Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4930/16.0T8BRG.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
REJEIÇÃO
REMUNERAÇÃO
TRABALHO NOCTURNO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC (artº 640º, nº 1, alª b) do CPC), pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

2- Por isso devem ser especificados não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada.

3- A impugnação da decisão em matéria de facto “( ... ) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.

4- Nos termos dos artºs 64º, 65º e 72º do CPT a prova a produzir deve ser em torno de factos concretos e não sobre grandes categorias caraterizadoras de factos, reconduzindo a diversas condutas, cenários, ocorrências e eventos, sob pena de condicionar a legítima actuação das partes e a descoberta da verdade material.

5- Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, segundo o artº 640º, nº 1, alª b), do CPC impõe-se que a concretização aí prevista seja feita relativamente a cada um dos factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.

6- É de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por violação do disposto no artº 640º nºs 1, alª b), e 2, alª a), do CPC quando não se particulariza para cada matéria visada a prova testemunhal que se indica e não se mencionam com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos alegadamente valorados de forma errada.

7- A prestação que passou a ser paga a título de compensação aos trabalhadores que prestavam trabalho em período diário que deixou ser considerado por lei ou por IRC de trabalho nocturno não tem natureza remuneratória.

8- Inexiste descriminação salarial se essa prestação é paga apenas aos trabalhadores que então prestavam funções em turno abrangendo esse período.

9- Inexiste exercício abusivo de direito sem a especificação de factualidade que possibilite a expressão do grau de frustração de expectativas devido à conduta de quem exerce esse direito.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Maria intentou acção com processo comum contra BC MULTIMÉDIA – PORTUGAL, Sa.

Pediu:

a) Decretado - e a Ré condenada a reconhecer - que a alteração do horário de trabalho da Autora efectuado pela Ré e descrita no artº 9º supra, lhe confere o direito a auferir a importância retributiva designada de “complemento da cláusula 3ª CT/2006”.
b) ser, em consequência do ponto a) supra, a Ré condenada a pagar à Autora, a importância designada de “complemento da cláusula 3ª CT/2006”, desde 14/01/2013 no valor mensal de € 89,23, e que, na presente data, ascende a € 4.818,42.
c) A Ré igualmente condenada a reconhecer à Autora o direito a auferir por esta, a importância de € 89,23 actualizável nos mesmos termos que sucede com os demais colegas.
d) Ser a Ré condenada a pagar à Autora a importância de € 2.500,00 a título de indemnização por danos morais, reclamada no artigo 32º supra.
e) a Ré condenada a pagar à Autora e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 1.000,00 (mil euros), por cada dia de atraso no cumprimento das obrigações que lhe foram impostas por via da sentença que vier a ser proferida e a partir da data em que a mesma puder ser executada.
f) ser a Ré condenada no pagamento dos juros vencidos e vincendas, à taxa legal em vigor, desde a constituição em mora até efectivo e integral pagamento.”.

Alegou, em súmula: trabalha para a R com as funções de operadora especializada 1ª e associada do SITE – Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Transformadoras, Energia e Actividades do Ambiente do Norte; o contrato tem sido alterado quanto ao horário de trabalho; por carta de 11.12.2012 a R comunicou que a partir de 14.01.2013 passaria a cumprir o horário de trabalho correspondente ao 2º turno fixo, ou seja, das 14h00 às 23h00 de 2ª a 6ª feira; todos os trabalhadores que se encontram nesse turno recebem 89,23€ mensais pelo trabalho nocturno prestado entre as 20h00 e as 22h00 prevista na clsª do CCTV 2006, mas tal quantia nunca lhe foi paga; tem direito desde a data 14.01.2013 a receber essa importância; e a situação de incumprimento contratual causou-lhe danos não patrimoniais.

A R contestou, alegando, em síntese: a citada quantia de 89,23€ só é devida aos trabalhadores que em 22.04.2009 (data da publicação do aviso de caducidade do CCT de 1977, aplicável à A e aos trabalhadores filiados no Sindicato da A/SITE NORTE, que previa o pagamento de horas nocturnas a partir das 20h00), trabalhavam em horários que incluíam o período das 20h00 às 22h00; o CCTV 2006/ANIMME invocado pela A não é aplicável aos trabalhadores que, como a A, são filiados no Sindicato SITE NORTE, uma vez que a respectiva Portaria de Extensão exclui expressamente do seu âmbito de aplicação a esses trabalhadores; e o referido CCTV 2006/ANIMME é aplicável aos trabalhadores não sindicalizados e aos trabalhadores filiados nos Sindicatos subscritores desse CCT.
A A respondeu mantendo a sua posição inicial, referindo ainda a inconstitucionalidade do entendimento da R e a sua actuação no exercício abusivo do direito.
Elaborado saneador, sem se enunciarem o objecto do litígio e os temas de prova, nomeadamente, realizou-se audiência e proferiu-se sentença absolvendo-se a R dos pedidos.

A A recorreu e concluiu:

A) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos supra identificados que o Recorrente interpôs contra a BC MULTIMEDIA PORTUGAL, SA, a qual julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Recorrida dos pedidos.
B) Afigura-se que, salvo devido respeito, a sentença recorrida ao decidir, como decidiu, não fez correcta apreciação da prova produzida, nos aspectos que oportunamente se referirão, como não foram correctamente e aplicados os preceitos legais, como infra se demonstrará.
C) Como decorre dos autos, a Autora - Recorrente intentou contra a Recorrida a presente acção, na qual formula os seguintes pedidos:
(…).
D) Em suma a pretensão da Recorrente prende-se com o facto de lhe ter sido alterado o horário de trabalho do 1º para o 2º turno e não obstante exercer as mesmas funções de vários trabalhadores do 2º turno não auferir a parcela retributiva denominada pela Recorrida por “Compl. Cl.ª 3ª CCTV 2006” que é, como sempre foi, paga aos demais trabalhadores do 2º turno sem qualquer critério subjacente.
E) Na Contestação a Recorrida limita-se a alegar que “o pagamento resulta de uma norma (transitória) inserta num CCT, do qual a A. – enquanto filiada no SITE NORTE - se encontra legalmente excluída, quer porque, ainda que assim não fosse, a A. não reunia nenhuma das condições previstas na referida clausula transitória, para efeitos do pagamento de trabalho nocturno entre o período das 20h00 e as 22h00”, pois este só terá sido alegadamente atribuído a quem se encontrava a laborar no 2º turno em 2009;
F) Para julgar como julgou, o tribunal entendeu que a referida quantia paga aos trabalhadores do 2º turno não tinha carácter retributivo e que se refere a um regime transitório que foi estabelecido para acautelar a continuação do pagamento do trabalho nocturno nos moldes anteriores, evitando uma redução do pagamento que os trabalhadores recebiam e que, por esse motivo, não existe um tratamento discriminatório.
G) Conforme resulta da douta sentença recorrida, o tribunal a quo considerou, assim, provados os seguintes factos:
(…)
I) Decorre, ainda, da douta sentença recorrida que resultaram NÃO PROVADOS, por expressamente transcritos ou porque não constam dos factos provados, os seguintes factos alegados na petição inicial:

- Com efeito, sempre por acordo individual entre a Ré e a Autora, ficou estabelecido o seguinte horário de trabalho que esta sempre cumpriu:

a) Horário 1º turno
Das 06h00 às 11h00
Das 11h30 às 14h30
De 2ª a 6ª feira. - art. 8º
- Acontece que, por carta datada de 11/12/2012, e entregue em mão à Autora, a Ré comunicou a esta que a partir do dia 14/01/2013, passaria, como passou, a cumprir o horário de trabalho correspondente ao 2º turno fixo, ou seja, das 14h00 às 23h00 de 2ª a 6ª feira. (cfr. doc 3) - art. 9º
- Todos os trabalhadores que se encontram no referido 2º turno recebem a importância de € 89,23 pelo trabalho nocturno prestado pela Autora entre as 20h00 e as 22h00 prevista na 3ª cláusula do CCTV 2006, tal como a própria Ré faz constar nos recibos de vencimento das demais trabalhadoras desse turno (cfr. doc 4 e 5) - art. 10º
- Acontece que tal quantia nunca foi paga à Autora. art. 11º
- Sucede que a referida parcela nunca foi paga à Autora desde que ela começou a praticar o horário supra referido, ou seja, desde 14 de Janeiro de 2013, mas aos restantes trabalhadores que cumprem o horário de trabalho do 2º turno, sempre foi paga de forma habitual e reiterada e, como tal, tem claramente natureza retributiva - art. 14º
- A Autora cumpre o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira e trabalha na secção de MOE 2, onde no todo ou em parte, num determinado processo produtivo, executando, manualmente ou através de ferramentas, máquinas ou outros equipamentos, trabalhos pouco complexos, traduzidos geralmente em operações num número limitado e frequentemente rotineiras, identifica e assinala, visual ou electronicamente, deficiências em produtos e materiais a partir de critérios pré-definidos, abastece as máquinas e coloca as ferramentas adequadas nos equipamentos que utiliza, podendo proceder a afinações e manutenções simples dos mesmos, procede à embalagem dos produtos, dentro ou fora das linhas de montagem, pode realizar dentro ou fora dos limites de montagem, trabalhos de recuperação, afinação ou carimbagem de componentes, peças ou equipamentos, utilizando para o efeito, ferramentas ou outros equipamentos adequado. Com a experiência profissional adquirida através de treino permite a estas profissionais, compreender instruções elementares e precisas, verbais ou escritas e ou esquemas simples, fichas de trabalho, etc, executar trabalhos de tolerâncias longas ou rotineiras de ciclos curtos, executar medidas simples ou contagens dentro de limites que previamente lhes são indicados - art. 15º
- Tais funções são exactamente as mesmas que são exercidas por outros trabalhadores, que sempre auferiram, além das parcelas retributivas auferidas pela Autora, a importância mensal de € 89,23, a título meramente exemplificativo, se identificam os seguintes:

- Joaquina – a cumprir o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira, exerce as funções na secção de MOE 2 na qual exerce as mesmas funções descritas no artº 15º supra, as quais se dão por integralmente reproduzidas, e aufere, mensalmente a referida importância de € 89,23;
-MC - a cumprir o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira, exerce as funções na secção de MOE 2 na qual exerce as mesmas funções descritas no artº 15º supra, as quais se dão por integralmente reproduzidas, e aufere, mensalmente a referida importância de € 85,74; - art. 17º
- Sucede que a atribuição do referido subsídio não está dependente de qualquer critério, nomeadamente, antiguidade, assiduidade ou produtividade do trabalhador, à excepção do facto de prestar serviço no referido 2º turno - art. 19º
- Esses trabalhadores exercem as suas funções, com igual qualidade e quantidade que a Autora, tal como se comprova, aliás, pelas próprias avaliações efectuadas pela empregadora - art. 21º
- A autora foi humilhada e envergonhada perante os restantes trabalhadores da ré. – art. 29º
J) Desde logo, como supra se adiantou, a contestação da Recorrida não impugna a factualidade invocada na petição inicial, nomeadamente a vertida no ponto 18 supra, limitando-se a procurar justificar (de forma infundada) o tratamento salarial discriminatório.
K) Desta forma, a Recorrida não tomou uma posição definida perante os factos articulados pela Recorrente, mais precisamente no que concerne à igualdade do exercício de funções entre os trabalhadores em causa, pelo que, não obstante a impugnação genérica efectuada nos art.ºs 1º e 34º, o certo é que a ré, não cumpre o ónus de impugnação especificada – o que nem podia, atendendo à veracidade dos factos - ao contestar – ou seja, não toma uma posição definida perante os factos articulados na petição quanto à igualdade do trabalho, pelo que vale como confissão, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 572 b) e c) e 574º, n.º 1 e 2 do CPC, tal como entendeu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 14-12-2004, como número de processo 04A4044, acessível no site www.dgsi.pt.
L) Sem prejuízo da falta impugnação da Recorrida, sempre se dirá que foi abundante a prova testemunhal e documental produzida a sustentar o alegado pela Recorrente, tal como se passa a demonstrar:
M) Desde logo, no que concerne à matéria vertida nos artigos 8º e 9º da petição inicial, foi produzida prova bastante que tornou indubitável que a Autora estava prestar serviço no 1º turno e foi por imposição da Ré que esta passou a prestar serviço no 2º turno pelo que a factualidade vertida nos artigos supra referidos deveria ter ido considerada provada.
N) Com efeito, tal factualidade encontra-se sustentada no depoimento das testemunhas Rosa -Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 15:13:26 a 15:54:50 min 00:02:28 a 02:02:59, ANA -Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 16:04:07 a 16:25:31- min: 00:02:42 a 00:03:33 e MP - Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 16:25:32 a 16:54:09- min 00:01:20: a 00:01:58, que foram peremptórios ao firmar que a Autora mudou do 1º para o 2º turno por imposição da Recorrida.
O) Ora, além depoimentos supra transcritos, tal factualidade está provada pelo documento nº 3 junto com a petição no qual a Ré transmite à Autora a alteração do seu horário de trabalho, que, aliás, não foi impugnado pela Ré, aceitando, assim, a factualidade alegada pela Autora.
P) Assim, os artigos 8º e 9º da petição inicial da Autora devem constar dos factos provados da sentença ora recorrida.
Q) Do mesmo modo, o tribunal não considerou provado que os demais trabalhadores do 2º turno recebem a referida parcela retributiva e a Autora não recebe, tal como foi alegado nos artigos 10º, 11º e 14º da petição inicial.
R) Acontece que tal factualidade foi devidamente provada pelos depoimentos das testemunhas Rosa Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 15:13:26 a 15:54:50 min 00:03:07 a 00:04:40 e Ana Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 16:04:07 a 16:25:31- min: 00:03:50 a 00:05:13, que de forma descomprometida, assertiva e indubitável afirmaram que à Autora não era paga a referida parcela retributiva não obstante os demais trabalhadores do 2º turno a receberem, pelo que devem tais artigos contar da matéria dada como provada.
S) Mais acresce que a douta sentença recorrida não considerou provada a factualidade vertida nos artigos 15º e 17º da petição, que se reportam ao horários e funções exercidos pela Autora e a sua comparação com outros trabalhadores, entre os quais, as trabalhadoras Joaquina e MC que exercem o mesmo horário e funções e auferem a parcela retributiva discutida nos autos.
T) Sucede que foram prestados nos autos depoimentos que sustentam o alegado nos referidos artigos 15º e 17º da petição inicial, nomeadamente pelas testemunhas Rosa - Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 15:13:26 a 15:54:50 min 00:06:16 a 00:09:50, Ana, Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 16:04:07 a 16:25:31- min: 00:07:29 a 00:11:22, MP Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 16:25:32 a 16:54:09 - min: 00:04:07 a 00:28:08, MM Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 16:54:10 a 17:03:25- min: 00:02:14 a 00:05:07 e MC - Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 17:03:26 a 17:06:52- min: 00:00:14 a 00:00:42.
U) Além da prova testemunhal supra reproduzida, foi junta aos autos pela Autora prova documental – recibos de vencimento – que demonstram que as referidas trabalhadoras auferem a parcela retributiva “Comp. Clª 3ª CCT 2006” e que à trabalhadora não era paga: documentos nº 2, 4 e 5 juntos com a petição inicial com Ref.ª 24055966, em 10/11/2016.
V) É, assim, indubitável que os artigos 15º e 17º da petição inicial devem ser considerados provados.
W) Decidiu, ainda, o tribunal a quo não integrar nos factos provados os artigos 19º e 21º da petição inicial nos quais a Autora, ora Recorrente, alega que:

