..

D- Discordância da decisão de direito manifesta através da análise da factualidade que considera resultar demonstrada com o objectivo de aquilatar se, do ponto de vista objectivo, ela integra ou não o crime de difamação, cuja autoria vinha imputada ao arguido. 

Comecemos então por analisar, se, efectivamente, a decisão recorrida enferma ou não de tais vícios.

A e C- Existência de erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410, nº 2), al. c), do C.P.C., e impugnação da matéria de facto.

Uma vez que a resolução destas duas questões tem por base, embora só parcialmente, a mesma materialidade e meios probatórios produzidos, proceder-se-á à sua análise e resolução conjunta.   

Como se deixou já dito, em matéria de vícios previstos no artº 410º nº 2 do C.P.P., decorre da própria lei, que estes vícios devem resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum sem recurso a outros elementos de apreciação exteriores.

Estes vícios, como da própria lei decorre, devem resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum sem recurso a outros elementos de apreciação exteriores. O fundamento do recurso pode ser um “error in procedendo ou um error in judicando“, em que o que, efectivamente, está em causa é a própria decisão recorrida e não aquela sobre a qual a decisão incidiu, o que, por si só, explica a importante limitação contida no artº 410º nº 2, do C.P.P..

Na verdade, “(...) o nosso sistema processual inclina-se para que o objecto do recurso seja a decisão em si, embora se façam concessões através do recurso extraordinário de revisão; se o objecto do recurso é julgar se a decisão proferida foi justa ou injusta, então não interessa senão comparar a decisão com os dados que o juiz possuía. Esta posição tem importância prática muito grande, pois que não é possível juntar nas alegações de recurso novos elementos de prova que não foram considerados na decisão recorrida”[4].

Ora, como se refere no Ac. do STJ de 20 de Abril de 2006[5], “o erro notório na apreciação da prova consiste em o tribunal ter dado como provado ou não provado determinado facto, quando a conclusão deveria manifestamente ter sido a contrária, já por força de uma incongruência lógica, já por ofender princípios ou leis formulados cientificamente, nomeadamente das ciências da natureza e das ciências físicas, ou contrariar princípios gerais da experiência comum das pessoas, já por se ter violado ou postergado um princípio ou regra fundamental em matéria de prova; existe erro notório na apreciação da prova quando, pelo menos, a prova em que se baseou a decisão recorrida não poderia fundamentar a decisão do tribunal sobre essa matéria de facto”[6], sendo que essa prova, não pode ser outra que não a que serviu de base à fundamentação da convicção do tribunal, visto o erro ter de decorrer do texto da decisão recorrida, sem recurso a elementos extrínsecos. Em qualquer caso, o erro tem de ser perceptível pelo homem médio, que é uma outra forma de dizer que o erro tem de ser manifesto ou notório, como tem postulado a quase esmagadora maioria da jurisprudência deste Supremo.”

Estaremos, assim, perante o vício previsto na alínea c., do artigo 410, do Código de Processo Penal, “quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida. Mas existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos” [7] [8].

Desdobra-se, pois, em erro na apreciação dos factos e em erro na valoração da prova produzida.

O erro notório consiste, assim, num desacerto do raciocínio na apreciação das provas que ressalta de imediato patenteado numa simples leitura da decisão recorrida uma vez que as provas anunciam claramente um sentido e a decisão recorrida conclui em sentido contrário.

A notoriedade do erro (sendo este a ignorância ou falsa representação da realidade) exigida pela lei traduz-se numa incongruência que “há-de ser de tal modo evidente que não passe despercebida ao comum dos observadores, ao homem médio (...), ao observador na qualidade de magistrado, dotado de formação e experiência adequadas a um tribunal de recurso. Esse erro há-de ser evidente aos olhos dos que apreciam a decisão e seus destinatários, sem necessidade de argúcia excepcional (...)” [9].

O conceito de erro notório na apreciação das provas tem que ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, de que todos se apercebem directamente, ou que, observados pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório”. [10]

Há, no entanto, uma corrente jurisprudencial que, sendo menos exigente, tem vindo a entender que, “para que se verifique o requisito da notoriedade do vício não é indispensável que o erro não passe despercebido ao comum dos observadores, isto é, que seja por eles facilmente apreensível” (…), uma vez que Aquela visão de maior exigência para a verificação do vício - resultante de se referenciar a sua evidência à possibilidade da sua fácil percepção pela pessoa comum - diminuiria injustificadamente o efeito pretendido com a previsão do seu conhecimento, mesmo oficiosamente; efeito esse radicado no objectivo de evitar tanto quanto possível decisões de facto não consentâneas com a prova produzida, de forma a limitar o risco de decisões injustas.” [11]

“Em sede de erro notório na apreciação da prova, as regras de experiência comum só podem ser invocadas quando da sua aplicação resulte, sem equívocos, a existência do aludido erro, já que a lei exige, para ser válido, enquanto motivo de anulação, que ele tenha veste de “notório”, isto é, que contra o que resulta de elementos que constem dos autos e cuja força probatória plena não haja sido infirmada ou de dados do conhecimento público generalizado, se emite um juízo sobre a verificação ou não de certa matéria de facto e se torne incontestável a existência de tal erro de julgamento sobre a prova produzida.

É o que acontece, nomeadamente, quando por forma manifesta, e sem adequada justificação, se dá como não provada matéria constante de documento com força probatória plena sem que o mesmo tenha sido arguido de falso, ou quando se afirme como existente ou inexistente um facto, que seja do conhecimento público não se ter ou se ter produzido”.[12]

Destarte, e em conclusão, o vício em causa apenas se verifica quando, usando um método racional e lógico de análise, se torna evidente para qualquer pessoa minimamente atenta que a conclusão a que chegou o tribunal recorrido é ostensivamente violadora das regras da experiência comum.

 Como pode ler-se no acórdão do S.T.J. de 09/07/97, processo n.º 562/97, “o erro notório na apreciação da prova, previsto no art.º 410.°, n.º 2, al. c), do C.P.P., não reside na desconformidade entre a decisão de facto do julgador e aquela que teria sido a do próprio recorrente”, sendo que, “tal erro só existe quando, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte por demais evidente a conclusão contrária àquela a que chegou o tribunal”.

Por seu turno, a regra geral de que, na apreciação da prova e partindo das regras de experiência, o tribunal é livre de formar a sua convicção, encontra-se consagrada no art. 127º do C.P.P..

E, como refere Cavaleiro Ferreira, as regras da experiência são “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.”[13]

Tecidos estes breves considerandos passemos agora à análise da situação vertente.

Para sustentar esta sua pretensão, alega o recorrente que, com relação aos factos constantes dos nºs 1) a 4), a sentença recorrida incorreu neste erro, pois que, em seu entender, “atento o teor e conteúdo objectivo das expressões Proferidas pelo Arguido, é impensável, de acordo com as regras da experiência comum”:

- “Colocar sequer a hipótese de o Arguido não ter ofendido, nem ter pretendido com elas ofender o assistente na sua honra, dignidade, personalidade e imagem pública”;

- “Ou desconhecer que tais expressões são ofensivas daqueles bens pessoais e contêm um juízo negativo sobre o carácter do assistente”;

- “Ou que não tenha procurado e conseguido através da publicitação em diversos meios de comunicação social de âmbito nacional e internacional, conferir-lhe, como conferiu, grande publicidade”;

- “Ou que não soubesse que ao imputar, como imputou, tais juízos ao assistente estava a violar o bom-nome, a credibilidade e prestígio de que o assistente sempre gozou”;

- “Ou que não tenha agido voluntária e conscientemente, bem sabendo da natureza ilícita e criminalmente censurável da sua conduta”.

E isto porque, em sua opinião, ”semelhante suposição é impensável, de acordo com as regras da experiência comum, quando reportada a alguém dotado dum mínimo de sensibilidade moral e capacidade de compreender e valorar os actos próprios e alheios”.

E – continua -, o arguido está dotado dessa “sensibilidade e capacidade”, pois que, “como pessoa (de resto investida num estatuto profissional - é Advogado - e político - é Vereador duma Câmara Municipal, que implicam e documentam qualificações, pelo menos, de nível médio) ”.

Após, impugna a consistência e credibilidade da motivação em que a decisão recorrida fez assentar a sua convicção negativa, sobre os aludidos factos, aduzindo também toda a argumentação em que alicerça a sua pretensão de ver dada como demonstrada essa mesma materialidade.

E, para efeito, realçou o recorrente os aspectos que considerou mais relevantes dessa motivação, procedendo de seguida a uma análise crítica de cada um deles, conforme resulta de fls. 24 a 35, das alegações do recurso apresentado.

Mas, haverá desde já de salientar que cada uma dessas circunstâncias não existiu nem, consequentemente, foi valorada sozinha, mas sim em correlacionamento com as demais, resultando, por isso, o seu valor ou contributo probatório como resultado da análise global de toda a prova, e não do somatório do valor facial de cada uma das partes, que, evidentemente, pode não assumir igual relevância probatória. 

E isso mesmo decorre com evidência da própria motivação da decisão recorrida quando, a fls. 12, refere que “da conjugação dos elementos mencionados, o tribunal conclui que a palavra “bandido” se encontra inserida num particular contexto psicológico e num discurso marcadamente político, inicialmente dirigido à justiça, à prova existente no processo (“Está tudo gravado. Melhor prova que esta a justiça não podia arranjar e, por isso, é que este é um caso exemplar“), após o que profere a expressão “Este é o caso de um bandido que tentou corromper um vereador”, classificando o caso de exemplar, e a partir do caso concreto dirige-se aos cidadãos e faz dois apelos, um a que se faça justiça, e outro a que as pessoas não tenham medo de denunciar a corrupção para que os corruptos se consciencializem que não vale a pena continuarem a sê-lo”.

Por outo lado, e pese embora o recorrente formalmente invocar a existência do vício ora em apreço - erro notório -, da análise da substância em que se fundamenta, constata-se que aquilo que verdadeiramente alicerça a sua pretensão, é a inconsistência que atribui aos meios probatórios em que o tribunal baseou a sua convicção negativa com relação à mencionada factualidade, e não em qualquer incoerência ou desconformidade dos factos relativamente à prova, notoriamente observável e intrínseca à própria decisão recorrida.

Com efeito, aquilo que realmente o recorrente considera, é que as premissas probatórias em que o tribunal estriba a sua convicção, não possuem suficiente consistência e credibilidade passiveis de permitir que, com base nelas, tivessem sido extraídas as conclusões de inverificação factual, que, efectivamente o foram, na decisão recorrida.  

Senão, vejamos!

