Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
174/16.9T8MDL-A.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: DAÇÃO EM CUMPRIMENTO
REQUISITOS
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
DECLARAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Um documento escrito não assinado mas cuja autoria é reconhecida não tem, contra o seu autor, a eficácia que teria se estivesse assinado, mas é um princípio de prova, a apreciar livremente pelo julgador.

II – Um dos requisitos essenciais de operância da dação em cumprimento é o assentimento do credor - cfr. parte final do art.º 837.º do C.C..

III - O assentimento, tendo a natureza da declaração negocial, tanto pode ser expresso como tácito, sendo expresso quando for traduzido em palavras ou reduzido a escrito, ou por qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e será tácito quando se possa deduzir de factos que, com toda a probabilidade, o revelam.

IV – Na determinação da concludência do comportamento para se apurar o sentido respectivo, designadamente enquanto declaração negocial que deva deduzir-se dele, deve entender-se que a concludência, no sentido de permitir concluir «a latere» um certo sentido negocial, não exige a consciência subjectiva, por parte do seu autor, desse significado implícito, bastando que, objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante, seguindo o critério da interpretação normativa da declaração negocial, ou seja, desde que esse sentido seja igual ao que lhe daria um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- V. T., identificado nos autos, deduziu os presentes embargos por oposição à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a exequente “X – Bacalhau, S. A.”, alegando, em síntese, que no acordo que foi celebrado entre esta Exequente e a devedora “B. T. - Comercio de Produtos Alimentares, Lda” foi dado como garantia do pagamento da dívida o veículo com a matrícula GR, tendo, ele, Embargante, assumido a qualidade de fiador. Acontece que esta Devedora apresentou-se à insolvência pelo que, “inesperadamente”, porque “nunca imaginou” que aquela estava numa situação de insolvência, viu-se “numa situação de ter de responder solidariamente por uma dívida de terceiro que estava insolvente” obrigado a assumir o pagamento das prestações acordadas. Pagou 10 prestações, num total de € 2.500,00. No entanto, por dificuldades financeiras deixou de ter possibilidade de prosseguir com os pagamentos pelo que solicitou à Exequente, atempadamente, que viesse buscar o veículo acima referido, tendo esta aceitado a sua proposta, levando a dita viatura em 24/04/2016, liquidando, com ela, a dívida, conforme ficou o acordado, ficando, assim, pago por si o valor total da dívida, com o que nada deve à Exequente.

Conclui peticionando a procedência dos embargos, ou caso assim não se entenda, a avaliação do referido veículo para que se venha a saber qual a quantia que está efectivamente em dívida.
Notificada, a Exequente/Embargada contestou, impugnando especificadamente os factos invocados pelo Embargante no que toca à dação do veículo pela totalidade da dívida, alegando que, pelas partes, foi atribuído ao veículo o valor de € 4.000,00, valor que foi deduzido da totalidade da dívida que, assim, se mantém nos € 17.750,00.

Mais alega que o Embargante actua com abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium e litigando de má-fé.
Conclui pugnando pela improcedência dos embargos e pela condenação do Embargante em multa por litigância de má-fé.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que decidiu:

a) Julgar totalmente improcedentes por não provados os presentes embargos de executado deduzidos pelo Embargante/executado contra a Embargada/exequente, e em consequência, determinar-se o prosseguimento da acção executiva.
b) Julgar procedente a excepção de abuso de direito condenando o Embargante V. T. na multa equivalente a 5 (cinco) UC`s a título de litigância de má-fé.
Inconformado, traz o Embargante o presente recurso pedindo a reapreciação da decisão da matéria de facto e a revogação da supra transcrita decisão.
Contra-alegou a Embargada/Exequente propugnando para que se mantenha o decidido.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II.- O Embargante/Apelante formula as seguintes conclusões:

