Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
318/17.3T8BCL.G1
Relator: SANDRA MELO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE FIXAÇÃO JUDICIAL DE PRAZO
CONTRATO-PROMESSA
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
FACTOS RELEVANTES PARA A DECISÃO
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.º SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1. O processo especial de fixação judicial de prazo visa apenas a aposição de um prazo para exercício de um direito ou cumprimento de um dever e esgota-se com essa determinação, pelo que deste não resulta, por natureza, a perda de qualquer direito ou bem para o promitente-comprador.

2. A falta de intervenção nesse processo, do lado ativo, do cônjuge do promitente-comprador, que não teve intervenção no contrato, não determina a exceção dilatória da ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário.

3. No processo especial de fixação judicial de prazo o requerente deve apenas justificar suficientemente o seu pedido, mas não precisa já de fazer a prova dos seus fundamentos, por se não se cuidar de impor o seu cumprimento, não se devendo verificar da existência, validade, e eficácia da relação jurídica invocada: apenas se a mesma foi suficientemente apresentada e necessita, na sua economia, que o tribunal lhe fixe um prazo.

4. Vedar-se à parte a possibilidade de produção de prova sobre factos irrelevantes para a decisão da causa, não viola o princípio do contraditório.
Decisão Texto Integral:
I. Relatório

Nestes autos de ação especial de fixação judicial de prazo, figura como Requerente e ora Apelado:

LR, residente na Rua do …, freguesia de …, concelho de Barcelos,
Figuram como Requeridos e Apelantes:

PF e esposa MA, residentes na Rua …, freguesia de …, concelho de Barcelos.
O Requerente pede que seja proferida sentença a fixar o prazo de 30 dias aos Réus para virem outorgar a escritura pública de compra e venda, nas condições expressas no contrato-promessa que juntam.

Para tanto alegou, em síntese:
É proprietário da metade indivisa de um prédio urbano; relativamente à outra metade celebrou dois contratos promessa; um com parte dos comproprietários e um outro com os restantes. Neste segundo contrato-promessa intervieram como promitentes vendedores quatro pessoas, dois dos quais os Réus. Estes são os únicos comproprietários que se recusam a cumprir o contrato-promessa.

Contestação
Os Réus na resposta arguiram a ilegitimidade processual do Autor para intentar a presente ação, por preterição de litisconsórcio necessário ativo, visto estar desacompanhado do cônjuge e o contrato em causa exigir a intervenção de ambos.
No mais, impugnam o contrato-promessa, visto que venderam a parte que do imóvel lhes caberia por óbito de sua mãe e não a parte que lhes caberia por óbito de seu pai, nem receberam qualquer valor respeitante ao mesmo.

Sentença
Veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão:

Pelo exposto, julga-se procedente a presente ação especial de fixação judicial de prazo e, consequentemente, fixa-se em 30 (trinta) dias o prazo para a outorga da escritura definitiva de compra e venda a que se reporta o contrato supra referido celebrado entre o Requerente LR e os Requeridos PF e esposa MA.
Custas a cargo dos Requeridos, porque deram causa aos presentes autos e neles decaiu – cf. artigo 527º, do Código de Processo Civil.”

Recurso
O presente recurso de apelação foi interposto pelos Requeridos,
pugnando para que seja alterada a sentença com a reapreciação da matéria de facto.

Conclusões
Apresenta as seguintes conclusões, que se resumem:

1. O contrato-promessa junto aos autos encontra-se assinado pelo recorrido e alegadamente pelos recorrentes, mas não pelo cônjuge do recorrido (corrigiu-se o lapso de escrita), tal como se mostrava obrigado.
2. Tal negócio tem necessariamente de ser celebrado por ambos os cônjuges, vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 6/10/2011 no processo nº 4092/09.9TDVNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que refere que nas ações em que intervêm pessoas casadas, devem as mesmas ser propostas por marido e mulher, ou por um deles com o consentimento do outro, nas ações de que possa resultar a perda ou a oneração de bens que só por ambos possam ser alienados ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos.
3. Na esteira da jurisprudência corrente, sendo comum o imóvel objeto do contrato prometido, não se torna possível obter execução específica da promessa de venda desse prédio, se a Ré mulher não se houver vinculado ao cumprimento da promessa, nem consentir na sua alienação - cf., entre outros, os Ac. do Supremo Tribunal de 28-6-84, in BMJ nº. 338, pág. 449, e de 21-3-85, ibidem nº. 345, pág. 408, citados pelo recorrido.
4. Como o contrato só podia ser celebrado por ambos os cônjuges (art. 1682º, nº. 1, al. a) do C. Civil), sob pena de anulabilidade (art. 1687º do C. Civil), não é possível ao tribunal suprir a respetiva recusa de outorga através da emissão de uma decisão substitutiva.
5. Pelo que o recorrido é parte ilegítima para, por si só, outorgar escritura de promessa de compra e venda, conforme outorgou.
6. A falta do recebimento do preço conforme os requeridos/recorrentes alegaram, não extravasa a presente lide, pelo que se deve decidir dessa questão.
7. A jurisprudência do Supremo Tribunal, para a qual o pedido de fixação de prazo para a efetivação do depósito pode ser espontaneamente deduzido ou solicitado por qualquer das partes ou determinado "ex-officio" pelo juiz do processo, neste último caso perante a suscetibilidade abstrata da invocação da «exceptio non adimpleti contratus» - conf. v.g. os Acs. de 24-10-94, in CJSTJ, ano II, 1994, Tomo III, pág. 100 e in BMJ nº. 384º e de 29-4-99, in Proc. 77/99 - 2ª Sec, in "Sumários" do STJ, nº. 30, pág. 49 e mesmo o tribunal de recurso pode tomar a iniciativa de mandar baixar os autos à 1ª instância para feitos de efetivação dessa consignação em depósito, pelo requerente - conf. Ac. STJ de 16-1-03, in Proc. 4023/02 - 2ª Sec.
8. Padecem ainda os autos de nulidade de sentença, atenta a falta de fundamentação da mesma, visto que os recorrentes viram vedado o acesso ao mecanismo de defesa, quando a meritíssima juíza a quo decide proferir sentença sem levar o caso a julgamento.
9. A única prova produzida nos autos reduz-se apenas aos documentos acima referidos, que foram juntos pelos requerentes-ora apelados com a apresentação do seu requerimento inicial e que foram diretamente impugnados pelos requeridos, sendo certo que, foram reconhecidas presencialmente pelo notário.
10. Não podia ser decidida a fixação de prazo para a outorga da definitiva escritura de compra e venda, sem que os recorrentes fizessem prova do que alegaram no seu articulado de contestação, violando-se o artigo 1027º nº2 do Código Processo Civil.
11. Tanto mais, viram o recorrente coartado o direito de levar a juízo prova do alegado por aqueles na sua defesa.
12. Para além da indicação dos factos provados, é absolutamente omissa quanto à análise crítica das provas e quanto aos fundamentos que estiveram na base da formação da sua convicção, não contendo, de igual modo, os fundamentos de facto que justificam a decisão, o que importa a sua nulidade nos termos do artigo 615º nº 1, al. b) do CPC, ou quando assim se não entenda a sua revogação, atenta a violação do disposto no 607º nº 4 deste diploma.
13. A nulidade prevista na aludida al. b) do n.º 1 do artº 615º do CPC, ocorre quando se verifique uma falta absoluta de fundamentação.
14. No presente caso sucedeu os recorrentes não tiveram oportunidade de trazer a juízo as suas provas.
15. A decisão do Tribunal a quo, ao considerar que os documentos juntos sem mais, é bastante para decretar a fixação judicial de prazo, viola o princípio do contraditório consagrado constitucionalmente, art. 32º nº 5 da Constituição da República Portuguesa e significa que “nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”.
16. A decisão encontra-se ferida de inconstitucionalidade..