Sucede que a atribuição do referido subsídio não está dependente de qualquer critério, nomeadamente, antiguidade, assiduidade ou produtividade do trabalhador, à excepção do facto de prestar serviço no referido 2º turno - art. 19º
- Esses trabalhadores exercem as suas funções, com igual qualidade e quantidade que a Autora, tal como se comprova, aliás, pelas próprias avaliações efectuadas pela empregadora - art. 21º
X) Acontece que o depoimento das testemunhas Rosa - Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 15:13:26 a 15:54:50 min 00:04:38 a 00:38:20, Ana, Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 16:04:07 a 16:25:31- min: 00:04:45 a 00:06:05 e MC - Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 17:03:26 a 17:06:52 - min: 00:00:44 a 00:01:56, comprovam que a denominada “Comp. Clª 3ª CCT2006” sempre foi pago de forma habitual e reiterada – subsumindo-se, assim, no conceito de retribuição prevista no artigo 258º do Código do Trabalho - e não está dependente de nenhum dos critérios enunciados no artigo 19º da petição inicial ou qualquer outro e que a autora tenha um desempenho inferior aos demais trabalhadores, pelo que devem tais artigos serem considerados provados.
Y) Por fim, na douta sentença recorrida, o tribunal a quo considerou não provado que “a autora foi humilhada e envergonhada perante os restantes trabalhadores da ré”, desconsiderando, assim, o alegado pela autora no artigo 29º da petição inicial.
Z) Acontece que do depoimento das testemunhas Rosa - Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 15:13:26 a 15:54:50 min 00:11:56 a 00:12:43 e MP Acta de audiência de julgamento, de 02/05/2017, VIDE CD Passagem 16:25:32 a 16:54:09- min: 00:07:43 a 00:08:26, que a Autora se sentiu como sente revoltada, envergonhada, humilhada e discriminada com a conduta da Ré, o que naturalmente a transtorna e afecta psicologicamente, pelo que é manifesto que os artigo 28º e 29º da petição inicial que constam da matéria de facto não provada da douta sentença - devem ser dados integralmente como provados.
AA) Por outro lado, entende o Recorrente que os pontos 10, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21 e 22 transcritos na alínea G) supra e que respeitam a uma alegada aplicabilidade de Contratos Colectivos aos trabalhadores da Ré que alegadamente justifica um “critério” de atribuição da referida parcela retributiva aos trabalhadores, que, como já se demonstrou e se voltará a realçar, não existia, não poderiam ter sido considerados provados.
BB) Desde logo, não obstante a apreciação da matéria de facto e da discussão da alegada aplicabilidade de Contratos Colectivos de Trabalho, esclareça-se, desde já, que a Autora não reclama uma parcela retributiva emergente da aplicabilidade de algum Contrato Colectivo de Trabalho à sua relação laboral com a Ré, mas sim a atribuição de uma parcela remuneratória que é atribuída pela Ré aos demais trabalhadores do seu turno e cuja conduta da ré de não pagamento à Autora traduz-se numa manifesta e gritante discriminação salarial e violação do princípio constitucional “trabalho igual, salário igual”.
CC) Acontece que, conforme resulta dos autos, em desespero de causa, a ré chama à colação uma Convenção Colectiva que nem sequer é invocada pela Autora e que foi considerada pelo tribunal a quo.
DD) Como é óbvio, é manifesta a ausência de razão da ré, sendo que os documentos juntos nem sequer têm a virtualidade de sustentar o que se encontra alegado na contestação no que concerne aos contratos colectivos invocados, como já se referiu.
EE) Mais ainda, refira-se que as trabalhadoras que servem de comparação com a autora, mais precisamente a Joaquina e MC (cfr. art.º 13º, 17º e 18º da pi), tal como a autora, também são associadas do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Transformadora, Energia e Actividades do Ambiente do Norte (SITE NORTE), desde, pelo menos, 1/01/2009 e que esse facto sempre foi, aliás, do conhecimento da ré, cujas quotizações pagas por transferência bancária, tal como se comprova pelas declarações juntas com a resposta à Contestação, as quais se dão por integralmente reproduzida, e sempre lhes foi paga a importância que nestes autos se reclama, no valor mensal de € 89,23 e que a ré designa de “complemento da cláusula 3ª CT/2006”.
FF) A Recorrida pretende fazer crer, para justificar a discriminação salarial, que no estabelecimento fabril da autora, os restantes colegas de trabalho que não se encontram filiados no SITE e que auferem determinadas regalias, salários superiores, são justificáveis pela aplicação de uma alegada nova Convenção Colectiva!, o que não é de todo verdade.
GG) Refira-se, a este respeito, que a Recorrente cumpre, como sempre cumpriu desde a data em que foi admitida, exactamente as mesmas obrigações e deveres que todos os trabalhadores do estabelecimento fabril de Braga da ré e que não se encontram filiados no SITE, prestando naturalmente um trabalho igual.
HH) Sem prescindir, tais factos, como se disse, nunca poderiam ter sido considerados provados.
II) A testemunha António, demonstrou claramente não estar inteirado do objecto discutido nos autos, afirmando diversas vezes ao longo do depoimento que não sabia responder e que era melhor perguntar às outras testemunhas da ré.
JJ) A testemunha João quando inquirido nem tão pouco soube responder por que motivo a parcela retributiva se denomina “Comp. Da clª 3ª CCT 2006” - Acta de audiência de julgamento, de 02/06/2017, VIDE CD Passagem 10:35:26 a 11:09:32- min 00:07:50 e ss – nem porque motivo faz referência ao CCT 2006 se afirmou que a parcela era atribuída na sequência do CCT de 77 - Acta de audiência de julgamento, de 02/06/2017, VIDE CD Passagem 10:35:26 a 11:09:32- min 00:07:50.
KK) Por outro lado, a testemunha Cristina, não sabia, desde logo, o horário da Autora - Acta de audiência de julgamento, de 02/06/2017, VIDE CD Passagem 11:09:32 a 11:30:26- min 00:01:20 e ss e, não obstante ter reproduzido fielmente o teor da contestação da Ré, nomeadamente quanto à aplicação dos dois Contratos Colectivos de Trabalho aos trabalhadores da Ré e à alegada alteração dos mesmos, não soube sequer esclarecer quem são os Outorgantes dos CCT referidos e se eram coincidentes em ambos - Acta de audiência de julgamento, de 02/06/2017, VIDE CD Passagem 11:09:32 a 11:30:26- min 00:14:31 a 00:15:38.
LL) Ora, é manifestamente evidente que o depoimento das testemunhas da Ré estava manifestamente condicionado pelo que havia sido alegado pela Ré e foi prestado de forma incoerente e desprovida de qualquer credibilidade.
MM) Por outro lado, além da insuficiência da prova testemunhal, a Ré não apresentou nenhuma prova documental que sustente e prove:

- que a Ré aplicava aos seus trabalhadores o CCT de 1977;
- que a Ré tenha passado a aplicar o CCT 2006;
- a dupla filiação da Ré e dos seus trabalhadores;
- quais os trabalhadores sindicalizados e os não sindicalizados;
- que o pagamento da referida parcela retributiva denominada “Comp. Da clª 3ª CCT 2006” se tenha iniciado apenas em 2009.
NN) Assim, os pontos 10, 11, 12, 13, 14, 15, 18, 19, 20, 21 e 22 dados como provados na sentença recorrida têm que ser considerados não provados.
OO) Na sequência da reapreciação da prova gravada e das alterações à decisão da matéria assente e provada, a mesma deve ficar da seguinte forma:

1. A ré dedica-se ao fabrico e comercialização de auto-rádios e material eléctrico e electrónico, explorando uma unidade fabril situada no local da sua sede;
2. A autora foi admitida ao serviço da ré, como sua trabalhadora, no dia 11 de Março de 1980;
3. Actualmente, a autora tem a categoria profissional de operadora especializada;
4. A autora exercia funções no 1º Turno;
5. Este turno era das 6.00 horas às 11.00 horas e das 11.30 horas às 14.30 horas;
6. A partir do dia 14 de Janeiro de 2013, a autora passou a exercer funções no 2º Turno;
7. Este turno era das 14.30 horas às 23.00 horas;
8. A partir do ano de 2015, a autora voltou a exercer funções no 1º Turno;
9. A autora apenas exerceu funções no 2º Turno entre o dia 14 de Janeiro de 2013 e o ano de 2015;
10.Sempre por acordo individual entre a Ré e a Autora, ficou estabelecido o seguinte horário de trabalho que esta sempre cumpriu:
a) Horário 1º turno
Das 06h00 às 11h00
Das 11h30 às 14h30
De 2ª a 6ª feira.
11. Acontece que, por carta datada de 11/12/2012, e entregue em mão à Autora, a Ré comunicou a esta que a partir do dia 14/01/2013, passaria, como passou, a cumprir o horário de trabalho correspondente ao 2º turno fixo, ou seja, das 14h00 às 23h00 de 2ª a 6ª feira.
12. Todos os trabalhadores que se encontram no referido 2º turno recebem a importância de € 89,23 pelo trabalho nocturno prestado pela Autora entre as 20h00 e as 22h00 prevista na 3ª cláusula do CCTV 2006, tal como a própria Ré faz constar nos recibos de vencimento das demais trabalhadoras desse turno.
13. Acontece que tal quantia nunca foi paga à Autora.
14. Sucede que a referida parcela nunca foi paga à Autora desde que ela começou a praticar o horário supra referido, ou seja, desde 14 de Janeiro de 2013, mas aos restantes trabalhadores que cumprem o horário de trabalho do 2º turno, sempre foi paga de forma habitual e reiterada e, como tal, tem claramente natureza retributiva.
15. A Autora cumpre o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira e trabalha na secção de MOE 2, onde no todo ou em parte, num determinado processo produtivo, executando, manualmente ou através de ferramentas, máquinas ou outros equipamentos, trabalhos pouco complexos, traduzidos geralmente em operações num número limitado e frequentemente rotineiras, identifica e assinala, visual ou electronicamente, deficiências em produtos e materiais a partir de critérios pré-definidos, abastece as máquinas e coloca as ferramentas adequadas nos equipamentos que utiliza, podendo proceder a afinações e manutenções simples dos mesmos, procede à embalagem dos produtos, dentro ou fora das linhas de montagem, pode realizar dentro ou fora dos limites de montagem, trabalhos de recuperação, afinação ou carimbagem de componentes, peças ou equipamentos, utilizando para o efeito, ferramentas ou outros equipamentos adequado. Com a experiência profissional adquirida através de treino permite a estas profissionais, compreender instruções elementares e precisas, verbais ou escritas e ou esquemas simples, fichas de trabalho, etc, executar trabalhos de tolerâncias longas ou rotineiras de ciclos curtos, executar medidas simples ou contagens dentro de limites que previamente lhes são indicados.
16. Tais funções são exactamente as mesmas que são exercidas por outros trabalhadores, que sempre auferiram, além das parcelas retributivas auferidas pela Autora, a importância mensal de € 89,23, a título meramente exemplificativo, se identificam os seguintes:

- Joaquina – a cumprir o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira, exerce as funções na secção de MOE 2 na qual exerce as mesmas funções descritas no artº 15º supra, as quais se dão por integralmente reproduzidas, e aufere, mensalmente a referida importância de € 89,23;
-MC - a cumprir o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira, exerce as funções na secção de MOE 2 na qual exerce as mesmas funções descritas no artº 15º supra, as quais se dão por integralmente reproduzidas, e aufere, mensalmente a referida importância de € 85,74;
17. Sucede que a atribuição do referido subsídio não está dependente de qualquer critério, nomeadamente, antiguidade, assiduidade ou produtividade do trabalhador, à excepção do facto de prestar serviço no referido 2º turno.
18. Esses trabalhadores exercem as suas funções, com igual qualidade e quantidade que a Autora, tal como se comprova, aliás, pelas próprias avaliações efectuadas pela empregadora.
19. O trabalho prestado entre as 20.00 horas e as 22.00 horas deixou de ser considerado trabalho nocturno e de ser pago com o acréscimo correspondente;
20. Esta alteração prejudicava os trabalhadores da ré que exerciam funções no 2º Turno.
21. As trabalhadoras Joaquina e MC exerciam funções no 2º Turno no dia 22 de Abril de 2009;
22. A autora foi humilhada e envergonhada perante os restantes trabalhadores da ré.
PP) Naturalmente que a alteração da matéria assente impõe necessariamente consequências jurídicas diversas da sentença recorrida, sendo que o seu principal efeito é considerar a ilegal e não justificada a conduta da Recorrida na prática da discriminação salarial que operou na Recorrente em relação aos demais colegas do 2º turno com trabalho igual, em clara violação dos artigos art.ºs 23º, 25º e 270º do CT e dos artigos 13º, 17º, 18º, 53º e 59º da Constituição da República Portuguesa;
QQ) Mais, com tal actuação, a ré beneficia, na prática, uns trabalhadores em detrimento de outros, sendo que para além de terem o mesmo trabalho e cumprirem o mesmo horário de trabalho, são todos associados do SITE, agindo, deliberadamente em claro abuso de direito, nos termos do art.º 334º do Código Civil, uma vez que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito que pretende fazer valer, o que implica sempre a procedência da acção.
RR) Assim, em consequência de qualquer uma das situações supra expostas, a Recorrente tem o direito de exigir da Recorrida o pagamento da parcela retributiva denominada pela Recorrida nos recibos de vencimentos como “Comp. Clª 3ª CCT2006” na importância mensal de € 89,23 durante o período que laborou no 2ª turno.
SS) Tem, ainda, o Recorrente, o direito a exigir da Recorrida a Indemnização pelos danos morais causados pela conduta ilícita desta, em quantia não inferior a € 2.500,00.
TT) Tem, ainda, a Recorrente o direito de exigir da ré os juros vencidos e vincendos sobre as importâncias devidas, calculados à taxa legal de 4% até efectivo e integral pagamento.
UU) Por último, deve, ainda, a Recorrida ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória que visa a dupla finalidade de moralidade e eficácia, pois com ela se reforça a relevância dos tribunais e o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça (cfr. nº5 do preambulo do DL 262/83 e 16/06, que introduziu no Código Civil aquela medida inovadora que, atendendo ao elevado poder financeiro da Recorrida não deve ser fixada em quantia inferior a € 1.000,00 por dia.
VV) Ao decidir, como decidiu, julgando totalmente improcedente a acção instaurada pelo Recorrente contra a Recorrida e absolvendo esta dos pedidos formulados, o tribunal a quo não apreciou concretamente a prova produzida, nem interpretou e aplicou devidamente as normas legais atinentes, violando, assim os artº. 572º, al. b) e c) e art.º 574, nº 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, artigos 23º, 25º, 258º, nºs 1, 2 e 3, 270º e 496º e 497º do Código do Trabalho, art. 13º, 17º, 18º, 53º e 59º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 334º e 829º-A do Código Civil.”.
Termina, referindo: “deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, ser revogada a … sentença recorrida, e julgada a acção provada e procedente e, consequentemente, a Recorrida condenada nos pedidos”.

A R contra-alegou.

Concluiu:
“(…)
3. Quanto ao alegado erro na apreciação da prova, e sem prejuízo de não assistir qualquer razão à autora/recorrente sobre este fundamento em concreto, importa desde logo sublinhar que os factos alegados na PI que a autora/recorrente entende que deveriam ter sido dados como provados (artigos 8º, 9º, 10º, 11º, 14º, 15º, 17º, 19º, 20º, 21º e 22º da PI) são TOTALMENTE IRRELEVANTES para a apreciação/julgamento da matéria sub judice e sobretudo para a boa decisão da causa.
4. Afirma a autora/recorrente que o Tribunal a quo deveria ter dado como provada a matéria alegada nos artigos 8º e 9º da PI, quando na verdade os factos ali alegados com relevo para a decisão foram devidamente dados como provados sob os pontos 4., 6. e 7. dos FACTOS PROVADOS.
5. Sendo certo que o “acordo individual de horário de trabalho” (também alegado pela autora no art. 8º) jamais poderia ter sido dado como provado, desde logo por existir nos autos uma cópia do contrato de trabalho da autora (cfr. DOC. 1 junto com a contestação) que comprova a falsidade de tal facto.
6. A matéria que releva para efeitos de decisão – da alegada nos artigos 8º e 9º da PI-, foi dada como provada nos pontos 4, 5, 6, e 7 dos FACTOS PROVADOS, sendo por isso desprovidas de qualquer sentido as conclusões M) a P) e OO) do presente recurso.
7. No que respeita à matéria alegada nos artigos 10º, 11º e 14º da PI também não assiste a mínima razão à autora/recorrente, na medida em que resultou cabalmente provado – do depoimento das testemunhas, quer da ré, quer da autora – que, no 2º turno, só os trabalhadores que trabalhavam no referido horário em Abril de 2009, e que continuaram a exercer funções neste turno após essa data, é que recebem o “complemento da clausula 3 CCT/2006” – ponto 22 dos FACTOS PROVADOS.
8. O que ficou demonstrado não foi, ao contrário do que alega a autora/recorrente, que todos os trabalhadores do 2º turno recebem referido complemento, mas sim que todos os que recebem o referido complemento trabalhavam no 2º turno em Abril de 2009 e ali continuaram a trabalhar desde então – cfr. pontos 22 e 23 dos

FACTOS PROVADOS.