O Tribunal “a quo” deu como não provados os pontos vertidos nos artigos 4º, 5º e 6º, que deveriam ser dados como provados no nosso modesto entendimento.
Consideramos que atento a prova produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como da prova documental, aqueles três artigos foram incorrectamente julgados.
Acresce que o Tribunal “a quo” deu como provados os pontos 11 e 12 dos Factos dados como provados – o teor contante de um documento (doc. nº 5 de fls. 46 dos autos), que nem sequer está assinado pela embargada, nem pela executada e muito menos pelo ora Recorrente, que nem sequer é naquele documento mencionado.
A prova documental é a que resulta do documento (cfr. art. 362º do C.C.) e a subscrição do documento é requisito essencial do documento particular, sendo a assinatura que lhe empresta a sua força probatória (cfr. artigo 373º, nº 1 do C.C.), pelo que a omissão das respectivas assinaturas não pode ser suprida por qualquer outro meio de prova.
Ao não decidir assim, violou o douto Tribunal “a quo”, entre outros, o disposto nos artigos 362º, 364º e 373º, nº 1, todos do C.C., o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
Relativamente ao ponto 4 dos Factos Não Provados resulta da prova, nomeadamente das declarações prestadas pelo Recorrente e pela testemunha H. T., cujos depoimentos se encontram registados no sistema digital do Tribunal desde 00.00.01 a 00.09.41 e de 00.00.01 a 00.18.00, respectivamente, referem o seguinte:
7ª 03:53: pergunta o Advogado da Embargante; No momento em que foram buscar o carro, decidiram valorizar o carro? 04:00: (Resposta): Não, não. Não senhora. Eles levaram o carro, não me disseram que valia, mil, dois mil, três mil ou quatro mil, eles levaram o carro era a penhora senhora doutora. 05:59: Senhor doutor, o carro era dela. O carro ficou para pagar a dívida.
A testemunha H. T. refere o seguinte: 02:15: “Olhe dona Carla, eu não paguei porque não posso. Olhe é assim, se a dona Carla quiser esperar que isto melhore eu continuo a pagar-lhe, se não dona Carla vocês é que sabem” e ela disse “Não senhor V. T., nós queremos que nos pague ou então vamos buscar a carrinha que ficou acordada”.
Face ao teor destes depoimentos, com conhecimento directo dos factos, quando o embargante deixou de pagar as prestações acordadas, entrou em contacto directo com a sócia gerente da exequente e solicitou-lhe que viesse buscar o veículo e, desse modo, o ponto 4 deveria ser dado como provado, o que se requer.
10ª O mesmo se diga quanto ao ponto 5º, porque das declarações da testemunha H. T. e do ora Recorrente, resulta o seguinte: (embargante) 02:10: “Não, senhor V. T., nós queremos que nos pague ou então vamos buscar a carrinha que ficou acordada”, pelo que deverá tal ponto ser dado como provado, o que também se requer.
11ª Liquidando o Recorrente com a entrega daquele veículo a dívida, conforme ficou acordado (ponto 6º dos Factos dados como não provados).
12ª Das declarações do Recorrente resulta que: 05:59: “Senhor doutor, o carro era dela. O carro ficou para pagar a dívida”, o que foi reafirmado pela testemunha H. T. (02:30): “que ficou no processo que a carrinha ficava como fiança se eu não conseguisse pagar, a dona Carla é que sabe”. 03:16: “foi acordado com a dona Carla que se levasse a carrinha que a dívida ficava saldada”.
13ª As partes podem, por negócio jurídico, estipular a impenhorabilidade específica de determinados bens (art. 602º do C.C.), que permite, por convenção entre credor e devedor, se limite a responsabilidade do devedor a alguns dos seus bens.
14ª E, por maioria de razão, que determinados bens do devedor sejam excluídos da sujeição à execução pela dívida, como aconteceu nos presentes autos.
15ª Do acordo celebrado e dado como título executivo, resulta que a Exequente levantou as penhoras que incidiam e tinha registadas sobre dois veículos propriedade da sociedade executada.
16ª Ficando expressamente convencionado como garantia daquela dívida o veículo de marca Peugeot, matrícula GR, ou seja, ficou convencionado e limitada a responsabilidade do embargante àquele bem.
17ª Portanto, com a entrega daquele bem, a dívida ficou saldada conforme ficou acordado, pelo que deverá ser dado como provado o ponto 6º dos Factos dados como Não Provados, o que se requer.
18ª Do recibo – matéria constante dos pontos 10, 10.1, 12, 13, 14 e 15 dos Factos dados como Provados – que, no nosso modesto entendimento, deveriam ser dados como não provados.
19ª O recibo apresentado não se refere à carrinha (Peugeot, matrícula GR) porque aquele não obedece aos requisitos do artigo 36º do CIVA e nunca pelo seu conteúdo se poderia aferir que o mesmo se reportava ao valor daquela viatura penhorada.
20ª A testemunha H. T. refere o seguinte: 09:10: “Não. Unicamente era um recibo de quatro mil euros. Não vinha dito que esses quatro mil euros são referentes à carrinha Peugeot. Não, não vinha”.
21ª A mesma testemunha até diz (10:19) “Eu quando recebi esse recibo de quatro mil euros eu até pensei que eram os quatro mil euros que se deram no início”.
22ª Deste modo, salvo melhor opinião, não poderia o douto Tribunal “a quo” dar como provada a matéria constante dos pontos 10, 10.1, 12, 13 e 14 dos Factos Provados, o que se requer.
23ª Por último, o recorrente não pode concordar com a condenação como litigante de má-fé.
24ª O Embargante nem sequer era executado na acção nº 192/14.1TBMDL.
25ª Quando a sociedade executada deixou de cumprir o acordo, o Recorrente ainda pagou durante dez meses uma prestação mensal de 250,00 €.
26ª Posteriormente, como se alegou, quando se deparou com dificuldades económicas, teve o cuidado de ligar à sócia gerente da Exequente dando-lhe conta da sua impossibilidade de se continuar a pagar aquela prestação e solicitou-lhe que aguardasse ou viesse buscar a carrinha frigorífica, de marca Peugeot, que ficara como garantia da dívida no acordo celebrado.
27ª O Recorrente entregou a dita carrinha voluntariamente e com essa entrega ficou convicto que a dívida ficava saldada, como defendeu na presente execução.
28ª O Embargante e ora Recorrente deduziu oposição e invocou aquilo que ficou acordado quando decorreram as negociações tendentes à celebração do acordo no qual acedeu ficar fiador da sociedade executada.
29ª Ora, dirimiu os seus pontos de vista, exercendo um direito e não alterou de forma consciente, voluntária, a verdade dos factos.
30ª Deste modo, entende o Recorrente que o douto Tribunal “a quo” fez uma incorrecta interpretação dos factos e direito, violando os artigos 3º, 542º e seguintes do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
31ª Devendo o Recorrente ser absolvido da condenação como litigante de má-fé, o que se requer.
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III.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Como se extrai das conclusões acima transcritas, cumpre:

- reapreciar a decisão da matéria de facto, nos segmentos impugnados;
- reapreciar a decisão de mérito;
- reapreciar a decisão de condenação por litigância de má-fé.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

IV. - Como se extrai das conclusões acima transcritas, o Apelante impugna a decisão de facto.

a) O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
O Apelante cumpriu com todos os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do n.º 1, quer o da alínea a) do n.º 2, na medida em que, de modo inequívoco, indicou os pontos da decisão de facto que considera incorrectamente julgados e apresentou o seu projecto de decisão, enunciando os meios de prova em que fundamenta o seu dissenso.
Indica ainda com exactidão as passagens da gravação em que se funda, e procedeu à respectiva transcrição.
Não há, assim, obstáculo legal a que se reaprecie a decisão de facto, nos segmentos fácticos impugnados.
b) Na reapreciação da decisão da matéria de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., sem excluir que, como consta da “Exposição de Motivos”, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.
Não estando limitada pelos depoimentos e demais provas que lhe tenham sido indicados pelo recorrente, na reapreciação da matéria de facto a Relação avalia livremente todas as provas carreadas para os autos e valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus conhecimentos das pessoas e das coisas, socorrendo-se delas para formar a sua própria convicção.
Como refere o art.º 341.º do Código Civil (C.C.) as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. Não se podendo exigir que esta demonstração conduza a uma verdade absoluta (objectivo que sempre seria impossível de atingir), quem tem o ónus da prova de um facto terá de conseguir “criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto”, como referem ANTUNES VARELA et AL. (in “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, pág. 420).
Se, depois de reapreciadas as provas, subsistir a dúvida quanto à realidade de um facto ou sobre a repartição do ónus da prova, decide-se contra a parte a quem o facto aproveita, segundo o princípio consagrado no art.º 414.º do C.P.C..
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V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provado que:

1.º A empresa designada por “X – Bacalhau, S.A.”, com sede no Parque Industrial … Coimbra, Exequente nos presentes autos, celebrou um acordo de pagamento em 10 de Março de 2015, no âmbito do Processo nº 192/14.1TBMDL, que correu os seus termos pela Instância Local de Mirandela, Secção de Competência Genérica – J1, com a empresa “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.” e V. T..
2.º Na cláusula 1ª do referido acordo foi fixado o montante da dívida em 22.500,00 €, englobando capital, juros e demais despesas processuais, nele se incluindo as despesas e honorários já pagos ao Agente de Execução.
3.º Sendo o acordo celebrado nos termos seguintes:
Liquidação em 74 (setenta e quatro) prestações mensais e sucessivas pagas da seguinte forma:
1- Prestação de entrega imediata, com a assinatura do acordo, no valor de 4.250,00 (quatro mil duzentos e cinquenta euros);
1.2 – e setenta e três (73) prestações no valor de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) cada.
2- A primeira prestação vencia-se no dia 10 de Março de 2015 e as restantes prestações em igual dia dos meses seguintes.
3- Os pagamentos referidos devem ser efectuados por transferência bancária para conta titulada pela exequente com o NIB ….
4.º Foi dado como garantia daquela dívida o veículo Peugeot, matrícula GR, devendo a penhora que incidia sobre a mesma converter-se automaticamente em hipoteca.
5.º Prescindiu a ora Exequente/embargada naquele acordo de duas penhoras já efectuadas a outros dois veículos – cfr. cláusula 3ª nº 2 do referido acordo.
6.º Na cláusula 4ª do referido acordo, o terceiro contraente, ora Executado/embargante, assume a posição de fiador da Executada/embargada, assumindo solidariamente todas as obrigações decorrentes do aludido acordo.
7.º O Embargante pagou, consecutivamente, 10 prestações no valor de 250,00 €, perfazendo o total de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros) - cf. doc. de fls. 6v.º 11 do autos.
8.º Face à falta de pagamento das prestações mensais a embargada entrou em contacto com o embargante, para que este retomasse, em representação da empresa “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.”, o pagamento das referidas prestações mensais.
9.º No âmbito desses contactos a embargada e o embargante acordaram em converter a hipoteca em registo definitivo do automóvel identificado em 4.º e dado como garantia,
10.º para tanto, atribuíram ao veiculo o valor de € 4.000,00 (quatro mil euros),
10.1 mais acordaram em reduzir esse valor de € 4.000,00 ao valor total que ainda se encontrava em dívida.
11.º Em 22 de Abril de 2016, a Embargada, espelhando as negociações firmadas com o Embargante, combinou com este a data de entrega do referido veículo e elaborou o acordo de dação em cumprimento para que fosse assinado pela Sr.ª D. H. T., esposa do Embargante e sócia-gerente da “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.”. (cf. Documento n.º 5 de fls. 46 e 47).
12.º Através desse acordo, estabeleceram as partes que atribuíam ao veículo acima identificado o valor de € 4.000,00 (quatro mil euros) e que esse valor seria deduzido ao valor em dívida àquela data e que ascendia a € 17.750,00 (dezassete mil setecentos e cinquenta euros).
13.º Estabeleceram ainda as partes que feita a dedução de € 4.000,00 (quatro mil euros), permaneceria em dívida a quantia de € 11.750,00 (onze mil setecentos e cinquenta euros).
14.º A Embargada emitiu e enviou para a residência do Embargante - sede da “B. T. - Comércio de Produtos Alimentares, Lda”. – o recibo correspondente aos € 4.000,00 (quatro mil euros).
15.º No dia em que a carrinha foi entregue à Embargada, pela Sr.ª D. H. T., mulher do Embargante e sócia gerente da “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.”, esta já tinha em sua posse o referido recibo de €4.000,00 (quatro mil euros).
16.º Por esse motivo, é que a “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.” representada pela sócia gerente, Sr.ª D. H. T., não assinou o referido acordo de dação em cumprimento,
17.º pois, nas palavras desta já não valeria a pena, uma vez que tinham (a Embargada) emitido e enviado o recibo.
18.º Foi pois, com base na confiança e pressupondo que o que foi acordado com a “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.” era para ser efectivamente cumprido, que a Embargada não apôs a sua assinatura no acordo.
19.º Nunca foi firmado ou combinado entre as partes que a entrega daquela carrinha servisse para pagar a dívida na sua totalidade.
20.º No dia 10 de Março de 2015, (na mesma data do acordo referido em 1.º) a “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.” deu entrada neste mesmo Tribunal, do requerimento de apresentação à insolvência, processo que correu termos na Comarca de Bragança, Mirandela, Inst. Local, Sec. de Competência Genérica – J1, sob o processo n.º 192/14.1TBMDL.
21.º A insolvência de “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda.” foi declarada a 11 de Junho de 2015.
22.º O Embargante doou a sua casa à sua neta L. T., filha de B. T., o prédio urbano sito na Rua dos Tanques, descrito na Conservatória dos Registos Civil, Comercial e Automóveis, sob o n.º … e inscrito na matriz predial com o n.º …, no dia 25 de Maio de 2015, a título gratuito e com reserva de usufruto simultânea e sucessiva a favor do Embargante.

ii) Julgou não provado que:

1.º Nunca imaginou o ora Executado que a dita Executada estava numa situação de eminente insolvência.
2.º Cada vez com maiores dificuldades financeiras, independentes da sua vontade, foi o fiador e ora Executado colocado na impossibilidade de continuar a solver o compromisso que de boa-fé celebrara.
3.º E, assim, sempre na expectativa de poder vir a cumprir regularmente o acordado, e sendo pessoa responsável e cumpridora, procurou diminuir o impacto da cessação do pagamento regular das prestações.
4.º Solicitou o Embargante à Exequente que viesse buscar a carrinha frigorífica de marca Peugeot, com a matrícula GR, que ficara como garantia da dívida no acordo celebrado.
5.º A Exequente aceitou esta proposta do Executado e veio imediatamente buscar a carrinha em 24/04/2016.
6.º Liquidando, com a entrega daquele veículo, a dívida (totalidade) conforme ficou acordado.
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VI.- Pretende o Apelante que se julguem não provados os factos acima transcritos sob os n.os 10.º; 10.1; e 11.º a 18.º, e se julguem provados os factos, que o Tribunal a quo julgou não provados, constantes dos n.os 4.º; 5.º; e 6.º.
Fundamenta o seu dissenso advogando que o documento referido em 11.º, e referenciado nos demais factos impugnados, não estando assinado, não pode valer como prova. Quanto aos demais factos, divergindo da valoração do Tribunal a quo, atribui maior credibilidade às suas próprias declarações de parte e ao depoimento da testemunha H. T..