Os recorridos responderam:

Os recorridos responderam, em síntese:
- Não se discute, nem se poderiam discutir nestes autos, questões inerentes ao contrato-promessa, mas se há ou não que fixar o prazo solicitado pelo requerente e, na afirmativa, ser este fixado por sentença.
- E foi o que fez a Douta Sentença recorrida que, para além do mais, de forma fundamentada, julgou improcedente a exceção da ilegitimidade processual invocada pelos aqui recorrentes.
- Não houve qualquer violação do princípio do contraditório, pois como se constata nos autos, os aqui recorrentes, responderam a todos os articulados.

II. Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações: são estas que delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem. Tal decorre do confronto dos artigos 635º nº 4 e 5 do Código de Processo Civil.
Assim a questão da nulidade, apenas levantada nas alegações, não deve aqui ser apreciada.
Esta limitação, não abarca, claramente, as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso e os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Da mesma forma, não está o tribunal ad quem obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, desde que prejudicadas pela solução dada ao litígio.

Isto posto, são as seguintes as questões a apreciar nestes autos:

1-- da nulidade da sentença por falta de fundamentação, consistente na falta de indicação da análise crítica das provas e fundamentos na base da formação da sua convicção;
2-- da ilegitimidade processual do Requerente;
3-- da inexistência de elementos para a prolação da decisão, por se desconhecer se se verifica a exceção perentória do não cumprimento por banda do requerente;
4-- da violação do princípio do contraditório, por ter sido considerado que os documentos juntos eram bastantes para decretar a fixação judicial de prazo sem se ter dado aos recorrentes a possibilidade de produzir prova.

III. Fundamentação de Facto

A causa vem com a seguinte matéria assente, dada como provada pelo tribunal a quo:

1- Factos Provados

Tendo por base os documentos juntos aos autos a fls. 40 a 49 e 8vs a 12 – cujo teor não foi impugnado – e a posição assumida pelos requeridos, o tribunal considera assente os seguintes factos com relevância para o objeto do processo:

1 – Correram termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Barcelos – 2º Juízo - uns autos de inventário obrigatório registados sob o nº 80/1986, em que era inventariada PS.
2 – No âmbito de tal processo de inventário foi relacionado, como verba nº 3, o seguinte imóvel: “Metade (1/2) de uma casa de habitação, com dois pavimentos, rés-do-chão e 1º andar, e junto do …, da freguesia de …, Barcelos, a confrontar do norte com JL, do sul com caminho público, do nascente com caminho de servidão e do poente com JA, omissa na Conservatória do Registo Predial e inscrita na matriz predial urbana sob o nº …(…)”.
3 – Na conferência de interessados que teve lugar no âmbito do mencionado processo de inventário, realizada no dia 7 de Dezembro 1987, o imóvel relacionado sob a verba nº 3 foi licitado pela interessada MF e marido, o aqui Autor LR.
4 – Em 18 de Abril de 1988, foi homologada, por sentença, a partilha realizada no âmbito dos autos de inventário obrigatório registados sob o nº ../1986, em que era inventariada PS.
5 – No dia 24 de Fevereiro de 1988, foi outorgado, na Secretaria Notarial de Barcelos, um escrito, denominado de “Contrato Promessa de Compra e Venda”, com o seguinte teor:
“Pactuantes:
Primeiros: JF e mulher Maria e PF e mulher MA, casados no regime de comunhão de adquiridos, todos residentes no lugar de …, freguesia de …, do concelho de Barcelos, donde são naturais; e,
Segundo: LR, natural da freguesia de …, do concelho de Barcelos, onde reside no lugar de …, casado com MF no regime de comunhão de adquiridos.
Declararam os primeiros pactuantes: - Que pelo preço de duzentos contos, que nesta data recebem na totalidade, da qual dão a competente quitação, prometem vender ao segundo pactuante livre de quaisquer ónus ou encargos e com todas as suas pertenças, servidões e direitos, a parte que lhes pertence no seguinte prédio: “casa e quintal”, situado na freguesia de Vila Cova, no mencionado lugar de ….
Declaram ainda: - Que, por si e seus sucessores se comprometem a assinar a escritura definitiva de compra e venda, quando pelo segundo pactuante lhes seja exigido;
Declarou o segundo pactuante: - Que aceita este contrato em todos os seus termos e quitações.
Declararam ainda todos os pactuantes: - Que estipulam para o presente contrato a execução específica prevista no artigo oitocentos e trinta do Código Civil. (…)”.
6 – Consta do documento referido em 6), o reconhecimento das assinaturas de todos os pactuantes.
7 – Em 13 de Novembro de 2014, o aqui Requerente apresentou contra os aqui Requeridos, e outros, uma notificação judicial avulsa, através da requereu a notificação dos aqui Requeridos para darem cumprimento ao contrato promessa supra referido, comparecendo, para isso, no dia 28 de Novembro de 2014, pelas 15 horas, no Cartório Notarial do Dr. JC, para outorgarem a escritura definitiva.
8 – Até à presente data, os Requeridos não outorgaram a escritura definitiva de compra e venda relativa ao ajuste descrito em 5).”

