Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
133/17.4T8BGC.G1
Relator: JORGE TEIXEIRA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
DESPESAS DE DESLOCAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS PATRIMONIAIS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/19/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (do relator):

I- Qualquer que seja o enquadramento jurídico - dano não patrimonial, dano patrimonial ou tertium genus -, a perda genérica de potencialidades laborais e funcionais do lesado, haja ou não afectação da capacidade de ganho do lesado, constitui um dano ressarcivel, impondo-se sempre o ressarcimento autónomo desse dano biológico.

II- A indemnização a arbitrar deverá ser aferida por um critério de equidade, tendo em conta, designadamente, a percentagem da incapacidade e as características das sequelas sofridas, a idade dos lesados, o tipo de actividade por eles exercida e as remunerações auferidas, a idade de reforma da vida laboral activa, a própria esperança média de vida da população portuguesa e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

João, com os sinais dos autos, move a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, a José, com os sinais dos autos, pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de total 85.847,55 €, acrescida de juros de mora desde a citação até integral e efectivo pagamento, pelos fundamentos que constam da pi e se dão por reproduzidos.
Regular e pessoalmente citado, o réu não contestou.
Foram então considerados confessados os factos articulados pelo autor.
O autor apresentou alegações de direito.

Posteriormente foi proferida sentença em que se decidiu nos seguintes termos:

“Termos em que julgo a acção parcialmente procedente e provada, nos termos sobreditos, e, consequentemente:
Condeno o Réu a pagar ao Autor a quantia global de 38.486,92 € (trinta e oito mil quatrocentos e oitenta e seis euros e noventa e dois cêntimos), acrescendo juros de mora à taxa de 4% desde a prolação desta sentença até integral pagamento.
No mais, absolvo o Réu”.

Inconformados com esta decisão, dela interpôs recurso o Autor, sendo que, das respectivas alegações desses recursos extraiu, em suma, as seguintes conclusões:

I Em termos de danos patrimoniais decorrentes do custo com deslocações suportado pelo Recorrente a decisão recorrida não fundamenta a razão pela qual não é adequado o critério da tabela de ajudas de custo por km, nem igualmente esclarece quais os factos inerentes ao invocado custo real das deslocações, mero conceito ou conclusão que deverá aferir-se de factos concretos (consumíveis, desgaste de componentes, portagens, repercussão de custos de manutenção e seguros, de imposto de circulação, etc.), que se não vislumbram sequer aflorados nem ocorrem por mera remissão para a web através da “ via Michelin”.

II As ajudas de custo visam compensar os colaboradores pelas despesas com deslocações (aqui exclusivamente no que respeita ao custo/Km) e ainda que os respectivos valores estejam definidos na lei apenas para a Administração Pública, é normalmente entendido que os mesmos servem de referência para o sector privado, sendo que, por outro lado nem a Douta Sentença fundamenta, nem a invocada “fonte michelin” permite qualquer conclusão fidedigna quanto ao apontado custo real das deslocações em prejuízo do critério seguido.

III Não existe qualquer incongruência quanto ao total de quilómetros já que o número de kms percorridos, foi o invocado na P.I. nos Artºs 25., 26., 28. (este com referência ás deslocações invocadas no Artº 27.), e finalmente no Artº 29., o que perfaz o total referido no Artº 30.

IV Deve manter-se o cálculo pela forma inicialmente efectuada de acordo com o critério mais fidedigno invocado pelo Recorrente e pelo total de distância e valor globais indicados na P.I.

V Em termos de danos patrimoniais decorrentes da incapacidade que afecta irreversivelmente o Recorrente, designadamente do dano biológico, ao contrário do que considerou a decisão recorrida, a capacidade profissional futura, que mais não fosse enquanto músico, no quadro de uma actividade em que se havia colectado e se viu forçado a encerrar (cfr. Artºs 44., 46., 47., 48. e 49. da P.I. e Docº nº 12 junto com a mesma), é algo que ficou totalmente afectado face ao tipo de lesões sofridas.

VI Os critérios de verosimilhança, de probabilidade e razoabilidade para fixar o quantum indemnizatório não ocorrem no raciocínio plasmado na decisão impugnada, quando se alicerça no valor salário mínimo garantido atual, para, depois, com base no alegado défice funcional encontrar um valor anual que, extrapolado com base na esperança média de vida para outro valor, faz incidir sobre este a dedução das prováveis despesas próprias do Recorrente deduzindo, ainda, em termos de antecipação do capital, um desconto de 15% chegando a um valor que, arredondado por equidade, fixou, por defeito, a indemnização em 28.000 €.

VII Este raciocínio é inaceitável porque, considerando uma esperança média de vida de mais 42 anos, tem por base de cálculo o actual salário mínimo garantido de 557 €, não prevendo sequer a possibilidade de actualização em função desse salário mínimo – facilmente expectável no apontado período de esperança média de vida – ou de outro tipo de rendimentos a que o Recorrente entretanto aceda, pelo que na ponderação do que antes fica referido entende-se que o silogismo da Douta Sentença não tem fundamento, não se mostra excessiva a indemnização peticionada a este título pelo montante de 50.000 €.

VIII A indemnização por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do Artº 496º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e a suportar, o que não ocorre na Sentença recorrida ao fixá-los globalmente em 10.000 €, considerando, designadamente o quadro dos Artºs 62º e ss. da P.I. que a mesma invoca.

IX Relativamente aos danos não patrimoniais “gerais” a que se reporta a factualidade alegada designadamente nos Artºs 33. até 44. da P.I., o montante de 10.000 € traduz o mínimo ajustado que releva para o seu justo ressarcimento.

X No que respeita aos danos não patrimoniais decorrentes do dano biológico, também atendíveis e que a Douta Sentença recorrida parece não equacionar, os mesmos assumem acrescida relevância, pois que a comprovação da perturbação considerável do nível e de qualidade de vida do Recorrente resulta inquestionavelmente da incapacidade permanente e para a vida decorrente do dano biológico de que padece e padecerá – para toda a vida - essencialmente no que respeita á situação irreversível de surdez total e acufenos associados.

XI Os acufenos afectam a qualidade de vida (dificuldade em conciliar o sono, incapacidade de concentração nos estudos ou na vida profissional, perda de equilíbrio, irritação, sensibilidade acrescida ao ruido, desequilíbrios e problemas nervosos, ansiedade e fadiga...) e afectam-na considerável e significativamente em termos de função física, desempenho físico, dor física, saúde em geral, vitalidade, função social, desempenho emocional e saúde mental sendo que as maiores dificuldades se centram na subescala emocional apresentando os sujeitos afectados maior frustração, irritabilidade, insegurança e mesmo aspectos psicopatológicos com ansiedade e depressão, acusando, mais de 50% perturbação da sua vida social e alterações no relacionamento familiar e com amigos e mais de 65% problemas na realização de tarefas de âmbito profissional ou doméstico” (Vasco Antunes Neves de Oliveira “Qualidade de Vida em indivíduos com queixas de acufenos: Comparação com a percepção do acompanhante “ Dissertação apresentada tendo como orientadora a Profª Drª Rute F. Menezes, na Universidade Fernando Pessoa da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – Porto, Maio de 2017).

XII A real e grave perturbação do nível e qualidade de vida da vítima, ora Recorrente, face ás lesões efectivas apuradas e demonstradas, decorrente dos apontados danos, não pode, em termos não patrimoniais - face aos danos suportados actualmente e a suportar, tendo presente também a idade da vítima - justificar, sob pena de manifesta irrelevância ou insignificância, o valor fixado na Douta Sentença, entendendo o Recorrente que a quantificação de todos os danos de natureza não patrimonial, também no que respeita ao dano biológico, deverá computar-se globalmente nos 35.000 € inicialmente peticionados.
*
O Apelado não apresentou contra alegações.
*
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*
II- Do objecto do recurso.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda é, no caso, a seguinte:

- Analisar da adequação ou não dos valores indemnizatórios fixados a título de despesas de deslocação, de danos patrimoniais e danos não patrimoniais.
*
III- FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.

Factos provados.