Na motivação da decisão da matéria de facto, escreveu o Meritíssimo Juiz:

Na valoração do depoimento testemunhal, aquilatou-se da intervenção pessoal nos factos em causa; na decisão e consistência das respostas; na transparência do conhecimento directo dos factos; na serenidade da postura, no tom de voz, modo de dizer e outras circunstâncias similares que modificam o sentido das palavras, na isenção e imparcialidade denotadas versus eventuais interesses na causa e/ou eventual litígio com as partes.”.
Relativamente às declarações de parte do Apelante, refere que a sua versão dos factos não convenceu o Tribunal “atenta que foi a mesma considerada comprometida, parcial, e contraditória com a demais prova constante nos autos”.
Quanto à testemunha H. T., deixou referido que “sendo a sua razão de ciência ser sócia gerente da empresa “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Lda” e mulher de V. T.”, ela conta “a mesma versão do seu marido sendo que tal como a anterior a mesma não foi considerada credível para o Tribunal” por o seu depoimento ser “contrário às regras da experiência comum”.
Relativamente às testemunhas Manuel e Carla atribuiu-lhes credibilidade dado que, mau grado terem uma relação profissional com a Exequente/Embargada, prestaram depoimentos precisos e coerentes, estando o depoimento da segunda “sustentado na prova documental apresentada”.
Os elementos de prova carreados para os autos são de livre apreciação.

ALBERTO DOS REIS referindo-se ao princípio da liberdade de apreciação da força probatória dos depoimentos das testemunhas (consagrado no art.º 625.º do C.P.C. então vigente) escreveu: “o tribunal julga segundo a sua consciência ou segundo a convicção que formou; a convicção forma-a, não em obediência a regras legais preestabelecidas, a quadros, critérios ou ditames impostos por lei, mas através da influência que no seu espírito exerceram as provas produzidas, avaliadas segundo o seu juízo e a sua experiência”.

Assim, “o juiz pode formar a sua convicção através do depoimento de testemunha auricular e em sentido contrário ao depoimento de testemunha ocular”, e escreve ainda que “no sistema da prova livre nada obsta a que o julgador se determine, na formação da sua convicção, precisamente pelo testemunho de parente ou amigo da parte a quem esse testemunho aproveita” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. IV, págs. 358-359).

Sem embargo, normal é que o juiz submeta a um escrutínio mais apertado o depoimento de um familiar da parte, valorando-o negativamente ou com reservas se encontrar indícios das relações familiares terem actuado como inibidoras da verdade, o que somente significa que a convicção que venha a assentar nesse depoimento foi consistentemente formada.
É certo que a Relação apenas dispõe da imediação mitigada que as gravações proporcionam, mas também não é menos certo que uma atenção cuidada à postura da voz, às hesitações e a eventuais contradições, assim como à forma como as perguntas são colocadas e ao teor das respostas, e, bem assim, à razão de ciência, permitem formular um juízo suficientemente seguro e sustentado sobre a credibilidade de um depoente.
Sem embargo, se houver “dúvidas sérias” sobre “a credibilidade do depoente” ou sobre “o sentido do seu depoimento”, sempre a Relação tem o poder, que é vinculado, de ordenar a renovação da produção da prova, nos termos do disposto n.º 2, alínea a) do art.º 662.º do C.P.C..
Ora, revisitadas as declarações de parte do Apelante e os depoimentos das testemunhas, não se suscitaram as dúvidas a que acima se aludiu.
Pretende o Apelante fazer valer a sua versão dos factos, plasmada nos n.os 4.º; 5.º; e 6.º, que o Tribunal a quo julgou não provados, apelando, para o efeito, às suas próprias declarações de parte, ao depoimento da testemunha H. T., e ao que ficou acordado quanto ao pagamento da dívida da “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Ld.ª”, defendendo ter ficado expressamente acordado que a viatura em causa permanecia “penhorada” para garantir a dívida.
O Tribunal a quo, dando credibilidade aos depoimentos das testemunhas Manuel, que foi quem, a mando da Embargada/Exequente, se deslocou a casa do ora Apelante buscar a carrinha, e Carla, que, também a mando desta negociou a dívida com o Apelante (e com a esposa e o filho do casal, estes últimos sócios- gerentes da Devedora), julgou provada a versão trazida pela Embargada/Exequente.
E, de facto, julgou acertadamente o Tribunal a quo, já que, à certeza e à coerência com a sua razão de ciência, destas duas testemunhas, se contrapõem depoimentos verdadeiramente interessados, nervosos, desestruturados, com afirmações que as regras da experiência comum declaradamente contradizem, sendo, pois, muito mais convincentes os depoimentos daquelas do que as declarações e depoimento destes, que tampouco lograram instalar a dúvida sobre a correspondência com a realidade dos factos narrados pelos primeiros.
O Apelante insurge-se contra a valoração do documento constante de fls. 46 e 47, referido no n.o 11.º que, a seu ver, por não estar assinado, não pode valer como meio de prova.
A noção conceptual de documento como meio de prova consta do art.º 362.º do Código Civil (C.C.), aqui se dizendo que é “qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”.
É um conceito amplo, que se não reduz aos instrumentos escritos, nele se incluindo as fotografias, os desenhos, as reproduções cinematográficas, ou seja, uma qualquer reprodução de coisas ou de factos, desde que elaborada pelo homem.
Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor ou por outrem a seu rogo, se o rogante não souber ou não puder assinar – cfr. art.º 373.º - sendo, pois, a assinatura um elemento essencial para o seu valor probatório.