- Referindo-se ao conteúdo da al. a) da motivação, escreve a fls. 780:

 “Este argumento não serve, de modo nenhum, para justificar a concussão de que não ficaram demonstrados os factos agora em consideração;

“O argumento agora acrescentado (…) não tem a mais insignificante réstia de consistência”.

- Reportando-se ao conteúdo da al. b), da motivação, escreve a fls. 780, verso:

“Este argumento revela uma preocupante distorção da realidade, porque menospreza ou ignora o facto de o Arguido ao referir uma suposta (mas falsa como ficou decidido pelos tribunais competentes) “tentativa” de corrupção apenas valorizar a circunstância de ele, Arguido, lhe ter resistido, reforçando a afirmação (falsa, repete-se) de que o agora Assistente o “tentou” corromper, e patrocina o discurso do mesmo Arguido, dirigido a todos os ignorantes que desconhecem que o crime de corrupção activa se consuma com a mera oferta do suborno”.

 - Relativamente ao conteúdo da al. c), da motivação, escreve a fls. 781:

“Este argumento, além de falacioso, é irrelevante.

Falacioso, porque se o Arguido tivesse convocado os jornalistas para organizar a publicidade do insultou, apenas teria agravado a sua conduta.

O ter-se aproveitado (se foi apenas isso o que aconteceu) da presença dos jornalistas para proferir as afirmações que proferiu não iliba nem legitima a sua conduta”.

- Com relação ao conteúdo da al. d), da motivação, escreve a fls. 781, verso:

“Trata-se de mais um argumento sem sentido.

Seja porque as demais palavras proferidas pelo Arguido não descaracterizam nem contrariam aquela expressão

Seja porque nada nos adianta que contrarie o carácter injurioso, ofensivo, degradante e rasteiro desta expressão”.

 - No que respeita ao conteúdo da al. e), da motivação, escreve a fls. 782 e 782, verso:

“Este argumento não se percebe num Estado de Direito, em que não faz qualquer sentido um cidadão, sobretudo quando está, como o Arguido está, investido de responsabilidades de cidadania ou políticas, “armar a feira mediática” em frente a um Tribunal que vai julgar e decidir (ou aproveitar-se dela, é, com todo o rigor, o mesmo) para fazer apelos à Justiça”.

- Relativamente ao conteúdo da al. f), da motivação, escreve a fls. 784, verso:

“Este argumento transporta-nos para um patamar fundamental da decisão, que será analisado mais adiante: a legitimação das palavras do Arguido através do exercício da "política" e da intervenção "cívica", que funcionaria aqui como uma verdadeira causa de exclusão da ilicitude.

Em todo o caso, fica sublinhado, desde já, que a douta sentença se abona no argumento inaudito de admitir a emissão de juízos de valor de conteúdo ofensivo, "cuja exactidão não se presta a demonstrações", subvertendo, por completo, o sentido da norma que admite (mas apenas admite, quando admite) a prova de factos ofensivos (cfr art° 180°, 2, CP), jamais consentindo a prova de juízos ofensivos!”

- E, por último, reportando-se ao conteúdo da al. g), da motivação, escreve a fls. 784 e 784, verso:

“O Recorrente não compreende sequer o sentido deste argumento.

A menos que tenha o alcance de legitimar a versão constante da acusação e despacho de pronúncia (que, repete-se, foi repudiada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, insusceptível de recurso ordinário, que absolveu o Arguido e declarou que ele não cometeu qualquer crime), por contraposição à versão constante do requerimento de instrução.

Mas, como não pode ter esse alcance (que implicaria tomar partido a favor de uma tese em detrimento da outra, com violação do princípio da presunção de inocência), não se compreende o argumento” (…).

Ora, em nosso entender, da análise das alegações do recorrente decorre que aquilo que ele pretendeu questionar é a consistência da prova, nada aduzindo, no entanto, passível de integrar o erro notório que invoca. 

Na verdade, não se está perante “uma falha grosseira e ostensiva, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si; (...) que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis”, por contrárias às regras da lógica ou da experiência comum, ou, dito de outro modo, não se está perante uma situação em que, por existência de um erro manifesto, isto é, facilmente demonstrável, dada a sua evidência perante o texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a convicção do julgador seja inadmissível.

E, não pode esquecer-se que não existe tal erro quando a convicção do julgador é plausível, ou possível, embora pudesse ter sido outra.

Na verdade, como se refere no acórdão do S.T.J., de 15/07/08[14], sendo certo que “o erro notório na apreciação da prova”, (…), tem de decorrer da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum” (…), não configura um erro claro e patente o entendimento que possa traduzir-se numa leitura possível, aceitável, razoável, da prova produzida”.

Destarte, inexistindo este vício invocado pelo recorrente, proceder-se-á à análise de tudo quanto se acaba de referir, como impugnação da matéria de facto, na perspectiva de esclarecer se houve ou não, por parte do tribunal recorrido, um erro de julgamento, com relação à já mencionada materialidade tida como indemonstrada.

Ora o recorrente baseou a sua impugnação nos seguintes fundamentos, como, aliás, decorre das conclusões que formulou:

- Impugnou a credibilidade e a consistência dos meios probatórios de que o tribunal recorrido se serviu para formular a sua convicção negativa, nos moldes supra descritos;

- Sustentou ainda esta a sua impugnação, alegando que, ex abundante, os depoimentos prestados pelas testemunhas H. e V. impõe, por si só, que se considerem provados os factos descritos sob os nºs 1) a 7), da materialidade considerada como não provada na decisão em apreço.

E, a fls. 39 a 49 das alegações de recurso apresentadas efectua a transcrição das partes mais relevantes destes depoimentos em que alicerça esta sua posição no sentido da existência de um substrato probatório credível e consistente, passível de sedimentar e impor uma convicção positiva com relação à mencionada materialidade, tida, na decisão, como indemonstrada.    

Constata-se, assim, que o recorrente, no essencial, manifesta o seu desacordo com o modo como se procedeu à valoração dos meios probatórios produzidos em audiência, que, designadamente, considera ter sido efectuada em ostensiva violação do princípio da livre apreciação da prova.

E, em apreciação desta questão, afigura-se-nos pertinente começar por referir que o este vício invocado pelo recorrente, a existir, integra, efectivamente, um vício da decisão ou erro de julgamento.

Todavia, da própria análise da motivação do recurso, à evidência se constata que, quanto a este aspecto, tudo quanto o recorrente impugna – valoração da prova e factos indemonstrados – está abundante e exaustivamente tratado na decisão recorrida, inexistindo no recurso a alegação de quaisquer razões consistentes e fundadas que justifiquem a imposição de uma decisão diversa – em sentido positivo - relativamente à materialidade impugnada.    

Com efeito, salvo o devido respeito, no essencial, aquilo que o recorrente alega é que o tribunal não reuniu prova consistente para dar como não provados os factos, sem esclarecer em que meios se deveria ter baseado para os dar como provados, como se da não prova de um facto resultasse, automaticamente, a prova do seu contrário.

Só que, e como é consabido, quer em termos naturalísticos como jurídicos, não é assim que se passam as coisas!

Na verdade, e com é óbvio, a “não prova” de um facto não significa a prova do seu contrário, tudo se passando como se o facto alegado e considerado não provado seja juridicamente inexistente, isto é como se nem sequer alegado tivesse sido, orientação que de forma uniforme vem sendo adoptada pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores.

Como tem vindo a ser orientação do S.T.J., “Um facto não provado, não passa disso: de um facto não provado. Não é a prova do contrário. É tão-só, um não facto. Isto é: a não prova da intenção de matar não é a prova da não intenção de matar”[15].

Acresce ainda que, e com relação aos depoimentos que, em seu entender, por si só, são passíveis de fundamentar a versão positiva dos factos, limitou-se a proceder à respectiva transcrição, não aduzindo em defesa das suas conclusões quaisquer razões, nomeadamente, não efectua uma análise crítica desses meios probatórios, em si mesmos, ou no contexto de todos aqueles que foram produzidos e que foram tidos em consideração na formulação da convicção negativa sobre a materialidade em referencia.

E, como é consabido, e de todo resulta incontornável, da própria análise da globalidade dos meios probatórios produzidos nos autos, a prova testemunhal mencionada pelo recorrente não foi a única que se produziu sobre essa mesma factualidade, não bastando, por isso, a sua mera referência, sem a contextualizar criticamente no contexto da demais, em ordem a tornar claras e transparentes as conclusões que, com base nela, o recorrente pretende sejam extraídas.

Com efeito, e como vem sendo pacificamente defendido o poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, uma vez que, “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros”[16].

O poder de cognição do Tribunal da Relação está, assim, confinado aos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados, com as especificações estatuídas no art. 412º, n.ºs 3 e 4, do Código Processo Penal.

Como realçou o S.T.J., em acórdão de 12 de Junho de 2008[17], a sindicância da matéria de facto, na impugnação ampla sofre quatro tipos de limitações:

- a que decorre da necessidade de observância pelo recorrente do mencionado ónus de especificação, pelo que a reapreciação é restrita aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, sendo necessário que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam;

- a que decorre da natural falta de oralidade e de imediação com as provas produzidas em audiência, circunscrevendo-se o “contacto” com as provas ao que consta das gravações;

- a que resulta da circunstância de a reponderação de facto pela Relação não constituir um segundo/novo julgamento, cingindo-se a uma intervenção cirúrgica, no sentido de restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correcção se for caso disso.

No caso em apreço, o que resulta das motivações do recorrente é que à versão acolhida pelo Tribunal recorrido, ele não contrapõe, neste aspecto, a sua própria versão ou interpretação da prova efectuada, refutando apenas a apreciação que na decisão se fez dos meios de prova produzidos, com relação aos factos constantes dos nºs 1) a 7), dos factos tidos como indemonstradas.

Todavia, e como o recorrente demonstra bem conhecer, no nosso sistema processual, vigora o princípio da livre apreciação da prova, por contraposição ao sistema da prova legal, sendo que, em conformidade com o referido princípio, o juiz tem total liberdade, de acordo com a sua íntima convicção, de proceder à valoração dos meios de prova obtidos, sendo, por consequência, o tribunal livre de formar a sua convicção na apreciação da prova, em conformidade com as regras de experiência.

Por isso, nada obsta a que o tribunal na sua actividade de valoração dos meios probatórios produzidos alicerce a sua convicção apenas nalguns deles, contanto que se lhe afigurem credíveis, em detrimento de outros, eventualmente, em maior número e até de maior vastidão e amplitude probatória, mas não revestidos de suficiente consistência e credibilidade de molde a permitir a infirmação dos primeiros.