9. Quanto à matéria do artigo 11º da PI, e ao contrário do que afirma a autora/recorrente, o mesmo foi dado como provado pelo Tribunal a quo – cfr. ponto 24 dos FACTOS PROVADOS.
10. O mesmo se diga da matéria alegada no art. 14º da PI, também dada como provada pelo Tribunal a quo nos pontos 22. e 24. dos FACTOS PROVADOS, (excepto, evidentemente, a matéria conclusiva ali contida sobre a natureza retributiva do “complemento da clausula 3ª CCT/2006, pelas razões irrepreensivelmente expostas nas págs. 11 e ss da douta sentença recorrida).
11. São por isso totalmente inusitadas as afirmações insertas nas alíneas Q), R) e OO) das conclusões de recurso.
12. Sobre a matéria alegada do art. 15º da PI (quanto as funções exercidas pela autora/recorrente e à natureza retributiva da verba reclamada pela mesma) importa dizer que a mesma, para além de totalmente irrelevante para a matéria sub judice, conforme resulta da douta sentença recorrida (cfr. pag. 16, onde se pode ler que, no caso dos autos “Está em causa uma prestação que tem uma causa específica (…), sem qualquer relação com a actividade que desempenhavam ou a disponibilidade para o trabalho”), a mesma não resultou também de todo provada, como revela a vacuidade do depoimento das testemunhas da autora sobre essa matéria, transcrito na motivação do presente recurso.
13. Sem prejuízo, repete-se, a mesma é totalmente irrelevante para a matéria dos autos, uma vez que a verba cujo pagamento a autora/recorrente reclama não é devido em função das respectivas tarefas e/ou horário, mas tendo em conta o circunstancialismo descrito nos pontos 10. a 22 dos factos provados.
14. Quanto à matéria alegada no artigo 17º da PI com relevância para a decisão (horário de trabalho da trabalhadora ali identificada) foi devidamente dada como provada no ponto 23 dos FACTOS PROVADOS, sendo que a matéria relativa à natureza/paridade de funções totalmente irrelevante, conforme resulta da douta sentença recorrida – cfr. pag. 16.
15. Quanto à matéria alegada nos artigos 19º a 21º da P.I. (de que a atribuição do complemento da cláusula 3ª do CCT/2006 “não está dependente de qualquer critério”) jamais poderia ter sido a mesma dada como provado, conforme resulta dos pontos 18. a 24. DOS FACTOS PROVADOS, sob os quais o Tribunal a quo descreve o circunstancialismo que preside ao pagamento do “complemento da cláusula 3º CT/2006” aos trabalhadores do 2º turno (e que nada tem que ver com a natureza das funções e/ou horário dos trabalhadores que ali trabalham).
16. “A ré apenas paga a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª C//2006 aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno no dia 22 de Abril de 2009 [data da caducidade do CCT/1977 que lhes era aplicável] e que continuaram a exercer funções neste turno após essa data.” – cfr. ponto 22 dos FACTOS PROVADOS
17. Como é o caso das trabalhadoras Joaquina e MC – cfr. pontos 23 e 24 dos FACTOS PROVADOS, e não é o caso da autora/recorrente – cfr. 9 dos FACTOS PROVADOS, sendo totalmente irrelevante, o facto de a autora exercer, ou não, as mesmas funções dos trabalhadores do 2º turno (incluindo as trabalhadoras Joaquina e MC).
18. O critério/motivo que determina o facto de haver trabalhadores no 2º turno que recebem o “complemento da cláusula 3ª do CT/2006” – como é o caso das trabalhadoras identificadas nos artigos 17º e 18º da PI (Joaquina e MC), e outros que não recebem (como é o caso da autora/recorrente) resulta cabalmente provado nos autos (e nada tem que ver com as funções exercidas pelos referidos trabalhadores).
19. As trabalhadoras Joaquina e MC recebem o “complemento da Cláusula 3º CCT/2006” porque trabalhavam (e continuam a trabalhar) no 2º turno em Abril de 2009 [data da caducidade do CCT/1977 aplicável às mesmas e que previa horário nocturno a partir das 20h00], ao contrário da autora/recorrente que só foi trabalhar para o 2º turno em Janeiro de 2014 (altura em que o trabalho nocturno já era a partir das 22h00).
20. Ora se a autora/recorrente nunca trabalhou no período entre as 20h00 e as 22h00 até abril de 2009 (nunca tendo recebido portanto o acréscimo devido até Abril de 2009 pelo trabalho nocturno prestado nesse período), não há evidentemente qualquer razão para que a mesma receba o “complemento da cláusula 3ª CCT/2006”, pago apenas aos trabalhadores que trabalhavam no 2º turno em Abril de 2009, para os “compensar” da perda que sofreram quando o trabalho nocturno passou a ser pago apenas a partir das 22h00 (em resultado da caducidade da CCT/1977, da subsequente aplicação do CCT/2006 e do Código do Trabalho de 2003).
21. A situação da autora/recorrente NÃO É IGUAL à dos trabalhadores do 2º turno que recebem o “complemento da Cláusula 3ª do CCT/2006”, razão pela qual a mesma não beneficia do regime de excepção criado especificamente para esses trabalhadores, no contexto descrito nos pontos 19º a 22 dos FACTOS PROVADOS, sendo desprovida de qualquer sentido a alegação inserta nas alíneas W) e X das conclusões de recurso.
22. No que respeita ao artigo 29º da PI (danos psicológicos e físicos alegadamente sofridos pela autora/recorrente), diga-se apenas que a “revolta”, “humilhação”, “transtornos” e/ou “vergonha” que as testemunhas da autora/recorrente referem não são factos. Para que o Tribunal a quo pudesse aferir, julgar e dar como provados tais “estados de espírito” – e eventuais danos daí resultantes – a autora/recorrente teria de ter alegado e provado os factos concretos e justificativos de tais “sentimentos”. O que não fez!
23. Sendo, no mínimo, risível que a autora/recorrente, com base no depoimento vago (transcrito no ponto 36 da motivação do presente recurso) pretenda ver judicialmente reconhecido o direito de ser ressarcida, a título de danos morais, no valor de EUR 2.500,00, quando não resultam dos autos, alegados e/ou provados, factos constitutivos do direito de que se arroga, e/ou danos resultantes dos mesmos e susceptíveis de tutela jurídica. (cfr. pag. 8 da douta sentença recorrida).
24. Carecem pois de qualquer fundamento as conclusões da autora/recorrente insertas nas alíneas B), H), I), J), K), L), M), N), O), P), Q), R), S), T), U), V), W), X), Y) E OO), as quais devem por isso improceder integralmente.
25. Quanto aos factos da al. AA) das conclusões de recurso, que a autora/recorrente entende que foram indevidamente dados como provados pelo Tribunal a quo, e sempre salvo o devido respeito, importa adiantar que a autora/recorrente não tem também qualquer razão quando afirma ser vitima de discriminação salarial, designadamente pelo facto de não receber o chamado “complemento da cláusula 3º do CCT/2006” pago aos trabalhadores que, tal como a autora/recorrente, trabalham no 2º turno.
26. Não obstante, em face da prova documental e testemunhal produzida – o Tribunal a quo concluiu, fundada e inequivocamente, que “a matéria de facto provada não permite que se afirme a existência de qualquer tratamento discriminatório” (cfr. pag. 18 da douta sentença recorrida), “não existindo qualquer conduta ilícita por parte da ré” (cfr. pág 21 da douta sentença recorrida), considerando que “a opção da ré foi materialmente fundada” (cfr. pontos 10 a 20 dos FACTOS PROVADOS e pag. 20 da douta sentença recorrida).
27. Como bem sublinha a autora/recorrente na alínea EE) das suas conclusões de recurso, as trabalhadoras Joaquina e MC eram associadas do SITE NORTE (tal como a autora), e trabalhavam no 2º turno (das 14h00 às 23h00) em Abril de 2009 (ao contrário da autora) - cfr. pontos 23 e 9. dos FACTOS PROVADOS.
28. Tal significa que o CCT/1977 (que previa o trabalho nocturno a partir das 20h00) lhes foi aplicável até 22 de Abril de 2009, data da caducidade do mesmo (cfr. DOC. 4 junto com a contestação).
29. Em resultado dessa caducidade, os trabalhadores que estivessem no 2º turno nessa data (que era o caso das trabalhadoras Joaquina e MC, e não era o caso da autora/recorrente), a partir dessa data, deixariam de receber o acréscimo que até aí recebiam pelo trabalho nocturno prestado entre as 20h00 e as 22h00 (visto o Código do Trabalho em vigor e o regime do CCT/2006 aplicável aos trabalhadores da ré não sindicalizados prever trabalho nocturno apenas a partir das 22h00 (cfr. pag. 19 e 20 da douta sentença recorrida).
30. Para evitar que tal acontecesse, a ré/recorrida, em conformidade com os regimes transitórios do CCT/2006 e do CT/2003 (cfr. pag. 19 da douta sentença recorrida), a partir dessa data (Abril de 2009) decidiu manter aos trabalhadores que à data trabalhavam no 2º turno, o pagamento do acréscimo pelo trabalho prestado entre as 20h00 e as 22h00, que estes recebiam até à data, processando o respectivo valor por rubrica autónoma denominada “complemento cláusula 3ª CCT/2006”.
31. Sendo que os trabalhadores não sindicalizados (aos quais era já aplicável o CCT/2006) já beneficiavam do referido “complemento”, nos termos do regime previsto na 3ª cláusula transitória do referido CCT/2006, sendo completamente inusitado, por falso, o vertido na alínea MM) das conclusões de recurso.
32. O que resultou provado foi que, a partir de Abril de 2009, os trabalhadores do 2º turno aos quais era aplicável o CCT/1977 (filiados no SITE NORTE), como era o caso das trabalhadoras Joaquina e MC, passaram a receber o acréscimo pelo trabalho prestado entre as 20h00 e as 22h00, por rubrica autónoma denominada “complemento cláusula 3ª CCT/2006”, no contexto descrito nos pontos 10 a 22 dos FACTOS PROVADOS.
33. O que não aconteceu com a autora/recorrente pelo simples facto de a mesma em Abril de 2009 não trabalhar no 2º turno (onde passou a trabalhar apenas em Janeiro de 2014, quando o trabalho nocturno era já a partir das 22h00).
34. Essa é a única razão pela qual a autora/recorrente não recebe o aludido “complemento da cláusula 3ª CCT/2006”, e os outros trabalhadores do 2º turno (que ali trabalham em Abril de 2009 e sofreriam a “perda” de rendimento mensal resultante da caducidade do CCT/1977) o recebem.
35. Conforme concluiu, e bem, o Tribunal a quo a ”opção da ré” - de impedir que os referidos trabalhadores perdessem o acréscimo devido pelo trabalho prestado entre as 20h00 e as 22h00 (que recebiam até abril de 2009), pagando-lhes, em rubrica autónoma, o denominado “complemento da cláusula 3º CT/2006”), em consonância com os regimes transitórios previstos no Código do Trabalho e no CCT/2006 relativamente ao trabalho nocturno – não constitui nenhum tratamento discriminatório.
36. Sendo que a autora/recorrente, não se encontrando na mesma situação dos referidos trabalhadores, jamais teria de ser beneficiada pela aplicação de um regime criado especificamente para os mesmos (para impedir um prejuízo que os mesmos iriam sofrer, na decorrência da caducidade do CCT/1977), e para fazer face a uma situação que nada tem que ver com a autora/recorrente (que não trabalhava no 2º turno em Abril de 2009 e que por isso nunca recebera o acréscimo, devido até àquela data, por trabalho prestado entre as 20h00 e as 22h00.
37. Em suma, e conforme resulta da douta sentença recorrida, para além da situação da autora/recorrente não ser igual à dos trabalhadores do 2º turno que recebem o “complemento da cláusula 3ª CT/2006”, ficou igualmente provado que o facto de haver trabalhadores no 2º turno que recebem o referido complemento (os que trabalhavam no 2º turno em Abril de 2009), e outros que não recebem (os que não trabalhavam no 2º turno em Abril de 2009), não constitui “nenhum tratamento discriminatório”, considerando que a decisão da ré/recorrida (tomada no contexto descrito nos pontos 10 a 22 dos FACTOS PROVADOS) é “materialmente fundada” e inteiramente legítima. - cfr. pag. 20 e ss da douta sentença recorrida.
38. Nesse sentido veja-se o depoimento das testemunhas da própria autora/recorrente, designadamente de MP (Ficheiro áudio 20170502162532_5353176_2870519 com duração de 28m36s; 02/05/2017 das 16h25m34s às 16h54m09s) (passagens 13:06 a 13:16; 14:29 a 14:44 e 14:52 a 15:06; 22:57 a 23:26), de Rosa (Ficheiro de áudio 20170502151325_5353176_2870519 com duração de 41m23s; 02/05/2017 das 15h13m28s às 15h54m50s) - passagens 14:35 a 15:29; 15:47 a 15:58; 16:11 a 16:43; 17:17 a 17:31; de MM (Ficheiro de áudio 20170502165410_5353176_2870519 com duração de 09m14s; 02/05/2017 das 16h54m11s às 17h03m25s - passagem 08:09 a 08:21, e de Ana (Ficheiro de áudio 20170502160407_5353176_2870519 com duração de 21m24s; 02/05/2017 das 16h04m08s às 16h25m31s) - Passagem 15:30 a 15:43.
39. Donde, e ao contrário do alegado pela autora/recorrente nas alíneas M) a OO) das suas conclusões de recurso, a matéria dada como provada, e não provada, na douta sentença recorrida, resulta da prova produzida e deve por isso manter-se na íntegra, improcedendo integralmente, por infundado, o aludido fundamento do recurso (erro na apreciação da prova).
40. Da alegada errada interpretação/aplicação dos artigos 23º, 25º, 270º, 496º e 497º do Código do Trabalho; 13º, 17º, 18º, 53º e 59º da Constituição da Republica Portuguesa; 334º e 829º-A do Código Civil e artigos 572º (al. b e c) e 574º (n.º 1 e 2) do Código do Processo Civil – cfr. alíneas PP), QQ), VV) das conclusões.
41. A autora/recorrente insiste em afirmar que a conduta da ré/recorrida (de não lhe pagar o complemento da cláusula 3ª CCT/2006) é ilegal, injustificada e constitutiva de discriminação salarial (relativamente aos demais colegas do 2º turno que executam trabalho igual (cfr. alínea PP) das conclusões de recurso).
42. Ora, conforme resulta do acima exposto, e da abundante prova existente nos autos, a conduta da ré/recorrida nada tem de discriminatório ou ilegal, desde logo por não presidirem à mesma, nem os contornos, nem o plano de intenções que a autora/recorrente abusivamente alega.
43. Além disso, importa sublinhar que o “complemento da cláusula 3ª CCT/2006”, atenta a finalidade do seu pagamento, não integra o conceito de retribuição, conforme explanado na douta sentença recorrida (cfr. pag. 11 e ss).
44. Trata-se de uma prestação que visou impedir uma redução da quantia que os trabalhadores recebiam que decorria da alteração do regime da contratação colectiva e da legislação laboral relativamente ao trabalho nocturno, sem qualquer relação com a actividade que desempenhavam ou a disponibilidade para o trabalho – cfr. pág. 16 da douta sentença recorrida.
45. “A finalidade desta quantia é confirmada pela denominação adoptada pela ré, a cláusula 3ª do contrato Colectivo de Trabalho de 2006 refere-se ao regime transitório que foi estabelecido para acautelar a continuação do pagamento do trabalho nocturno nos moldes anteriores, evitando uma redução da quantia que os trabalhadores recebiam.”
46. Desta cláusula resulta, inclusivamente, que esta quantia devia ser processada por rubrica separada, o que indica que se pretendeu precisamente evitar qualquer confusão com a retribuição. Esclarecendo-se que estava em causa uma quantia autónoma para a situação específica em que determinados trabalhadores se encontravam” – cfr. pág. 16 da douta sentença recorrida e ponto 22 dos FACTOS PROVADOS.
47. Ora como muito bem afirma o Tribunal a quo “A proibição do tratamento discriminatório não impede um tratamento diferenciado entre os trabalhadores”. A este propósito, não se trata de impor uma igualdade absoluta. Aquilo que se proíbe é o arbítrio, o que se traduz num tratamento diferenciado que prejudica injustificadamente um trabalhador (cfr. pág. 17 da douta sentença recorrida).
48. Sendo admissíveis diferenças entre os trabalhadores, mesmo com as mesmas funções, desde que tenham uma justificação material (cfr. Ac. STJ 12/10/2011).
49. No caso dos autos, e atenta a matéria de facto provada, é manifesto que não se verifica qualquer conduta discriminatória, pois, e como bem salienta o Tribunal a quo, “Por um lado, a autora não está na mesma situação dos trabalhadores que recebem a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª C/”2006. Esta quantia é paga aos trabalhadores que exerciam funções no 2º turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, o que não ocorre com a autora” (cfr. pág. 18 da douta sentença recorrida e pontos 9, 21, 22 e 23 FACTOS PROVADOS.)
50. Por outro lado, o pagamento da quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 exclusivamente aos trabalhadores que exerciam funções no 2º turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 corresponde a uma opção materialmente fundada.” (cfr. pag. 18 e 19 da douta sentença recorrida e pontos 10 a 23 FACTOS PROVADOS).
51. A decisão da ré/recorrida de continuar a pagar – por rubrica autónoma – aos trabalhadores que estavam no 2º turno em Abril de 2009 o trabalho prestado entre as 20h00 e as 22h00 como trabalho nocturno (para impedir que passassem a receber uma quantia inferior, em consequência da cessação do CCT/1977), “tratou-se de uma opção que acolheu a orientação que resultava do entendimento das partes contraentes e do legislador os regimes transitórios do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e do Código do Trabalho de 2003” – cfr. pág. 18 e 19 da douta sentença recorrida.
52. A única diferença de tratamento de que a ré/recorrida pode ser acusada é a de ter decidido proteger os trabalhadores que estavam no 2º turno em Abril 2009 – tal como já havia feito o legislador no CT/2003 e os outorgantes do CCT/2006 em contexto similar, sendo que essa “protecção” nada tem de discriminatória, sobretudo em relação à situação da autora/recorrente, que não trabalhava no 2º turno em Abril de 2009 e nunca recebeu qualquer acréscimo pelo trabalho prestado entre as 20h e as 22h00 (visto só ter passado a trabalhar no referido turno em 2014, data em que só era considerado trabalho nocturno o prestado a partir das 22h00).
53. Não podem pois deixar de improceder integralmente, por infundadas, as conclusões insertas nas referidas alíneas OO) PP), QQ), RR), SS), TT), UU) e VV).
54. Em face do acima exposto, resulta à evidência que a douta sentença recorrida, ao contrário do alegado pela autora/recorrente no presente recurso não enferma de qualquer erro, quer na apreciação da prova, quer na interpretação dos artigos do Código do Trabalho, do Código do Processo Civil, do Código Civil e da Constituição da Republica Portuguesa identificados na alínea VV) das conclusões de recurso.
55. Nessa medida, terão de improceder integralmente também as conclusões do autor/recorrente constantes das alíneas SS), TT) e UU), relativas aos juros de mora (por indevidos) e sanção pecuniária compulsória (por desnecessária, e manifestamente excessiva, tendo em conta a obrigação cujo cumprimento se pretende acautelar com a fixação da mesma).”.
Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de não merecer provimento o recurso.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
As questões a apreciar revertem, sucessivamente e sem prejuízo das que se encontrem prejudicadas pelo conhecimento de outras, para a impugnação da decisão da matéria de facto, o direito ao recebimento de quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006, o exercício abusivo de direito, a interpretação em desconformidade constitucional, a indemnização por danos não patrimoniais, os juros moratórios e a sanção pecuniária compulsória.

Considerou-se assente, na sentença:

1. A ré dedica-se ao fabrico e comercialização de auto rádios e material eléctrico e electrónico, explorando uma unidade fabril situada no local da sua sede;
2. A autora foi admitida ao serviço da ré, como sua trabalhadora, no dia 11 de Março de 1980;
3. Actualmente, a autora tem a categoria profissional de operadora especializada;
4. A autora exercia funções no 1º Turno;
5. Este turno era das 6.00 horas às 11.00 horas e das 11.30 horas às 14.30 horas;
6. A partir do dia 14 de Janeiro de 2013, a autora passou a exercer funções no 2º Turno;
7. Este turno era das 14.30 horas às 23.00 horas;
8. A partir do ano de 2015, a autora voltou a exercer funções no 1º Turno;
9. A autora apenas exerceu funções no 2º Turno entre o dia 14 de Janeiro de 2013 e o ano de 2015;
10. A ré aplicava aos seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, celebrado entre Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico e o Sindicato dos Electricistas do Norte e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 26, de 15 de Julho de 1977;
11. Este contrato colectivo de trabalho estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 20.00 horas;
12. No dia 22 de Abril de 2009, por aviso publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 15, desta data, ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977;
13. A ré passou a aplicar aos seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, celebrado entre a ANIMEE - Associação Portuguesa das Empresas do Sector Eléctrico e Electrónico e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 17, de 8 de Maio de 2006;
14. Este contrato colectivo de trabalho estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 22.00 horas;
15. A substituição do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 pelo Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e a entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003 implicaram uma redução relativamente ao pagamento do trabalho nocturno;
16. O trabalho prestado entre as 20.00 horas e as 22.00 horas deixou de ser considerado trabalho nocturno e de ser pago com o acréscimo correspondente;
17. Esta alteração prejudicava os trabalhadores da ré que exerciam funções no 2º Turno;
18. Na vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, os trabalhadores da ré que exerciam funções neste turno prestavam três horas de trabalho nocturno que eram pagas com o acréscimo correspondente;
19. Com a cessação da vigência deste contrato colectivo de trabalho e a sua substituição pelo Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e com a entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, estes trabalhadores passaram a prestar somente uma hora de trabalho nocturno, o que implicava uma redução da quantia que recebiam;
20. Para impedir esta redução, a ré introduziu a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006;
21. Esta quantia destinou-se a garantir aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, o pagamento de um montante que correspondia ao valor das duas horas de trabalho nocturno que prestavam entre as 20.00 horas e as 22.00 horas e que deixaram de ser consideradas como tal, permitindo que continuassem a receber a mesma quantia;
22. A ré apenas paga a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno no dia 22 de Abril de 2009 e que continuaram a exercer funções neste turno após esta data;
23. As trabalhadoras Joaquina e MC exerciam funções no 2º Turno no dia 22 de Abril de 2009;
24. A ré nunca pagou à autora a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006.”.
Visto isto.

Da impugnação da decisão da matéria de facto

A recorrente pretende que matéria dos nºs 8 a 11, 14, 15, 17, 19 e 21 da petição inicial seja considerada provada: a recorrida não a terá impugnado na contestação, não obstante o constante nos nºs 1 e 34 desta.