MANUEL DE ANDRADE, relativamente aos documentos não assinados, mas que ficasse estabelecida a identidade da letra, defendia constituírem “um simples coeficiente probatório a apreciar livremente pelo julgador”, com fundamento em que “quem escreveu – ou mandou escrever – um documento, mas não o assinou, não quis vincular-se ao seu conteúdo, não chegou a emitir as declarações nele exaradas” (in “Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 236).

Com a clareza de escrita que lhe é característica, escreveu ALBERTO DOS REIS que um documento escrito não assinado, mas com a “paternidade” reconhecida “não tem contra o seu autor a eficácia que teria se estivesse assinado; mas é um princípio de prova, que o juiz apreciará livremente e que, conjugado com as restantes provas, tomará na conta que entender” (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 424). No mesmo sentido se pronunciaram, v.g., J.M.GONÇALVES SAMPAIO (in “A Prova por Documentos Particulares na Doutrina, Na Lei e Na Jurisprudência”, 3.ª ed. actualizada e ampliada, pág. 145) e FERNANDO PEREIRA RODRIGUES (in “Os Meios de Prova em Processo Civil”, 2.ª ed., págs. 89/90).
Na situação sub judicio, o documento em causa, que foi elaborado pela Embargada/Exequente (que nele figura como primeira outorgante), não contém nem a sua assinatura nem a assinatura do representante da devedora “B. T. – Comércio de Produtos Alimentares, Ld.ª” (que nele figura como segunda outorgante) e que, como se provou, era a testemunha H. T..
No entanto, pela testemunha Manuel foram explicadas as razões por que tal documento não chegou a ser assinado (e podia tê-lo sido com facilidade pela Embargada/Exequente já que o tinha na sua posse): como a testemunha H. T., representante da Devedora, já «tinha na mão» o recibo dos “€ 4.000,00” ela própria disse que «não era preciso» assinar o documento, porque «já tinha o recibo».
Quem elaborou o documento foi a testemunha Carla, que também elaborou o recibo (o nome dela vem mencionado no canto superior esquerdo do escrito sob a designação “Cobrador 01), e foi também ela quem conduziu todas as negociações relativas à dívida dos autos, directamente com o Apelante (como afirmou), a qual explicou que o ora Apelante não queria aceitar «o valor da carrinha», dizendo que «estava em bom estado, era boa», que «valia mais», acrescentando «chegamos a um valor de € 3.500,00», e ele dizia que «valia mais», tendo-lhe atribuído o valor de € 4.000,00 por causa da câmara frigorífica. Para a testemunha estava fora de causa aceitar a carrinha para pagamento total da dívida, expressando que «não fazia sentido. A dívida era tão alta que não faria sentido», acrescentando que se o tivesse aceitado «estava a prejudicar a empresa». Mais afirmou que enviou o recibo para a morada do Apelante, e da sua esposa, a testemunha H. T., «antes de vir a carrinha», e que o recibo nunca foi devolvido, nem houve qualquer reclamação.
É inconsistente a versão apresentada pelo Apelante e tentada corroborar pela referida sua esposa.
Com efeito, do “Acordo de Pagamento com Fiança”, que consta de fls. 35 a 37 dos autos, consta, inequivocamente, que o ora Apelante assumiu a posição de fiador, “assumindo solidariamente todas as obrigações decorrentes do presente contrato … nomeadamente a obrigação do pagamento das prestações indicadas na 2.ª cláusula, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia…” (cláusula 4.ª).
O valor total da dívida era € 22.500,00, e ia ser paga em 74 prestações mensais, ou seja, em seis anos e dois meses.
Por razões que não foram explicadas, a Exequente renunciou expressamente às penhoras de dois veículos, mas não prescindiu da apreensão do veículo aqui em causa, tendo ficado acordada a conversão da penhora em hipoteca. Talvez porque tinha a responsabilização pessoal do Apelante e, como ele próprio referiu, sendo aquele o seu “veículo de trabalho”, contava que fosse especialmente cuidadoso no seu uso e conservação.

