Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
510/08.1TBCMN.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
CONDOMÍNIO
LINHA ARQUITECTÓNICA
OBRA NOVA
INOVAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Para efeitos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 1422.º do C.C., a expressão linha arquitectónica tem o significado de conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica.

II - As limitações impostas naquele dispositivo relativas à estética são aquelas que resultam da visibilidade exterior, e afectam a beleza ou prejudicam a unidade sistemática do imóvel.

III – Deve ter-se por obra nova, para os efeitos do disposto na supramencionada alínea a), toda a obra que, apreciada em si e objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelo condómino, sob o ponto de vista de segurança, de linha arquitectónica ou de arranjo estético.

IVInovações, para o efeito do disposto no art.º 1425.º do C.C., são as obras que constituam uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal, sendo, assim, inovadoras as obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, quer quanto à sua afectação ou destino, nomeadamente económico.

V- Estando uma fracção autónoma afectada à actividade económica da restauração, atentos os fins com eles visados, a simples substituição do pano de um toldo, e a substituição dos candeeiros originais por outros, colocados no mesmo local, não integram o conceito de “obras novas” e nem o de “inovações” e, por isso, não estão abrangidas pela proibição decorrente da alínea b) do n.º 2 do art.º 1422.º e do art.º 1425.º, do C.C..

VI - O abuso do direito é uma excepção peremptória de direito material que é do conhecimento oficioso.

VII – Só há abuso do direito quando o excesso cometido seja manifesto, e haja uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- M. S.; M. N.; e J. M., o qual veio a falecer no decurso da acção, tendo sido habilitadas, como suas únicas e universais herdeiras, A. M.; F. M.; e A. M., todos com os sinais de identificação nos autos, moveram a presente acção, com processo comum ordinário, contra (para o que ora interessa) a Ré “Empresa A – Empreendimentos Turísticos, Ld.ª”, pedindo a condenação desta a:

a) fechar a abertura rectangular e a porta com respiradouro, abertas na sua fracção ao nível do passeio e a deixar aí de armazenar gás, repondo o aspecto primitivo desse espaço;
b) afectar a cave da fracção "A" apenas a arrecadação;
c) remover a estrutura metálica e em vidro implantada em frente ao prédio e à fracção “A” do tipo "corta-vento";
d) retirar os lampiões colocados em frente ao prédio;
e) remover o toldo colocado ao nível do restaurante e na fachada do prédio;
f) substituir a “parede em vidro” do lado sul do restaurante virada para a entrada do prédio por uma parede opaca em consonância com a estrutura e estética dessa entrada;
g) retirar a placa publicitária do restaurante implantada na vertical e na parte frontal a toda a altura do prédio;
h) destruir a cobertura do terraço na parte de trás da sua fracção, retirando do local quaisquer tubos, tanques, botijas de gás ou qualquer outro equipamento;
i) retirar as chaminés degradadas e ineficazes para exaustão de fumos e cheiros, colocadas junto às fracções dos autores, ou, quando assim não se entenda, a substituir as chaminés existentes por outras que façam a exaustão de fumos e cheiros sem emissão de ruídos propagados pelos equipamentos existentes no restaurante;
j) fechar a acesso da cave para o pequeno compartimento de arrumos;
k) não permitir a passagem pelo interior do prédio de quaisquer pessoas estranhas ao mesmo.
Foram apresentadas contestações e os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente:
- condenou a Ré “EMPRESA A-EMPREENDIMENTOS, Lda.”:
1. a remover a placa publicitária existente na parte frontal do prédio urbano, destinado a atividades comerciais ou similares de hotelaria, serviços ou profissões liberais e a habitação, composto de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, com a área coberta de 150 m2, sito na Avenida …, na freguesia de Vila Praia de Âncora, artéria deste concelho de Caminha, (ao nível do 1º e 2º andar) com a indicação de “Restaurante”, com uma altura aproximada de 5,00m e uma largura de cerca de 0,90m.
2. a retirar da cobertura do terraço na parte de trás da fração “A” desse prédio, as botijas de gás.
- Absolveu a mesma Ré dos demais pedidos formulados pelos Autores.
Estes Autores, inconformados, trazem o presente recurso pedindo a revogação da decisão e que se delibere no sentido que referem nas conclusões, ou seja, no sentido da procedência dos pedidos acima transcritos sob as alíneas b); c); d); e); f); h); j) e k), mais pedindo que se inclua no ponto 2. da condenação o dever da Ré assegurar a limpeza e a manutenção dos elementos existentes na cobertura do terraço, em conformidade com o que ficou referido na fundamentação.
Contra-alegou a Ré, e apresentou recurso subordinado, propugnando pela improcedência do recurso dos Autores, e pedindo se reduza o âmbito da condenação relativamente ao segmento n.º 1, por modo a que sejam apenas desligadas as luzes, ou retirado o material eléctrico, mantendo-se, porém, a placa publicitária, mais pedindo a revogação do segmento n.º 2, da supra transcrita decisão.
Contra-alegaram os Autores propugnando para que se recuse provimento à pretensão da Ré.
Ambos os recursos foram recebidos como de apelação, com efeito devolutivo.
Colhidos que se mostram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II.- Os Apelantes/Autores fundam o seu recurso nas seguintes conclusões:

1.ª - O abuso de direito é um regime especial e único, uma vez que retira ao titular do direito a proteção da lei para o efetivar, o que ocorre apenas e quando se evidencia que o titular desse direito não o pretende exercer de boa-fé e age contra uma posição já antes expressamente tomada - vd. 1ª parte art.º 334.º CC
2.ª - Os direitos que os recorrentes pretendem fazer valer nesta ação têm a ver com o seu bem-estar físico e psíquico, direito ao descanso, reserva da vida privada, direito de vistas e usufruição plena das suas frações, direitos esses fundamentais, que devem sobrepor-se ao mero interesse económico da recorrida - vd. 2.ª parte art.º 334.º CC
3.ª - A recorrida não invocou o abuso de direito para obstar aos pedidos dos recorrentes, nem foram dados como provados quaisquer factos suscetíveis de preencher os requisitos deste regime - vd. citado art.º 334.º CC e n.º 3 art.º 607.° CPC
4.ª - A mera inação dos recorrentes quanto ao fecho pela recorrida do terraço exterior na parte de trás da sua fração “A” e a utilização da respetiva cobertura para colocação de materiais afetos ao restaurante, não impede o direito dos recorrentes - vd. art.º 334.° CC e Ac. TRC de 06.07.2006 citado na folha 16 das alegações.
5.ª - Sendo essa obra manifestamente ofensiva das regras da propriedade horizontal e sendo a sanção correspondente a sua demolição, o pedido a tal respeito dos recorrentes está de harmonia com a lei - vd. al. a) n.º 2 art.º 1422.º CC
6.ª - Os recorrentes nunca agiram de forma a criar na recorrida a confiança de que aceitavam os candeeiros, os toldos e os lampiões pela mesma colocados na fachada do prédio, não podendo, por isso, ser impedidos de reclamar a retirada dessas inovações - vd. n.º 1 art.º 1425.° CC
7.ª - Os recorrentes nunca praticaram qualquer ato concreto de modo a incutir na recorrida a confiança de que aceitavam o vão envidraçado do restaurante – que deita diretamente para a entrada do prédio - podendo, pois, reclamar a sua substituição por uma parede opaca - vd. art.º 334.º e n.º 2 art.º 335.° CC
8.ª - A cave da fração “A”, ao estar afeta ao serviço de refeições, viola o fim a que se destina constante do título da propriedade horizontal e, por outro lado, os recorrentes nunca aceitaram expressamente essa situação, não agindo, pois, em abuso de direito - vd. art.º 334.º CC
9.ª - Os recorrentes nunca agiram de forma a incutir na recorrida a confiança de que não iriam pôr em causa a circulação pelo interior do prédio das pessoas (funcionários) afetas ao restaurante, através da porta da cave para o compartimento de arrumos, podendo, pois, reclamar o fecho dessa porta - vd. art.º 334.º CC
10.ª - A circulação de coisas e pessoas afetas ao restaurante pelo interior do prédio, através da porta de comunicação da cave para o compartimento de arrumos, atenta contra a privacidade dos recorrentes e acarreta grave incómodo e sentimento de insegurança, sendo, pois, legítimo o pedido dos recorrentes de fecho dessa porta e impedimento de circulação através da mesma - vd. art.º 334.º CC
11.ª - A estrutura metálica e em vidro implantada na frente do prédio, afeta como esplanada em exclusivo ao proveito da fração “A”, causa graves incómodos aos recorrentes pelo bulício e acumulação de pessoas na entrada do prédio, limitando consideravelmente a usufruição pelos recorrentes das suas frações - vd. art.ºs 70.º e 80.º CC
12.ª - O tribunal "a quo", a fls. 33 da sentença, reconhece que a recorrida deve abster-se de depositar na cobertura do terraço, na parte de trás da fração "A", botijas de gás e retirar as ali existentes, bem como deve assegurar a limpeza e a manutenção dos elementos aí existentes, pelo que, a decisão proferida no ponto 2. da sentença deve corresponder a essa fundamentação - vd. n.º 3 art.º 607.º CPC.
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III.- A Apelante/Ré formulou as seguintes conclusões:

A ré foi condenada a remover a placa publicitária existente na parte frontal do prédio urbano.
Ora, é bem evidente que o tribunal considera que a lesão dos direitos dos autores tem origem na luz da placa publicitária e não da própria placa em si.
Donde, em nosso entender e sempre com o devido respeito, a condenação da ré não deveria ser mais do que ficar obrigada a manter apagadas as luzes da placa publicitária e não na remoção da própria placa publicitária que, por si só, não lesa nenhum direito dos autores.
Com efeito, estando provado, tal como se referiu, que só a luz da placa é que lesa o direito dos autores, inexiste fundamento na sentença para a ordenada remoção da placa publicitária, pois que esta, por si só, não é susceptível de lesar qualquer direito de outrem.
O mesmo é dizer que a condenação da ré deve ser circunscrita à obrigação de manter as luzes da placa publicitária apagadas e/ou de dela remover os elementos eléctricos de modo a impedir que a mesma produza luminosidade.
A ré foi condenada a retirar da cobertura do terraço na parte de trás da fracção “A” desse prédio, as botijas de gás.
Era aos autores que incumbia a prova, de que as garrafas de gás que existiam na cobertura aquando da inspecção ao local realizada em 28.04.2015 pertenciam à ré.
A verdade, porém, é que os autores não lograram fazer tal prova e, antes pelo contrário, deu-se como não provado que a ré deposita ali garrafas de gás (ponto 13. dos factos não provados).
A sentença recorrida viola, na parte aqui sob recurso subordinado, entre outros, o disposto nas als. b) e c) do nº 1 do art. 615º do Cód. Proc. Civil.
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IV.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
De acordo com as conclusões acima transcritas, cumpre saber:

- se são ilícitas as alterações produzidas ao nível do terraço e se devem ser removidos o toldo, os candeeiros, e as placas de vidro colocadas no passeio público, e, bem assim, se a Apelante/Ré deve ser obrigada a substituir o vão envidraçado do restaurante; finalmente, se esta deve ser impedida de usar como uma sala de refeições um espaço, que lhe pertence em exclusivo, destinado a “armazém”.
- se procede contra as pretensões deduzidas pelos Apelantes/ Autores a excepção do abuso do direito;
- se deve ser reduzido o âmbito da condenação nos termos propugnados pela Apelante/Ré.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

V.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:
§.1 Factos julgados provados:

A- Matéria de facto assente descrita na decisão proferida em 07-12-2010, sob a referência 874486:

1. Por escritura pública denominada “Constituição e Propriedade Horizontal e Venda” exarada a fls. 140 verso a fls. 142 do livro de notas para escrituras diversas nº 136-A do Cartório Notarial de Caminha, de 19-10-1992, F. L. e mulher M. L. declararam, na qualidade de donos e legítimos possuidores, constituir a propriedade horizontal do prédio urbano, destinado a atividades comerciais ou similares de hotelaria, serviços ou profissões liberais e a habitação, composto de cave, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, com a área coberta de 150 m2, sito na Avenida …, na freguesia de Vila Praia de Âncora, artéria deste concelho que resultou da demolição do inscrito na matriz predial respetiva sob o art.º .. e descrito na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº …, sendo formado por seis frações autónomas desdobradas nas letras “A” a “F” independentes e isoladas entre si e zonas comuns constantes de um documento complementar que faz parte integrante da referida escritura.
2. De acordo com o referido documento complementar, o prédio referido é constituído pelas seguintes frações autónomas:
3. “- Fração “A” – Rés-do-chão – constituída por um salão destinado a atividades comerciais ou similares de hotelaria, serviços ou profissões liberais, com a área de 121,60 m2, e um terraço no fundo da fração, com a área de 28,40 m2. Pertence a esta fração a cave do prédio, com ligação interior privativa, constituída por dois armazéns, casa das máquinas e duas instalações sanitárias…
- Fração “B” – Primeiro Andar Esquerdo, constituído por uma habitação T0, com a área de 65 m2…”
- Fração “C” – Primeiro Andar Direito, constituído por uma habitação T1, com a área de 62 m2…”
- Fração “D” – Segundo Andar Esquerdo, constituído por uma habitação T0, com a área de 65 m2…”
- Fração “E” – Segundo Andar Direito, constituído por uma habitação T1, com a área de 62m2…”
- Fração “F” – Terceiro Andar, constituído por uma habitação T1, com a área de 108,50 m2, e um terraço na frente da fração com a área de 30 m2…”.
4. O prédio referido tem instalado no rés-do-chão, na fração autónoma “A”, de que a Ré sociedade “Empresa A-Empreendimentos, Lda.” é proprietária, um restaurante que gira sob o nome “Restaurante RB” e as demais frações estão destinadas a habitação.
5. Por escritura pública celebrada em 15 de Outubro de 1997, exarada a fls. 77 verso a 80 verso do livro de notas para escrituras diversas, nº …-B, do Cartório Notarial de Caminha, a Autora M. S., adquiriu, por compra, a F. L. e mulher M. C., a fração autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao primeiro andar esquerdo, destinada a habitação, que faz parte do prédio identificado no artigo 1.
6. Encontra-se inscrita a favor da Autora M. S. a aquisição por compra, da fração referida no artigo 5, através da Ap. 14, de 1997/09/12, descrita na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº …/…-B.
7. Por escritura pública celebrada em 15 de Outubro de 1997, exarada a fls. 80 verso a 83 verso do livro de notas para escrituras diversas, nº …-B, do Cartório Notarial de Caminha, a Autora M. N., adquiriu, por compra, a F. L. e mulher M. C., a fração autónoma designada pela letra “D”, correspondente ao segundo andar esquerdo, destinada a habitação, que faz parte do prédio identificado no artigo 1.
8. Encontra-se inscrita a favor da Autora M. N. a aquisição por compra, da fração referida no artigo 7, através da Ap. 12, de 1997/09/12, descrita na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº …/…-D.
9. Por escritura pública celebrada em 09 de Janeiro de 1993, exarada a fls. 21 verso a 22 verso do livro de notas para escrituras diversas, nº …-B, do Cartório Notarial de Caminha, o Autor J. M., adquiriu, por compra, a F. L. e mulher M. L., a fração autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao segundo andar direito, destinada a habitação, que faz parte do prédio identificado no artigo 1.
10. Encontra-se inscrita a favor do Autor J. M., a aquisição por compra, da fração referida no artigo 9, através da Ap. 14, de 1993/02/16, descrita na Conservatória do Registo Predial de Caminha sob o nº …/…-E.
B - Matéria de facto descrita na base instrutória delimitada na decisão proferida em 07-12-2010, sob a referência 874486, apurada em audiência de julgamento:
11. A fração “A” ocupa a cave do prédio, situada num nível inferior ao passeio, o rés-do-chão, onde funciona o restaurante, e a parte detrás do prédio.
12. A fração “A” apresenta ao nível do passeio uma abertura retangular com o comprimento de 1,95m e a altura de 0,50 m, em vidro transparente com película autocolante fosca e com uma estrutura metálica a toda a volta do vidro.
13. Do interior da cave é visível a abertura retangular da caixilharia na parte superior da mesma.
14. Ao lado desta abertura e para sul existe uma porta metálica com a altura de 0,70m e a largura de 0,67m, com respiradouro na parte central, para assegurar a ventilação do compartimento, onde está instalado o gás.
15. A referida área de cave foi desde sempre destinada a restaurante, pelos sucessivos exploradores do restaurante, aí se tendo colocado mesas e servido refeições, situação que se manteve com a Ré “Empresa A” e com o atual arrendatário da fração “A”, desde a data em que a mesma lhe foi arrendada, em 01-02-2014.
16. Em frente à fração “A” foi montada uma estrutura metálica em “L”, com a altura aproximada de 2,5 m e duas larguras de 0,83m e 1,88m. A par desta estrutura foi colocada uma outra em alumínio no lado oposto, a nascente.
17. Esta estrutura está implantada na via pública na base do próprio passeio da Avenida Dr. …, no limite do prédio, voltada a poente. A estrutura permite cortar o vento do espaço, assim como delimitar a área de esplanada.
18. Tal estrutura metálica cria uma barreira física no passeio.
19. Sempre que as condições climatéricas o permitiam, a Ré sociedade instalava uma esplanada com mesas e cadeiras em todo o espaço resguardado pela estrutura metálica referida nos artigos 16 e 17 e, aí servia os seus clientes, situação que se mantém com atual arrendatário da fração.
20. Sempre que os Autores entram e saem dos seus apartamentos deparam-se com o bulício próprio da esplanada o que representa para as Autoras M. S. e M. N., um desconforto no gozo das respetivas frações.
21. A Ré sociedade substituiu três candeeiros existentes na frente do prédio, ao nível da parte superior da fachada em vidro do restaurante, por outros que colocou nos mesmos locais, destinados a iluminar a esplanada e a dar mais visibilidade ao restaurante.
22. Estes candeeiros estão pendentes da ponta de barras metálicas fixas na fachada do prédio e salientes para a Avenida Dr. …, numa extensão aproximada de 0,90m a 1,00m.
23. A Ré sociedade substituiu o “pano” dos dois toldos, existentes à data em que comprou a fração “A”, por cima da fachada em vidro do restaurante, que se estendem no global cerca de 2,25m de largura (para o passeio), e cerca de 8,5m de comprimento (na fachada do prédio). Estes toldos ocupam praticamente toda a fachada do prédio e não ocupam toda a largura do passeio.
24. Os toldos destinam-se a evitar que os raios solares incidam diretamente na fachada de vidro do restaurante e nas mesas no interior, mais próximas dessa fachada e incomodem os clientes do restaurante.
25. Com a colocação dos toldos a Ré pretendeu dar mais visibilidade ao restaurante, atrair mais clientes e daí retirar para si os proveitos correspondentes.
26. Ao nível do rés-do-chão na fração “A” encontra-se instalado um restaurante, explorado pela Ré sociedade até 01-02-2014, o qual possui três vãos envidraçados em vidro incolor, estando dois destes voltados para a Av. Dr. … e o outro voltado para o patamar e vão de escadas comuns às escadas principais do restaurante e do edifício.
27. O vão envidraçado, com 2,60m de altura e 3,25m de largura, faceia com o vão de escadas e patamar comuns ao restaurante e à entrada do prédio.
28. O vão envidraçado do restaurante permite a visibilidade interior-exterior assim como exterior-interior, permitindo que quem esteja no interior do restaurante veja quem entra e sai do prédio, uma vez que o lanço de escadas de acesso ao prédio e a porta de entrada principal estão no seu campo de visão.
29. As autoras M. S. e M. N. sentem-se incomodadas por ao entrar e sair do prédio se sentirem observadas pelos clientes que se encontram no restaurante.
30. Na parte frontal do prédio (ao nível do 1º e 2º andar) existe uma placa publicitária com a indicação de “Restaurante”, com uma altura aproximada de 5,00m e uma largura de cerca de 0,90m.
31. Essa placa publicitária pela sua dimensão e estrutura choca com a vista e aparência do prédio, desfeando-o.
32. Os apartamentos dos Autores dispõem, cada um, de uma varanda na fachada principal, com a área aproximada de 2,75 m2. As varandas encontram-se voltadas a sul, em frente à praia de Vila Praia de Âncora.
33. A placa publicitária, na fração “E”, limita alguma visibilidade para nascente (imagem correspondente ao artigo 31º do relatório pericial/auto de inspeção de 03-09-2015, a fls. 748 do processo em papel).
34. A placa publicitária, nas frações “B” e “D”, limita alguma visibilidade para poente (imagem correspondente ao artigo 32º do relatório pericial/auto de inspeção de 03-09-2015, a fls. 748 do processo em papel).
35. As salas (com Kitchenette), utilizadas pelas Autoras M. S. e M. N. como áreas de convívio, dão diretamente para cada uma das varandas e possuem vista para a praia e mar.
36. As letras que compõem a referida placa publicitária contêm uma luz que, em certas ocasiões, com maior incidência no verão, se acende no fim do dia e durante algumas horas da noite. As Autoras M. S. e M. N. sentem-se incomodadas pela referida luz que têm como cansativa, devido à sua proximidade, impedindo-as de aproveitarem todo o gozo que as varandas oferecem.
37. Essa luz projeta-se para o interior das frações de cada um dos Autores, na zona da sala de estar, desde o cair da noite, incomodando as Autoras.
38. Atualmente, a fração “A” não dispõe de qualquer espaço exterior (terraço). A área em causa é um espaço fechado ao nível do rés-do-chão.
39. Ao nível do 1º andar verifica-se que, na área em causa, encontram-se instalados vários tubos (exaustão, chaminé, tubos em pvc) e ainda um reservatório de água.
40. Encontra-se também uma chaminé a norte com altura de 0,60m e também uma chaminé a sul, contígua a essa cobertura e que acompanha a altura do prédio, desde o 1º piso.
41. Aquando a realização da inspeção ao local, em 28-04-2015, verificou-se a existência, nesse local, de 3 garrafas de gás.
42. A referida cobertura, em algumas ocasiões, apresenta um aspeto inestético por efeito das águas sujas que transbordam do tanque, do lixo que se acumula no local e do aspeto degradado do tanque e dos tubos existentes.
43. Atualmente, a referida cobertura liga com a varanda da fração “B” correspondente ao 1º andar esquerdo.
44. A Autora M. S. quando abre a porta que passou a dar acesso à referida varanda, após ter retirado o seu gradeamento exterior, depara-se com a situação descrita no artigo 42.
45. A Autora evita abrir essa porta e só o faz de vez em quando e por pouco tempo e somente para arejar o seu quarto de dormir.
46. A cobertura em causa encontra-se à mesma cota relativamente às frações “B” e “C”.
47. Possibilitando que alguém que saia da fração “C” para a cobertura veja para o interior da fração “B”.
48. Por tal razão, a Autora M. S. mantém continuamente descida a persiana da sua porta e a porta fechada, também a fim de prevenir que alguém tente aceder à sua fração.
49. A função dos tubos provenientes da área do restaurante é fazer a exaustão da área da cozinha e do restaurante, transportando fumos, gases e cheiros.
50. Estão implantados na cobertura os tubos de exaustão e uma chaminé. A outra chaminé encontra-se contígua ao prédio. Nenhum destes se encontra na linha divisória entre as frações.
51. No interior do prédio, no rés-do-chão e junto à entrada para o elevador existe uma porta que dá acesso a um vão onde são guardados os materiais de limpeza, o acesso à caixa de elevador e uma porta de acesso à cave da fração “A”.
52. Existe uma ligação da cave da fração “A”, ao referido compartimento, o qual permite o acesso ao interior do prédio através dessa porta.
53. Algumas vezes, os funcionários do restaurante circularam através dessa entrada, entrando diretamente da cave do restaurante para o interior do prédio daí saindo para a Rua e vice-versa, situação que incomodou as Autoras.
54. No interior do prédio, no seu rés-do-chão e no enfiamento da porta de entrada da Rua, existe uma porta em madeira almofadada que dá acesso apenas à cozinha e de uma forma indireta, uma vez que o acesso à cozinha é posteriormente realizado por uma outra porta de iguais caraterísticas.
55. O estabelecimento referido dispõe de título de utilização nº …/92, bem como em 19.09.2013 foi submetido pelo titular da exploração, através do portal do empreendedor, o documento exigido para efeito de mudança do titular da exploração.
56. A estrutura metálica em “L” referida no artigo 16 encontra-se implantada no local há mais de 5 anos, tendo por referência a data em que a ação foi interposta, sem a oposição dos moradores do prédio, designadamente das Autoras.
57. Em 08.04.2014, na sequência do pedido formulado em 28.02.2014, junto da Câmara Municipal de Caminha, esta edilidade concedeu licença para a colocação de esplanada e toldo, válida até dezembro de 2014.
58. Os lampiões existem no local, pelo menos, desde o ano de 1995, situação que o Autor conhecia, pelo menos desde essa data, da qual as Autoras tiveram conhecimento, pelo menos, à data da compra das frações “B” e “D”.
59. Embora com o “pano” substituído, o toldo existe no local, pelo menos, desde o ano de 1995, situação que o Autor conhecia, pelo menos desde essa data, e da qual as Autoras tiveram conhecimento, pelo menos, à data da compra das frações “B” e “D”.
60. O vão envidraçado referido em 27 e 28 existe, pelo menos, desde o ano de 1995, situação que o Autor conhecia, pelo menos desde essa data, e da qual as Autoras tiveram conhecimento, pelo menos, à data da compra das frações “B” e “D”.
61. A placa publicitária referida no artigo 30 encontra-se fixada à fachada do prédio, pelo menos, desde 1995, situação que o Autor conhecia, pelo menos desde essa data, e da qual as Autoras tiveram conhecimento, pelo menos, à data da compra das frações “B” e “D”.
62. O terraço referido nos artigos 38, 42 e 43 encontra-se coberto, pelo menos, desde 1995, situação que o Autor conhecia, pelo menos desde essa data, e da qual as Autoras tiveram conhecimento, pelo menos, à data da compra das frações “B” e “D”.
63. A fração “B” apenas dispunha de uma porta dupla de correr em vidro ladeada na fachada do prédio por umas barras de segurança em ferro, que a Autora M. S. removeu, situação que era do conhecimento da Autora sua proprietária, à data da sua compra dessa fração.
64. A comunicação da fração “A” com o compartimento referido em 53 e 54 existe, pelo menos, desde 1995, situação que era do conhecimento do Autor, pelo menos desde essa data e das Autoras, à data da sua compra das respetivas frações.
65. O prédio situa-se na marginal de Vila Praia de Âncora, uma das artérias mais concorridas e movimentadas daquela localidade, especialmente durante a época do Verão, encontrando-se a sua entrada principal voltada para o passeio que ladeia essa artéria, localização que constituiu um fator decisivo na compra das frações das Autoras, a fim de constituírem segunda habitação, em períodos de férias e fins de semana.
66. As Autoras habitam as frações de que são proprietárias em alguns períodos de férias e em alguns fins de semana.
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§.2 Factos julgados não provados:

1. Que a situação descrita no artigo 14 seja visível do interior da cave. Que a situação descrita no artigo 12 se destina a assegurar a ventilação da cave.
2. Originariamente a cave foi concebida apenas como área de arrecadação para servir de apoio ao restaurante situado no rés-do-chão.
3. As aberturas referidas nos artigos 12 e 14 não constam no projeto de construção do prédio aprovado pela Câmara Municipal de Caminha.
4. A porta referida no artigo 14 representa um perigo para a segurança do prédio e dos seus moradores, na medida em que o gás que se acumula no espaço correspondente é suscetível de causar explosão.
5. A estrutura descrita nos artigos 16 e 17 tenha sido montada pela Ré sociedade “Empresa A” e está fixada de lado ao prédio.
6. A implantação da referida estrutura metálica e a esplanada não foram autorizadas pela Câmara Municipal ou outra qualquer entidade.
7. A colocação dos candeeiros não foi autorizada por qualquer entidade.
8. A instalação do toldo não foi autorizada por qualquer entidade.
9. Em virtude dos factos descritos nos artigos 28 e 29 os Autores coíbem-se de entrar, permanecer e sair do prédio com companhias.
10. Que tenha sido a Ré sociedade a colocar a placa publicitária descrita no artigo 30.
11. No projeto de construção o terraço que faz parte da fração autónoma “A” constava como uma zona livre, localizada no exterior e ao nível do rés-do-chão dessa fração.
12. Há tempos atrás, quando já estava instalado na fração “A”, um restaurante, o seu então proprietário cobriu esse terraço com uma placa em vigas de cimento e instalou os elementos descritos nos artigos 39 e 40.
13. A Ré sociedade deposita garrafas de gás que utiliza no restaurante na área descrita no artigo 41.
14. Antes da sua construção a varanda da fração “B” tinha à sua frente todo o espaço livre, ficando o terraço primitivo da fração “A” 3 m abaixo da mesma.
15. Os tubos transportam ruídos próprios das máquinas (exaustores, câmaras frigoríficas, aspiradores, varinhas mágicas).
16. Permitindo que os ruídos se propaguem para o interior das frações do lado esquerdo, fazendo-se sentir com mais intensidade nos respetivos quartos de dormir.
17. Os Autores só com muita dificuldade conseguem adormecer durante o período de funcionamento do restaurante que se prolonga até às 24h00.
18. Mesmo depois e durante a noite acordam muitas vezes com o ressoar constante das máquinas e o ruído intermitente do ligar/desligar de algumas delas, como sejam, o frigorífico e arcas frigoríficas e as máquinas de lavar.
19. A situação descrita tem vindo a provocar um estado de ansiedade, cansaço e muito sofrimento em cada um dos AA.
20. Estado que tende a agravar-se à medida que a situação se mantém.
21. O compartimento descrito no artigo 51 era vedado e aí só tinha acesso a encarregada de limpeza, a empresa de manutenção de elevador e o administrador do prédio.
22. Esse acesso não consta do projeto de construção nem nunca foi autorizado.
23. A Ré sociedade tem permitido que o proprietário de um prédio contíguo transite pelo espaço coberto junto à cozinha da fração “A” e daí entre pela porta referida em 52 para o interior do prédio e depois saia para a Rua.
24. A situação descrita no artigo 53 provoca mais gastos em serviços de limpeza, consumos de energia e manutenção de equipamentos, das áreas comuns, que são suportados pelos Autores.
25. A abertura retangular e a porta com respiradouro existentes na fração “A” ao nível do passeio existem desde a construção do prédio, ocorrida no início da década de 90.
26. Desde a instalação do restaurante na fração “A” e que ocorreu logo que concluída a construção do edifício que a respetiva cave está afeta ao serviço de refeições.
27. A inclusão da porta metálica e respetivo respiradouro foram impostas pelas autoridades sanitárias e administrativas, como condição de funcionamento do estabelecimento.
28. A instalação do toldo foi autorizada pelos condóminos, inclusive pelos Autores.
29. O vão envidraçado referido em 27 e 28, está previsto no processo de licenciamento do edifício.
30. O Autor J. M. assistiu à sua colocação sem qualquer reclamação.
31. A garrafa do gás a que se aludia no artigo 44 da Base Instrutória foi ali depositada pela empresa contratada pela Ré para proceder à impermeabilização da cobertura.
32. É do conhecimento dos Autores que a Ré sociedade nunca armazenou na referida cobertura qualquer tipo de produto gás ou outro.
33. Os factos descritos no artigo 20 tenham representado para o Autor J. M. e/ou para os seus sucessores habilitados a intervir na presente ação, um desconforto no gozo da respetiva fração.
34. O Autor J. M. e/ou os seus sucessores habilitados a intervir na presente ação se tenham sentido constrangidos e inibidos por ao entrar e sair do prédio se sentirem observados pelos clientes que se encontram no restaurante.
35. Os candeeiros a que se referem os artigos 21 e 22 descaracterizam o aspeto do prédio e estão em desarmonia com o conjunto da fachada do prédio.
36. Qual o uso que o Autor J. M. e/ou os seus sucessores habilitados a intervir na presente ação fazem da área da sua fração correspondente à descrita no artigo 35.
37. Que a situação descrita no artigo 37 tenha impedido ou impeça o Autor J. M. e/ou os seus sucessores habilitados a intervir na presente ação de aproveitarem todo o gozo que a varanda da sua fração oferece.
38. A situação descrita no artigo 57 não tenha tido a oposição do Autor J. M. e/ou os seus sucessores habilitados a intervir na presente ação.
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Não vem impugnada a decisão de facto pelo que os contornos da situação sub judicio são os descritos na facticidade apurada, transcrita no §.1.
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- RECURSO PRINCIPAL DOS APELANTES/AUTORES -
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V.- Invocam os Apelantes/Autores, como fundamento dos seus pedidos, inovações que alegam terem sido efectuadas pela Ré, as quais têm por ilícitas porque ofensivas do título de constituição da propriedade horizontal.
A douta sentença aprecianda contém uma desenvolvida exposição sobre a caracterização da propriedade horizontal, com múltiplas referências doutrinárias e jurisprudenciais, dispensando, por isso, o aditamento de outros subsídios que se limitariam a repetir os ali expostos.
Como aí se refere, estamos perante um direito real típico que, de acordo com ANTUNES VARELA, tem uma fisionomia própria que resulta “não apenas da simbiose entre a propriedade (exclusiva) e a compropriedade efectuada na titularidade de cada condómino”, mas também “do vínculo de incindibilidade que prende os dois direitos, assente na relação funcional existente entre as fracções autónomas e as partes comuns do edifício” (in Revista de Legislação e Jurisprudência (R.L.J.), ano 108.º, pág. 59).
Com efeito, nos termos do art.º 1420.º, n.os 1 e 2, do Código Civil (C.C.), cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e é comproprietário das partes comuns do edifício, sendo incindível o conjunto destes dois direitos.
Enquanto proprietário exclusivo da sua fracção, o condómino goza dos direitos de uso, fruição e disposição dela, com a amplitude consagrada no art.º 1305.º do C.C., estando, porém, limitado pelas relações de vizinhança, limites que assumem aqui especial importância, atenta a relação de proximidade estreita com as demais fracções – cfr. art.os 1346.º a 1352.º, em especial o direito conferido pelo art.º 1346.º de oposição à emissão de fumo, à produção de ruídos e à prática de factos semelhantes, provenientes do prédio vizinho; e a proibição, consagrada no art.º 1347.º, do proprietário construir ou manter no seu prédio quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou perigosas, se for de recear que possam ter efeitos nocivos sobre o prédio vizinho.
Enquanto comproprietário das partes comuns goza dos direitos conferidos pelo art.o 1406.º, do mesmo Cód., podendo, assim, usá-las desde que as não empregue para fim diferente daquele a que elas se destinam e não prive o uso dos demais condóminos, e está sujeito às restrições previstas.
Caracteriza ainda a propriedade horizontal o direito reconhecido aos condóminos de se auto-regularem através do título constitutivo e do regulamento do condomínio, designadamente quanto à administração, ao uso, à fruição e disposição das partes comuns e, bem assim, ao uso e fruição das fracções autónomas por parte dos respectivos condóminos – cfr. art.º 1418.º do C.C.
Para além das limitações impostas aos proprietários e aos comproprietários, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 1422.º do C.C., está vedado aos condóminos: a) prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício; b) destinar a sua fracção a usos ofensivos dos bons costumes; c) dar-lhe uso diverso do fim a que é destinada; d) praticar quaisquer actos ou actividades que tenham sido proibidos no título constitutivo, ou, posteriormente, por deliberação da assembleia de condóminos aprovada sem oposição - a redacção desta alínea foi introduzida pelo Dec.-Lei n.º 267/94, de 25/10, que entrou em vigor no dia 01/01/1995, pela qual se substituiu a exigência do acordo unânime dos condóminos pela maioria dos votos representativos do capital investido, em conformidade com a regra geral consagrada no n.º 3 do art.º 1432.º do C.C.. Passando a exigir-se que não haja opositores, a aprovação dos actos ou actividades proibidas no título constitutivo ou, posteriormente, em assembleia de condóminos, fica dependente da formação da maioria, desde que os restantes se abstenham.
Também a partir daquela data, a proibição das obras que modifiquem a linha arquitectónica ou o arranjo estético do edifício pode ser contornada pela prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio – cfr., n.º 3 do referido art.º 1422.º.
Assim como o uso da fracção autónoma pode ser alterado desde que o título constitutivo não disponha sobre o fim de cada uma das fracções e a alteração seja autorizada pela maioria qualificada acima referida – cfr. n.º 4 do mesmo preceito legal.
As inovações dependem da aprovação de uma maioria qualificada de dois terços dos condóminos. Porém, se elas forem realizadas nas partes comuns do edifício, a proibição é absoluta se prejudicar a utilização por parte de algum dos condóminos, tanto das coisas próprias como das comuns – cfr. art.º 1425.º do C.C. -, salvo se os prejudicados derem também a sua aprovação.
De acordo com o Ac. do S.T.J. de 20/07/1982, “a expressão linha arquitectónica, referida a um prédio urbano, significa o conjunto dos elementos estruturais de construção que, integrados em unidade sistemática, lhe conferem a sua individualidade própria e específica” (in B.M.J., 319º, pág. 301).
As limitações relativas à estética são aquelas que resultam da visibilidade exterior, e “afectam a beleza” ou “prejudicam a unidade sistemática do imóvel” – cfr. Acs. da Rel. do Porto de 31/05/1988 e de 17/01/2000 (in, respectivamente, C.J., ano XIII – 1988, tomo 3, pág. 234 e ano XXV – 2000, tomo I, pág. 190).
O conceito de obra nova, de acordo com o Ac. da Rel. de Coimbra de 14/04/1993, abrange “toda a obra que, apreciada em si e objectivamente, altere a edificação no estado em que foi recebida pelo condómino, sob o ponto de vista de segurança, de linha arquitectónica ou de arranjo estético” (in C.J., ano XVIII – 1993, tomo II, pág. 44).
Fundamentando-se no entendimento da doutrina e da jurisprudência, ABÍLIO NETO define o conceito de inovações, como sendo as obras que constituam “uma alteração do prédio tal como foi originariamente concebido, licenciado e existia à data da constituição da propriedade horizontal”, pelo que “são inovadoras as obras que modificam as coisas comuns, quer em sentido material, seja na substância ou na forma, quer quanto à sua afectação ou destino, nomeadamente económico” (in “Manual da Propriedade Horizontal”, 3.ª ed., págs. 282/283).
Ainda segundo o mesmo Autor, que se baseia na jurisprudência, não se subsumem ao conceito de inovação, sendo, por isso, permitidas, “as simples reparações ou reconstituição das coisas visando repor-las no primitivo estado de utilização”; “a instalação de um toldo no exterior do edifício”; “a feitura de um orifício na parede para a introdução de um tubo de gás” (ob. e loc. cit.),
A sanção que corresponde à realização das obras proibidas pela alínea a) do n.º 2 do art.º 1422.º e no art.º 1425.º, do C.C., é a sua destruição, porque só ela é idónea à reconstituição natural – cfr. n.º 1 do art.º 829.º do mesmo Cód..
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VI.- Como nota introdutória à apreciação de cada um dos pedidos formulados pelos Apelantes/Autores, cumpre ter presente que:
a) a propriedade horizontal foi constituída pela escritura pública celebrada em 19/10/1992, pelos proprietários do edifício, F. L. e mulher M. L.;
b) pela mesma escritura aqueles venderam ao seu genro J. C., casado com I. C., “a fracção autónoma “A””, a qual, no documento complementar à referida escritura, ficou descrita como se destinando a “actividades comerciais ou similares de hotelaria, serviços ou profissões liberais”, com a área de … e “um terraço no fundo da fracção”, com a área de 28,40 m2, ficando a pertencer-lhe “a cave do prédio, com ligação interior privativa, constituída por dois armazéns, casa das máquinas e duas instalações sanitárias, com a área de …”;
c) em 09/01/1993 o A. J. M. comprou aos referidos proprietários originários, referidos em a), a fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao 2.º andar direito;
d) em 15/10/1997 as AA. M. S. e M. N. compraram aos genro e filha dos proprietários originários, referidos em b), respectivamente, as fracções autónomas designadas pelas letras “B”, correspondente ao 1.º andar esquerdo, e “D”, correspondente ao 2.º andar esquerdo.
1.- (pedido b)) Na situação sub judicio, os Apelantes/Autores pretendem que a Ré seja condenada a afectar a cave da sua fracção “A” apenas a arrecadação, deixando de ali servir refeições, alegando que originariamente ela assim foi concebida, servindo de apoio ao restaurante instalado no rés-do-chão.
A Ré contrapôs alegando que a situação actualmente vigente já se verifica desde a data da constituição da propriedade horizontal.
É certo que, como acima se referiu, ficou a constar do documento de constituição da propriedade horizontal que a cave era constituída (além do mais) por “dois armazéns”.
Contudo, ficou igualmente provado que “esta área da cave foi desde sempre destinada a restaurante, pelos sucessivos exploradores do restaurante, aí se tendo colocado mesas e servido refeições” (supra n.º 15 do §.1), e julgou-se não provado que “originariamente a cave foi concebida apenas como área de arrecadação para servir de apoio ao restaurante situado no rés-do-chão” (supra n.º 2 do §.2).
Ora, a cave pertence exclusivamente à fracção “A”, não tendo a ela acesso os demais condóminos, e o uso, que se crê esporádico e nas ocasiões de maior movimento de clientela atenta a existência da sala ao nível do rés-do-chão, sem que dele resulte qualquer embaraço à utilização das partes comuns pelos demais condóminos, designadamente dos Apelantes, tiram relevância à motivação destes que se atêm à significação mais corrente do termo “armazém”, como local destinado a guardar coisas.
Com efeito, atendendo à área da cave – 121,60 m2 – dificilmente se poderá conceber que os proprietários originários pretendessem significar o “armazém” com a comummente designada “despensa” ou mesmo “arrecadação”, cabendo naquele conceito a significação que lhe anda associada no âmbito da actividade comercial – como local não só de armazenamento da mercadoria mas também da venda, in casu, de apoio à actividade que constitui a essência do restaurante – o serviço de refeições.
Termos em que, mantendo-se em toda a restante área da fracção autónoma o uso para o fim previsto no instrumento de constituição da propriedade horizontal, será de considerar que a utilização de parte da cave para apoio da sala de jantar não constitui uso proibido pela alínea c) do n.º 2 do art.º 1422.º do C.C. se essa foi a destinação que, desde o início, lhe deram todos quantos, ao longo do tempo, exploraram o restaurante.
2.- (pedido c)) Pretendem ainda os Apelantes/Autores que a Ré seja condenada a remover a estrutura metálica e em vidro implantada em frente ao prédio e à fracção “A” do tipo “corta-vento”.
Esta estrutura está implantada no passeio público e serve de abrigo à esplanada, com mesas e cadeiras, que, quem explora o restaurante, costuma ali instalar.
Afirmam os Apelantes/Autores que a mencionada estrutura altera a configuração do prédio, é inestética, e prejudica-os “na medida em que reduz a área de gozo em frente ao prédio”, causando-lhes desconforto porque quando “entram e saem dos seus apartamentos deparam com o bulício próprio da esplanada”.
Todos estes factos ficaram provados (cfr. n.os 16 a 20 do §.1).
Sem embargo, e como também ficou provado, a estrutura está “implantada na via pública na base do próprio passeio da Avenida Dr. …”, “no limite do prédio”.
Ou seja, a mencionada estrutura está colocada já no exterior das linhas de estrema do prédio, que, nesta zona, são constituídas pela face da parede que fica voltada para a sobredita Avenida.
Ora, a regulamentação da utilização privada do domínio público, também mediante a instalação de uma esplanada, é da competência exclusiva da Administração que, nesta parte, “goza de amplos poderes de conformação”, como refere o Ac. do S.T.A. de 23/11/2005 (ut proc.º 0540/05, Cons.º Políbio Henriques, in www.dgsi.pt).
Como ficou provado, a Câmara Municipal de Caminha, concedeu a licença para a colocação da esplanada e toldo - cfr. n.º 57, do §.1.
Deste modo, a haver motivo de oposição à colocação da esplanada, a competência material para dirimir o conflito sempre caberia aos tribunais administrativos.
Assim, não ocupando a referida estrutura parte nenhuma do edifício, e porque o desconforto psicológico gerado pelo “bulício próprio da esplanada” é sentido pelos Apelantes/Autores quando ainda se encontram nos espaços públicos, não há fundamento legal para coarctar o direito da Ré, ou de quem explora o restaurante, de desenvolver ali a sua actividade económica, para o que está licenciada.
3.- (pedidos d) e e)) Pretendem ainda os Apelantes/Autores que a Ré seja condenada a retirar os lampiões colocados em frente do prédio e remover o toldo colocado ao nível do restaurante e na fachada do prédio.
Ficou provado que a Ré substituiu três candeeiros existentes na frente do prédio por outros, que colocou nos mesmos locais, destinando-se os candeeiros a iluminar a esplanada e a dar mais visibilidade ao restaurante, sendo que os candeeiros substituídos já se encontravam ali “pelo menos, desde o ano de 1995” – cfr. supra n.os 21; 22 e 58 do §.1.
Relativamente ao toldo ficou provado que a Ré “substituiu o pano de dois toldos existentes à data em que comprou a fracção “A””, sendo que estes toldos já existiam naquele local desde, pelo menos, o ano de 1995, e destinam-se a “evitar que os raios solares incidam directamente na fachada de vidro do restaurante e nas mesas do interior mais próximas dessa fachada”, incomodando os clientes - cfr. supra n.os 23; 24 e 58 do §.1.
Como referem PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA “Para poder concluir se determinadas utilizações são lícitas, é necessário atender à afectação e às características do imóvel”, defendendo que “a afixação de anúncios publicitários ou de nomes ou insígnias de estabelecimento deverá considerar-se lícita num imóvel afectado a actividades comerciais” (in “Código Civil Anotado”, vol. III, pág. 424).
O S.T.J., no Ac. de 17/03/1994, decidiu não ser de considerar como “obra nova a instalação de um toldo na parte exterior do edifício correspondente à fracção destinada ao exercício do comércio” (ut Proc.º 084228, Cons.º Raúl Mateus, com sumário in www.dgsi.pt).
E também considerou não se subsumir no conceito de inovação (ou obra nova) “as simples reparações ou reconstituição das coisas visando repô-las no primitivo estado de utilização” - Ac. de 09/05/1991, citado por ABÍLIO NETO, (ob. cit., pág. 283).
Ora, se já existiam candeeiros no local e a Ré se limitou a substitui-los, colocando outros no mesmo sítio dos originais, não criou nada de novo, sabendo-se, como se sabe, que aqueles objectos se deterioram com o tempo, e a sua deterioração, sobretudo se forem de estrutura metálica, é mais acelerada à beira-mar por acção da força corrosiva do sal.
Acresce que de tal substituição não consta que tenha advindo qualquer prejuízo para a utilização por parte de algum dos condóminos, quer da sua fracção quer das partes comuns.
É, pois, de concluir que, atendendo à actividade económica a que está afectada a fracção “A”, e os fins com eles visados, a simples substituição do pano do toldo, e a substituição dos candeeiros originais por outros, colocados no mesmo local, não integram o conceito de “obras novas” e nem o de “inovações” e, por isso, não estão abrangidas pela proibição decorrente da alínea b) do n.º 2 do art.º 1422.º e do art.º 1425.º, do C.C..
4.- (pedido f)) Pretendem os Apelantes/Autores obter a condenação da Ré a substituir a “parede em vidro” do lado sul do restaurante virada para a entrada do prédio por uma parede opaca em consonância com a estrutura estética dessa entrada.
Alegam como fundamento deste pedido que a situação é fortemente constrangedora e inibidora “pois que ao entrar e sair do prédio se sentem observados pelos clientes que se encontram no restaurante, o que os coíbe de entrar, permanecer e sair do prédio com companhias, estando, assim, impedidos “de forma contínua a gozar plenamente” as suas fracções “aí recebendo quem e quando bem entendem”.
Provou-se que o estabelecimento da Ré “possui três vãos envidraçados em vidro incolor”, estando dois deles voltados para a Avenida Dr. … e o outro “voltado para o patamar e vão de escadas comuns às escadas principais do restaurante e do edifício” e “faceia” com aquele vão de escadas, permitindo a visibilidade do interior para o exterior e vice-versa. Mais se provou que os mencionados vãos envidraçados existem desde, pelo menos, o ano de 1995, sendo, por isso, do conhecimento do Autor e as Autoras tomaram conhecimento desta realidade quando adquiriram as suas fracções autónomas – cfr. n.os 26 a 28 e 60, do §.1.
Como ficou referido, e se vê claramente das fotografias juntas aos autos, a “parede” em vidro que os Apelantes/Autores pretendem ver substituída “deita” directamente para as escadas exteriores do prédio, as quais dão acesso quer ao restaurante, quer às demais fracções, cujas portas de entrada estão colocadas lado a lado.
Tanto o vão em causa como os outros dois têm as dimensões habituais aos estabelecimentos do género, permitindo deduzir, com segurança, que foram ali colocados “de origem”.
Não constituem, pois, obras novas ou inovações que tenham sido executadas ou introduzidas pela Ré, com o que não estão abrangidas pelas proibições já acima mencionadas.
Sem embargo, não pode deixar de referir-se que o (provado) incómodo que as Apelantes/Autoras experimentam ao entrar e sair do prédio por se sentirem “observadas pelos clientes que se encontram no restaurante”, não era de todo eliminado pela substituição da dita “parede” de vidro do lado sul já que as dimensões do vão voltado para a Av.ª Dr. …, que fica mais próximo das escadas comuns, permite estender o campo de visão de quem esteja no interior do restaurante até, pelo menos, os dois primeiros degraus, como se constata das fotografias juntas aos autos, e também quem esteja no interior do restaurante junto à porta de entrada, posto que ela é envidraçada, com vidro transparente, tem um campo de visão que abrange as ditas escadas em toda a sua dimensão, escadas estas que, como se referiu, são exteriores.
Ora, observar e ser observado faz parte da vida em sociedade. Quem sai do seu espaço privado para o espaço público expõe-se, necessariamente, à observação de quemquer que se cruze consigo, sendo certo que, como ficou provado (cfr. n.º 65) a Avenida Dr. … integra a avenida marginal, que é “uma das artérias mais concorridas e movimentadas” de Vila Praia de Âncora.
Uma vez que as Apelantes/Autoras não alegaram nem provaram uma situação concreta em que “a observação” tenha efectivamente ocorrido e ultrapassado os limites da normalidade em situações similares, sendo certo que se não provou que os Apelantes/Autores “se coíbem de entrar, permanecer e sair do prédio com companhia” (n.º 9 do §.2), só pode concluir-se que o incómodo é uma subjectividade das Apelantes/Autoras, que terá surgido e sido exacerbada pela presente situação de litígio e, por isso, não pode ser tutelado ao nível do pretendido por constituir uma ofensa injustificada ao direito de propriedade da Ré.
5.- (pedidos j) e k)) Pretendem os Apelantes/Autores que a Ré seja condenada a fechar o acesso da cave para o pequeno compartimento de arrumos e a não permitir a passagem pelo interior do prédio de quaisquer pessoas estranhas ao mesmo.
Fundamentam alegando que, no interior do prédio, junto à entrada para o elevador, existe uma porta estreita que fica “uns degraus abaixo” do rés-do-chão, porta essa que dá acesso a um pequeno compartimento onde são guardados os materiais de limpeza e ao qual só tinha acesso a encarregada de limpeza, a empresa de manutenção do elevador e o administrador do prédio. Porém, “encontra-se aberta a partir da cave da fracção “A” uma entrada para esse compartimento”, acesso que, afirmam, “não consta do projecto de construção” e nunca foi por eles, Autores, autorizada. Com essa entrada, a Ré passou a ter acesso directo ao interior do prédio, passando pelo supramencionado compartimento, “o que anteriormente não sucedia”, e ela, Ré, e “os seus trabalhadores” circulam “com frequência através dessa entrada, entrando directamente da cave do restaurante para o interior do prédio e daí saindo para a rua e vice-versa”. Ora, acrescentam, esta “circulação constante de pessoas estranhas ao prédio e pelo seu interior, atenta desde logo contra a privacidade dos condóminos que se sentem incomodados ao verem e cruzarem-se com essas pessoas”.
Ficou provada a existência da porta “junto à entrada para o elevador”, a qual dá acesso a “um vão” onde são guardados os materiais de limpeza, pelo qual se acede também à caixa do elevador “e a uma porta de acesso à cave da fracção “A””.
Mais ficou provado que “algumas vezes os funcionários do restaurante circularam através dessa entrada”, entrando directamente da cave do restaurante para o interior do prédio, e daí saindo para a rua, e vice-versa, situação que “incomodou as Autoras”.
Ficou ainda provado que no rés-do-chão do prédio, já no seu interior, “existe uma porta de madeira almofadada que dá acesso apenas à cozinha”, ainda que não directamente.
Provou-se que a comunicação acima referida já existe “pelo menos desde 1995”, situação que “era conhecida do Autor” e as Autoras tomaram conhecimento dessa realidade “à data da compra das respectivas fracções” (cfr. supra n.os 51 a 54 e 64 do §.1).
Não ficou provado que o compartimento, acima designado por “vão”, estivesse fechado e só a ele tivessem acesso as pessoas mencionadas pelos Apelantes/Autores, não se havendo ainda provado que “o acesso não consta do projecto de construção nem nunca foi autorizado” (cfr. n.os 21 e 22 do §.2).
Sendo, embora, certo que se não pode deduzir a prova do facto positivo da não prova do facto negativo, ou seja, não se pode ter por demonstrado que o acesso consta do projecto de construção e foi autorizado, por se não haver provado o facto de sentido contrário, crê-se que a descrição da passagem e a sua localização permitem presumir que se trata de uma saída de emergência, o que, no mínimo, deve obstaculizar a que seja ordenado o seu encerramento.
Por outro lado, a expressão “algumas vezes” permite pensar que a passagem foi episódica, mas causou incómodo às Autoras.
Muito embora os “funcionários do restaurante”, atenta a sua vinculação laboral à Ré, não sejam “pessoas estranhas” ao prédio (como o não seria a empregada doméstica de um dos demais condóminos das fracções habitacionais) posto que a mesma Ré tem uma passagem privativa do rés-do-chão para a cave, não deverá permitir que os seus funcionários circulem pela mencionada ligação passando pelo interior do prédio, atentos os incómodos que daí resultam para os restantes condóminos.
6.- (pedido h)) Pedem os Apelantes/Autores que a Ré seja condenada a destruir a cobertura do terraço na parte de trás da sua fracção, retirando do local quaisquer tubos, tanques, botijas de gás e qualquer outro equipamento.
Fundamentam este pedido alegando que faz parte da fracção autónoma “A” um terraço com a área de 28,40 m2 “situado na parte de trás dessa fracção e ao nível do seu rés-do-chão”, terraço esse que “no projecto de construção e mais tarde na constituição da propriedade horizontal, era uma zona livre, localizada no exterior”. E, afirmam, “há tempos atrás e quando já tinha instalado na fracção “A” um restaurante, o então proprietário dessa fracção resolveu cobrir esse terraço com uma placa em vigas e cimento”, assim conseguindo uma área fechada “ao nível do rés-do-chão que passou desde então a aproveitar para apoio à cozinha do restaurante” e por cima da placa de cobertura “instalou vários tubos exaustores de fumos e cheiros provenientes da cozinha e do espaço do restaurante e ainda um tanque de recolha de águas residuais” e instalou “duas chaminés”, e a Ré “deposita ainda nessa cobertura garrafas de gás que utiliza no restaurante”, mais alegando que a referida cobertura apresenta “constantemente um aspecto inestético por efeito das águas sujas que transbordam do tanque, do lixo que se acumula nessa cobertura e do aspecto degradado do tanque e dos tubos aí existentes”.
Ora, a fracção “B” correspondente ao 1.º andar esquerdo, pertencente à Apelante/Autora M. S., dispõe de “uma porta de saída para uma pequena varanda” e antes da construção da cobertura “tinha todo o espaço livre à sua frente e 3 metros mais abaixo ficava o terraço primitivo” e agora depara-se com a cobertura “ligada a essa varanda”, pelo que, alega aquela, “evita abrir essa porta e só o faz de vez em quando por pouco tempo e apenas para arejar o seu quarto de dormir”.
Quanto a esta parte ficou provado que a fracção “A”, da Ré, não dispõe actualmente de qualquer espaço exterior (terraço), sendo a área em causa um espaço fechado ao nível do rés-do-chão.
Ao nível do 1º andar, naquela área, encontram-se instalados vários tubos (exaustão, chaminé, tubos em pvc) e ainda um reservatório de água, e encontra-se também uma chaminé, a norte, com a altura de 0,60m e ainda uma chaminé, a sul, contígua à cobertura do sobredito espaço, e que acompanha a altura do prédio, desde o 1º piso.
Mais se provou que aquando da realização da inspeção ao local, em 28/04/2015, estavam colocadas sobre aquela cobertura 3 garrafas de gás.
A dita cobertura, “em algumas ocasiões”, apresenta um aspeto inestético por efeito das águas sujas que transbordam do tanque, do lixo que se acumula no local e do aspeto degradado do tanque e dos tubos existentes.
Atualmente, a referida cobertura liga com a varanda da fração “B” correspondente ao 1º andar esquerdo.
A Apelante/Autora M. S. quando abre a porta que passou a dar acesso à referida varanda, “após ter retirado o seu gradeamento exterior”, depara-se com a situação descrita, e, por isso, evita abrir essa porta, só o fazendo de vez em quando e por pouco tempo, somente para arejar o seu quarto de dormir.
A mencionada cobertura encontra-se à mesma cota relativamente às frações “B” e “C”, possibilitando que alguém que saia da fração “C” para a cobertura veja para o interior da fração “B”, pelo que a Apelante/Autora M. S. mantém continuamente descida a persiana da sua porta e a porta fechada, também a fim de prevenir que alguém tente aceder à sua fração.
A função dos tubos ali existentes, provenientes da área do restaurante, é fazer a exaustão da área da cozinha e do restaurante, transportando fumos, gases e cheiros.
Na cobertura estão implantados os tubos de exaustão e uma chaminé. A outra chaminé encontra-se contígua ao prédio. Nenhum destes se encontra na linha divisória entre as frações.
Mais se provou que o dito terraço se encontra coberto desde, pelo menos, o ano de 1995, situação que o Autor conhecia, pelo menos desde essa data, e da qual as Autoras tiveram conhecimento, pelo menos, à data da compra das frações “B” e “D”.
A Relação de Lisboa, no Ac. de 30/10/1984, decidiu que não ofende a alínea c) do n.º 2 do art.º 1422.º do C.C. “o proprietário de fracção autónoma de prédio urbano, em regime de propriedade horizontal, destinada prevalentemente a habitação, que efectue, no logradouro da respectiva fracção, obras para aumentar a zona habitacional” fundamentando-se na propriedade exclusiva do logradouro, que fazia parte da dita fracção autónoma, e na circunstância de não lhe ter sido atribuída qualquer finalidade no título de constituição da propriedade horizontal (in C.J., ano IX, tomo 4, págs. 128-130).
Já, porém, o Ac. da Rel. do Porto de 22/03/1988 decidiu que “a construção de uma cobertura em parte descoberta de uma fracção autónoma constitui violação do disposto no art.º 1422.º, n.º 2, al. a) do Código Civil”, fundamentando que “a regulamentação da propriedade horizontal obedece ao propósito de evitar conflitos entre os condóminos” e que “a alteração do equilíbrio inicial, a partir do momento em que a fracção autónoma foi adquirida, pode desencadear comportamentos, tomadas de posição que deteriorem as boas relações de vizinhança que se pretende deverem existir para cabal desempenho da função social da propriedade horizontal” (in C.J., ano XIII, tomo 2, págs. 209-2011).
Provou-se ainda que a fração “B” apenas dispunha de uma porta dupla de correr, em vidro, ladeada na fachada do prédio por umas barras de segurança em ferro, que a Apelante/Autora M. S., proprietária da dita fracção, removeu (cfr. supra n.os 38 a 50 e 62 e 63 de §.1).
Dos factos invocados pelos Apelantes/Autores, não ficou provado que: “no projecto de construção o terraço acima referido constava como “uma zona livre, localizada no exterior e ao nível do rés-do-chão dessa fracção” (n.º 11 do §.2, assim como o serão os infra referidos); “há tempos atrás, quando já estava instalado na fracção “A” um restaurante, o seu então proprietário cobriu esse terraço com uma placa em vigas de cimento e instalou os elementos descritos nos artigos 39 e 40” (n.º 13); “A Ré sociedade deposita garrafas de gás que utiliza no restaurante na área descrita no artigo 41” (nº 13); “antes da sua construção a varanda da fracção “B” tinha à sua frente todo o espaço livre, ficando o terraço primitivo da fracção “A” 3 metros abaixo da mesma” (nº 14); “os tubos transportam ruídos próprios das máquinas (exaustores, câmaras frigoríficas, aspiradores, varinhas mágicas)” (n.º 15), “permitindo que os ruídos se propaguem para o interior das fracções do lado esquerdo, fazendo-se sentir com mais intensidade nos respectivos quartos de dormir” (n.º 16); “Os Autores só com muita dificuldade conseguem adormecer durante o período de funcionamento do restaurante que se prolonga até às 24h00” (n.º 17); “Mesmo depois e durante a noite acordam muitas vezes com o ressoar constante das máquinas e o ruído intermitente do ligar/desligar de algumas delas, como sejam, o frigorífico e arcas frigoríficas e as máquinas de lavar” (n.º 18); “A situação descrita tem vindo a provocar um estado de ansiedade, cansaço e muito sofrimento em cada um dos AA.” (n.º 19); “Estado que tende a agravar-se à medida que a situação se mantém” (n.º 20).
Estes factos, se se provassem, consubstanciavam ofensa do direito a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado e, por ele, do direito à saúde e qualidade de vida, que são direitos de personalidade, constitucionalmente consagrados.
Os direitos de personalidade são direitos absolutos, impondo-se erga omnes, e numa situação de colisão com o direito à livre escolha da profissão ou do género de trabalho, que também tem consagração na Constituição (n.º 1 do art.º 47.º) prevalecem sobre este, devendo considerar-se-lhe superiores - cfr. art.º 335.º, n.º 2 do C.C..
Também se não provaram as invocadas emissões e propagação de ruídos e cheiros, que, nos termos do art.º 1346.º do C.C., conferiam à Apelante/Autora M. S. o direito de se lhes opor.
Igualmente se não provou que a cobertura do terraço constituísse uma ofensa ao projecto de construção.
Por sua vez, no documento de constituição da propriedade horizontal apenas se diz que à fracção “A” pertence “um terraço ao fundo da fracção, com a área de 28,40 m2”, sem outras características descritivas, o que não permite saber, com o grau de certeza necessário, se se tratava de “uma zona livre”, porquanto se conhecem terraços que são cobertos.
Destarte, e como se deixou já referido, em bom rigor não pode afirmar-se sustentadamente que a cobertura do terraço ofendeu o título de constituição da propriedade horizontal, por não haver elementos fácticos suficientes para a integrar no conceito de “obra nova”, com a significação que acima ficou referida: alteração da edificação no estado em que foi recebida pelo condómino, sob o ponto de vista de linha arquitectónica.
Ficou ainda provado que a cobertura em causa “liga com a varanda” (deve observar-se que não há varanda mas simplesmente a soleira da “porta dupla de correr”, como o demonstram as fotografias juntas aos autos, quer pelos próprios Apelantes/Autores, quer as integradas no relatório da inspecção ao local), e que aquela Apelante/Autora quando abre a porta depara-se com o aspecto degradado da cobertura, provocado pela sujidade e lixo que nela se acumula, para além de que, estando a dita cobertura à mesma cota das fracções “B” e “C”, alguém que saia desta consegue ver para o interior daquela, pelo que a Apelante/Autora M. S. mantém continuamente descida a persiana da sua porta, e mantém esta fechada com o fim de prevenir que alguém tente aceder à sua fracção.
Sem embargo, ficou provado que a própria Apelante/Autora removeu umas barras de segurança em ferro que estavam colocadas à largura da porta, fixadas na fachada do prédio, removendo, assim, um obstáculo que, não sendo idóneo a evitar o acesso ao interior da sua fracção, pelo menos poderia criar alguma dificuldade (pelas fotografias, tomando como referência a fracção “C”, aquelas barras estariam colocadas até uma altura próxima da normal de uma sacada).
Mais ficou provado que a dita cobertura do terraço já existe, pelo menos, desde 1995, ou seja, dois anos antes da aquisição da fracção “B” pela Apelante/Autora M. S., tendo esta tomado conhecimento de tal realidade pelo menos à data em que adquiriu a dita fracção, o que deve ser valorado (como o foi) sob o ponto de vista do abuso do direito.
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VII.- Nos termos do art.º 334.º do C.C., é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes, ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso do direito é uma excepção peremptória de direito material que é do conhecimento oficioso.
O abuso pressupõe a existência do direito e, como refere o Ac. do S.T.J., de 22/11/1994, “no moderno pensamento jurídico os direitos subjectivos sofrem vários limites – de ordem moral, teológica e social, nomeadamente – e é a ofensa destes que constitui o abuso reprimido pela nossa lei” (in C. J. - Acs. do S.T.J. – ano II, tomo III-1994, pág. 158).
Exige-se, porém, que o excesso cometido seja manifesto, que haja “uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante”, como referiu VAZ SERRA (in B.M.J., nº. 85º., pág. 253).
De acordo com o Ac. do S.T.J. de 9/04/2013, “O instituto do abuso do direito relaciona-se com situações em que a invocação ou o exercício de um direito que, na normalidade das situações seria justo, na concreta situação da relação jurídica se revela iníquo e fere o sentido de justiça” e prossegue ainda, citando o Acórdão do mesmo STJ de 28/11/1996, “O abuso do direito pressupõe a existência de uma contradição entre o modo ou fim com que o titular exerce o direito e o interesse a que o poder nele consubstanciado se encontra adstrito e casos em que se excede os limites impostos pela boa fé” (in C.J., Acs. do S.T.J., ano IV, tomo III, págs. 118-121).
Refere o Ac. da Rel. do Porto de 31/05/1988 que na fundamentação do abuso do direito “releva um comportamento ético que se desdobra em dois sentidos: na formulação de um juízo de censura ao titular do direito por o exercer em termos de ofender o sentimento jurídico socialmente dominante, contradizendo o próprio direito em si” e “na protecção do direito de outrem, merecedor da tutela jurídica e que o ponha a salvo das ofensas quer legítimas quer ilegítimas” (in C.J., XIII-1988, tomo 3, pág. 234).
Na modalidade do venire contra factum proprium, como esclarece MENEZES CODEIRO, verifica-se uma “contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor”, reconduzindo-o a doutrina actualmente dominante “a uma manifestação de tutela da confiança” (in “Tratado de Direito Civil Português”, I, Parte Geral, Tomo IV, 2005, págs. 275 a 297).
Como um dos efeitos da «responsabilidade pela confiança» refere BAPTISTA MACHADO o efeito que consiste em “considerar relevante (ainda que como mero facto) e juridicamente exigível o conteúdo significativo da «autovinculação» extranegocial que engendrou a confiança” e prossegue referindo que neste caso, “tratando-se de actuar preventivamente, vai-se paralisar ou considerar inexigível o direito que o autor da conduta geradora da confiança pretende mais tarde exercer…” (in R.L.J., ano 117º, pág. 296).
É o que, por outras palavras, refere o Ac. da Rel. de Coimbra de 19/07/1983, ao afirmar que o instituto do abuso do direito “não se destina a fazer extinguir direitos, antes se propõe manter o seu exercício em moldes conformes com um salutar equilíbrio de interesses em jogo, requerido pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim económico ou social do direito”, e prossegue referindo: “Daqui resulta que o abuso do direito seja frequentemente chamado a intervir no campo dos direitos reais e, nele, no que particularmente respeita às relações de vizinhança, onde a sua função correctiva tantas vezes propicia o encontro de soluções que, sem ele, seriam impensáveis, embora reconhecidamente reclamadas por uma equitativa, justa composição dos interesses em jogo” (in C.J., ano VIII, tomo 4, pág. 49).
Na situação sub judicio decorreram mais de treze anos sem que os Apelantes/Autores, conhecedores das realidades que agora vêm invocar, lhes tenham movido oposição alguma, não havendo, tampouco, notícia nos autos de tais assuntos terem sido levados à discussão em assembleia de condomínio, e também não justificam a alteração da sua postura, se não de aceitação, pelo menos de contemporização com tais realidades.
Acresce que, se é certo que quando alguém decide adquirir uma fracção autónoma é motivado também pela estrutura do prédio, pela sua funcionalidade, e ainda pela relação das fracções entre si, o que justifica que crie uma expectativa jurídica que todos aqueles elementos se mantenham estáveis, sendo esta a justificação para que se mantenham inalteradas as partes comuns, na situação sub judicio quando as Apelantes/Autoras tomaram a decisão de adquirir as respectivas fracções, já existiam todas as situações contra as quais agora se vêm insurgir.
Tendo conhecimento de tais situações, e tendo-as aceitado, criaram, desde logo na pessoa dos vendedores das fracções, F. L. e mulher M. C., que eram os donos da fracção “A”, e, através destes, na Ré, a convicção de que não viriam a opor-se-lhes, convicção que se foi solidificando com o decurso de todos estes anos.
Impunha-se, por isso, aos Apelantes/Autores que justificassem a alteração da sua conduta que gerou aquela confiança.
No que se refere à cobertura do terraço, e à Apelante/Autora M. S., a remoção das barras de segurança traduz um acto inequívoco de aceitação da referida cobertura (tanto mais que, como se vê da fotografia integrada no relatório da inspecção ao local – cfr. fls. 750 –, manteve o estendal de roupa que é constituído por duas peças metálicas fixas na parede exterior, uma de cada lado da porta, ocupando as cordas toda a largura desta), à qual passou a poder aceder livremente.
Fazendo os Apelantes/Autores uso das respectivas fracções apenas em “alguns períodos de férias e em alguns fins-de-semana”, uma vez que se não provaram factos concretos indicadores da afectação do gozo das mesmas fracções, ofende o sentimento do que a comunidade considera justo a sua pretensão de demolição da cobertura e a remoção do depósito da água (e não “tanque” como vem designado) e dos tubos de exaustão ali colocados, por afectarem drasticamente o estabelecimento de restaurante da Ré, quiçá pondo em causa o seu funcionamento.
Isto não invalida que se imponha à Ré, que é quem tem o domínio sobre aquele espaço, arranjar soluções para diminuir o impacto visual negativo daqueles elementos, até por simples questão de boa vizinhança, e, sabendo que as praias do Alto Minho são muito ventosas, vento que arrasta o lixo, as areias e o pó, que se transformam em lama por acção da humidade característica da beira-mar, deva providenciar pela limpeza e asseio daquele espaço com a assiduidade necessária.
Ganha, nesta medida, pertinência a pretensão recursiva dos Apelantes/Autores, na parte em que pretendem seja aditado ao segundo segmento condenatório a imposição à Ré de assegurar a limpeza e a manutenção dos elementos existentes na cobertura do terraço.
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- RECURSO SUBORDINADO DA RÉ -

VIII.- Pretende a Apelante/Ré a alteração da condenação no que se refere à placa publicitária, propugnando para que esta se mantenha colocada onde se encontra, ficando com a obrigação de manter as luzes apagadas e/ou remover dela os elementos eléctricos já que, como se provou, o fundamento para a remoção foi o incómodo provocado pela luz.
Mais pretende a Apelante/Ré seja revogado o segundo segmento condenatório, de remoção das botijas de gás da cobertura, já que se não provou que elas lhe pertencem e ter sido ela quem ali as colocou.
Relativamente a esta segunda pretensão não pode deixar de referir-se que a Apelante/Ré é quem tem o domínio sobre a cobertura do terraço, o que significa que só ela ou alguém por si autorizado é que tem a ela acesso, e como ficou a constar do relatório da inspecção ao local, “ao contrário do que tinha sucedido na 1ª diligência em 2012, verifica-se actualmente a existência de pelo menos 3 garrafas de gás” (cfr. fls. 750 dos autos).
A não ter sido abusiva a colocação ali destas três garrafas de gás - e a Apelante/Ré não invoca uma situação abusiva - terá ela de ser responsabilizada pela sua remoção.
No que se refere à placa publicitária, ficou provado que ela “limita alguma visibilidade para nascente” na fracção “E”, e limita alguma visibilidade para poente nas fracções “B” e “D”, e ficou, sobretudo, provado que “as letras” que a compõem “contêm uma luz que, em certas ocasiões … se acende no fim do dia e durante algumas horas da noite”, o que incomoda as Autoras M. S. e M. N., que têm aquela luz como cansativa, devido à sua proximidade, o que as impede de aproveitarem todo o gozo que as varandas oferecem, acrescendo que essa luz “projecta-se para o interior das fracções de cada um dos Autores, na zona da sala de estar, desde o cair da noite”, incomodando-os.
Como resulta do acima descrito, a placa publicitária não afecta apenas o horizonte visual das fracções referidas, o que até poderia ser motivo de desconsideração, atentos os longos anos em que permanece ali.
Porém, pela luz que emite ela é causa de incómodo para as Apelantes/Autoras, provocando-lhes a sensação de cansaço, o que não só as impede de aproveitarem o gozo da varanda, como também da sala, para onde a luz se projecta.
O cansaço e o incómodo afectam o estado de saúde em geral, pelo que a descrita situação é ofensiva do direito à saúde, que é um direito de personalidade, o qual se sobrepõe a qualquer direito ou interesse, que só pode ser de natureza económica, pela função publicitária que lhe é inerente, em manter ali a placa.
Impõe-se, por isso, que seja removida a fonte da “agressão”.
Em princípio podia concordar-se que a remoção se bastaria com o desligar das luzes e, mais garantidamente, extraindo o material eléctrico do interior da placa, obstaculizando, assim, a que as luzes pudessem voltar a ser accionadas.
Contudo, uma vez que o que se pretende é a salvaguarda de um dos direitos de personalidade, impõe-se remover radicalmente a origem da acção ofensiva desse direito, o que apenas se consegue retirando a placa.
Com efeito, pelas suas dimensões enormes, fácil seria fazer projectar uma luz do exterior sobre as letras que a compõem e assim “renovar” o incómodo para as Autoras.
Por outro lado, se quando ali foi colocada a justificação para tão grandes dimensões poderá ter sido a necessidade de localizar o restaurante, actualmente a sua localização é, como se sabe, facilitada pelo uso, que já é generalizado, do “GPS”.
Esvaziada desta utilidade não se vê outra que justifique mantê-la se com isso persiste o risco de poder ser utilizada para continuar a ser fonte dos sentidos incómodos e cansaço.
Termos em que se conclui desmerecer provimento a pretensão recursiva da Apelante.
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C) DECISÃO

Considerando tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em:

- julgar parcialmente procedente o recurso principal de apelação dos Autores, e, assim, mantendo a condenação da Ré na remoção da placa publicitária existente na parte frontal do prédio urbano, com a indicação de “RESTAURANTE”, assim como na remoção das botijas de gás encontradas na cobertura do terraço, condenam a mesma Ré a não depositar na referida cobertura quaisquer outros objectos e ainda a assegurar a limpeza e a manutenção dos elementos nela existentes. Mais a condenam a não permitir que os funcionários do restaurante circulem pela ligação existente entre o rés-do-chão e a cave, passando pelo interior do prédio.
- julgar improcedente o recurso subordinado da Ré.
Custas da apelação dos Autores na proporção de quatro quintos para estes e um quinto para a Ré, suportando esta, integralmente, as custas do seu recurso subordinado.
Guimarães, 09/11/2017
(escrito em computador e revisto)


(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)