Conforme consta da decisão recorrida resulta demonstrada a matéria de facto alegada na petição inicial, por ter sido confessada, sendo só de realçar que:

- A alegada em 1º a 12º nem era objecto de prova, pois que por força do artigo 623º a contrario Código de Processo Civil, nas relações lesante-condenado e lesado, a sentença penal faz prova plena contra aquele quanto aos elementos do tipo (em que se incluem, no caso do crime de ofensas á integridade física graves, as lesões, pois que é um crime de resultado e de dano) e pressupostos da punição, e, portanto, é insusceptível de prova em contrário, e mostra-se junta a referida sentença, já há muito transitada; de todo o modo, se assim não fosse, i. é., se não houvesse sentença penal, então a prova seria feita por confissão.
- o grau de IPP não é um facto, antes uma conclusão;
- a idade está provada por documento.

Assim resulta demonstrada a seguinte materialidade:

1. No dia 31.08.2013, pelas 02:40 horas, junto ao Bar X nesta cidade de Bragança, o A. encontrava-se com um grupo de amigos tentando entrar no referido bar.
2. Tal entrada foi-lhes recusada por um segurança e após pedirem para chamar o gerente do bar, que manteve tal recusa, gerou-se uma confusão sendo arremessadas garrafas do interior do bar para o exterior.
3. Apareceu, então, o R. que, em tom agressivo e ameaçador, encetou uma discussão com o A. que, a determinada altura, lhe disse que “se a polícia estivesse aqui eras o primeiro a fugir”.
4. Acto contínuo e sem que nada o fizesse prever, o R. empurrou o A. u o A. por forma a desequilibrá-lo e fazê-lo cair ao solo, desferindo-lhe de seguida vários pontapés na cabeça causando-lhe o desmaio e perda consciência.
5. Ainda neste quadro, já com o A. inconsciente no solo, o R. continuou a desferi-lhe vários pontapés na cabeça, até abandonar o local…
6. Sem qualquer oposição, face á perda consciência do A. e ás agressões de que também foram alvo alguns dos seus amigos e ao alheamento dos demais presentes.
7. O A. teve que recorrer á assistência médica em episódios de urgência, inicialmente no Hospital de Bragança e nos dias seguintes nos Hospitais Santo Tirso - Centro Hospitalar do Médio Ave – Unidade de Vila Nova de Famalicão e de Braga, sendo também posteriormente assistido nos Hospitais da Universidade de Coimbra.
8. Os factos supra referidos originaram a inerente queixa-crime que deu origem ao Processo Comum que sob o nº 575/13.4 SJPRT correu termos por Esta Comarca - Instância Local – Secção Criminal - J1, onde foi proferida sentença condenatória do R., transitada em julgado em 27.09.2016, conforme certidão junta a final como Docº nº 13.
9. Nos aludidos autos o aqui A. deduziu pedido de indemnização cível contra o aqui R. que viria a ser remetido para os meios comuns (Cfr. infra Docº nº 13).
10. Como consequência directa e necessária das descritas agressões de que foi vítima, o A. sofreu vários fenómenos dolorosos nas regiões atingidas, equimoses dispersas no couro cabeludo, cicatriz linear com 2,5 cm na região recta auricular direita, edema do pavilhão auditivo direito com vestígios hemáticos e escoriações dispersas e sutura linear com 3 cm na área retroauricular direito e escoriações várias na face posterior do cotovelo direito e esquerdo, hematomas periorbitário e na região maleolar-esquerda, bem como no maxilar inferior esquerdo, no ombro direito e na face interna do braço direito,
11. Para além das lesões descritas as agressões determinaram ainda, como consequência directa e necessária, traumatismo crânio-encefálico com fractura do rochedo temporal direito e cofose/perda total de audição no ouvido direito do A..
12. … acufeno nesse ouvido …
13. … sensação de paladar metálico que acabou por normalizar, tonturas e desequilíbrio fácil no imediato e cuja ocorrência se mantém com movimentos mais bruscos …
14. … não localização de sons com desorientação associada …
15. … fenómenos de depressão e temor …
16.Tais ferimentos e consequências constam melhor descritos nas fichas clínicas que constituem fls. 26 até 35, 37 até 42 e das perícias médico-legais de fls. 2 até 15 e 17 até 25, todas da Certidão do aludido Processo-Crime (Cfr. Docº nº 13), cujos teores nesta sede se dão por reproduzidos para os devidos efeitos legais …
17.Tendo o relatório de perícia médico-legal de otorrinolaringologia (fls. 22 até 25 - Certidão) concluído que o tipo de traumatismo (TCE com fractura do rochedo temporal direito) tem nexo de causalidade com a cofose (surdez total) direita e com acufeno direito…
18.… e a perícia de avaliação do dano corporal (fls. 17 até 21 - Certidão), que os elementos disponíveis permitem admitir o nexo de causalidade entre o traumatismo de natureza contundente, compatível com a informação e o dano, fixando como data de consolidação das lesões o dia 26.12.2013.
19.O R. determinou-se de forma livre, deliberada e consciente a agredir o A., bem sabendo ser a sua conduta ilícita e punível por lei, constituindo-se por isso na obrigação de e indemnizar pelos danos sofridos em consequência da sua conduta.

Dos Danos:

I Patrimoniais:

20.Como resulta dos episódios de urgência e registos clínicos que integram a certidão junta (Cfr. Docº nº 13) o A., após a alta hospitalar no Hospital de Bragança, onde foi assistido no próprio dia 31.08.2013, regressou, de automóvel, embora conduzido por terceiro, á cidade do Porto, onde á data dos factos e actualmente reside.
21.No dia seguinte, 01.09.2013, face ao agravamento do seu estado deslocou-se pelo mesmo meio e modo, da sua residência, onde regressou, a Santo Tirso - Centro Hospitalar do Médio Ave – Unidade de Vila Nova de Famalicão (cfr. Relatório de urgência de fls. 26 até 32 - Certidão), e posteriormente, nesse mesmo dia, ao Hospital de São Marcos em Braga, conforme declaração de presença que se anexa e dá por reproduzido como Docº nº 1
22.Nas deslocações antes referidas percorreu um total de 125 kms.
23.Sem evolução favorável do seu estado recorreu depois aos Hospitais da Universidade de Coimbra no dia 04.09.2013, percorrendo para o efeito, com a ida e regresso, 240 kms.
24.Na sequência do acompanhamento que vem tendo desde então nesse Hospital para efeitos de consultas e exames complementares na especialidade de otorrinolaringologia, deslocou-se posteriormente a esse Hospital, também da sua residência com regresso á mesma, pelo mesmo meio, nos dias 12.09.2013, 26.12.2013, 09.09.2014, 02.06.2015 e 15.09.2015, conforme declaração de presença e episódios clínicos que em conjunto se anexam por cópia e dão por reproduzidos como Docº nº 2
25.Com as deslocações antes referidas, percorreu globalmente não menos de 1.200 kms.
26.Ainda no ano de 2015 efectuou uma consulta da especialidade na CLIPOVOA, na Póvoa do Varzim, onde se deslocou pelo mesmo meio percorrendo para o efeito 70 kms, consulta a que se reporta a despesa abaixo invocada e documentada como Docº nº 8 cujo teor se dá por reproduzido.
27.Todas as deslocações antes referidas implicaram a ida e regresso á sua residência, no Porto, ocorreram em viatura própria, implicando o percurso global de 1.635 kms, contabilizando-se o seu custo, pelo critério mais fidedigno decorrente da Portaria 30-A/2008 de 10/01, em (1.635 kms x 0,39 €/km) 637,65 €.
28.Com taxas moderadoras, consultas e exames realizados nos referidos hospitais, bem como na consulta de especialidade supra referida em 29., despendeu a quantia global de 209,90 €, conforme documentos que se anexam e dão como reproduzidos como Docºs nºs 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.
29.O A. nasceu em 06.01.1985, tendo á data dos factos 28 anos de idade, conforme assento de nascimento que se anexa como Docº nº 10
30.Era pessoa saudável, fisicamente robusta e sem qualquer problema de saúde com grande alegria de viver …
31.… padece actualmente, com carácter permanente, de surdez total do ouvido direito, com inerente não localização de sons e desorientação associada…
32.… e acufeno direito, zumbido permanente que lhe causa grande irritabilidade e obriga a esforços permanentes de abstração…
33.… sofreu na altura dos factos e ainda actualmente de fenómenos de depressão e temor …
34.… a cofose direita e acufeno direito degradaram significativamente a sua qualidade de vida, causando-lhe designadamente perturbações significativas de sono …
35.… sensação de desorientação associada …
36.… o que lhe exige esforços acrescidos de concentração em todos os actos da sua vida diária, desde a frequência normal de aulas, designadamente em quadro de anfiteatros …
37. … andar normalmente nas ruas na cidade especialmente com maior frequência de trânsito e peões…
38.… frequentar outros locais com ruído ou vários sons de fundo, tais como salas de espectáculos, bares, shoppings…
39. … conduzir e orientar-se no trânsito, para o que se vê por vezes forçado a recorrer á ajuda de amigos …
40.… dificultando-lhe também significativamente o desfrutar, como antes, actividades culturais e lúdicas, tais como a música, tendo deixado de ouvir música com auscultadores dada a desorientação que tal acarreta …
41.… ou mesmo tocar instrumentos musicais, como anteriormente fazia. De facto,
42.O A., á data dos factos, frequentava, em fase conclusão, o curso de arquitectura na FAUP (Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto), conforme documento (onde consta ainda a sua antiga residência que forneceu quando se matriculou) que se anexa e cujo teor se dá por reproduzido como Docº nº 11
43.… sendo que, para além da sua ocupação normal de estudante era um apaixonado pela música, tendo mesmo criado, com outros amigos, uma banda musical onde era guitarrista e vocalista …
44.… actuando em eventos musicais diversos, inicialmente de forma gratuita e posteriormente remunerada,
45.O que viria a determinar, pelos proventos auferidos, a sua inscrição fiscal por tal actividade, como músico, em 01.01.2011, conforme extracto da sua identificação fiscal que se anexa e dá por reproduzida como Docº nº 12.
46.Em consequência das lesões definitivas de que padece, viria a cessar tal actividade em 30.09.2013, como resulta também do documento supra aludido.
47.As sequelas físicas definitivas que padece traduzem uma perda de funcionalidades que detinha antes do evento danoso e que por ele ficaram irremediavelmente afectadas,
48.Em consequência das lesões de que foi vítima o A. denota tristeza, pessimismo, ansiedade acrescida, irritabilidade e intolerância ao ruído
49.Assim, para além dos danos supra referidos de 23. até 31., deve o A. ser indemnizado, na vertente patrimonial, pelo dano biológico decorrente da sequela permanente que lhe foi causada em consequência da conduta do R., face á diminuição neuro sensorial irreversível e para a toda a vida, decorrente da cofose direita e acufeno direito.
50.A incapacidade genérica parcial de que o A. ficou portador, traduzindo a perda de funcionalidades que tinha antes do evento danoso, e que por ele ficaram irremediavelmente afectadas, configura, no quadro supra descrito, dano de cariz biológico cuja ressarcibilidade é indiscutível…
52.Pelo que - independentemente e para além dos 117 dias da consolidação da doença sem afectação grave da sua capacidade de trabalho geral, a que se reportam as conclusões da perícia médico-legal antes aludida, tal incapacidade funcional deve enquadrar-se na categoria de danos de natureza patrimonial inerentes á referida perda somático-psíquica, neuro sensorial, com natural repercussão na qualidade de vida para sempre afectada para quem sofreu o dano.
53.Reclama pois o A. a título de indemnização por danos patrimoniais decorrentes dos custos supra alegados e documentados em 23. até 31., a quantia global de 847,55 €,

II Não Patrimoniais:

54.Dão-se nesta sede por reproduzidos todos os factos supra referidos nos Pontos 1. até 18.,
23. até 29. e 32. até 56.
55.Em consequência das agressões de que foi vítima e das sequelas permanentes c5om que ficou o A. sofreu dores, cefaleias, tonturas, desequilíbrios que ainda se manifestam em movimentos mais bruscos, dificuldade de localização de sons, perturbações de sono e seu bem-estar, fenómenos de desorientação e incómodo significativos com a perda de audição total do ouvido direito e acufeno associado,
56.Sofrendo igualmente fenómenos de depressão e temor decorrentes da limitação funcional de que padece.
57.Sofreu também em definitivo uma perda geral da sua qualidade de vida nas vertentes já acima descritas, o que muito o entristece.
58.Deixou de ser pessoa expansiva sofrendo ainda recorrentemente fenómenos de depressão e sentindo-se para sempre incapacitado, como de facto está,
59.Sendo obrigado a esforços complementares de concentração em qualquer acto da sua vida corrente,
60.E temendo pela diminuição de qualidade de audição do seu ouvido esquerdo com o evoluir da idade ou até pela sua eventual perda o que, no contexto de falta total de audição no ouvido direito, seria para si absolutamente trágico.
61.Acresce, por outro lado, que toda a situação descrita e evolução subsequente desde a prática dos factos com várias deslocações a estabelecimentos hospitalares para realização de exames e consultas da especialidade de otorrino lhe causou grandes transtornos e incómodos, perda de tempo e perturbação das suas actividades escolares.
62.Sendo para si particularmente significativa a depreciação da sua qualidade de vida decorrente designadamente na impossibilidade de prosseguir, além do mais, a sua actividade musical.

Fundamentação de direito.

Ora, como resulta de trudo o acabado de expender o Recorrente fundamenta a apelação interposta no facto de discordar do critério de fixação dos montantes indemnizatórios fixados na decisão recorrida.

Assim, começa o Recorrente por alegar que, em termos de danos patrimoniais decorrentes do custo com deslocações suportado pelo Recorrente a decisão recorrida não fundamenta a razão pela qual não é adequado o critério da tabela de ajudas de custo por km, nem igualmente esclarece quais os factos inerentes ao invocado custo real das deslocações, mero conceito ou conclusão que deverá aferir-se de factos concretos (consumíveis, desgaste de componentes, portagens, repercussão de custos de manutenção e seguros, de imposto de circulação, etc.), que se não vislumbram sequer aflorados, sendo que, as ajudas de custo visam compensar os colaboradores pelas despesas com deslocações (aqui exclusivamente no que respeita ao custo/Km) e ainda que os respectivos valores estejam definidos na lei apenas para a Administração Pública, é normalmente entendido que os mesmos servem de referência para o sector privado.

Por outro lado, em seu entender, também não existe qualquer incongruência quanto ao total de quilómetros já que o número de kms percorridos, foi o invocado na P.I. nos Artºs 25., 26., 28. (este com referência ás deslocações invocadas no Artº 27.), e finalmente no Artº 29., o que perfaz o total referido no Artº 30.

Ora, embora expressamente assim o não invoque, o Recorrente quando afirma que se deve aplicar o regime da função pública a relações entre privados com fundamento em que as ajudas de custo visam compensar os colaboradores da Administração pública pelas despesas com deslocações, fá-lo certamente com recurso à analogia das situações.

Ora o problema que esta solução suscita é o de esclarecer se as razões de tais normas justificam a sua aplicação a casos que elas não contemplam, apenas com fundamento na analogia.

A propósito de questão idêntica refere-se no Acórdão da Relação de Évora, de 13/12/2011, o seguinte:

(…)
“Que razão jurídica pode levar a que se aplique entre privados uma regra tão própria da função pública? A quem se destina, em primeiro lugar, o conjunto (porque as indicadas são umas entre várias) das regras que as partes citam? Que razões ditam estas leis? Justificarão elas a sua aplicação a outras pessoas que não as visadas?
O problema, para quem segue o segundo caminho, é este: como aplicar regras legais, estaduais, cujo objecto subjectivo (pessoas) é definido estritamente (os funcionários públicos e demais trabalhadores de organismos públicos); e como aplicar outras regras que têm como exclusivo objecto a actividade jurisdicional do Estado?


As regras do Estado sobre os seus próprios recursos humanos, digamos assim, são absolutamente imperativas e não se compadecem com outras alternativas válidas em outras áreas do sistema jurídico. Toda a legislação da função pública, por razões de índole política e financeira, é extremamente restritiva (veja-se, por exemplo, o art.º 43.º do Decreto-Lei n.º 427/89, além do art.º 7.º da Lei n.º 23/2004) e completa, só vale aquilo que a lei expressamente prevê.

É certo que o regime da função pública já não está tão subordinado ao interesse público, entendido como orientação política do governo, como estava na altura em que era publicado o Manual de Direito Administrativo de Marcello Caetano (a última edição sobre esta matéria é de 1972); tal como a sua distância em relação ao Direito privado é bem menor.

Hoje, a aproximação do regime da função pública ao regime do contrato individual de trabalho (e falamos deste como produto típico de relações de fazer e cumprir, sem esquecer o assunto das ajudas de custo que nos traz aqui) é patente pondo em crise o anterior modelo (ou paradigma, como agora se diz a propósito de tudo e de nada) político e autoritário.

A atribuição «aos agentes da Administração da liberdade sindical (…), do direito à greve (…), do direito de constituir comissões de trabalhadores, do direito de contratação colectiva (…) e do direito de participação da elaboração da legislação de trabalho» (F. Liberal Fernandes, Autonomia dos Trabalhadores da Administração. Crise do Modelo Clássico de Emprego Público, Coimbra Editora, Coimbra, 1995, pp.110-111) aproximou bastantes estes dois ramos de direito na medida em que transforma os agentes da Administração Pública de funcionários ou servidores em trabalhadores.

O mesmo tem acontecido, aliás, na Pátria do Droit Administratif onde, desde sempre, se considerou haver incompatibilidade entre o regime jurídico da função pública e o Direito do Trabalho mas em que, na realidade, tem vindo a acontecer uma aproximação lenta mas significativa entre os dois mundos distintos da administração e da empresa (Alain Plantey, La Foction Publique Traité General, 2.ª ed., Litec, Paris, 2001, pp.14-15).

Mas esta aproximação não significa que as regras que o próprio Estado faz para si tenham cabimento noutra situação que não a aquela em que ele não estivesse envolvido. Existem constrangimentos de ordem política e financeira que impõem o respeito escrupuloso pelas regras editadas, desde logo, pelo seu âmbito de aplicação.

Por isso, querer aplicar directamente, ou por analogia, institutos de Direito Administrativo a uma relação de Direito Privado é esquecer a ainda existente diferença estrutural entre as duas áreas e as razões desta diferença (o Estado, o poder público, de um lado e os particulares de outro). As razões de interesse público que estão subjacentes à especificidade do estatuto da função pública levam a que só este regime seja tido em conta na apreciação destes casos.
Os outros casos, entre particulares, são apreciados de maneira diferente, sendo que a primeira diferença é que as regras que o Estado faz para os seus trabalhadores não se destinam a mais ninguém.

(…)
Como acima se disse, não existe regime legal que estabeleça um valor por cada km percorrido em viatura própria nos casos de deslocações de sinistrados para tratamentos mas isto não significa que estejamos perante uma lacuna, em sentido próprio.

O art.º 15.º, n.º 1, Lei n.º 100/97, determina que o «fornecimento ou o pagamento dos transportes abrange as deslocações e permanência necessárias à observação e tratamento»; o art.º 35.º do Decreto-Lei n.º 143/99 regulamenta aquele preceito legal mas em termos que nada têm que ver com o assunto.

Mas o certo é que os sinistrados têm direito ao pagamento das despesas das deslocações necessárias para tratamentos. Ou seja, o sinistrado gasta x num determinado transporte e tem direito a reaver a quantia por parte da entidade responsável. É a despesa que é paga ou, dito de outra forma, é o dinheiro que o sinistrado gastou na deslocação que lhe deve ser restituído.
Onde está, afinal, a lacuna?


Dirão as partes que, no caso de utilização de viatura própria, não existem critérios legais quanto ao custo por km percorrido. Pois não existem nem têm que existir.
O que a lei determina é que a despesa seja paga, isto é, que o dinheiro que o sinistrado gastou seja pago — nada mais é necessário.
*
Aliás, e em passagem, nem se compreende como a seguradora pode afirmar que não paga despesas com deslocações em viatura própria! Porquê? Qual é o fundamento jurídico desta afirmação? Se existem despesas e se elas respeitarem as condições (repare-se que não falamos em limites) estabelecidas em ambos os preceitos legais citados, a entidade responsável só tem que as pagar.
*
Com isto queremos dizer que temos regra aplicável, queremos dizer que não há lacuna.
E a regra que temos de aplicar directamente é a do art.º 15.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97 que manda pagar as despesas que o sinistrado tenha nas suas deslocações para tratamentos.
Quanto pagou o sinistrado? É o valor da despesa, em concreto, que a responsável deve, por sua vez, pagar ao sinistrado. Que interessa se a R. não paga habitualmente despesas de deslocação em carro próprio se a lei as manda pagar apenas porque são despesas? Só é preciso saber quanto o sinistrado pagou.
Para quê argumentar com tabelas inaplicáveis?”


Todavia e sendo certo que se entende não ser de proceder à aplicação directa ou analógica de tais critérios previstos para administração pública, não nos repugna, no entanto, aceitar como razoável que, tendo sido utilizado veículo automóvel para todas as deslocações, os custos dessas despesas com deslocação, abrangendo, designadamente, combustível e desgaste da viatura, sejam calculados na base de 0,39 €/km, o que aplicado aos 1635 quilómetros realizados, perfaz o valor global de 637,65 €.

E assim sendo, procede nesta parte a presente apelação.

Mais alega o Recorrente que, em termos de danos patrimoniais decorrentes da incapacidade que afecta irreversivelmente o Recorrente, designadamente do dano biológico, ao contrário do que considerou a decisão recorrida, a capacidade profissional futura, que mais não fosse enquanto músico, no quadro de uma actividade em que se havia colectado e se viu forçado a encerra, é algo que ficou totalmente afectado face ao tipo de lesões sofridas.

Acresce que, os critérios de verosimilhança, de probabilidade e razoabilidade para fixar o quantum indemnizatório não ocorrem no raciocínio plasmado na decisão impugnada, quando se alicerça no valor salário mínimo garantido actual, para, depois, com base no alegado défice funcional encontrar um valor anual que, extrapolado com base na esperança média de vida para outro valor, faz incidir sobre este a dedução das prováveis despesas próprias do Recorrente deduzindo, ainda, em termos de antecipação do capital, um desconto de 15% chegando a um valor que, arredondado por equidade, fixou, por defeito, a indemnização em 28.000 €.

Em seu entender, este raciocínio é inaceitável porque, considerando uma esperança média de vida de mais 42 anos, tem por base de cálculo o actual salário mínimo garantido de 557 €, não prevendo sequer a possibilidade de actualização em função desse salário mínimo – facilmente expectável no apontado período de esperança média de vida – ou de outro tipo de rendimentos a que o Recorrente entretanto aceda, pelo que na ponderação do que antes fica referido entende-se que o silogismo da sentença não tem fundamento, não se mostra excessiva a indemnização peticionada a este título pelo montante de 50.000 €.

Ora, salvo o devido respeito, não se concordando na íntegra com os fundamentos da apelação, também desde já se dirá que igualmente se discorda senão dos critérios em abstracto considerados, pelo menos dos elementos objectivos ponderados e, designadamente, da valoração da incapacidade e do salário tido em consideração para a determinação do montante indemnizatório.

Ora, logrou adesão de prova que o A, em consequência directa e necessária das descritas agressões de que foi vítima, sofreu vários fenómenos dolorosos nas regiões atingidas, equimoses dispersas no couro cabeludo, cicatriz linear com 2,5 cm na região recta auricular direita, edema do pavilhão auditivo direito com vestígios hemáticos e escoriações dispersas e sutura linear com 3 cm na área retroauricular direito e escoriações várias na face posterior do cotovelo direito e esquerdo, hematomas periorbitário e na região maleolar-esquerda, bem como no maxilar inferior esquerdo, no ombro direito e na face interna do braço direito.

Para além das lesões descritas as agressões determinaram ainda, como consequência directa e necessária, traumatismo crânio-encefálico com fractura do rochedo temporal direito e cofose/perda total de audição no ouvido direito do A., acufeno nesse ouvido, sensação de paladar metálico que acabou por normalizar, tonturas e desequilíbrio fácil no imediato e cuja ocorrência se mantém com movimentos mais bruscos, não localização de sons com desorientação associada e fenómenos de depressão e temor.

E mais se apurou que o A. era pessoa saudável, fisicamente robusta e sem qualquer problema de saúde, tendo ficado a padecer, com carácter permanente, de surdez total do ouvido direito, com inerente não localização de sons e desorientação associada e acufeno direito, zumbido permanente que lhe causa grande irritabilidade e obriga a esforços permanentes de abstração…

Sofreu na altura dos factos e ainda actualmente de fenómenos de depressão e temor, sendo que a cofose direita e acufeno direito degradaram significativamente a sua qualidade de vida, causando-lhe designadamente perturbações significativas de sono, sensação de desorientação associada, o que lhe exige esforços acrescidos de concentração em todos os actos da sua vida diária, desde a frequência normal de aulas, designadamente em quadro de anfiteatros, andar normalmente nas ruas na cidade especialmente com maior frequência de trânsito e peões, frequentar outros locais com ruído ou vários sons de fundo, tais como salas de espectáculos, bares, shoppings, conduzir e orientar-se no trânsito, para o que se vê por vezes forçado a recorrer á ajuda de amigos.

O que tudo lhe dificulta o desfrutar, como antes, actividades culturais e lúdicas, tais como a música, tendo deixado de ouvir música com auscultadores dada a desorientação que tal acarreta ou mesmo tocar instrumentos musicais, como anteriormente fazia.

Apurou-se ainda que, á data dos factos, frequentava, em fase conclusão, o curso de arquitectura na FAUP (Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto), sendo que, para além da sua ocupação normal de estudante era um apaixonado pela música, tendo mesmo criado, com outros amigos, uma banda musical onde era guitarrista e vocalista, actuando em eventos musicais diversos, inicialmente de forma gratuita e posteriormente remunerada, cuja actividade viria a cessar em 30.09.2013, em consequência das lesões definitivas de que padece.

Tudo isto considerado e aceitando ainda que, como se refere na decisão recorrida, embora o Autor alegue uma Incapacidade ou Défice Funcional Permanente de 20%, que, constituindo uma conclusão, não se encontra abrangida pela confissão ficta, haverá de ser considerada a incapacidade de 17%, em conformidade com a tabela de avaliação da incapacidade em direito civil, anexa ao DL 352/2007 de 23-10, que fixa os coeficientes de incapacidade (cfr. códigos Sb0202 surdez total unilateral; Sb0204 zumbidos).

Aceita-se a existência de situações em que o lesado poderá não ter sofrido qualquer perda real de capacidade aquisitiva, que serão todas aquelas em que, mantendo-se em exercício das funções profissionais, continuou a auferir o seu vencimento.

Assim, e desde logo seria possível perspectivar a não atribuição de qual­quer indemnização a este título.

Todavia, não foi esta a posição a adoptada, mas sim uma outra, que vai no sentido de se ficcionar que esta perda de capacidade aqui­sitiva aparente tem um valor igual à efectiva, já que, é necessário ponderar que estamos perante uma hipótese de da­nos futuros, pois no desempenho da sua função sempre o Autor será afectado pela incapa­cidade de que é portador. (1)

Acontece que estando determinados os danos, não está o seu valor, muito embora em relação a este estejam provados os limites mínimo e máximo, pelo que entendemos ser de recorrer à equidade, para fixação da indemnização, ao abrigo do disposto no artigo 566º, nº 3, do C. Civil. (2)

Sendo certo que preferencialmente se deve entender a equidade como a hipótese de fazer justiça no caso concreto, considerando as vertentes da questão concreta, corrigindo, assim, as injustiças ocasionadas pela natureza rígida das regras jurídicas abstrac­tas.

Porém “quando a equidade seja chamada a fixar montantes indemnizató­rios, não deve, de modo algum, pensar-se que tal operação fica ao livre – arbítrio do juiz, matizado embora por considerandos filosóficos, cuja concretização seria espinhosa. A in­terpretação dos diversos preceitos envolvidos mostra com clareza a presença de uma série de critérios a que o juiz deve atender”, nomeadamente “outras regras gerais reportadas ao cálculo da indemnização, entram em jogo: a teoria da diferença, o chamado nexo de casua­lidade e os lucros cessantes – artigo 562º, 563º e 564º”. (3)

Como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa (4), “para efeito do cálculo da indemnização por tais danos já foram utilizadas pela jurisprudência várias fórmulas, bem como tabelas financeiras, na tentativa de ser obtido um critério tão uniforme quanto possível”.

O STJ tem afirmado que “nenhum dos (…) critérios é absoluto, devendo ser aplicados como índices ou parâmetros temperados com a aplicação de um juízo de equidade” (5), que a equidade é o critério fundamental de fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros (6), que os “critérios matemáticos de cálculo do capital correspondente à indemnização por danos patrimoniais futuros são apenas um instrumento ao serviço do juízo de equidade” (7), que o recurso a fórmulas é “meramente indiciário, não podendo o julgador desvincular-se dos critérios constantes do art. 566º do Código Civil, mormente do referido no nº3, que impõe que se o tribunal não puder averiguar o montante exacto dos danos deve recorrer à equidade” (8).

O que está em causa é “quantificação da vantagem patrimonial que, segundo o curso normal das coisas, ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso o lesado teria obtido, não fora a acção e/ou a omissão lesiva que o afectou”. (9)

E, como se referiu no acórdão do S.T.J., de 14/05/2009, (10) “(…) Estando em causa a fixação de indemnização decorrente de danos futuros, abrangendo um longo período de previsão, a solução mais correcta é a de conseguir a sua quantificação no momento da avaliação, tentando compensar a inerente dificuldade de cálculo com o apelo a juízos de equidade.

- Em sede jurisprudencial tem obtido consagração na prática quotidiana a utilização de fórmulas e tabelas financeiras de variada índole, na tentativa de se conseguir um critério mais ou menos uniforme, o que se não coaduna com a própria realidade das coisas, avessa nesta matéria a operações matemáticas, impondo-se, antes, e essencialmente, a valorização do critério da equidade.

- O principal eixo de tal definição fundamenta-se no pressuposto de que a indemnização a pagar quanto a danos futuros por frustração de ganhos deve representar um capital produtor de um rendimento que se extinga no fim do previsível período de vida activa da vítima e que garanta as prestações periódicas correspondentes à respectiva perda de ganho.

- Nesse quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores como a idade da vítima, as suas condições de saúde ao tempo do decesso, o tempo provável da sua vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade.

- Uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança ou de probabilidade, de acordo com o que, em concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas.

- Essencialmente, o que está em causa é o prudente arbítrio do tribunal, nos termos do art. 566.º, n.º 2, do CC, tendo em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida (…)”. (11)

Como ficou consignado no acórdão deste S.T.J., de 24/9/2009, (12) “(…) Para o cálculo da indemnização correspondente a danos patrimoniais futuros, decorrentes da perda de capacidade de ganho, deve tomar-se como base o rendimento anual perdido, a percentagem da incapacidade para o trabalho, a idade ao tempo do acidente, a idade normal da reforma, o tempo provável de vida posterior e o acerto resultante da entrega do capital de uma só vez”.

A determinação do montante indemnizatório devido pela perda ou afectação da capacidade de ganho é, assim, uma operação melindrosa e é-o tanto mais quanto maior é o horizonte temporal a ter em conta e a maior ou menor instabilidade da situação envolvente, sendo que, atenta a descida evolutiva da taxa de juro - tendência que se vem a avolumar ao longo dos últimos anos e que propende para a estabilização na casa dos 2 a 3% líquidos, sendo certo que actualmente a banca está a pagar, por regra, e no máximo, entre os 2 e 3% aos depositantes, afigura-se-nos como correcta e consequentemente teremos em consideração a taxa de 2%., sendo certo que quanto mais baixa for a taxa utilizada, mais elevada terá de ser a quantia a atribuir ao lesado.

E como se refere na decisão recorrida, o limite de vida a considerar deve ser não o de vida activa mas o da média de vida, ou seja, na expressão do ac. STJ de 8-5-12, Processo 3492/07.3TBVFR.P1, “deve ter-se em conta, não exactamente a esperança média de vida activa da vítima, mas sim a esperança média de vida, uma vez que, como é óbvio, as necessidades básicas do lesado não cessam no dia em que deixa de trabalhar por virtude da reforma (em Portugal, no momento presente, a esperança média de vida dos homens já é de sensivelmente 78 anos, e tem tendência para aumentar; e a das mulheres ultrapassou a barreira dos 80 anos)”.

Definidos os critérios com base nos quais se haverá de proceder à determinação do valor indemnizatório a atribuir passemos então à análise da situação vertente.

A questão que aqui se coloca prende-se com o valor a considerar para efeitos de cálculo desse valor, uma vez que o Autor, nascido em 06/01/1985, e que, portanto, à data dos factos, tinha 28 anos de idade, e logo, mais 50 anos de esperança média de vida (e não 42, como se refere na decisão recorrida), ficou com um défice funcional de 17%, sendo que, á data dos factos, frequentava, em fase conclusão, o curso de arquitectura na FAUP (Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto).

Aqui chegados, afigura-se-nos pertinente relembrar que o valor ressarcitória do dano em referência haverá de ser fixado com recurso à equidade que, como se deixou, dito, deve ser entendida como a hipótese de fazer justiça no caso concreto, considerando as vertentes da situação concreta, ou seja, corrigindo as injustiças ocasionadas pela natureza rígida das regras jurídicas abstractas, sendo que, também como supra se referiu e é pertinente mais uma vez realçar, por fulcral para o tratamento da questão, no quadro do cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores como a idade da vítima, as suas condições de saúde ao tempo do decesso, a natureza do trabalho que realizava e o salário auferido, mas também a evolução dos salários e a progressão na carreira profissional.

A equidade, como momento da concreta realização do direito, que visa ou está ao serviço da promoção da justiça material, valor jurídico com relevância e conteúdo próprios, que pode ser sinteticamente definido como a justiça individual e concreta, por oposição à justiça formal, legal, geral e abstracta, de modo algum se pode alhear, mas antes pressupõe, a consideração das especificidades da situação concreta, como factores relevantes a valorizar que, simultaneamente, assumem também um papel enformador da própria justeza e adequação da decisão a critérios legais, jurisprudenciais e doutrinais a considerar.

Com efeito, por mais fundamentada que o seja, e por melhores e aprofundados que sejam os critérios em que se fundamenta, dificilmente uma qualquer decisão será justa, se se não enraizar ou atentar em todas as suas dimensões e especificidades, na situação de vida sobre a qual incida.

Ora, tratando-se de um dado da experiência que, com a evolução da formação e da própria carreira profissional, um jovem, quando adulto, tende a obter uma remuneração capaz de assegurar adequadas condições - e não apenas as condições mínimas de dignidade -, em nosso entender, uma tal remuneração terá, indubitavelmente, de aproximar-se, pelo menos, daquela que constitui ou a que ascende a remuneração média mensal para o sector privado que, sendo significativamente superior ao salário mínimo, ascendia nos anos de 2013 e 2014, a um valor já algo superior ao € 1.000,00, ou, e mais concretamente, ascendia € 1.093,30 e € 1.093,20, respectivamente - cfr. www.pordata.pt.

E assim sendo, temos que, como se refere na decisão recorrida, haverá de ter-se em consideração o aludido Défice Funcional Permanente do Autor, que assenta em sequelas que obrigam o mesmo a esforços acrescidos no exercício da sua actividade habitual, sendo que a Autor nasceu em 06.01.1985 e que, à data do acidente, encontrava-se a concluir a licenciatura em Arquitectura e, portanto, não exercia ainda uma actividade profissional remunerada, bem como, que para efeito dos referidos cálculos matemáticos, atender-se ao chamado “salário médio previsível” ou “salário médio acessível”, passando pela referência a um salário mínimo e meio e a dois salários mínimos.

Na verdade, sendo evidente estar-se perante uma pessoa ainda jovem, igualmente decorre de modo claro e linear que se está perante uma pessoa que está no fim do seu processo de formação e no início do seu percurso profissional e, portanto, numa fase da vida em que se encontram ainda abertas todas as portas e possibilidades de evolução da sua carreira profissional, não havendo razões para se não admitir que não pudesse vir ter uma evolução positiva e de sucesso no seu trajecto pessoal, de formação e de inserção profissional.

Não é nada que não se imponha em termos de normalidade e dentro do requisito previsibilidade, pois que, corresponde inequivocamente às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho, será o rendimento médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional mediana, e que, como é normal, tenderá a subir ao longo da vida.

Evidente resulta que o Défice Funcional Permanente da integridade física de que ficou afectado, além deste dano biológico, provocou um dano patrimonial futuro, que afectando o A., lhe reduzirá ao longo da sua vida, seguramente, o leque de actividades profissionais que poderá seguir e desempenhar, acarretando-lhe, assim, inquestionáveis prejuízos patrimoniais, dado que lhe dificultará, no futuro, o exercício da sua actividade profissional, determinando uma espécie de dano de perda de chance ou, pelo menos, exigindo um esforço acrescido no seu desempenho profissional. (13)

Assim, e sendo certo que se tem entendido para aquelas situações em que o lesado, não entrou ainda no mercado de trabalho, que a remuneração mensal a atender será a remuneração média mensal do país, não faria sentido não a tomar em consideração na presente situação, em que o A. ainda se encontra no final do seu processo de formação, não tendo ainda percorrido ou consolidado uma evolução aprofundada em nenhum trajecto ou carreira profissional, mantendo-se, por isso, incólume toda a expectativa de evolução inerentes à sua idade, e bem assim, e por outro lado, mais acentuadas as dificuldades, que por virtude das limitações físicas de que ficou a padecer, necessariamente lhe acarretarão para a sua inserção no mercado de trabalho.

Destarte, e como igualmente se refere na decisão recorrida tem vindo a ser sublinhado na jurisprudência que “o salário mínimo, prevenindo um mínimo para a subsistência de quem trabalha, não é a regra nem corresponde às expectativas de quem, dotado de mediana capacidade e aptidão, está em condições de entrar no mundo do trabalho”. (14)

“E, no último dos referidos (de 13.01.2009), afirmando-se que se trata de “um dado da experiência que, com a evolução do ensino obrigatório e da formação escolar, profissional e académica, um jovem, quando adulto, tende a obter uma remuneração capaz de assegurar o mínimo de dignidade”, considerou-se, no caso de uma criança que frequentava o 3º ano do ensino básico, que, “para efeito de determinação de indemnização por danos patrimoniais futuros será de atender ao salário médio acessível a um jovem dotado de formação profissional média, a partir dos 21 anos de idade, salário que, em termos de normalidade e previsibilidade, é de situar em não menos de 650/700 euros mensais, tendendo a subir ao longo da vida”.

Na mesma esteira, tomando como referência, no caso de estudantes e para efeito do supra referido cálculo, o salário médio mensal veja-se, a título de exemplo os Acórdão da Relação de Guimarães de 10.04.2014 e 05.06.2014, onde se ponderaram salários mensais médios de, respectivamente, 900 € e 1000 €.

No último dos referidos acórdãos ponderou-se que o referido “será o rendimento médio acessível a um jovem saudável dotado de formação profissional mediana, e que, como é normal, tenderá a subir ao longo da vida”. (15)
Com efeito, trata-se de um dado da experiência que, com a evolução do ensino obrigatório e da formação escolar, profissional e académica, um jovem, quando adulto, tende a obter uma remuneração capaz de assegurar adequadas condições, e não apenas as condições mínimas de dignidade, e que em nosso entender terá de aproximar-se, pelo menos, daquela que constitui ou a que ascende a remuneração média mensal para o sector privado que, sendo significativamente superior ao salário mínimo, ascendia, no ano de 2009, a um valor já algo superior ao € 1.000,00 - mais concretamente, ascendia € 1.034,00: cfr. www.gee.min-economia.pt”

Como se refere no Acórdão da Relação do Porto, de 11/11/2013 – que embora reportando-se, na parte a seguir citada, ao dano biológico, considera extensivas as considerações que efectua ao dano patrimonial futuro, que é o que aqui está em causa -, no preâmbulo da Portaria 377/2008 (actualizada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho), se entendeu que “A indemnização pelo dano biológico é calculada segundo a idade e o grau de desvalorização, apurado este pela Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, e com referência inicial ao valor da RMMG (retribuição mínima mensal garantida).
Partiu-se nesta Portaria da retribuição mínima mensal garantida.
No caso, os valores fixados nesta Portaria (incluindo a actualização introduzida pela Portaria n.º 679/2009), para a retribuição mínima mensal garantida, foram os estabelecidos para o ano de 2007 (…)”.

Claro está que o mesmo tipo de dano não pode ser valorado de forma diversa de pessoa para pessoa consoante os rendimentos que estas auferem, interpretação que ofenderia o princípio da igualdade.
Com efeito, o salário que cada pessoa recebe não tem, aparentemente, qualquer ligação com o dano biológico.
Como o salário auferido não tem relação com o dano biológico verificado, então o mesmo tipo de dano biológico, verificado em dois lesados diversos, não pode assumir expressões remuneratórias diversas consoante o salário auferido por cada um deles.

Por conseguinte, sempre terá de se partir de um qualquer montante pecuniário igual para todos.
Mas logo emerge a pergunta: por que razão na Portaria n.º 377/2008 se adoptou a retribuição mínima mensal garantida e não, por exemplo, a remuneração média dos cidadãos?
Sendo o salário ou retribuição a quantia em dinheiro que permite às pessoas adquirir os meios de subsistência necessários à sobrevivência diária, então este pode constituir um termo de comparação válido em relação ao valor que a generalidade dos cidadãos atribui às diversas posições vantajosas e desvantajosas em que cada pessoa se vai encontrando quotidianamente e, neste caso, ao valor que atribuí à situação vantajosa de gozar de saúde e à desvantajosa de ter menos saúde.
Fosse por esta ou por outra razão, o legislador fez intervir o salário como ingrediente na determinação da indemnização, constituindo um parâmetro estrutural na determinação de tal valor.

A retribuição mínima mensal garantida é apenas um ponto de partida, pelo que o salário médio do país é mais adequado para encontrar o valor do dano biológico, devido ao facto deste valor médio reflectir de forma mais aproximada à realidade a situação económica global do país onde as indemnizações aqui em causa também se inserem.
Tal salário médio é superior à retribuição mínima mensal garantida”. (16)

Por decorrência de tudo o exposto, e como se plasmou no Acórdão desta Relação de 5/06/2014, “é nosso entendimento o de que, “estando em causa, relativamente a lesado menor – ou, acrescentaremos agora, que ainda não iniciou ou está no início do seu percurso profissional -, a atribuição de indemnização por incapacidade para o exercício da generalidade das profissões, para efeito de determinação de indemnização por danos patrimoniais futuros será de atender ao valor do rendimento médio acessível a um jovem dotado de formação profissional média, salário que, em termos de normalidade e previsibilidade, é de situar em não menos de € 1.000,00 mensais, tendendo a subir ao longo da vida”. (17)

Destarte, considerados todos os elementos supra referidos e a ter em consideração, e designadamente, que actualmente dificilmente se obtém juros superiores a 2%, o valor da incapacidade (17%), o valor do salário a considerar (1.093,00 €), a esperança média de vida dos homens, que se situa nos 78 anos de idade (e não apenas a duração da vida profissional activa do lesado, até este atingir a idade normal da reforma, aos 65 anos), e que, portanto na situação é de mais 50 anos (e não de mais 42, como se refere na decisão recorrida), mas também o facto de se ter por certo que, no futuro, o rendimento auferido no período correspondente à reforma será sempre substancialmente inferior ao rendimento auferido no período de vida activa e a desvalorização da moeda e a perda de capacidades funcionais ora em causa, afigura-se-nos como adequado e equitativo fixar o valor atribuído a título de indemnização fixada a título de danos patrimoniais emergentes da perda da capacidade aquisitiva, no peticionado montante de € 50.000,00.

Procede, assim, também nesta parte a presente apelação.

Por último, alega ainda o Recorrente que a indemnização por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do Artº 496º do Código Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e a suportar, o que não ocorre na Sentença recorrida ao fixá-los globalmente em 10.000 €, considerando, designadamente o quadro dos Artºs 62º e ss. da P.I. que a mesma invoca.

Relativamente aos danos não patrimoniais “gerais” a que se reporta a factualidade alegada designadamente nos Artºs 33. até 44. da P.I., o montante de 10.000 € traduz o mínimo ajustado que releva para o seu justo ressarcimento.

No que respeita aos danos não patrimoniais decorrentes do dano biológico, também atendíveis e que a Sentença recorrida parece não equacionar, os mesmos assumem acrescida relevância, pois que a comprovação da perturbação considerável do nível e de qualidade de vida do Recorrente resulta inquestionavelmente da incapacidade permanente e para a vida decorrente do dano biológico de que padece e padecerá – para toda a vida - essencialmente no que respeita á situação irreversível de surdez total e acufenos associados.

Os acufenos afectam a qualidade de vida (dificuldade em conciliar o sono, incapacidade de concentração nos estudos ou na vida profissional, perda de equilíbrio, irritação, sensibilidade acrescida ao ruido, desequilíbrios e problemas nervosos, ansiedade e fadiga...) e afectam-na considerável e significativamente em termos de função física, desempenho físico, dor física, saúde em geral, vitalidade, função social, desempenho emocional e saúde mental sendo que as maiores dificuldades se centram na subescala emocional apresentando os sujeitos afectados maior frustração, irritabilidade, insegurança e mesmo aspectos psicopatológicos com ansiedade e depressão, acusando, mais de 50% perturbação da sua vida social e alterações no relacionamento familiar e com amigos e mais de 65% problemas na realização de tarefas de âmbito profissional ou doméstico.

Assim, em seu entender, a real e grave perturbação do nível e qualidade de vida da vítima, do ora Recorrente, face às lesões efectivas apuradas e demonstradas, decorrente dos apontados danos, não pode, em termos não patrimoniais - face aos danos suportados actualmente e a suportar, tendo presente também a idade da vítima - justificar, sob pena de manifesta irrelevância ou insignificância, o valor fixado na Sentença, entendendo o Recorrente que a quantificação de todos os danos de natureza não patrimonial, também no que respeita ao dano biológico, deverá computar-se globalmente nos 35.000 € inicialmente peticionados.

Como é sabido, não podendo igualmente o dano não patrimonial ser avaliado em medida certa, a fixação do valor indemnizatório para o seu ressarcimento corresponderá a uma mera compensação a calcular segundo critérios de equidade, procurando-se a solução que pareça mais justa face às características concretas da situação, sendo que, aquilo que, efectivamente se visa, é compensar realmente o lesado, tendo o valor da indemnização um alcance significativo e não meramente simbólico.

O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deverá, assim, ser calculado em qualquer caso – isto é, haja dolo ou mera culpa do lesante – segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado, às flutuações do valor da moeda, etc. deverá ser proporcionada à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida. (18)

Embora a ideia de igualdade esteja associada à equidade esta tem um âmbito bem mais lato - pela equidade procurar-se-á a solução que pareça mais justa face às características concretas da situação, uma vez que a equidade é, afinal, a justiça do caso concreto.

Como refere Dario Martins de Almeida (19), quando se faz apelo a critérios de equidade pretende-se encontrar aquilo que no caso concreto pode ser a solução mais justa. “A equidade não equivalerá ao arbítrio; é mesmo a sua negação. A equidade é uma justiça de proporção, de adequação às circunstâncias, de equilíbrio”. A equidade significará igualdade, mas uma igualdade segundo a desigualdade das circunstâncias. E, mais adiante: “a proporção, a adaptação às circunstâncias, a objectividade, a razoabilidade e a certeza objectiva são as linhas de força da equidade quando opera, com os ditames da lei, na análise e solução e compreensão do caso concreto”.

Não estamos perante algo de matemático e estanque, antes tendo conteúdo indeterminado e variável de acordo com as concepções de justiça dominantes. Claro que a equidade falha se a igualdade – como princípio subjacente à ideia de justiça que é dominante na nossa sociedade – também falhar.

A equidade não implicará que tenhamos de respeitar forçosamente um precedente jurisprudencial; nem para o efeito se consideraria, tão só, tratar-se de uma percentagem de incapacidade mais ou menos idêntica à de outro caso, importando todo o circunstancialismo envolvente e, necessariamente, a concreta dor física ou moral, a angústia, enfim, o sofrimento efectivamente experimentado e que se pretende compensar.

Ora, a jurisprudência tem vindo a acentuar que o valor de uma indemnização neste âmbito, deve visar compensar realmente o lesado pelo mal causado, devendo ter um alcance significativo e não ser meramente simbólico, proporcionando os meios económicos capazes de fazer esquecer, ou pelo menos mitigar, o abalo suportado.

Como se refere no acórdão do STJ, de 29-01-2008 (20), “a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista”, defendendo A. Varela, que a gravidade do dano se há-de “medir por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso) e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade há-de apreciar-se em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a atribuição de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado”.(21)

Dentro da categoria de danos não patrimoniais, cuja ressarcibilidade se impõe, há que considerar as sequelas de lesões corporais, pelo que importa ponderar:

- No prejuízo estético, que simboliza o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões que resistiram ao processo de tratamento e recuperação da vítima;
- No prejuízo de afirmação social, ou seja, dano indiferenciado que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, afectiva, recreativa, cultural e cívica);

- No prejuízo da saúde geral e da longevidade, em que avultam o dano da dor e o défice de bem estar, e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem estar da vítima e o corte na expectativa de vida;

- No prejuízo de distracção ou passatempo, o pretium juventude, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada “primavera da vida”;

- O pretium doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas no período de doença e de incapacidade temporária. (22)

Isto considerado, haverá ainda que atentar em que, não sendo os danos não patrimoniais susceptíveis de avaliação pecuniária, o seu ressarcimento assume uma função essencialmente compensatória, embora também uma vertente sancionatória, sendo que, como ensina Antunes Varela a “indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilística e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” (23).

Assim, tendo em consideração as sequelas resultantes dos factos, consistentes em dano na integridade físico-psíquica do Autor, de carácter permanente (sofreu vários fenómenos dolorosos nas regiões atingidas, equimoses dispersas no couro cabeludo, cicatriz linear com 2,5 cm na região recta auricular direita, edema do pavilhão auditivo direito com vestígios hemáticos e escoriações dispersas e sutura linear com 3 cm na área retroauricular direito e escoriações várias na face posterior do cotovelo direito e esquerdo, hematomas periorbitário e na região maleolar-esquerda, bem como no maxilar inferior esquerdo, no ombro direito e na face interna do braço direito, bem como, as lesões descritas as agressões determinaram ainda, como consequência directa e necessária, traumatismo crânio-encefálico com fractura do rochedo temporal direito e cofose/perda total de audição no ouvido direito do A., acufeno nesse ouvido, sensação de paladar metálico que acabou por normalizar, tonturas e desequilíbrio fácil no imediato e cuja ocorrência se mantém com movimentos mais bruscos, não localização de sons com desorientação associada e fenómenos de depressão e temor) e como se refere na decisão recorrida, lhe causam “surdez total do ouvido direito, com inerente não localização de sons e desorientação associada e acufeno direito, zumbido permanente que lhe causa grande irritabilidade e obriga a esforços permanentes de abstracção”, bem como, “fenómenos de depressão e temor, sendo que a cofose direita e acufeno direito degradaram significativamente a sua qualidade de vida, causando-lhe designadamente perturbações significativas de sono, sensação de desorientação associada, o que lhe exige esforços acrescidos de concentração em todos os actos da sua vida diária, desde a frequência normal de aulas, designadamente em quadro de anfiteatros, andar normalmente nas ruas na cidade especialmente com maior frequência de trânsito e peões, frequentar outros locais com ruído ou vários sons de fundo, tais como salas de espectáculos, bares, shoppings, conduzir e orientar-se no trânsito, para o que se vê por vezes forçado a recorrer á ajuda de amigos”, do que de tudo redundam significativos prejuízos da saúde geral, da afirmação social, da distracção ou passatempo, sendo também de realçar a idade da Autora, afigura-se-nos por ajustado e equitativo o valor de € 25.000,00, a título de indemnização a atribuir para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos pela A., sendo 15.000,00 €, pelo dano biológico e 10,000,00 €, pelos restantes danos morais.

Assim sendo e pelo exposto, na parcial procedência da apelação, decide-se revogar a decisão recorrida, condenando-se o Ré a pagar ao Autor, os montantes de 637,65 €, 50.000,00 € e 25,000,00, A título de despesas com deslocações, indemnização por danos patrimoniais futuros e por danos morais, respectivamente, montantes esses acrescidos de juros de mora contados desde a data da decisão actualizadora.

IV- DECISÃO.

Nestes termos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida, condenando-se o Ré a pagar ao Autor, os montantes de 637,65 €, 50.000,00 € e 25,000,00, A título de despesas com deslocações, indemnização por danos patrimoniais futuros e por danos morais (sendo 15.000,00 €, pelo dano biológico e 10,000,00 €, pelos restantes danos morais), respectivamente, acrescidos de juros de mora à taxa legal nos termos já fixados.

Custas pelo Apelante, na proporção do seu decaimento.
Guimarães, 19/ 04/ 2018.

Jorge Alberto Martins Teixeira
José Fernando Cardoso Amaral.
Helena Gomes de Melo.

1. Cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/2/1987, no B.M.J. nº 364, pág. 819.
2. Cfr. neste sentido podem ver-se os acórdãos das Relações de Évora de 6/2/1992 e de Coimbra de 17/3/1992, in Colectânea de Jurisprudência, 1992, tomos 1 e 2, págs., 277 e 45, e Vaz Serra, in B.M.J. nº 84, pág. 251, Revista de Legislação e Jurisprudência, anos 108º e 113, págs. 228 e 322, e Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral", I vol., 6ª ed., págs. 818-819
3. Cfr Menezes Cordeiro, Da Boa Fé em Direito Civil, volume II, págs. 1198-1199 e 1201.
4. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 11/04/2013, processo nº 25024/10.6T2SNT.L1-2, in www.dgsi.pt.
5. Cfr. Acórdão do STJ de 7-6-2011 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 160/2002.P1.S1.
6. Cfr. Acórdão do STJ de 21-02-2013 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 2044/06.0TJVNF.P1.S1.
7. Cfr. Acórdão do STJ de 17-01-2013 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 2395/06.3TJVNF.P1.S1.
8. Cfr. Acórdão do STJ de 2-5-2012 ao qual se pode aceder em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, processo 1011/2002.L1.S1.
9. Cfr. Acórdão do S.T.J., de 29/10/2008, Pº 3458/08, in www.dgsi.pt.
10. Cfr. Acórdão do S.T.J., de 14/05/2009, Pº 271/09.7YFLSB, e, no mesmo sentido, Acórdão de 18-06-2009, Pº 81/04.8PBBGC.S1, in www.dgsi.pt.
11. Cfr. Acórdão do STJ de 27-9-2012 ao qual se pode aceder em /www.dgsi.pt, processo 560/04.7TBVVD.G1.S1. Em sentido idêntico o acórdão do STJ de 8-5-2012, in www.dgsi.pt, processo 3492/07.3TBVFR.P1 e jurisprudência aí citada.
12. Cfr. Acórdão do S.T.J., de 24/9/2009, processo 37/09, www.dgsi.pt.
13. Cfr. Armando Braga, A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual, Almedina, 2005, pg 121.
14. Cfr. Acórdãos do STJ de 02/10/07, processo 2657/07 e de 13/01/09, processo 3747/08, in www.dgsi.pt.
15. Acórdão da Relação de Guimarães de 10.04.2014 e 05.06.2014, in www.dgsi.pt
16. Cfr. Acórdão da Relação do Porto, de 11/11/2013, in www.dgsi.pt.
17. Cfr. Acórdão desta Relação de 5/06/2014, processo nº 668/05.1TBPTL.G1.
18. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 474.
19. Cfr. Dario Martins de Almeida, “Manual de Acidentes de Viação”, págs. 103 e segs.
20. Cfr. Acórdão de 25-6-2002, publicado na Colectânea de Jurisprudência, Acórdão do STJ, ano X, tomo 2, pág. 128 e o Acórdão do STJ, de 29-01-2008, processo nº JSTJ000, in www.dgsi.pt.
21. Cfr. A. Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 3.ª ed., pg. 500.
22. Cfr. Dario Martins de Almeida, Manuel de Acidentes de Viação, 130 e ss. e Acs. STJ de 18.06.2009 (Pº 1632/01.5SILSB.S1) e de 14.09.2010 (Pº 267/06.0TBVCD.P1.S1), in www.dgsi.pt.
23. Cfr. a propósito da natureza acentuadamente mista da indemnização, no caso dos danos não patrimoniais, A. Varela, ob. cit., 502.