De qualquer modo, e na senda do afirmado pela testemunha Carla, considerado o valor da dívida e a grande desvalorização que, reconhecidamente, sofre um veículo de trabalho, já que o seu uso contínuo provoca o maior desgaste das peças, não se concebe, à luz do comum do acontecer, que, por vontade das partes, o referido veículo garantia «toda a dívida», como pretende o Apelante, independentemente do que este viesse a pagar.
Aceita-se que o valor real de um veículo não possa ser encontrado pela simples consulta às revistas de veículos usados, porque as suas características específicas, o grau de uso, eventuais reparações anteriores, sobretudo em peças essenciais ao funcionamento, são factores que, normalmente, são considerados na des/valorização do veículo.
E quanto valia este veículo em concreto? As testemunhas Manuel e Carla explicaram como chegaram ao valor de € 4.000,00 mas o Apelante não terá querido, na sua alegação, comprometer-se com qualquer valor, não fazendo qualquer alusão ao seu estado, ou se tinha componentes que fossem uma mais-valia.
Referiu a testemunha H. T. que “quando viu o recibo de € 4.000” até pensou que era «do que dei no início», acrescentando «não nos foi dado nenhum documento na altura». Deve ter-se por insubsistente esta afirmação. Com efeito, a primeira prestação foi de € 4.250,00, diferença que não é de somenos importância por corresponder ao valor de cada uma das prestações subsequentes. E, como ficou a constar do documento em causa, a primeira prestação venceu-se no mesmo dia da celebração do “Acordo de Pagamento” – “10 de Março de 2015” – e o próprio documento, ainda que o não diga expressamente, deixa perceber que foi paga naquela data, ou seja, mais de um ano antes destes factos.