IV. Fundamentação de Direito

1-- Da nulidade da sentença por falta de fundamentação, consistente na falta de indicação da análise crítica das provas e fundamentos na base da formação da sua convicção, nos termos do artigo 615º alínea b) do Código de Processo Civil.

Não obstante a omissão de pronúncia do tribunal a quo sobre esta matéria, aquando do recebimento do recurso, como lhe competia (artigo 617º nº 1 do Código de Processo Civil), atenta a sua simplicidade, entende-se não ser de devolver o processo para a prolação de tal despacho, por esta questão poder ser decidida pelo tribunal ad quem sem prévia observância desta formalidade, nos termos do nº 5 do mesmo preceito.
Como bem afirmam os recorrentes, a propósito da nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão”): “Para que a sentença padeça do vício que consubstancia esta nulidade é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.
Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação.”
Tendo esta premissa como assente, por se entender correta e sem necessidade de qualquer outro complemento, por ter sido a invocada pelo arguente da nulidade, há que verificar se ocorreu a invocada omissão.
A sentença justificou a matéria de facto dada como provada da seguinte forma: “Tendo por base os documentos juntos aos autos a fls. 40 a 49 e 8vs a 12 – cujo teor não foi impugnado – e a posição assumida pelos requeridos, o tribunal considera assente os seguintes factos com relevância para o objeto do processo:”
Mais ali se diz “no que respeita ao aludido contrato promessa, cujo teor e conteúdo os Réus impugnaram em sede de resposta, cumpre referir que, achando-se as assinaturas dos respetivos pactuantes reconhecidas pelo notário, estamos perante um documento particular autenticado, cujo valor probatório apenas poderia ser atacado se fosse invocada a falsidade das respetivas assinaturas, o que os Requeridos não fizeram.”
Destarte, estando assente a matéria de facto provada, suficiente na perspetiva da sentença para a decisão da causa, e justificado que foi porque se consideraram provados tais factos, evidente se torna que não se verifica qualquer falta de fundamentação.
O que ocorre é que os Recorrentes não se conformam com a decisão e não concordam com tais fundamentos.
Improcede a invocada nulidade.
*
2-- da ilegitimidade processual do Requerente.

Fundam-se os Recorrentes em duas ordens de razões:
-- o contrato só podia ser celebrado por ambos os cônjuges, sob pena de anulabilidade e não é passível de execução específica.
-- as ações de que possa resultar a perda ou oneração de bens que só por ambos os cônjuges possam ser alienados devem ser propostas por ambos, ou por um com o consentimento do outro.
São levantadas questões a dois níveis diferentes: uma quanto à legitimidade singular do recorrido para intentar a ação, outra quanto à legitimidade plural.
Há que as analisar separadamente.