Neste mesmo sentido, refere-se no Acórdão da Relação do Porto[18] que, “(…) o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação da prova, que tem consagração expressa no art.º 127.º do CPP. A decisão do Tribunal há-de ser sempre uma “convicção pessoal – até porque nela desempenham um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais”[19].

Ora, como é consabido, estando em causa a impugnação da matéria de facto, e tal como tem vindo a ser sustentado ao nível jurisprudencial, ao tribunal apenas incumbe emitir juízos de censura crítica a propósito dos pontos concretos que as partes especifiquem e indiquem como não correctamente julgados ou se as provas sindicadas impunham decisão diversa[20].

Por outro lado, o tribunal recorrido, estando vinculado na sua actividade de apreciação e valoração dos meios probatórios pelas regras da experiência e a pela sua livre convicção, não tem que aceitar como verdadeiro o que é referido pelo arguido, assistente ou por qualquer testemunha, não podendo a motivação probatória ser posta em confrontação com as convicções pessoais do recorrente.

O princípio da livre apreciação da prova consagrado no artº. 127, do CPP, pressupondo uma cuidada valoração objectiva e crítica e em boa medida objectivamente motivável, em harmonia com as regras da lógica, da razão, das regras da experiência e dos conhecimentos científicos, não tem como significado a possibilidade de apreciação puramente subjectiva, arbitrária, baseada em meras impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação.

Envolve assim elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade, permitindo que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade e que incidindo sobre elementos objectivos carreados para o processo conduziram à convicção do julgador[21].

Como se escreve no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, (no recurso nº. 99.2001), “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter, necessariamente, um sentido crítico”.

E – continua o mesmo aresto – “A valoração da prova por declarações e testemunhal depende, para além do conteúdo das declarações e dos depoimentos prestados, do modo como os mesmos são assumidos pelo declarante e pela testemunha e da forma como são transmitidos ao tribunal, circunstâncias que relevam, a par da postura e do comportamento geral do declarante e da testemunha, para efeitos de determinação da credibilidade deste meio de prova, por via da amostragem ou indiciação da personalidade, do carácter, da probidade moral e da isenção de quem declara ou testemunha”.

Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão.

Assim como, obviamente, não basta também que um arguido negue ou não assuma a prática dos factos, para que o tribunal fique impedido de valorar a prova em sentido contrário, e parece ser este o entendimento da arguida/recorrente.

Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sócio-cultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente[22].

Como escreve Marques Ferreira[23], “apesar da minuciosa regulamentação das provas, continua a vigorar o princípio fundamental de que na “questão de facto”, a decisão do tribunal assenta na livre convicção do julgador, ainda que devidamente fundamentada, devendo aparecer como conclusão lógica e aceitável à luz dos critérios do art. 127º do Cód. Proc. Penal. Não deixa porém de se assinalar, como resulta mais uma vez do preâmbulo do C.P.P. – cfr. n.º7 - que “o código aposta confiadamente na qualidade da justiça realizada a nível de 1ª instância”.

Refere ainda o Prof. Figueiredo Dias[24] que “a apreciação da prova é na verdade discricionária, tem evidentemente como toda a discricionariedade jurídica os seus limites que não podem ser ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova, é, no fundo uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo”...”não a pura convicção subjectiva ... se a verdade que se procura é uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão (...) a convicção do juiz há-de ser (…) em todo o caso uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de se impor aos outros (...) em que o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável”.

O tribunal de recurso poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, mas não pode esquecer-se que o tribunal recorrido dispôs de um elemento de relevo de que aquele não dispõe e que é a discussão em audiência e a imediação com as provas.

Como defende o S.T.J. [25], “Quanto ao julgamento de facto pela Relação, importa ter em conta que uma coisa é não agradar ao recorrente o resultado da avaliação que se fez da prova e, outra, é detectar-se no processo de formação da convicção desse julgador, erros claros de julgamento, incluindo eventuais violações de regras e princípios de direito probatório” e que “Ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, não pode ignorar-se que a apreciação da prova obedece ao disposto no art. 127.º do CPP, ou seja, assenta (…) na livre convicção do julgador e nas regras da experiência”.

Por outro lado, também não pode esquecer-se o que a imediação em 1.ª instância dá, e o julgamento da Relação não permite. Basta pensar, naquilo que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, de hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir.

O trabalho que cabe à Relação fazer, na sindicância do apuramento dos factos realizado em 1.ª instância, traduz-se fundamentalmente em analisar o processo de formação da convicção do julgador, e concluir, ou não, pela perfeita razoabilidade de se ter dado por provado o que se deu por provado”.

“O Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção, mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova pode exibir perante si”.[26]

Aqui chegados, temos como incontroversa a conclusão de que, tendo em consideração tudo o exposto, do confronto das motivações de recurso com as motivações da decisão recorrida, a conclusão que incontroversamente se retira é a de que o presente recurso, de facto, não se funda na desconformidade entre a prova produzida em audiência, aproveitada pelo tribunal recorrido para formar a sua convicção – negativa -, e os factos que, com base nela, veio a considerar não provados, mas antes no entendimento do recorrente – que, com relação aos depoimentos das testemunhas a que se refere, nem sequer se alicerça numa análise crítica da prova, uma vez que, apenas os indica, limitando-se a alegar que, em seu entender, eles permitem extrair e legitimam a conclusão que pretende ver reconhecida, ou seja, a demonstração dos aludidos factos tidos, na decisão posta em crise, como indemonstrados - de que a sua versão - positiva – desses mesmos factos tidos como não provados é que é merecedora de credibilidade, e não a versão oposta, que veio a ser acolhida na sentença recorrida.

Senão vejamos!

Com relação à materialidade tida como não provada pode ler-se na motivação da matéria de factos da decisão recorrida o seguinte:

“No que respeita aos factos não provados 1º a 4º contribuíram para a formação da convicção do tribunal os seguintes elementos que mais não são do que circunstâncias contextualizadas (sob pena de, da literalidade das expressões resultar a “óbvia” condenação ou a “óbvia” absolvição do arguido), articuladas de forma transparente, nem poderia ser de outra forma, das quais se retira, de forma crítica mas nunca opinativa, as consequências de tal articulação no estrito plano da convicção da julgadora:

a) o local e o momento em que foram proferidas as expressões dadas como provadas, ou seja, o facto de as expressões terem sido proferidas pelo arguido aquando da primeira sessão da Audiência de Julgamento no âmbito do Processo 263/06.8JFLSB que corre termos na 1ª Vara Criminal de Lisboa e no momento em que entrava nas instalações do Tribunal da Boa-Hora em Lisboa, ou seja, na fase processual que antecede o desfecho do processo iniciado com a denúncia e no local onde, num Estado de Direito Democrático, se realiza a Justiça.

Do facto de as expressões proferidas pelo arguido se mostrarem conectadas com o julgamento e com a matéria que nele iria ser discutida resulta não ter agido o arguido com o fito de agressão pessoal, nem com a motivação de rebaixar e humilhar o assistente, num mero contexto de chicana e achincalhamento.

b) das expressões utilizadas não resulta a imputação ao assistente da prática de um crime de corrupção activa mas antes, e quando muito, uma eventual tentativa de corrupção (“…tentou corromper um vereador”) e para o demonstrar basta ler as afirmações do arguido, sendo despiciendas outras considerações.

c) ter sido abordado por vários jornalistas da imprensa televisiva, radiofónica e escrita e não ter sido o arguido quem procurou falar com eles.

d) a palavra “bandido” é uma das várias proferidas pelo arguido que, embora se dirija ao ofendido quando diz “este é o caso de um bandido que tentou corromper um vereador” (uma vez que naquele momento o aqui assistente iria começar a ser julgado precisamente por se encontrar pronunciado com base no indiciado cometimento, em autoria, de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito), anteriormente começou por referir-se ao processo dizendo “Está tudo gravado. Melhor prova que esta a justiça não podia arranjar e, por isso, é que este é um caso exemplar.”

e) Após ter dito “Este é o caso de um bandido que tentou corromper um vereador” o arguido profere outras expressões em que faz um apelo a que se faça justiça e a que as pessoas não tenham medo de denunciar a corrupção para que os corruptos se consciencializem que não vale a pena continuarem a sê-lo.

f) o arguido à data, tal como actualmente, ocupava um cargo político para o qual havia sido eleito pelo Bloco de Esquerda pelo que, embora o arguido não tivesse proferido as expressões numa ocasião política, os apelos mencionados surgem como manifestação da sua actividade política e cívica, em que o arguido formula um juízo de valor que não pode, em nenhum caso, prestar-se a uma demonstração da sua exactidão (neste sentido, veja-se a decisão de 8 de Julho de 1986 do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em que estava em causa a qualificação do chanceler austríaco Bruno Kreisky como um “oportunista mais detestável”, imoral” e “ indigno”).

g) a versão apresentada na acusação e despacho de pronúncia em contraposição à versão apresentada no requerimento de abertura de instrução a qual, embora não beliscando obviamente a presunção de inocência do aqui assistente (e só uma leitura simplista desta circunstância relevante poderia fazer crer o contrário), inculcava no arguido um respaldo acrescido de confiança no bem fundado da denúncia que havia anteriormente efectuado – a que acrescia o facto já acima referido de estar “tudo gravado” e portanto, em sua consciência e de boa-fé, ter a prova (ou a “melhor prova” como o arguido declarou) dos factos relativos àquela denúncia – e, por isso, faz também compreender e relevar a verdadeira intenção do arguido e o real desiderato da sua declaração, ambos reconduzíveis à intervenção cívica inconformada e ao plano estritamente político (veja-se a supra referida alínea e).), sem qualquer animus difamandi.

Com efeito, na acusação deduzida no Processo 263/06.8JFLSB que corre termos na 1ª Vara Criminal de Lisboa e no despacho de pronúncia o aqui assistente é acusado de ter abordado o irmão do aqui arguido J. e lhe ter transmitido que, de forma a evitar mais perdas de tempo no desenvolvimento de projectos para os terrenos da antiga Feira Popular, relativamente aos quais o aqui arguido havia interposto a acção popular nº 1862/05.0BELSB, estaria disposto a realizar o pagamento de um montante pecuniário em benefício do arguido se o mesmo viesse a desistir da acção mencionada perante o Tribunal Administrativo e Fiscal e se viesse a proferir afirmações públicas, na qualidade de vereador da Câmara Municipal de Lisboa, no sentido de ter concluído que, após estudo dos dossiers existentes na Câmara Municipal de Lisboa, o negócio de permuta dos terrenos do Parque Mayer estava conforme à realidade.