A matéria do nº 8: “Com efeito, sempre por acordo individual entre a Ré e a Autora, ficou estabelecido o seguinte horário de trabalho que esta sempre cumpriu:
a) Horário 1º turno
Das 06h00 às 11h00
Das 11h30 às 14h30
De 2ª a 6ª feira.”.
Mas face ao alegado na contestação nos nºs 8 a 15, para além do fixado nos pontos 4 a 9 da sentença não censurado pela recorrente é matéria que foi devidamente impugnada. De resto, assim parece ter sido igualmente o entendimento da recorrente na resposta.
Deste modo é de indeferir a impugnação nesta vertente.

A matéria do nº 9:
“Acontece que, por carta datada de 11/12/2012, e entregue em mão à Autora, a Ré comunicou a esta que a partir do dia 14/01/2013, passaria, como passou, a cumprir o horário de trabalho correspondente ao 2º turno fixo, ou seja, das 14h00 às 23h00 de 2ª a 6ª feira. (cfr. doc 3)”.
Obviamente que face ao teor do documento aí citado e junto aos autos a recorrida não impugnou esta factualidade.
Mas o que releva para a decisão de mérito sob o ponto de vista do exercício dos poderes de direcção da recorrida é o já considerado assente na sentença nos respectivos pontos 6 e 7 (a partir do dia 14 de Janeiro de 2013, a autora passou a exercer funções no 2º turno; e, este turno era das 14.30 horas às 23.00 horas).
É de indeferir, pois, a impugnação nesta vertente.

A matéria do nº 10:
“Todos os trabalhadores que se encontram no referido 2º turno recebem a importância de € 89,23 pelo trabalho nocturno prestado pela Autora entre as 20h00 e as 22h00 prevista na 3ª cláusula do CCTV 2006, tal como a própria Ré faz constar nos recibos de vencimento das demais trabalhadoras desse turno (cfr. doc 4 e 5)”.
A recorrida rebateu-a na contestação (nºs 1, 16 a 18 e 34).
Mais uma vez só se poderá dizer que terá sido igualmente o entendimento da recorrente na resposta.
Deste modo é de indeferir a impugnação também nesta vertente.

A matéria do nº 11:
“Acontece que tal quantia nunca foi paga à Autora.”.
Esta parte da impugnação é inaceitável porquanto tal matéria corresponde ao já ficado assente no ponto 24 da sentença, não impugnado: “A ré nunca pagou à autora a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006.”.
É de indeferir, assim, a impugnação nesta vertente.

A matéria do nº 14:
“Sucede que a referida parcela nunca foi paga à Autora desde que ela começou a praticar o horário supra referido, ou seja, desde 14 de Janeiro de 2013, mas aos restantes trabalhadores que cumprem o horário de trabalho do 2º turno, sempre foi paga de forma habitual e reiterada e, como tal, tem claramente natureza retributiva”.
Neste número, inclusivamente incluem-se deduções conceptuais de direito, não admissível segundo o artº 607º, nº 4 do CPC. Só factos nos interessam.
É aqui válido o referido para a matéria dos nºs 10 e 11, pelo que de novo improcede esta perspectiva da impugnação.

A matéria do nº 15:
“A Autora cumpre o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira e trabalha na secção de MOE 2, onde no todo ou em parte, num determinado processo produtivo, executando, manualmente ou através de ferramentas, máquinas ou outros equipamentos, trabalhos pouco complexos, traduzidos geralmente em operações num número limitado e frequentemente rotineiras, identifica e assinala, visual ou electronicamente, deficiências em produtos e materiais a partir de critérios pré-definidos, abastece as máquinas e coloca as ferramentas adequadas nos equipamentos que utiliza, podendo proceder a afinações e manutenções simples dos mesmos, procede à embalagem dos produtos, dentro ou fora das linhas de montagem, pode realizar dentro ou fora dos limites de montagem, trabalhos de recuperação, afinação ou carimbagem de componentes, peças ou equipamentos, utilizando para o efeito, ferramentas ou outros equipamentos adequado. Com a experiência profissional adquirida através de treino permite a estas profissionais, compreender instruções elementares e precisas, verbais ou escritas e ou esquemas simples, fichas de trabalho, etc, executar trabalhos de tolerâncias longas ou rotineiras de ciclos curtos, executar medidas simples ou contagens dentro de limites que previamente lhes são indicados.”.
O mencionado na contestação já citado e ainda do constante nos seus nºs 33 e 34 não basta para se considerar esta matéria impugnada especificadamente.
Mas nesta oportunidade, necessariamente se deverá ter em consideração o constante nos pontos 4, 5, 8 e 9 da matéria assente da sentença que com ela concorre e não foi objecto de impugnação (a autora exercia funções no 1º Turno; este turno era das 6.00 horas às 11.00 horas e das 11.30 horas às 14.30 horas; a partir do ano de 2015, a autora voltou a exercer funções no 1º Turno; e, a autora apenas exerceu funções no 2º Turno entre o dia 14 de Janeiro de 2013 e o ano de 2015).
Com esta limitação é de deferir esta parte da impugnação pelo que é também matéria assente, o que se decide: a Autora cumpria o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira e trabalha na secção de MOE 2, onde no todo ou em parte, num determinado processo produtivo, executando, manualmente ou através de ferramentas, máquinas ou outros equipamentos, trabalhos pouco complexos, traduzidos geralmente em operações num número limitado e frequentemente rotineiras, identifica e assinala, visual ou electronicamente, deficiências em produtos e materiais a partir de critérios pré-definidos, abastece as máquinas e coloca as ferramentas adequadas nos equipamentos que utiliza, podendo proceder a afinações e manutenções simples dos mesmos, procede à embalagem dos produtos, dentro ou fora das linhas de montagem, pode realizar dentro ou fora dos limites de montagem, trabalhos de recuperação, afinação ou carimbagem de componentes, peças ou equipamentos, utilizando para o efeito, ferramentas ou outros equipamentos adequado. Com a experiência profissional adquirida através de treino permite a estas profissionais, compreender instruções elementares e precisas, verbais ou escritas e ou esquemas simples, fichas de trabalho, etc, executar trabalhos de tolerâncias longas ou rotineiras de ciclos curtos, executar medidas simples ou contagens dentro de limites que previamente lhes são indicados.

A matéria do nº 17:
Segundo a recorrente com esta redacção:
“Tais funções são exactamente as mesmas que são exercidas por outros trabalhadores, que sempre auferiram, além das parcelas retributivas auferidas pela Autora, a importância mensal de € 89,23, a título meramente exemplificativo, se identificam os seguintes:
Joaquina – a cumprir o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira, exerce as funções na secção de MOE 2 na qual exerce as mesmas funções descritas no artº 15º supra, as quais se dão por integralmente reproduzidas, e aufere, mensalmente a referida importância de € 89,23;
MC - a cumprir o horário de trabalho das 14h30 às 23h00 de 2ª a 6ª feira, exerce as funções na secção de MOE 2 na qual exerce as mesmas funções descritas no artº 15º supra, as quais se dão por integralmente reproduzidas, e aufere, mensalmente a referida importância de € 85,74;”.

Mas não.
Esta redacção corresponde aos termos conjuntos dos nºs 16 a 18 da petição inicial.
Sem prejuízo disto o que é certo, é que na contestação, como resulta já do predito, é que a recorrida impugna sobejamente esta matéria na parte em que a recorrente refere que as ditas funções sendo também exercidas por outros trabalhadores todos eles auferiam a importância de 89,23€, a título da “Comp. Cláus. 3ª CCT2006” (nºs 16 a 34 da contestação).
Por seu turno, parte desta matéria encontra-se dada como assente na sentença visto o constante nos pontos 7 e 23 da sentença (este turno era das 14.30 horas às 23.00 horas; e, as trabalhadoras Joaquina e MC exerciam funções no 2º Turno no dia 22 de Abril de 2009) que não foi impugnada.

Assim, para já, é apenas de decidir que de toda a matéria aqui equacionada foi admitida por acordo pela recorrida (nºs 32 e 33 da contestação): “tais funções são exactamente as mesmas que as exercidas por outros trabalhadores tais como Joaquina e MC que auferiam, mensalmente, a importância de 85,74€ a título da “Comp. Cláus. 3ª CCT2006”.”.
Nestes termos é parcialmente procedente a impugnação desta matéria nesta vertente.

A matéria do nº 19:
“Sucede que a atribuição do referido subsídio não está dependente de qualquer critério, nomeadamente, antiguidade, assiduidade ou produtividade do trabalhador, à excepção do facto de prestar serviço no referido 2º turno”.
Como resulta do antedito é matéria que se encontra sobejamente impugnada e daí que a impugnação não proceda de novo.

A matéria do nº 21:
“Esses trabalhadores exercem as suas funções, com igual qualidade e quantidade que a Autora, tal como se comprova, aliás, pelas próprias avaliações efectuadas pela empregadora”.
Do que dela poderia ser essencial, independentemente da posição que a recorrida tenha tomado perante a mesma, está formulada de forma conclusiva e genérica bem como é quanto aos sujeitos dos respectivos atributos imprecisa.
Sem préstimo para efeitos do disposto no artº 607º, nº 4 do CPC, de novo improcede a impugnação.

A matéria do nº 29:
“Diga-se, ainda, que a conduta da Ré provocaram a provocam na Autora claros danos psicológicos e físicos, com repercussão na sua saúde, pois sente-se humilhada e envergonhada perante os demais colegas de trabalho pelo discriminação salarial de que é alvo”.
Tendo índole pessoal o alegado nos nºs 35 a 40 da contestação nos termos do artº 574º, nº 3 do CPC tem valor impugnatório.
Pelo que ainda aqui não procede a censura da recorrente.
Para além disto a recorrente ainda pretende que toda esta matéria da petição inicial seja considerada assente em resultado de prova oral ou documental, consoante o caso.
Da matéria do nº 8 deve-se entender que o já mencionado quanto a ela com apelo ao que consta como assente nos pontos 4 a 9 da sentença, para a decisão de mérito é irrelevante saber se foi sempre, ou não por acordo expresso entre as partes o estabelecimento do horário de trabalho.
Para além disso nem os excertos de depoimentos que são transcritos no recurso contemplam essa eventual especificidade contratual.

Como se refere ainda na sentença no que à convicção do tribunal a quo respeita:

“O tribunal não considerou provado que a autora sempre acordou com a ré o seu horário de trabalho e acordou que o seu horário de trabalho correspondia ao 1º Turno porque nenhuma prova foi produzida neste sentido. Basta atentar que do contrato de trabalho que foi celebrado entre a autora e a ré consta expressamente que o horário de trabalho seria determinado por esta (cfr. fls. 36).”.
Daí que improcede novamente a impugnação.

Da matéria do nº 9, como se referiu, o que também dela se deve extrair como essencial para a decisão de mérito é bastante o já considerado assente.
Quanto ao turno a que a recorrente ficou obrigada, a carta é um acessório factual cuja utilidade no caso se esgotou directamente na análise do seu elemento literal enquanto elemento de prova.
Os trechos da prova oral transcritos pela recorrente não têm sequer virtualidade para demonstrar a existência ou não, da missiva.
Deste modo improcede a impugnação.
Da matéria do nº 10 o que está em questão é se todos os trabalhadores do 2º turno recebem o montante de 89,23€ a referido título.
Ora, auditados dos excertos dos depoimentos das testemunhas indicados pela recorrente tal não se pode intuir.
A testemunha Rosa e Ana, colegas de trabalho da recorrente, não mencionam esta circunstância de forma concludente, sendo certo que no essencial a primeira se remete muitas vezes para expressar a sua concordância com a simples termo “Sim” e também desde logo o questionário a que respondeu não era conclusivo nesse sentido (parece que há aqui outros trabalhadores que estão neste turno e que recebem uma determinada parcela retributiva que ela não recebe, sabe a que é que me estou aqui a referir?; Mas há muitos mais não é? Mas diga-me, esta compensação que era paga à autora, que era paga aos outros trabalhadores como está a referir, nomeadamente os mais antigos, estamos apenas a falar dos que eram sindicalizados no SITE, estamos a falar dos que não eram sindicalizados, estamos a falar de todos os trabalhadores independentemente da filiação sindical?).
De todo o modo a segundo não deixa de delimitar o universo dos recebedores (Sim, porque são muitos, os mais antigos todos recebem).
Deste modo é de indeferir a impugnação também nesta vertente.

Da matéria do nº 11 nada mais haverá a decidir face ao acima mencionado, pelo que improcede a impugnação.

Da matéria do nº 14 igualmente nada mais haverá a decidir; não só face ao antedito no que lhe respeita como ao ora decidido sobre a matéria dos nºs 10 e 11, inclusivamente considerando a prova oral que se relacionou na impugnação, pelo que vai assim indeferida a impugnação.
Da matéria do nº 15 face ao decidido nada mais há a determinar.

Da matéria do que consta como do nº 17, mas antes, como se explicou, dos nºs 16 a 18 da petição inicial, na linha do que se alegou no nº 10 do mesmo articulado o que se encontra ainda por decidir é se efectivamente todos os trabalhadores que executavam no 2º turno as tarefas mencionadas no nº 15 da petição inicial auferiam a importância de 89,23€, a título da “Comp. Cláus. 3ª CCT2006”.
Mais uma vez dos trechos da prova oral transcritos pela recorrente, ou seja respeitantes aos depoimentos das citadas testemunhas e ainda das testemunhas MP, MM e MC, também colegas de trabalho da recorrente, a segunda referida no nº 18 da petição inicial, não se poderá dar tal como adquirido.
Do depoimento de qualquer uma delas apenas se alcança um universo de trabalhadores aquém da totalidade dos que trabalhavam no 2º turno, nomeadamente com as funções da recorrente.

Paradigmático é esta parte do excerto do depoimento da segunda testemunha:

“E se estiver no segundo turno e se em 2009 trabalhava no segundo turno continua a receber esta compensação? Sim.”.
E a prova documental que se invoca (recibos de vencimento, documentos nºs 2, 4 e 5 juntos com a petição inicial com refª 24055966, em 10/11/2016), por si e ainda que conjugada com esta prova testemunhal nada mais acrescenta à temática em discussão.
Daí, no mais, a impugnação também improcede.
Da matéria do nº 19 indicaram-se trechos de depoimentos das citadas testemunhas Rosa, Ana e MC.
Nestes, ou formulando-se opiniões sobre a falta de motivo na atribuição da prestação a uns ou respondendo-se de forma sintética, nada resulta para se concluir pela simples falta de critério para tal procedimento ou subjacente motivação.
Ao invés, foi até aventado critério baseado no tempo de serviço, com maior premência pela segunda testemunha: distinguiram-se os trabalhadores com maior antiguidade como sendo aqueles que receberiam a prestação, o que de certo modo encontra-se em linha com o alegado pela recorrida.
Sendo certo que sobre esta matéria o tribunal a quo necessariamente discerniu e tê-lo-á feito baseado na prova arrolada pela recorrida, na verdade também a recorrente aqui não valoriza a prova que invocou em detrimento daquela prova.

Com efeito, refere-se na fundamentação da convicção do tribunal a quo:

“Os motivos que levaram a que fosse introduzida esta quantia foram esclarecidos pelas testemunhas indicadas pela ré, as quais confirmaram integralmente a matéria de facto considerada provada. Estas testemunhas afirmaram que a ré aplicava aos seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, celebrado entre Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico e o Sindicato dos Electricistas do Norte e outros. Este contrato colectivo de trabalho estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 20.00 horas. No dia 22 de Abril de 2009, ocorreu a cessação da vigência deste contrato colectivo. Após esta cessação, a ré passou a aplicar aos seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, celebrado entre a ANIMEE - Associação Portuguesa das Empresas do Sector Eléctrico e Electrónico e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros. Este contrato colectivo de trabalho estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 22.00 horas. Entretanto, havia entrado em vigor o Código do Trabalho de 2003 que tinha passado a estabelecer o pagamento do trabalho nocturno igualmente a partir das 22.00 horas. A conjugação destas alterações levava a que os trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno passassem a receber uma quantia inferior. Esta redução ocorria com todos os trabalhadores, independentemente da sua filiação sindical. Para os trabalhadores filiados nos sindicados subscritores do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, a redução decorria deste contrato colectivo. Para os trabalhadores que não eram filiados nos sindicatos subscritores do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, a redução decorria do Código de Trabalho de 2003. Em qualquer caso, o trabalho prestado entre as 20.00 horas e as 22.00 horas deixava de ser considerado trabalho nocturno e de ser pago com o acréscimo correspondente. Para impedir esta redução, a ré introduziu a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006. Esta quantia destinou-se a garantir aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 - no dia 22 de Abril de 2009 - o pagamento de um montante que correspondia ao valor das duas horas de trabalho nocturno que prestavam - entre as 20.00 horas e as 22.00 horas - e que deixaram de ser consideradas como tal, permitindo que continuassem a receber a mesma quantia. Tratou-se de uma opção que correspondia aos regimes transitórios do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e do Código do Trabalho de 2003 e não teve qualquer finalidade discriminatória.
Estas testemunhas acrescentaram que a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 apenas era paga aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, sendo certo que era o que se passava com as trabalhadoras Joaquina e MC e que a autora não preenchia esta condição, uma vez que apenas havia passado a exercer funções no 2º Turno a partir do dia 14 de Janeiro de 2013. Além disso, esta quantia deixava de ser paga aos trabalhadores que passavam a exercer funções noutro turno, o que era verificado mensalmente pelos responsáveis pelo processamento dos salários.
As testemunhas indicadas pela ré não puseram em causa esta factualidade. Do depoimento destas testemunhas resultou que aceitavam que a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 apenas fosse paga aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno. Por outro lado, também aceitavam que os trabalhadores mais novos que passavam a exercer funções no 2º Turno depois da cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 não recebessem esta quantia. A sua divergência era apenas que consideravam que esta quantia devia ser paga aos trabalhadores mais antigos - que foram admitidos antes da cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 - e que passaram a exercer funções no 2º Turno depois desta data.”.
Resulta daqui, pois, a improcedência desta parte da impugnação.
Da matéria do nº 21 haverá que dizer que os motivos pelos quais nos levou já concluir pela improcedência da impugnação são aqui válidos quando se pretende demonstrá-la mediante prova oral.
Da matéria do nº 29 não resta senão estar de acordo com a fundamentação da convicção do tribunal a quo segundo a qual:.

“O tribunal não considerou provado que a autora foi humilhada e envergonhada perante os restantes trabalhadores da ré porque nenhuma prova foi produzida neste sentido. A este propósito, o mais que se apurou foi que a autora considerava que estava a ser discriminada porque entendia que devia receber a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006, sem que, todavia, tal tivesse prejudicado o exercício das suas funções ou a sua vida diária”.
Os trechos dos depoimentos das citadas testemunhas Rosa e MP trazidos à colação pela recorrente em nada contrariam essa exposição de motivos. O mais que ainda se retira deles é o “aborrecimento” ou o “choro” ou “revolta” mas sem qualquer precisão sobre as circunstâncias que os motivavam e, menos ainda, que levavam ao ponto de poder ter repercussão na saúde.
Mais uma vez improcede a impugnação.

Por fim a recorrente impugna a matéria considerada assente dos pontos 10 a 15 e 18 a 22 (a ré aplicava aos seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, celebrado entre Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico e o Sindicato dos Electricistas do Norte e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 26, de 15 de Julho de 1977; este contrato colectivo de trabalho estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 20.00 horas; no dia 22 de Abril de 2009, por aviso publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 15, desta data, ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977; a ré passou a aplicar aos seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, celebrado entre a ANIMEE - Associação Portuguesa das Empresas do Sector Eléctrico e Electrónico e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 17, de 8 de Maio de 2006; este contrato colectivo de trabalho estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 22.00 horas; a substituição do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 pelo Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e a entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003 implicaram uma redução relativamente ao pagamento do trabalho nocturno; na vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, os trabalhadores da ré que exerciam funções neste turno prestavam três horas de trabalho nocturno que eram pagas com o acréscimo correspondente; com a cessação da vigência deste contrato colectivo de trabalho e a sua substituição pelo Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e com a entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003, estes trabalhadores passaram a prestar somente uma hora de trabalho nocturno, o que implicava uma redução da quantia que recebiam; para impedir esta redução, a ré introduziu a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006; esta quantia destinou-se a garantir aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, o pagamento de um montante que correspondia ao valor das duas horas de trabalho nocturno que prestavam entre as 20.00 horas e as 22.00 horas e que deixaram de ser consideradas como tal, permitindo que continuassem a receber a mesma quantia; e, a ré apenas paga a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno no dia 22 de Abril de 2009 e que continuaram a exercer funções neste turno após esta data).
Entende não ter ficado provada.
Segundo a recorrente, a prova em que o tribunal a quo se fundou não “poderia ser considerada suficiente” e “os documentos juntos nem sequer têm a virtualidade de sustentar o que se encontra alegado na contestação no que concerne aos contratos colectivos invocados”.
Nomeadamente comenta os depoimentos em que o tribunal a quo se baseou sem os nomear.
Não particulariza as testemunhas relativamente a cada matéria de tais pontos, cujo teor formal não lhe suscita qualquer óbice.
Ou seja, não concilia e adequa qualquer um esses pontos à prova que a impugnação pudesse suscitar.
Dos excertos que a recorrente transcreve de forma parcelar do depoimento da testemunha António não se logra extrair tão pouco que conjuntamente com os depoimentos das demais testemunhas da recorrida o tribunal a quo nele também não se pudesse fundamentar nos termos já citados para formar a sua convicção.

Respeitante às testemunhas João e Cristina, tirando a última referência que se faz ao depoimento desta a recorrente não define os limites finais do tempo do registo dos respectivos trechos a que se pudesse estar a referir e nem os transcreve.
No último trecho do depoimento da segunda, de difícil percepção ao ser auditado (artº 155º, nº 4 do CPC) inclusivamente não se alcança verdadeiramente em que é que a eventual indecisão sobre “os outorgantes dos CCT referidos e se eram coincidentes em ambos” como é comentado pela recorrente, poderia impedir que se desse como assente toda ou parte da factualidade em causa.
A recorrente contesta prova documental de molde mais uma vez genérica e sem a conciliação com outra prova.
A recorrente acaba também por não depreciar segundo um juízo crítico e lógico a decisão do tribunal a quo sobre esta matéria, praticamente alheando-se da fundamentação da convicção que esteve na base dessa decisão.
Na fase do saneamento deste processo não se organizou a matéria facto em factualidade assente e base instrutória bem como não se identificou o objecto do litígio e enunciaram temas de prova.
A impugnação de que tratamos tem regras, as advenientes dos termos conjugados dos artºs 635º, nº 4 e 640º do CPC.
Os requisitos devem resultar sinteticamente das conclusões do recurso sob pena de estar vedado ao tribunal ad quem o seu conhecimento.
Segundo Amâncio Ferreira “expostas pelo recorrente, no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada, deve ele, face à sua vinculação ao ónus de formular conclusões, terminar a sua minuta pela indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que pede a alteração ou anulação da decisão” (Manual dos Recursos em Processo Civil, 7ª ed, 172 e 173).
Elas desempenham um papel fundamental, não apenas porque sintetizam as razões que estão subjacentes à interposição do recurso, mas porque definem o seu objecto.

Por sua vez o artº 640º do CPC, com a epígrafe o “ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
De harmonia com o previsto no n.º 2 do mesmo preceito no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
“a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante;
b) …”.
A transcrição destes trechos não é, portanto, procedimento que substitua, nomeadamente, os ónus previstos nos nºs 1 alª b), e 2, alª a) desse artigo, de cuja observância, de resto, se vai determinar o posicionamento daqueles no registo de áudio e permite constatar a correcção da redução a escrito.
Face ao estatuído nos artigos 64º, 65º e 72º do CPT impõem-se que a prova a produzir se faça em torno de factos concretos e não sobre grandes categorias caracterizadores de factos, reconduzindo a diversas condutas, cenários, ocorrências e eventos, sob pena de condicionamento da legítima actuação das partes e da descoberta da verdade material.
Segundo o aresto do STJ (20.12.2017, Procº 299/13.2TTVRL.C1), “a alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique "[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida", impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.”.
Não há lugar a qualquer despacho de aperfeiçoamento para o efeito (Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, 127).
A impugnação da matéria de facto não visa a concretização de um segundo julgamento que inclua a reapreciação global e genérica de toda a prova.
Tem apenas por fim um segundo grau de apreciação da matéria de facto, de modo a colmatar eventuais erros de julgamento, nos concretos pontos de facto que ao recorrente se impõe assinalar.
A criação do ónus de alegação no que respeita à delimitação do objecto da impugnação e à respectiva fundamentação, encontra-se justificada no preâmbulo do DL nº 39/1995, de 15.02 (que veio estabelecer a possibilidade de documentação ou registo das audiências finais e da prova nelas produzida): “A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
Como refere Abrantes Geraldes (ob citada) “importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor.
Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilização das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Expendeu-se também no acórdão do STJ de 22.10.2015 (www.dgsi.pt) que “o sentido e o alcance dos requisitos formais da impugnação da decisão de facto previstos no nº 1 do artº 640º do CPC devem ser equacionados à luz das razões que lhes estão subjacentes, mormente em função da economia do julgamento em sede de recurso de apelação e da natureza da própria decisão de facto.”.
As especificações consagradas no mesmo artº 640º relacionam-se obviamente com a inteligibilidade da própria impugnação bem como com a unidade da prova; com o facilitar, à outra parte e ao tribunal da localização precisa dos problemas a resolver no meio de um processo que pode ter centenas de factos e dezenas de documentos e depoimentos, por um lado, só assim também se garantindo o exercício do contraditório de quem tem interesse no desfecho do recurso, por outro, e evitando-se que o tribunal viole o seu dever de independência e equidistância, assim como, a relatividade do decidido face à idealizada pretensão do impugnante.
A sua observância não surge, pois, desproporcionada.
Em nada diminui o grau de violação da norma a circunstância de se contra-alegar ou do tribunal ad quem admitir que entende a finalidade da impugnação e os meios em que se apoia.
Não será seguramente por este argumento que se deve nortear o rigor da interpretação da lei face a qualquer realidade concreta sob pena da subjectividade imperar, conduzindo à neutralização da eficácia da norma.
É que sendo natural que se divirja pode ser impossível reconhecer o entendimento do homem médio enquanto intérprete da impugnação.
E a prevalência da substância sobre a forma não poderá consistir na negação de regras do processo intrinsecamente instrumentais do exercício de direitos substantivos.
Não se argumente ainda que casos há que não é difícil descortinar quais são as respectivas partes da decisão colocadas em causa pela impugnação e o sentido apropriado para as mesmas através da confrontação do alegado com as questões, a matéria considerada provada e não provada e a dimensão temporal dos depoimentos.
Mas este exercício é em vão colocando em crise os princípios do contraditório, do dispositivo e da igualdade de armas entre as partes.
Por tudo isto se conclui que no caso concreto ao não se particularizar para cada matéria visada a prova testemunhal que se indica e ao não se indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, a impugnação da decisão da matéria de facto na parte que respeita à matéria dada como assente na sentença, viola o disposto no artº 640º, nºs 1, alª b), e 2, alª a), pelo que deve ser rejeitada.
Mas mesmo que não rejeitada, apenas face ao sobredito sempre se dirá ainda que a mesma parte da impugnação deveria improceder in totum.
Com efeito sempre se pode afirmar ainda que na medida dos trechos dos depoimentos trazidos à colação a censura que a recorrente exerce sobre o juízo do tribunal a quo é inconclusiva, pelo que de forma irremediável quedar-se-ia no sentido da inconsistência e improcedência.
Querendo isto dizer também que aos excertos dos depoimentos realçados pela recorrente, inclusivamente em relação a toda a impugnação, não se lhes pode conferir o significado que a recorrente pretende e menos ainda a virtualidade de imporem a modificação da decisão de facto como se reclama nos artºs 640º, nº 1, alª b), e 662º, nº 1, do CPC (“…que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” ou “… impuserem decisão diversa”). Afigura-se-nos apodíctico que para estes normativos convinha especificar não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas, antes, que imponham decisão diversa da impugnada.
Para além disto conforme se salientou no parecer “no douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 198/04, publicado no DR, II Série, de 02.06.2004, a impugnação da decisão em matéria de facto “( ... ) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.