a) da legitimidade singular

Por legitimidade entende-se a suscetibilidade de ser parte numa ação com determinado objeto, em função da relação da parte com o objeto da ação.
O Autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar, que se exprime pelo utilidade que dessa procedência advenha, sendo que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor (artigo 30º do Código de Processo Civil(2013)).
A legitimidade processual afere-se pela relação jurídica substantiva controvertida, tal como o Autor a configurou, e não tal como existiu, na realidade, sendo face à petição inicial que se define o interesse direto em contradizer que legitima o Réu .( cf. nº 3 do artigo 30º do Código de Processo Civil).
Enfim, “a parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do Réu, admitindo que a pretensão exista.” (cf a sentença ora recorrida).
O Requerente demandou os Requeridos e efetuou o pedido de fixação de prazo, invocando que celebrou com estes um contrato-promessa, que no mesmo não foi incluído qualquer prazo e os Réus não o celebram.
Ora, não há dúvida que, tal como o Requerente apresenta a causa de pedir, a relação jurídica, de natureza contratual, estabeleceu-se entre as partes (Requerente e Requeridos), sendo o mesmo o interessado em obter o cumprimento das obrigações que aquelas ali estabeleceram.
Estão em juízo os titulares da relação jurídica controvertida tal como foi apresentada pelo Requerente.
Averiguar se esse contrato é ou não anulável ou as obrigações ali previstas são ou não exigíveis é já questão que ultrapassa a questão meramente processual aqui em análise, sendo já do âmbito do mérito de ação que incida sobre essa matéria. A existência ou não da obrigação e a validade do acordo é já questão substantiva que aqui (nem nesta sede, nem, sequer, nestes autos) não compete apreciar.
Termos em que se conclui que o Requerente é parte legítima.

b) da legitimidade plural

Quanto à legitimidade plural, face ao alegado pelo Recorrente, apenas importa explanar em concreto se se verifica um caso de litisconsórcio necessário, por força da norma imposto 34º do Código de Processo Civil.
O litisconsórcio necessário legal é o que é imposto pela lei.
Relativamente à propositura da ação, o litisconsórcio necessário impõe a intervenção de ambos os cônjuges em ações cujo resultado possam causar a perda ou a oneração de bens ou direitos que só pelos dois possam ser alienados ou exercidos, objeto em que se englobam, não sendo os cônjuges casados no regime de separação de bens, se engloba, entre o mais e em regra, bens imóveis próprios ou comuns (artº 1692-A nº 1 do Código Civil).
Importa, pois, verificar, se desta ação pode resultar a perda ou a oneração de bens e direitos que só por ambos possam ser exercidos ou alienados.
A presente ação especial de fixação judicial de prazo é um processo de jurisdição voluntária e, tal como foi peticionado e resulta do seu próprio nome, tem apenas um fim: a simples fixação de um prazo para o exercício de um direito ou cumprimento de um dever.
A fixação deste prazo, que se justificará infra, não passa pela averiguação da existência da obrigação.
Visto que nestes autos apenas se poderá fixar, ou não, um prazo para o cumprimento de uma obrigação ou dever, sem se verificar sequer da sua existência e validade, por se não se cuidar de impor o seu cumprimento, mas tão só de lhe apor uma data limite para o cumprimento ou exercício, não pode destes autos, por natureza, resultar a perda de qualquer direito ou bem, mormente para o promitente comprador.
Acresce que não há qualquer limitação, pelo casamento, à aquisição de bens por um cônjuge desacompanhado do outro, mas tão só, nos termos supra indicados, para a venda.
Apenas resultará, ou não, a fixação de um prazo na economia de uma relação jurídica.
Esta ação não preenche, pois, a previsão do artigo 34º do Código de Processo Civil, que fixa um requisito para que se entenda necessária a intervenção de ambos os cônjuges: não pode, por natureza, causar a perda de bens ou direitos.
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3 -- da inexistência de elementos para a prolação da decisão, por se desconhecer se se verifica a exceção perentória do não cumprimento por banda do requerente.