Apresentando uma diferente versão dos factos, o aqui assistente e ali arguido requereu abertura de instrução, onde refere ter sido o irmão do arguido quem tomou a iniciativa de lhe pedir um financiamento para pagar as despesas da campanha política do arguido para as eleições autárquicas de 2005 e para a liquidação de despesas pessoais do arguido, tendo partido do irmão do arguido a iniciativa de propor a desistência da acção popular, a troco da contrapartida monetária que lhe solicitou, o qual também sugeriu que o aqui arguido proferisse uma declaração pública que lhe permitisse, por razões pessoais de natureza política, desistir da acção sem perder a face, nunca tendo sido intenção do aqui assistente entregar-lhe qualquer quantia pois foi ele quem pôs termo aos contactos.

Ora, bem vistas as coisas, o assistente, nessa versão, imputa (quiçá também de boa-fé, o que aqui não cumpre, contudo, avaliar) também ao irmão do arguido determinado comportamento censurável que este último rejeitava por julgar que o mesmo não tinha ocorrido. Em face disso, ficámos convictos que o epíteto de “bandido” mais não traduzia, no contexto concreto apurado, do que a revolta do arguido (de resto, mencionada pelas testemunhas Juíza Desembargadora S., Arquitecto A. e Dr. P.) perante essa versão contrária à sua e perante a tentativa de corrupção mencionada pelo arguido. 

Com efeito, a respeito das consequências psicológicas para o arguido da mencionada posição do aqui assistente pronunciaram-se as testemunhas Juíza Desembargadora S., Arquitecto A. e Dr. P., irmã e amigos do arguido respectivamente, que descreveram o arguido como sendo pacífico, tolerante, uma pessoa de causas, sendo a questão da corrupção particularmente sentida e objecto de luta continuada e coerente, pelo que, tendo o arguido feito do combate à corrupção a sua bandeira da campanha, aquando do início do julgamento estava entusiasmado por ser a primeira vez que a corrupção chegava ao tribunal e manifestava certeza na condenação por as provas serem “fortes” mas também estava revoltado e indignado com a defesa do aqui assistente que pretendia “virar os factos ao contrário, atribuindo lhes um sentido oposto”.  

Da conjugação dos elementos mencionados, o tribunal conclui que a palavra “bandido” se encontra inserida num particular contexto psicológico e num discurso marcadamente político, inicialmente dirigido à justiça, à prova existente no processo (“Está tudo gravado. Melhor prova que esta a justiça não podia arranjar e, por isso, é que este é um caso exemplar“), após o que profere a expressão “Este é o caso de um bandido que tentou corromper um vereador”, classificando o caso de exemplar, e a partir do caso concreto dirige-se aos cidadãos e faz dois apelos, um a que se faça justiça, e outro a que as pessoas não tenham medo de denunciar a corrupção para que os corruptos se consciencializem que não vale a pena continuarem a sê-lo.

Nas declarações prestadas pelo arguido à comunicação social estão inseridos os apelos referidos dirigidos aos cidadãos num contexto de processo judicial em que era arguido o aqui assistente por alegadamente ter pretendido que o aqui arguido viesse a desistir da acção pendente perante o Tribunal Administrativo e Fiscal e mudasse publicamente de opinião, em sede de reuniões dos órgãos do Município de Lisboa, passando a defender a legalidade do acordo de permuta e a correcção de procedimentos desenvolvidos pelas sociedades participadas pela B. e pelos respectivos sócios, contra o pagamento de uma quantia em dinheiro.

(…)

Do exposto, o Tribunal retira que o arguido não teve a intenção de ofender o assistente na sua honra, dignidade, personalidade e imagem pública, tendo-lhe dirigido uma expressão correlacionada com os apelos feitos e cujo alcance objectivo era que fosse compreendida pelo maior número de pessoas, pois dirigia-se aos cidadãos comuns que naquele momento, ou em momento posterior, o vissem e/ou ouvissem.

Os factos não provados relativos às consequências para o assistente do comportamento do arguido decorreram de não se nos afigurar credível que as declarações do arguido, no momento e circunstâncias em que foram proferidas e tendo-o sido por quem esteve na origem da denúncia que conduziu ao julgamento do aqui assistente, tenham tido a veleidade de causar danos ao assistente.

A tal respeito o assistente afirmou ter dado à palavra bandido o sentido de criminoso, o que o incomodou de tal forma que se ausentou por vários dias e só regressou à empresa na segunda-feira e a testemunha V., amigo do assistente desde 1976, referiu ter ficado chocado e indignado com o facto de o arguido ter apelidado o assistente de “bandido” por se tratar de uma palavra que engloba todos os defeitos, tendo confirmado a impossibilidade de o contactar nos dias seguintes.

(…)

Acrescentou ainda que a apelidação de “bandido” feita pelo arguido ao assistente teve efeitos em termos bancários sobretudo em casos de risco, tendo inclusive a Mercedes Benz sabido da existência do processo em que era arguido o aqui assistente após as declarações em causa e a partir desse momento passou a exigir relatórios.

Há, ainda, que ter em consideração – no que concerne a toda a factualidade julgada como não provada – que, aquando das declarações do arguido, o aqui assistente era arguido num processo em que já anteriormente havia sido acusado e pronunciado pela prática do crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito e já anteriormente haviam sido publicadas várias de notícias na imprensa relacionadas com tal processo. Ou seja, já antes ao assistente era imputado a prática de um crime (na forma consumada), o que era também já antes notícia nos órgãos de comunicação social. 

Com efeito, o arguido imputou ao assistente um comportamento menos grave do que o que lhe era imputado na pronuncia proferida no processo cujo julgamento se iria iniciar (o arguido disse que o assistente o tentou corromper, enquanto que o assistente havia sido acusado e pronunciado pela prática de um crime de corrupção activa para a prática de acto ilícito), a qual, conforme supra referido, já havia sido publicitada pelos órgãos de comunicação social.

Sendo do conhecimento da comunidade nacional (e até internacional) qual o crime imputado ao aqui assistente e os factos que conduziram à sua pronuncia judicial, temos de concluir, em conformidade com as regras da experiência e normalidade do acontecer, que o arguido não introduziu qualquer elemento novo na discussão a não ser a palavra “bandido” (mas reportada ao mesmo contexto fáctico), do que decorre a imprestabilidade das declarações do arguido para provocar no assistente, e neste contexto concretamente situacional, qualquer desgosto, abalo psicológico, tristeza ou vergonha. As ditas ausências do assistente não podem, portanto, ter a sua génese nas declarações do arguido.

É que os factos imputados pelo arguido já eram do conhecimento do assistente e eram mesmo do domínio público (e ainda com maior gravidade, como supra se referiu, e por isso, com também maior potencial danosidade), sendo a referência de “bandido” verbalizada num contexto de intervenção política (sempre dada a excessos de linguagem, resultado do calor da retórica e da pressão mediática – relembre-se a procura dos jornalistas acima mencionada) e cívica de combate a determinado tipo de criminalidade e de promoção da respectiva denúncia públicano sentido da moralização da vida política e das relações do político com o económico (…).

Por fim, o depoimento da testemunha Dr. H. mostra-se contrariado pelo teor da documentação junta aos autos pelo próprio assistente e relativa à troca de correspondência entre a Carclasse e a Mercedes Benz, do qual decorre que, em data anterior às declarações do arguido, a Carclasse havia remetido um questionário à Mercedes Benz, ou seja, em 15.05.2007, e também em data anterior a tais declarações do arguido, ou seja, em 30.05.2008, a Mercedes Benz havia solicitado o envio de resposta a um inquérito fazendo menção a notícias divulgadas em diversos órgãos da comunicação social e na internet envolvendo administradores e accionistas da empresa.

Ou seja, a terem existido as consequências descritas pela referida testemunha, elas ocorreram, inequivocamente – por tudo o já mencionado, pelas datas em que ocorreram aquelas trocas de correspondência, documentalmente provadas nos autos (e por isso irrefutáveis por qualquer opinião ou juízo de convicção imparcial) e pelas notícias públicas sobre a matéria que remotam a 2007 (cfr. fls.430 a 442) – em data muito anterior aos factos sob julgamento que, recorde-se, datam de 16 de Setembro de 2008.

(…)

De tudo resulta que:

- Não foi pela desconsideração do valor intrínseco que possa não ter sido atribuído às declarações prestadas por cada uma das referidas testemunhas, em si mesmas, que o tribunal deu como não provados quaisquer dos aludidos factos e, nomeadamente, aqueles que o recorrente refere;

- Pois que, como se acabou de ver, não só o valor probatório desses depoimentos foi tido em conta pelo tribunal, como, por si só, ou correlacionados com outros dos produzidos, tais depoimentos se revelam manifestamente insuficientes para fundamentar convicção diversa.

- E, por último, como também resulta da análise da motivação, o tribunal, fundadamente, não lhes conferiu a consistência que o recorrente lhes pretende ver reconhecida, dado haver prova documental que contraria parte do respectivo dos depoimentos em apreço.

A convicção negativa do tribunal relativamente à factualidade tida como indemonstrada referida pelo recorrente, como incontroversamente decorre da parte da motivação acabada de transcrever, resultou do exame crítico de todos esses meios de prova produzidos em audiência.

Essa convicção foi o resultado da análise crítica e do correlacionamento de toda a prova documental e testemunhal produzidas, como de linear clareza resulta de uma análise da motivação da decisão recorrida, revelando uma exaustão, solidez, consistência, credibilidade e coerência que, de modo algum, poderá ser posta em causa pelos meios probatórios em que o recorrente pretende estribar esta sua pretensão.

E isto, por duas ordens de razões!

- Em primeiro lugar, os depoimentos das testemunhas H. e V., não versaram ou incidiram sobre toda a factualidade agora em referência – factos 1) a 7), do não provados -, e, desde logo sobre os próprios elementos subjectivos do tipo legal de crime em apreço nos autos, e que constam dessa mesma materialidade tida como indemonstrada;

 - Acresce que, e como se pode constatar da análise da motivação, tendo tais depoimentos incidido apenas sobre as consequências para o assistente do comportamento do arguido, eles foram infirmados por outros meios de prova aduzidos nos autos, e nada foi alegado no sentido de atestar a solidez dos primeiros, ou sequer no sentido de alicerçar ou induzir a fragilidade ou inconsistência daqueles últimos meios, nada se vislumbrando, por outro lado, passível de sustentar a efectuação de qualquer critica pertinente e fundada sobre este juízo valorativo efectuado pelo tribunal recorrido.

- Por outro lado, alicerçando-se, como efectivamente se alicerçou, o juízo de valoração negativo sobre a verificação da materialidade em apreço, numa análise e valoração crítica dos diversos meios probatórios acabados de referir, não foi, como se disse, efectuada pelo recorrente, uma análise crítica global dos mesmos, tendente a concluir pela sua inconsistência;

- E, como incontroverso resulta, não versando a prova testemunhal indicada pelo recorrente sobre toda a factualidade em causa, este meio de prova em que o recorrente se baseia, nunca suportaria, por si só, uma decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido. 

Mas, em nosso entender, não se vislumbra, em nenhum dos aspectos dessa valoração, qualquer incorreção do tribunal recorrido, nomeadamente, com relação ao modo como valorou os meios probatórios supra mencionados, que, esse sim, mereceu exaustivas considerações por parte do recorrente.

Na verdade, analisada a motivação negativa da matéria de facto, com evidência se conclui que, a avaliação dos meios probatórios produzidos em que o recorrente estriba as suas alegações atinentes à prova da materialidade que referencia, e que resultou indemonstrada na decisão recorrida não é, efectivamente, passível de contrariar, impondo decisão diversa, daquela em que o tribunal estribou a sua decisão sobre essa mesma factualidade.

Com base em prova documental, resultou demonstrado nos autos que processo 263/06.8JFLSB, teve o seu início numa denúncia apresentada em 24/01/06, da qual constava o ora assistente tinha contactado pessoas próximas do Arguido, J., já então Vereador da Câmara Municipal de Lisboa com o intuito de, mediante o pagamento de valores em numerário, ele vir a desistir das acções populares que havia intentado contra a C.M.L..

Ora, esta circunstância avaliza e reforça a principal conclusão extraída pelo tribunal recorrido no sentido de que “o tribunal conclui que a palavra “bandido” se encontra inserida num particular contexto psicológico e num discurso marcadamente político, inicialmente dirigido à justiça, à prova existente no processo”.

Na verdade, verdadeiros ou falsos, não cumpre aqui aquilatar, os factos alegados no referido processo reportavam-se ou contendiam com o exercício da actividade política e cívica por parte do arguido, que, obviamente, se esteve na base ou foi impulsionador da instauração das mencionadas acções populares, nada indica que o não tenha feito para a salvaguarda da defesa daquilo que, da sua perspectiva, melhor se adequava à defesa do interesse público, ou, pelo menos, de valores socialmente relevantes a que atribuiu acentuada dignidade e relevância.

Por isso, embora o arguido tenha sido causalmente determinado ao proferimento das concretas expressões em referência nos autos pela circunstância de ter sido designado e se ir realizar o julgamento do aqui assistente no mencionado processo, também a nós se nos afigura que a expressões do arguido, “surgem como manifestação da sua actividade política e cívica, em que o arguido formula um juízo de valor que não pode, em nenhum caso, prestar-se a uma demonstração da sua exactidão”

Tais expressões não foram proferidas com o restrito objectivo de ofender o assistente na sua honra e consideração, mas sim com um desiderato de maior amplitude e inserido numa luta mais ampla contra a corrupção em geral, enquanto fenómeno que, como resulta evidente das suas declarações, quando refere esperar “que se faça uma justiça exemplar, para lutarmos contra a corrupção; para as pessoas perceberem que vale a pena denunciar e que não têm de ter medo de denunciar; e para que estes Srs, estes bandidos, percebam que não vale a pena continuarem a ser bandidos e tentarem corromper as pessoas”(…), considerava um mal que já havia alastrado e era transversal à vida nacional.

E isso mesmo se realça na decisão recorrida quando se afirma que a palavra “bandido” se encontra inserida num particular contexto psicológico e num discurso marcadamente político, inicialmente dirigido à justiça (…) (“Está tudo gravado. Melhor prova que esta a justiça não podia arranjar e, por isso, é que este é um caso exemplar)”.

(…)

Após (…) “classificando o caso de exemplar, e a partir do caso concreto dirige-se aos cidadãos e faz dois apelos, um a que se faça justiça, e outro a que as pessoas não tenham medo de denunciar a corrupção para que os corruptos se consciencializem que não vale a pena continuarem a sê-lo”.

Como também se refere na motivação da decisão recorrida, “Nas declarações prestadas pelo arguido à comunicação social estão inseridos os apelos (…) dirigidos aos cidadãos num contexto de processo judicial em que era arguido (…) por alegadamente ter pretendido que o aqui arguido viesse a desistir da acção (…) e mudasse publicamente de opinião, em sede de reuniões dos órgãos do Município de Lisboa, passando a defender a legalidade do acordo de permuta e a correcção de procedimentos desenvolvidos pelas sociedades participadas pela B. e pelos respectivos sócios, contra o pagamento de uma quantia em dinheiro.

Reportando-se à prova dos elementos subjectivos do crime, escreve-se no Ac. RL de 26/9/06[27], que “(…) nem sempre a prova em que se baseia o tribunal é prova directa. Não pode, contudo, deixar de ser valorada à luz da experiência comum e de forma concertada com todos os elementos de prova, designadamente no que concerne a aspectos que digam respeito ao foro íntimo das pessoas, tal como sucede com as intenções e também com a consciência da ilicitude. E, tratando-se de processos interiores, se não forem admitidos pelos próprios, só uma avaliação alicerçada em presunções judiciais, não proibidas por lei, com base nos demais factos apurados e nas circunstâncias e contexto global em que se verificam e em dados da personalidade do agente, avaliação essa permitida se feita com respeito pelas regras da experiência comum, permite retirar tais conclusões”.[28]

Destarte, e em face do exposto, incontornável resulta, por um lado, que a prova em que o tribunal recorrido alicerçou a sua convicção negativa se reveste de suficiente e manifesta consistência e credibilidade para lhe servir de substrato e, por outro, ainda que assim se não entendesse, sempre se verificaria a inexistência de prova concludente e segura no sentido de permitir a formulação de uma convicção positiva, por parte do tribunal, tendente a permitir que se pudesse considerar como demonstrada essa mesma materialidade.

Por último, convirá ainda salientar que, conforme supra se referiu, no que respeita à impugnação da matéria de facto provada, a lei refere que o recorrente deve especificar as provas que “impõem” e não as que “permitiriam» decisão diversa.

E a razão de ser de uma tal exigência resulta, desde logo, da consabida e incontroversa existência de casos em que, em razão da prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução, sendo que, nestes casos, sempre que a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência, ela será inatacável, já que foi proferida em obediência à lei que determina que ele julgue de acordo com a sua livre convicção.

Assim, resulta de todo evidente que a decisão recorrida procedeu à indicação dos meios de prova em que o tribunal baseou a sua convicção negativa, esclarecendo suficientemente, de forma perceptível, lógica e consistente, as razões pelas quais concluiu não resultarem demonstrados factos em questão.

E, como decidiu o acórdão da Relação de Coimbra de 06.03.2002[29], “…quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.

Como óbvia flui, assim, a conclusão de que, assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum, o que, efectivamente, assim não sucede na presente situação.

Em decorrência de tudo o exposto, poderá afirmar-se que a convicção do tribunal recorrido, tal como se revela consolidada, não evidencia qualquer arbitrariedade ou violação das regras da experiência comum, nem tão-pouco se alicerçou em qualquer prova proibida, inexistindo, por consequência, qualquer violação do princípio da livre apreciação da prova.

E, assim sendo, haverá o presente recurso de ser julgado improcedente, no que a esta parte concerne.

B- Existência de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, nos termos do disposto no artigo 410, nº 2), al. b), do C.P.C..

A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão tanto pode existir ao nível da factualidade, como ao nível do direito que é apreciado na decisão proferida, podendo, assim, reportar-se quer à fundamentação da matéria de facto, quer à contradição na matéria de facto com o consequente reflexo no fundamento da decisão de direito, quer aos meios de prova que serviram para formar a convicção do juiz.

Assim, existirá uma contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados

Haverá uma contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada, e uma contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou de forma a excluírem-se mutuamente[30].

Na presente situação, entende o recorrente que a sentença recorrida padece do vício previsto na al. b), do nº 2 do art. 410º do C.P.P., uma vez que existe uma manifesta e insanável contradição entre os factos descritos sob os artigos nºs 7), 8), 9) e 10), dos factos provados, e os factos descritos sob os n nºs 5), 6) e 7), dos factos não provados, e a parte da fundamentação em que se reconhece e aceita que:

“O assistente afirmou ter dado à palavra bandido o sentido de criminoso, o que o incomodou de tal forma que se ausentou por vários dias e só regressou à empresa na segunda-feira e a testemunha V., amigo do assistente desde 1976, referiu ter ficado chocado e indignado com o facto de o arguido ter apelidado o assistente de “bandido” por se tratar de uma palavra que engloba todos os defeitos, tendo confirmado a impossibilidade de o contactar nos dias seguintes.

A ausência do assistente nos dias subsequentes às declarações do arguido foi ainda confirmada pela testemunha Dr. H., Director Financeiro do grupo de em presas do grupo R. e N., que acrescentou que o assistente ficou perturbado com as declarações do arguido das quais a que a testemunha reteve melhor foi a palavra bandido, e, por se ter ausentado, não festejou o seu aniversário com a testemunha, como tem sido habitual.

Acrescentou ainda que a apelidação de "bandido" feita pelo arguido ao assistente teve efeitos em termos bancários sobretudo em casos de risco (…). Cfr. Excerto da Motivação da decisão recorrida constante de fls 747.

A Sustentar este a existência deste vício, alega o recorrente que “Tribunal não coloca qualquer reticência à credibilidade destes depoimentos e portanto à veracidade das afirmações neles incorporadas, segundo as quais - conforme se contém no texto da própria sentença -, o assistente ficou de tal modo chocado com as palavras do Arguido, que se ausentou por vários dias das suas empresas e do seu trabalho (chegando ao ponto de não festejar o seu aniversário), as pessoas que o conhecem ficaram de igual modo chocadas com a classificação do assistente como "bandido" - palavra onde consideram concentrar-se "todos os defeitos" - e os próprios bancos tiveram uma reacção negativa perante as palavras do Arguido.

Assim sendo - quer dizer: aceitando tais depoimentos como verdadeiros e não lhes colocando reticências de qualquer ordem - o Tribunal incorre em flagrante contradição ao considerar não provados os factos 5,6 e 7, que, a todas as luzes, conflituam com essas premissas”.

Os factos descritos sob os artigos nºs 7), 8), 9) e 10), dos factos provados, e os factos 5,6 e 7, dos não provados, têm o seguinte teor:

Factos provados:

6. O arguido é Advogado, exerce e exercia em 16 de Setembro de 2008 o mandato de Vereador da Câmara Municipal de Lisboa tendo sido eleito pelo Bloco de Esquerda;

7. O facto de as expressões proferidas pelo arguido terem sido publicitadas por diversos meios de comunicação social de âmbito nacional e internacional conferiu-lhes grande publicidade, ampla divulgação e enorme repercussão, junto das pessoas residentes em Braga (onde o assistente reside), em todo o território nacional e mesmo junto dum grande número de portugueses que conhecem o assistente e residem em países estrangeiros, integrando as comunidades radicadas no estrangeiro, que recebem a emissão dos canais generalistas de televisão que difundiram aquelas declarações e entrevistas;

8. O assistente é um empresário conhecido num amplo círculo de pessoas, a nível nacional e internacional;

9. Desenvolve negócios em todo o território nacional e no estrangeiro;

10. É reconhecido por aqueles que com ele privam como um homem trabalhador, rigoroso e exigente para com os que com ele trabalham.

Factos não provados:

5. Devido às afirmações proferidas pelo arguido a sua imagem de homem sério e íntegro foi abalada e tais atributos foram ofendidos junto do público em geral e em especial de clientes e amigos que tomaram conhecimento das afirmações em causa;

6. Ainda hoje persistem, no estado anímico do assistente sequelas do abalo psicológico e dos sentimentos de tristeza e vergonha que as palavras do arguido lhe causaram, com grave e muito negativa influência na sua capacidade profissional;

7. Sofreu um desgosto e ficou abalado psicologicamente com a publicitação de tais afirmações e com a retumbância que tiveram em Portugal e no estrangeiro.

Ora, salvo o muito e devido respeito por diversa opinião, e, designadamente, pela do recorrente, não se nos afigura que os fundamentos aduzidos se revistam de suficiente solidez e consistência passível de alicerçar a verificação do vício em análise.

Senão, vejamos!

Em primeiro lugar, convirá começar por referir que o excerto acabado de citar das declarações do assistente e dos depoimentos das mencionadas testemunhas reportam-se, efectivamente, à motivação negativa do tribunal, atinente, portanto, à materialidade tida como indemonstrada.

Todavia, de uma interpretação contextualizada destas declarações e depoimentos, afigura-se-nos resultar como evidente, que o tribunal recorrido, e contrariamente ao que se alega, mais do que “colocar reticências”, esbateu por completo o valor probatório dos mesmos, resultando bem claro que, com relação à materialidade em apreço, ou seja, à não provada, lhes não conferiu qualquer relevância.

Na verdade, logo no início da motivação negativa – e imediatamente antes do início do mencionado excerto, a fls747, 3º parágrafo -, refere o tribunal recorrido o seguinte:

Os factos não provados relativos às consequências para o assistente do comportamento do arguido decorreram de não se nos afigurar credível que as declarações do arguido, no momento e circunstâncias em que foram proferidas e tendo-o sido por quem esteve na origem da denúncia que conduziu ao julgamento do aqui assistente, tenham tido a veleidade de causar danos ao assistente”.

Sintetizando, poderá dizer-se que tal motivação assentou no facto de ao tribunal – com base nas razões que, de seguida, aduz – se não afigurar credível (…) que as declarações do arguido tenham tido a veleidade de causar danos ao assistente.

E, assim, e aqui, se define o núcleo ou a verdadeira essência em que o tribunal alicerçou a sua convicção negativa com relação a estes factos, em torno, e a partir da qual, foi efectuado todo o desenvolvimento e explicitação subsequentes.

Aí, o tribunal recorrido explicitou os motivos porque chegou a uma tal conclusão, as razões por que não deu qualquer preponderância, ou sequer, relevância, às mencionadas declarações e depoimentos do assistente e das testemunhas referidas – e a cujo teor fez alusão -, no contexto dos meios probatórios produzidos, tendo também, e de forma perfeitamente inteligível, indicado aqueles de que serviu na formação desta sua convicção negativa.

E é assim que a fls. 748 e 749 se refere:

- O facto de o assistente, na ocasião da prática dos factos, já se encontrar acusado da prática do crime de corrupção;

- O facto de o arguido lhe ter imputado um crime menos grave do que o que constava da pronúncia daquele processo;

- A circunstância de, à data, os factos dos presentes autos e os constantes da mencionada já serem do conhecimento da comunidade nacional e internacional, e por via disso, se constatar que o arguido não ter introduzido qualquer elemento novo na discussão;

- A circunstância de os factos já serem do domínio público e a expressão “bandido” ter sido verbalizada num contexto de intervenção política e cívica de combate a determinado tipo de criminalidade e de promoção da respectiva denúncia pública; 

E, em decorrência de todos estes elementos probatórios, alguns deles, de cariz instrumental, chegou o tribunal recorrido à conclusão de que, a terem-se verificado as alegadas consequência da conduta do arguido para o assistente, ocorreram antes da prática dos factos em referência nos autos.

Por último, e como resulta da própria motivação, o conteúdo do depoimento da testemunha H., relativamente à materialidade tida como indemonstrada – consequências da conduta do arguido – tem um teor ou conteúdo igual – salvo questões de pormenor de todo insignificante no contexto global dos depoimentos – ao das declarações do assistente e da testemunha V..

Ora, a propósito da consistência deste depoimento refere-se na motivação da decisão recorrida o seguinte:

O depoimento da testemunha Dr. H. mostra-se contrariado pelo teor da documentação junta aos autos pelo próprio assistente e relativa à troca de correspondência entre a Carclasse e a Mercedes Benz, do qual decorre que, em data anterior às declarações do arguido, a Carclasse havia remetido um questionário à Mercedez Benz, ou seja, em 15.05.2007, e também em data anterior a tais declarações do arguido, ou seja, em 30.05.2008, a Mercedes Benz havia solicitado o envio de resposta a um inquérito fazendo menção a notícias divulgadas em diversos órgãos da comunicação social e na internet envolvendo administradores e accionistas da empresa”.

Obviamente que o tribunal, não obstante se ter referido apenas ao depoimento da testemunha H., ao conferir relevância a tais documentos enquanto meios probatórios com idoneidade para o contrariar, o que pretendeu afirmar e, efectivamente, afirmou, foi que do correlacionamento de outros meios probatórios existentes e produzidos nos autos, resultava infirmada, e, portanto, não credível e inconsistente, a versão destes factos – consequência para o assistente da conduta do arguido – dada por esta ou por quaisquer outras testemunhas, em audiência.

Com efeito, o que os documentos reportam não se refere a nenhum aspecto específico do depoimento prestado pela testemunha H., passível de abalar apenas a sua credibilidade pessoal, mas sim a toda a versão que, no aludido aspecto, ele deu dos factos, e que conflitua com tais documentos, demonstrativos, em si mesmos, de que à data da sua prática, os factos já eram conhecidos, nomeadamente, do assistente.

Destarte, e assim sendo, incontornável resulta que o tribunal apenas fez uma referência ao conteúdo das declarações do assistente e depoimentos das mencionadas testemunhas, mas nunca lhes conferiu a consistência e credibilidade alegada pelo recorrente, de molde a poder concluir-se que, não tendo dado como demonstrada a versão dos factos delas decorrentes, mas sim a versão contrária, se verifica a invocada contradição insanável.

Muito pelo contrário!

Assim, e por último, afigura-se-nos pertinente referir ainda que não se verifica qualquer contradição entre os aludidos factos provados e não provados.

È certo que, dos primeiros consta que “o facto de as expressões proferidas pelo arguido terem sido publicitadas por diversos meios de comunicação social de âmbito nacional e internacional conferiu-lhes grande publicidade, ampla divulgação e enorme repercussão, junto das pessoas residentes em Braga (…), em todo o território nacional e mesmo junto dum grande número de portugueses que conhecem o assistente e residem em países estrangeiros” (…), bem como, que o” assistente é um empresário conhecido num amplo círculo de pessoas, a nível nacional e internacional”.

Todavia, aquilo que na decisão se não considerou ter logrado demonstração, foram, não o impacto que os actos praticados pelo arguido tiveram nos respectivos meios onde o assistente se encontra inserido e é conhecido, mas sim, que as consequências para si advindas, tenham resultado de um modo directo da conduta do arguido, e não de outros factos, nomeadamente, dos referenciados na motivação negativa da mesma decisão, e supra referidos, temporalmente anteriores àqueles, inexistindo, por consequência, qualquer contradição entre eles.

E, assim sendo, não se nos afigura que exista qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão.

D- Discordância da decisão de direito manifesta através da análise da factualidade que considera resultar demonstrada com o objectivo de aquilatar se, do ponto de vista objectivo, ela integra ou não o crime de difamação, cuja autoria vinha imputada ao arguido. 

               Como é consabido, de harmonia com o disposto no artigo artigo 180.º, n.º 1 do Código Penal, comete o crime de difamação “quem dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo” (...).

São, assim, elementos do tipo (objectivo) deste crime, a imputação, dirigida a terceiros, de facto (visto como dado real da experiência) ou juízo (percebido como a valoração de um dado ou ideia), ofensivos da honra ou consideração de outrem, ou a sua reprodução, imputação que pode ser directa ou insinuada (ser dirigida sob a forma de suspeita).

No plano dos elementos subjectivos do tipo, trata-se de um crime doloso, que se basta com um dolo genérico.

Assim, para que integrem este tipo legal de crime, as afirmações efectuadas terão de conter a narração de factos ou a emissão de juízos passíveis de serem considerados ofensivos da honra ou da consideração de alguém, podendo mesmo afirmar-se que, fazendo apelo a um processo de raciocínio lógico, essa intenção de ofender terá de resultar como decorrência necessária e incontroversa da substância dessas declarações, e não pode deixar de ser imputada a quem as proferiu à luz das regras da experiência comum, que, como supra se deixou dito, são “definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto “sub judice”, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade.[31]

Ora, aqui chegados, e não obstante o teor da fundamentação jurídica da decisão posta em crise, uma primeira e evidente conclusão se impõe seja extraída e que é a seguinte: O arguido foi absolvido na decisão recorrida da prática do crime de difamação agravada, por cuja autoria vinha acusado, não por virtude de se ter considerado que, do ponto de vista objectivo, os factos por ele praticados, não integrarem o crime de difamação, mas sim, pela simples razão, de os elementos subjectivos desse mesmo crime não terem logrado adesão de prova, e, por consequência, não terem sido considerados como demonstrados.

Assente esta realidade, uma outra e incontroversa verdade jurídica se impõe de um modo inelutável, e que é a de que se não revela necessária ou de qualquer utilidade à boa solução da causa proceder à explanação e desenvolvimento do aspecto jurídico da causa atinente à questão de saber se, do ponto de vista objectivo ou da contextualização circunstancial em que foram proferidas as declarações em referência, pelo arguido, elas se subsumirão ou não ao crime de difamação, como o fez a decisão recorrida, e a que o recorrente deu continuidade ao pronunciar-se, e de um modo exaustivo, sobre este aspecto jurídico, cuja discussão, por inverificados todos elementos factuais do crime - os subjectivos -, já se encontrava prejudicada e, consequentemente, do ponto de vista da utilidade processual, não se justifica que tenha sido efectuada.

Todavia, e pese embora a sua irrelevância, uma vez que este aspecto foi amplamente desenvolvido, quer na decisão, quer na motivação do recurso, afigura-se-nos também pertinente sobre ele tecer algumas, embora breves, considerações.

E, começaremos por referir que, salvo irrelevantes questões de pormenor e que, por isso, nem interessa salientar, concorda-se inteiramente com a bem fundamentada discussão jurídica efectuada na decisão recorrida.

Na verdade, nesta decisão realiza-se uma aprofundada, coerente e sensata análise de todos os aspectos circunstanciais que envolveram os factos e determinaram o arguido à sua prática.

Como escreve o Prof. Beleza dos Santos[32],A honra é aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale. A consideração é aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa à falta de consideração e ao desprezo público”.

Ou, como referem Simas Santos e Leal Henriques[33] “a honra pode ser entendida como “a essência da personalidade humana, referindo-se, propriamente, à probidade, à rectidão, à lealdade, ao carácter (…)” enquanto que a consideração é o “património de bom nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo como que o aspecto exterior da honra, já que provém do juízo em que somos tidos pelos outros”.

O bem jurídico tutelado pela incriminação, a honra, é visto, na concepção dominante, “como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior”[34]

Difamar é ofender, insultar, ultrajar, afrontar. Porém, nem todos os juízos que envolvam uma apreciação negativa de outrem, seja das suas qualidades intrínsecas ou extrínsecas, seja dos seus comportamentos, têm a carga ofensiva necessária para que caiam sob a alçada penal e mereçam o respectivo sancionamento.

A tutela penal deve estar reservada a comportamentos graves, violadores do mínimo de respeito ético, cívico e social que a generalidade das pessoas, num determinado contexto histórico e geográfico, considera imprescindível ao relacionamento em sociedade.

Como se refere no ac. da Relação do Porto, de 12/06/02[35], “o direito não pode intervir sempre que a linguagem utilizada incomoda ou fere susceptibilidades do visado. Só o pode fazer quando é atingido o núcleo essencial de qualidades morais que devem existir para que a pessoa tenha apreço por si própria e não se sinta desprezada pelos outros. Se assim não fosse a vida em sociedade seria impossível. E o direito seria fonte de conflitos, em vez de garantir a paz social, que é a sua função”.

E também é certo que, “nem todo o facto que perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos arts. 180 e 181”, tudo dependendo da “intensidade” da ofensa ou perigo de ofensa” havendo que “reconhecer existir uma linha demarcativa, mais ou menos nítida, através da qual se podem excluir certos comportamentos, sem mais, na medida em que claramente estão aquém da antijuricidade (…)” A ofensa merecedora da tutela penal radica num “sentir comum em que se reconhece que a vida em sociedade só é possível se cada um não ultrapassar certos limites de convivência com os outros, ou seja, se cada cidadão se comportar relativamente aos demais com um mínimo de respeito moral, cívico e social” que “não se confunde com educação ou cortesia”, e do qual não fazem parte “os comportamentos indelicados, e mesmo boçais” não devendo nem podendo o direito penal “proteger as pessoas face a meras impertinências.”[36] [37].

A mera censurabilidade ética de uma determinada conduta não implica necessariamente a sua censurabilidade em termos penais; “um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético-necessário à salvaguarda sócio-moral da pessoa, da sua honra e consideração”.[38]

O facto de o bem jurídico honra, “de menor densidade axiológica do que o grosso daqueles outros que a tutela do ser impõe”, como o comprovam os limites extraordinariamente baixos das molduras penais atinentes, tem vindo a sofrer um “estreitamento e uma perda da sua importância relativa”, em parte devido a uma “verdadeira erosão interna, associada à autonomização de outros bens jurídicos que até há algumas décadas estavam misturados com essa pretensão a ser tratado com respeito em nome da dignidade humana que é o núcleo daquilo a que hoje chamamos honra”, em parte devido à “erosão externa a que a honra tem sido sujeita, quer por banalização dos ataques que sobre ela impendem (…), quer por força da consequente consciencialização colectiva em torno do carácter inelutável de tais agressões e da eventual imprestabilidade da reacção criminal”[39].

Como escreveu Gilles de Libreton[40] “as liberdades de opinião e de expressão são indissociáveis: a primeira é a liberdade de escolher a sua verdade no segredo do pensamento, a segunda é a liberdade de revelar a outrem o seu pensamento; liberdades siamesas, têm necessidade uma da outra para se desenvolverem e expandirem.”

As bases do surgimento da liberdade de expressão foram lançadas no final da idade média, com o surgimento do pensamento reformador protestante, que põe em causa a organização social e a concepção teológico-política, até então, vigente, considerada extremamente injusta, e em que, começando-se a pôr em relevo a consciência individual, se inicia um caminho da luta pelo desenvolvimento de ideias correctas sobre as origens da existência e da verdade.   

E é neste período e contexto histórico que são lançadas muitas das ideias que virão a ser adoptadas pelo constitucionalismo moderno, como são a da soberania popular, da criação de constituições escritas e da defesa da igual liberdade de todos os indivíduos, nas quais se incluíam já as da religião e expressão.

Na actualidade, as modernas democracias dependem, quase em exclusivo, de um amplo acesso a ideias e opiniões livres, sendo essa a razão por que ao princípio da liberdade de expressão é conferida protecção constitucional, em ordem a impedir quaisquer dos poderes do estado – legislativo ou executivo – lhe imponham qualquer censura ou limite que se não baseie nem tenha por objectivo a protecção de outros direitos com igual dignidade constitucional.

E isto porque, como escreveu Einstein, “os homens para se realizarem necessitam de ter a possibilidade de desenvolver suas capacidades intelectuais e artísticas sem limites restritivos, segundo as suas características e aptidões pessoais”. [41]
Mas, se como salientou Milton Friedman, “não há excesso de liberdade se aqueles que são livres são responsáveis. O problema é liberdade sem responsabilidade.”

Há, assim, que definir limites, pois que, se por um lado, sendo a liberdade de expressão um dos direitos com garantia constitucional, cujo exercício não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura (cfr. nºs 1 e 2 do art. 37º da C.R.P.), por outro, dever-lhe-ão ser impostas restrições, as quais, contudo, apenas são possíveis nos casos expressamente previstos na Constituição, sendo admissíveis na medida estritamente necessária à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr. nº 2 do art. 18º da C.R.P.).

Portanto, sendo certo que a liberdade de expressão constitui um verdadeiro direito fundamental, ele não é, contudo, absoluto, não podendo ser usado para justificar a violência, a difamação, a calúnia ou a subversão, pese embora, nos regimes democráticas se exigir, geralmente, um elevadíssimo grau de ameaça para que se justifique a imposição de limitações ou da proibição da liberdade de expressão, mesmo quando ela é utilizada de modo a ofender a dignidade ou incitar à violência, havendo sempre de se procurar estabelecer-se um equilíbrio entre esses direitos e valores.

E, a solução do conflito entre direitos fundamentais de igual relevo para a organização democrática do Estado de Direito deve encontrar-se na mais perfeita harmonização dos preceitos divergentes, com a compressão recíproca dos direitos em antagonismo, em medida que dependerá do juízo de ponderação do peso relativo de cada um dos valores em colisão em cada caso concreto.

“Trata-se do princípio da concordância prática como critério de solução dos conflitos” que se executa “mediante o recurso simultâneo a um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos do conflito (…) De um lado, exige-se que o sacrifício de cada um dos valores constitucionais seja necessário e adequado à salvaguarda dos outros (…) Por outro lado (…), impõe-se que a escolha entre as diversas maneiras de resolver a questão concreta se faça em termos de comprimir o menos possível cada um dos valores em causa segundo o seu peso na situação”.[42]

E, como se menciona na decisão recorrida, na situação vertente, “as limitações especiais têm a ver aspectos que se prendem com a natureza do cargo ou ofício desempenhado pelo queixoso ou a sua notoriedade pública pois diferente será a abordagem criminal dos factos conforme o ofendido se encontre ou não numa dessas situações pessoais. Será mais exigente a análise se os factos ou juízos se referem à “esfera íntima da vida privada” por contraposição às referências a factos ou juízos atinentes ao cargo ou à exposição pública”.

A este propósito, refere ainda o Ac. da R.P., de 31/01/96[43], que “em matéria de difamação, a ilicitude relevante é sempre contingente e tem de ser aferida, em cada momento, por apelo à consciência ético-social da comunidade histórica. Nesta ordem de ideias, ressalvado que seja o reduto inexpugnável do mínimo de dignidade e bom nome, é sempre relativa a qualificação de uma conduta como difamatória ou injuriosa. (…) No actual momento sócio-cultural da sociedade portuguesa, a consciência social permite considerar como penalmente inócuas certas atitudes dos políticos, que o não serão necessariamente fora desse limitado contexto do viver colectivo”.

Partilhando a mesma posição, escreve Beleza dos Santos[44] que “neste juízo individual ou do público, acerca do que pode ser ofensivo da honra e da consideração, é comum a todos os meios e países a exigência de respeito de um mínimo de dignidade e de bom nome. Para além deste mínimo, porém, existe certa variedade de concepções, da qual resulta que palavras ou actos considerados ofensivos da honra, decoro ou bom nome em certo país, em certo ambiente e em certo momento, não são assim avaliados em lugares e condições diferentes. O que pode ser uma ofensa ilícita em certo lugar, meio, época ou para certas pessoas, pode não o ser em outro lugar ou tempo”.

Refere ainda Costa Andrade que “no âmbito da crítica, ou seja, na emissão de juízos de valor, prevalece uma presunção de legitimidade das posições que contribuam para o confronto de opiniões, que é um dos pilares da democracia. Esta presunção tem como limite a crítica caluniosa, aquela que tem em vista apenas a degradação da pessoa visada. Enquanto a opinião se mantiver nos limites da crítica, ainda que virulenta e exagerada, ainda que com linguagem descortês e contundente, a conduta não é penalmente ilícita. Só quando abandonar de todo o plano da referência objectiva para se dirigir no sentido do rebaixamento das pessoas é que cessa a presunção de legitimidade da crítica”.[45]
Em concretização deste critério o TEDH, no acórdão de 28 de Dezembro de 2000, proferido no caso Gomes da Silva Vs. Portugal,[46] perfilhou o entendimento de que expressões como boçal e reaccionarismo alarve, entre outras quejandas, eram polémicas, mas atendendo ao circunstancialismo e como estavam relacionadas com questões políticas, as mesmas não consubstanciavam um ataque pessoal e gratuito à pessoa a quem se dirigiam, enquanto tal e sim ao indivíduo como político. Mais a mais, porque o visado era ele próprio comentador político que, comprovadamente, reagiu por diversas vezes aos factos a ele imputados, não tendo existido, para o TEDH, um abuso da liberdade de expressão.

Em sentido semelhante decidiram os Tribunal Portugueses podendo ler-se no Acórdão da Relação do Porto de 07.12.2005 que o proferir da palavra “maluco”, no circunstancialismo aí referenciado, “não tem sem mais a virtualidade de ser considerada acção típica de um crime de injúrias, sendo mais uma expressão de falta de civismo, grosseria e mesmo falta de educação ou cultura”, entendendo que, uma tal expressão, ouvida de modo perfeitamente límpido, não terá passado, mesmo assim, de um simples “desafogo verbal” que pode incomodar ou perturbar alguém, mas não chega para abalar a ordem jurídica[47]  

            E é exactamente o que sucede na presente situação, uma vez que, admitindo-se que as expressões proferidas pelo arguido possam ter perturbado o assistente, atento o contexto em que o foram, não são passiveis de abalar ou por em causa a ordem jurídica.

È que, como se menciona na decisão recorrida “o aqui arguido, constituído assistente no processo mencionado, era à data Vereador da Câmara Municipal de Lisboa eleito pelo Bloco de Esquerda e inseriu a palavra “bandido” num discurso e num contexto marcadamente político de apelo a que se fizesse justiça e a que os cidadãos não temam denunciar casos de corrupção.

De facto, não se pode olvidar que o assistente havia sido acusado e pronunciado por um crime de natureza pública que contendia com as funções políticas do arguido na Câmara Municipal de Lisboa e com o seu cargo de Vereador.

O que significa que não era (apenas) uma questão de âmbito pessoal mas uma verdadeira querela de grande interesse público e com evidentes consequências no plano político e até partidário.

Ou seja, o aqui arguido, ao proferir as declarações ora em causa, visava sobretudo marcar e evidenciar uma posição política, na realização do que o mesmo julgava ser o interesse público de moralização da vida social e económica do país (e ao nível local).

Com efeito, é esse o sentido da generalização feita pelo arguido (“estes senhores”) no âmbito de um debate político que – já à data – marcava a agenda parlamentar e política, o qual se traduz na discussão do (s) modo (s) mais adequado (s) para combater e prevenir a prática de crimes de corrupção e tráfico de influências.

Aliás, a menção “vereador” (e não Advogado ou J.) que segue o termo “bandido” é a maior evidência de que o arguido apenas se movia, com entusiasmo excessivo – é certo -, no domínio do político e da consecução única de objectivos políticos, dos quais naturalmente pretendia certamente obter o esperado retorno eleitoral ao nível do espaço ideológico que então representava no executivo municipal”

Assim, e em decorrência de tudo o acabado de expender, tal como sucedeu com a decisão recorrida, também nos pensamos que, da análise global e contextualizada das expressões referidas, resulta que “objectivo único era, enquanto cidadão, político e assistente no processo em que era arguido o aqui assistente, criticar a actuação do assistente com o objectivo de apelar à denúncia das situações de corrupção” – enquanto fenómeno generalizado na sociedade portuguesa -, e não com o exclusivo propósito de rebaixar e humilhar.

“A utilização da palavra “bandido”, no circunstancialismo mencionado e não tendo sido utilizada de forma isolada, estando antes conexionada com os apelos feitos pelo arguido, não tem sem mais a virtualidade de ser considerada acção típica de um crime de difamação”, constituído, isso simuma manifestação de falta de civismo, deselegância, indelicadeza, agressividade, grosseria e rudeza mas não tem carga ofensiva da honra e consideração sobretudo se considerarmos, mais uma vez, que ambos estavam envolvidos num processo cujo julgamento se iria iniciar no dia em que foram proferidas as declarações e no qual tinham posições opostas”.

Destarte, e em decorrência do acabado de expender, a sentença recorrida não enferma de qualquer dos vícios que lhe foram apontados, havendo, por consequência, de improceder, e na íntegra, o presente recurso.

IV- DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em não conceder provimento ao presente recurso interposto pelo assistente D., mantendo-se, por consequência, a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se as respectivas taxas de justiça devidas em 5 UC’s.

Guimarães, 26/ 09/ 11.

Composto e revisto pelo relator - artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal.       
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(Relator: Jorge Teixeira)

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(Adjunta: Isabel Cerqueira)


[1] Cfr., neste sentido, o Ac do STJ de 3/2/99 (in BMJ nº 484, pág. 271); o Ac do STJ de 25/6/98 (in BMJ nº 478, pág. 242); o Ac do STJ de 13/5/98 (in BMJ nº 477, pág. 263); Simas Santos/Leal Henriques (in “Recursos em Processo Penal”, p. 48); Germano Marques da Silva (in “Curso de Processo Penal”, vol. III, 2ª ed., 2000, p. 335); José Narciso da Cunha Rodrigues (in “Recursos”, “Jornadas de Direito Processual Penal/O Novo Código de Processo Penal”, 1988, p. 387); e Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pp. 362-363).
[2] Cfr. Germano Marques da Silva, ibidem.
[3] Cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss. 
[4] Cfr. Germano M. Silva, in Curso Processo Penal, Vol. III, 324, 1994.
[5] Proferido no Proc. nº 06P363, de que foi relator o Conselheiro Rodrigues da Costa e disponível no site www.dgsi.pt, com o nº SJ200604200003635.
[6] Cfr. Acórdão do STJ de 30/1/2002, Proc. n.º 30/1/2002, da 3ª Secção, Sumários dos Acórdãos das Secções Criminais, edição anual 2002, p. 16/17
[7] Cfr. “Código de Processo Penal Anotado”, de M. Simas Santos e M. Leal Henriques, pág. 740.
[8] Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, CPP, 2ª ed. V. II, pág. 740.
[9] Cfr. Tolda Pinto, A Tramitação Processual Penal, 2ª ed., págs. 1036 ss.
[10]  Cfr. Ac. STJ de 6/4/1994, CJ, ano II, t.2, p. 186.
[11] Cfr. Ac. STJ 30/1/02 Processo n.º 3264/01 - 3.ª Secção, in www.stj.pt/nsrepo/cont/Anuais/Crimais.
[12] Cfr. Acórdão do STJ de 12 de Junho de 1996, processo n.º 268/96:
[13] Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, vol. II , pág. 300.
[14] Cfr. Acórdão do S.T.J., de 15/07/08, processo nº 1787/08, in www.dgsi.pt.
[15] Cfr. Acórdão do S.T.J., recurso nº 06P4258, in www.dgsi.pt. 
[16] Cfr, neste sentido, Ac. do STJ de 15/12/2005, proferido no proc. nº 2951/05 e Ac. STJ de 9/3/2006, proferido no proc. nº 461/06, relatados por Simas Santos, in site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais.
[17] Proferido no Proc. nº 07P4375, disponível em www.dgsi.pt
[18] Cfr. Ac. R.P., de 17.09.2003, in www.dgsi.pt

[19] Cfr. Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, vol. I, ed. 1974, pág. 204.
[20] Cfr., entre muitos outros, o Ac. do STJ, de 26/01/00, in www.dgsi.pt.
[21] Cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 16.01.2002, Proc. 3649/01 – 3.ª Secção.
[22] Sobre a comunicação interpessoal, cfr. RICCI BITTI/BRUNA ZANI, "A Comunicação Como Processo Social", editorial Estampa, Lisboa, 1997.
[23] Cfr. Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo C. de Processo Penal, Ed. do Centro de Estudos Judiciários, 1988, p. 221, 222.
[24] Cfr. “Direito Processual Penal”, págs. 202-203.
[25] Ac. do STJ, de 29/10/08, in http://www.dgsi.pt..
[26] Ac. RC de 3/10/00, CJ., ano 2000, t. IV, pág. 28.


[27] Cfr. Ac. da R.L. de 26/9/06, proc. nº 3381/2006.
[28] cfr. Ac. RP de 23/2/93, BMJ nº 324, pág. 620, onde se refere que “Dado que o dolo pertence à vida interior de cada um, é portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão. Só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência.”

[29] Publicado na C.J., Ano 2002, Tomo II, pág. 44.
[30] Cfr. Simas Santos, Recursos em Processo Penal., 5ª ed. págs. 63-64.
[31] Cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “Curso de Processo Penal”, vol. II , pág. 300.

[32]  Cfr. Prof. Beleza dos Santos, RLJ, ano 92°, págs. 161 e 168.
[33] Cfr. Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 3ª. Edição, pág. 469.
[34] cfr. Comentário Conimbricense, Parte Especial, Tomo I, pág. 607
[35] cfr. Ac. RP de 12/6/02, recurso nº 332 /02.

[36] cfr. Oliveira Mendes, “Tutela Penal do Direito à Honra”, págs. 37-39.

[37] “A injúria não se confunde com a grosseria; esta poderá ferir a susceptibilidade individual, todavia não atinge a dignidade pessoal referida à sua honra e consideração.” cfr. Ac. RL 21/11/90, proc. nº 0262323.

[38] cfr. Ac. RE de 2/7/96, CJ ano 1996, t. IV, pág. 295.
[39] cfr. Faria e Costa, “Direito Penal Especial”, Coimbra Ed., 2004, págs. 104-105.
[40] Gilles de Libreton, Liberes Publiques et Droits de L´Homme, 2ª ed., Armand Collin, pg. 328.

[41] Albert Einstein, “Ciência e Religião” (1939-1941), pgs. 25 a 34.
[42] cfr. Oliveira Mendes, “O Direito à Honra e a sua Tutela Penal”, 1996, págs. 84-85.

[43] Cfr, Ac. da R.P., de 31/01/9, Processo 900/95, in colectaneadejurisprudencia.com.

[44] Cfr. José Beleza dos Santos, “Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria”, RLJ, Ano 92, nº 3152, pág. 167).

[45] Costa Andrade, Liberdade de imprensa e inviolabilidade pessoal, Coimbra Editora, 1996, págs. 284 ss
[46] Disponível em www.dgsi.pt, ligação “Direito Europeu”.

[47] Cfr. ac. da R.P., de 7/12/0’5, proferido no processo nº 0515154, e Ac. RG de 27.04.2006, proc. 358/06-2, referido no Ac. RG de 25.02.2008 in www.dgsi.pt, mencionados na decisão recorrida.