Mais afirmou a testemunha não saber o montante da dívida porque «na altura nem fiz contas do que já se tinha coiso», o que não é nada coerente com o facto de terem estado (ela e/ou o marido) a fazer transferências para a Exequente durante 10 meses, juntando aos autos os documentos respectivos.
Relativamente ao “recibo” de fls. 48 dos autos alega o Apelante que “nunca pelo seu conteúdo se poderia aferir que o mesmo se reportava ao valor daquela viatura”.
Sem embargo, o próprio Apelante junta aos autos dois recibos em tudo idênticos àquele, produzidos pelo mesmo sistema informático, diferindo apenas no valor total do recibo e na menção das facturas a cujo pagamento foi imputado o valor do veículo – cfr. fls. 7v.º e 10 - e não lhes opôs qualquer dificuldade de compreensão.
E o próprio Apelante estava também consciente de que, tendo, a partir de Janeiro de 2016, cessado o pagamento das prestações acordadas, de então até ao mês de Abril seguinte não fez mais nenhum pagamento, tendo apenas entregue “a viatura”.
Quanto vem de ser exposto demonstra a muito pouca credibilidade do Apelante e da testemunha H. T., sua esposa, porque não conseguiram ser objectivos nem coerentes, depondo claramente dominados pela defesa dos seus interesses, sem que se lhes tivesse notado alguma preocupação em esclarecerem todos os factos, também os que os poderiam, eventualmente, desfavorecer.
Já a espontaneidade das respostas, a coerência do depoimento, a razão de ciência e, como referiu o Tribunal a quo, a correspondência das afirmações produzidas com os documentos juntos aos autos, e, finalmente, a ausência de quaisquer sinais indiciadores de terem sido influenciados pela relação de trabalho com a Exequente, conferiram credibilidade às testemunhas Manuel e Carla, que afirmaram a realidade dos factos impugnados, constantes dos n.os 10.º a 18.º, inclusive.
Mantém-se, por isso, a decisão de facto nos seus precisos termos, destarte se recusando provimento ao recurso quanto a esta parte.
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VII.- Mantendo-se incólume a decisão de facto, também a apreciação jurídica da causa não careceria de maiores desenvolvimentos.
Sem embargo, e como complemento do que ficou referido na douta sentença aprecianda, deixam-se algumas considerações que se têm por pertinentes.
Uma das causas de extinção da obrigação além do cumprimento é a dação em cumprimento, instituto regulado nos art.os 837.º a 840.º do C.C..
A prestação de coisa diversa da que for devida pode constituir uma dação em cumprimento (datio in solutum), ou uma dação em função do cumprimento (datio pro solvendo).
A primeira extingue a obrigação (art.º 837.º) e a segunda pode extingui-la total ou parcialmente – extingui-la-á totalmente se o crédito ficar satisfeito na totalidade com a prestação. A extinção será apenas parcial, na medida da satisfação do crédito (art.º 840.º).
Ora, um dos requisitos essenciais de operância da dação em cumprimento é o assentimento do credor - cfr. parte final do art.º 837.º, referido.
É, pois, imperativo que haja um acordo entre os interessados, mesmo quando a prestação nova tenha um valor superior ao da antiga.
O assentimento, tendo a natureza da declaração negocial, tanto pode ser expresso como tácito, sendo expresso quando for traduzido em palavras ou reduzido a escrito, ou por qualquer outro meio directo de manifestação da vontade, e será tácito quando se possa deduzir de factos que, com toda a probabilidade, o revelam – cfr. art.º 217.º do C.C..
Como escreveu MOTA PINTO, a declaração é tácita “quando do seu conteúdo directo se infere um outro, isto é, quando se destina a um certo fim, mas implica e torna cognoscível, a latere, um auto-regulamento sobre outro ponto – em via oblíqua, imediata, lateral” e prossegue, “a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto-regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade”.
Na determinação da concludência do comportamento para se apurar o sentido respectivo, designadamente enquanto declaração negocial que deva deduzir-se dele, “deve entender-se que a concludência dum comportamento, no sentido de permitir concluir «a latere» um certo sentido negocial, não exige a consciência subjectiva por parte do seu autor desse significado implícito, bastando que, objectivamente, de fora, numa consideração de coerência, ele possa ser deduzido do comportamento do declarante”, seguindo o critério de interpretação da declaração negocial constante do art.º 236.º do C.C.” (in “Teoria Geral do Direito Civil”, 2.ª ed. actualizª, pág. 425), ou seja, desde que esse sentido seja igual ao de um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário.
Refere o Ac. do S.T.J. de 24/05/2007 que “a declaração tácita é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo”, e prossegue, “tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.” (ut Proc.º 07A988, Cons.º Alves Velho, in www.dgsi.pt).
Ora, na situação sub judicio, percorrendo a facticidade provada, e até mesmo os documentos não impugnados pelo Apelante, não se descortina a declaração de assentimento, expressa ou tácita, da Embargada/Exequente para a exoneração da dívida daquele pela entrega da viatura.
Tanto basta para ter de se julgar totalmente improcedente a pretensão do Apelante já que, como acima se referiu, o assentimento do credor é um elemento essencial à operância da dação em cumprimento.
Destarte, também quanto a esta parte, desmerece provimento a sua pretensão recursiva.
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VIII.- Relativamente à condenação do Apelante em multa como litigante de má fé deve desde já dizer-se que se concorda, quer com a fundamentação, quer com a decisão.
Com efeito, decerto que foi voluntariamente que o Apelante se constituiu fiador da empresa que pertencia ao seu filho e à sua própria esposa, ou seja, em termos práticos e de vida corrente, também era sua.
E por isso é que alega contra os factos por si bem conhecidos quando afirma ter-se visto “inesperadamente numa situação de ter de responder solidariamente por uma dívida de um terceiro que estava insolvente”, e ainda que “nunca imaginou … que a dita executada estava numa situação de eminente insolvência”, (quando no mesmo dia em que foi celebrado o acordo foi apresentado no Tribunal o pedido de declaração de insolvência) e ainda que foi ele próprio quem “solicitou” à Exequente “atempadamente que viesse buscar a carrinha … que ficara como garantia da dívida no acordo celebrado”, e ainda que a mesma Exequente “aceitou esta proposta e veio imediatamente buscar a carrinha”, e “Liquidando, com a entrega daquele veículo, a dívida conforme ficou acordado”.
É certo que a verdade revelada no processo é uma verdade que resulta do convencimento do juiz que, como ser humano, pode errar nos seus juízos sobre a prova, para mais se ela for testemunhal, sabendo-se que a “capacidade” de convencimento de uma testemunha nem sempre é o correspectivo da verdade das suas afirmações.
No entanto, na situação sub judicio o fundamento da decisão tem a consistência acrescida dos documentos e da prática comum, já que a repetição de situações idênticas consente, com considerável consistência, traçar padrões de comportamento que permitem fundar a convicção da irrealidade daquelas afirmações produzidas pelo Apelante e afirmar que este, com conhecimento ou, pelo menos, consciência do prejuízo que poderia advir deste seu acto, deduziu os presentes embargos, fundando-se em factos que, até por serem pessoais, sabia serem inverídicos.
Ora, são condutas tipificadas no n.º 2 do art.º 542.º do C.P.C., como integrando a litigância de má fé, a dedução de pretensão ou de oposição cuja falta de fundamento não devesse ignorar e a alteração da verdade dos factos ou a omissão de factos relevantes para a decisão da causa, que são tipos de actuação substancial.
O montante da multa, de acordo com o disposto no n.º 3 do art.º 27.º do Regulamento das Custas Processuais, varia entre 2 UC e 100 UC, devendo ser fixado tendo em consideração “os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste” – cfr. n.º 4 daquele art.º 27.º.
Considerando o valor da execução e o fixado pelo Tribunal a quo que se aproxima do mínimo legalmente previsto, não há fundamento suficientemente consistente para alterar a condenação.
Deste modo, também este segmento do recurso desmerece provimento.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação, consequentemente confirmando e mantendo a decisão impugnada.
Custas pelo Apelante, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.
Guimarães, 12/04/2018
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)