Quando incumba ao tribunal a fixação do prazo para o exercício de um direito ou o cumprimento de um dever, o requerente, depois de justificar o pedido de fixação, indicará o prazo que repute adequado, impõe o artigo 1026º do Código de Processo Civil.
Na ação especial de afixação judicial de prazo que o requerente deve apenas justificar suficientemente o seu pedido de fixação do prazo, mas não precisa já de fazer a prova dos seus fundamentos; o processo não comporta indagações sobre a extinção da obrigação cujo prazo de cumprimento se pretende ver fixado e estão fora do âmbito deste processo questões de carácter contencioso, como sejam as da inexistência ou nulidade da obrigação, o que é jurisprudência dominante.
As características deste processo assim o determinam: porque lhe é aplicável o regime dos processos de jurisdição voluntária, estipulando tramitação simples e rápida, como é regulado nos artigos 986º e seguintes do Código de Processo Civil .
Carecia de sentido apreciar neste processo questões meramente laterais ao seu escopo – a fixação do prazo –, as quais o complicariam, sem qualquer efeito relevante para as partes.
O objeto nestes autos resume-se, em consequência, à verificação, se, face á versão apresentada pelo Autor, da necessidade de se fixar judicialmente um prazo e em caso afirmativo, determiná-lo.
“A fixação judicial de prazo só se justifica quando, não tendo as partes acordado na sua determinação, tal se torne necessário pela própria natureza da prestação, ou por virtude das circunstâncias que a determinaram ou por força dos usos, e, bem assim, quando a sua determinação tenha sido concedida ao credor e este não faça uso de tal faculdade.” cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24/01/2005 no processo 0456041, face ao disposto no artigo 777º do Código Civil:

1.- Na falta de estipulação ou disposição especial da lei, o credor tem o direito de exigir a todo o tempo o cumprimento da obrigação, assim como o devedor pode a todo o tempo exonerar-se dela.
2. Se, porém, se tornar necessário o estabelecimento de um prazo, quer pela própria natureza da prestação, quer por virtude das circunstâncias que a determinaram, quer por força dos usos, e as partes não acordarem na sua determinação, a fixação dele é deferida ao tribunal.”
Dito isto, conclui-se que as exceções levantadas nestes autos pelos Requeridos, relativas à validade e exigibilidade da obrigação e à exceção do não cumprimento, carecem e interesse: nesta ação especial só se deve fixar um prazo razoável para cumprimento do negócio invocado pelo Autor se se verificarem os pressupostos que, na sua tese, mostrem a necessidade de tal determinação; é noutra sede, aquando da dedução da ação para exigir o cumprimento, ou outra correlativa, que se apreciará da existência, manutenção e eficácia do negócio, nos termos expostos.
“…A fixação judicial de prazo, mesmo que o devedor conteste a existência ou validade da obrigação, como no caso dos autos, sempre terá a virtualidade de tornar certo que dentro do prazo fixado pelo tribunal o devedor deve efetuar uma dada prestação, no pressuposto de que é devida. Se for necessário, mais tarde, instaurar uma ação para obter o cumprimento e, caso haja contestação da dívida, mas a ação proceda, ficar-se-á a saber que o devedor entrou em mora a partir do termo do prazo fixado pelo tribunal. Há, por conseguinte, utilidade na mencionada ação, mesmo que não haja consenso entre as partes acerca da existência da dívida.” Ac Tribunal da Relação de Coimbra de 26-6-2012, no proc 762/09.0T2AVR.C1.
Esta é posição unânime da jurisprudência, a qual, na completíssima sentença destes autos, foi elencada a mais representativa das últimas três décadas.
O título meramente exemplificativo (por serem tão numerosos), indicam-se outros Acórdãos, por mais recentes, todos no mesmo sentido: os Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 01-03-2016, no processo 1056/14.4TJCBR.C1., Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-11-2014, no processo 203/14.0TBPDL-8 e Acórdãos TRC de 26-10-2004, no processo 1168/04, citando este último: “constitui, assim, igualmente entendimento dominante que neste tipo de processos não haverá lugar à indagação sobre questões de carácter contencioso que envolvam a obrigação em causa, ou seja, a controvérsia não poderá ir mais além da questão suscitada pela fixação de prazo, apenas se impondo, assim, ao requerente que justifique o seu pedido (de fixação judicial de prazo), mas sem que tenha de fazer prova dos seus fundamentos”.
Do Supremo Tribunal de Justiça é perentório o Acórdão de 05-03-2002, no processo 01A4297: “A ação a propor nos termos dos indicados normativos esgota a sua função jurisdicional no momento em que for fixado o prazo. O requerente terá que justificar o pedido de fixação, mas não de fazer prova dos seus fundamentos.”
Vem agora, a talho de foice, proposição do citado Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 1-03-206 : “O pedido formulado na ação é o da fixação do prazo e a causa de pedir a inexistência do mesmo ou o não acordo entre devedor o credor quanto ao momento do vencimento da obrigação, não sendo admissível indagação sobre questões de natureza contenciosa, como, por exemplo, a nulidade da obrigação.
Assim não importa neste sede apurar se a obrigação constante do contrato-promessa é ou não anulável; importa, tão só verificar se o Requerente invocou factos que lhe atribuam legitimidade para a dedução da ação.”
De todo o exposto resulta já, também, a desnecessidade de apurar se se verifica a exceção perentória do não cumprimento: tal é questão a apurar, sendo disso caso, em sede de ação de execução específica ou outra que tenha como escopo ou pressuposto a verificação da existência, validade ou exigibilidade das obrigações nele assumidos, não neste tipo de processo.
Os factos abrangidos pela força probatória do documento autêntico ficam por ele plenamente provados e esta prova só é ilidível mediante a arguição e prova da falsidade, como determina o artigo 372º nº 1 do Código Civil.
Assim, basta não ter sido impugnada a assinatura do contrato pelos Requeridos (tanto mais que a mesma se mostra reconhecida notarialmente) para, no âmbito destes autos se considerar demonstrada suficientemente a formalização do contrato aqui em análise e também a sua celebração.
Como decorre da leitura do contrato promessa celebrado entre as partes, não foi estabelecido prazo ou data para a celebração do contrato prometido, apenas tendo sido acordado que à ré caberia a marcação da respetiva escritura, devendo, para a realização desta, convocar o autor com a antecedência de oito dias.
Porquanto não se considera que se está perante uma obrigações puras ( não se vence logo que o credor exija o seu cumprimento), visto que o seu cumprimento não pode ser exigido ou imposto à outra parte antes de decorrido certo período ou de chegada certa data, a ação tem cabimento.
Desta forma, os autos tinham todos os elementos necessários para a apreciação da questão, a qual foi bem apreciada.