O que se compreende ainda porquanto é o juiz a quo quem procede ao julgamento da causa e nele aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca dos factos e não o Tribunal de recurso, cujo poder de intervenção se circunscreve a reapreciar pontos concretos da decisão da matéria de facto especificados nas conclusões do recurso com vista a reparar erros de julgamento ali cometidos.
E toda a apreciação da prova pelo tribunal a quo tem ainda a seu favor o importante princípio da imediação que não pode ser descurado no convencimento da veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaiu a mesma, segundo o princípio da liberdade de julgamento.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial.
O julgador deverá avaliar o depoimento em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência (Miguel Teixeira de Sousa, A Livre Apreciação da Prova em Processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII, 1984, 115 e seg).
Devendo-se concluir ainda que segundo as regras de experiência comum, esta factualidade posta em crise pela recorrente não só não se revela grosseiramente apreciada pela primeira instância como na nossa reapreciação da prova, já no gozo pleno do princípio da livre apreciação da prova é de manter.
Neste tipo de impugnação não se podendo condicionar as respostas à matéria de facto àquilo que se julga ser o mais consentâneo com a decisão de mérito que se perfilha, pelo que em detrimento das implicações em si da prova, fixada a factualidade assente ocorre igualmente consignar que somente a esta se aplica o pertinente direito substantivo.
A factualidade de que partiu o tribunal a quo para definir a sorte da lide foi aditada apenas da descrição das tarefas executadas pela recorrente e da equiparação das respectivas funções às de outros trabalhadores que “auferiam, mensalmente, a importância de 85,74€ a título da “Comp. Cláus. 3ª CCT2006”.
A matéria desta alteração poderia até ser deduzida pelo tribunal a quo da factualidade alegada por ambas as partes caso esse tribunal entendesse necessária como premissa para a decisão de mérito da causa.
A recorrente não prescinde da alteração da fatualidade em resultado da impugnação para o conhecimento do mérito da causa. Aborda esta nestes termos: “consequências jurídicas da reapreciação e alteração da matéria de facto”. Assim sendo encontra-se prejudicado o conhecimento do direito a aplicar à matéria ficada assente.
Mas sempre diremos que concordamos com o decidido pela 1ª instância que avaliou devidamente o motivo do não pagamento à recorrente de tal prestação, que dada a sua natureza não consiste em elemento retributivo nos termos do artº 258º do CT, afastando devidamente a aplicação da presunção prevista no nº 3 desse preceito e o ónus de prova que daí resultaria, e sendo que essa conduta não coloca em causa o princípio da igualdade de tratamento e da não descriminação ou não configura um tratamento discriminatório. (artºs 23º a 28º e 270º do CT).

Decidiu-se:
“A ré aplicava aos seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, celebrado entre Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico e o Sindicato dos Electricistas do Norte e outros (1 Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 26, de 15 de Julho de 1977). Este contrato colectivo de trabalho estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 20.00 horas (cfr. a cláusula 32ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977). A ANIMEE – Associação Portuguesa das Empresas do Sector Eléctrico e Electrónico, que sucedeu à Associação Nacional dos Industriais de Material Eléctrico e Electrónico, requereu a cessação da vigência deste contrato colectivo de trabalho, nos termos do art. 13º da Lei nº 99/2003 de 27 de Agosto. Esta cessação ocorreu no dia 22 de Abril de 2009 (2 Por aviso publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 15, de 22 de Abril de 2009). Após a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, a ré passou a aplicar aos seus trabalhadores o Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, celebrado entre a ANIMEE - Associação Portuguesa das Empresas do Sector Eléctrico e Electrónico e a FETESE - Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores de Serviços e outros (3 Publicado no Boletim do Trabalho e Emprego nº 17, de 8 de Maio de 2006). Este contrato colectivo de trabalho estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 22.00 horas (cfr. a cláusula 43ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006).
O regime dos Contratos Colectivos de Trabalho de 1977 e de 2006 correspondia ao regime que resultava da legislação laboral. Na vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, estava em vigor a legislação laboral anterior ao Código do Trabalho de 2003. Esta legislação estabelecia o pagamento do trabalho nocturno a partir das 20.00 horas (art. 29º nº 1 da Lei do Contrato de Trabalho). Na vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, estava em vigor a legislação laboral posterior ao Código do Trabalho de 2003, passou a estabelecer o pagamento do trabalho nocturno a partir das 22.00 horas (art. 192º nº 3 do Cód. do Trabalho de 2003).
A substituição do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 pelo Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e a entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003 implicaram uma redução relativamente ao pagamento do trabalho nocturno. Esta redução ocorria com todos os trabalhadores, independentemente da sua filiação sindical. Para os trabalhadores filiados nos sindicados subscritores do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, a redução decorria deste contrato colectivo. Para os trabalhadores que não eram filiados nos sindicatos subscritores do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006, a redução decorria do Código de Trabalho de 2003. Em qualquer caso, o trabalho prestado entre as 20.00 horas e as 22.00 horas, deixou de ser considerado trabalho nocturno e de ser pago com o acréscimo correspondente.
Esta alteração prejudicava os trabalhadores da ré que exerciam funções no 2º Turno. Este turno iniciava às 14.30 horas e terminava às 23.00 horas. Na vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, os trabalhadores da ré que exerciam funções no 2º Turno prestavam três horas de trabalho nocturno que eram pagas com o acréscimo correspondente. Com a cessação da vigência deste contrato colectivo de trabalho e a sua substituição pelo Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e com a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, estes trabalhadores passaram a prestar somente uma hora de trabalho nocturno, o que implicava uma redução da quantia que recebiam.
Para impedir esta redução, a ré introduziu a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006. Esta quantia destinou-se a garantir aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 - no dia 22 de Abril de 2009 - o pagamento de um montante que correspondia ao valor das duas horas de trabalho nocturno que prestavam - entre as 20.00 horas e as 22.00 horas - e que deixaram de ser consideradas como tal, permitindo que continuassem a receber a mesma quantia.
Tendo sido delimitada a génese da quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 e a finalidade da sua introdução pela ré, vejamos se esta quantia tem natureza retributiva, tal como sustenta a autora.
O art. 82º da Lei do Contrato de Trabalho estabelecia que se considerava retribuição aquilo a que o trabalhador tinha direito como contrapartida do seu trabalho. A retribuição compreendia a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas que eram feitas pelo empregador, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. Até prova em contrário, presumia-se que integrava a retribuição toda e qualquer prestação feita pelo empregador ao trabalhador.
A retribuição era constituída pelo conjunto de valores, pecuniários ou não, que o empregador estava obrigado a pagar ao trabalhador, regular e periodicamente, em razão da actividade por ele desempenhada ou, mais exactamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida (4 Neste sentido pode ver-se o Ac. do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 14 de Janeiro de 2015, in www.dgsi.pt, de acordo com o qual ‘a retribuição é constituída pelo conjunto de valores (pecuniários ou em espécie) que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desenvolvida’).
A natureza retributiva de uma prestação feita pelo empregador assentava em duas características. Por um lado, integravam a retribuição as prestações que representavam a contrapartida da prestação de trabalho desempenhada pelo trabalhador. Por outro lado, a natureza retributiva de determinada prestação exigia regularidade e periodicidade no seu pagamento, no sentido de que se mantinha ao longo de um certo período de tempo e era paga em períodos aproximadamente certos (5 A este propósito, pode ver-se o Ac. da RELAÇÃO DE LISBOA de 16 de Dezembro de 2009, in www.dgsi.pt, de acordo com o qual ‘a qualificação de uma prestação remuneratória como retribuição depende da verificação cumulativa dos seguintes elementos: tem que corresponder a um direito do trabalhador; tem que ter a sua base no contrato de trabalho, no instrumento de regulamentação colectiva do trabalho ou na norma legal aplicável ou no uso da empresa; tem que constituir uma contrapartida regular e periódica do trabalho prestado e tem que ter um valor patrimonial’). Estas características permitiam presumir a existência de uma vinculação prévia do empregador ao pagamento da prestação. Simultaneamente, traduziam a medida das expectativas de ganho do trabalhador, uma vez que se tratava de prestações com as quais este podia contar no seu orçamento pessoal (6 Nos dizeres de ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, in Direito do Trabalho, pág. 458, ‘a repetição (…) do pagamento de certo valor, com identidade de título ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa – uma expectativa que é justamente protegida’).
Este conceito apenas excluía da retribuição as meras liberalidades que não correspondiam a um dever do empregador e aquelas prestações cuja causa determinante não era a prestação de trabalho desempenhada pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade para essa prestação, antes tinham uma causa específica e individualizável diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho.
No que respeita ao carácter regular e periódico das prestações, não estava em causa uma quantificação de cariz matemático do número de repetições do pagamento. A regularidade não tinha que ser aferida de forma rígida e absoluta por um número certo de repetições do pagamento em cada ano. Apesar disso, sempre foi entendido que a regularidade não podia prescindir da predominância ou prevalência do pagamento da prestação, o que implicava que o pagamento devia ocorrer mais vezes do que aquelas em que não se verificava (77 Neste sentido pode ver-se BERNARDO DA GAMA LOBO XAVIER, in Introdução ao Estudo da Retribuição no Direito do Trabalho Português - Revista de Direito e de Estudos Sociais – nº 1, pág. 65).
Este entendimento legitimava que se considerasse, embora somente para efeitos indiciários e como critério mínimo da regularidade, que o pagamento da prestação devia ocorrer, pelo menos, em seis meses do ano. Considerava-se também que a regularidade devia aferir-se no âmbito de um período global de tempo reportado a vários anos. Neste sentido pode ver-se o Ac. da Relação do Porto de 21 de Fevereiro de 2011, de acordo com o qual ‘a prestação considera-se regular e periódica e integra-se no conceito de retribuição quando é prestada com frequência, isto é, quando é paga, pelo menos, em seis meses do ano’(8 In www.dgsi.pt.).
No âmbito do Código do Trabalho de 2003, o regime era idêntico. O art. 249º deste diploma estabelecia aquilo que denominava de princípios gerais da retribuição. Destes princípios resultava que se considerava retribuição aquilo a que o trabalhador tinha direito como contrapartida do seu trabalho. Na contrapartida do trabalho incluía-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas que eram feitas pelo empregador, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. Até prova em contrário, presumia-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador.
Este regime manteve-se no Código do Trabalho de 2009, tal como resulta do art. 258º deste diploma.
Porém, entretanto, surgiu o Ac. de Fixação de Jurisprudência nº 14/2015 de 1 de Outubro, de acordo com o qual ‘no cálculo das retribuições de férias e de subsídio de férias do tripulante de cabina deve atender-se à média das quantias auferidas pelo mesmo, a título de prestação retributiva especial a que alude a cláusula 5ª do Regulamento de Remunerações, Reformas e Garantias Sociais, nos doze meses que antecedem aquele em que é devido o seu pagamento, desde que, nesse período, o tripulante tenha auferido tal prestação em, pelo menos, onze meses’(9 In DIÁRIO DA REPÚBLICA - 1ª Série de 29 de Outubro de 2015).
A questão essencial que estava em apreciação neste acórdão não era a de saber qual o período de tempo a que devia atender-se para que se considerasse que uma determinada prestação era regular e periódica, mas a verdade é que esta questão acabou por ser apreciada, tendo sido fixada jurisprudência no sentido de que se exige que o pagamento ocorra em, pelo menos, onze meses do ano. Por outro lado, este acórdão era relativo ao regime retributivo dos tripulantes de cabina, mas a sua argumentação é inteiramente aplicável aos restantes trabalhadores e não existe qualquer razão para distinguir, estabelecendo-se um regime diferenciado. Assim, deve entender-se que, afastando aquele que era o entendimento dominante, foi fixada jurisprudência no sentido que uma prestação apenas pode ser considerada regular e periódica e integrada na retribuição se for paga em, pelo menos, onze meses do ano. Tem sido esta a posição da jurisprudência, servindo de exemplo, entre muitos outros, o Acórdão da Relação do Porto de 16 de Novembro de 2015, de acordo com o qual ‘no cálculo das retribuições (...) deve atender-se à média das prestações complementares auferidas em, pelo menos, onze meses do ano (revendo-se a posição anterior face ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 14/2015 de 1 de Outubro de 2015 (...), o qual tem, nos termos do art. 186º do Cód. de Processo do Trabalho e do 686º do Cód. de Processo Civil, valor ampliado de revista)’(10 In www.dgsi.pt..).
Transpondo estes princípios para o caso dos autos, temos que a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 não tem natureza retributiva. Está em causa uma prestação que tem uma causa específica e individualizável diversa da remuneração da actividade desempenhada ou da disponibilidade para o trabalho. Esta quantia foi introduzida pela ré para impedir que os trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno passassem a receber uma quantia inferior, em consequência da cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977. Tratou-se de uma prestação que visou impedir uma redução da quantia os trabalhadores recebiam que decorria da alteração do regime da contratação colectiva e da legislação laboral relativamente ao trabalho nocturno, sem qualquer relação com a actividade que desempenhavam ou a disponibilidade para o trabalho.
A finalidade desta quantia é confirmada pela denominação que foi adoptada pela ré. A cláusula 3ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 refere-se ao regime transitório que foi estabelecido para acautelar a continuação do pagamento do trabalho nocturno nos moldes anteriores, evitando uma redução da quantia que os trabalhadores recebiam. Desta cláusula resulta, inclusivamente, que esta quantia devia ser processada por rubrica separada, o que tudo indica que se pretendeu precisamente evitar qualquer confusão com a retribuição, esclarecendo-se que estava em causa uma quantia autónoma para a situação específica em que determinados trabalhadores se encontravam.
A autora sustenta que o não pagamento da quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 configura um tratamento discriminatório.
O tratamento discriminatório a que a autora se refere está relacionado com o princípio do trabalho igual, salário igual.
Este princípio decorre do princípio da igualdade e foi concretizado nos art. 23º nº 1 e 25º nº 1 do Cód. do Trabalho. O primeiro destes preceitos considera que ocorre uma situação de discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável e define trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade e trabalho de valor igual como aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado. O segundo preceito proíbe ao empregador qualquer discriminação em razão destes factores (11 A este propósito, pode ver-se o Ac. da RELAÇÃO DO PORTO de 15 de Outubro de 2012, in www.dgsi.pt, de acordo com o qual 'o conceito de discriminação (...) está associado à existência de algum factor de discriminação').
A proibição do tratamento discriminatório não impede um tratamento diferenciado entre os trabalhadores. A este propósito, não se trata de impor uma igualdade absoluta.
Aquilo que se proíbe é o arbítrio, o que se traduz num tratamento diferenciado que prejudica injustificadamente um trabalhador. No que respeita à retribuição, são admissíveis diferenças entre os trabalhadores, mesmo que exerçam funções idênticas, desde que tenham uma justificação ou um fundamento material. A este propósito, pode ver-se o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 2011, de acordo com o qual ‘o princípio da igualdade (...) reporta-se a uma igualdade material, que não meramente formal, e concretiza-se na proscrição do arbítrio e da discriminação, devendo tratar-se por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual; o princípio do trabalho igual salário igual, corolário daquele, pressupõe a mesma retribuição para trabalho prestado em condições de igual natureza, qualidade e quantidade, com proibição da diferenciação arbitrária, materialmente infundada’(12 In www.dgsi.pt). No mesmo sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Lisboa de 2 de Fevereiro de 2005, de acordo com o qual 'o que se proíbe (...) são as discriminações sem fundamento material, nomeadamente as assentes em meras categorias subjectivas; se as diferenças de remuneração assentarem em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas e não discriminatórias' (13 In www.dgsi.pt.)
A matéria de facto provada não permite que se afirme a existência de qualquer tratamento discriminatório. Por um lado, a autora não está na mesma situação que os trabalhadores que recebem a quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006. Esta quantia é paga aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, o que não ocorre com a autora. A cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 ocorreu no dia 22 de Abril de 2009 e a autora apenas passou a exercer funções no 2º Turno a partir do dia 14 de Janeiro de 2013. Por outro lado, o pagamento da quantia denominada Complemento da Cláusula 3ª CT/2006 exclusivamente aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977 corresponde a uma opção materialmente fundada. Esta quantia foi introduzida pela ré para impedir que os trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno passassem a receber uma quantia inferior em consequência da cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977. O afastamento desta redução relativamente aos trabalhadores que exerciam funções no 2º Turno na data em que ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, impedindo que estes trabalhadores passassem a receber uma quantia inferior àquela que recebiam anteriormente, corresponde aos regimes transitórios do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e do Código do Trabalho de 2003. A cláusula 3ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 (14 A cláusula 3ª do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 tem a seguinte redacção:

Cláusula 3ª

Trabalho nocturno - Regime transitório
1 - O valor equivalente ao acréscimo pela prestação do trabalho nocturno entre as 20 e as 22 horas será mantido como compensação aos trabalhadores que à data da entrada em vigor do presente contrato preencham uma das seguintes condições:
a) Tenham sido contratados, pelo menos há 60 dias, para horário que inclua o referido período entre as 20 e as 22 horas;
b) Que, estando a praticar horário que inclua aquele período, tenham efectivamente prestado o seu trabalho das 20 às 22 horas durante 180 dias no período de 12 meses imediatamente anterior à entrada em vigor da presente convenção.
(…)) e o art. 11º nº 2 da Lei nº99/2003 de 27 de Agosto (15 O art. 11º nº2 da Lei nº99/2003 de 27 de Agosto tem a seguinte redacção Artigo 11º: Garantias de retribuição e trabalho nocturno
(…)
2 - O trabalhador que tenha prestado, nos doze meses anteriores à publicação do Código do Trabalho, pelo menos cinquenta horas entre as 20 e as 22 ou cento e cinquenta horas de trabalho nocturno depois das 22 horas mantém o direito ao acréscimo de retribuição sempre que realizar a sua prestação entre as 20 e as 22 horas.) - diploma legal que aprovou o Código do Trabalho de 2003 - estabeleceram regimes transitórios destinados a impedir que ocorresse uma redução da quantia que os trabalhadores recebiam em consequência da alteração do pagamento do trabalho nocturno a partir das 20.00 horas para as 22.00 horas. Foi precisamente isto que a ré fez. A única diferença foi que a ré impediu que ocorresse uma redução da quantia que os trabalhadores recebiam desde que prestassem trabalho nocturno entre as 20.00 horas e as 22.00 horas quando ocorreu a cessação da vigência do Contrato Colectivo de Trabalho de 1977, sem qualquer outra exigência, o que se traduziu numa opção de protecção mais benéfica para os trabalhadores, uma vez que os regimes transitórios do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e do Código do Trabalho de 2003 acrescentavam a exigência de que tivesse sido prestado um determinado número de horas de trabalho naquele período. A opção da ré foi, assim, materialmente fundada. Tratou-se de uma opção que acolheu a orientação que resultava do entendimento das partes contraentes e do legislador nos regimes transitórios do Contrato Colectivo de Trabalho de 2006 e do Código do Trabalho de 2003 e que teve como única diferença um tratamento mais benéfico para os trabalhadores ou, se preferirmos, uma protecção mais alargada do que aquela a que a ré estava obrigada.
Não existindo qualquer conduta ilícita da ré, a autora não tem direito à indemnização por danos não patrimoniais que reclama. A responsabilidade do empregador para com os trabalhadores insere-se na responsabilidade contratual (art. 798º do Cód. Civil). Como bem salienta ANTUNES VARELA, nesta responsabilidade é necessária a ilicitude da conduta para que ‘recaia sobre o devedor a obrigação de indemnizar o prejuízo causado ao credor’, a qual ‘resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado’ (16 In Das Obrigações em Geral - Vol. II, pág. 93).”
Não se deve olvidar que quando a acção tem por fundamento algum dos factores característicos da discriminação, o trabalhador tem “de alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram um daqueles factores característicos da discriminação” (Ac do STJ de 22.04.2009, www.dgsi.pt).
Os motivos pelos quais a sentença afasta a verificação de tratamento discriminatório são os correctos e, por seu turno, a natureza não remuneratória da prestação é quanto basta para não se poder apelar ainda ao disposto no artº 270º do CT.
O pagamento da prestação em causa sempre era de cessar desde que não perdurasse a situação em que assentava o seu fundamento.
A recorrente sequer baseou a sua pretensão no princípio da irredutibilidade da retribuição, previsto no artº 129º, nº 1, alínea d), do CT.
Em qualquer caso, conforme aresto do STJ “a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares. Com efeito, tal como vem sendo entendimento unânime da nossa Jurisprudência e da nossa Doutrina, o citado princípio, previsto no normativo antes enunciado, não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (v.g. isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho)” (acórdão do STJ de 19.02.2014, proc. nº 4272/08.4TILSB.L1.S1). Ou da RP: “Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição (...), não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (vg. isenção de horária de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho)”(acórdão da RP de 10.10.2016, proc. nº 25236/15.6T8PRT.P1). Ou ainda doutrina de Pedro Soares Martinez (Direito do Trabalho, 3ª, 595): “os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho - como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” - podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento.”.
Acresce que não vem ao caso o esclarecimento de que a recorrente “não reclama uma parcela retributiva emergente da aplicabilidade de algum Contrato Colectivo de Trabalho à sua relação laboral com a Ré”, independentemente do entendimento que a recorrida tivesse plasmado na contestação sobre os fundamentos da sua pretensão final que não vai ao ponto de se poder afirmar que “pretende fazer crer, para justificar a discriminação salarial, que no estabelecimento fabril da autora, os restantes colegas de trabalho que não se encontram filiados no SITE e que auferem determinadas regalias, salários superiores, são justificáveis pela aplicação de uma alegada nova Convenção Colectiva!, o que não é de todo verdade”.
De igual modo, assim, a argumentação sobre a circunstância de ambas as trabalhadoras nominalmente citadas nos factos assentes serem associadas de outro sindicato não outorgante do CCT/2006 e “a Ré nem sequer alegou ou fez prova da aplicabilidade dos Contratos Colectivos de Trabalho, ou seja, não demonstrou que estivesse preenchido o requisito da dupla filiação – artigos 496º e 497º CT”.
E certo é, atento à factualidade assente que a falar-se de usos da empresa os mesmos só podem ser interpretados no sentido veiculado pela sentença.

Do abuso de direito

A propósito refere a recorrente que a recorrida “procura sustentar o tratamento diferenciado, a nível salarial, entre trabalhadores que exercem as mesmas funções, com o argumento da data de uma alegada caducidade de uma CCT, o que se traduz, claramente num propósito meramente economicista, de redução de custos, manifestamente injustificável, traduzindo-se, num tratamento discriminatório entre trabalhadores de uma mesma empresa.”.
Ora o critério que se intui quanto ao pagamento da prestação não revela ter aquele propósito.
E sendo o princípio do dispositivo igualmente observável neste domínio processual, do alegado pela recorrente não se retira qualquer consequência no sentido da violação da tutela da confiança por lhe ser expectável pela conduta da recorrida, bem como para o homem médio, agindo de acordo com os ditames da boa fé, que independentemente da circunstância pelos quais os trabalhadores do 2º turno em Abril de 2009 passaram a ser pagos a tal título esse pagamento também era para ser feito a qualquer trabalhador que viesse depois a trabalhar nesse mesmo turno.
Nesta parte é mais uma vez o recurso improcedente.

Da inconstitucionalidade

A afirmação desta tem a ver mais uma vez com a limitação do universo de trabalhadores recebedores da prestação segundo a citada opção da recorrida ao determinar o pagamento da prestação. Segundo a recorrente tal entendimento é inconstitucional, por violar “o principio constitucional previsto no art.º art.º 59º, n.º 1, al. a) da CRP – no qual confere a “todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito” (…) “à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna”.
A recorrente não explicita os motivos da razão da inconstitucionalidade face à expressão tão genérica de que se reveste esse princípio, o qual também, segundo o acórdão da RP de 05.05.2014 (www.dgsi.pt) “não significa uma igualdade absoluta em todas as circunstâncias, nem impede que possa haver, justificadamente, tratamento diferenciado, ou seja, que a diferenciação de tratamento se mostre legitimada sempre que se baseie numa diferença objectiva de situação e não se fundamente em razão de “(…) razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social”. Para Júlio Gomes (Algumas reflexões sobre o ónus da prova em matéria de paridade de tratamento retributivo”, I Congresso Nacional de Direito de Trabalho, Almedina, 313 e seg) “a paridade de tratamento surge assim como uma redução da discricionariedade, é permitida uma política retributiva baseada no mérito de cada trabalhador “simplesmente a diferenciação deve corresponder a critérios predeterminados e antecipadamente conhecidos, portanto transparentes, ou pelo menos, resultar de uma utilização razoável dos poderes empresariais”.

Assim, atento também ao antes expendido sobre a natureza da prestação e não cabendo retornar aqui ao direito infraconstitucional ou ordinário, certo é que a justificação para a opção da recorrida antes decorre até da salvaguarda da capacidade de ganho daqueles trabalhadores que obtinham o pagamento de trabalho nocturno quando era considerado legalmente e pelos IRCs prestado a partir das 20 horas e nesse regime continuavam a laborar, sendo que apenas a estes se admitiria tutelar a sua expectativa económica, pelo que não está em causa a identidade de trabalho prestado e do salário recebido.
Muito menos então se pode falar de inconstitucionalidade face ao disposto nos artºs 13º, 17º, 18º e 53º da CRP, pelo que de novo improcede o recurso.
Pelo que se deixa dito todas as questões que se coloquem a jusante encontram-se prejudicadas e nestes termos será julgado improcedente o recurso

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- No julgamento da matéria de facto os poderes da 2ª instância estão delimitados pelo nº 1 do artº 662º do CPC (artº 640º, nº 1, alª b) do CPC), pelo que a decisão sobre a matéria de facto só deve ser alterada se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2- Por isso devem ser especificados não meios de prova que admitam, permitam ou consintam decisão diversa da recorrida mas antes que imponham decisão diversa da impugnada.
3- A impugnação da decisão em matéria de facto “( ... ) terá de assentar na violação dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na convicção ou porque se violaram os princípios para aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção. Doutra forma, seria a inversão da posição das personagens do processo, como seja a de substituir a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão (...)”.
4- Nos termos dos artºs 64º, 65º e 72º do CPT a prova a produzir deve ser em torno de factos concretos e não sobre grandes categorias caraterizadoras de factos, reconduzindo a diversas condutas, cenários, ocorrências e eventos, sob pena de condicionar a legítima actuação das partes e a descoberta da verdade material.
5- Na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, segundo o artº 640º, nº 1, alª b), do CPC impõe-se que a concretização aí prevista seja feita relativamente a cada um dos factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.
6- É de rejeitar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por violação do disposto no artº 640º nºs 1, alª b), e 2, alª a), do CPC quando não se particulariza para cada matéria visada a prova testemunhal que se indica e não se mencionam com exactidão as passagens da gravação dos depoimentos alegadamente valorados de forma errada.
7- A prestação que passou a ser paga a título de compensação aos trabalhadores que prestavam trabalho em período diário que deixou ser considerado por lei ou por IRC de trabalho nocturno não tem natureza remuneratória.
8- Inexiste descriminação salarial se essa prestação é paga apenas aos trabalhadores que então prestavam funções em turno abrangendo esse período.
9- Inexiste exercício abusivo de direito sem a especificação de factualidade que possibilite a expressão do grau de frustração de expectativas devido à conduta de quem exerce esse direito.

Decisão

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença.
Custas a cargo da recorrente sem prejuízo da isenção de que beneficia (artº 4º nºs 1, alª h), 6 e 7 do RCP).
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O acórdão compõe-se de 55 folhas, com os versos não impressos.
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15.03.2018

Eduardo Azevedo
Vera Sottomayor
Antero Veiga