4-- da violação do princípio do contraditório, por ter sido considerado que os documentos juntos eram bastantes para decretar a fixação judicial de prazo, sem se ter dado aos recorrentes a possibilidade de as produzir.

O princípio do contraditório traduz-se na garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o processo mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (alegação, prova e direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa, e que em qualquer fase do processo apareçam como relevantes para a decisão. “O direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras [cf. o Acórdão do TC n.º 86/88 (disponível in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 11.º vol., pp. 741 e segs.)].Estes princípios têm cobertura constitucional - assim o impõe o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa – e foram também consagrados no artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
No entanto, compulsados os autos, a finalidade da ação, supra mencionada, a matéria em causa e o grau de certeza exigido quanto aos pressupostos em causa, não se verifica aqui qualquer violação deste princípio: não só foi junto documento subscrito pelo Requerente e pelos Requeridos, como resulta do seu reconhecimento notarial que não foi posto em causa pelo meio próprio (a invocação da falsidade); como apenas importa neste processo verificar se deste contrato resulta a necessidade de fixar um prazo e não se o mesmo é válido e se mantém vinculativo; foi dada a possibilidade aos Requeridos, que a usaram, de se pronunciar sobre os requisitos necessários para a fixação do prazo e bem, assim, para impugnarem, querendo, mas pelos meios próprios, a suficiência da apresentação da causa de pedir e sua sustenção por parte do Requerente.
Não é violado o princípio do contraditório quando se impede a parte de proceder à prova de factos irrelevantes para a decisão da causa.
Não ocorreu aqui qualquer violação do princípio do contraditório.

V. Decisão:

Por todo o exposto, julga-se a apelação improcedente e em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas na 2ª instância pelo recorrente.
Notifique.
Guimarães, 30 de novembro de 2017

Sandra Melo
Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade